Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: Este artigo apresenta as práticas atestadas nos Papiros Mágicos Greco-
Egípcios (PGM) à luz do contexto local de reordenação político-administrativa do Egito
Romano e dos processos mais abrangentes de interações culturais no leste
mediterrânico que o antecederam. Objetivamos discutir a progressiva formatação
compósita dessa tradição a partir de sua lógica própria de constituição e desempenho.
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 37
Uma vez demarcada sua origem oriental, o autor expôs
a trajetória de sua disseminação por territórios gregos e itálicos,
recorrentemente ressaltando-a como uma prática de caráter desviante
ao comportamento humano desejado.
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 38
(1982, p. 34). De forma semelhante, a Egiptologia
também encontrou na obra Die aegyptische Religien (1904), de Adolf
Herman, uma referência para os estudos sobre religião egípcia. Nela, o
autor não apenas expõe a magia como uma “superstição” (1907, p. 163)
como também declara: “(...) ao lado da religião floresce esta fantástica
erva daninha da magia. E em nações de compreensão limitada ela
sufoca completamente a religião e segue-se uma barbárie (...)” (1907, p.
163)9.
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 39
Os Papiros Mágicos Greco-Egípcios (PGM)
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 40
tradição mágico-religiosa egípcia com outras culturas –
como a babilônica, a persa, a hebraica, etc –, bem como evidenciam a
inegável influência da cultura helenística em sua constituição.
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 41
da tradição mágico-religiosa atestada nos PGM, o que
fica claro em seus atributos linguístico, simbólico e mitológico, como
também pragmático, itinerante, mistérico, iniciático e, por fim, em seus
aspectos imprecatórios e eróticos (COLLINS, 2009, pp. 101-147).
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 42
A concepção de heka/Heka e os cultos templários no Egito
15 A existência de Heka como uma divindade pode ser atestada desde períodos
recuados da história egípcia. Um dos exemplos mais interessantes é encontrado da
Fórmula 261 dos Textos dos Caixões. Conhecido como “Fórmula para se tornar o deus
Heka”, esse encantamento apresenta ao morto a possibilidade de transformar-se no
deus Heka no post-mortem e, para tal fim, uma pequena narrativa cosmogônica é
descrita. O texto foi descoberto na parte interna do ataúde S1Ca, proveniente de Siut,
e hoje encontra-se no Museu do Cairo (Cairo 28118/JE C6C). Para análises mais detidas
sobre a presença do deus Heka nesta e em outras fontes egípcias, Cf. Heka: Magia e
Personificação. Uma análise conceitual de textos funerários do Egito Antigo (2019), de
Tamires Machado.
16O texto conhecido como Teologia Menfita foi inscrito em uma pedra de granito preta,
conhecida como Pedra de Shabaka, uma estela confeccionada para compor o
Templo de Ptah, em Mênfis, a qual traz esculpido um texto que poderia constar em
papiros anteriores, mas que não perduraram. Hoje sob a guarda do British Museum (EA
498), a estela data do reinado de Shabaka (XXV Dinastia, c. 710 AEC) e, segundo expôs
Rosalie David, “pesquisas mais recentes indicam que a data mais anterior para o original
é do reinado de Ramsés II (XIX Dinastia, c. 1250 AEC)” (2011, p. 124).
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 43
(Maat) e todo o restante de tudo que existia fora criado
em decorrência da expressão verbal dos desejos manifestos pela
divindade primordial.
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 44
p. 48). Os templos eram mantidos pelos sacerdotes,
considerados os representantes oficiais da autoridade religiosa do faraó.
Eram eles os responsáveis pela execução dos rituais diários e pelos cultos
desempenhados nas ocasiões dos festivais. Aos chamados “sacerdotes-
leitores” cabia também a responsabilidade de registrar por escrito e
transmitir às gerações futuras os conhecimentos ritualísticos, linguísticos,
históricos, matemáticos, astrológicos, etc, ensinados, aprimorados e
arquivados nas Casas da Vida (per ankh) (2004, p. 100-102).
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 45
Já nos anos iniciais do Principado, Augusto estabeleceu mudanças
organizacionais e administrativas decisivas que visavam maior controle
da província por parte dos romanos. No que concernia diretamente à
administração dos templos e ao poder dos sacerdotes, também foram
impostas modificações importantes. Augusto designou pessoalmente um
oficial romano como Sumo Sacerdote do Egito e Alexandria e consolidou
o controle da autoridade, tradição, modo de vida e sustento econômico
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 46
Todavia, é importante ressaltar – como o fez o autor supracitado
em Religion in Roman Egypt. Assimilation and Resistence (1998) – que o
controle imperialista romano não representou a extinção das práticas de
heka ou das ações ritualísticas sacerdotais. Pelo contrário, conforme nos
demonstram os Papiros Mágicos Greco-Egípcios, testemunha-se a
readequação de suas características e dinâmicas em direção a uma
atuação mais difusa, vinculada às piedades pessoais, aos imperativos da
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
18PGM CXXII ou Papyrus Berolinense inv. 2143. Exemplar proveniente de Abusir el Melek,
datado do século I AEC/I EC, hoje sob a guarda do Ägyptisches Museen, em Berlim.
Transcrição do grego consultada: Supplementum Magicum (Suppl. Mag., Vol. II, 1992, p.
106-107). Tradução para a língua inglesa consultada: Hans D. Betz (BETZ, 1986, p. 316).
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 47
acumulavam para si materiais prescritivos para o
desempenho de rituais diversos, tornavam-se, por sua vez, “sacerdotes-
magos”, ou somente “magos”. Por meio do processo identificado por
Hariadne Soares19 como “deslocamento do locus do sagrado” (2020, p.
182; 268), esses indivíduos passaram a ser coletivamente reconhecidos
como especialistas itinerantes na execução de uma determinada
tradição ritualística, ainda possuíam algum saber vinculado à escrita (pois
era preciso ler, interpretar e copiar novas prescrições), mas já atuavam
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 48
conviviam com as manifestações dos deuses locais em
graus maiores ou menores de assimilação e diferenciação, a depender
do contexto. Este é o caso, por exemplo, das interações culturais
propiciadas pela expansão territorial promovida pela XVIII Dinastia e pelo
influxo de mercadores e trabalhadores advindos do Antigo Oriente
Próximo, por meio dos quais divindades como Baal, Reshep, Anat e
Astarte passaram a figurar também em solo egípcio, como em Deir el-
Medina (David, 2011, p. 87). Por sua vez, Geraldine Pinch localiza nos
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 49
essa razão, é capaz de fazê-los comprometerem-se a
agir favoravelmente às suas causas (GRAF, 1997, p. 220-221).
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 50
Nesta passagem observamos a estrutura hínica de invocação a
uma divindade de grande prestígio dentro do panteão olímpico – Apolo
–, e que nos revela uma dinâmica importante atestada de forma
progressiva em quantidade e complexidade ao logo do escopo
cronológico que cobre a confecção desses papiros, qual seja: as
invocações paralelas a divindades, seres divinos e personagens míticos
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
Brasil, Cf. Voces Magicae: o poder das palavras nos Papiros Gregos Mágicos (2016), de
Patrícia Schlithler da Fonseca Cardoso.
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 51
Atena, Afrodite, Hécate, dentre outras; de deuses
procedentes da tradição babilônica, como Ereshkigal, Baal, Shamash e
Nebotusualeth22; do deus das tradições hebraica e judaica, nomeado
em diversas variações de epíteto, como Iao, Sabaoth, Adonai, Elohim;
das divindades iranianas e sírias, como Mithra e Simeae; e, por fim, das
próprias divindades egípcias, como Osíris, Ísis, Hórus, Seth, Thoth, Apophis,
Chnoubis, Serápis, dentre outros.
22Conforme nos apresenta William Brashear, tem sido sugerido que a vox magica
Nebutosualeth pode derivar do nome do deus assírio-babilônico da vegetação e
patrono da escrita, Habu, uma divindade responsável por inscrever os destinos dos
homens em duas tabuletas conforme decretado pelos deuses (BRASHEAR, 1995, p.
3425).
23 A respeito da tradição latina, encontramos nome de pessoas (contratantes ou
receptores dos feitiços), como Sabinus, Priscilla, Matrona Capitolina, Ionicus e Annianus.
São mencionados também dois possíveis magos de distinção: Claudianus (PGM VII.862)
e Urbicus (PGM XII.318). É importante lembrar, contudo, que “enquanto o egípcio, o
hebraico, o grego, o persa e o siríaco são classificadas como línguas sagradas, o latim,
à parte de algumas defixiones e do supracitado papiro único, não parece ter
desfrutado de qualquer reputação mágica além dos confins da Itália” (BRASHEAR, 1995,
p. 3425-3426).
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 52
e resiliência. Da mesma maneira, elas nos apresentam
também vestígios relevantes de contatos culturais estabelecidos
previamente em um espectro geográfico mais abrangente do que o do
território nilótico, os quais envolveram as regiões do leste mediterrânico e
além.
24PGM IV ou P.Bibl.Nat.Suppl. gr. no. 574, hoje sob guarda da Bibliothèque Nationale,
Paris.
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 53
Considerações finais
Referências Bibliográficas
a) Documentação
BETZ, Hans Dieter. The Greek Magical Papyri in Translation, including the
Demotic Spells. 2ª Ed. Chicago; London: The University of Chicago Press,
1986.
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 54
DANIEL, R. W. & MALTOMINI, F. (Ed.) Supplementum
Magicum [Papyrologica Coloniensia 16.1]. Volumes I e II. Opladen:
Westdeutscher Verlag, 1990/1992.
MARTÍNEZ, José Luiz Calvo & ROMERO, Maria Dolores Sánchez. Textos de
Magia en Papiros Griegos. Madrid: Editorial Gredos, 1987.
PLINY THE ELDER. Naturalis Historia. Karl Friedrich Theodor Mayhoff. Lispsiar.
Teubner, 1906.
PLINY THE ELDER. The Natural History. John Bostock, M.D., F.R.S., H.T. Riley,
Esq., B.A. London: Taylor and Francis, Red Lion Court,, 1855.
PREISENDANZ, Karl (Ed.). Papyri Graecae Magicae – Die Griechischen
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
b) Bibliografia
BOWMAN, Alan k. “Egypt”. In: BOWMAN, Alan K.; CHAMPLIN, Edward &
LINTOTT, Andrew (Eds.). The Cambridge Ancient History. Volume X: The
Augustan Empire, 43 B.C.-A.D. 69. 2ª Ed. Cambridge: Cambridge University
Press, 1996.
BRASHEAR, W. M. “The Greek Magical Papyri: an Introduction and Survey.
Annotated Bibliography (1928-1994)”. In: HAASE, W. Aufstieg um
Niedergang der Römischen Welt II.18.5. Berlin, New York, 1995. p. 3380-
3684.
CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa. “Magia e Religião no Mundo
Romano: as visões da historiografia sobre as maneiras de fazer contato
com o sagrado”. Anais do VII Simpósio de História – O Passado no
Presente: Reflexões sobre os Usos da História. São Gonçalo: Editora
Universo, 2010, p. 159-169.
CHEVITARESE, André L.; CORNELLI, Gabriele. Judaísmo, Cristianismo e
Helenismo: ensaio acerca das interações culturais no Mediterrâneo
Antigo. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2007.
CLARYSSE, Willy. “Egyptian Religion and Magic in the Papyri”. In: BAGNALL,
Roger S. (Ed.). The Oxford Handbook of Papyrology. Oxford; Nova York:
Oxford University Press, 2009.
CLÍMACO, Joana Campo. A Alexandria dos Antigos: fascínio,
exuberância e controvérsias. Curitiba: CRV, 2020.
COLLINS, Derek. Magia no Mundo Greco-Romano. São Paulo: Madras,
2009.
DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Antigo Egito. Trad. Ângela Machado.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 55
DUNAND, Françoise & ZIVIE-COCHE, Christiane. Gods and
Men in Ancient Egypt: 3000 BCE to 395 EC. Londres: Cornell University Press,
2004..
FRANKFURTER, David. Religion in Roman Egypt. Assimilation and
Resistance. Princeton; Nova Jersey: Princeton University Press, 1998.
FRAZER, James George. O Ramo de Ouro. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1982.
GRAF, Fritz. Magic in the Ancient World. Trad. Franklin Philip. Cambridge;
Massachusetts; Londres: Harvard University Press, 1997.
GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 56
VASQUES, Marcia Severina. “Egito Romano: identidade,
poder e status social”. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História –
ANPUH, Natal – RN, 2013, p. 1-15.
VASQUES, Marcia Severina. “Espaços urbanos e relações de poder no
Egito romano”. Romanitas – Revista de Estudos Grecolatinos. n. 3, p. 47-
64, 2014.
WALLACE-HADRILL, Andrew. Rome’s Cultural Revolution. Londres: Oxford
University Press, 2008.
Mythos - Revista de História Antiga e Medieval
Mythos. Ano V, Número III, Imperatriz - MA, Setembro, 2021 (ISSN 2527-0621) 57