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S E X UA L I DA DE

A SEXUALIDADE DA MULHER NEGRA


JA R I D A R R A ES 17 C O MME NTS 2 9 DE A B R I L DE 2 013

Por Jarid Arraes para as Blogueiras Negras 

A sexualidade é um campo diverso e subjetivo e, por isso, nada a seu respeito é unânime. A
construção sexual de cada pessoa é única, não podendo jamais ser caracterizada de forma
universal. No entanto, a reação da sociedade com relação à sexualidade feminina costuma ser
bastante semelhante para diversas mulheres no mundo. Isso se dá em grande parte por conta
das in uências do patriarcado. Esse sistema de organização social subjuga todas as mulheres,
mas o quadro é especi camente complicado para as mulheres negras.

Todas as mulheres são objeti cadas culturalmente e usurpadas de qualquer autonomia. Para
elas, há um processo compulsório a ser vivido para que a soberania sobre a própria sexualidade
seja retomada das mãos do patriarcado. É necessário um esforço extremamente desgastante
para conseguir sair da posição de objeto, sem direito a voz, e obter competência sobre a própria
vida sexual.

O MACHISMO CONTRA A MULHER NEGRA

A forma como a manutenção sobre a sexualidade feminina é exercida varia de acordo com as
outras interseccionalidades da mulher em questão. Uma mulher negra sofre os efeitos do
machismo e do patriarcado de forma diferente de uma mulher branca. Um bom exemplo para se
re etir está no caso da Quvenzhane, uma garota negra de 9 anos que foi chamada de “cunt”
(uma palavra derrogatória para se referir às mulheres, mais ou menos equivalente a “buceta” em
português) em um site de paródias de notícias. A reação das pessoas foi de relevar a ocorrência
por se tratar “somente de uma piada”. Mas quando uma mulher branca diz a mesma palavra na
televisão, as pessoas se chocam. Essa diferença na percepção das situações não é livre de
in uências socioculturais e, por isso, mesmo que inconscientemente, muitas pessoas
conseguem relevar o caso da Quvenzhane – apesar de ser uma criança e vítima de violência de
cunho sexual – somente pelo fato dela ser negra.

Nos dois casos, as garotas são dominadas pelo machismo e tratadas como seres sem
autonomia. O controle sobre a menina branca é feito de forma pretensiosamente protecionista,
enquanto a menina negra é visivelmente hostilizada. Isso nos leva a re etir sobre a própria idéia
de resguardo sexual na infância: uma menina branca deve ser resguardada de qualquer
expressão de sexualidade, mas para uma menina negra é considerado aceitável a exposição de
sexo ou violência, levando-a muitas vezes a situações de abuso sexual.

A COR DO PECADO

A mulher negra é cercada de dicotomias quando o assunto é seu corpo: por um lado, há um
misto de invisibilidade e indesejabilidade quando o corpo feminino é negro, pois no mercado
erótico, nas revistas masculinas e na representação midiática prevalecem as mulheres brancas
e loiras como mulheres desejáveis. Mamilos, axilas e genitais negros, por exemplo, são
considerados asquerosos, havendo uma in nidade de produtos com o m de clarear essas
partes. As qualidades sexualmente desejáveis são sempre aquelas associadas ao corpo da
mulher branca e mesmo as características consideradas ruins, como cabelo crespo ou nariz
largo, são muito mais toleradas em uma mulher de pele clara.

Nas raras ocasiões em que a sociedade expressa algum desejo por mulheres negras, é quase
sempre pela idéia de que a mulher negra é um “sabor diferente” e “mais apimentado” de mulher.
O corpo feminino negro é hipersexualizado e considerado exótico e pecaminoso. Quem nunca
ouviu falar que a mulher negra tem a “cor do pecado”? Essa é a brecha que sobrou para que o
patriarcado continue a impôr o racismo às mulheres negras: a dicotomia do gostoso, exótico e
diferente, mas que ao mesmo tempo é proibido, impensável, pecaminoso e não serve para o
matrimônio ou monogamia. Nossa sociedade já considera geralmente que o racismo é algo
ruim; o problema, em grande parte, está em identi car o racismo dentro de atitudes e políticas do
dia a dia. E segregar sexualmente as mulheres negras também é uma forma de racismo, mas é
socialmente aceitável em pleno século XXI.

OBJETIFICAÇÃO SEXUAL PRECOCE E O ESTIGMA DA PROMISCUIDADE

Desde cedo, a garota negra é simbolizada sexualmente. A nal, ela é considerada mais
provocativa do que a garota branca: tem a “cor do pecado” e não é “a garota certa para
relacionamentos”. As meninas e adolescentes negras são vistas sob um olhar objeti cador, são
as maiores vítimas da exploração sexual e, uma vez que a grande maioria provém das camadas
mais pobres – vestígios racistas inegáveis de uma sociedade escravocata -, são inseridas muito
cedo no mercado da prostituição forçada, sendo vendidas e trocadas por valores desprezíveis.

Por esses fatores, a garota negra cresce com o estigma de ser promíscua. E a verdade é que a
sociedade não re ete sobre a objeti cação e exploração que impõe às garotas negras, ela
apenas reforça seus conceitos racistas de exoti cação e condena a mulher negra a uma vida em
que sua sexualidade será sempre sua algoz. É essa garota negra que será usada como bode
expiatório para opiniões machistas sobre gravidez na adolesência e também é essa mulher
negra que será eternamente a mãe solteira, sem marido e sem moral.

DIFERENÇAS CULTURAIS

Seria incoerente analisar a sexualidade da mulher negra com a mesma ótica que observamos a
mulher branca. Há fenômenos socioculturais especí cos de uma população negra,
especialmente dentro de um contexto de segregação e classe social, como pode ser visto no
caso do funk, considerado “música de pobre” pela população rica e branca. Essas
especi cidades podem funcionar ao mesmo tempo como opressoras e empoderadoras para
mulheres negras.

Para tomar o poder sobre sua própria sexualidade, a mulher negra pode e deve agir de maneiras
diversas. Sua sexualidade não se encaixa num molde e nem é assunto para apenas um texto.
As nuances são muita e a complexidade é grande. É preciso expôr e falar mais sobre o assunto,
pois o empoderamento da mulher negra sobre seu próprio corpo e sexualidade encontra um
obstáculo monstruoso: o racismo. Ser dona de seu desejo sexual não é uma tarefa fácil.
Somente quando o racismo for derrubado, haverá espaço para que a mulher negra consiga ser
sexualmente livre.

É importante lembrar que quando o assunto é sexualidade feminina, nenhuma mulher tem sua
autonomia concedida pelo patriarcado. A necessidade não é de negar a objeti cação,
exploração e violência cometidas contra a mulher branca, mas saber que há contextos diversos.
A mulher branca, a negra, a indígena, a indiana, a japonesa, a sul-africana etc., cada uma delas
sofre exploração sexual, objeti cação, estupro e negação de autonomia, mas a forma como isso
acontece sofre nuances devido não apenas à etnia, como também à religião e classe
socioeconômica. A forma mais e ciente para combater esse tipo de violência é compreendendo
as necessidades mais importantes de cada contexto e lidando diretamente com as
especi dades de cada um. É preciso conhecer mais e promover discussões mais abrangentes,
assim como ações e políticas públicas que atinjam o alvo.

Jarid Arraes é educadora sexual, especialista em sex toys, escreve no Mulher Dialética e no
Guia Erógeno.

Acompanhe nossas atividades, participe de nossas discussões e escreva com a gente.

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WR I TTE N BY

JARID ARRAES

Integrante do FEMICA, colunista na Revista Fórum, cordelista e graduanda em


Psicologia.

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17 COMMENTS

PO S T A N TER I O R PRÓX I MO PO S T

PEC DOS DOMÉSTICOS: DA INVISIBILIDADE LITERATURA NEGRA – VIROU REGRA?


JURÍDICA PARA A CONCRETUDE DE DIREITOS

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