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Aprovado: 10/06/2013
A INICIAÇÃO MAÇÔNICA:
UMA ANÁLISE DE SUA MITOLOGIA POR MEIO DA JORNADA DO HERÓI
Rafhael Guimarães¹
Resumo
O presente artigo visa realizar análise das diferentes etapas da iniciação maçônica no grau de Aprendiz Ma-
çom do Rito Escocês Antigo e Aceito por meio da mitologia existente nos ciclos da jornada do herói, de for-
ma a verificar a mitologia maçônica do primeiro grau com o conceito de monomito e compreender o ritual
de iniciação do Rito Escocês como processo de evolução psicológica do iniciando.
Palavras-chave: mitologia; iniciação; Maçonaria.
Abstract
This article aims at analyzing the different stages of Masonic initiation in the Entered Apprentice degree of
the Ancient and Accepted Scottish Rite through cycles of mythology exists in the hero's journey, in order to
verify the mythology of the first masonic degree with the concept of monomyth and understand the initia-
tion ritual of the Scottish Rite as a process of neophyte’s psychological evolution.
Keywords: mythology; initiation; Freemasonry.
¹ Rafhael Guimarães é Mestre Maçom, membro da GLMEES, e Maçom do Real Arco, filiado ao SGCMRAB. Além de pertencer a ou-
tras Ordens Iniciáticas, ministra cursos e palestras sobre Cabala, Astrologia e Tarô.
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A Jornada Arquetípica do Herói na Mitologia Maçô- lica e não literal (CAMPBELL, 2002; CAMPBELL, 2008).
nica Conforme descreve Arthur E. Waite, em “A
Jornada do herói X Iniciação Maçônica New Encyclopedia of Freemasonry”:
O intitulado “Herói” na análise psicológica da sua ma-
nifestação, pode ser compreendido como um arqué- A lenda do mestre construtor é a grande ale-
tipo dentro da psique coletiva (JUNG, 1978). Para re- goria maçônica. Sucede que essa história figu-
forçar tal teoria, Campbell indica sua representação rativa baseia-se num personagem mencionado
nas mais conhecidas culturas e religiões ao redor da nas sagradas escrituras, mas o pano de fundo
histórico é acidental e não essencial, assim o
terra (CAMPBELL, 2007). Também poderemos encon-
importante é a alegoria e não um ponto histó-
trá-lo em ordens iniciáticas como a Maçonaria. rico qualquer que esteja por trás dela” (1921,
Conforme o autor, o herói é encontrado es- p.366-267)
sencialmente nas histórias de Atum, do Antigo Egito;
de Marduk, dos Mistérios Sumerianos; de Apolo, Fe-
O Monomito
bo, Héracles, Dionísio e Orfeu, da Mitologia Greco-
Romana; de Krishna, da Religião Hinduísta; de Baldur, Assim como a psique humana é dividida em
dos Mistérios Nórdicos; de Amaterasu, na religião três partes pela Psicologia Analítica, a Jornada do He-
Xintoísta; de Oxalá, Oxalufã, e Oxaguiã, das Religiões rói também o é, podendo ser classificada como: a)
Afro-brasileiras; de Rei Arthur, Galahad e Persival, na separação ou partida; b) iniciação ou provas e vitó-
história mitológica do Santo Graal; na verídica histó- rias; e c) o retorno (CAMPBELL, 2007). Esse ternário
ria de Jacques DeMolay, nos Cavaleiros Templários; constitui a base essencial do mito, bem como dos Ri-
em Christian Rosenkreuz, nas Núpcias Alquímicas da tuais de Passagem (VAN GUENNEP, 2011). No que
Tradição Rosa Cruz; em vários heróis cinematográfi- concerne a Iniciação Maçônica, essa pode perfeita-
cos, como Luke Skywalker, Indiana Jones, James mente ser enquadrada neste postulado, como o estu-
Bond, Superman, Harry Potter, Frodo Bolseiro e Ara- do demonstrará abaixo.
gorn; além de Jesus o Cristo, da Religião Cristã (DEL A teoria da Jornada do Herói teve por base a
DEBBIO, 2008). Em todas estas histórias, encontram- ideia do Monomito difundida por James Joyce, vindo
se similaridades que podem ser compreendidas pelo a ser aperfeiçoada por Campbell pela associação com
conceito de Inconsciente Coletivo. Por fim, na Mitolo- o conceito freudiano de forças do Inconsciente, al-
gia Maçônica tem-se a lenda de Hiram Abiff, mito es- cançando seu embasamento científico com a psicolo-
se exclusivo da Maçonaria (STAVISH, 2011). gia analítica ou arquetípica de Jung, que propõe o
Embora a Mitologia Maçônica utilize do con- conceito psicológico de Arquétipos e Inconsciente
texto contido no Antigo Testamento, pouco se tem Coletivo. A estruturação dos Ritos de Passagem pelo
no mito de conteúdo especificamente bíblico, haja antropólogo Arnold Van Guennep possibilitou a análi-
visto que o enredo principal é composto por mitos se das diferentes fases da aventura do herói, bem
elaborados. Malgrado, muitos são os maçons que in- como as diversas manifestações do mesmo, nas soci-
sistem em fundamentar a maçonaria na bíblia, ou, edades tribais (VAN GUENNEP, 2011).
pior ainda, fundamentar a história pela Maçonaria Para tanto, será apresentada a constituição
(ISMAIL, 2012). O maior exemplo de elaboração míti- básica da Jornada do Herói, seus significados psicoló-
ca na Maçonaria é a de Hiram Abiff, o protagonista da gicos e antropológicos, que estão presentes em for-
lenda do grau de Mestre Maçom. Não há, logicamen- mas disfarçadas nos contos e mitos, além é claro, de
te, registros históricos de tais eventos, e interpretá- exemplificar o contexto maçônico da mitologia, ideia
los no sentido literal é um erro crasso, pois mitos de- central deste artigo.
vem ser interpretados, como já dito, de forma simbó-
FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 15-22, Mai/Ago, 2013.
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Partida ou Separação: O chamado da aventura outros interesses. A recusa à convocação acaba por
aprisionar o herói mitológico, seja pelo tédio, pelo
Eu o proponho, na devida forma, como um
trabalho duro ou pela ignorância. A recusa é uma ne-
candidato apropriado para os mistérios da gação à atitude de renunciar àquilo que a pessoa
Maçonaria. Eu o recomendo, como digno de considera interesse próprio, e tal recusa caracteriza-
compartilhar privilégios da Fraternidade, e, se, essencialmente, pela identificação da persona³
em consequência de uma declaração de suas com seu ego´ o que acarretaria no conceito psicológi-
intenções, feita de forma voluntária e devida-
mente atestada, eu acredito que ele seguirá
co de Inflação (HALL; NORDBY, 2010).
estritamente em conformidade com as regras Como exemplo, pode-se citar o caso da espo-
da Ordem (Illustrations of Masonry, PRESTON,
sa de Ló, que se tornou uma estátua de sal por ter
1867, p.26)
olhado para trás, desobedecendo assim a instrução
recebida. A forte emoção que dominou Ló tornar-se-
A primeira tarefa do herói, no caso maçônico, ia uma “recusa do chamado”, pois poderia efetiva-
o candidato à iniciação, consiste em retirar-se da ce- mente ter rompido com a jornada. ⁵
na mundana, do mundo comum, e iniciar uma jorna- A recusa do chamado na maioria das vezes é
da pelas regiões causais da psique (templo maçôni- representada pelo medo em suas várias manifesta-
co), onde residem efetivamente as dificuldades, para ções. É dessa forma que, muitas vezes, ocorre a
torná-las claras, conscientes e erradicá-las em favor “recusa do chamado” na jornada maçônica. Se por
de si mesmo (CAMPBELL, 2008). Normalmente um algumas vezes o medo do desconhecido ou oculto
problema se apresenta diante do herói a fim de con- impede candidatos de iniciar, outras vezes a própria
vocá-lo a cumprir sua missão, mas também poderá cultura de certas sociedades trata de cumprir esta
ocorrer um fator incisivo para o crescimento do he- função.
rói, como curiosidade, sonhos ou desejos. Deste mo-
do, conforme o procedimento maçônico padrão
(PRESTON, 1867), o candidato é geralmente convida- O auxílio sobrenatural
do a iniciar na Sublime Ordem. O convite parte do Para aqueles que não recusam o chamado, o
chamado no meio maçônico de padrinho, o qual figu- primeiro encontro da jornada do herói se dá com
ra a função de arauto. E na aceitação do convite resi- uma figura protetora, que fornece ao candidato aju-
de o “chamado da aventura” (CAMPBELL, 2007), que, da para lhe proteger na jornada que estará prestes a
em outras palavras, é um sinal enviado pelo inconsci- deparar-se.
ente.
As mitologias mais elevadas desenvolvem o
papel na figura de uma espécie de guia ou de mestre.
A recusa do chamado No mito grego esse guia é Hermes-Mercúrio, e no
mito egípcio sua contraparte é Thoth. Nas tradições
Sempre se tem, tanto na vida real como nos contos
judaicas, Noé contou com uma pomba. Na mitologia
mitológicos, o triste caso do chamado que não obtém
cristã encontramos como guia o Espírito Santo
resposta, havendo, pois, o desvio da atenção para
³ Em grego significa “máscara”.
´ Na visão de Jung, Ego é o nome dado à organização da mente consciente, constituindo-se de percepções conscientes, de recor-
dações, pensamentos e sentimentos. A menos que o Ego reconheça tais percepções elas não chegariam a nossa consciência. Tais
reconhecimentos do Ego são estabelecidos pela função dominante de cada pessoa (sensibilidade, objetividade, etc.). Uma forte
experiência pode forçar entrada pelo ego ocasionando graves consequências (traumas). O Ego passa a falsa ideia de que ele é,
essencialmente, nossa inteira consciência, ou melhor, nossa Psique como um todo. (HALL; NORDBY, 2010)
⁵ Gênesis 19:26: “E a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal.”
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⁶ Jonas 1:17: “O Senhor fez que ali se encontrasse um grande peixe para engolir Jonas, e este esteve três dias e três noites no ven-
tre do peixe.”
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Prostitutas Sagradas⁷ (VAN GUENNEP, 2011), que foi ouro e a prata, e, em outras palavras, o encontro do
profanado e hoje é categorizado como striptease e Cavaleiro com a Princesa, ou a descoberta do elixir da
conhecido como a “Dança dos Sete Véus”. Muitas mi- longa vida dos alquimistas (JUNG, 2012).
tologias retratam neste momento uma descida ao A mulher representa, na linguagem pictórica
submundo, quando na verdade, tal descida retrata a da mitologia, a totalidade do que pode ser conheci-
descida aos domínios da psique (CAMPBELL, 2002). do, e o herói é aquele que a compreende. Segundo
Essas novas provas, cada vez maiores em ní- Jung, havendo o equilíbrio total na psique, atinge-se
veis, representam no processo iniciático maçônico a o si mesmo, ou seja, a totalidade do ser, torna-se
passagem pelos quatro elementos, onde o iniciando consciente de todo o inconsciente (HALL; NORDBY,
vivencia e supera, simbolicamente, os elementos. No 2010). Na mitologia maçônica o iniciando, torna-se
passado, relatos indicam que os iniciandos de fato se iniciado, havendo completado o processo que Jung
colocavam à prova, seja de um incêndio, a nado, ou chamou de processo de individuação (JUNG, 2012).
tempestade (LEVI, 2012).
⁷ O termo Prostituta possuía outro significado diferente do que hoje é associado. Significava “aquelas que se prostram”, em refe-
rência a Deusa a qual elas eram oferecidas e tornavam-se sacerdotisas.
⁸ Significa “Casamento Sagrado" e se refere à cópula de um deus ou homem com uma deusa ou mulher.
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do inconsciente, além de libertar, proporciona ao he- sob a ótica da Psicologia Junguiana, como um sonho
rói um conhecimento novo e inexplicável. grupal, sintomático dos impulsos arquetípicos exis-
Os testes que o herói passou, preliminares de tentes no interior das camadas profundas da psique
suas experiências e façanhas últimas, simbolizaram as humana (JUNG, 1978). Já numa visão religiosa, a mi-
crises de percepção por meio das quais sua consciên- tologia pode ser tida como a revelação de Deus aos
cia foi amplificada e capacitada a enfrentar. Com isso, seus filhos.
ele aprendeu que ele e sua Deusa, ou ainda, Anima, Tanto a mitologia, como os seus símbolos, são
são um só, pois se casaram-uniram. Por derradeiro, metáforas reveladoras do destino do homem, e, nas
seu destino é tornar-se o Mestre, que, variando de diversas culturas são retratadas de diferentes formas
uma cultura para outra, pode ser um filósofo, ancião, (CAMPBELL, 2007). A ideia central da mitologia é de
líder político ou religioso, entre outros tipos. Já no que a mesma funciona como uma ferramenta para
caso maçônico, um Mestre Maçom, representante de promover e entender a evolução psicológica do indi-
Hiram Abiff. viduo, sendo essa a função principal do mito
Desmistificando a mitologia, percebemos que (CAMPBELL, 2008).
o mistério do universo é retratado como Deus. Se pa- Em termos de interpretação psicológica da
ra o religioso o infinito é o Deus, para o ateu ou ag- mitologia, sempre vamos encontrar como chave es-
nóstico, o infinito é o Universo e suas infinitas mani- sencial a questão “Inconsciente = Reino metafísico”.
festações. O ego torna-se a figura do herói, por isso Em outras palavras, “Porque eis que o reino de Deus
quando se encontra com Deus-Deusa, ou seja, seu está dentro de vós”⁹. Assim, a análise para toda ques-
próprio inconsciente, toma-se conhecimento de todo tão mitológica, é o estudo da psique humana.
o universo ou infinito. O Eu Inconsciente em algumas Em várias sociedades e cultos primitivos, a
passagens torna-se o velho sábio, que tudo sabe, e prática religiosa consistia em vivenciar a Mitologia de
conhece as fraquezas e desejos reprimidos pelo o he- forma direta, pois o mito o estaria influenciando de
rói (JUNG, 2011). forma indireta no decorrer das cerimônias, por inter-
Depois deste primeiro ciclo da Aventura do médio do inconsciente. Assim, o crescimento e finali-
Herói – ou Jornada Maçônica – o herói ainda é levado dade da Mitologia acontece de forma particular em
a cumprir outros deveres no universo. Da mesma for- cada um, como uma semente que aos poucos iria se
ma, o Maçom é instruído da existência de outros germinando (JUNG, 2005). A tradição maçônica con-
graus a serem galgados, onde se encontra a continui- serva esses costumes como forma de instrução aos
dade da Jornada Maçônica. Entretanto, dificilmente seus membros, sendo, portanto, herdeira pedagógica
tem-se um final para a mitologia como um todo, pois, dessas antigas culturas (BLAVATSKY, 2009). E ao estu-
conforme a própria dialética aristotélica, em todo fim darmos a Maçonaria, seu ritual e simbologia, não po-
acha-se um novo início (CAMPBELL, 2007). Tendo o demos desconsiderar ou descartar esse viés, sob o
final de cada grau maçônico como um novo começo, risco de abrirmos mão do real objetivo de nossos ri-
pode-se compreender que, em outras palavras, tor- tuais.
nar feliz a humanidade é um processo relativamente
infinito.
Referências Bibliográficas
BLAVATSKY, HELENA P. O ocultismo prático e as origens do ritual
Conclusões a respeito de Mitologia e as razões deste na Igreja e na Maçonaria. São Paulo: Pensamento, 2009.
estudo CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces. São Paulo: Editora Pensa-
Em síntese, a mitologia pode ser entendida, mento, 2007.
⁹ Lucas 17:21.
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