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movimento

morto
número 01 - 2023

os descaminhos da razão

conduzem

à anarquia dos sentidos

1
As crianças do mundo

as crianças de gaza
não são as crianças
da nossa sala de estar

as crianças de gaza
não estão mais

as crianças de gaza
não são as crianças
de auschwitz

as crianças de auschwitz
não estão adultas

as crianças adultas
não são as crianças
brasileiras do Piauí

as crianças do Piauí
não estão mais

não estão mais


as crianças do Congo

as crianças do mundo
não estão em paz

Vitor Miranda
2
introduzir
na ladeira dos teus lábios
um rio efêmero
respingando nas margens
deixar uma cidade antiga
o universo inteira perdida
admitir erros na memória na essência
uma ordem secreta
absorver
os meridianos dos
teus subterrâneos
o pó conciso

entre seios lagunares


desaparecem
vras
enquanto novas pala-
complexo do instante
a destruir figueiras no
o afeto
a desenhar com ritmo
a tornear o fogo
Filha de platão
no espírito dos papiros

Roger Tieri
3
AMÉRIKA
“América por que suas bibliotecas estão cheias de lágrimas? (...)
Estou cheio de suas exigências malucas.
Quando poderei entrar no supermercado e comprar o que preciso só com minha boa aparência?”
(‘América’ - Allen Ginsberg na tradução de Claudio Willer)

As ruas gritam
não escutas as vozes das ruas?

A bela Amérika desce a ladeira


das mansões às sarjetas
com suas lamparinas & mariposas

seu desfile de moda nesse código de migalhas


aumenta o tédio da imitação narcísicas
& a carreira dos copistas na estância de defesa dos pássaros
que prometem sempre & sempre confusos & dos leões engaiolados
A MAIS ABSOLUTA VERDADE o Conto de Fodas se afoga
a pílula vermelha do despertar na penumbra dos sonhos
que é apenas uma reiteração da insônia
ali nestas esquinas sodomizadas
(--De más intencionalidades pelo neon
o Paraíso está overrated, babyblue--) & pelos exorcismos de cultos
onde a pele periga despertar
A bela Amérika gramáticas da fome
com sua vocalização de progresso despejos ‘patafísicos
conservador & constelações (de) kamikazes
dorme em marcha a desaguar in suspiria

nos verões saturados do paraxismo A bela Amérika


das marés anoréxica sacana obesamente
das superfícies enfática
das pontes de essências queimadas em suas máquinas de lavagem
com nuvens violetas a vomitar cerebral
os segredos dos reis loucos em sua simulação de felicidade
& dos deuses tecnológicos espontânea

desce a ladeira sem fôlego


com olheiras de quem não dorme
há séculos
vigia os escravos
que dançam
a execução validada
nos supermercados da imagem

IkaRo MaxX

4
até que ponto os sábios resistem
aos pretéritos da aventura?

vertigem de Roma
nas quebradas de meus sonhos
antigos

pernas cruzadas
de uma velha mesa de iluminação
onde deito o meu velho teatro
atormentado
só pra me enfiar em tua boca
muito antes dos parabéns

eu sei que tenho


uma dívida eterna
com a minha mente pagã

Roger Tieri

5
Era de ebulições mágicas que nau- com suas colunas & gemas
fragava meu sono. Sabia que a interpostas em cada peito
linguagem das sebes um dia seria no alívio das medalhas. Ain-
transformada em hinos escolares da assim, moço em pleno

Previsão do tempo

o tempo vai mudar


ou vem o vento e leva
o tempo pra outro lugar
espanto, ajudei a trilhar os códigos
contratempo sem vento como quem não pertence a nada,
esperando o tempo voltar como quem apenas vaga na terra
portando um riso. E é esse riso que
é semente esplêndida a conjurar
sem o tempo os milênios mortos que sufocam a
o espaço é vazio arquitetura espontânea dos dias.
templo sem altar

parece que o tempo IkaRo MaxX


já se foi faz tempo
sem previsão de voltar

Vitor Miranda
6
Você que
mendiga aos paredões um cobertor
de libélulas

implora por vírgulas sem contexto


no meio de leituras apocalípticas

Recebe do oásis
o anel do pagé
retirado da árvore de rua
mais robusta do centro da cidade

Você que ao se Arquear de fúria


dopada pelos címbalos da supra-
consciência

reza para que a adolescência


dos cactos
viaje através dos seus pólos

Você que aguarda


uma vida
pela aproximação de
Júpiter
e o deixa cochichar
nas pétalas dos teus
olhos

Você sabe
que tudo vira
entidade
quando a luz acaricia
os mamilos da selva

Roger Tieri

7
8
Você está aqui
no ar das minhas conclusões vagabundas
na rede dos sentidos
buscando um elixir de luta
em noturnas variações

Você agarra o plexo escondido


entre os nossos olhos corrigidos
e galopa comigo
ao colorido do caos

Transmutaremos os excessos da noite


e o brilho plastificado das lantejoulas
em relapsos demoníacos
estágios ígneos da palavra

Roger Tieri

Eles decretaram falência & nós - poetas, sonhadores, utopistas, filósofos, artistas & se-
dentos pela vida - não queremos ouvi-los e nem aceitar suas premissas falaciosas, suas
promessas de paraísos no pós-vida e as dívidas a isso associadas.

Em nome da ganância, do cinismo e da subserviência eles criaram e instituíram isso que


chamam de sobrevivência, cuja serventia é extrair de cada um de nós nossa beleza, for-
ça e energia vitais e aliená-las sob a forma de trabalho morto, mercadorias e ideologias.

Eles dizem que o tempo é dinheiro, que o tempo é consumido - ou consumidor de


todos nós - e que é preciso ter “pressa” para “chegar lá”. Lá onde? Na frente de todos,
no pódio, no céu, na frente da fila ou seja lá o que for!

Eu digo que o tempo é eterno rei & humilde amigo quando a ele damos as mãos e
abrimos nossos olhos.

É isso, amigos: abramos os nossos olhos.

Que a falência seja deles & não nossa (não precisamos pagar esse preço) & das sementes
que aramos, plantamos e cantamos como prova viva da capacidade de plena e potente
existência.

IkaRo MaxX
9
ALLAHU AKBAR

quando a guerra virtual não for o


bastante
não obstante ficará o soldadinho
de chumbo
que dará um grande disparo rumo
ao atrito do mundo

Allahu Akbar

Alá um corpo russo estendido no


chão
Alá milhões de crianças passando
fome na África
Alá crianças sírias mortas
Alá crianças nordestinas bebendo
água do açude

Alá Bush
Alá Trump
Alá Putin
Alá Macron
Alá May
Alá Biden

Alá todos eles jogando War numa


tarde fria de dezembro enquanto
fumam charutos cubanos e bebem
whisky escocês em algum palácio
do velho mundo

Vitor Miranda

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saturar os ofícios da paz
entregar-se ao console
sádico das
iniciações celestes
arquivadas no postal
monoteísta
nas campainhas seculares
que encarceram o agora
na ponta trêmula
do triângulo
e entre os olhos
da máscara
que penetra o campo
enfermo
das lamentações da Páscoa
faz o mar subir de nível
e freiras serem jogadas
nas atomicidades
levadas pelos sais do ar
e ativadas
onde ninguém absorve
ou sente a escrita estreita
no andaime das ilusões

Roger Tieri

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No cinema cirúrgico em teus
olhos
nas estradas alquímicas do
cansaço
nos contornos caóticos onde
as substâncias beijam
a dialética dos sonhos

às bocas miúdas que valsam


suas derrotas bovinas
& a saudação eternizada nas
frestas das feridas

(A continência franzida
& batida aos mecanismos do
Pesadelo)

Nas avalanches telepáticas


que moveram nossos corpos
às suítes lunares
entre os gineceus fervidos
Mera
Vitor Miranda

em fábulas pornofictilas
adejadas por cerejas
& suaves deleites
mera flor efêmera
Nestes paraísos onde mera dor tamanha
a memória pesa mais coração estranha
que os edifícios o esmero amor
& nossas silhuetas ensaiam que arranha o fardo
a Coda da Rebelião Cósmica flor que o tempo
(& O chão que refaz
abre e num sopro
sua dança
tricotando a funcionalidade arranca
dos dias)
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Pressinto a tua presença vítrea
como um perfume fatal & muscular
Sincronia suspirada nos portos do alívio

Arabesco que diluvia as sarjetas


onde escapamos dos gestos tribais
que nos aprisionam para sempre
no retrato fóssil do desterro
no feitiço do tempo com sua horda morta
& sua coleção de lamentos & esqueletos

E sigo essa mariposa de aço


pupilas aéreas a dardejar o mundo
& cantar as cartas do tarô que
queimamos
sobre a ponte do Amanhecer

IkaRo MaxX

é preciso uma voz


& um som de fundo
pra conseguir me embebedar
das raízes amargas
amálgama de um servidor sigiloso
com a Maligna Literatura
que me arrasta para o Solfeggio
dos passos
daí eu acho
os sete pássaros mais próximos

Roger Tieri

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como entender o tempo da música
como entender
que afunda o tempo da música
os ossos
que afunda osde
nos segredos ossos
faca
nos segredos de faca
guardados na face envenenada
guardados
do passadona deface envenenada
levitação inconsútil
do passado de levitação inconsútil
crucificado por ironias fragilizadas
crucificado por ironias
onde as hóstias, sádicas, fragilizadas
onde as hóstias,
resistem a réstia sádicas,
dos encontros
resistem a réstia dos
desse rito alucinado de encontros
corpo
desse
que prarito alucinado
avistar de corpo
a aurora
que pra avistar
necessita fecharaos aurora
olhos?
necessita fechar os olhos?

Roger Tieri

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A doce calma que atravessa / a luz que rasga /
por dentro / o lago de instâncias primitivas //

Essa mesma luminosidade / surgida do seio das pedras /


mordidas / soltas nos vendavais //

Esse mesmo silêncio / que alimenta o umbigo /


da língua / com seu calor inimitável //

Esse mesmo verde que plasma /o perigoso balé /


das borboletas / com seu canto inesgotável//

IkaRo MaxX


vivemos intensos
sofremos em demasia
morremos num exagero
viramos poesia

Vitor Miranda

15
movimento-morto:-ex-posições
movimentomortovimentomortovimento

morrendo à margem
morrendo há margem
morrendo a margem

seja-neomarginal-seja-anti-herói

neomarginaisneomarginaisneomarginais
movimentomortovimentomortovimento movimentomortovimentomortovimento

marginais-de-todo-o-mundo:-uni-vos
neomarginaisneomarginaisneomarginais

movimentomortovimentomortovimentomovimentomorto

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Estou Levando uma vidinha agitada Vejo uma turba de mendigos derrubando estátuas
no Bar do Wal o dia inteiro com canções saltando de seus lábios
sacando os jogadores de poker Vejo o velho mundo afogando-se na lama de sua
na mesa de Dostoievski própria hipocrisia requentada
e os viciados em séries da Netflix Eu vi
Estou levando uma vidinha maldita Eu estava lá
na Zona-Kaos da Cidade-Turbilhão Eu jamais fui um “homem”
Meus olhos irritados com a sinfonia da sujeira Recusei a me tornar homem quando
Fui um garoto tipicamente marginalizado. me tornei anti-artista
Li as letras do David Bowie e do Frank Zappa queimando como fogo pagão
no underground portando uma guitarra fazia Sou o incógnito encarnado
o trabalho xamânico Minha noite é mais noite que a noite
Pensei que um dia seria presidente da República Meu dia é mais solar que a juventude mais solar
& me tornei poeta na estrada A loucura do corpo abre supernovas em meu
Anotei em meus cadernos sangue
todos os discursos que faria Estou embriagado
no Dia do Apocalipse Já atravessei a Pont-Neuf só de cuecas
Observo felinos com a admiração Já sambei em cima de uma Ferrari
de um acrobata frustrado para protestar contra a xenofobia num clube
Leio os grafites no corpo elétrico da cidade parisiense que expulsou meus amigos indianos
como se fossem meus próprios Vi Afrodite saindo de uma concha
Não leio os jornais no Rio Sena
Não escuto os acadêmicos Cortei meu cabelo há mais de 20 anos
Não me coloco na fileira de seguidores das modas & agora meu Espírito salta
& tendências sobre todas as mesas
Tenho o meu belo rosto registrado no sistema de como um poema
Procurados por Imoralidades Poéticas
& Vivências Escandalosas
Nunca marchei em nenhum Exército IkaRo MaxX
Nunca fiz parte de nenhuma Igreja
(inclusive as artísticas)
Nunca quis me tornar o Darling caquético
que mimetiza a decadência conformista
do tal “Sucesso”
Estou sempre em busca de atirar o meu corpo
& minha alma na fogueira da aventura
Não acredito em sabichões & “experts”
Cruzei os becos desta galáxia como quem tem
a fome suicidária
estalando no âmago do meu ser
No lugar do meu coração há uma constelação
de vulcões

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Barulhos

há um tempo / tudo que ouvia / era / poesia //

hoje é apenas / uma moto /cruzando esquinas//

viatura / perseguindo / solidão //

nenhum som / na madrugada /desse coração //

Vitor Miranda

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Para além das solas carcomidas os pen-
samentos revoam em dialéticas & trovo-
adas. Ainda que não peripatético, con-
tudo não sou pateta: flanar me arrasta
não só pelas ruas abertas em rasgos de
multidões em seu devir multicor, mas em
textos ainda indecifráveis, a livros jamais
lidos que escapam às bibliotecas. Livros
de carne & sangue, de ossos & fome.
Com isso convido meus pés a lê-los em
aposta-adivinhação com a força imagéti-
co-especulativa das metáforas. Meu corpo
- boquiaberto diante de enigmas fugazes -
tateia entre as sombras o fio condutor desta
pantagruélica desordem. Sem descanso a
linguagem devaneia em notas eternas numa
orquestra sem partituras. Essa música é o
caos da vida com tudo aquilo que é irre-
primível por qualquer imperativo corporativo.
Tal texto, regido por acontecimentos des-
conexos & pela suspensão de prévios ro-
teiros, é o escândalo ontológico cuja sín-
tese reverbera nas entranhas visionárias do
poeta.

Me sinto o livre devasso


Avesso a toda gramática de gestos
A conter no bolso
O enigma da celebração oculta da vida

IkaRo MaxX
desejos cislunares
num hall de cicatrizes
regendo subjetividades
e esculpidos em pedras rúnicas

será a hora de secar o corpo naquele


vento que antecede a chuva?

será a hora de ler sinais ou quem sabe até


manipulá-los?
sabia que elitizaram as estradas de machu
picchu?
A dança da realidade?
A distância dos acenos?

? mover o mar

taí, mover o mar pra dentro do peito


tectônico
sacudir um deserto de ondas

descobrir onde as mariposas


descontroladamente

descansam

Roger Tieri

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Sim, era você. Você com casacos de lã & canções
nos lábios. Calculando cuidados como quem pro-
tege o destino das rãs, das formigas & dos cristais.
A escandir as horas como num incêndio. A vene-
rar a paisagem nua como quem reza a uma divin-
dade & apreende o oculto.

Era você átomo caleidoscópico dervixe neu-


ral a refletir a herança de minhas alucina-
ções conjugadas em tesouro a saquear os
mistérios & dançar o fluir infinito da vida.

Era você anjo feito de sol & barro quem do ventre


da mulher me trouxe a felicidade quente das lá-
grimas & o imorredouro amor desconhecido.

Era você, agora sinto. Para ti protejo cada esquina


como um soldado armado de afagos & brigadei-
ros com um ticket na mão para viajar em todos os
sonhos.

Ikaro Maxx

Vento outonal
para Ton Joslin

vento outonal
redemoinha as folhas
homem varre a calçada

em vão

Vitor Miranda

21
Eterna Cadência

me disseram que já não sou adolescente para fazer


loucuras de amor
me disseram que haviam coisas mais importantes
na vida
me disseram que tempo é dinheiro e deus ajuda
quem cedo madruga

me disseram que pássaros voam


por fome e não por paixão
me disseram que amor não põe
comida na mesa
me disseram desde o princípio que
necessitava de uma profissão que
me desse dinheiro
me disseram que a vida é uma
merda e que a poesia não serve pra
nada
só não me disseram que ao escutar
a eterna cadência de sua voz
deixaria de crer em tudo que me
disseram

Vitor Miranda

22
tentemos lembrar / o Momento exato /em que aprendemos/ a gostar
da chuva / talvez tenha sido /no dia em que aprendemos a conversar
/ sem olhar nos olhos / que é pra dar liberdade pro rosto / ou apelar
pra gnose da bruma /como mágicos jogando truco /á noite /

num céu de cordilheira/ onde mil sóis esquecidos /


desafiam a escuridão / arrastam o navio de //

Aton //

pela mais antiga /descrição do dilúvio

Roger Tieri

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Hackear os defeitos do amor capazes de trazer
e mover de uma garrafa de
na velocidade da luz Vinho
o plasma presente no o verdadeiro poder dos incensos
acaso e a cintilante peregrinação
ao mastigar teus olhos dos satélites
com os dois cantos não identificados
da boca pelo vento
que desenham nas órbitas:
feitiço é luas espíritos folclores
o que se engole contextos
pra tentar esquecer
a contagem empoeirada
dos segundos Roger Tieri
as opiniões mais sinceras e
voláteis
de demônios relapsos
no orgasmo de um redemoinho

24
Árvore genealógica
Miranda
vem do meu pai
que vem do pai dele
que vem do pai do pai dele
e por aí vai

Alvarenga
vem da minha mãe
que vem do pai dela
que vem do pai do pai dela
e por aí vai

Vitor Miranda

25
Desejas com a potentia da deriva
& derramas sobre Spinoza
um copo de banana split
com dinamite
sem adular as massas
& o “rebanho-que-saca”
atiras navalhas espanholas nas
católicas cegas
& em suas rezas VISÃO DE PIVA NA LIVRARIA DA TARDE
em sua fecal busca
da viciada “Revelação”
& da famélica (a)provação divina

Ao fatiar a tarde
muito cuidado
com o soco das luzes
com a polícia dos versos
saqueados
com os críticos invejosos
mortos de raiva
com suas pirocas minúsculas
com as travas à criação
que coloca focinheiras
em nossos vulcões alados

Contra a dialética dos


empobrecidos
apresentas o rijo sacrilégio
das imagens espatifadas
em páginas embebidas
por cicatrizes

Ah, a poesia é arte


do desassossego
que arranca os olhos
da supremacia
em nome de qualquer
vidência
violência
atual encarnação
do Impossível

IkaRo MaxX

26
Nos tira pra dançar
para Rubi

tudo anda assim meio triste


tudo andando em vão
tudo que passa é passado
tudo onde está solidão

penso na tarde de outrora


outra se acabando agora
tem horas que tudo demora
demora a noite a passar
passado passa depressa
presente custa a durar

futuro que não tenho pressa


chega tão breve na festa
nos tira pra dançar

a gente que é de lá
em cá já não sabe onde está
tudo que passa é lembrança
futuro também vai passar

Vitor Miranda

27
O dia desmaia jasmim numa cerejeira esculpida pela
chuva. Seu ócio telepático atira flechas em corações
de vidro.

Te convido a espionar por baixo das folhas as casas dos


caracóis, mansões inteiras fermentando micélios, benfei-
torias malsãs, paisagens depuradas do olho assimétrico
que transforma tudo em indústria.

É-se conduzido ao promontório onde espi-


nhos cantantes serram o céu em feudos de
IkaRo MaxX

quinquilharias. E o vento derrama cabelos pe-


las estradas. Assim como quem traz tempesta-
des aninhadas nos braços.

28
EDITORIAL
O Movimento Morto vive... digo, anseia viver.

Ele não é a Meia-noite dos Mortos Vivos, mas pode ser


o Meio-dia dos Vivos mortos... Opa, não, não... Isso tá
errado: ele quer ser o Meia-Dia dos Vivos Vivíssimos.

Se ele esteve morto era de tédio, jamais pela falta


de compaixão pelos desvalidos, pelos solitários, pe-
las devassas, pelos inveterados boêmios que fazem
das sarjetas o promontório de suas desordens mági-
cas e o terreiro de suas emanações fantasmagóricas.

Mas o que tá morto também se movimenta em cada


um de nós - de inorgânico ao orgânico e ao pós-
-orgânico, do sussurro do silêncio ao gesto mais
tresloucado e despudorado. A exuberância e seus
palácios verbais também residem no simples, no tan-
gível cotidiano. Por meio dele o que está morto vol-
ta à vida como um afogado que acorda, um coma-
toso que dança sobre a cisterna do olhar da Morte.

Movimento Morto é esse espaço de confabulação e delí-


rio, dança, canção e rapina, desejo e flutuação nos cam-
pos abertos da imanência libertária e da transcendên-
cia poética. O (ab)uso de toda substância, idéia, cena,
linguagem, vulcão, situação, fenômenos naturais ou
extraordinários é aqui literal e artisticamente tolerado.
Somos uma confraria dos livres - as regras sociais e da
natureza já não se aplicam a quem está morto, correto?

Esse zine pretende trazer ao público um pouco do que


atravessa diversas cenas culturais, diversas expres-
sões e provocações ao retorno à vida em suas magní-
ficas incertezas e desequilíbrios, buscando privilegiar
Movimento Morto número 01 - 2023 a contemporaneidade, muito embora podendo voltar
apresenta poemas de Vitor Miranda, no tempo arcaico, em outras eras (douradas ou não)
Roger Tieri e IkaRo MaxX; ou até mesmo trazer ao ofício - junto com o acaso - os
usos artísticos da Inteligência Artificial como no caso
Artes gráficas feitas com uso de I.A. por atual de quase todas as imagens contidas neste zine.
Roger Tieri (exceção das indicadas logo
Ele vem ao mundo - ao caos hodierno, na verdade - por
abaixo) com edição e projeto gráfico de
meio da parceria entra o movimento Neomarginais e a
IkaRo MaxX. editora Provokeativa.
pg. 1 - modificação da colagem “Deusas no Orun”
Desejamos a vocês uma excelente leitura e que o Movi-
de Domitila de Paulo
pg. 7: (infelizmente não conseguimos encontrar a mento Morto viva, ao menos, mais uma vez! Vida longa
referência da autoria - nos desculpem! ) ao Movimento Morto!
pg. 26: modificação da colagem “The Alchemist” de
Célio Celestino.
Os editores

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Podemos ser encontrados nas seguintes
plataformas, redes (anti)sociais e perfis:

@provokeativa
@loja.provokeativa
@neomarginais /ikaro.araujo.946/
@vitorlmiranda /vitor.miranda.775/
@prosacompoeta /rogertieri/
@rogertieri
@ikaromaxx

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