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A POSSIBILIDADE DE UMA ILHA

tendo pelo menos atingido um estágio que se aparentava à reencarnação, Daniel1 nem
por isso deixou de se comportar até o fim com a impaciência, o frenesi e a avidez de
um simples mortal. Da mesma forma, embora oriundo, por iniciativa própria, do
sistema de reprodução indefinida dos meus genes, eu sabia que nunca teria
consciência plena da morte; nunca conheceria o tédio, o desejo ou o medo no mesmo
nível que um ser humano.”

p. 471 – “"Quando então um homem, seja inclinado para os rapazes, seja para as
moças, encontra aquela que é a sua metade, são prodigiosos os arrebatamentos de
ternura, confiança e amor por que ambos são percorridos; não querem mais se separar
sequer por um instante. São estas as pessoas que passam a vida inteira juntas, sem
aliás serem capazes de dizer o que esperam uma da outra; pois não parece que seja
unicamente o prazer dos sentidos que as faz encontrar tanto encanto na companhia
da outra. É evidente que a alma de ambos deseja outra coisa, que ela não pode dizer,
mas que adivinha e deixa adivinhar."”

p. 471 – “... tendo morrido de uma morte comum".”

p. 471 – “... é o desejo e a busca de tudo o que se chama amor." Tinha sido aquele livro
que intoxicara a humanidade ocidental, depois a humanidade em seu conjunto, que
lhe inspirara o asco de sua condição de animal racional, que introduzira nela um sonho
de que levara mais de dois milênios tentando se desfazer, sem nunca consegui-lo
totalmente.”

p. 472 – “... ainda humana, demasiado humana”

p. 474 – “Os períodos diurno e noturno tinham uma duração igual de doze horas, e eu
pressentia que o mesmo se daria o ano inteiro, que as modificações astronômicas
advindas por ocasião da Grande Seca haviam criado no local uma zona que não
conhecia as estações, onde reinavam as condições de um perpétuo início de verão.”

p. 474 – “... mas, sem saber por quê, sentia sempre necessidade de me recolher em
uma das anfractuosidades.”
p. 474 – 475 – “Eu era, como todos os neo-humanos, refratário ao tédio; recordações
restritas, devaneios sem objeto ocupavam minha consciência autônoma, flutuante.
Porém estava bem longe da alegria, e mesmo da verdadeira paz; apenas o fato de
existir já é um infortúnio. Ao deixar voluntariamente o ciclo dos renascimentos e das
mortes, eu me dirigia para um nada simples, uma pura ausência de conteúdo.”

p. 476 – “A morte de Fox e, depois, a travessia do Grande Espaço Cinzento, me haviam


secado interiormente; não sentia mais em mim desejo algum, e sobretudo aquele,
descrito por Espinosa, de perseverar em meu ser; lamentava, porém, que o mundo me
sobrevivesse. A insipidez do mundo, evidente já no relato de vida de Daniel1, deixara
de parecer aceitável; não via mais naquilo senão um lugar embotado, destituído de
potencialidades, cuja luz estava ausente.”

p. 477 – “Compreendi então por que a Irmã Suprema insistia no estudo do relato de
vida dos nossos predecessores humanos: compreendi a meta que ela procurava atingir.
Compreendi também por que esse objetivo nunca seria atingido.
Chegara ao fim da linha.”

p. 477 – 478 – “Nenhum neo-humano, eu sabia agora, teria condições de encontrar


uma solução para a aporia constitutiva”

p. 478 – “A felicidade não era um horizonte possível. O mundo havia traído. Meu corpo
pertencia-me por um breve lapso de tempo; eu nunca atingiria o objetivo designado.
O futuro era vazio; era a montanha. Meus sonhos eram povoados por presenças
emotivas. Eu era, eu não era mais. A vida era real.”

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