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CONTRIBUIÇÕES DA ETNOGRAFIA PARA


A SAÚDE PÚBLICA: ALGUMAS NOTAS
SOBRE O CAMPO, A PESQUISA E AS
MARCAS IMPRESSAS NO PESQUISADOR

RUBENS ADORNO

O campo de pesquisa da saúde pública é de natureza interdisciplinar


e, portanto, deve ser considerado como um campo recortado
por diferentes concepções de prática científica. Neste texto relatamos
algumas experiências de pesquisa de campo e da relação entre pesquisa-
dores e sujeitos na pesquisa com base na ótica das ciências humanas e
sociais como parte constituinte do campo da Saúde Pública.
Também priorizamos neste texto falar da contribuição do campo,
da fala e da relação com os sujeitos da pesquisa como parte importante
para a formação científica, ética e identitária do próprio pesquisador.
Nesse sentido defendemos o tema da ética da pesquisa como uma via
de mão dupla, ou como um processo que pretende estabelecer formas
de contato e relação, relações que só se podem estabelecer entre sujeitos
que buscam quebrar um contexto comunicativo que tradicionalmente
vem sendo estabelecido a partir de uma via de mão única, a que prioriza
na relação o pesquisador, que em nome de uma tradição que denomina
como ciência ou científica, estabelece os objetos a serem investigados.
Nosso pressuposto é que a pesquisa, toda vez que se relaciona com
sujeitos em uma sociedade de classes, se vê comprometida com as diferen-
ças, desigualdades, assimetrias, situações e representações existentes sobre
o pesquisador e os outros, no contexto no qual a pesquisa se estabelece.
A fala de um dos pesquisadores de campo de um projeto compa-
rativo de narrativas de vida de pessoas que estavam vivendo nas ruas e
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albergues da cidade de São Paulo,1 que, como outras cidades latino-


americanas, tem a figura dos recicladores, “cartoneros”, “catadores”,
se relacionou com o fato de que a partir do momento em que tinha
realizado entrevistas com homens e mulheres que puxavam carrinhos
carregados de material coletado nas ruas da cidade, nunca mais ficou
impaciente quando, dirigindo um automóvel, ficava atrás de um carri-
nho sendo puxado por uma pessoa na sua frente.
Nesse exemplo destaca-se a experiência da relação, no contexto
da pesquisa na qual os entrevistadores realizavam entrevistas com base
em um roteiro com pessoas que viviam e sobreviviam das ruas em São
Paulo. A forma de condução do campo e a relação estabelecida na qual
se escutavam as narrativas, a história de vida do outro, levaram a que
pesquisadores “reciclassem” a sua experiência de relação como habi-
tantes e usuários da circulação urbana de uma mesma cidade, e nessa
circulação se colocassem as experiências de sobrevivência da parcela da
população que sobrevivia de carregar os descartes que muitos lança-
vam de seus automóveis e de suas casas.
Recordando experiências de ensino e pesquisa, na área de Saúde
Pública, registramos a execução de uma proposta metodológica feita
pelas ciências sociais para execução do trabalho de campo multiprofis-
sional, etapa final dos cursos de especialização ministrados na época para
formação de sanitaristas que ocupariam cargos na administração, e que
cursavam a Especialização em Saúde Pública no final da década de 1980.
Até então os trabalhos de campo multiprofissionais se constituíam
na ida a um município do interior do estado de São Paulo e aí realizar
visitas às instituições de saúde, saneamento básico, inspeção sanitária,
etc., entrevistar técnicos administradores e autoridades municipais res-
ponsáveis pelas políticas federais e estaduais e as ações locais desses
órgãos no município, e coletar dados secundários de atendimento em
serviços e de dos eventos vitais para analisar indicadores de saúde e
assim realizar o chamado diagnóstico sociossanitário.
A proposta metodológica da área de Ciências Sociais foi realizar
um trabalho de contribuição etnográfica partindo da localização de

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Projeto “Global Cities” — Rompendo Barreiras da Exclusão Social.
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registros de óbitos infantis ocorridos no ano anterior ao da visita ao


município escolhido para o trabalho de campo, após o registro civil
localizar o domicílio de ocorrência da morte infantil e aí apresentar-se
na qualidade de estudantes de especialização de saúde pública, explican-
do que haviam consultado o cartório do município e tomado conheci-
mento do óbito infantil, solicitando às pessoas do domicílio que, se
desejassem, contassem a história e a sua versão sobre a morte da criança.
Quando da discussão dessa proposta metodológica, houve, de
alguns docentes e pesquisadores de saúde pública, a menção à questão
ética e à invasão da privacidade, uma vez que naquele momento não
havia uma normatização dos procedimentos de abordagem ética. Ou-
tros pesquisadores que defendiam a proposta sustentaram que a con-
sulta seria feita a um documento público, haveria um treinamento para
a abordagem das pessoas e principalmente uma discussão a respeito da
escuta do outro, principalmente de quem, tanto nos serviços de saúde
quanto no registro civil, não tinha sido escutado. Ainda se pressupu-
nha que o próprio registro de óbito nem sempre era compreendido, na
sua linguagem técnica, pelos mais próximos do sujeito que falecera.
Na realização do trabalho de campo durante três anos consecuti-
vos e em diversos municípios do estado de São Paulo não se registrou
nenhuma negativa dos sujeitos contatados e observou-se, ao contrário,
uma disposição bastante grande de falar sobre o fato que, na perspecti-
va dos sujeitos entrevistados, envolvia o que poderíamos identificar, de
acordo com os antropólogos, de um “drama social” (Turner, 1986),
pois nas trajetórias que envolveram a relação com os serviços de saúde,
o contato com as instituições e também com o registro civil, os entre-
vistados apontavam que não tinham podido falar ou discutir suas dú-
vidas e versões acerca do caso, do atendimento médico, do óbito da
criança, assim como não tiveram oportunidade de serem informados
ou atendidos em suas dúvidas e aflições em um fato social da intensi-
dade que envolvia uma perda.
Há de se registrar que também a investigação das falas dos sujei-
tos entrevistados com perda e de um drama social, na sua relação com
os serviços, levava a que se identificassem circuitos de pessoas e situa-
ções de vida que não apareciam na média dos indicadores do município.
contribuições da etnografia para a saúde pública 151

A fala desses sujeitos era ouvida então por pesquisadores, por sua
vez profissionais, e daí que a ida a campo, a visita à casa criava uma
situação para que essas pessoas falassem de suas vidas e das situações
enfrentadas em seu cotidiano nos serviços. Serem escutadas por pesqui-
sadores que por sua vez eram também profissionais que as atendiam,
foi um aspecto extremamente valorizado.
Do ponto de vista dos estudantes/pesquisadores a experiência de
pesquisa e o confronto com a fala do outro, que nas suas práticas pro-
fissionais eram sempre identificados como pacientes ou usuários do
serviço, contribuiriam para alargar a discussão acerca dos serviços, das
políticas de saúde e da própria situação dos usuários nos serviços, tam-
bém estabeleceriam um plano discursivo do ponto de vista dos diferen-
tes profissionais envolvidos contribuindo para a apreensão crítica do
que convencionalmente era entendido como “multiprofissionalidade”.
É importante destacar que a grande maioria dos óbitos infantis
que ocorriam em municípios do estado de São Paulo, no final da déca-
da de 1980, relacionava-se com as classes populares, ou o que fora
encontrado nos trabalhos de campo como uma população de baixa
renda. Esse recorte de “classe” também serviria para aprofundar a com-
preensão entre desigualdades sociais e saúde e mais do que isso entre as
“relações sociais” e a saúde, pois a percepção então intensa dos estu-
dantes na condição de entrevistadores era de que fora da pesquisa a
relação com esses sujeitos, usuários ou pacientes, não eram permeáveis
à escuta e envolviam uma relação de silêncio comunicativo.
Nesse período, também como desdobramento de uma experiên-
cia de ensino de saúde pública, desenvolveríamos uma pesquisa acerca
de mortes por causas externas, especificamente suicídios e homicídios
no município de São José dos Campos (Adorno et al., 1991). O dese-
nho da pesquisa era bastante semelhante, tratava-se, com base em óbi-
tos constantes no registro civil e nos boletins de ocorrência policial, de
recorrer aos domicílios informados como residência dessas vítimas.
Nessa investigação, diferentemente do contexto da morte infantil,
outros aspectos foram mobilizados, e outras situações se deram no contex-
to do campo e na relação entre pesquisadores e pesquisados. O fato de o
tema da pesquisa envolver ordem policial traria algum constrangimento,
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como na visita a locais como uma favela com territórios dominados


por grupos que possivelmente estivessem envolvidos com atividades
perseguidas pela polícia. Situações que foram resolvidas por recorrência
a trabalhadores sociais ou outros agentes de instituições sociais ou de
saúde daquela área. Também em relação a esses fatos se daria a situa-
ção da escuta do pesquisador, nas quais os entrevistados colocavam
versões, dúvidas, denúncias nas quais buscavam no pesquisador um
interlocutor para suas narrativas.
Destacamos também nessas pesquisas o contato entre o pesquisa-
dor e aspectos da intimidade dos sujeitos que fizeram parte do repertó-
rio da história, marcadamente as que envolveram os suicídios, dos quais
participamos também em outros trabalhos (Adorno et al., 1995 ). O
contato com questões da intimidade dos sujeitos pesquisados se deu
em relação a sujeitos pertencentes às camadas médias da sociedade e
que socialmente estavam mais identificados com os pesquisadores, o
que de certa forma se relaciona às questões levantadas por Velho (2003)
em suas pesquisas, nas quais chama a atenção para as estratégias que
envolvem o ato de investigar o familiar.
O que registramos aqui é que o contato com o familiar, e as situa-
ções de maior proximidade social, eram sempre questões que mobiliza-
vam a esfera subjetiva e emocional dos pesquisadores, situando as dificul-
dades e a complexidade de lidar com o emocional na esfera da pesquisa.
De forma geral, as entrevistas envolviam uma carga confessional, le-
vando a que o pesquisador ficasse numa atitude de escuta e continên-
cia, em relação aos aspectos dolorosos que eram aí revividos.
Nessas circunstâncias, após a realização da entrevista e nos dias
seguintes, as marcas das entrevistas eram fortemente vividas pelo pes-
quisador, que chegava a ter desejos de voltar a visitar o entrevistado
como a querer compartilhar ou dispor novamente de sua possibilidade
de escutar o outro. Essa situação era, por sua vez, resolvida pela estra-
tégia de sempre deixar junto dos entrevistados um telefone para conta-
to, sempre se colocando a sua disposição para outras informações ou
coisas que quisessem compartilhar.
Essas pesquisas de campo, por sua vez, desvelariam aspectos que
pouco seriam pensados, como o fato de que pessoas que tinham conta-
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to íntimo com suicidas passavam a queixar-se do afastamento de pes-


soas de seu círculo de relações após essa ocorrência.
Pesquisas que envolviam esses temas, assim como as que envolviam
problemas de ordem legal ou de intervenção policial passam a exigir do
pesquisador, muitas vezes, estratégias criativas e disposição de escuta,
além de exigir uma flexibilidade e adaptabilidade às circunstâncias en-
contradas. A relação de alteridade e o compromisso mobilizado na escuta
de pessoas que, mesmo diferentes, compartilham experiências semelhan-
tes às do pesquisador, trazem para pesquisa o tempo todo questões de
ordem ética, que se traduzem na atenção e respeito ao outro. Por sua
vez o registro e o tratamento dessas histórias vão tornar possíveis a
compreensão e a amplificação das teias da vida social.
Em nossa trajetória cabe registrar também a experiência etnográfica
com os circuitos considerados marginais, especificamente as pesquisas
feitas com os participantes “da rua”: crianças e jovens em trânsito como
denominamos; usuários de crack, jovens em situação de privação de
liberdade.
Nessas pesquisas a relação com o outro pode ser pontuada em
múltiplos aspectos e temáticas, mas o que gostaríamos de destacar aqui
é o fato de que, em situações de pesquisa, pessoas que eram apontadas,
do ponto de vista das instituições repressivas ou de privação de liberda-
de, como “adolescentes perigosos e traiçoeiros” demonstraram-se nos
contextos de pesquisa e na relação com os pesquisadores como pessoas
muitas vezes ávidas por dialogar sobre suas dúvidas, inquietações, falta
de informação, etc. Ou seja, o momento da pesquisa, na qual se cria-
vam situações de entrevistas incidentais, individuais ou coletivas, a re-
lação com o pesquisador criava como que um momento liminar no
cotidiano de pessoas e instituições, possibilitando um campo comuni-
cativo bastante aberto e sem constrangimento, aproximando pesquisa-
dor dos circuitos considerados “marginais”.
O que destacamos de maneira geral e em relação ao conjunto de
trabalhos é que a pesquisa de campo proporcionava ao pesquisador
olhar para as instituições como as responsáveis pelo reforço dos rótulos
com base nos quais as experiências dos sujeitos passassem a se construir
e constituir em “experiências desviantes”, e tomadas do ponto de vista
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metodológico a reforçar a crença em pesquisas nas quais os sujeitos


possam ser vistos ou tomados em suas trajetórias e em suas histórias de
vida e não apenas com base em seus comportamentos conceituados
como “de risco” ou de “vulnerabilidade”.
Ao ler a introdução do livro de Philippe Bourgois sobre o tráfico
de drogas no Harlem, em Nova York, cujo título é Em Busca de Res-
peito: Vendendo Crack em El Barrio (tradução nossa) (Bourgois, 1995),
nos identificamos com as questões metodológicas tratadas. Primeiro
que esse autor, tal como aconteceria também nas pesquisas do circuito
de rua em São Paulo, não pretendia tratar especificamente sobre o tema
do uso do crack ou de outras drogas. Mas esse tema impôs-se ao pesqui-
sador no sentido de enfrentar uma situação bastante dura e incômoda.
Foi adotada a tradição dos antropólogos culturais americanos,
cita Bourgois, que tiveram desde a década de 20 a preocupação com as
populações que viviam nas margens da sociedade e que eram assim
hostilizadas, que possibilitaram ao pesquisador, violando os cânones
da pesquisa positivista, tornar-se intimamente envolvido com os sujei-
tos que estava estudando (Bourgois, 1995, p. 13).
Destacamos neste texto que foi também em função de uma opção
metodológica, com forte participação do pesquisador no mesmo espaço
dos sujeitos, que se problematiza a comunicação do trabalho de pesquisa.
Torna-se uma determinação ética representar uma experiência de pes-
quisa, que teve forte envolvimento do pesquisador. Este envolvimento
contribuiu para uma atitude não discriminatória desses sujeitos.
Assim, uma das lições do campo, quando em espaços e popula-
ções discriminadas é tornar possível uma comunicação de pesquisa que
contribua para a compreensão dos fatos para além do senso comum da
discriminação ou “criminalização”. O que aprendemos com as pesqui-
sas nos circuitos de rua é que, antes, a opressão social e policial exercida
sobre os sujeitos é um fato mais apreensivo e que acaba por reforçar o
próprio comportamento “marginal”, também na forma de uso de drogas.
Discutindo a pesquisa nesses circuitos do ponto de vista da Saúde
Pública aprendemos que a proximidade com as pessoas, sujeitos de
nossas pesquisas, revelam que mesmo na situação de extrema marginali-
dade, desenvolvem atos e desejos de romper com o círculo vicioso no
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qual foram colocados e acabam por se colocar, descrevem estratégias


que realizam visando controlar situações de uso intenso de uma droga
como o crack, ou de saírem de cena para se proteger do traficante, da
polícia, etc. . .
Conhecer essas estratégias permite apontar para maneiras de articu-
lar apoios ou aliados que possam reforçar o desejo de romper os compor-
tamentos que se desenvolvem em circularidade. E também, demonstrar
por meio da pesquisa que as ações opressivas e de remoção dos indiví-
duos só reforçam a sua continuidade de circulação nas margens.
Tomando essas experiências pela ótica interacionista, a pesquisa
de campo proporcionava ao pesquisador olhar para as instituições como
as responsáveis pelo reforço dos rótulos a partir dos quais as experiên-
cias dos sujeitos passassem a se construir e constituir em “experiências
desviantes”, e tomadas do ponto de vista metodológico a reforçar a
crença em pesquisas nas quais os sujeitos possam ser vistos ou tomados
em suas trajetórias e em suas histórias de vida e não apenas com base
em seus comportamentos conceituados como “de risco” ou de “vul-
nerabilidade”.
Também a constatação de que a pesquisa possibilita um campo
relacional ou um campo comunicativo na sociedade contemporânea,
que estabelece contato com as situações de discriminação, de repressão.
Nesse sentido a pesquisa de campo torna-se um instrumento também
de caráter pedagógico ou do que chamamos de aproximação dos mun-
dos, que tratamos em experiências de campo com estudantes de gradua-
ção que nunca haviam passado por determinadas áreas da cidade ou
entrado em contato com pessoas que no seu mundo só apareciam rela-
cionadas à violência ou à marginalidade (Adorno, 1994; 1995).
Claudia Fonseca ao se referir ao tema da alteridade em uma socie-
dade de classes (Fonseca, 2000) inicia sua narrativa com uma citação
original a respeito de Malinowski, trazendo uma contribuição especial
ao que se tornou clichê na citação desse autor nos trabalhos etnográficos:
“Os primeiros etnólogos foram longe em busca do exótico, motivados
pelo desejo de conhecerem melhor a si mesmos. Basta ler o diário de
Malinowski — escrito entre 1914 e 1918 durante sua estada nas ilhas
do Pacífico — para obter a prova. Para cada observação científica
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registrada em suas notas de campo, encontramos uma réplica no diário


íntimo, onde ele confessa suas angústias sexuais, aversão aos indígenas
e saudades da vida européia [. . .]” (Fonseca, 2000, p. 209).
E assim chama atenção para uma relação entre o “objeto de estu-
dos” e a subjetividade do investigador. Nos relatos que fizemos acima,
e que em alguns casos falam de experiências da pesquisa em práticas de
ensino buscamos mostrar que a realização da pesquisa de campo, o
contato com as experiências da alteridade acaba por trazer marcas no
pesquisador, tratando-se de uma experiência que tem potencialmente o
caráter de uma reflexividade entre o campo, o pesquisador e os sujeitos
com os quais estabelece contato.
Transformações no próprio campo ou na história da pesquisa “ur-
bana”, como no livro de Whyte (2005) e na história da Sociedade de
Esquina, livro em que as edições mais atuais trazem o depoimento dos
que formam os “informantes-chave” e sujeitos centrais na elaboração
da pesquisa, trazendo as marcas que esta possibilitou em suas trajetórias
de vida. Por sua vez o próprio campo da antropologia que de “ciência
dos povos primitivos” se transforma em “estudo do homem na pluralida-
de de suas manifestações” (Oliveira, 2004, p. 13).
Situar o pesquisador na sociedade contemporânea que põe em
evidência a diversidade de situações, modos de vida, classes sociais, ex-
periências, performances, identidades, como desafio à pesquisa social.
O pesquisador, por sua vez, longe de praticar uma postura distanciada
ou interpretativa a partir do universo de um discurso classificatório ou
categorizador — a idéia de ciência como instância superior ou destaca-
da da realidade — elemento também presente na formação profissio-
nal, coloca-se no desafio de um outro tipo de intérprete, presente na
vida social, mas disposto a compreendê-la e traduzi-la para os demais
participantes, no sentido de amplificação da vida social como cita Clau-
dia Fonseca referindo-se ao enfoque de Geertz (Fonseca, 2000).
O que deve qualificar o pesquisador está exatamente na possibilida-
de de sua experiência em situações, que mesmo sendo liminares em seu
cotidiano, o aproximam da experiência do outro, assimilando-a como
uma experiência possível da existência, ou da sua existência enquanto
pesquisador que compartilha do tempo social no qual estão também
contribuições da etnografia para a saúde pública 157

os sujeitos pelos quais se interessa em sua atividade de pesquisa. Essa


situação repõe a questão da ética em pesquisa, deslocando-a de uma
situação protocolar ou normativa, para fazer parte da própria pesquisa
e das mediações e instâncias de contato, relações, experiências vivenciadas
e partilhadas com os “outros” no espaço da pesquisa, como uma situa-
ção “liminar” na qual se coloca ao lado de sujeitos que estão nas situa-
ções cotidianas em espaços sociais diferentes, mas compartilhando o
mesmo tempo social do investigador.

R EFERÊNCIAS

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