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Recebido: 02/05/2013

Aprovado: 10/06/2013

A INICIAÇÃO MAÇÔNICA:
UMA ANÁLISE DE SUA MITOLOGIA POR MEIO DA JORNADA DO HERÓI

Rafhael Guimarães¹

Resumo
O presente artigo visa realizar análise das diferentes etapas da iniciação maçônica no grau de Aprendiz Ma-
çom do Rito Escocês Antigo e Aceito por meio da mitologia existente nos ciclos da jornada do herói, de for-
ma a verificar a mitologia maçônica do primeiro grau com o conceito de monomito e compreender o ritual
de iniciação do Rito Escocês como processo de evolução psicológica do iniciando.
Palavras-chave: mitologia; iniciação; Maçonaria.

Abstract
This article aims at analyzing the different stages of Masonic initiation in the Entered Apprentice degree of
the Ancient and Accepted Scottish Rite through cycles of mythology exists in the hero's journey, in order to
verify the mythology of the first masonic degree with the concept of monomyth and understand the initia-
tion ritual of the Scottish Rite as a process of neophyte’s psychological evolution.
Keywords: mythology; initiation; Freemasonry.

¹ Rafhael Guimarães é Mestre Maçom, membro da GLMEES, e Maçom do Real Arco, filiado ao SGCMRAB. Além de pertencer a ou-
tras Ordens Iniciáticas, ministra cursos e palestras sobre Cabala, Astrologia e Tarô.

FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 15-22, Mai/Ago, 2013.

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a iniciação maçônica sob a luz da jornada do herói.


Introdução
Compreende-se a validade e relevância de tal aborda-
Este estudo tem por objetivo analisar as in- gem pelo fato da literatura maçônica publicada no
fluências arquetípicas e, consequentemente, mitoló- Brasil privilegiar as interpretações ritualísticas que
gicas sobre a iniciação maçônica no Rito Escocês Anti- seguem um raciocínio estrito ao entendimento cons-
go e Aceito, por intermédio da teoria conhecida por ciente de seus ensinamentos morais (ISMAIL, 2012),
Jornada do Herói. desconsiderando os efeitos psicológicos produzidos
Muitos talvez possam julgar os rituais maçôni- pela prática ritualística (JUNG, 2005).
cos como obsoletos, sem sentido ou mesmo inúteis. Depois do trabalho de psicanalistas que tanto
Serão apontadas as evidências de que os rituais ma- utilizaram da mitologia para embasar seus argumen-
çônicos e a mitologia que os estruturam têm forte tos, como Sigmund Freud, Carl G. Jung, Wilhelm Ste-
efeito sobre o inconsciente de seus praticantes kel, Otto Rank, e muitos outros, os quais desenvolve-
(JUNG, 2005). ram teorias substancialmente fundamentadas de in-
Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as terpretações de mitos, faz-se necessário explorar tais
religiões e mitologias da humanidade, e todas essas, conhecimentos, empregando-os numa melhor com-
de uma forma ou de outra, podem ser encontradas preensão dos rituais e, finalmente, da Maçonaria em
em alguma medida, representadas nas alegorias ma- si.
çônicas (MAXENCE, 2010). Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as
Ao contrário da escola freudiana, que afirma religiões e mitologias da humanidade, e muitas des-
que os mitos estão profundamente enraizados den- sas estão de alguma forma presentes nas alegorias
tro de um complexo do inconsciente, para Jung, a maçônicas (MAXENCE, 2010), seja de forma direta ou
origem atemporal dos mitos reside dentro de uma indireta. Conquanto, neste estudo em particular, se-
estrutura formal do inconsciente coletivo. Torna-se rão discutidas as semelhanças que há nos rituais ma-
assim uma diferença considerável para Freud, que çônicos, em especial no de Iniciação do Rito Escocês
nunca reconheceu a autonomia congênita da mente Antigo e Aceito, as demais mitologias do mundo. Nas
e do inconsciente, enquanto que, para Jung havia palavras ad-referendum do erudito norte americano,
uma dimensão coletiva inata e com autonomia ener- Joseph Campbell (2007):
gética. A esperança que acalento é a de que um escla-
recimento realizado em termos de compara-
As ideias apresentadas por Jung foram o em- ção possa contribuir para a causa, talvez não
basamento científico que o estudioso das Religiões e tão perdida, das forças que atuam no mundo
Mitologias Comparadas, Joseph Campbell, adotou de hoje, em favor da unificação, não em nome
para sustentar as similaridades existentes entre todas de algum império político ou eclesiástico, mas
com o objetivo de promover a mútua compre-
as religiões e mitologias da história. Tal conceito cha-
ensão entre os seres humanos. Como nos di-
mado anteriormente de “Monomito”² por Jaymes zem os Vedas: "A verdade é uma só, mas os
Joyce, foi esmiuçado por Campbell, que mostrou to- sábios falam dela sob muitos no-
do o roteiro da manifestação arquetípica do herói, mes” (CAMPBELL, Herói de mil faces).
que se encontra presente na sociedade como um ar-
quétipo do Inconsciente Coletivo (JUNG, 2005; JUNG,
2011a).
Dessa forma, o presente estudo se embasará nos tra-
balhos de Campbell e Jung, analisando e comparando

² O termo “Monomito” é de autoria de James Joyce, da obra “Finnegans Wake”.

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A Jornada Arquetípica do Herói na Mitologia Maçô- lica e não literal (CAMPBELL, 2002; CAMPBELL, 2008).
nica Conforme descreve Arthur E. Waite, em “A
Jornada do herói X Iniciação Maçônica New Encyclopedia of Freemasonry”:
O intitulado “Herói” na análise psicológica da sua ma-
nifestação, pode ser compreendido como um arqué- A lenda do mestre construtor é a grande ale-
tipo dentro da psique coletiva (JUNG, 1978). Para re- goria maçônica. Sucede que essa história figu-
forçar tal teoria, Campbell indica sua representação rativa baseia-se num personagem mencionado
nas mais conhecidas culturas e religiões ao redor da nas sagradas escrituras, mas o pano de fundo
histórico é acidental e não essencial, assim o
terra (CAMPBELL, 2007). Também poderemos encon-
importante é a alegoria e não um ponto histó-
trá-lo em ordens iniciáticas como a Maçonaria. rico qualquer que esteja por trás dela” (1921,
Conforme o autor, o herói é encontrado es- p.366-267)
sencialmente nas histórias de Atum, do Antigo Egito;
de Marduk, dos Mistérios Sumerianos; de Apolo, Fe-
O Monomito
bo, Héracles, Dionísio e Orfeu, da Mitologia Greco-
Romana; de Krishna, da Religião Hinduísta; de Baldur, Assim como a psique humana é dividida em
dos Mistérios Nórdicos; de Amaterasu, na religião três partes pela Psicologia Analítica, a Jornada do He-
Xintoísta; de Oxalá, Oxalufã, e Oxaguiã, das Religiões rói também o é, podendo ser classificada como: a)
Afro-brasileiras; de Rei Arthur, Galahad e Persival, na separação ou partida; b) iniciação ou provas e vitó-
história mitológica do Santo Graal; na verídica histó- rias; e c) o retorno (CAMPBELL, 2007). Esse ternário
ria de Jacques DeMolay, nos Cavaleiros Templários; constitui a base essencial do mito, bem como dos Ri-
em Christian Rosenkreuz, nas Núpcias Alquímicas da tuais de Passagem (VAN GUENNEP, 2011). No que
Tradição Rosa Cruz; em vários heróis cinematográfi- concerne a Iniciação Maçônica, essa pode perfeita-
cos, como Luke Skywalker, Indiana Jones, James mente ser enquadrada neste postulado, como o estu-
Bond, Superman, Harry Potter, Frodo Bolseiro e Ara- do demonstrará abaixo.
gorn; além de Jesus o Cristo, da Religião Cristã (DEL A teoria da Jornada do Herói teve por base a
DEBBIO, 2008). Em todas estas histórias, encontram- ideia do Monomito difundida por James Joyce, vindo
se similaridades que podem ser compreendidas pelo a ser aperfeiçoada por Campbell pela associação com
conceito de Inconsciente Coletivo. Por fim, na Mitolo- o conceito freudiano de forças do Inconsciente, al-
gia Maçônica tem-se a lenda de Hiram Abiff, mito es- cançando seu embasamento científico com a psicolo-
se exclusivo da Maçonaria (STAVISH, 2011). gia analítica ou arquetípica de Jung, que propõe o
Embora a Mitologia Maçônica utilize do con- conceito psicológico de Arquétipos e Inconsciente
texto contido no Antigo Testamento, pouco se tem Coletivo. A estruturação dos Ritos de Passagem pelo
no mito de conteúdo especificamente bíblico, haja antropólogo Arnold Van Guennep possibilitou a análi-
visto que o enredo principal é composto por mitos se das diferentes fases da aventura do herói, bem
elaborados. Malgrado, muitos são os maçons que in- como as diversas manifestações do mesmo, nas soci-
sistem em fundamentar a maçonaria na bíblia, ou, edades tribais (VAN GUENNEP, 2011).
pior ainda, fundamentar a história pela Maçonaria Para tanto, será apresentada a constituição
(ISMAIL, 2012). O maior exemplo de elaboração míti- básica da Jornada do Herói, seus significados psicoló-
ca na Maçonaria é a de Hiram Abiff, o protagonista da gicos e antropológicos, que estão presentes em for-
lenda do grau de Mestre Maçom. Não há, logicamen- mas disfarçadas nos contos e mitos, além é claro, de
te, registros históricos de tais eventos, e interpretá- exemplificar o contexto maçônico da mitologia, ideia
los no sentido literal é um erro crasso, pois mitos de- central deste artigo.
vem ser interpretados, como já dito, de forma simbó-
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Partida ou Separação: O chamado da aventura outros interesses. A recusa à convocação acaba por
aprisionar o herói mitológico, seja pelo tédio, pelo
Eu o proponho, na devida forma, como um
trabalho duro ou pela ignorância. A recusa é uma ne-
candidato apropriado para os mistérios da gação à atitude de renunciar àquilo que a pessoa
Maçonaria. Eu o recomendo, como digno de considera interesse próprio, e tal recusa caracteriza-
compartilhar privilégios da Fraternidade, e, se, essencialmente, pela identificação da persona³
em consequência de uma declaração de suas com seu ego´ o que acarretaria no conceito psicológi-
intenções, feita de forma voluntária e devida-
mente atestada, eu acredito que ele seguirá
co de Inflação (HALL; NORDBY, 2010).
estritamente em conformidade com as regras Como exemplo, pode-se citar o caso da espo-
da Ordem (Illustrations of Masonry, PRESTON,
sa de Ló, que se tornou uma estátua de sal por ter
1867, p.26)
olhado para trás, desobedecendo assim a instrução
recebida. A forte emoção que dominou Ló tornar-se-
A primeira tarefa do herói, no caso maçônico, ia uma “recusa do chamado”, pois poderia efetiva-
o candidato à iniciação, consiste em retirar-se da ce- mente ter rompido com a jornada. ⁵
na mundana, do mundo comum, e iniciar uma jorna- A recusa do chamado na maioria das vezes é
da pelas regiões causais da psique (templo maçôni- representada pelo medo em suas várias manifesta-
co), onde residem efetivamente as dificuldades, para ções. É dessa forma que, muitas vezes, ocorre a
torná-las claras, conscientes e erradicá-las em favor “recusa do chamado” na jornada maçônica. Se por
de si mesmo (CAMPBELL, 2008). Normalmente um algumas vezes o medo do desconhecido ou oculto
problema se apresenta diante do herói a fim de con- impede candidatos de iniciar, outras vezes a própria
vocá-lo a cumprir sua missão, mas também poderá cultura de certas sociedades trata de cumprir esta
ocorrer um fator incisivo para o crescimento do he- função.
rói, como curiosidade, sonhos ou desejos. Deste mo-
do, conforme o procedimento maçônico padrão
(PRESTON, 1867), o candidato é geralmente convida- O auxílio sobrenatural
do a iniciar na Sublime Ordem. O convite parte do Para aqueles que não recusam o chamado, o
chamado no meio maçônico de padrinho, o qual figu- primeiro encontro da jornada do herói se dá com
ra a função de arauto. E na aceitação do convite resi- uma figura protetora, que fornece ao candidato aju-
de o “chamado da aventura” (CAMPBELL, 2007), que, da para lhe proteger na jornada que estará prestes a
em outras palavras, é um sinal enviado pelo inconsci- deparar-se.
ente.
As mitologias mais elevadas desenvolvem o
papel na figura de uma espécie de guia ou de mestre.
A recusa do chamado No mito grego esse guia é Hermes-Mercúrio, e no
mito egípcio sua contraparte é Thoth. Nas tradições
Sempre se tem, tanto na vida real como nos contos
judaicas, Noé contou com uma pomba. Na mitologia
mitológicos, o triste caso do chamado que não obtém
cristã encontramos como guia o Espírito Santo
resposta, havendo, pois, o desvio da atenção para
³ Em grego significa “máscara”.
´ Na visão de Jung, Ego é o nome dado à organização da mente consciente, constituindo-se de percepções conscientes, de recor-
dações, pensamentos e sentimentos. A menos que o Ego reconheça tais percepções elas não chegariam a nossa consciência. Tais
reconhecimentos do Ego são estabelecidos pela função dominante de cada pessoa (sensibilidade, objetividade, etc.). Uma forte
experiência pode forçar entrada pelo ego ocasionando graves consequências (traumas). O Ego passa a falsa ideia de que ele é,
essencialmente, nossa inteira consciência, ou melhor, nossa Psique como um todo. (HALL; NORDBY, 2010)
⁵ Gênesis 19:26: “E a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal.”

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(CAMPBELL, 2007). leia. O herói é comumente jogado no desconhecido,


Na iniciação pelo Rito Escocês Antigo e Aceito dando a impressão de que morreu, ou, em alguns
da Maçonaria, fica evidente a figura de auxílio na jor- casos, é submetido a testes e provações, de forma
nada na função do oficial chamado de Experto, que que aprenda as regras deste novo mundo
conduz o iniciando por caminhos escabrosos, porém, (CAMPBELL, 2007).
oferecendo-lhe a devida proteção: “Eu serei o vosso Como exemplo pode-se citar alguns contos,
guia, tendes confiança em mim, e nada receeis”. A como do Chapeuzinho Vermelho, no qual ela é engo-
função do Experto durante a iniciação é conduzir o lida pelo lobo. Da mesma forma, todo o panteão gre-
candidato, que estando privado de certas faculdades, go, exceto Zeus, foi engolido pelo pai Cronos. Já na
necessita inexoravelmente do amparo do guia. Bíblia e no Alcorão encontramos Jonas, que é engoli-
do por um peixe e passa três dias e três noites em
suas entranhas, e acaba saindo de lá vivo.⁶ Arnold
A passagem pelo primeiro limiar Van Guennep (2011), salienta que a morte momentâ-
Tendo resistido ao medo, muitas das vezes nea ou aparente é tema principal das iniciações tri-
personificado como medo de morte, simbolizado no bais.
Rito Escocês pela passagem pela câmara de reflexões, Na jornada maçônica o iniciando é colocado à
o herói segue em sua aventura até chegar ao conhe- prova por testes simbólicos, para que coloque a mos-
cido na Jornada do Herói por “guardião do limi- tra sua coragem de forma a persistir na senda da vir-
ar" (CAMPBELL, 2008). Entende-se psicologicamente tude. Curioso que o ritual maçônico trata tais testes
pelo limiar como a passagem do consciente para o de forma a simbolicamente tentar afastar o candida-
inconsciente, onde se adentra a um mundo de fanta- to de seu caminho, como, por exemplo, fazendo-o
sias e imagens, semelhantes aos sonhos. Ou seja, um seguir por “caminhos escabrosos”.
mundo mítico.
No âmbito mitológico, esse primeiro limiar é
representado pela presença de um guardião e o mes- Provas e Vitórias: A Descida
mo está associado, variavelmente, a um posto que Tendo sido vitorioso nos primeiros testes e
pode ser uma porta, ponte ou lago, simbolizando o provas, ao cruzar por completo o limiar, o herói cami-
limiar. Isto posto, na Iniciação pelo Rito Escocês a nha por uma paisagem onírica povoada por formas
passagem pelo primeiro limiar ocorre no momento curiosamente fluidas e ambíguas, na qual deve sobre-
em que o candidato é levado à porta do templo e re- viver a uma sucessão de novas provas. O herói conti-
cebido pelo Guarda do Templo, também chamado nua a ser auxiliado, de forma indireta, por Guias e
em algumas versões de rituais de Cobridor Externo. Mestres. Porém, aos poucos ele percebe que existe
Após sua passagem, ou seja, após ser franqueado seu um poder benigno, presente em toda parte, que o
ingresso, o candidato passa a vivenciar uma nova e sustenta em sua passagem sobre-humana
única experiência, simbolicamente sobrenatural. (CAMPBELL, 2008).
Um mito interessante sobre esse caminho de
Provações e testes: O ventre da baleia provas, e um dos mais antigos da história, é o registro
sumeriano da descida ao mundo inferior pelos por-
A ideia de que a passagem pelo limiar é uma tais da metamorfose, pela deusa Inana. Tal mito era
passagem para uma esfera de renascimento é simbo- ritualisticamente praticado na antiguidade pelas
lizada na imagem mundial do útero ou ventre da ba-

⁶ Jonas 1:17: “O Senhor fez que ali se encontrasse um grande peixe para engolir Jonas, e este esteve três dias e três noites no ven-
tre do peixe.”

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Prostitutas Sagradas⁷ (VAN GUENNEP, 2011), que foi ouro e a prata, e, em outras palavras, o encontro do
profanado e hoje é categorizado como striptease e Cavaleiro com a Princesa, ou a descoberta do elixir da
conhecido como a “Dança dos Sete Véus”. Muitas mi- longa vida dos alquimistas (JUNG, 2012).
tologias retratam neste momento uma descida ao A mulher representa, na linguagem pictórica
submundo, quando na verdade, tal descida retrata a da mitologia, a totalidade do que pode ser conheci-
descida aos domínios da psique (CAMPBELL, 2002). do, e o herói é aquele que a compreende. Segundo
Essas novas provas, cada vez maiores em ní- Jung, havendo o equilíbrio total na psique, atinge-se
veis, representam no processo iniciático maçônico a o si mesmo, ou seja, a totalidade do ser, torna-se
passagem pelos quatro elementos, onde o iniciando consciente de todo o inconsciente (HALL; NORDBY,
vivencia e supera, simbolicamente, os elementos. No 2010). Na mitologia maçônica o iniciando, torna-se
passado, relatos indicam que os iniciandos de fato se iniciado, havendo completado o processo que Jung
colocavam à prova, seja de um incêndio, a nado, ou chamou de processo de individuação (JUNG, 2012).
tempestade (LEVI, 2012).

Sobre o encontro com a Deusa - fim do primeiro ci-


Provação difícil ou traumática: O encontro com a clo da Jornada Maçônica
Deusa O casamento, união – o supracitado conheci-
A aventura última, quando todas as barreiras mento da Anima –, representa o domínio total da vi-
foram vencidas, aparecerá como a experiência mais da pelo herói. Na Mitologia Maçônica a mulher é o
profunda e traumática do enredo mitológico. Nor- símbolo da Vida e o herói o seu conhecedor e mestre,
malmente é representado por uma morte efetiva e ou, em outras palavras, a mulher é o templo e o herói
momentânea, ou mesmo por um renascimento mira- seu sacerdote. Daí que muitas representações de
culoso (CAMPBELL, 2007). Em diversos ritos maçôni- templo em culturas antigas são em forma de uma
cos e em diferentes graus encontramos encenações mulher grávida dando a luz (MURPHY, 2007), bem
de todo o tipo para representar esta etapa, seja por como de sempre se ter sacerdotes, e nunca sacerdo-
mais provas iniciáticas ou por demonstrações fúne- tisas.
bres, funestas e sombrias, de forma que, pela última Assumindo o Templo Maçônico as caracterís-
vez, é dada a chance ao iniciando de desistir da senda ticas e conceitos de Anima, conforme esclarecido, o
da virtude, rendendo-se ao medo. . iniciando, após ter superado todos os testes e prova-
Sendo persistente, o iniciando compreende ções do processo iniciático da Maçonaria, recebe co-
depois o sentido simbólico ou mesmo psicológico de mo prêmio da jornada o encontro com a Anima, que
suas provações e testes, e, no ápice da aventura, é nada mais é do que, a “Luz da Maçonaria”, passando
apresentado diante da Deusa. Tal passagem costuma este a enxergar e conhecer o Templo Maçônico e co-
ser representada por um “Casamento Místico”, co- mungar de sua Egrégora. Ele ganha também a sua
nhecido nos mitos por hierosgamos⁸. completa liberdade, ficando livre da corda e apren-
Em termos psicológicos tal casamento repre- dendo a sair e entrar na Loja na devida forma maçô-
senta a união-conhecimento com a Anima ou Ani- nica.
mus, contidos em contos da heroína. Esta união re- O encontro ou união com a Anima também
presenta o chamado “Casamento Alquímico” dos Al- pode ser chamado de “Encontro com a Verdade”,
quimistas, e retrata uma união indissolúvel entre o pois a totalidade do ser e o completo conhecimento

⁷ O termo Prostituta possuía outro significado diferente do que hoje é associado. Significava “aquelas que se prostram”, em refe-
rência a Deusa a qual elas eram oferecidas e tornavam-se sacerdotisas.
⁸ Significa “Casamento Sagrado" e se refere à cópula de um deus ou homem com uma deusa ou mulher.

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do inconsciente, além de libertar, proporciona ao he- sob a ótica da Psicologia Junguiana, como um sonho
rói um conhecimento novo e inexplicável. grupal, sintomático dos impulsos arquetípicos exis-
Os testes que o herói passou, preliminares de tentes no interior das camadas profundas da psique
suas experiências e façanhas últimas, simbolizaram as humana (JUNG, 1978). Já numa visão religiosa, a mi-
crises de percepção por meio das quais sua consciên- tologia pode ser tida como a revelação de Deus aos
cia foi amplificada e capacitada a enfrentar. Com isso, seus filhos.
ele aprendeu que ele e sua Deusa, ou ainda, Anima, Tanto a mitologia, como os seus símbolos, são
são um só, pois se casaram-uniram. Por derradeiro, metáforas reveladoras do destino do homem, e, nas
seu destino é tornar-se o Mestre, que, variando de diversas culturas são retratadas de diferentes formas
uma cultura para outra, pode ser um filósofo, ancião, (CAMPBELL, 2007). A ideia central da mitologia é de
líder político ou religioso, entre outros tipos. Já no que a mesma funciona como uma ferramenta para
caso maçônico, um Mestre Maçom, representante de promover e entender a evolução psicológica do indi-
Hiram Abiff. viduo, sendo essa a função principal do mito
Desmistificando a mitologia, percebemos que (CAMPBELL, 2008).
o mistério do universo é retratado como Deus. Se pa- Em termos de interpretação psicológica da
ra o religioso o infinito é o Deus, para o ateu ou ag- mitologia, sempre vamos encontrar como chave es-
nóstico, o infinito é o Universo e suas infinitas mani- sencial a questão “Inconsciente = Reino metafísico”.
festações. O ego torna-se a figura do herói, por isso Em outras palavras, “Porque eis que o reino de Deus
quando se encontra com Deus-Deusa, ou seja, seu está dentro de vós”⁹. Assim, a análise para toda ques-
próprio inconsciente, toma-se conhecimento de todo tão mitológica, é o estudo da psique humana.
o universo ou infinito. O Eu Inconsciente em algumas Em várias sociedades e cultos primitivos, a
passagens torna-se o velho sábio, que tudo sabe, e prática religiosa consistia em vivenciar a Mitologia de
conhece as fraquezas e desejos reprimidos pelo o he- forma direta, pois o mito o estaria influenciando de
rói (JUNG, 2011). forma indireta no decorrer das cerimônias, por inter-
Depois deste primeiro ciclo da Aventura do médio do inconsciente. Assim, o crescimento e finali-
Herói – ou Jornada Maçônica – o herói ainda é levado dade da Mitologia acontece de forma particular em
a cumprir outros deveres no universo. Da mesma for- cada um, como uma semente que aos poucos iria se
ma, o Maçom é instruído da existência de outros germinando (JUNG, 2005). A tradição maçônica con-
graus a serem galgados, onde se encontra a continui- serva esses costumes como forma de instrução aos
dade da Jornada Maçônica. Entretanto, dificilmente seus membros, sendo, portanto, herdeira pedagógica
tem-se um final para a mitologia como um todo, pois, dessas antigas culturas (BLAVATSKY, 2009). E ao estu-
conforme a própria dialética aristotélica, em todo fim darmos a Maçonaria, seu ritual e simbologia, não po-
acha-se um novo início (CAMPBELL, 2007). Tendo o demos desconsiderar ou descartar esse viés, sob o
final de cada grau maçônico como um novo começo, risco de abrirmos mão do real objetivo de nossos ri-
pode-se compreender que, em outras palavras, tor- tuais.
nar feliz a humanidade é um processo relativamente
infinito.
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Em síntese, a mitologia pode ser entendida, mento, 2007.

⁹ Lucas 17:21.

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