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SOCIEDADE TEOLÓGICA DE ENSINO E PESQUISA

Aprendendo a estudar teologia

Prof. Roberto dos Santos, Ph.D

Cambridge International University


Friends International Christian University

Brasília – DF, 2007.


SUMÁRIO

1. A CONTRIBUIÇÃO DA MITOLOGIA PARA A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO


TEOLÓGICO..............................................................................................................................4
1.1. Teologia...........................................................................................................................4
1.2. O que é um mito? ............................................................................................................4
2. A NATUREZA DA TEOLOGIA...........................................................................................8
2.1. Definições de Teologia....................................................................................................8
2.2. Quatro Categorias de Teologia........................................................................................8
2.3. Como nasce concretamente a Teologia............................................................................9
3. TEOLOGIA E CIÊNCIA......................................................................................................11
3.1. Conceito de Ciência.......................................................................................................11
3.2. Características da Ciência..............................................................................................11
3.3. Visão do Problema.........................................................................................................13
3.4. Aspectos Sistemáticos do Problema..............................................................................14
3.5. A Relação da Teologia com a Filosofia e as Demais Ciências......................................16
4. O CONHECIMENTO TEOLÓGICO E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO...................18
4.1. Posição dos teólogos .....................................................................................................18
4.2. Possível Identidade do Objeto Material ........................................................................19
4.3. Diversidade de Princípios .............................................................................................19
4.4. Diversidade de Princípios Subjetivos Operativos .........................................................20
4.5. Diversidade dos Princípios ou Fundamentos Objetivos ...............................................21
4.6. Passos do conhecimento teológico ................................................................................21
4.7. A Fé religiosa e tendência volitiva ................................................................................22
4.8. A fé e a sabedoria máxima para os crentes ...................................................................24
4.9. Momento para revisão ...................................................................................................24
4.10. Diferenças entre conhecimento teológico e conhecimento cientifico .........................25
5. O PROBLEMA DO MÉTODO TEOLÓGICO....................................................................27
5.1. Processo de Ensino-Aprendizagem ...............................................................................27
5.2. Postura pedagógica .......................................................................................................27
5.3. Metodologia ..................................................................................................................28
6. A TEOLOGIA E SEUS MÉTODOS....................................................................................30
6.1. A teologia como ciência.................................................................................................31
6.2. Especializações e métodos ............................................................................................32
6.3. Teologia bíblica .............................................................................................................32
6.4. Teologia histórica ..........................................................................................................33
6.5. Teologia sistemática ......................................................................................................34
6.6. Teologia moral ..............................................................................................................35
6.7. Teologia pastoral e disciplinas afins .............................................................................35
6.8. A teologia como disciplina crítica ................................................................................36
6.9. A teologia como tarefa da Igreja ...................................................................................37
6.10. Critérios para afirmações teológicas ...........................................................................39
6.11. Teologia e doutrina .....................................................................................................41
6.12. Conclusões ..................................................................................................................42
7. O CARÁTER CIENTÍFICO DA TEOLOGIA.....................................................................44
7.1. A Questão histórica........................................................................................................47
7.2. Que tipo de ciência é a teologia? ..................................................................................50
7.3. Conclusão.......................................................................................................................55
8. COMO ESTUDAR TEOLOGIA..........................................................................................56
8.1. Aula Magistral ...............................................................................................................56
8.2. Participação na classe ....................................................................................................57
8.3. Anotações de aula .........................................................................................................58
8.4. Dinâmicas de uma aula participativa ............................................................................59
8.5. Estudo Individual ..........................................................................................................59
8.6. Trabalho de grupo, especialmente o seminário .............................................................64
8.7. Pesquisa e Dissertação...................................................................................................66
REFERÊNCIAS........................................................................................................................71
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1. A CONTRIBUIÇÃO DA MITOLOGIA PARA A EVOLUÇÃO DO


PENSAMENTO TEOLÓGICO

1.1. Teologia
Teologia, em geral, é qualquer estudo, discurso ou pregação que trate de
Deus ou das coisas divinas. Foi nesse sentido generalíssimo que essa palavra foi
entendida pelo grande erudito romano Marco Terêncio Varrão (séc. I a. C.), cuja
distinção de três teologias foi transmitida por Santo Agostinho: Teologia mítica ou
fabulosa; Teologia natural ou física; e Teologia civil.
Mas, antes de estudar qualquer tema teológico, é preciso, primeiramente,
investigar sua origem na história da mitologia grega, pois, do contrário, jamais
teremos um entendimento preciso do que realmente quer significar teologia hoje. Se
analisarmos os fatos históricos e mitológicos, donde a teologia emergiu todo o seu
labor epistemológico, então, teremos uma compreensão científica do verdadeiro
sentido acadêmico e sociológico da ciência que trata a verdade baseada no critério
da razão.
A filosofia nasceu realizando uma transformação gradual sobre os mitos
gregos ou nasceu por uma ruptura radical com os mitos? É nesse cenário que nasce
a teologia como forma epistemológica subjetiva da tentativa de perceber a presença
de Deus na agenda da política religiosa do ser humano.

1.2. O que é um mito?


Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos
astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos
ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de
trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.).
A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo
mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo
(conversar, contar, anunciar, nomear, designar).
Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade?
Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os
5

acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de


todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra – o mito – é
sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e
inquestionável.
Como o mito narra a origem do mundo e de tudo que nele existe? De três
maneiras principais:
1. Encontramos o pai e a mãe das coisas e dos seres, isto é, tudo que existe
decorre de relações sexuais entre forças divinas pessoais. Essas relações geram os
demais deuses; os titãs (seres semihumanos e semidivinos), os heróis (filhos de um
deus com uma humana e de uma deusa com um humano), os humanos, os metais,
as plantas, as qualidades, como quente-frio, seco-úmido, claro-escuro, bom-mau,
justo-injusto, belo-feio, certo-errado, etc.
A narração da origem é, assim, uma genealogia, isto é, narrativa da geração
dos seres, das coisas, das qualidades, por outros seres, que são seus pais ou
antepassados.
2. Encontramos uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz
surgir alguma coisa no mundo. Nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre as
forças divinas ou uma aliança entre elas para provocar alguma COISA NO MUNDO
DOS HOMENS.
O poeta Homero, na Ilíada, epopéia que narra a guerra de Tróia, explica por
que, em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a vitória cabia aos
gregos. Os deuses estavam divididos, alguns a favor de um lado e outros a favor do
outro.
3. Encontramos as recompensas ou os castigos que os deuses dão a quem
lhes obedece ou a quem lhes desobedece, respectivamente (Pandora, de Odilon
Redon. Da “Caixa de Pandora” saíram todos os males do mundo, segundo a
mitologia grega).
Vemos, portanto, que o mito narra a origem das coisas por meio de lutas,
alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o
destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-
se que são cosmogonias e teogonias.
A palavra gonia vem de duas palavras gregas: do verbo gennao (engendrar,
gerar, fazer nascer e crescer) e do substantivo genos (nascimento, gênese,
descendência, gênero, espécie).
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Teogonia é uma palavra composta de gonia e theos, que, em grego,


significa: as coisas divinas, os seres divinos, os deuses. A teogonia é, portanto, a
narrativa da origem dos deuses, a partir de seus pais e antepassados.
Além da acepção geral de “narrativa”, na qual essa palavra é usada, p. ex.,
na Poética de Aristóteles, do ponto de vista histórico é possível distinguir três
significados do termo:
1º - Na Antiguidade clássica, o Mito é considerado um produto inferior ou
deformado da atividade intelectual.
2º - Para a segunda concepção de Mito, este é uma forma autônoma de
pensamento e de vida. Nesse sentido, a validade e a função do Mito não são
secundárias e subordinadas em relação ao conhecimento racional, mas originárias e
primárias, situando-se num plano diferente do plano do intelecto, mas dotado de
igual dignidade.
3º - A terceira concepção de Mito consiste na moderna teoria sociológica que
se pode atribuir principalmente a Fraser e a Malinowski. Este último vê no Mito a
justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que constituem a cultura de
um grupo.
Para concluir esta parte, gostaria de citar um texto do Dr. Rudolf Bultmann.
Na obra do autor este termo recebeu um significado especial, importante para a
interpretação que esse autor faz ao Cristianismo: “Mito é a forma de representação
em que aquilo que não é mundano, que é divino, é representado como mundano,
humano, o além como o aquém, em que, p. ex., a transcendência de Deus é
pensada como distância espacial. Em conseqüência DESSA REPRESENTAÇÃO, O
CULTO É ENTENDIDO COMO UMA AÇÃO NA QUAL OS MEIOS MATERIAIS
TRANSMITEM FORÇAS IMATERIAIS”. Nesse sentido, é óbvio que a palavra mito
não tem o sentido moderno, “em que não significa nada mais do que Ideologia
(Kerygma und Mythos, I, 1951, p. 22, n. 2). Cf. Miegge, L. Evangelho e il mito, Milão,
1956.

Questionário:
1. Será que a ciência teológica superou o problema do mito em relação a
compreensão do Texto Bíblico?
2. Até que ponto da pesquisa teológica pode-se afirmar que o mito é desnecessário?
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3. É possível interpretar teologicamente a Bíblia, principalmente o livro do Gênesis,


sem correr risco de falhar na exatidão de sua mensagem para o homem moderno?
4. Como provar “cientificamente, teologicamente e filosoficamente” que a Bíblia
Sagrada é isenta de dúvida epistemológica?
5. Foi o mito a primeira percepção da “consciência teológica” independentemente de
uma explicação objetiva diante um mundo totalmente subjetivo e irracional,
aparentemente?
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2. A NATUREZA DA TEOLOGIA

Se a ciência natural se preocupa com os fatos e leis da natureza, a teologia


se preocupa com os fatos e princípios da Bíblia. Se o objetivo de uma é organizar e
sistematizar os fatos do mundo externo, bem como averiguar as leis pelas quais eles
são determinados; o objetivo da outra é sistematizar os fatos da Bíblia e averiguar os
princípios ou verdades gerais que esses fatos envolvem.

2.1. Definições de Teologia


Às vezes a palavra se restringe a seu significado etimológico, “um discurso
concernente a Deus”. Orfeu e Homero eram chamados de teólogos entre os gregos,
porque seus poemas tratavam a natureza dos deuses. Aristóteles classificou as
ciências sob os títulos de física, matemática e teologia, isto é, aquela que se ocupa
da natureza, aquela que se ocupa dos números e da quantidade, e aquela que se
ocupa de Deus.

2.2. Quatro Categorias de Teologia


Em sentido mais especificamente histórico-filosófico, é possível distinguir: 1º
Teologia Metafísica; 2º Teologia Natural; 3º Teologia Revelada; 4º Teologia
Negativa.
1º. Aristóteles chamou sua “ciência primeira”, a metafísica, de Teologia:
entendeu-a ao mesmo tempo como ciência do ser enquanto ser (ou seja, da
substância) e como ciência da substância eterna, imóvel e separada (ou seja, de
Deus). Desse ponto de vista, os neoplatônicos muitas vezes chamaram os filósofos
– inclusive os físicos e os materialistas – de teólogos, porquanto eles se ocupavam
(como diz Proclo) dos “princípios primeiríssimos das coisas subsistentes por si
mesmas”.
2º. O segundo conceito de Teologia é, portanto, o de teologia natural, que se
distingue do anterior só pelo fato de compreender uma parte da metafísica, e não a
sua totalidade; mais precisamente a parte que tem por objeto as coisas divinas.
Teologia Natural é a ciência de Deus, na medida em que pode ser conhecido sem
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fé, e a considerava fundamento da filosofia prática, da Teologia e da Teologia


Revelada.
Por sua vez, a Teologia transcendental pode ser cosmoteologia, se deduzir a
existência de Deus da experiência em geral, ou ontoteologia, se deduzir sua
experiência a partir de conceitos, sem recorrer à experiência. Finalmente, a teologia
natural pode ser física, se remontar aos atributos de Deus partindo da ordem e da
constituição do mundo, ou teologia moral, se considerar Deus como o princípio da
ordem e da perfeição moral.
3º. A Teologia Revelada ou Sagrada extrai seus princípios da revelação. A
primeira formulação explícita desse conceito é, provavelmente, tomista: S. Tomás
afirma que “a sagrada doutrina é ciência porque parte de princípios conhecidos
através da luz de uma ciência superior, que é a ciência de Deus e dos bem-
aventurados”.
4º. O conceito da Teologia Negativa surgiu e propagou-se no misticismo. A
distinção entre Teologia positiva ou afirmativa (que parte de Deus em direção ao
finito por meio da determinação dos atributos ou nomes de Deus) e Teologia
negativa (que parte do finito em direção a Deus e o considera acima de todos os
predicados ou nomes com os quais possa ser designado) encontra-se nos tratados
do Pseudo-Dionísio, o Areopagita, mas sua fonte está nos textos neoplatônicos,
para os quais deus está acima de todas as determinações finitas e próprio do ser.
Pode-se considerar manifestação dessa Teologia – revivida através da experi~encia
de Kierkeggard – a chamada teologia da crise de K. Barth, salvo pelo fato de esta
não consistir na negação dos atributos finitos de Deus, mas em considerar a relação
entre o homem e Deus como a negação de todas as possibilidades humanas (crise)
que se reduziriam a meras impossibilidades, de tal modo que só dessa negação
nasceria uma possibilidade de salvação, cuja origem não é mais humana, porém
divina.

2.3. Como nasce concretamente a Teologia


A teologia nasce do coração da própria fé. É, na definição felicíssima de
Santo Anselmo, “a fé que ama saber”. Igualmente o amor, que nasce da fé, deseja
saber as razões por que ama. Tal é a dupla fonte objetiva da teologia.
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Quanto á fonte subjetiva da teologia, é o próprio espírito humano que


“deseja naturalmente conhecer” (Aristóteles), e disso não estão excluídas as coisas
da fé.
Toda a pessoa de fé, na medida em que procura entender o porquê daquilo
que crê, é, a seu modo e à sua medida, “teóloga”.
A fé é fonte, objeto e fim da teologia. De fato, a fé compreende:
a) um elemento cognitivo: é a fé-palavra;
b) um elemento afetivo; é a fé-experiência;
c) um elemento ativo: a fé-prática.
A Teologia, enquanto ciência superior, é por natureza responsável pela
pesquisa e aplicação dos resultados verificados na praxiológica da produção de
conhecimentos novos e originais. A Teologia para ser ciência de fato e de direito,
deve voltar-se a pesquisa propriamente dita, e não apenas a confecção de artigos
de fé.
Não sabemos a razão pela qual os primeiros “teólogos ou investigadores da
natureza” pararam suas produções epistemológicas, mas uma coisa é certa: teologia
sem a presença de uma mente inquiridora, científica ou mesmo filosófica, jamais
poderá avançar em termos de novas descobertas ou “revelações”. Tentar fazer
teologia somente no âmbito da fé é o mesmo que navegar contra as regras do mar.
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3. TEOLOGIA E CIÊNCIA

3.1. Conceito de Ciência


A palavra ciência pode ser assumida em duas acepções: em sentido amplo,
ciência significa simplesmente conhecimento, como na expressão tomar ciência ou
daquilo; em sentido restrito, ciência não significa um conhecimento qualquer, e sim
um conhecimento que não só apreende ou registra fatos, mas os demonstra pelas
suas causas determinadas ou constitutivas.
Conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, uma garantia da
própria validade. A limitação expressa pelas palavras “em qualquer forma ou
medida” é aqui incluída para tornar a definição aplicável à Ciência moderna, que não
tem pretensões de absoluto. Mas, segundo o conceito tradicional, a Ciência inclui
garantia absoluta de validade, sendo, portanto, como conhecimento, o grau máximo
da certeza. O oposto da Ciência é a opinião, caracterizada pela falta de garantia
acerca de sua validade. As diferentes concepções de Ciência podem ser
distinguidas conforme a garantia de validade que se lhes atribui. Essa garantia pode
consistir: 1º na demonstração; 2º na descrição; 3º na corrigibilidade.

3.2. Características da Ciência


1. Conhecimento pelas causas – conhece cientificamente quem é capaz
de demonstrar os porquês de determinado enunciado. “Vere scire, per causas scire”,
dizia Bacon, repetindo aliás Aristóteles, que, vinte séculos antes, já definiria ciência
como “cognitio rei per causam protlpter quam res est, et quod ejus causa, et no
contigit aliter se habere” (I Analytica Posteriore, c. 2).
2. Profundidade e generalidade de suas condições – o conhecimento
pelas cusas pe a modo mais íntimo e profundo de se atingir o real. A ciência
generaliza porque atinge a constituição íntima e a causa comum a todos os
fenômenos da mesma espécie. A validade universal dos enunciados científicos
confere à ciência a prerrogativa de fazer prognósticos seguros.
3. Finalidade teórica e prática – Enquanto a ciência satisfaz este profundo
desejo de conhecer, realiza sua finalidade teórica. Da pesquisa fundamental, da
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descoberta da verdade, decorrem inúmeras conseqüências práticas no domínio da


natureza, no prognóstico e no controle dos eventos, nos avanços tecnológicos, em
suam, na melhoria das condições da vida humana.
4. Objeto formal – não é o objeto material que caracteriza a ciência; na
verdade, o mesmo objeto material pode ser atingido por diferentes modos de
conhecer. Assim é que o objeto material “homem” pode ser atingido pela poesia,
pela filosofia, pela teologia e, também pelas ciências, tais como a psicologia, a
Biologia e a Sociologia. O que caracteriza a ciência é seu objeto formal, isto é, a
maneira peculiar, o aspecto, ou ângulo sob o qual atinge seu objeto material. O
modo específico de a ciência atingir seu objeto é o controle experimental das causas
reais próximas.
A ciência tem por objeto material realidades físicas, sua pesquisa é
instrumentada, seu objetivo é manifestar a evidência dos fatos e não das idéias.
5. Método e controle – O problema do método será objeto de um estudo à
parte. Nós o mencionamos aqui apenas como uma das características da ciência,
tão importante que alguns autores chegam a definir ciência exatamente em função
do método. Enquanto o conhecimento vulgar é ametódico, o método constitui a via
real de acesso da mente humana nos processos da pesquisa científica.
A filosofia usa o método racional de caráter eminentemente dedutivo. Em
contraposição à Filosofia, a ciência caracteriza-se pelo emprego do método
experimental, essencialmente indutivo. Neste sentido pode-se dizer que a ciência é
uma investigação rigorosamente metódica e controlada, nem será outra a razão da
confiança nas conclusões científicas.
6. Exatidão – essa exatidão característica da ciência, relativa às suas
conclusões, decorre da possibilidade de se demonstrar, por via de experimentação
ou evidencia dos fatos objetivos, observáveis e controláveis, o mérito de seus
enunciados.
7. Aspecto social – o motivo da pesquisa deve ser o de beneficiar o homem
na condição de agente racional de seu meio ambiente. Cumpre ainda observar que
a ciência é uma instituição social. Os cientistas são membros de uma sociedade
intelectual universal consagrada à procura da verdade e à melhoria das condições
de vida da Humanidade. Sem o aspecto social da pesquisa científica o homem deixa
de significa na busca pela verdade e o sentido de viver.
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Antes de entendermos o problema da teologia como ciência, devemos


procurar, antes de qualquer fundamentação epistemológica fundamentar a pesquisa
teórica da teologia na época da idade medieval, onde surge no cenário da pesquisa
teológica um certo interesse pela busca de um sentido mais objetivo da fé.
A primeira forma de teologia medieval, que floresceu até o século XII, foi a
chamada teologia monástica.
A segunda forma de teologia medieval pode ser chamada urbana. Ela nasce
quando, a partir do século XII, acentua-se o declínio do mundo feudal e aparecem as
primeiras sociedades urbanas com o desenvolvimento das cidades, primeiro na
Itália, depois na Europa norte-ocidental. A teologia perde, então, seu caráter
alegórico e se torna uma teologia científica, porque o homem medieval passa a
confrontar-se com a realidade imediata que começa a desafiá-lo em termos de
trabalho e de organização da sociedade, deixando de ser vivida como alegoria de
uma outra realidade. É nesse momento que tem lugar a entrada de Aristóteles no
Ocidente. Os teólogos medievais passam a traduzir o conteúdo da teologia simbólica
para as categorias científicas aristotélicas.
Abordamos aqui o problema começando por uma rápida visão histórica e
passando, logo em seguida, a uma abordagem sistemática do problema.

3.3. Visão do Problema


Num sentido muito amplo e geral, o encontro da teologia com a ciência
grega se dá já muito cedo na época patrística. Pelo menos desde Orígenes se
começa no cristianismo a tentativa de elaboração da teologia segundo o modelo da
ciência grega como uma forma de conhecimento rigoroso do objeto, conforme o
modelo de uma “episteme”. O que não significa que a busca de fazer da teologia
cristã uma ciência seja característica da patrística como ela o será da teologia da
alta escolástica. De fato, a questão da teologia como ciência e do caráter científico
da teologia foi colocada expressamente apenas na alta escolástica a partir de
Tomás de Aquino (Método Aristotélico).
A questão do caráter científico da teologia ou da relação entre teologia e as
ciências está longe de ser uma questão simples. Ela depende, ao menos em parte,
do próprio sentido de ciência, que não é um conceito estático, mas um conceito que
evolui na história. Temos aqui o que chamamos de relativismo epistemológico.
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O problema da teologia como ciência evolui da visão metafísico-estática da


teologia medieval para uma visão muito mais dinâmica existencial de nosso tempo.
O valor do conhecimento reside, pois, aos seguintes fatores: 1) busca e
aquisição de informações para solução de problemas experimentais e vivenciais; 2)
aplicação dos conhecimentos obtidos para promover o progresso material e
espiritual do homem e da sociedade; 3) fonte de invenções e criações técnico-
científicas capazes de beneficiar a vida humana.
Por conseguinte, o conhecimento científico, além de ater-se aos fatos, é:
analítico, comunicável, verificável, organizado e sistemático. É explicativo, constrói e
aplica teorias e depende de investigações metódicas.

3.4. Aspectos Sistemáticos do Problema


1. Teologia como saber racional – a teologia terá de recorrer
inevitavelmente aos instrumentos que o mundo com o seu saber e a sua cultura
coloca à disposição do teólogo para que a sua teologia se torne um serviço eficaz ao
mundo. Essa foi a maneira de proceder de todos os grandes cristãos. Bastaria
lembrar aqui o primeiro grande teólogo da Igreja Oriental, Orígenes, que serviu-se
da filosofia e das ciências de seu tempo para realizar seu trabalho de teólogo. Não
se faz teologia sem o diálogo com a cultura de cada época.
É nesse contato e diálogo do teólogo com a cultura de seu tempo que se vê
a importância da teologia como ciência. Para a teologia alcançar uma racionalidade
que fique próxima da racionalidade científica, mesmo se o saber racional da teologia
tem de conservar sempre a especificidade que lhe vem da Revelação e da fé, não é
uma questão de vaidade do teólogo mas uma questão vital.
A teologia não pode isolar-se do mundo da cultura sem correr o risco de ser
uma teologia estéril que não produz frutos para a evangelização do mundo.
Ser ciência da fé não significa para o teólogo de hoje superioridade mas,
antes, a consciência de que só a teologia que coloca os problemas do mundo à luz
da Revelação e da fé pode ajudar o homem e o mundo de cada época a encontrar o
caminho de seu destino último.
Uma teologia auto-suficiente nunca entrará em diálogo com as ciências.
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2. Teologia como sabedoria - os Estóicos entendiam a sabedoria como a


maior das virtudes e da sabedoria surgia a coragem, o autocontrole e a justiça.
Ora, o teólogo, à maneira de um sábio arquiteto que ordena tudo para a
construção do edifício, ele tem um saber que está acima dos demais saberes
humanos por ser uma forma de participação no próprio saber divino.
É claro que a época moderna mudou profundamente a relação da teologia
para com as demais ciências.
Nenhum teólogo, hoje, pensa em colocar em dúvida a autonomia das
ciências humanas em seu respectivo campo de investigação, ainda que essa
autonomia não possa ser absoluta no sentido de que as ciências humanas estariam
isentas de qualquer instância de natureza religiosa ou ética fora das próprias
ciências. Uma autonomia absoluta das ciências humanas e ética que regem a vida
do homem como um todo é incompatível com a fé cristã.
Na medida em que se acentuou numa linha demasiadamente estrita o
caráter científico da teologia, os teólogos deixaram de falar da teologia como
sabedoria como se esse aspecto da teologia tivesse sido superado pelo rigor
científico da teologia.

3. Teologia como saber popular – se dissermos que a sabedoria não pode


enclausurar-se num saber racional, mas tem de ser sempre uma forma de sabedoria
cristã, e que a compreensão da Palavra de Deus e da fé provem não apenas do
esforço humano de entender a fé e a Palavra de Deus e da fé provem não apenas
para os teólogos.
O caráter acadêmico e especializa do teólogo nunca deve perder de vista
seu último objetivo que é servir a todo o Povo de Deus. A teologia está sempre
numa tensão entre a especificação acadêmica que é condição que é condição de
seu progresso e o objetivo eclesial que é a condição de permanecer como
compromisso com o Povo de Deus.
É claro que o Povo simples não é capaz de fazer teologia num nível de
reflexão que esteja acima de sua compreensão simples da fé. A fé da comunidade
cristã é pré-acadêmica, pois não é capaz de produzir uma teologia científica ou
rigorosa pelo fato de não possuir instrumentos básicos ou necessários a tal
compreensão.
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Evidentemente, essa teologia popular não é reflexão metódica,


especializada ou acadêmica, sobre a fé da Igreja. O que não significa que ela estaria
em oposição à teologia feita num nível profissional e especializado.
De fato, a teologia não é apenas teologia deste ou daquele teólogo mas
também teologia da Igreja, e a última razão por que a Igreja faz sua teologia não é a
especialização acadêmica e a ciência, mas sua missão soteriológica. Esse é o
objetivo em função da qual a teologia existe como ciência. Será que a teologia
praticada nos laboratórios acadêmicos de nossos seminários é capaz de produzir
elementos epistemológicos a altura de uma pesquisa científica?
Poderíamos afinal perguntar onde estaria a principal utilidade para a Igreja e
a sua teologia de uma teologia popular.

3.5. A Relação da Teologia com a Filosofia e as Demais Ciências


A teologia representa o saber mais elevado, a ciência soberana, a sabedoria
absoluta. Sua excelência provém do fato de que considera a realidade absoluta que
é Deus, objeto máximo do pensar humano e objeto derradeiro do mundo.
O lugar da teologia entre as ciências, e por conseqüência na “casa das
ciências”, a Universidade, se justifica por isso: o ser parcial, que cada ciência
tematiza, remete finalmente a uma fundamento e sentido absoluto. Assim, toda
ciência do condicional permanece aberta à ciência do Incondicional. Por sua parte, a
teologia estará aberta às demais ciências, pois precisa delas para se construir como
discurso concreto.
Para realizar sua tarefa, a inteligência da fé, a teologia, lança mão dos vários
recursos do saber humano. Todas as ciências são consideradas por ela como
instrumentos, ou melhor, como mediações (os medievais falavam em “servas”) no
sentido de compreender mais plenamente as realidades da fé.
A relação da teologia com as ciências não é de tipo ditatorial,l mas
democrático. Ou seja, a teologia serve-se dos recursos das ciências, respeitando
sempre sua autonomia específica, mas também reservando-se o direito, que lhe dá
a transcendência da fé sobre toda forma de razão, de criticar as pretensões
pseudofilosóficas da fé sobre toda forma de razão, de criticar as pretensões
pseudofilosóficas ou pseudoteológicas da chamada “razão moderna”.
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Como feito de retorno, a razão da fé, isso é, a teologia, também recebe dos
outros saberes uma válida contribuição crítica: eles ajudam a purificar, aprofundar e
provocar a razão teológica.
A teologia utiliza a filosofia e as ciências seguindo dois critérios básicos:
1. assunção do que é positivo, a saber: os elementos bons e verdadeiros,
enfim, tudo o que se compartibiliza com a fé;
2. rejeição do que é negativo, ou seja: tudo o que é mau, falso, e que não
pode se harmonizar com o conteúdo da fé revelada.
As duas mediações teóricas a que recorre a teologia são a mediação
filosófica e a mediação das ciências.
Enquanto resposta humana à proposta divina, a fé pressupõe sempre uma
filosofia, como postura da existência de buscar o sentido radical à vida. Nesse
sentido, a filosofia é intrínseca à fé e tem um lugar estrutural na teologia.
A teologia não precisa necessariamente incorporar uma filosofia enquanto
este ou aquele sistema, especialmente hoje em que a filosofia se encontra numa
situação de grande pluralismo e de estrema fragmentação. Mas precisa, sim, de um
espírito ou postura filosófica realmente assumida e rigorosa.
A função geral da filosofia na teologia é refletir o fundo ontológico dos
conceitos teológicos. Como a graça supõe a natureza, assim a razão teológica
supõe o trabalho da razão filosófica.
18

4. O CONHECIMENTO TEOLÓGICO E O CONHECIMENTO

CIENTÍFICO

Existem no Brasil, nas Américas, na Europa e no mundo inteiro celebres


Institutos e Faculdades de Teologia, com suas publicações e professores de
reconhecida autoridade. Reina, por outro lado, a maior obscuridade, para leigos
nesta matéria, sobre a natureza do modo de conhecer teológico. Não deveríamos,
pois, omitir referencia ao conhecimento teológico nesta nossa introdução aos
diversos modos de conhecer.

4.1. Posição dos teólogos


Encontram-se em Santo Tomas de Aquino· o mais celebre teólogo de todos
os tempos - inúmeras passagens em que estabelece confronto entre o
conhecimento teológico e o conhecimento filosófico ou cientifico. Parece muito
apropriada para o inicio da presente analise a passagem da Summa contra gentiles
onde o Doutor de Aquino assim escreve: “Se algumas coisas são igualmente
consideradas pelo filosofo e pelo fiel a respeito das criaturas, filosofo e fiel são
guiados por princípios diversos. Na verdade, o filosofo (ou o cientista) tira seu
argumento das próprias causas das coisas, enquanto que o fiel o toma da causa
primeira, a saber, porque assim foi divinamente revelado; ou porque isto reverte para
a glória de Deus; ou porque o poder de Deus e infinito. Por isso mesmo também ela
(a doutrina da fé) deve ser considerada sabedoria máxima, porque pensa a partir da
causa mais elevada. E, por isso, a filosofia humana serve a ela (it teologia do fiel)
como o inferior ao superior (...). E dai decorre que uma e outra doutrina se
conduzem em ordem diversa. Pois, na doutrina da filosofia (e da ciência) que
considera as criaturas em si e a partir delas conduz ao conhecimento de Deus, a
primeira consideração versa a respeito das criaturas e a última versa a respeito de
Deus. Na doutrina da fé, porem, que não considera as criaturas a não ser enquanto
referidas a Deus, primeiro esta a consideração a respeito de Deus e só depois a
consideração a respeito das criaturas. E desta maneira a doutrina da fé e mais
19

perfeita porque mais semelhante ao conhecimento divino que se conhece a si


mesmo e em si intui todas as coisas."1
A analise, ainda que breve, deste texto de Santo Tomas de Aquino,
considerado no contexto de toda sua obra, particularmente da primeira parte de sal
Summa theologica, oferecerá perfeito entendimento sobre o conceito que fazem do
conhecimento teológico os autores cristãos católicos.

4.2. Possível Identidade do Objeto Material


Em primeiro lugar, o objeto material de estudo da Teologia e da Filosofia ou
da ciência e o mesmo, ou pode ser o mesmo "se algumas coisas são igualmente
consideradas pelo filosofo e pelo fiel a respeito das criaturas...". A Teologia e a
Filosofia ou as ciências não se distinguem, pelo objeto de estudo, que e ou pode ser
o mesmo. Alias, tornaram-se celebres na História as controvérsias entre teólogos e
cientistas, por exemplo, quanto a teoria da evolução das espécies e particularmente
do Homem. Os teólogos firmavam suas posições baseados nos ensinamentos dos
textos bíblicos, enquanto os cientistas enveredavam, em suas pesquisas, a procura
de fatos concretos capazes de comprovar suas hipóteses. Não caberia aqui 'uma
exposição de tais contendas que chegaram a inflamar os ânimos; cumpre apenas
observar que semelhantes conflitos forçaram os teólogos e escriturista a
interpretarem com maior largueza os textos bíblicos e contribuíram também para
iniciar a divulgação da seriedade e do prestigio da ciência junto as camadas mais
religiosas e menos cultas. E pode-se afirmar que, em nossos dias, a preocupação
dos teólogos em reestudar suas doutrinas para não cair em contradição com as
conclusões cientificas e bem maior que a dos cientistas em pressupor dogmas
religiosos.

4.3. Diversidade de Princípios


Em segundo lugar, consta do texto em estudo a distinção entre Teologia e
Filosofia ou ciência em função dos "princípios diversos" que guiam filósofos e
teólogos "em ordem diversa". Tanto a Teologia como a Filosofia e as ciências tem ou

1
Summa contra gentiles, editio leonina, Romae, Desclee-Herder, Iiber 11. cap. V. 1934- Tradução do
autor do referido texto latino.
20

podem ter o mesmo objeto de estudo, como, por exemplo, a origem do mundo, das
espécies ou do Homem. Entretanto, "filosofo e fiel são guiados por princípios
diversos". Este elemento especificativo do conhecimento teológico merecera, pois,
especial consideração.
Se perguntarmos quais os "princípios diversos" que distinguem a conduta
cientifica da conduta teológica, a resposta de Tomas de Aquino e dos teólogos em
geral desdobrar-se-a em duas considerações, a saber: diversidade de princípios
operativos e diversidade de fontes objetivas.

4.4. Diversidade de Princípios Subjetivos Operativos


Os princípios subjetivos operativos que guiam o filósofo ou o cientista são os
sentidos corporais e a inteligência ou a razão natural; diversamente acontece com o
teólogo ou com o fiel que operam com sua razão iluminada, ilustrada, elevada pelo
dom sobrenatural e gratuito da fé, conforme ensina a própria teologia. A fé eleva a
razão a uma ordem superior e divina de conhecimento: " ... a doutrina da fé e mais
perfeita, porque mais semelhante ao conhecimento divino que se conhece a si
mesmo e em si intui todas as outras coisas", escreve Tomas de Aquino ..
Assim como a visão vulgar das coisas pode ser elevada pelo estudo a ordem
superior de visão cientifica das coisas, assim também a visão racional, natural e
humana pode ser elevada a ordem superior e divina. A vista humana, por exemplo,
pode aumentar centenas de vezes sua capacidade de ver, mediante instrumentos e
lentes especiais; alem disso, a vista do homem vulgar ou leigo vê apenas uma ferida
onde os olhos do especialista, de certa forma elevados a uma ordem superior pela
ciência, vêem determinada ferida, suas causas, seu estado atual de evolução, bem
como o regime e antídotos indicados para sua cura. A ciência, pois, eleva a
capacidade natural e humana de ver e de conhecer; assim, também, ensina a
Teologia, o dom da fé confere luz especial a mente humana, de tal maneira que,
onde o filosofo ou cientista vê apenas um homem, o fiel, o crente, com sua mente
iluminada pela fé, consegue ver um Deus; e onde o cientista ou filosofo vê um texto
semelhante a inúmeros outros textos, o fiel, o crente, vê fulgores da palavra divina; e
ao aceitar os textos sagrados como expressão da mente ou da ciência divina, o fiel
abraça "a doutrina da fé que e mais perfeita, porque mais semelhante ao
conhecimento divino", escreve Tomas de Aquino na passagem acima transcrita.
21

Assim, os princípios operativos, que guiam o fiel e o filósofo ou cientista, são


diferentes; no caso do filosofo ou cientista, age a razão natural; no caso do fiel, o
principio operativo que aceita o dogma religioso não e a razão natural mas a razão
elevada, ilustrada, iluminada pelo dom gratuito da fé. Alem desta diversidade de
princípios operativos, subjetivos por sua própria natureza, resta analisar a
diversidade dos fundamentos ou princípios objetivos que diferenciam a Teologia em
relação à Filosofia.

4.5. Diversidade dos Princípios ou Fundamentos Objetivos


O fundamento do conhecimento cientifico consiste na evidencia dos fatos
observados e controlados experimentalmente; o fundamento do conhecimento
filosófico e de seus enunciados consiste na evidencia lógica; nesses dois modos de
conhecer, a evidencia deve resultar da pesquisa dos fatos ou da analise dos
conteúdos dos enunciados. No caso do conhecimento teológico, o fiel não se detém
na pesquisa dos fatos ou na analise dos conteúdos dos dogmas a procura de
evidencia, como escreve Tomas de Aquino: "Na verdade, o fi16sofo tira seu
argumento das próprias causas das coisas, enquanto que o fiel o toma da causa
primeira, a saber, porque assim foi divinamente revelado". Esse detalhe do
fundamento do conhecimento teológico ou do motivo que leva o fiel a aceitar como
verdade inconteste o dogma da fé merece exposição mais cuidadosa, do que
resultara a estrutura fundamental do conhecimento teológico.
Se perguntarmos ao teólogo, ou ao fiel cristão esclarecido, por que admite
que o Homem seja dotado de alma espiritual, imortal, que não resulta da evolução
da matéria e que não e transmitida pelos pais aos seus filhos, ele só terá uma
resposta: - Porque tal verdade consta dos textos bíblicos, que são a palavra de
Deus, is to e, a comunicação da verdade que Deus tem em sua mente e comunica
aos homens.

4.6. Passos do conhecimento teológico


1. Deus existe.
2. Deus tem ciência infinita.
22

3. Deus tem poder infinito e, portanto, tem o poder de se comunicar com os


homens, fazendo-os participantes de seus próprios conhecimentos.
4. Entre as diversas maneiras de se comunicar com os homens poderia
escolher a revelação direta a cada um, ou então, a revelar;ao direta a alguns
profetas e hagiógrafos que se comunicariam depois com outros homens, falando e
escrevendo sob inspiração divina.
5. Deus falou de fato aos profetas e, pelos profetas, a todo o seu povo e pelo
seu Filho Jesus Cristo a toda a Humanidade.
6. O que Deus falou, ou parte do que Deus falou, está escrito nos textos das
escrituras sagradas do antigo e novo testamentos vulgarmente denominados Bíblia.
7. Os textos bíblicos são autênticos, não foram adulterados, e sac
suficientemente claros e explícitos para que possamos entender hoje quanto foi
escrito a dois, quatro ou mais milênios.
8. Se tudo o que está na Bíblia encerra a própria ciência divina comunicada
por Deus aos homens; se Deus merece todo credito e exige que os homens
recebam sua palavra e aceitem como condição de salvação, e natural que não se
procure a evidencia dos conteúdos da revelação divina, mas que se aceite o dogma
"porque assim foi divinamente revelado".
Não parece existir outro esquema que melhor caracterize a estrutura do
conhecimento teológico, ou seja, a estrutura da aceitação do dogma como verdade
inconteste. Realmente, se Deus existe, se revelou aos homens uma parcela de seus
conhecimentos, se esta revelação foi transcrita fielmente e integralmente preservada
de corruptelas nos textos sagrados da Bíblia, e evidente que tudo o que está
claramente contido na Bíblia deve ser aceito como expressão da verdade divina, e,
como diz Tomas de Aquino, o fiel conhece através da verdade com que Deus
conhece a si e a todas as coisas em si. Incumbe, entretanto, ao teólogo, provar que
Deus existe, que de fato falou aos homens, que os textos bíblicos foram escritos sob
inspirar;ao divina, que este ou aquele ensinamento se encontram claramente
contidos nos textos sagrados.

4.7. A Fé religiosa e tendência volitiva


Se a fé religiosa não estivesse mais próxima às tendências volitivas do que
os processos racionais, não cremos que existisse fé sobre a face da Terra; nem se
23

explicaria como ela floresce entre incultos e pode definhar na alma de filósofos e de
teólogos. Diríamos, pois, que a estrutura do conhecimento teológico, que muito
pesquisamos para tentar estabelecer, não tem o menor sentido para o crente, nem a
menor validade para o sábio. A fé religiosa e um fato que nem a teologia ou a
ciência do fato religioso podem explicar ou justificar cabalmente. A fé religiosa e de
ordem místico-intuitiva e não de ordem racional-analítica. Vamos transcrever
significativa passagem de Johannes Hessem a esse respeito:
"Finalmente, pode mostrar-se, sem dificuldade, que as supostas
demonstrações metafísicas puramente racionais, na realidade, nascem de uma
atitude religiosa, de forma que se pode dizer com Scheler que tais raciocínios e
demonstrações não servem de base it religião, antes, pelo contrario, baseiam-se na
religião. Isto explica o fato psicológico, incompreensível de outra forma, de que as
provas da existência de Deus, tidas cOmo rigorosas, só impressionem os que já são
crentes e se encontram em atitude religiosa, fracassando justamente com aqueles
que estão em atitude puramente racional e critica. Esta psicologia peculiar das
provas da existência de Deus lança uma clara luz sobre o seu caráter lógico e
epistemológico."
"Perante todos os seus intentos para confundir a religião com a Filosofia, a
fé com o saber - continua Hessem - temos de insistir com toda a energia em que a
religião e uma esfera de valor completamente autônoma. Não repousa em outra
esfera de valor, mas descansa integralmente sobre bases próprias. Não tem o
fundamento da sua validade na Filosofia, nem na Metafísica, mas em si própria, na
certeza imediata peculiar do conhecimento religioso. o reconhecimento da
autonomia epistemológica da religião depende, pois, de que se admita um
conhecimento religioso especial. Quando, ao tratar do problema da intuição,
pusemos em evidencia este conhecimento, que se caracterizou mais concretamente
como um conhecimento imediato intuitivo da religião, assentamos a base teórica da
autonomia da religião, que afirmamos e defendemos agora."
E continua Hessem citando agora Scheler em seu Do eterno no homem:
Como poderá a religião de entre todas as disposi9i5es e potencias do espírito
humano aquela que, subjetivamente, tem raízes mais profundas, assentar sobre
uma base mais firme que sobre si mesma, sobre a sua essência?"2.

2
HESSEM, op. cit. , p. 197-198.
24

4.8. A fé e a sabedoria máxima para os crentes


Na suposição de que os textos bíblicos correspondem a palavra de Deus,
isto e, ao conhecimento que o próprio Deus tem de si mesmo e de todas as coisas, a
Teologia e a rainha das ciências, e a Filosofia sua serva, ancilla, como escreveu
Tomas de Aquino: a doutrina da fé "deve ser considerada sabedoria máxima, porque
pensa a partir da causa mais elevada; e por isso a Filosofia humana serve a ela (a
Teologia) como o inferior ao superior". Em todo o período chamado Patrístico e
durante a Idade Media, ou mesmo ate no período Moderno inaugurado no século
XVII, a Filosofia e as ciências foram mesmo . reduzidas a condição de ancilla da
Teologia. Nos primórdios do Cristianismo, particularmente, o desassombro dos
mártires que selaram com a própria vida seu testemunho de fidelidade ao dogma
prova o grau de certeza que o conhecimento teológico, ou a adesão à doutrina
religiosa, pode gerar. Tais fatos históricos provam a indiscutível força da fé.
Cumpre finalmente observar que, do ponto de vista cultural, há enorme
diferença entre o conhecimento teol6gico dos mestres em teologia e as convicções
religiosas puras dos crentes fervorosos, da mesma forma que são muito diferentes o
modo do conhecimento cientifico do cientista e a fé popular nas conclusões das
ciências.

4.9. Momento para revisão


1. Há motivos para inclusão do item "conhecimento teológico" nesta
introdução aos diversos modos de conhecer: existem Faculdades e publicações
especializadas em Teologia; e reina entre os leigos da matéria grande obscuridade.
Santo Tomas de Aquino, que viveu no século XIII, foi o maior teólogo de
todos os tempos, e ensinou o seguinte:
a) Tanto o teólogo como o fil6sofo ou cientista podem tomar os mesmos
problemas como objetos de estudo.
b) A Teologia distingue-se da Filosofia ou da ciência pela diversidade dos
princípios subjetivos operativos e pela diversidade de fontes objetivas.
c) O principio operativo subjetivo do fiel são a razão e a fé, ou melhor, a
razão iluminada e elevada pela fé; o principio subjetivo operativo para o filosofo e
para o cientista e a razão pura, a razão natural.
25

d) A fonte objetiva do conhecimento filosófico ou cientifico e a evidencia dos


fatos, que resulta da pesquisa; a fonte objetiva do conhecimento teológico não são
os conteúdos dos enunciados ou a pesquisa dos fatos, mas os textos bíblicos cujo
autor principal e o próprio Deus.
3. Os passos da justificação do conhecimento teológico podem ser assim
demarcados: se Deus existe, se Deus falou aos homens, se a Bíblia contem a
palavra de Deus, se o fiel sabe o que esta na Bíblia, participa, então, do próprio
conhecimento que Deus tem de si e das coisas; este conhecimento e superior a
qualquer outra forma de conhecimento.
4. Essa estrutura do conhecimento teológico não e suficiente para justificar a
fé religiosa; nem as provas da existência de Deus, nem os argumentos para
demonstrar o fato da revelação tem clareza e evidencia suficientes para convencer
quem não tem fé. A fé religiosa pertence a uma esfera de valor completamente
autônoma; ela se assenta sobre si mesma, e não surge da estruturológica a qual se
pretende reduzi-Ia.
5. A certeza com que o fiel adere ao dogma e, sob seu aspecto subjetivo
característico, superior as convicções dos sábios. O fiel da a própria vida pela
fidelidade ao dogma.

4.10. Diferenças entre conhecimento teológico e conhecimento


cientifico
1. O conhecimento teológico supõe e exige a autoridade divina; nela se
fundamenta e só a ela atende; a ciência, ao contrario, não supõe, não exige, não
admite autoridade; a ciência só admite o que foi provado, na exata medida em que
se podem comprovar experimentalmente os fatos. A Teologia não demonstra o
dogma; apela para a autoridade divina que o revelou e exige fé; a ciência demonstra
os fatos e só se apóia na evidencia dos fatos.
2. A ciência não cogita da existência ou necessidade de especial dom divino
para chegar ao conhecimento da natureza; a Teologia fala da existência e da
necessidade de uma especial iluminação divina denominada "graça sobrenatural da
fé" para que o fiel·consiga conhecer a verdade divina da revelação.
3. A ciência estuda fenômenos experimentalmente controláveis e inova com
plena autonomia a partir de novas descobertas; a Teologia, para ser fiel aos seus
26

princípios, deveria conservar sempre as mesmas doutrinas dos livros sagrados e


das tradições. A fonte e objeto de pesquisas da ciência e a natureza; a fonte e objeto
de estudos da Teologia são os livros sagrados.
A ciência pede entendimento a partir da evidencia dos fatos; a Teologia
exige fé a partir da autoridade magisterial de Deus. A ciência nasce da razão; a fé
brota do desejo e da submissão; a ciência ganha prestigio e a Teologia dogmática
desagrada o homem contemporâneo.
Nos conflitos entre a ciência incipiente e as doutrinas tradicionais de fé, a
autoridade da teologia prevalecia sobre as ousadias das ciências. Hoje a ciência não
se subjulga à influência de doutrinas a ela estranhas, e é a Teologia que procura

rever seus ensinamentos e reformulá-los para não se opor a mentalidade ciência e


adogmática do homem contemporâneo.
27

5. O PROBLEMA DO MÉTODO TEOLÓGICO

5.1. Processo de Ensino-Aprendizagem


E improcedente conceber a curso acadêmico de teologia como grande
supermercado do saber religioso cristão, onde os mais diversos produtos são postas
a disposição do consumidor, ou como um espaço de bombardeamento de
informações sobre a tábula rasa da mente do aluno. Como todo curso acadêmico, a
teologia exige competência e metodologia, tanto do professor como do aluno. Ensino
e aprendizagem, dois lados de uma mesma moeda, estrada de mão dupla,
envolvem uma serie de procedimentos, recursos e atitudes.

5.2. Postura pedagógica


O processo ensino-aprendizagem póstula a articulação de dupla perspectiva
pedag6gica: socialização do conhecimento e construção do conhecimento. O
professor de teologia fez um longo caminho de acumulação e reelaboração do saber
teol6gico, que lhe custou tempo e investimento pessoal. Agora, exerce a função de
oferecer chaves de intelecção, explicações, sínteses, conteúdos centrais, que o
aluno levaria muito tempo para conseguir aprender sozinho ou dificilmente
alcançaria par si. O professor reparte e propõe a conteúdo elaborado, no setor da
teologia que lhe corresponde. Como os passarinhos para seus filhotes, ele seleciona
e distribui, já triturado, o alimento para seus alunos.
A segunda perspectiva completa a primeira: o aluno constrói o
conhecimento, tal como afirma corretamente Piaget. Qualquer saber humano e
assimilado e engendrado a partir das estruturas cognitivas da pessoa que deseja
aprendê-lo. O aluno tem parte ativa na aprendizagem, ao receber e reelaborar os
dados, confrontando-os com as experiências de sua vida pessoal e pastoral, e
enriquecendo-os com outras leituras.
São posturas pedagógicas extremas e contraprodutivas o monologo do
professor e a aprendizagem ativa, realizada somente pelo aluno. No primeiro caso, o
mestre toma-se o único protagonista do processo, reduzindo seus alunos a meros
repetidores. No segundo, promovem-se demasiadas atividades para os alunos,
28

como trabalhos de grupo e leituras de textos, sem a contribuição qualificada do


mestre. Como faltam critérios iluminadores, a aula se reduz a um festival de
"achismos" ("eu acho que", "me parece que"), pratica estéril, como o cachorro que
corre em tomo do próprio rabo, sem levar a aquisição de novos conhecimentos. Em
ambos os casos, compromete-se o processo de aprendizagem.

5.3. Metodologia
Como o nome indica, método e o caminho (em grego: "hodos") através do
qual se pretende realizar o ensino-aprendizagem. Cada disciplina ou área de estudo
possui seu método adequado. Entram em questão, em proporções distintas, os
seguintes componentes: explicitação do professor, trabalho de assimilação do aluno
(pessoal e/ou em grupo), enriquecimento por meio de outras leituras, síntese e
extrapolação.
Algumas disciplinas, por exigir maior capacidade de especulação ou utilizar
instrumental teórico complexo e desconhecido pelos alunos, necessitam de maior
intervenção do professor. Por exemplo: a problemática do "sobrenatural" na teologia
da graça ou as noções jurídicas básicas para o direito canônico. Outras disciplinas
requerem mais tempo de leitura de enriquecimento por parte dos alunos, como
Historia da Igreja. Outras, enfim, podem ser mais produtivas se ha orientação para
estudo pessoal ou em grupo, como os evangelhos e outros livros bíblicos. Importa
ao professor, neste caso, recolher o trabalho realizado pelos alunos, e acrescentar o
que julgar necessário. Outras disciplinas; sobretudo as mais praticas como a moral,
se enriquecem mais se o aluno tem olhar atento a pastoral, dai trazendo
contribuições para a discussão em sala de aula.
O aluno que pretende trilhar o caminho de aprendizagem deve, antes de
tudo, organizar-se pessoalmente. E necessário estruturar um horário de estudo e
levá-lo a sério. Grande parte dos estudantes de teologia, seminaristas e religiosos
corre o risco de não aproveitar o tempo de que dispõem. Comparados com muitos
leigos de sua idade, que estudam, trabalham e se engajam na pastoral, dispõem de
melhores condições e invejável infra-estrutura.
Dada a situação deplorável da escola publica no Brasil, apesar de terem
estudado três anos de filosofia, muitos alunos apresentam dificuldades para ler,
escrever, pensar e expressar-se oralmente. Sobre base pouco consistente, a carga
29

enorme de informa96es perde-se como água de tempestade sobre solo argiloso e


batido. Penetra pouco! No curso de filosofia dever-se-iam desenvolver as qualidades
da aprendizagem e expressão, a partir do nível real dos alunos, alargando-Ihes o
diâmetro do gargalo estreito de seus conhecimentos e capacidades lingüísticas.
Outros fatores contribuem para o sucesso do ensino-aprendizagem. Da
parte dos professores, requer-se primariamente dosagem do conteúdo conforme o
nível da classe, esfor90 de integração entre disciplinas e avalia9ao peri6dica. Da
parte do aluno, esperam-se postura pessoal de curiosidade e interesse pelo estudo,
agu9amento da sensibilidade e amplia9ao da capacidade de reflexão tanto sobre a
prática como sobre os conteúdos especulativos.
30

6. A TEOLOGIA E SEUS MÉTODOS

Perto do fim do seu ministério na Galiléia, Jesus pergunta a seus discípulos:


"Quem dizem os homens que eu sou?" (Mc 8,27). Os discípulos não têrn muita
certeza. Eles tinham ouvido falar do reino de Deus e dizer que Deus estava próximo.
Eles o tinham visto aproximar-se do estrangeiro, consolar os aflitos e oprimidos e
curar os doentes. Haviam-no observado desafiar a presunção e a rigidez das
autoridades religiosas, e sentiam em si mesmos uma nova esperança e a
proximidade de Deus na presença de Jesus. Apesar de tudo, porém, não sabem
como responder essa pergunta.
Finalmente Pedro, usando uma imagem da tradição religiosa do seu tempo,
responde, "Tu és o Messias". Na imaginação judia, plasmada especialmente pela
tradição profética, o Messias devia ser o ungido de Deus, o esperado filho de Davi
que traria a salvação de Deus, renovaria a vida religiosa do povo e estabeleceria
uma nova ordem de justiça, paz e moralidade. Respondendo desse modo, Pedro
expressava sua fé pessoal em Jesus. Mas, ao manifestar essa fé pessoal através de
palavras, ele também fazia uma declaração teológica.
O que é teologia? Para muitos, infelizmente, teologia é uma disciplina
misteriosa e estranha que fala de Deus numa linguagem bem distante da
experiência humana comum. Ela parece abstrata e está cheia de palavras a um
tempo familiares e difíceis de definir, palavras como fé, justificação, redenção, graça,
salvação, revelação, escatologia, espírito, e assim por diante. Para outros, a teologia
é um conjunto de sistemas e escolas: protestante ou católicas, tomista ou calvinista,
barthiana ou rahneriana; teologia romana, teologia da libertação ou teologia
feminista. A teologia parece complexa porque faz eco a muitas diferentes vozes e
preocupações.
Oculta sob essas vozes e preocupações, porém, a teologia trata de nossa
experiência de Deus, especialmente de nossa experiência de Deus enquanto
membros de uma comunidade de fé. Ela e o esforço para compreender e interpretar
a experiência em linguagem e símbolo. Nas palavras de Santo Anselmo (Ŧ 1109), a
teologia é fides quaerens intellectum, a fé que procura comprender.
31

Com esta ênfase voltada à fé, a teologia e bem diferente dos estudos
religiosos ou da história das religiões. Essas disciplinas estudam uma tradição
religiosa ou a fé desde uma perspectiva externa, como um observador distanciado e
objetivo. Fazer teologia, por outro lado, é tentar dar expressão à fé pessoal desde
uma perspectiva interna, estando dentro de uma tradição religiosa específica.
Naturalmente, pode-se "ensinar” teologia ou ter um grande conhecimento sobre uma
tradição teológica particular. Mas para realmente "fazer” teologia é necessária a fé,
que estabelece a ponte para Deus. Ou como expressou o papa João Paulo I um
pouco antes de morrer, “Os teólogos falam muito sobre Deus. Eu gostaria de saber
com que freqüência.eles falam com Deus”.
Assim, a fé não pode estar ausente da tarefa da teologia. Karl Rahner, o
teólogo católico mais importante do século XX, dizia que a teologia é a reflexão
científica e sistemática da Igreja sobre sua fé. Essa visão e útil porque destaca que
ao mesmo tempo em que e uma ciência, a teologia e também uma tarefa da Igreja.
Mas ha uma tensão implícita aqui na relação entre teologia como ciência e
teologia como tarefa da Igreja. Como ciência, a teologia exige uma certa liberdade
para realizar suas pesquisas e seguir as evidências até às últimas conseqüências.
Como tarefa da Igreja, ela procura salvaguardar a fé confiada à igreja e proclamada
por seus membros oficiais, os bispos. Na seqüência, analisaremos esses dois
aspectos da teologia.

6.1. A teologia como ciência


Para Rahner, teologia é "a explanação e explicação consciente e
metodológica da relação divina recebida e apreendida na fé”. Assim, a teologia pode
ser chamada de "ciência da fé". Como o objeto da teologia e a revelação divina, isto
é, a automanifestação de Deus em Jesus Cristo, a teologia não é um
empreendimento meramente subjetivo.
Primeiro, conquanto haja um elemento subjetivo ligado a nossa experiência
de fé individual, essa experiência e sempre compartilhada porque recebida por uma
comunidade e transmitida historicamente por essa comunidade através das
escrituras sagradas e da tradição cristã.
Alem disso, como automanifestação histórica de Deus em Jesus Cristo, essa
experiência de fé implica um elemento conceitual, isto é, pode-se expressá-la em
32

linguagem e em proposições ou conceitos. A tarefa da teologia é articular os


elementos conceituais implícitos na fé crista, mesmo que a formulação lingüística se
revele limitada e suscetível de expressão mais adequada. Quem é Deus? Como
conhecemos a Deus? O que sabemos a respeito de Jesus e de seus ensinamentos?
Em sua tarefa de articular a experiência de fé cristã em linguagem e conceitos, a
teologia recorre à metodologia e à crítica.

6.2. Especializações e métodos


Como ciência, a teologia realiza suas pesquisas de acordo com
determinadas metodologias. Como as ciências físicas ou sociais têm suas próprias
especialidades ou linhas de pesquisa e métodos, assim também a teologia tem certo
numero de especialidades e adota diferentes métodos em sua tarefa de
interpretar;ao da fé crista. Algumas especialidades pesquisam as fontes bíblicas,
históricas e doutrinarias do ensinamento cristão. Algumas são construtivas,
enquanto sistematizam uma compreensão cristã de Deus, de Cristo, da Igreja, dos
sacramentos, e assim por diante. Outras são pastorais ou_práticas, isto e, voltam-se
para uma vida e conduta cristãs, para a oração e para oculto.
A divisão nas especialidades nem sempre e rígida. A teologia moral, por
exemplo, precisa tanto do vigor do teólogo sistemático quanta da sensibilidade do
teólogo dedicado a pastoral. Reconhecendo que as divisões aqui adotadas são um
tanto arbitrárias, analisaremos brevemente os temas e métodos da teologia bíblica,
histórica, sistemática e moral, e também de diversas disciplinas afins.

6.3. Teologia bíblica


A tarefa da teologia bíblica é recuperar o sentido histórico do texto bíblico, o
sentido pretendido pelo autor (às vezes conhecido como sentido literal ou histórico
do texto). Enquanto o fundamentalista identifica o sentido do texto com o sentido
literal das palavras, o teólogo bíblico ou exegeta procura descobrir o sentido
pretendido pelo autor. Assim, enquanto o primeiro vê a história do dilúvio em
Gênesis 6-9 como o relato de um evento histórico real, o segundo o considera um
mito ou história que ilustra o poder destrutivo do pecado. Para chegar ao sentido
33

histórico do texto, o teólogo bíblico adota diversos métodos de pesquisa históricos e


literários:
A crítica histórica investiga o contexto histórico em que o texto foi produzido,
sua Sitz im Leben ou situação vital. Nesse aspecto, diversas ciências históricas –
história, arqueologia, antropologia, lingüística comparativa, e assim por diante, são
de grande valia para o exegeta.
A crítica da forma e uma ciência literária procura identificar as varias formas
literárias presentes na Bíblia e chegar à origem de formas específicas, passando
pelos diversos níveis da tradição, com o objetivo de descobrir sua situação vital
original. Uma forma literária e um tipo ou espécie de literatura. As duas formas
literárias básicas são a prosa e a poesia. As formas poéticas do Antigo Testamento
incluem poemas épicos, líricos e didáticos, hinos de louvor e lamentações. As
formas prosaicas abrangem narrativas, como mitos populares, lendas patriarcais,
sagas nacionais romanceadas, relatos históricos de cortes reais, e também c6digos
legais, provérbios, oráculos proféticos, contos, histórias de am or e vis6es
apocalípticas.
A crítica da fonte procura identificar os materiais sobre os quais um autor
pode ter se baseado. Por exemplo, o evangelho de Marcos e fonte para grande
parte dos evangelhos de Mateus e Lucas.
A crítica da redação é a ciência literária que procura descobrir a teologia
específica e o ponto de vista de um autor, analisando como esse autor modifica uma
tradição recebida, estrutura uma obra ou enfatiza temas específicos. Assim, no
relato das pregações de Jesus, Marcos e Lucas usam o termo "reino" ou "reino de
Deus", Mateus geralmente adota “reino do céu” e João emprega com mais
freqüência a expressão "vida eterna".
A crítica textual procura determinar o texto ou a versão original de uma obra
literária. Ele foi inicialmente escrito em hebraico ou em grego? Em que ponto um
determinado evangelho terminava originariamente? Tanto o evangelho de Marcos
como o de João contém apêndices que foram acrescentados em data posterior.

6.4. Teologia histórica


A teologia histórica estuda o desenvolvimento da fé da Igreja e a tradição
teológica em diferentes períodos da história. Entre as especializações da teologia
34

histórica, temos por exemplo os períodos da patrística, o estudo da teologia dos


padres da Igreja nos cinco ou seis primeiros séculos, da teologia medieval, da
Reforma, do século XIX, e assim por diante. Uma boa teologia histórica é capaz de
mostrar a diferença entre o desenvolvimento autêntico da tradição da Igreja e as
expressões particulares, historicamente condicionadas, de uma doutrina,
sacramento ou ofício que talvez precisem ser repensadas.
Freqüentemente, ao desvendar a prática eclesial de uma época passada, o
historiador oferece à Igreja do presente uma perspectiva nova e em geral
libertadora. Como era entendida a Eucaristia no período dos Padres da Igreja, na
Idade Media ou na Reforma? Que fatores históricos influenciariam o surgimento de
uma determinada doutrina? Por exemplo, como se desenvolveu o dogma da
infalibilidade papal? A palavra infalibilidade não era usada até o século XIII e a
infalibilidade papal só foi definida no Concílio Vaticano I, em 1870.

6.5. Teologia sistemática


A teologia sistemática se empenha em compreender as doutrinas básicas da
fé e em mostrar como elas se relacionam entre si. Em seus Method in Theology,
Bernard Tonergan faz distinção entre as tarefas da teologia doutrinaria (ou
dogmática) e da teologia sistemática. As doutrinas dizem respeito a afirmações
claras de realidades religiosas. A teologia sistemática procura compreender as
realidades religiosas proclamadas pelas doutrinas. Entre suas varias
especializações podem-se relacionar a teologia de Deus, a cristologia, a eclesiologia
ou teologia da Igreja, a teologia sacramental, a antropologia teológica, e assim por
diante.
A teologia sistemática é construtiva enquanto procura reexpressar a fé e a
doutrina da Igreja numa linguagem e idioma contemporâneos. Ao assim proceder,
ela geralmente examina uma dada questão em termos de seus fundamentos
bíblicos, de envolvimento histórico, expressão no ensinamento do magistério e na
visão de teólogos contemporâneos. Nessa tarefa, a teologia sistemática adota a
maioria dos diferentes métodos e especialidades teológicas.
Por exemplo, para desenvolver uma teologia contemporânea da Igreja,
precisaríamos estudar o desenvolvimento da Igreja a partir das várias comunidades
do Novo Testamento. Como as primeiras comunidades cristãs estavam
35

estruturadas? Como seu ministério se desenvolveu? Tratava-se de uma só Igreja ou


de muitas igrejas diferentes? Recorreríamos à teologia histórica para esclarecer
como a compreensão que a Igreja foi adquirindo de si mesma aumentou e mudou
durante os séculos, para elucidar o impacto causado pela Reforma e para explicar
diferentes teologias da Igreja organizadas mais recentemente, de modo particular no
Concilio Vaticano I, em 1870, e novamente nos documentos do Concílio Vaticano II
(1962-1965). Finalmente, diferentes perspectivas contemporâneas seriam levadas
em conta. Como as teologias dos sacramentos, feminista ou da libertação entendem
a Igreja? Como a visão da Igreja formulada no Vaticano II, o concílio geral mais
recente, encontrou expressão na vida da Igreja contemporânea? Cada perspectiva
acrescenta algo a uma ideologia abrangente da Igreja.

6.6. Teologia moral


A teologia moral se dedica ao estudo dos valores que integram a vida crista,
ao mesmo tempo em que identifica os comportamentos que divergem desses
valores. Ela se constitui assim numa espécie ética teológica, compreendendo as
dimensões pessoal e social. A pergunta básica da teologia moral é: como são
tomadas as decisões morais e que orientações a Escritura e a tradição cristã nos
oferecem nesse contexto?
A ética social procura aplicar o Evangelho e os ensinamentos sociais da
Igreja nas áreas da justiça social, dos direitos humanos e das relações
intemacionais. A doutrina social católica, conforme expressa nas encíclicas sociais
dos papas mais recentes, a começar com a Rerum Novarum (1891) de Leão XIII, e
comunitária mais do que individualista. Ela destaca a dignidade da pessoa humana
como criada a imagem de Deus, a subordinação dos sistemas econômicos ao bem
comum, o princípio da subsidiariedade, a prioridade do trabalho sobre o capital, o
direito de todos a participação nos bens de uma sociedade, o direito limitado a
propriedade privada, e mais recentemente, a opção preferencial pelos pobres.

6.7. Teologia pastoral e disciplinas afins


Conguanto, como diz .Rahner, teologia seja em última análise pastoral, a
teologia pastoral ou prática se dedica a servir e a formar a comunidade crista através
36

da pregação, do culto, do aconsellhamento, da educação religiosa e do serviço. Com


a ajuda de várias disciplinas afins, ela se dirige mais diretamente a vida e à prática
cristãs.
Espiritualidade é um termo gue descreve uma visão particular da vida crista
e o modo de vivê-la, e é uma disciplina para o discipulado. A tradição da Igreja
contém diferentes espiritualidades: monástica, franciscana, inaciana, da justiça
social, feminista e assim por diante.
A teologia liúrgica trata do culto oficial da Igreja. Ela procura fazer com que
as ações sacramentais da Igreja expressem mais eficazmente o sentido da vida
crista em Cristo como comunidade no Espírito, através do estudo da história, da
estrutura e dos rituais da liturgia.
O Direito Canônico e o estudo do código de leis da Igreja, publicado pela
primeira vez em 1918 e revisado em 1983.

6.8. A teologia como disciplina crítica


Como outras ciências, a teologia e uma disciplina crítica, e como tal são
múltiplas as suas tarefas. Uma dessas e discriminar expressões oficiais da fé da
Igreja, suas doutrinas, daquilo que é crença popular e opinião teológica. Crenças
são expressões teológicas da fé cristã que podem ou não ser ensinamento oficial da
Igreja. Doutrinas são crenças que se tornam ensinamentos oficiais, em geral por
serem enunciadas com autoridade pelo ofício do magistério da Igreja, quer num
concilio, quer através do mútuo episcopal ou papal.
E comum crenças populares serem confundidas com doutrinas da Igreja. Por
exemplo, muitos católicos ainda acreditam no limbo como o lugar para onde vão as
crianças que morrem sem batismo, embora a existência desse lugar não seja um
ensinamento oficial ou uma doutrina da Igreja. Essa crença entrou na história crista
como opinião teológica, uma alternativa apresentada por _teólogos na Idade Média
para contrapor a visão bastante rígida de Agostinho de que as crianças não
batizadas eram condenadas.
Outra tarefa crítica da teologia e reinterpretar a linguagem da Igreja para que
aquela possa refletir sempre adequadamente a fé "que esta tem por missão
expressar. Toda expressão da revelação é historicamente condicionada, e portanto
limitada, como reconheceu a Congregação para a Doutrina da Fé na instrução
37

Mysterium Ecclesiae (24 de junho de 1973). O termo "expressão da revelação" inclui


a Sagrada Escritura, credos, dogmas, doutrinas e ensinamentos do magistério. A
instrução expõe quatro fatores que podem limitar as expressões da revelação:
1. A força expressiva da linguagem dos tempos. Ou seja, a linguagem que
comunica com pertinência numa época pode não ter o mesmo êxito em outra. Por
exemplo, termos como Reino de Deus, graça ou justo talvez precisem ser
retraduzidos para diferentes épocas e culturas.
2. O conhecimento limitado dos tempos. Assim, uma expressão de fé pode
ser verdadeira, mas incompleta, necessitando de mais explicações. A definição da
infalibilidade papal enunciada no Vaticano I era verdadeira, mas precisava ser
complementada pela ênfase do Vaticano II dada à participação dos bispos no
exercício do ofício do magistério infalível da Igreja.
3. As condições específicas que motivaram a definição ou afirmação. Para
compreender uma determinada afirmação é essencial conhecer o contexto histórico
que levou a sua formulação. A importância dada pelo Vaticano I à primazia e
infalibilidade papais foi em boa parte uma resposta a uma posição francesa
exagerada (chamada galicanismo) relacionada ao direito das hierarquias nacionais a
gratificarem ensinamentos papais e ao direito do estado de restringir o poder papal
através de leis locais.
4. As conceitualizafoes (ou categorias de pensamento) mutáveis do tempo.
Por exemplo, a linguagem da transubstanciação no século XIII serviu para expressar
uma verdade importante com relação à fé eucarística da Igreja; mas a mesma
verdade pode ser expressa numa linguagem diferente numa cultura que não pensa
mais segundo as categorias filosófica de substância e acidente; do mesmo modo, o
conceito monárquico da Igreja no século XIX é inadequado para compreender a
Igreja· depois do Concílio Vaticano.

6.9. A teologia como tarefa da Igreja


A teologia esta sempre a serviço da fé cristã. Como um esforço para articular
a fé, a teologia sempre uma tarefa da comunidade que crê, a Igreja. Tanto teólogos
profissionais quanto bispos participam dessa atividade teológica, embora de formas
diferentes.
38

Bispos e teólogos – no século XIII, Tomas de Aquino falou dos doctores


universitários, ou teólogos, dizendo que eles exercem um magistério da cátedra de
ensino ou do ofício de ensino (magisterium cathedrae magistralis) paralelo ao do
ofício pastoral dos bispos (magisterium cathedrae pastoralis). Nos séculos XIII e XIV,
decretos de vários conflitos gerais foram submetidos à apreciação de teólogos das
universidades antes de ser aprovados.
Foi somente sob Gregório XVI, em torno de 1830, que o termo magistério
assumiu seu sentido atual fé ofício de ensino exercido pelo papa e pelos bispos. Os
bispos têm a responsabilidade de supervisionar as proclamações da Igreja e de
preservar seu "depósito da fé". Quando se reúnem em concílio, eles exercem o
ofício de ensino da Igreja, ou "magistério", e em certas situações, unidos com o papa
como chefe do colégio episcopal, participam de sua infalibilidade. Os bispos têm
autoridade em virtude de sua função que os capacita a falar pela Igreja.
Os teólogos falam de dentro da Igreja, não por ela. Eles também têm
autoridade, conferida pelo conhecimento que possuem. Eles precisam fazer mais do
que ajudar a difundir a fé da Igreja. Sua função e assegurar que a linguagem e
proclamação da Igreja sejam atualizadas. Cabe a eles reexaminar constantemente a
tradição da Igreja para dar-lhe condições de lançar sua luz sobre novas questões.
Eles precisam de liberdade para questionar expressões tradicionais da fé cristã -
mesmo formulações do magistério - para livrá-las de limitações historicamente
condicionadas e para torná-las inteligíveis em contextos históricos novos.
Por vezes as distintas funções de bispos e teólogos são confundidas.
Eventualmente, teólogos desrespeitam a autoridade pastoral dos bispos, assumindo
para si uma competência que transcende seu conhecimento. Às vezes, eles são
lentos em criticar seus colegas que repudiam claramente ensinamentos católicos,
deixando essa responsabilidade aos bispos.
Por outro lado, os que falam pelo magistério da Igreja às vezes não
respeitam o que e da alçada dos teólogos. Antes do Concílio Vaticano II, diversos
teólogos de expressão, entre eles o jesuíta americano John Courtney Murray, foram
proibidos de se manifestar some certos temas; posteriormente, tiveram suas
posições defendidas pelo Concílio. Mais recentemente, alguns teó1ogos católicos
foram advertidos ou silenciados pela Congregação para a Doutrina da Fé. O teólogo
cató1ico Hans Kung teve sua missão canônica, ou licença para ensinar, cancelada
em 1929. Edward Schillebeeckx e Leonardo Boff foram chamados a Roma para
39

explicar suas posições; Boff foi proibido de publicar durante um ano. Em 1986,
Charles Curran, professor de Teologia Moral, foi obrigado a abandonar o magistério
na faculdade de teologia da Universidade Cató1ica da América devido as suas
posições na área da ética sexual.
Em alguns de seus escritos, Pio XII tendia a reduzir a função do teólogo a de
dar suporte aos ensinamentos do magistério. Em sua encíclica Humani Generis, de
1950, ele escreveu que a tarefa própria dos teólogos é “indicar por que motivos o
que é ensinado pelo magistério vivo encontra-se na Sagrada Escritura e na ‘tradição’
divina, explícita ou implicitamente (DS 3886). Quatro anos depois, ele afirmou que
os teólogos devem ensinar "não em seu próprio nome, não a título do seu
conhecimento teológico, mas em virtude da missão que receberam do magistério
legitimo".
Essa visão jurídica reaparece no Código de Direito Canônico de 1983, que
afirma que o ensinamento dos teólogos católicos nas universidades católicas deve
receber um “mandato” da autoridade eclesiástica competente; e na Instrução sobre a
Vocação Eclesial do Teó1ogo, de 1990, publicada pela Sagrada Congregação para
a Doutrina da Fé. Mas sugerir que os teólogos - mesmo os investidos de uma
missão canônica - falam pela Igreja e confundir a função deles com a dos bispos.
Ambos têm papéis importantes a desempenhar, mas suas tarefas específicas são
diferentes e não devem ser confundidas.

6.10. Critérios para afirmações teológicas


Como avaliar a adequação de uma determinada afirmação teológica? Os
teólogos católicos seguem vários critérios que refletem a natureza da teologia tanto
como ciência quanto como tarefa da Igreja. Entre os mais importantes estão os
seguintes:
1. Ela é coerente com a tradição bíblica? A Bíblia, como expressão escrita
da experiência de fé de Israel e da comunidade cristã primitiva, continua sendo a
expressão normativa da tradição crista: Toda expressão teológica da fé cristã
precisa ser coerente com o testemunho da tradição bíblica. Entretanto, este critério
da coerência reconhece que alguns temas atuais não são tratados pela Bíblia e
também que outras questões complexas não podem ser respondidas simplesmente
40

recorrendo a um texto específico, como por exemplo, sustentar que só as cristãos


podem ser salvos com base em João 14,6.
2. Ela encontra respaldo na tradição oficial da Igreja? A fé da Igreja chega a
expressão oficial em seus credos, em sua liturgia e sacramentos e nos
ensinamentos da função de ensino, do magistério, da Igreja. Uma afirmação
teológica de fé que contradissesse a doutrina oficial da Igreja seria pelo menos
questionável, se não claramente contraria a tradição, e portanto inadequada. A fé da
Igreja também encontra expressão oficial em sua liturgia. Assim, os sacramentos do
batismo ou da Eucaristia, por exemplo, contém muita teologia implícita.
3. É coerente com a fé do povo cristão? A fé da Igreja também chega a
expressão no sensus fidelium, ou senso dos fiéis. O sensus fidelium diz respeito
àquilo que o povo cristão acredita. Mas ele e mais do que uma opinião da maioria, a
qual se poderia verificar simplesmente fazendo um levantamento. Ele opera de
acordo com uma relação dialética com o ofício de ensino dos bispos, não
independentemente desse oficio. O sensus fidelium resulta da ação do Espírito
Santo em toda a Igreja. Segundo o Vaticano II:
O conjunto dos fiéis, ungidos que são pela unção do Santo (cf. 1Jo 2.20.27)
não pode enganar-se no ato de fé. E manifesta esta sua peculiar propriedade
mediante o senso sobrenatural da fé de todo o povo quando, "desde os bispos ate
os últimos fiéis leigos", apresenta um consenso universal sobre questões (LG 12).
4. É coerente com o conhecimento científico? Uma sentença teológica não
pode ser "provada" de acordo com os métodos das ciências físicas ou sociais. Mas
uma boa teologia precisa pelo menos ser coerente com o conteúdo de outras fontes
de conhecimento. Por exemplo, não é preciso haver conflito entre a teoria da
evolução, entendida como uma hipótese bem fundamentada, e a doutrina bíblica da
criação. Esta se refere a crença de que Deus é o autor último da criação, enquanto a
primeira aborda cientificamente a questão do modo como a criação aconteceu.
Alguns fenômenos, como os milagres, não podem ser explicados em termos
científicos. Antes de considerá-los contradições as "leis" da natureza, porém, faz
mais sentido admitir que, em algumas circunstâncias, causas desconhecidas, mas
ainda pertencentes à esfera do nosso mundo, podem estar em ação. A ressurreição
de Jesus é um caso especial, no sentido de que é mais adequadamente um evento
escatológico do que um evento verificável historicamente.
41

5. Ela se dirige às preocupações das pessoas contemporâneas? Este critério


se refere mais à eficácia de uma afirmação teo1ógica do que a sua verdade. Mas
bem é importante. Uma afirmação teológica que não tem relevância para a vida do
povo cristão, mesmo se verdadeira, não será uma expressão eficaz da fé da
comunidade.

6.11. Teologia e doutrina


Em sua Constituição Dogmática sobre a Igreja, o Concílio Vaticano II
ensinou que os bispos, quando em comunhão com o papa, podem sob certas
circunstâncias ensinar em caráter infalível. Mas os Padres do Concilio foram
cuidadosos em distinguir entre exercícios infalíveis do magistério e o que em geral
se conhece por ensinamentos do magistério ordinário (ou "não infalíveis"). Os fiéis
são exortados a acatar ambos os ensinamentos, mas o tipo de aceitação devido a
cada um é diferente. Os fiéis devem "submissão de fé" aos ensinamentos
proclamados infalivelmente (dogmas), enquanto os ensinamentos enunciados com
autoridade, mas que não são infalíveis (doutrinas), devem ser acolhidos com
"submissão religiosa" (obsequium religiosum) da vontade e da inteligência. A
distinção aqui e importante, pois envolve a diferença entre dogma e doutrina.
Os ensinamentos ou doutrinas tidos como revelados por Deus e ensinados
com a autoridade suprema da Igreja são chamados dogmas. Entre os dogmas
incluem-se os artigos do credo, os ensinamentos solenes dos concílios ecumênicos
e os enunciados ex cathedra (infalíveis) do magistério papal extraordinário. A
infalibilidade papal foi invocada duas vezes apenas, nos dogmas da Imaculada
Conceição, proclamado por Pio IX em 1854, e da Assunção, proclamado por Pio XII
em 1950.
O assentimento devido aos dogmas e uma submissão de fé, o que significa
que a negação de um dogma afasta o fiel da comunhão com a comunidade dos
crentes. Assim, os dogmas constituem uma "regra de fé". Dizemos que os dogmas
são "irreformáveis", um termo técnico que significa que a direção das definições
dadas não pode ser mudada, embora como qualquer sentença historicamente
condicionada, elas estejam sujeitas a novas interpretações.
As doutrinas incluem todos os ensinamentos da Igreja, sejam eles oriundos
da Sagrada Escritura, dos concílios ou do magistério papal ordinário. Nem todas as
42

doutrinas são proclamadas com a mesma autoridade; as "notas teológicas" dadas as


doutrinas vão desde "provável" e "garantida" ate de fide divina, ou contida na
revelação divina. O Vaticano II ensinou que ha uma ordem ou "hierarquia" de
verdades entre as várias doutrinas.
O assentimento dado as doutrinas, diferente do devido aos dogmas, e
transmitido pela expressão latina obsequium religiosum, que significa diversamente
respeito, submissão ou obediência. Como obsequium religiosum expressa a atitude
religiosa do crente, uma atitude de amor para com a Igreja, a presunção e a favor da
verdade do ensinamento. Segundo muitos teólogos, porém, como esses
ensinamentos não são proclamados infalíveis, não se pode excluir a possibilidade de
erro. Por isso, não apenas estão esses ensinamentos sujeitos a novas
interpretações, como também podem ser reformados ou mudados. Aqui a teologia
tem um papel importante a desempenhar no sentido de perscrutar a tradição e de
procurar a expressão mais adequada da fé da Igreja.
Bons exemplos na história recente da Igreja mostram como muitos
ensinamentos do magistério papal ordinário foram revisados em vista da reação
com que foram "recebidos" pela Igreja, especialmente pelos estudiosos. Num estudo
importante, J. R. Dionne relaciona a evidente inabilidade de Pio IX de encontrar
alguma verdade ou algo de bom nas religiões não cristãs, sua condenação da
proposta da separação entre Igreja e Estado e sua negação da liberdade religiosa
como direito objetivo. Dionne cita também a identificação exclusiva da Igreja Católica
Romana com o Corpo Místico de Cristo, por parte de Pio XII. O Concilio Vaticano II
alterou todos esses ensinamentos papais. Desse modo, a teologia desempenhou
uma função crítica no desenvolvimento da doutrina.

6.12. Conclusões
A fé crista é expressa de muitas maneiras, numa vida de dedicação e
serviço aos outros, na oração e no culto, na música, arquitetura, nas Sagradas
Escrituras e na tradição cristã viva. A teologia é o esforço para expressar a fé crista
em linguagem.
A teologia e tanto uma disciplina critica, uma ciência, quanto uma ação da
Igreja. Cabe a ela salvaguardar o dom inestimável da auto-revelação de Deus em
Jesus e ao mesmo tempo assegurar que a linguagem usada pela Igreja para
43

proclamar esse dom permaneça inteligível em diferentes culturas e em novos


contextos históricos.
Apesar da tensão que por vezes emerge entre teólogos e o magistério, a
relação entre teólogos e bispos tem sido em geral frutuosa. Os teólogos se
consideram homens e mulheres da Igreja e procuram usar seu conhecimento para
capacitar a Igreja e sua proclamação a refletirem mais apropriadamente o
Evangelho. Os bispos valorizam o trabalho dos teólogos e passam a confiar neles
para receber ajuda em seu próprio ministério como pregoeiros oficiais. Ambos tem
funções essenciais a desempenhar na construção da comunidade cristã.
44

7. O CARÁTER CIENTÍFICO DA TEOLOGIA

A desmistificação da figura do cientista parece ser uma das mudanças mais


extraordinárias no que diz respeito ao tratamento da filosofia da ciência nos últimos
tempos. Isto sem negar a persistência da herança positivista com todo seu aparato
de fórmulas calcado na presunção de que os enunciados, sempre claros e precisos,
conduzem a conclusões não menos precisas. Parece ser meio caricaturesco, mas
podemos afirmar que, aos poucos, esvai-se a idéia da onipotência do homem da
ciência. Este, durante muito tempo, ascendeu a condição de mito e, por isso mesmo,
esses ares de todo-poderoso davam-lhe o direito de sobrepor-se ao homem comum.
Contudo, ao que parece, esses tempos já se foram e o que deles restaram foram
apenas algumas sombras. Triunfou o questionamento do mito, pois este pode ser
perigoso quer na indução do comportamento, quer na barreira à fluência espontânea
do pensamento.
Também, hoje, é duramente contestada a visão de que a ciência
representaria a expressão máxima do racionalismo, sem qualquer influencia das
emoções. A posição kantiana que via nas paixões os "cancros da razão pura" já não
é mais abraçada com unhas e dentes e a argumentação de Comte que falava dos
três estágios do pensamento humano, sendo o mais primitivo povoado de magos e
sacerdotes e, o último, por cientistas e sábios não encontra defensores de pulso. As
atitudes quase infalibilistas deram lugar a posturas críticas e modestas, onde há o
reconhecimento de que as leis não são absolutas, nem andamos por caminhos
irreversíveis. O orgulho positivista começa a ruir e as conclusões mais abertas tem o
seu lugar. Admite-se com mais facilidade que a metodologia, com todo seu rigor
acadêmico e ostensivo instrumental de analise, não nos garante a posse de
verdades definitivas ou formulações irretocáveis. Assim como não se postula a
princípio de que a ciência e formulada a partir de elementos exclusivamente
racionais. Ou seja, não se pode esquecer de que as hip6teses de trabalho, trilhas
que se abrem na busca da verdade, não obstante a magnificência da formulação
científica, comportam, por outro lado, uma dimensão de fé. Valham-nos, aqui, as
palavras de Max Planck: a ciência também exige espíritos crentes. Qualquer pessoa
que se tenha dedicado seriamente a tarefas científicas de qualquer classe dá-se
45

conta de que na porta do templo da ciência estão escritas estas palavras: "É
necessário ter fé". Esta e uma qualidade da qual os cientistas não podem prescindir.
Conforme o autor acima citado, na atividade cientifica, há um móvel
fundamental que, através de um ato de fé, ordena a busca do discernimento. Aliás, a
afirmação de Goblot que o espírito científico "é feito de qualidades extra-intelectuais,
notadamente de qualidades morais” não e menos sugestiva. Tal afirmação parte da
asserção de que o espírito cientifico não é obra de gênios ou espíritos excepcionais.
A ciência é uma atividade da qual se ocupam homens comuns imersos na
problemática do cotidiano e não deuses infalíveis que emitem enunciados e
controlam resultados. O cientista é humano como todos os mortais e a que Goblot
coloca como exigências são exatamente as qualidades morais ao alcance do ser
humano, as quais valem a pena recordar.
Primeiramente, o amor à verdade. A mediocridade, que se apresenta como
incapacidade intelectual, muitas vezes, reduz-se apenas a uma atitude de
resignação diante da ignorância exatamente porque falta aquilo que chamaríamos
amor à verdade. Esta qualidade e a mola propulsora da busca, não a alicerce para
sustentar afirmações infalíveis e de validade universal.
Em segundo lugar, Goblot aponta a solidez e o vigor de espírito. Tais
qualidades, embora comportem um caráter de precisão, este e decorrente, para não
fugir ao contexto, das virtudes humanas e não da irretocabilidade dos princípios
objetivamente formulados.
Em terceiro lugar, a penetração e a profundeza. É o reconhecimento de que,
enquanto o espírito superficial se contenta com o pouco, o espírito penetrante
proporciona o desembaraço no plano das sutilezas claramente distinguíveis. O
espírito de profundidade, por sua vez, não teme avançar, não obstante as
desvantagens de eventual obscuridade.
Finalmente, Goblot menciona a força e a finura. Para se servir da velha
distinção aristotélica, são virtudes que poderiam ser c1assificadas como intelectuais
porque conduzem diretamente "ao ato essencial da inteligência, que e o
discernimento". A força e a finura são companheiras inseparáveis. A primeira, sem a
segunda, pode transformar-se em grosseria e a segunda sem a primeira não pode
subsistir, pois a finura exige firmeza e segurança.
Em se falando especificamente das ciências chamadas humanas, o sentido
de precisão não pode ser levado ao nível das certezas absolutas que porventura
46

venham nortear suas conc1usões, tornando-as intocáveis. O próprio surgimento de


uma diversidade de escolas no âmbito de tais ciências evidenciam tal fato. Não
obstante essas escolas se manifestarem concordes nos pontos considerados
básicos, elas não deixam de ostentar acentuadas divergências. E esse pluralismo e
salutar, demonstrando que as ciências humanas caminham por canais provisórios,
tecendo e mostrando seus enunciados de forma aberta, especialmente diante da
complexidade dos eventos. A mutiplicidade de enfoques bem presentes na
abordagem sociológica, filosófica, econômica e psicológica atenta que ninguém e
dona da verdade de finitiva. Há distâncias a se percorrer e é preciso que o respeito
exista entre as diversas correntes, possibilitando o rastreamento honesto das
conclusões perseguidas. E evidente que isto não significa a contestação da precisão
conceitual de tais abordagens, nem a duvida da legitimidade científica de tais
disciplinas. É o sincero reconhecimento da limitação que lhe é própria.
Também é bom lembrar que, a partir de K. Popper, a objetividade científica
vem sendo duramente questionada. Mesmo um cientista do porte de Jacques
Monod, com seu inegável pendor para a ortodoxia em termos de abordagem
científica não ousa assumir a defesa de tal objetividade. A objetividade, porem, nos
obriga a reconhecer o caráter teleonômico dos seres vivos, a admitir que em suas
estruturas e performances, eles realizam e perseguem um projeto. Portanto, existe
aí, pelo menos aparentemente, uma profunda contradição epistemológica.
E as palavras de Enzo Pacci, que transcrevemos a seguir, em comentário a
conhecida obra de Husserl, Crise das Ciências Européias, parecem ser apropriadas
para encerrar estas considerações iniciais: verdadeiro não é só a fático,
objetivamente comprovável; verdadeira é a idéia da racionalidade de que vive toda a
ciência e que da um sentido à vida. A verdade não esta em sua objetivação, mas, ao
lado da objetivação, no movimento racional que transcende toda expressão parcial
precisamente ao enaltece-Ia a momenta racional infinito, a um "significado". A crise
se deve à pretensão de realizar a verdade no fática, à pretensão de reduzir o
significado a objetividade da expressão.
E dentro deste espírito que pretendemos discutir o caráter científico da
teologia. Deve-se reconhecer que, às vezes, o discurso teológico têm caído numa
espécie de pragmática eclesiástica e seu caráter científico se dilui porque o discurso
se tom a servo das finalidades imediatas da Igreja. Em todas as épocas surgem os
que acham que o trabalho da teologia deve ser feito a "serviço do governo da
47

Igreja". Contudo essa não e a posição esposada por um discurso teológico sério. Se
o mesmo se esgotar como prática da Igreja, seu construto teórico enfraquece.
Embora seja necessário manter-se atento para não cair nas discuss6es acadêmicas
estéreis, tecidas numa gramática e sintaxe reservadas para iniciados, e necessário
formalizar a linguagem teológica, dando-lhe uma estrutura que revele certa
racionalidade lógica. É nisto que se fundamenta o estatuto científico da teologia.
Admitir que a mesma seja um constante alimentar-se da prática da Igreja e
desconhecer os reclamos da teologia a partir de uma elaboração séria.
Ao se abordar a questão pretendida, e imprescindível, ainda que de forma
sumaria, tentar rastrear os aspectos históricos que a fundamentam. Sem entrar na
discussão da famosa tese de Harnack sobre a helenização do cristianismo, não
podemos deixar de julgá-la estimulante, pois não há teologia sem diálogo com a
cultura. Sem se comprometer diretamente com uma determinada forma de filosofia,
a teologia passa necessariamente a utilizar a linguagem e os recursos intelectuais
de uma dada cultura. Portanto, há um nexo que não pode ser ignorado e, por isso
mesmo, esta revisão é importante.

7.1. A Questão histórica


A historia da teologia começa com os escritos do Novo Testamento e passa
a integrar, logo a seguir, a contribuição dos Pais da Igreja. Daí a pergunta instigante:
porque o Cristianismo, em vez de desenvolver-se como religião popular, à
semelhança de outras seitas judaicas da época, tornou-se, num período
surpreendentemente breve, uma religião culta, com uma teologia altamente
desenvolvida? E, de fato, no século terceiro, em Alexandria, a teologia cristã já
apresentava uma forma teórica e uma argumentação consistente, capazes de
confrontar-se com os grandes sistemas da filosofia grega da época.
Historicamente, é muito difícil de explicar, de modo satisfatório, visto que, em
todo problema de origens, há pontos obscuros. Entretanto, o certo é que a pregação
cristã primitiva não se contentou em apenas um "anúncio", mas transformou-se num
ensinamento enraizado em duas tradições didáticas de grande riqueza, a saber, a
tradição rabínica (com sua apurada técnica de exegese e interpretação das
Escrituras) e a tradição das escolas greco-romanas. Entre os primeiros cristãos
convertidos figuravam judeus provenientes não apenas das camadas populares da
48

Palestina, mas gente de formação helênica, através da tradição de suas cidades de


origem. Isto explica, em parte, o embasamento teórico sólido que o cristianismo
recebeu desde o início.
Na Idade Media, a questão pode ser recolocada dentro da Escolástica, tanto
no período que antecede a redescoberta de Aristóteles no Ocidente, como no
momento que a sucede. No primeiro caso, teríamos o percurso intelectual de
Anselmo que, despido das exigências metodológicas e epistemológicas do
estagirita, apresenta certo rigor metodológico na construção da teologia como
ciência. Sintetizado na expressão fides quaerens intellectum, seu programa procura
reconhecer a unidade orgânica e complexa entre a fé e a razão, elementos que se
interpenetram sem que qualquer deles seja diminuído. Daí as provas cosmológicas e
ontológicas da existência de Deus, respectivamente no Monologium e no
Proslogium. Ainda neste primeiro período não se pode esquecer a contribuição de
Pedro Abelardo, conhecido pela sua obra lógica, onde a abertura ainda que
incipiente a Aristóteles, em paralelo com a constante influência de Boecio, procura
dar à especulação teológica uma exigência crítica e metodológica. Buscando as
"similitudes" da razão humana, propõe algo que seja verossímil e próximo da razão,
sem ser contrário à crença no sagrado. A preocupação básica, nesta tarefa, seria a
busca do intellectus fidei como timbre da razão cristã.
Em Tomas de Aquino encontramos uma opção mais original, dada a sua
identificação com o pensamento aristotélico. Se seus predecessores conservaram a
dualidade plat6nica da ciência e da sabedoria, o Doctor Angelicus procura constituir
uma teologia como ciência de Deus, tomando o conceito "ciência" no sentido
aristotélico, ou seja, um saber que procede de princípios (conhecidos) para
conclusões (a conhecer) por via da demonstração. Diferentemente da tradição que
se funda em Agostinho, na qual a ciência ocupa um papel subordinado em relação à
sabedoria, a opção de Tomas de Aquino e mais audaciosa, ou seja, procura fazer da
teologia um saber principal mente especulativo, inteiramente voltado para a
contemplação da verdade primeira, que é Deus. Há, assim, a superação da
oposição agostiniana entre superior (conhecimento de Deus) e razão inferior
(conhecimento das coisas). A teologia, como ciência da fé, assume, numa unidade
superior, as funções da "ciência" e da "sabedoria". Com o advento da Reforma, uma
nova questão se instaura. Lutero rejeita a sabedoria teológica formulada por Tomás
de Aquino, ou seja, aquela sabedoria que crê poder manifestar continuidade entre o
49

conhecimento natural de Deus e o conhecimento revelado por Jesus Cristo. Se a


tradição patrística e medieval da sempre à passagem de Rm 1.19-20 uma
interpretação com base no conhecimento natural de Deus e das criaturas, Lutero
supõe tal consideração um absurdo. Se a Escolástica fundava-se neste texto para
sublinhar a movimento que vai do mundo para Deus, usando como instrumental a
metafísica grega, Lutero considera impossível conhecer a essência de Deus a partir
de suas criaturas. O verdadeiro teólogo não é "teólogo da glória" (que conhece a
Deus a partir da criação), mas o “teólogo da cruz” (que conhece a Deus que se
apresenta ao mundo na paixão e na cruz). Como Moises diante da sarça ardente, o
verdadeiro teólogo vê a Deus apenas pelas costas. Deus se revela a partir daquilo
que e loucura e escândalo para a razão. O Deus abscôndito na Paixão é o mesmo
Deus que se revela. E o homem, que não pode contemplar a Deus face a face (Deus
nudus), pode conhecer a Deus velado e desveIado, ao mesmo tempo, na
humanidade padecente de Cristo (Deus indutus). A "teologia da cruz" designa um
conhecimento indireto de Deus.
Entretanto, não se pode entender Lutero como alguém que se interpõe
"contra o método", defendendo a teologia como um pensamento difuso, uma
justaposição de fórmulas simples destituídas de rigor na amarração das mesmas.
Foi na própria tradição luterana que, há alguns anos atrás, a questão da teologia
como ciência foi retomada. E, mais recentemente, W. Pannenberg consagrou uma
volumosa obra à discussão do assunto, evidenciando o fato incontestável de que a
filosofia da ciência, hoje, ocupa um lugar privilegiado nas discussões acadêmicas. E
tal fato nos obriga a repensar o tema, servindo-nos das luzes lançadas sobre o
mesmo.
Mas, que relevância poderia representar tal discussão para a América Latina
e, particularmente, para o Brasil, com suas marcas peculiares de pensamento e
formas próprias de se fazer teologia? Não estarfamos entrando para o lado estéril de
uma discussão acadêmica mais apropriada para a Europa ou para qualquer parte do
Primeiro Mundo?
Acreditamos que a discussão tem alguma pertinência para o nosso contexto.
Primeiro, para valorizar o discurso teológico como um todo. Afinal, não devemos
fazer da reflexão teológica um conjunto requintado de frases de efeito ou jargões
assinaladamente retóricos. O discurso teológico tem suas regras que devem ser
explicitadas, lutando para obter os contornos da identidade científica. Em segundo
50

lugar, a recente reflexão teológica latino-americana, abundante no que tange o


número de suas publicações, esta se preocupando, ultima mente, com a elaboração
de uma metodologia que bem justifique a sua existência no panorama do
pensamento contemporâneo. Como dizia A. Gesche, "a partir de um certo momento,
um discurso científico deve se dotar com suas regras e seus protocolos, ou então
não e nada". Em outras palavras, nossa reflexão deve buscar sua teoria, sua
epistemologia, firmando as regras de um novo método teológico, afim de que os que
trabalham a questão evitem solecismos, apropriando-se de gramática própria.

7.2. Que tipo de ciência é a teologia?


A discussão do estatuto científico da teologia deve estar atenta ao que se
refere a seu ponto de partida. Se compararmos o conceito que um físico tem de
ciência com aquilo que um historiador entende por tal, chegaremos a conc1usao que
ha uma notável distância entre um e outro. A metodologia seguida por um é
diferente da metodologia seguida por outro, e o resultado obtido por ambos não e o
mesmo. As ciências ditas exatas tratam de objetos que podem ser dissecados ou
analisados pelo instrumental do cientista. O mesmo não se da com a teologia. Esta
se nos apresenta como um "vir a ser" que faz parte do “fluxo existencial e não dos
resíduos que permanecem”. Logo, seu objeto se coloca sempre à frente, exigindo
um compromisso interminável. É mais um responso, um atendimento a uma
vocação, não atitudes arranjadas, premeditadas. É res-posta, não pro-posta.
O perigo, portanto, esta na tentativa de enquadrar a teologia de forma
forçada, no campo das demais ciências. E isto, como observou Maraschin, pode
confundir teologia com "ciência da religião", bem como outras disciplinas afins que
Aulen faz questão de ressaltar suas diferenças.
Estabelecer aparatos científicos para a teologia sem levar em conta sua
natureza e mais do um: simplesmente quebrar sua fluência. É matá-Ia, por mais forte
que seja esta expressão. É superficializar aquilo que brota das profundezas. É racionalizar
verdades que nos chegam envolvidas pela paixão e pelo sabor da existência, enquanto dons de
Deus. Formalizá-la, apenas para que o discurso teológico ganhe uma identidade precisa no
mundo das ciências, e gelar sua candência e quebrar o ritmo que lhe e próprio, fazendo com que
a melodia se aliene de si mesma já no seu nascedouro.
Mas, o que daria, realmente, um caráter científico à teologia? De forma
simples e rápida, dividiremos em dois níveis nossa resposta.
51

a) A teologia é uma ciência porque tem seu objeto de estudo definido. É


Deus, conforme seu sentido etimológico: Theo-logia. É evidente que tal objeto é
estudado apenas indiretamente, em termos de consequência. Ou seja, sua
preocupação é determinar as mudanças que acontecem no homem a partir de seu
encontro com Deus. Nesse caso, a investigação da realidade chamada fé cristã não
se dá pelo aprisionamento do objeto para uma dissecação objetiva. Trata-se do
envolvimento do teólogo no fluxo da própria vida, deixando de lado determinados
preconceitos em relação à subjetividade. Usando os termos de J. Maraschin,
diríamos que a teologia se faz "com paixão e ímpeto”. E, assim, todos os obstáculos
a priori à investigação são removidos. Não se trata de trabalhar com realidades
demonstráveis, mas com variáveis que envolvem o sujeito num amplexo quente, o
que possibilita a fertilização do próprio pensamento teológico.
A existência do objeto da teologia ninguém pode negar. Mesmo as mentes
escravas do positivismo científico hão de reconhecer a legitimidade desse objeto.
Embora se situe na esfera do imponderável, das realidades inefáveis, onde o
aspecto fático não se mostra palpável, o objeto existe. E isto, por certo, garante o
caráter científico da teologia.
O objeto da teologia e o Deus revelado e encarnado em Jesus Cristo, em
conseqüência do que nos é permitido uma vida de fé experimentada na comunidade.
É claro que isto nos leva a afirmar que o objeto da teologia não e apenas Deus
revelado em termos essencialistas, mas tudo o que e contemplado ou enfocado a
partir de Deus. Aliás, esta questão não é nova. Já foi tocada por Tomas de Aquino.
Do que se infere que a tarefa teológica e falar também da política, da economia, da
educação, desde que o enfoque não seja o exclusivo das respectivas disciplinas e,

sim, o teo1ógico, ou seja, a luz de Deus. Daí a razão de serem abordados, hoje,
temas seculares pela teologia com mordência e propriedade, uma vez que não se
perca o horizonte que lhe e peculiar. Nascida da fé, a teologia deve sempre
regressar à fé, na busca de sua realimentação e lucidez.
b) A teologia é uma ciência porque tem o seu método próprio. Aqui,
devemos fazer, inicialmente, uma separação necessária. Uma coisa é a teologia
enquanto teoria, enquanto construção do discurso é outra coisa é o método utilizado
para se alcançar tal objetivo. Já Aristóteles havia observado que “importa saber
como cada coisa se deve aceitar, pois é absurdo procurar ao mesmo tempo a
52

ciência e o método da ciência”. Isto não quer dizer que teoria e método são
elementos irreconciliáveis ou tão pouco ininteligíveis. Pelo contrário, são realidades
complementares e inteligíveis: para se elaborar a teoria o concurso do método é
indispensável, desde que haja esforço e dedicação.
Para ser teólogo não basta ser piedoso. É necessário ser suficientemente
sábio, saber trabalhar os dados, coordenar as realidades variáveis constatadas a
partir de um método. Nesse sentido, a teologia é, em principio, especulativa.
Contudo, não faz da especulação sua atividade última, visto que pretende
desembocar numa praxis de amor e fidelidade a Deus, a serviço da Igreja. Teologia
erudita e bem formulada, discurso inteligente e bem articulado, mas que não inclua o
compromisso com o mundo - tudo isso toma-se apenas um belo arranjo lógico de
frases bonitas, prestando, não raras vezes, excelente serviço aos poderes, mas não
é digno de ser chamado teologia. A teologia pretende ser o discurso acerca de Deus
para a promoção do homem e não uma teoria impecavelmente articulada, mas cuja
finalidade e encontrada narcisicamente em si mesma, enquanto discurso.
Portanto, a teologia tem às suas regras. Há um método que norteia sua
elaboração. Não se trata de saber intuitivo, em forma de confissão, que se coloca no
papel. Nem uma apreensão oracular a partir de situações exóticas que se
sobrepõem a realidade. Trata-se de um labor intenso do teólogo à medida que
trabalha dados, pondera seus valores, compara sua importância e projeta seu
discurso através de linguagem própria.
Por certo, uma das grandes riquezas, hoje, do método teológico é o diálogo
interdisciplinar. Antigamente, a articulação da teologia se dava, de forma exclusiva,
com a filosofia. Esta era, na verdade, sua roupagem. Tal fato deu origem à teologia
clássica que, por sua vez, caracterizou-se pela produção de textos densos e
extensos vasados numa linguagem um tanto árida e presos sempre a um sistema
aceito aprioristicamente. Foi a época em que foram escritas as diversas summae
teológicas.
Hoje, como a fé é vivida dentro de uma realidade mais complexa, toma-se
indispensável o auxílio de outras disciplinas. Elas ajudam decodificar a realidade
envolvida em sua complexidade)e, ao mesmo tempo, propiciam uma formação
crítica ao teólogo. É importante, pois, que este tenha uma segura orientação da
sociologia, da antropologia, da economia, da política afim de trabalhar com
segurança a realidade. Evidentemente, não se espera que o teólogo seja um
53

especialista em tais campos, mas que supere aquele estágio empírico, moralizante,
ingênuo e utópico, alcançando uma perspectiva mais crítica.
Não se trata propriamente de politizar a teologia ou de socializar a fé. Trata-
se de trabalhar teologicamente as questões políticas e os problemas levantados pelas
ciências sociais de uma forma geral, com a finalidade de enriquecer o discurso e
capacitá-lo para diagnosticar realidades problemáticas de nossa sociedade.
Leonardo Boff lembra os Pais da Igreja, que falavam em dois modos legítimos de se
fazer teologia: uma voltada para pagãos (pro-paganis) e_outra, voltada para os_cristãos
(pro-christianis). Esta primeira perspectiva, evidentemente, não busca a fé dos
ouvintes, mas o real sentido que pode emergir dos desencontros do mundo, das
interrogações e angústias do homem. A outra, por sua vez, parte da riqueza do
pensamento cristão, da exuberância da tradição teológica e procura um discurso que
acentue a verdadeira identidade cristã. Destarte, é estabelecida a diferença entre a
Igreja e o mundo. E o que o citado teólogo supõe ser o ideal é o diálogo entre essas
duas formas de se fazer teologia: o que descrevemos são tipos ideais; na realidade
cada teólogo realiza a seu modo os dois momentos; ninguém é tão tradicionalista que
não tenha assumir ou conviver com o ritual de uma sociedade moderna, como ninguém é
tão progressista que tenha que aceitar sua própria história, que vem de um passado e só
isso existe no presente. Sábio foi o Senhor que, resumindo a verdadeira tarefa do pensar
cristão, nos disse: “Todo teólogo, instruído na doutrina do Reino de Deus, deve ser como o
dono de casa que do seu tesouro tira o novo e o velho”. (Mt 13.52).
Em.outras palavras, a teologia não pode romper com sua própria pertinência
sob pena de transformar-se numa sociologia ou numa politicologia. Deve esforçar-se
para buscar sua gramática própria, sem o que perderá sua identidade ou, então, no
mínimo, apresentara um discurso muito carregado de inconsistência epistemológica
e marcado por uma sintaxe desconhecida.
Nossa tarefa, aqui, não é entrar nos pormenores do método teológico em si,
apontando o mecanismo de funcionamento do mesmo. Limitamo-nos a defender o
estatuto científico da teologia. Contudo, citaremos, para concluir, duas contribuições,
no seu âmbito específico, poderão fornecer às bases da metodologia teológica.
Em nível da linguagem teológica, lembramos a contribuição de J. Mcquarrie.
Embora originaria de ambiente anglo-americano e de trazer consigo diversas
limitações, a pertinência da obra e interessante, especial mente por três motivos.
Primeiro, pelo referencial filosófico com que tematiza a linguagem, servindo-se da
54

contribuição monumental de Wittgenstein. Segundo, pela análise do trabalho de


teólogos do porte de Bultmann, Barth e Tillich, cujo legado não pode ser esquecido
pela geração atual. Terceiro, pela digressão que faz sobre a relação entre teologia e
empirismo lógico (filosofia analítica da linguagem), mostrando as possibilidades de
dialogo entre ambas. Alem disso, o autor trata, nos últimos capítulos, dos tipos
fundamentais de discurso teológico e de sua relação com outros tipos, destacando a
busca de uma lógica mais ou menos comum a todos os tipos de discurso teológico.
Com relação à problemática latino-americana, levando-se em consideração as
coordenadas concretas que permeiam o fazer teologia no nosso continente, citamos
o trabalho já mencionado de C. Boff, basicamente um "discurso de método" da
Teologia da Libertação. Trata-se de texto denso que poderíamos considerar uma
verdadeira “epistemologia teológica". É uma “teoria da teoria” realizada com exímia
acribia, expondo de maneira clara os princípios teóricos da nova gramática
teológica. A metodologia de Boff, aplicada à Teologia da Libertação, divide-se em
três partes. A primeira fala da mediação sócio-analítica pela qual a teologia assimila
a contribuição das ciências do social (Boff prefere a expressão em sua forma
substantiva). A segunda fala da mediação hermenêutica, que transforma os dados
escolhidos em produto teológico. A terceira tenta captar a influência da praxis sobre
a teoria teológica. Em outras palavras, que relação existe entre o engajamento social
do teólogo e sua prática teológica e vice-versa.
É de grande relevo a advertência que C. Boff deixa transparecer com
relação ao perigo da epistemocracia, ou seja, o governo do método que pode gerar
uma verdadeira escravidão. Pelo senso comum sabemos que dominar as regras do
jogo não significa jogar bem. Técnicos e juízes de futebol, conhecedores profundos
das regras e das estratégias do referido esporte não são os maiores jogadores do
mundo. Por outro lado, se o jogador, deixando de lado a habilidade que lhe e
peculiar, ficasse preocupado servilmente com as regras do bem jogar, acabaria,
fatalmente, jogando mal. Seria uma preocupação paralisante. Desse modo, a
extrema valorização do método pode produzir um efeito negativo de duplo sentido:
uma inibição na capacidade produtiva e uma arma para que os reacionários possam
destruir o próprio discurso pela ineficácia do método.
55

7.3. Conclusão
Aproveitamos esta observação final de C. Boff para conclusão do presente
trabalho. O entusiasmo na defesa do estatuto científico da teologia deve ter como
elemento moderador à certeza de que tal estatuto não e o toque fundamental de sua
credibilidade na tematização dos diversos assuntos relativos a Deus, à Igreja e a fé.
O caráter científico do discurso teológico bem como a sua metodologia não podem
nos oferecer o aval de que estamos tratando de uma fórmula infalível ou de um
"catecismo" que, gerando perguntas, garanta a respectiva resposta. Não há cânones
absolutos na linguagem teológica, elabora devamos empenhar-nos em defender seu
caráter científico. É bom lembrar que este, por sua vez, não pode ser guindado à
condição de uma espécie de “chama universitário” ou uma “perfumaria acadêmica”.
É um instrumento que pode ser útil enquanto instrumento. Passou disso, será
manifestação "idóIatra" que nada tem a contribuir para a teologia.
56

8. COMO ESTUDAR TEOLOGIA

Daremos aqui algumas indicações para o estudo concreto da teologia. Essas


indicações devem ser tomadas de modo flexível, a título de simples sugestões.
Valemo-nos aqui de algumas regras importantes de todo trabalho científico,
regras que são explicitadas por uma disciplina particular: a metodologia do trabalho
científico, mas que aqui são apresentadas no interesse do estudo teológico:
Abordaremos a seguir quatro processos de aprendizado:
- a aula magistral;
- o estudo privado;
- o trabalho de grupo, especialmente o seminário;
- e a pesquisa.

8.1. Aula Magistral


Sua importância - Nada, nem o estudo particular, nem o computador e nem
o vídeo podem substituir uma aula magistral desenvolvida ao vivo. E isso por muitos
motivos:
1. A aula magistral oferece um conhecimento orgânico de um tema. O
autodidata, privado de mestre, contrai este defeito: adquire apenas um
conhecimento fragmentário, pouco harmônico, sem ver a relação entre o importante
e o secundário. Um aluno que se inicia numa ciência qualquer e como alguém que
penetra pela primeira vez numa floresta: precisa de um guia. E isso vale
especialmente para a teologia, que tem quase dois mil anos de produção, e mais
ainda para o estudo da religião em geral, que e um dos saberes mais antigos e
complexos da humanidade;
2. A aula magistral mostra também ao vivo como se aborda concretamente
um tema, como se desenvolve e como se encontram soluções. Nisso joga muito a
personalidade do professor. Quando esse e um verdadeiro mestre, deixa marcas no
aluno, como as de um pai sobre o filho. O professor mexe com moventes profundos,
de tipo afetivo e existencial, presentes na alma do aluno, moventes pré-intelectuais,
que condicionam toda a sua ulterior orientação intelectual;
57

3. Uma aula magistral tem maior eficácia, isto e, ela grava os conhecimentos
de maneira mais forte que quaisquer outros recursos pcdag6gicos. Isso porque ela
mobiliza varias faculdades ao mesmo tempo: não só o pensar (como faz um livro),
nem só o ouvir (como um radio) e nem só o ver (como um vídeo ou a TV). Na aula
as três coisas operam. E se a aula e dinâmica e participada, entra um quarto
elemento: a ação. Aí então se vê, se ouve, se pensa e se trabalha. É notável a
diferença que existe entre uma aula viva e sua mera transcrição, sua gravação ou
mesmo sua filmagem.

8.2. Participação na classe


É importante que a aula magistral seja participativa. A tradiçã pedag6gica
latino-americana marcada pelo "método Paulo Freire" e pela metodologia do
trabalho de base em geral, e extremamente sensível à idéia de participação.
A participação em aula não e alga de exterior ao próprio ato do
conhecimento. Não é mero expediente didático ou simples concessão pedagógica. A
participação faz parte intrínseca de todo a conhecer. Saber e construir. E isso vale
mais ainda do conhecer teol6gico, que se faz no contexto do dialogus salutis e que
solicita, par isso, a reação ativa do ouvinte, considerado sempre sujeito e parceiro da
Palavra.
Certo, o noviço em teologia precisa "receber", antes de se por a investigar e
a criar. Mas receptividade não e passividade. E também certo tipo de atividade,
ainda que mais fino e profundo. Pois o "recipiente humano" sempre recebe
assimilando, reprocessando, recriando. É fá-lo a partir de sua personalidade, de
suas matrizes culturais pr6prias e inclusive de sua "teologia espontânea". Ele precisa
reconhecer, confrontar e mesmo enriquecer tudo o que ouve e integra, partindo de
suas interrogações e experiências. Todo processo de aprendizado e de certo modo
seletivo, crítico e criativo. Um professor que não leva em conta isso não e verdadeiro
mestre.
Portanto, o professor deve equilibrar bem os dois momentos:
1. O momento da socialização do saber teológico, no qual o aluno ouve e
assimila o conteúdo central da matéria, as chaves interpretativas e a síntese dos
dados. Note-se, como dissemos, que nisso já se da uma participação ativa do aluno,
58

segundo a máxima latina: "Tudo o que se recebe, e recebido ao modo do


recipiente";
2. O momento da construção do saber teológico, quando o estudante não só
assimila e reelabora os dados, mas os enriquece com sua leitura pessoal e com a
discussão de grupo, e confronta esses dados com sua prática.
Ademais, o objetivo principal da aula magistral não e a "aprendizagem
acumulativa", mas a "aprendizagem exemplar". Por outras palavras, não se trata de
encher a cabeça do alunos de dados, mas sim de fazê-lo assimilar regras. O
importante não e tanto aprender teologias quanto aprender a teologizar. O problema
não e a quantidade, mas a qualidade. E aqui, em particular, que se situa a
pertinência do curso de Metodologia teológica.
Sem duvida, é indispensável possuir pessoalmente um mínimo de dados -
os elementos básicos, como diremos logo à frente. No mais, o que mais importa e
despertar no estudante o gosto e mais ainda o hábito do estudo, para que ele,
depois, por própria conta, busque as informações de que precisa. É por isso que se
insiste hoje na "formação permanente”. E é também para isso que existem os cursos
de "atualização”.

8.3. Anotações de aula


Na medida do possível, é recomendável seguir um texto-base para as aulas.
Contudo, nenhum manual dispensa o trabalho pessoal do aluno através de
anotações pessoais, leituras complementares, pesquisa, etc.
o que anotar? Não tudo o que se ensina em classe, mas as coisas
importantes, assim como as interessantes (uma comparação, um exemplo ou uma
criação).
Como anotar: Eis algumas sugestões:
- resumir as idéias expostas, usando um código próprio de abreviação;
- conservar o quanto possível a ordem da exposição, para o que ajuda muito
numerar: 1, 2, 3...; ou a, b, c...;
- destacar, sublinhando, os termos ou as fases mais importantes;
- anotar também as questões ou as observações pessoais que surgem na
cabeça durante a exposição do professor.
59

8.4. Dinâmicas de uma aula participativa


Há dinâmicas mais informais e outras mais formais. Durante a aula convém
que o professor proponha dinâmicas informais ou leves que envolvam os alunos: um
depoimento, um caso ou uma pergunta.
Sobre as perguntas, convém distinguir as de esclarecimento ou de
compreensão em torno do tema que está sendo exposto; e as perguntas crítica, que
visam aprofundar o assunto.
Mas há dinâmicas formais, mais arrumadas, como:
- O cochicho. É um zunzum que se cria em grupinhos de 2 ou de 3, para
discutir uma pergunta precisa por 2 ou 3 minutos. Existe também a técnica chamada
6/6: grupos de 6 discutindo 6 minutos. O tempo e o modo dependem sempre da
natureza da questão a se discutir. Terminado o tempo, põe-se no quadro negro o
resultado do cochicho, abre-se a discussão e por fim o professor faz a chamada
"amarração";
- o grupo de estudo ou circulo de debate. É a dinâmica mais comum. Um
grupo de umas 6 a 7 pessoas discutem uma pergunta, um tema, um caso, ou um
problema concreto. Depois, em plenário, apresentam as conclusões possivelmente
de modo criativo através de encenações, poesias, cartazes, etc. Segue-se o debate
aberto e - como sempre - a "amarração" do animador;
- O painel ou simpósio. 4 ou 5 pessoas expõem seu pensamento sobre um
tema a partir de ângulos distintos. Seguem-se perguntas de esclarecimento ou de
aprofundamento da parte da classe. O professor fecha, comentando o dito e
explicitando as conclusões. A mesa-redonda e uma espécie de painel, mas onde um
tema e debatido inicialmente entre os membros de um grupo, entrando os presentes
num segundo momento;
- O congresso. Consiste em reservar um tempo intensivo (um dia inteiro, um
fim de semana ou uma semana toda) ao estudo de uma temática teo1ógica
específica. Aí entram conferencias, grupos de estudo e plenárias.

8.5. Estudo Individual


Todo estudo supõe duas fases: a primeira, a aprendizagem; e a segunda, a
pesquisa. A aprendizagem vale especialmente para o estudo fundamental; e a
pesquisa, para o estudo especializado.
60

A aprendizagem consiste em assimilar e mesmo memorizar as informações


de base ou os dados elementares de uma disciplina, como, por ex., datas, eventos e
personagens históricos ou regras técnicas. Esse e o momenta receptivo de um
saber, embora - insistimos – não passivo, porque sempre re-criativo em nível
pessoal.
Já o momenta da pesquisa implica em, a partir dos dados fundamentais de
uma ciência, investigar outros dados, fazer-lhes a crítica e criar novas propostas
explicativas. Esse e o papel da pesquisa, dos seminários e das teses. É o momento
criativo.
Nada mais deslocado, para quem se inicia numa disciplina, do que a
pretensão de se arvorar em crítico e criador. Precisa antes, com toda a humildade,
apreender os fundamentos da nova disciplina. S6 depois e que poderá criticar com
base e criar sem arbitrariedade.
Analisemos agora concretamente como se da o estudo pessoal fundamental,
isto é, aquele relativo ao aprendizado dos fundamentos e dos resultados seguros de
um saber. Mais à frente trataremos do estudo especializado, quando falarmos da
pesquisa.
Pois bem, em que consiste o estudo fundamental? Consiste em leituras,
apontaremos e memorização.

1. Leitura
Nesse pomo, o importante não e ler muito mas selecionar: ler poucos livros
mas bons. Os franceses recomendam: Non pás lire, mais élire (não ler, mas
escolher).
Como saber se um livro vale a pena? Por recomendação de um entendido,
que pode ser o professor mesmo, pela leitura de uma recensão ou pela indicação de
um entendido. Mas existe também um caminho pessoal: folheando o livro. É a leitura
de reconhecimento ou pré-leitura.
Leitura de reconhecimento - Embora possa ser um hobby (o preferido de
Marx), folhear um livro supõe certa técnica. Como folhear com proveito um livro e
saber se vale a pena lê-lo e eventualmente comprá-lo? Valham aqui as seguintes
sugestões:
a) Dar uma olhada no frontispício - a pagina interna onde estão registrados
os dados indicativos do livro: título, subtítulo, autor, edições, editora, cidade, data. Já
61

por aí se pode ter alguma idéia do livro. Assim: - pelo nome do autor, pode-se ter
alguma idéia do "peso" da obra;
- pelo subtítulo, de que tema trata de modo mais explícito;
- pelas edições, se o livro foi muito lido;
- pela editora, se e "de nível", recomendando o livro, ou ao contrario; e assim
ppr diante;
b) Passar para o índice. Ver como a matéria é detalhada e como e
estruturada. Por aí já se tem uma síntese, ainda que extremamente condensada do
conteúdo. Poder-se-á sentir se são levantados os principais problemas; se o
tratamento e concreto ou pratico; se e bem ordenado, etc.;
c) Ir para a introdução e depois para a conclusão, lendo pelo menos alguns
de seus parágrafos, para perceber como o autor aborda o assunto, seu estilo, seu
vigor;
d) Enfim, se houver tempo, dar uma folheada à-toa no livro, parando num ou
noutro parágrafo. Às vezes acham-se assim algumas idéias que despertam a
curiosidade e levam a ler o livro. Não desprezar esse método intuitivo, pois a
intuição por vezes e mais certeira que a razão.
Não precisa dizer ainda que a biblioteca deve ir-se tomando, para o aluno
que quer realmente progredir, um lugar familiar. Depois de uma visita introdutória,
guiada pelo bibliotecário ou por um professor, o estudante deve ir-se habituando a
se situar dentro da biblioteca: como consultar os fichários, qual o lugar das grandes
enciclopédias, das principais coleções, das revistas e assim por diante.

Dois tipos de leitura


Existem basicamente dois tipos de leitura: a interpretativa e a crítica.
A leitura interpretativa busca saber apenas o que o autor disse ou quis dizer,
sem tomar posição pessoal frente ao texto e ao mérito de suas afirmações. Trata-se
aqui na verdade de um exercício de hermenêutica textual. E chamada também
"leitura de compreensão". Ela e decisiva para a teologia, máxime para a Escritura,
mas também para as autoridades teológicas em geral: os Padres, os Escolásticos, o
Magistério, a Liturgia.
Para este tipo de leitura em geral, valem as regras hermenêuticas como:
- esclarecer as palavras ou conceitos difíceis;
- explicitar os pressupostos ou os sub-entendidos do autor;
62

- por o texto no seu contexto social e cultural;


- identificar a idéia central e a partir dela outras, a começar pelas mais
importantes.
Já a leitura crítica examina a solidez das idéias expostas, pronunciando-se
sobre elas, pondo-as sob o juízo da verdade. Isso não épura hermenêutica, mas sim
reflexão crítico-analítica. Como se percebe, esta leitura supõe a leitura
interpretativa. Pois não se pode ligeiramente criticar um autor sem antes tê-Io
compreendido bem. E isso é lógico, além de ser justo, embora muitos se esqueçam
disso.
A leitura crítica não se dobra facilmente a regras preestabelecidas. E é
natural. Todavia, na analise crítica de um texto, são de valia indicações como as
seguintes:
- julgar os pressupostos de um texto, ou seja, captar o que está nas
entrelinhas;
- provar a consistência da argumentação, sua coerência, seu rigor lógico;
- relacionar o texto o com seu contexto: o cultural, para descobrir suas
influencias ou então sua originalidade;
- confrontar as teorias do autor em análise com as de outros autores;
- discutir as conseqüências concretas de uma teoria no campo pastoral ou
social (em relação ao poder, aos pobres, etc.).

2. Apontamentos de leitura
"Lecrionem sine calamo temporis perditionem puta": leitura sem caneta
repute perda de tempo. Quer dizer: é preciso tomar nota do que se Ie; fazer uma
leitura por assim dizer "armada".
Se o livro é pessoal, podem-se fazer anotações e sinais no próprio livro; ou
então far-se-ão anotações a parte: em caderno, em folhas soltas ou em fichas.
O que anotar:
- Resumos de idéias importantes, interessantes ou úteis;
- Frases expressivas, a citar literalmente e com precisão;
- Idéias pessoais que a leitura do livro suscitou: críticas, comentários ou
idéias novas.
Como devem ser as anotações? Devem ter, o quanto possível, as
qualidades indicadas nestes quatro "c"s: curtas, claras, corretas e completas.
63

Toda anotação deve registrar corretamente a fonte, isto e, a publicação de


onde proveio. Não é este o lugar de entrar nos inúmeros detalhes de como referir
uma citação, tanto mais que existe mais de um sistema de citação. A regra geral é
guardar a homogeneidade: citar sempre da mesma forma, sem variações.
Indiquemos, aqui, por grosso, como se podem fazer as citações mais
comuns, que são respectivamente as de um livro e as de um artigo de revista.
Para um livro, põem-se em geral, separando-as com vírgula as seguintes
referências:
1) o nome do autor (o sobrenome em geral em maiúscula e o nome
abreviado);
2) o nome do livro, sublinhado (ou em negrito, ou ainda em itálico);
3) o subtítulo, não sublinhado;
4) a coleção onde saiu (mas não é indispensável);
5) a editora (podendo deixar fora a palavra "editora" ou "edições" ou abreviar
por Ed.);
6) o lugar (traduzindo os nomes de cidade que tem tradução em português);
7) a data;
8) o número de edições;
9) lugar do livro onde se encontra a referencia (paginas ou colunas).
Para artigo de revista, dão-se, também intercaladas por vírgula, as
indicações seguintes:
1) nome do autor;
2) nome do artigo, entre aspas;
3) número do volume (ou da revista);
4) ano, entre parênteses;
5) páginas onde se encontra o artigo ou a citação.
Digamos também algo sobre o resumo de uma leitura. Essa é uma tarefa
elementar em qualquer estudo. O chamado "fichamento" é uma técnica específica
de resumo. Já a "esquematização" é um resumo digamos "esquelético" de um texto,
ou seja, sua representação gráfica e yisual.
Como resumir: Eis duas regras sumárias:
a) Captar a tese central do texto;
b) Identificar os pontos mais importantes, dando-Ihes uma ordem lógica,
possivelmente numerando-os: 1,2,3...
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3. Memorização
Essa atividade, central no passado, hoje perdeu muito de sua importância,
pois estão à mão bons substitutos da memória humana: a "memória de papel”,
contida nos livros, especialmente nas enciclopédias; e a “memória eletrônica”, a do
computador, que pode armazenar uma infinidade de dados e restituí-Ios com
facilidade. Isso faz com que a “decoreba" de uma vez, particularmente para os
exames, perca muito de sua importância hoje.
Mas a memória humana é ainda necessária, especialmente para reter as
informações de base ou yitais, como indicamos. Por isso mesmo, certa
memorização é indispensável sobretudo nos primeiros anos de estudo de uma
disciplina.
Aqui vão algumas indicações para o método de memorizar:
1) Compreender o texto que se quer memorizar;
2) Resumi-lo ou esquematizá-lo;
3) Dividí-Io em partes;
4) Memorizá-lo a partir de unidades menores e crescendo ate as maiores.
Mas nada ajuda melhor a memorizar do que a repetição e mais ainda a
familiarização. Além disso, saiba-se que quanto mais faculdades se usam. Mais a
coisa se grava na memória: visualizar, ouvir, dizer, cantar, fazer, dançar, etc.

8.6. Trabalho de grupo, especialmente o seminário


Abordamos agora o estudo de uma questão em regime de "mutirão". Deve-
se evitar aqui dois erros: seja concentrar a tarefa numa só pessoa ou em poucas,
seja trabalhar o tema de forma independente, justapondo em seguida as partes.
Antes, nesse ponto, convém seguir a dinâmica: "separado-junto/separado-junto".
Expliquemos:
- separado: cada um deve se inteirar da totalidade do tema, lendo, antes,
todo o texto a ser trabalhado;
-junto: reúne-se o grupo para discutir a divisão das tarefas, se por partes, por
perspectivas ou de outro modo;
-separado: cada um trabalha a parte que lhe toca;
- junto: põe-se em comum a parte trabalhada, esclarecendo algum ponto
ainda obscuro e discutindo a harmonização entre as varias partes.
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Feito isso, confia-se a alguém a tarefa da redação final. Se o trabalho tiver


de ser apresentado, e preciso ainda preparar juntos o modo da apresentação.
Quanto ao seminário propriamente dito, esse objetiva o aprofundamento de
um tema, seja por obra de uma pessoa ou de um grupo. Supõe o conhecimento
prévio das bases do assunto em discussão. Por isso mesmo, um seminário nunca
pode se limitar às generalidades ou aos lugares-comuns.
O seminário consta de dois momentos: o estudo propriamente dito e a
apresentação.
Quanto ao estudo, pode-se usar, de modo flexível, a dinâmica da pesquisa,
de que falaremos logo abaixo. Além disso, se o seminário couber a um grupo, este
deve observar a dinâmica do trabalho em grupo exposta acima.
Quanto à apresentação, consiste na exposição oral do tema estudado.
Demos, agora, algumas indicações úteis para ser bem sucedida.

Apresentação de um tema
Para a exposição de um seminário (mas isso vale para qualquer exposição:
aula, conferência, palestra, discurso ou homilia), convém levar em conta os
seguintes momentos:
1. Introdução. Essa deve motivar os ouvintes. Para isso, recorrer a uma
citação, a um fato, a uma tese problemática, enfim, a algo que chame a atenção:
2. Tese central. Enuncia-se o que se tem realmente a dizer, sem maiores
rodeios;
3. Desenvolvimento. Expõem sucessivamente as partes da tese ou as
subpartes da tese ou as subteses, seguindo uma ordem lógica, se possível
numerando: 1,2, 3 ... Cuide-se em “calçar” as próprias idéias com algum exemplo,
imagem ou citação;
4. Conclusão. Fecha-se normalmente o discurso com uma síntese, com uma
interrogação ou mesmo com uma frase de efeito.
No caso do seminário, à explanação segue-se o debate aberto e por fim a
conclusão (pelos professor ou pelo responsável do seminário).

Sugestões para uma apresentação


Eis algumas indicações úteis para uma exposição qualquer:
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- no caso de se dispor do texto por extenso, não ficar só lendo, mas explicá-
lo de modo mais solto;
- usar recursos didáticos: quadro-negro, esquemas, cartazes, faixas,
projeções, etc.
- explicar as palavras difíceis e os termos técnicos mais raros;
- cuidar também do tom de voz: que essa seja audível e expressiva.

Papel do animador
O coordenador do seminário, normalmente o professor (mas pode ser
também o responsável do seminário), deve atuar como um animador, estimulando a
participação, fazendo oportunamente resumos, relançando o debate, passando a
palavra e assim par diante. Ele deve se manter na média áurea entre a "moderador",
que determina a direção da discussão, condicionando todo a processo de discussão,
e a "assessor técnico", que só intervém quando solicitado.
Essas observações valem para qualquer responsável de um trabalho em
grupo ou de uma assembléia.

8.7. Pesquisa e Dissertação


O trabalho de pesquisa ou investigação, que pode ser mais ou menos
extensa, tem geralmente duas fases: a cia investigação propriamente dita e a da
elaboração (a qual segue às vezes a apresentação).
A pesquisa pode ser feita em cima de livros: e a pesquisa teórica; ou em
cima da realidade: e a pesquisa de campo. Mas pode também haver pesquisa que
combina as duas coisas.

1. Fase de investigação
Para essa fase, e bom levar em conta o seguinte percurso:
1. Escolher a assunto. Este deve ter pelo menos duas qualidades: ser
importante e ser interessante: importante, porque a transcendência da teologia e a
urgência pastoral do povo o exigem; interessante porque aquele que vai pesquisar
deve sentir-se envolvido, como que "mordido" por seu tema, caso contrário, não
levara a efeito o trabalho ou não o fará de modo satisfatório.
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O assunto a se escolher pode ser de tipo positivo, como estudar um autor (o


que e sempre mais fácil); ou de tipo teórico, como abordar uma problemática
específica (e isso e mais desafiador).
É preciso, em seguida, delimitar bem o assunto a investigar.
Do ponto de vista material (ou do conteúdo), o assunto não pode ser nem
por demais estreito e nem por demais largo. A medida dependera do porte da tarefa
a se realizar: conferencia, artigo, monografia, tese de mestrado ou de demorado.
Agora, do ponto de vista formal (ou da perspectiva), e preciso que o tema seja
circunscrito do modo menos gene rico possível.
Se os contornos, quer materiais, quer formais, são por demais vaporosos,
corre-se o risco de ler, no curso da pesquisa, uma infinidade de coisas inúteis,
porque periféricas e impertinentes. Ao contrario, apertando ao máximo o tema, não
há maiores problemas se, em seguida, for preciso ampliá-Io. Mas haverá certamente
problemas quando se abriu demais o leque temático e não se sabe como centrá-Io.
Esse cuidado e importante, sobretudo para os que devem apresentar um projeto de
trabalho, seja ele uma tese ou não.
2. Colher o material bibliográfico. Para isso pode-se come<;ar por consultar
um manual, um dicionário ou um estudo especializado, que sempre dão alguma
bibliografia basica.
3. Fazer a leitura, acompanhada da fichagem. Para uma primeira abordagem
do tema, e bom proceder a alguns estudos exploratórios a partir de obras gerais: um
dicionário, uma enciclopédia ou uma obra geral sobre o assumo. O que aí se
aprende se pode logo anotar através de resumos e esquemas.
A partir dessa primeira visão geral, elaborar um esquema provisório, em que
se ordenem, de forma mais ou menos lógica, os primeiros conhecimentos obtidos. O
esquema deve ser flexível, de modo que possa mudar em função do
desenvolvimento da pr6pria pesquisa. Nessa linha, o esquema do "ver, julgar e agir"
tem-se mostrado bastante pratico.
Em seguida, abordar os estudos específicos, constantes da bibliografia, isto
e, as obras de aprofundamento, fazendo sempre anotações.
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2. Fase de elaboração
Quando a pesquisa pessoal, em seu todo ou em parte, tiver atingido um bom
nível de acumulação e de amadurecimento (e isso se sente inclusive
psicologicamente), então esta na hora de passar a elaboração.
Esta pode se socorrer do seguinte processo:
1. Organizar o material coletado. Como primeiro momento, juntar de modo
sumario as idéias, sem ainda obrigar-se a ordená-las de forma precisa, mas
procedendo como quem ajunta material para fazer uma casa. Depois, analisar estas
idéias através do confronto recíproco e eventualmente complementá-las através de
uma pesquisa ulterior. E aqui que o sistema de fichas revela sua funcionalidade, pois
permite ordenar e reordenar sucessivamente as fichas em função de uma estrutura
lógica que vai se delineando.
Da analise do material recolhido, surgira o esquema definitivo, com sua
lógica própria. Este devera ter:
- um começo: a parte introdutória;
- um meio: a parte central, o carpo do trabalho, subdividido em partes
menores;
- e um fim: a parte conclusiva.
2. Desenvolver as idéias numa primeira redação e assim sucessivamente,
ate se chegar à redação definitiva. Não é necessário começar a elaboração pelo
começo lógico. Pode-se iniciar pela parte em que a pessoa se sente mais segura, ou
seja, mais amadurecida intelectualmente ou mais sintonizada psicologicamente.
Na redação, cuidar particularmente do seguinte: valer-se de distinções para
desembaraçar problemáticas confusas e para esclarecer conceitos centrais, pois
"sapienti est distinguere" (e próprio do sábio distinguir); qualificar as próprias
opiniões, usando precisões tais como: provavelmente, talvez, parece, e evidente,
diz-se, etc.; estar atento a complementaridade dos pontos de vista ("de um lado ... ,
do outro ... ") e ao balanceamento dos juízos ("apesar de ... , contudo ... ").
3. Enfim, fazer as complementações: escrever a conclusão, a introdução,
colocar a bibliografia, os eventuais apêndices e os índices.

Sugestões para a redação:


Eis aqui algumas "dicas" para o momento redacional:
- Dar aos capítulos títulos expressivos, além de precisos;
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- Apor vários subtítulos no interior de cada capítulo;


- Evitar parágrafos demasiadameme longos;
- Usar frases breves, com, no máximo, duas subordinadas;
- Assinalar as devidas ênfases, por sublinhamemos, com letras em itálico ou
em negrito;
- Explicar as termos técnicos e as palavras difíceis;
- Usar uma linguagem simples e clara, e tirando o pedamismo e a afetação;
- Não ter medo de usar esquemas explicativos;
- Evitar afirmações banais e lugares-comuns;
- Colocar no rodapé tudo o que pesa no corpo do texto, mas que se mostra
útil ou interessante para compreender uma afirmação ou situá-Ia;
- Evitar, no corpo do texto, digressões que afastem do tema;
- Usar ganchos literários que manifestem as conexões lógicas: porque,
efetivamente, assim, então, além disso, ora, etc.;
- Não abusar dos seguintes recursos literários: maiúsculas, abreviações, três
pontos, ponto de exclamação, estrangeirismos e o preguiçoso “etc”.

LEITURA
S. TOMÁS DE AQUINO:
Como estudar

«Caríssimo João, meu amigo em Cristo.


Já que me pediste de que modo te convém estudar a fim de conquistar o
tesouro da ciência, dou-te os seguintes conselhos:
- Procura não entrar imediatamente no mar, mas através dos riachos, pois e
preciso progredir das coisas mais fáceis para as mais difíceis. Eis, pois, minha
advertência e eis tua norma;
- Exorto-te a seres tardo no falar e avesso a freqüentar os salões;
- Mantém pura a tua consciência;
- Não deixes de te entregar a oração;
- Prefere ficar quieto em teu quarto, se desejas ser introduzido no quarto dos
vinhos (da Sabedoria);
- Sê amável para com todos;
- Não te perguntes em verdade o que fazem os outros;
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- Não tenhas excessiva familiaridade com ninguém, pois isso gera desprezo
e fornece ocasião para te afastares do estudo;
- Não te intrometas nas questões mundanas;
- Foge sobretudo de vaguear para cá e para lá (discursus);
- Não deixes de seguir os exemplos dos santos e das pessoas boas;
- Não olhes quem te fala, mas tudo o que ouves de bom, confia-o a
memória;
- Procura compreender o que lês e ouves;
- Esclarece as duvidas;
- Como alguém que deseja encher seu recipiente, também tu esforça-te por
guardar, no escrínio de tua mente, o máximo de coisas que puderes;
- Não busques o que supera as tuas capacidades (cf. Eclo 3,2).
Seguindo essas pegadas, emitiras e produziras folhas e frutos úteis na Vinha
do Senhor dos exércitos durante todo o curso de tua vida. Caminhando por essa via,
poderás chegar ao termo a que aspiras.
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REFERÊNCIAS

BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. Série I – Experiência de Deus e


Justiça, n. 6. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, Coleção Teologia e Libertação.
RUIZ, João Álvaro. Metodologia Científica: guia para eficiência nos estudos. São
Paulo: Atlas, 1996.
LIBANIO, J. B.; MURAD, Afonso. Introdução à Teologia: perfil, enfoques, tarefas.
São Paulo: Loyola, 1996.
RAUSCH, Thomas P. (org). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004.
Coleção Teologia Hoje.
MARASCHIN, Jaci (org). Teologia sob limite. São Paulo: Aste, 1992.
DOS SANTOS, ROBERTO, Teologia Para Pensar . Goiânia : Karis , 2000.

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