Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
6[6] Mais sobre a originalidade do Breton leitor de literatura em meu André Breton, 40 anos
depois: o crítico literário, em agulha 53.
7[7] Em meu texto sobre escrita automática publicado aqui, em Agulha 54, a escrita
automática e outras escritas
8[8] The Surrealist Libido: André Breton’s “Poisson soluble, Nº 8, em André Breton today,
organizado por Anna Balakian e Rudolf E. Kuenzli, Willis Locker & Owens, Nova Iorque, 1989
9[9] Manifestos do Surrealismo, Nau editora, Rio de Janeiro, 2001.
4
11[11] Em Charles Baudelaire, Poesia e Prosa, organizada por Ivo Barroso, Editora Nova
Aguilar, Rio de Janeiro, 1995; tradução de As Flores do Mal por Ivan Junqueira.
12[12] Em Salão de 1846, também em Charles Baudelaire, Poesia e Prosa.
13[13] A Paris do Segundo Império em Baudelaire, em Walter Benjamin - Sociologia, tradução
e organização de Flávio R. Kothe, Editora Ática 1985, ou na série Walter Benjamin - Obras
escolhidas, da Editora Brasiliense.
14[14] Les Éditions du Minuit, Paris, 1962.
6
Uma relação intertextual mais subterrânea, bem mais complexa, pode ser
observada na segunda parte de Nadja, no impressionante episódio da Praça
Dauphine16[16].
A 6 de outubro de 1926, Breton e Nadja chegaram a essa praça na Ilha da Cité,
onde ficam a Catedral de Notre-Dame e outras edificações históricas. Classificada por
Breton como “um dos lugares mais profundamente ermos que conheço, um dos piores
terrenos baldios de Paris”; estar lá lhe provocava aflição. Haviam sido conduzidos por
Peixe Solúvel, que Nadja acabara de ler. Em um dos trechos de Peixe Solúvel é
mencionado um hotel, o City Hotel, onde Breton havia morado. Pretendiam ir adiante,
até a Ilha de Saint-Louis, adjacente, também mencionada em outro trecho daquele
poema em prosa. Uma relação mais original com literatura, bem examinada por
Mourier-Casille (no aqui já mencionado Nadja d’André Breton): trocaram capítulos de
Peixe Solúvel; pretendiam seguir um deles e foram parar em outro, que relata um
encontro entre uma mulher, Helena, e o diabo. Dirigiam-se ao inferno.
15[15] Essai sur Stéphane Mallarmé, Poètes d’aujour’hui, Seghers, Paris, 1963
16[16] Aqui, estou reincidindo no que tratei em minha narrativa em prosa Volta, Iluminuras, São
Paulo, terceira edição em 2004, e antecipando algo de um ensaio sobre acaso objetivo que deve
sair em breve pela Perspectiva.
7
18[18] Nas Oeuvres complètes de Nerval, org. Jean Guillaume, Claude Pichois e outros,
Éditions Gallimard, Paris, vol. III, 1993.
10
decifração é proposta por Breton. Os episódios desses dias de abril de 1947 o fazem
convencer-se de que estivera de fato em companhia de Gérard de Nerval, nas
imediações da torre Saint-Jacques, a torre medieval de onde saíam os peregrinos a São
Tiago de Compostela – um lugar extremamente significativo para Breton, que
comparece em outros de seus poemas e em O Amor Louco, além de associado á
alquimia, inclusive por Nicolas Flamel haver morado em sua proximidade. Pela
primeira vez, Breton sobe à torre Saint-Jacques: os mais familiarizados com simbologia
hermética reconhecerão o sentido dessa subida à torre: é a entrada no castelo iniciático
onde está o cálice do Graal, que equivale à pedra filosofal.
É a “virada esotérica” de Breton, simbolizada pelo encontro com Gérard de
Nerval, evidenciada através de Arcano 17, de poemas da mesma década de 1940 como
Les états géneraux, Os estados gerais, e a Ode a Charles Fourier, . e de seus dois
últimos manifestos do surrealismo. Em Prolegômenos a um terceiro manifesto do
surrealismo ou não, de 1942, volta-se novamente contra o “pensamento racionalista”, e,
frisa, “sem dar atenção às acusações de misticismo de que não serei perdoado”, propõe-
se a “convencer o homem de que ele não é obrigatoriamente o rei da criação, como se
vangloria.” Pergunta sobre a oportunidade de revelar um novo mito, o dos Grandes
Transparentes, e observa que “o homem não é talvez o centro, o ponto de mira do
Universo”, criticando “a crença de que o mundo encontra no homem o seu
acabamento.” Retomaria a crítica ao antropomorfismo e a afirmação da visão hermética
de mundo em Do Surrealismo em suas Obras Vivas, de 1953. Dando sua palavra final
em matéria de manifestos, diz, no último parágrafo, que, “a esse respeito, sua posição
[do Surrealismo] se uniria à de Gérard de Nerval no famoso soneto Versos Dourados.”
Nele, o autor de Aurélia, expressando as idéias de Fabre d’Olivet, duvida de que
sejamos o centro do universo e os detentores exclusivos da razão:
“Homem! livre pensador! serás o único que pensa
Neste mundo onde a vida cintila em cada ente?”19[19]
Expressando a visão pagã do mundo animado, Nerval diz ainda que “um
mistério de amor no metal reside dormente, e um espírito puro medra sob a crosta das
pedras”.
19[19] Na tradução de Contador Borges no prefácio de Aurélia, Iluminuras, São Paulo, 1991.
12
20[20] Marguerite Bonnet, André Breton – Naissance de l’aventure surréaliste, Librairie José
Corti, Paris, 1988.
13
deste modo: “a 10 de abril de 1934, em plena “ocultação” de Vênus pela Lua (episódio
esse que só acontecia uma vez por ano)”.
O Segundo Manifesto do Surrealismo apresenta uma duplicidade. De um lado,
no corpo do texto, afirma com ênfase a adesão ao pensamento marxista. De outro, em
detalhe extensas notas de rodapé (inaceitavelmente transformadas em notas de fim,
jogadas para o final do livro, na mais recente edição brasileira dos Manifestos pela Nau,
desrespeitando a intenção de Breton), propõe a exploração de “certas ciências”,
valorizando o conhecimento hermético e exigindo que a alquimia do verbo de Rimbaud
fosse tomada ao pé da letra.
É como se houvesse, nesses dois planos do texto, aquele do corpo e outro
subjacente, das notas de rodapé, dois pólos, o materialista e o esotérico, instâncias
historicamente antagônicas, a constituírem, nas palavras de Jean-Louis Bédouin, “uma
das mais vertiginosas interrogações que conheceu o surrealismo, e, antes dele, espíritos
tão diferentes e tão grandes quanto Achim von Arnim e Rimbaud.”21[21]
Os conteúdos esotéricos aparecem como um subsolo do texto no Segundo
Manifesto do Surrealismo. E como intertexto ou “inconsciente do texto” em Nadja,
personificados, entre outros lugares, na referência ao mesmo tempo oculta e vivida a
Nerval. E reaparecem no corpo do texto, como tema, personificados em Nerval, em
Arcano 17 e nos dois últimos manifestos (entre outros lugares – na mesma época,
também Breton publicou artigos e ensaios em que tratava de hermetismo).
Nerval, antes de suicidar-se, disse, em El Desdichado e em Aurélia, que
morreria, mas retornaria. No final de Arcano 17, Breton promove esses retorno; em
Nadja, no episódio da Praça Dauphine, já anunciava que iria resgatá-lo.
Claudio Willer
cjwiller@uol.com.br
www.secrel.com.br/jpoesia/cw.html
21[21] Bédouin, Vingt ans de surréalisme, 1939-1959, Éditions Denoël, Paris, 1961.