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Resumo: É sabido que no contexto da literatura o tema dos paraísos artificiais são questões relevantes
e plausíveis de serem estudadas, pois muitos relatos de autores como Thomas de Quincey e Charles
Baudelaire popularizaram a temática ao assumirem, junto aos leitores, o uso de substâncias psicoativas.
Esses relatos pessoais deram origem a dois importantes livros: As confissões de um comedor de ópio e
Os Paraísos Artificiais. No caso, do poeta simbolista observa-se que este vai além das descrições
obtidas a partir do uso de ópio. A sua obra contém relatos não só a despeito dessa droga, mas também
sobre o haxixe e o vinho. No entanto, o artigo se ocupa apenas de um tema, o do haxixe. Assim, desse
modo, o objetivo deste trabalho é propor um estudo da obra Os Paraísos Artificiais, de Charles
Baudelaire. Para tanto, toma-se como ponto de partida os relatos sobre o uso do haxixe presente no
primeiro ensaio da referida obra em questão. Em um primeiro momento, procura-se demarcar, à luz do
pensamento de alguns críticos de Baudelaire como Paul Valéry e Anna Balakian, o lugar que a
produção poética do escritor do simbolismo francês ocupa na literatura. Em seguida, a análise crítica
possibilita traçar um quadro dos efeitos e das experiências provocadas pelo uso do haxixe e a forma
como, segundo o escritor, esse tipo de substância atua diretamente no processo de criação poética.
1 Introdução
Correspondências
A natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam filtrar não raro insólitos enredos;
O homem o cruza em meio a um bosque de segredos
Que ali o espreitam com seus olhos familiares.
Balakian (1985, p. 30) ressalta que todo o livro de Baudelaire, em especial, o soneto
“Correspondência”, faz alusão direta a Emmanuel Swedenborg de quem Baudelaire era
leitor assíduo e outros autores como: Plutarco, Montaigne, Gassendi, Diderot, Robespierre,
Allan Poe, Chateaubriand e Ruskin.
1 Só para lembrar que o Romantismo alemão já havia tomado partido da questão do divino por meio do
swedenborguismo, como atesta Anna Balakian (1985, p. 27): “a influência de Swedenborg sobre o
Romantismo, além das modas e popularizações, resultou numa profunda marca no compromisso romântico
ante a existência divina. O mundo natural é ao mesmo tempo uma barreira e uma escala de símbolos do
divino. Somente através do reconhecimento da dualidade entre nosso espírito e nossos sentidos, pode o poeta
aproximar-se da unidade final no futuro”.
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
É sabido que a estética das drogas na literatura começa muito antes do surgimento do
simbolismo francês e muito antes de um de seus principais expoentes: Baudelaire. O nome
de Thomas de Quincey pode ser usado como um dos exemplos mais emblemáticos de
autores que fizeram o uso de substâncias como o ópio materializado na pena artística.
Nascido em Manchester aos 15 de agosto de 1785, o escritor inglês, Thomas de
Quincey viria a se tornar um dos mais notáveis escritores malditos que o século XVIII
testemunhou. Ao despontar, em sua época, como um dos fundadores da “estética do mal”
que, mais tarde, um certo poeta nascido sobe à égide da maldição e das blasfêmias,
Baudelaire, por muito apreço ao santuário confessional de Quincey, tornaria não só a
principal fonte de tradução da obra deste, como também, um dos mais importantes
escritores que o século XIX viu brotar no embrião da chamada Modernidade. Por sua vez,
Baudelaire grande apreciador de Edgar Allan Poe, lembremos aqui, em especial do conto:
“O homem da/na multidão” a quem pertence a alcunha do termo Modernidade, mais tarde,
comumente atribuída a Baudelaire em função de Allan Poe, portanto seu mestre.
O poeta e crítico, Paul Valéry chama atenção para a atualidade e importância de As
Flores do Mal. No primeiro capítulo de sua obra, Variedades (2001), o leitor se depara com
um importante estudo: “Situação de Baudelaire”, a primeira linha do texto é precisa:
“Baudelaire está no apogeu na glória”, mais adiante reitera:
Esse pequeno volume As Flores do Mal, que não chega a trezentas páginas,
encontra-se, na opinião dos letrados, entre as obras mais ilustres e mais amplas. Foi
traduzido para a maioria das línguas europeias: vou me deter um instante sobre esse
ponto, pois não existe outro igual na história das letras francesas (...) com Baudelaire
a poesia francesa ultrapassa finalmente as fronteiras da nação. Ela é lida no mundo
inteiro; impõe-se como poesia própria da modernidade; dá origem à imitação,
fecunda muitos espíritos.
Em Baudelaire o que importa é começo da eterna viagem a que está submetido esse
paciente das horas vagas. Instado a comer o ópio deixa-se elevar – espiritualmente – pelo
“prazer supremo” das mais belas experiências sensoriais, astrais e simbólicas, somado a
tudo isso, ao desvelamento da personalidade da natureza do ser sob o efeito do veneno.
2 Lembramos de um caso particular de tradução da obra de Mallarmé realizada por três poetas e tradutores
brasileiros: Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. O resultado final da obra, o seja, a
descrição do processo de tradução ficou conhecida como: “tridução”. Assim se refere Augusto sobre trabalho
de tradução simultânea.
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(...) sem se preocupar em violar as leis de sua constituição, buscou na ciência física,
na farmacêutica, nos mais grosseiros líquidos, nos perfumes mais sutis, em todos os
climas e em todos os tempos, os meios de escapar, mesmo que por algumas horas,
à sua morada de lobo e, como disse o autor de Lazare: “Tomar o paraíso de um só
golpe”. Infeliz! Os vícios do homem, tão repletos de horror como supomos, contêm a
prova (quando não fosse apenas a infinita expansão deles mesmos!) de seu gosto
pelo infinito; acontece que é um gosto que sempre toma o caminho errado.
Poderíamos entender em um sentido metafórico o provérbio vulgar: Todo caminho
leva a Roma, e aplicá-lo ao mundo moral; tudo leva à recompensa ou ao castigo,
duas formas de eternidade (BAUDELAIRE, 1998, p. 13).
De repente, eis que o mais inusitado acontece. Tudo isso se vê de sua poltrona
solitária. Nesse trono solitário há um rei atuando no meio da multidão do teatro, mas
ninguém o vê. A noite é morna e os corpos se agitam dentro das roupas. O suor faz derreter
a maquilagem das moças que se abanam como as mais sedutoras damas. O ambiente é
desconfortante, uns se agitam enquanto outros se distraem com a performance dos atores
lá no palco. De sua poltrona tem uma vista privilegiada e a toda gente enxerga com
profunda nitidez. Um frio intenso percorre-lhe a espinha e chega até o cérebro. Nesse
instante tudo para. O mundo então deixa de existir. Ou se tem a sensação de ter vivido
milênios em átimos de segundos. Não há tempo cronológico quando se está sob o domínio
do veneno. Tudo pertence a harmonia perfeita, não existe nada fora do lugar. As estrelas
param nos céus e os atores agora escorrem líquidos pelo palco. Há uma enorme gelatina
humana. O frio é ainda mais intenso e seus pés deslizam no mais fino veludo da terra.
Aquele que se acha sob o efeito da droga se vê sozinho caminhando nu em uma infinita
praia de areia alva. A água do mar é ainda mais verde ao sol do meio dia, os barcos, lá
longe, cintilam ainda bêbados na quebrada das ondas. Como descreve Baudelaire:
Baudelaire (1998, p. 23) observa: “Eis aí a felicidade! Uma colherzinha bem cheia! A
felicidade com toda a sua embriaguez, todas as suas loucuras, todas as suas criancices!
Pode engolir sem medo, disto não se morre”. Descreve ainda a sensação de se estar
possuindo por alguma entidade: “O demônio o invadiu; é inútil resistir a esta hilaridade,
dolorosa como cócegas. De vez em quando, você ri de si mesmo, de sua ingenuidade e de
sua loucura (BAUDELAIRE, 1998, p. 26).
Para poeta em questão, as sensações variam de acordo com os indivíduos. Um
paciente enfrenta uma sensação de frescor, seguido de uma fraqueza e um frio intenso. A
sensação é de que as mãos ficam tão leves e macias como manteiga:
(...) sensação de frescor nas extremidades (que pode mesmo tornar-se um frio muito
intenso em alguns indivíduos) e uma grande fraqueza de todos os membros; você
agora, tem mãos de manteiga e em sua cabeça, em todo o seu ser, há um estupor e
uma estupefação embaraçantes. Seus olhos dilatam-se; estão como que lançados
em todos os sentidos por um êxtase implacável. Seu rosto inunda-se de palidez.
Seus lábios se contraem e entram em sua boca, com o movimento da respiração
ofegante que caracteriza todo homem presa de grandes projetos, oprimido por
vastos pensamentos ou que simplesmente toma fôlego. (BAUDELAIRE, 1998, p. 32).
Conclusões
Referências
BALAKIAN, Anna. O Simbolismo. Trad. José Bonifácio. São Paulo: Perspectiva, 1985.
QUINCEY, Thomas de. Confissões de um comedor de ópio. Trad. Ibañez Filho. Porto
Alegre: L&PM, 2007.
VALÉRY, Paul. Variedades. (Org.). João Alexandre Barbosa. Trad. Maiza Martins de
Siqueira. São Paulo: Iluminuras, 2011.