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ANIQUILAR

p. 256 – 257 – “Ele próprio sempre se sentiu mais ou menos isento das diversas paixões
que tinha acabado de enumerar e que os do passado condenavam quase
unanimemente. Sempre viu o mundo como um lugar onde não deveria estar, mas de
onde não tinha pressa de sair, simplesmente porque não conhecia nenhum outro.
Talvez devesse ser uma árvore ou, melhor ainda, uma tartaruga, algo menos inquieto
que um homem, com uma existência menos sujeita a variações. Nenhum filósofo
parecia propor uma solução desse tipo, todos pareciam, ao contrário, afirmar que se
deve aceitar a condição humana "com suas limitações e sua grandeza", como tinha
lido certa vez em uma publicação de linha humanista; alguns até manifestavam a ideia
repugnante de que se pode encontrar nela uma certa forma de dignidade. Como diria
um jovem, rsrs.”

p. 265 – “Em Belleville-en-Beaujolais parecia mais surpreendente, pelo que ele sabia o
islamismo era um problema mais ligado aos subúrbios, mas no fundo não sabia nada
sobre isso, já podia ter se espalhado pelas cidades de médio ou pequeno porte do
interior, ele não estava muito informado sobre a sociedade francesa.”

p. 266 – “Na sua infância a indústria do entretenimento já tinha começado a reciclar o


vintage em seus novos produtos, mas sem diferenciá-los claramente, de forma que
pouco a pouco foi sendo perdida toda e qualquer ideia de sucesso e continuidade
histórica. Mesmo assim, quase sempre ele conseguia situar François Mitterrand como
posterior a Charles de Gaulle; mas às vezes tinha dúvidas a respeito.”

p. 295 – 296 “– Vou ter que voltar um pouco atrás... A forma mais simples de explicar
é que desde muito cedo eu soube que nossa sociedade tem problemas com a velhice;
e que isso é um problema grave, que pode levar à nossa autodestruição. Deve ser
porque fui criado pelos meus avós, é bem possível. Mas acho que você concorda que,
coletivamente, temos um problema com os velhos... – Paul concordou.
– A verdadeira razão da eutanásia, na verdade, é que não aguentamos mais os velhos,
não queremos saber que eles existem, e por isso os confinamos em lugares
especializados, fora da vista dos outros humanos. Hoje em dia quase todas as pessoas
consideram que o valor de um ser humano vai diminuindo à medida que aumenta a
sua idade; que a vida de um jovem, e mais ainda a de uma criança, vale muito mais
que a de uma pessoa muito velha; suponho que você concorda comigo quanto a isso
também?
– Sim, totalmente.
– Pois bem, isso é uma reviravolta completa, uma mutação antropológica radical. Sem
dúvida, é bastante inconveniente que a porcentagem de idosos na população continue
aumentando. Mas há outra coisa, ainda mais grave... – Ele se calou outra vez, ficou
pensando por mais um ou dois minutos.
– Em todas as civilizações anteriores – disse afinal –, o que determinava a estima e
mesmo a admiração que se podia ter por um homem, o que permitia julgar o seu valor,
era o modo como havia se comportado efetivamente ao longo da vida; mesmo a honra
burguesa se baseava exclusivamente na confiança, era a título provisório; depois se
fazia necessário merecê-la, com uma vida inteira de honestidade. Ao darmos mais
valor à vida de uma criança – mesmo não tendo a menor ideia do que será dela, se vai
ser inteligente ou burra, um gênio, um criminoso ou um santo – negamos qualquer
valor às nossas ações reais. Os nossos atos heroicos ou generosos, tudo o que
conseguimos fazer, as nossas realizações, nossas obras, nada disso tem mais valor aos
olhos do mundo – e, logo a seguir, tampouco aos nossos olhos. Assim eliminamos
qualquer motivação e qualquer significado da vida; é isso, exatamente, o que se chama
niilismo. Desvalorizar o passado e o presente em benefício do porvir, desvalorizar o
real e preferir uma virtualidade situada num futuro vago são sintomas muito mais
decisivos do niilismo europeu que qualquer outro traço que Nietzsche tenha
identificado – enfim, deveríamos falar agora de niilismo ocidental, ou mesmo de
niilismo moderno, não tenho muita certeza de que os países asiáticos serão poupados
a médio prazo. É verdade que Nietzsche não podia identificar o fenômeno, que só se
manifestou de maneira mais ampla após sua morte. Então, não, realmente não sou
cristão; tendo até a achar que foi com o cristianismo que isso começou, essa tendência
a resignar-se ao mundo presente, por mais insuportável que seja, na expectativa de
um salvador e de um futuro hipotético; o pecado original do cristianismo, a meu ver, é
a esperança.”

p. 308 – “O filósofo René Girard é conhecido por sua teoria do desejo mimético, ou
desejo triangular, segundo a qual se deseja aquilo que os outros desejam, por
imitação. Divertida no papel, essa teoria no fundo está errada. As pessoas são bastante
indiferentes aos desejos das outras, e se são unânimes em desejar as mesmas coisas e
os mesmos seres, é apenas porque estes e estas são objetivamente desejáveis. De
maneira análoga, o fato de outra mulher desejar Aurélien não fazia Indy desejá-lo
também. Entretanto, estava furiosa, quase louca de raiva, com a ideia de que Aurélien
desejava outra mulher e não a ela; os estímulos narcisistas baseados na competição e
no ódio suplantaram, há muito tempo, e talvez suplantem desde sempre, os estímulos
sexuais; e são, em princípio, ilimitados.”
p. 315 – “Se o seu pai podia ficar de pau duro, se podia ler e observar as folhas se
mexendo ao vento, então, pensou Paul, então não faltava absolutamente nada na sua
vida.”

p. 322 – “– Aurélien se suicidou.”

p. 324 – “... sua morte não parecia ter sido muito dolorosa. Menos dolorosa,
certamente, do que havia sido sua vida – e quando esse pensamento passou por sua
mente Paul foi invadido por uma onda de compaixão terrível e torturante, misturada
com culpa, porque ele tampouco tinha feito nada para ajudá-lo”

p. 332 – “... no fundo seu irmão almejava mais fugir do mundo que participar dele.”

p. 332 – “O determinismo, tanto quanto o absurdo, não faz parte das categorias cristãs;
aliás, as duas coisas estão ligadas, um mundo totalmente determinista sempre parece
mais ou menos absurdo, não apenas para um cristão, mas para qualquer homem em
geral.”

p. 333 – “... mas ele vivia em uma época que dava uma importância excepcional ao
trabalho e à realização no mundo do trabalho, na maioria das épocas anteriores era o
oposto, considerava-se que o lazer era o único modo de vida adequado para um
homem sábio.”

p. 336 – “... mas proporcionavam a ambos uma felicidade imensa, Prudence


visivelmente estava melhor, fisicamente melhor. Ele agora entendia a estranha noção
de "dever conjugal", e não a achava totalmente ridícula.”

p. 340 – “O que não suportava, percebeu com inquietação, era a própria


impermanência; a ideia de que qualquer coisa, fosse o que fosse, acaba; o que não
suportava era pura e simplesmente uma das condições essenciais da vida.”

p. 343 – “Ele próprio enfeitiçado, não imaginava que se pudesse escapar do feitiço, e
no caso de Bruno, como no de quase todos os seres humanos, pelo menos dos seres
humanos do sexo masculino – as mulheres historicamente têm sido diferentes, embora
cada vez menos –, o presidente tinha razão, pensou Paul, resignado.”

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