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SINOPSE
as aulas.
BONS ESTUDOS!
INTRODUÇÃO
qualquer tema. É um assunto longo, e por isso, é uma aula mais descontraída,
com uísque, charuto, plateia. Diferente do que nós costumamos fazer aqui
nos é apresentado.
realidades.
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PART E 1
criavam uma aura invisível pela ação da qual aqueles ali reunidos
inalterado. Eis a forma com que todos, desde os tempos mais remotos,
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LUCAS FERRUGEM: Desde a criação da Brasil Paralelo, nosso slogan é
propor a seguinte reflexão: o que são os mitos e o que eles nos contam
sobre a vida?
de fechamento metodológico.
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sociais herdeiros e derivados desses modelos iniciais. É isso que desde o
gregos atuais obviamente têm uma certa herança geográfica, mas muito
com novos valores e novos símbolos, mas são sempre retomados, porque
uma tribo aborígene, em contato com todo aquele universo que, para o
—, ele dá sentido a uma pergunta que é latente (parece que isso também
está dentro da nossa ideia de modelo): o que eu sou, de onde vim e para
2 Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra e psicoterapeuta suíço fundador da psicologia analítica. Seu trabalho
tem sido influente na psiquiatria, psicologia, ciência da religião, literatura e áreas afins.
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justamente nessa linguagem arquetípica dos mitos que o cercam que
e amar, e depois voltar para casa”, arrepia porque faz eco; e faz porque é
(pelo menos a minha leitura da história) que nos coloca lado a lado com
aquilo que não pode ser explicado pelo aspecto puramente racional ou
contato com essa narrativa, absorver uma plêiade de sentidos que vai de
Tomemos por exemplo para ver isso o caso de Zeus e Cronos. Zeus tira
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seu pai Cronos do poder e liberta os seus seis irmãos nascidos antes dele.
o próprio filho a Cronos, escondeu Zeus e deu uma pedra no lugar, e Cronos
a engole. Passa o tempo, Zeus, formado e cuidado pelas ninfas, volta com
certo tempo ele assume uma nova divindade: torna-se o deus Saturno nos
projeta a vida por meio da natureza. Então de um mal ele alcança uma
estatura de beatitude.
outras palavras, o bem e o mal estão nele, e o modo como deliberará nas
sentidos e significados.
Nesse caso, por exemplo, percebemos de maneira cristalina que,
chega ao estágio final das suas operações racionais e percebe, por um ato
conclui que não é capaz de tudo. Aristóteles3 tem uma frase muito famosa
no De Anima: “O intelecto é todas as coisas”, mas ele diz isso desde um ponto
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de conhecer todas as coisas, mas, no espaço da vida humana, ele é incapaz
elucidam isso de uma maneira mais clara para o horizonte humano. E, para
muito antes pelo contrário: ele está apresentando uma chave possível, uma
muitas vezes é mais fácil para ela entendê-lo do que um adulto, porque
a criança não tem os padrões cognitivos bem definidos, não tem ainda
não credibilidade a respeito das proposições. Como a criança não tem ainda
que é a razão —, então a absorção do mito para uma criança é muito mais
4 Paul Ricœur (1913-2005), um dos grandes filósofos e pensadores franceses do período que se seguiu à Segunda
Guerra Mundial.
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fácil.
deve ter um ato humano? Qual aspecto reflexivo deve ter uma ação ou
adequado ou não, foi bom ou não, onde vamos buscar esses padrões? Nós
riqueza extraordinária que o mito tem para a condição humana, como dizia
o Guilherme.
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FUNÇÃO HOJE?
Toda vida humana contém em si um mistério. Inacabados por
faz dos mitos hoje e para que essa ferramenta é e pode ser empregada
no contexto atual.
no colo e lhes contavam histórias. E ele também diz que criança é tão
magnífica que, quando lhe é narrado que “Então ele foi e abriu a porta”, [a
5 Gilbert Keith Chesterton, (1874-1936), mais conhecido como G. K. Chesterton, foi um escritor, poeta, filósofo, dra-
maturgo, jornalista, palestrante, teólogo, biógrafo, literário e crítico de arte inglês.
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criança realmente se impressiona]; ao passo que, para o adulto, é apenas a
da criança que ela imagina possibilidades mil. Com relação a isso, Bruno
um final feliz. No fim, a personagem não pode morrer, ela tem de estar
marcas das cicatrizes nas costas, nádegas e pernas sinalizam que aqueles
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quatro aspectos centrais (o que é refutado por muitas historiografias da
Você pode ser ateu, do movimento Hare Krishna ou o que quiser, mas a
se fala besteira, não interessa, aquele é o modelo elegido para ser imitado.
por agentes estrangeiros, ou por invasões, ou por uma cultura que entra
lemos “Chapeuzinho Vermelho”, notamos que não é o que a nossa avó leu
mesma, mas a lição é outra. É uma menina que estava saindo da condição
9 Irmãos Grimm, Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859), ambos acadêmicos, linguistas, poetas e escritores
alemães, dedicaram-se ao registro de várias fábulas infantis.
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de criança e entrando na de adulta; e o lobo tem um papel fundamental
porque ele é o próprio falo. Nos Irmãos Grimm é tudo muito maquiado.
E é assim, não porque eles foram sacanas, mas porque talvez a estrutura
redor das fogueiras. Do meu ponto de vista, há, sim, uma desfiguração
daquilo que foi, para o bem e para o mal. Mas lá trás ainda existe esse
qual ainda não conseguimos respostas satisfatórias. Não é que o mito dará
essas respostas; ele não o faz, ele não traz respostas definitivas. O que ele de
imagem que tem de si, a imagem que constrói para ser reconhecido como
tal. E esse ser humano que o faz, passa a ter como direção mais forte do seu
isso nos traz uma série de desafios, porque nos apresenta um mundo
imagem pública; a ética vai se tornando mais forte em nós do que o mero
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esteticismo; o aspecto substantivo do nosso eu interior vai se tornando
sociabilidade natural, embora não perca força, vai deixando de ter aquele
somos seres de relação. São Tomás10, na sua Suma Teológica, diz “O ser
que projeto de mim mesmo, o eu que quero ser; não o eu que estou sendo
agora, e sim é o eu que almejo ser. E esse modelo humano que projeto é
mecânica”; ou seja, o mito impõe uma sociedade fechada com uma liturgia
10 São Tomás de Aquino (1225-1274), frade católico italiano da Ordem dos Pregadores (dominicano) cujas obras
tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, principalmente na tradição conhecida como Escolástica. Con-
hecido como Doctor Angelicus, Doctor Communis e Doctor Universalis.
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desempenha uma função de penalizar aqueles que saem da liturgia social
mas não menos profundo ––, percebemos que o mito vai desempenhar uma
função mais significativa na vida do ser humano, que tem uma relação direta
está aberto à ordem das coisas e à realidade. O mito, portanto, nos traz a
significa o outro).
malum qui patitur, idem post patitur bonum” (“não se alcança o bem sem
espírito. E isso tem uma importância crucial na história das civilizações. Por
11 Tito Mácio Plauto (230 a.C. - 180 a.C.), dramaturgo romano, que viveu durante o período republicano. As 21 peças
suas que se preservaram até os dias atuais datam do período entre os anos de 205 a.C. e 184 a.C. Seus trabalhos
inspiraram muitos escritores, tais como Shakespeare, Molière e outros.
12 David Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo francês.
Formalmente, tornou a sociologia uma ciência e é comumente citado como o principal arquiteto da ciência social
moderna e pai da sociologia.
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a liturgia social não desempenhava apenas uma função estruturante,
razão. Esse contraste, do meu ponto de vista, é muito mais uma classificação
decifrar esse mistério, ainda que não o toque. Se lermos um diálogo como
Timeu de Platão14, vamos ver esse esforço o tempo todo. Platão está tentando
que aparece como uma espécie de verbo, de logos divino, ainda que não seja
o deus que dispõe ordenadamente todas as coisas. Ou seja, na perspectiva
platônica, nós observamos sempre essa alternativa de dar o salto para além
pessoa real.
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O SÍMBOLO E A UNIDADE
Na história, não são poucos os povos que, partilhando o mesmo
comunidades.
LUCAS FERRUGEM: Os símbolos parecem ter uma certa unidade que não
antigos ou até alguns que aparecem por aí. E o Marcus colocou muitas vezes o
eu lembro de alguns mitos que usaram essa relação social com símbolos
Reich: usando uma suástica, todos se acham unidos como seres humanos
de relação. De onde sai historicamente essa força do símbolo que une para
todos os sentidos? Não é necessariamente mau ou ruim, mas ele tem esse
tem a ver com sua pergunta anterior, e eu queria costurar esses dois com
as questões do Marcus.
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Quanto à questão de alteridade nas civilizações antigas, na
então é a própria ideia arquetípica dos deuses que são os modelos para
da civilização do Egito Antigo, isso é claro. Então é o faraó quem vai começar
humanidade como se fosse uma célula, veremos que sai o padrão dos
deuses e entra o padrão dos deuses com o homem. Esse homem de carne
ainda continua sendo com resquícios da ideia meta. Quais são os padrões
continua sendo Nike. Basta ver a maçã mordida para saber que é Apple.
16 Jean Chevalier (1906–1993), escritor, filósofo e teólogo francês, mais conhecido pela sua co-autoria do Di-
cionário de Símbolos, uma obra enciclopédica de antropologia cultural, co-escrita com o poeta francês e explo-
rador amazônico Alain Gheerbrant, dedicada ao simbolismo dos mitos, sonhos, hábitos, gestos, formas, figuras,
cores e números encontrados na mitologia e no folclore.
17 Alain Gheerbrant (1920-2013) foi um escritor, editor, poeta e explorador francês, conhecido pela sua expedição
dentro das bacias dos rios da Amazônia.
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cada eu que, somados, formam uma determinada civilização. É muito
Antigo vai rezar para a deusa tal para a sua esposa ter um parto bom, para
em várias situações.
é o Verbo que se faz em ação, que se faz carne. Essa é a ideia interessante,
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que se fez”, é numa das três pessoas do próprio Deus, que é o homem-
Cristo. Não temos mais uma ideia abstrata dos deuses, como colocada
muitas vezes pelo judaísmo; agora o Deus é uma figura que andou pela
Terra.
que vem e se funda aquilo que Chesterton diz em A Esfera e a Cruz: “Eu
sou o que está em cima, o que está embaixo e em todos os lados”. Pode ser
pueril em uma análise dessas porque a nossa ideia é fazer uma introdução,
dentro da própria organização com novas ideias, com novas formas. A razão,
ver essa dimensão do trinitário na história, tomando por base aquilo que
18 Sócrates (c. 469 a.C.-399 a.C.), filósofo ateniense do período clássico da Grécia Antiga.
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ativa) e uma razão teórica, ou apodítica (inteligência contemplativa); e
Nilo. Ele foi base das civilizações que o circundaram e que, através de certas
a origem das civilizações humanas, vemos que uma das suas origens
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estabelece a intermediação entre esses dois mundos, que é exatamente o
seja, como podemos dizer coisas a respeito daquilo que não podemos
ver, nem sentir, nem tocar. Isso foi fundamental para as civilizações.
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civilização e criar no âmbito da vida social deveres, responsabilidades,
algo decisivo.
dos livros da Bíblia, mostrando que elas estão em consonância com cada
19 Herman Northrop Frye (1912-1991), crítico literário canadense, um dos mais célebres do século XX.
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lhe cala, que faz eco internamente. Muito tempo atrás eu sonhei com uma
voz que me dizia para ler o Livro de Rute. Eu li e não entendi nada do que
aquela história queria me dizer. Até hoje estou investigando. Algumas coisas
que o livro está querendo me dizer eu já sei. Não é uma questão espiritual,
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ideia de que o mito serve para dar ordem à sociedade, e a qualidade dessa
estamos juntos, vivemos a mesma vida porque, no fim das contas, são
aquilo que para mim é um mistério, é um algo que eu não consigo alcançar;
por outro, me traz o dever de me valer daquilo que a razão pode me fornecer
linguagem que não tem mero caráter privado, ela é pública no sentido
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de que é compartilhada por todos os seres humanos —, e que ao mesmo
situação. Tem de ser uma linguagem que traga ao ser humano uma série
não pela genealogia mítica, não pela ordenação de todas as coisas como um
tempo tem uma origem divina e uma origem eterna, é algo que inquietou
as relações dela com Jasão e a sentir que aquilo tem muito a ver com nossa
Eurípedes não está expondo algo que será sedutor apenas para o teatro
coisas inesperadas, é algo que faz parte do próprio mito. O mito é como um
enigma: à medida que você tenta se aproximar dele e faz um esforço para
21 Eurípides (ca. 480 a.C.-406 a.C.), poeta trágico grego, do século V a.C., o mais jovem dos três grandes expoentes
da tragédia grega clássica.
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decifrá-lo, ele o devora e apresenta um novo mistério ainda mais distante
de você.
é algo que, no mito, sempre vai adquirir uma via de perene busca de
sentido, algo que nunca vamos decifrar de cheio, de pronto. Essa tarefa de
buscar decifrar absolutamente o mito e dizer porque Platão quis dizer aquilo
como transcendentais — aqui unidos no ser ––, mas o faz mostrando certos
absoluto.
22 Públio Ovídio Naso (43 a.C.-18 d.C.), poeta romano mais conhecido como o autor de Heroides, Amores, e Ars
Amatoria, três grandes coleções de poesia erótica, Metamorfoses, um poema hexâmetro mitológico, Fastos, sobre
o calendário romano, e Tristia e Epistulae ex Ponto, duas coletâneas de poemas escritos no exílio, no mar Negro.
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perceber claramente um esforço por mostrar coisas inefáveis mediante
entre o eu ideal e o eu real, que é onde está a virtude. Por isso os deuses e
para mostrar que existem ações que são impossíveis para os seres
humanos e outras que são possíveis; e aquelas que são possíveis exigem
que muitas vezes não depende do próprio ser humano. Aquiles não teria
feito o que fez se não tivesse sido mergulhado no rio, dando-lhe a graça de
ser forte. Porém, isso é demonstração fidedigna de que ali está a natureza
como um herói. Um herói não é perfeito, ele busca ser virtuoso, embora por
acessíveis aos seres humanos e coisas que não são possíveis. Aliás, essa
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nossa incapacidade de ir além das nossas próprias capacidades e da nossa
própria condição.
nos faz humanos, a gravidade nos coloca no chão. Isso é uma maravilha,
mas também é uma dor porque, por um lado, não estamos flutuando, e, por
outro, não estamos a bel prazer do vento. Viver é denso, e essa linguagem
modelo. Por quê? Segundo Santo Agostinho24, Deus é mais íntimo do que
nós a nós mesmos, então não temos como conhecer o mais íntimo de nós
mesmos, aquele “eu” lá dentro, como diz Ortega Y Gasset, mas é o caminho
Eu acho que isso é uma das lições mais lindas. Não é o objetivo final apenas
pleno. Talvez a pergunta seja outra. Será que a plenitude não está justamente
padrões civilizacionais está claro isso? Essa tensão no ar, esse eu vou ler
23 José Ortega y Gasset (1883-1955) foi um ensaísta, jornalista e ativista político. Destacou-se por fundar a Escola
de Madrid.
24 Aurélio Agostinho de Hipona (354-430), um dos mais importantes teólogos e filósofos nos primeiros séculos do
cristianismo,[3] cujas obras influenciaram o desenvolvimento do cristianismo e filosofia ocidental. Suas obras-pri-
mas são A Cidade de Deus e Confissões.
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mais, vou estudar mais, vou debater mais ou vou me interiorizar mais, isso
nunca tem resposta; então não é pleno, delicioso, tipo “agora, sim, agora
gênese feita pelos gregos, por meio dos diálogos e dos livros de Aristóteles,
é tão maravilhosa que faz com que a razão, a nossa inteligência, pense. Se
você pega pessoas que não estão nem aí ou nunca ouviram falar, pessoas
de outras eras ou mais simples, aquela coisa pululante, aquele algo não
Não posso responder por sociedades mais arcaicas, pelo fato de termos
pouquíssimas fontes, mas esses são padrões que muitas vezes se repetem.
mundo que está incerto, que está abandonado por “n” razões depois da
fim seja mais uma âncora do que uma boia — que mostre para ele um
pessoas que estão mais em contato com esses tipos de mito, estão mais
ser o prazer puro, esta é busca: é o meu carro melhor etc. Perdeu-se essa
pujança de que você nunca estará pronto e completo, ou seja, de que você
pode ser Aquiles, mas o seu calcanhar está lá: se alguém atirar uma flecha,
por que cargas d’água se perde eu não sei. Temos acesso a essa linguagem
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organizações do homem sendo o lobo do próprio homem, esse “caos” de
acalanto a esse caos social — são uma alteração total. Mas é uma alteração
dentro do padrão que já existe desse arquétipo. Que é colocado dentro das
medida de todas as coisas –– como diz Protágoras25 ––, qual é o homem que
25 Protágoras (c. 490 a.C. - c. 415 a.C.), sofista da Grécia Antiga, célebre por cunhar a frase:
“O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não
são.”
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A LINGUAGEM E
Por isso, para nós, raça e geografia ocupam uma posição menor
Peterson26 sobre a Bíblia, em que ele diz, logo no início, uma frase que nunca
queremos coisas que são comuns, conhecemos coisas que são comuns,
leva a sondar algo mais profundo. O que nos define como seres humanos?
26 Jordan Bernt Peterson (1962), um psicólogo clínico canadense e professor de psicologia da Universidade de
Toronto. Autor de Mapas do Significado: A Arquitetura da Crença, e 12 Regras para a Vida: Um antídoto para o
caos.
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nossa? O que diferencia é que o ser humano em comparação com os
objetos.
Quando digo a palavra mito, todos nós temos uma ideia do que é.
Embora a ideia possa variar, existe algo que é compartilhado, que começa
é capaz de fazer isto. E é aqui que está o ponto. Assim como a linguagem
é a expressão do logos — e até sob alguns aspectos linguagem é uma
tradução possível da palavra logos, embora não seja a melhor —, isso nos
traz uma resposta mais profunda: somente nós humanos somos capazes de
os mitos, a relação dos sons e dos termos com o significado se torna uma
tarefa muito difícil, porque essa articulação dos termos e das expressões,
com o significado vai exigir uma pedagogia que começa numa educação
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correspondência, perscrutar os significados por trás das narrativas míticas
mito pela primeira vez não tem nenhum processo formativo anterior.
Pois é justamente por ter esse processo pedagógico na sua tenra idade,
imagem ao conceito é muito mais fácil. Vejam como esse acesso também
pessoas que têm vida literária desde o início têm uma propensão maior
aquelas que não têm vida literária. Uma pessoa que não têm o costume da
mantém o mistério e, por isso, suscita naquele que está aprendendo uma
Por exemplo, esses dias eu estava lendo para meu filho uma passagem
mítica importante em que Ares foi enviado por Zeus para perseguir os
gigantes que queriam matá-lo, e Ares é preso por esses gigantes. Então
Zeus manda seu outro filho, Hermes, o deus dos pés alados, para buscar
o irmão. Veja que toda essa trajetória é quase uma saga: um herói dotado
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de muito poder (que é Ares, deus da guerra) perde para os dois gigantes
a derrota para dois gigantes que não têm natureza divina. O meu filho de
cinco anos obviamente não fez essas perguntas, ele absorveu tudo sem o
crivo do juízo. Por que eu estou contando isso? Obviamente como pai, por
amar meu filho, quero que ele alargue o seu horizonte de imaginação ao
máximo, mas eu não posso suscitar todas essas questões porque o crivo do
de tudo, porque sem a linguagem não há vida humana. O que nos define
que o ser humano é o zoon politikom, o animal político. Por que nós somos
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ser humano: o instinto de territorialidade, a dimensão geográfica dos
para que eu saia de mim, e é isso o que de alguma forma define o que
si”. Isto é o que significa cultura: sair da sua dimensão do salos, da vida
vegetal e vegetativa.
isto é uma língua científica. Dante nos diz que as maiores poesias da
história humana até aquele momento (o momento dele) — e por isso
ser humano como um ser que tem três dimensões: salos, de onde vem
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uma linguagem universal suficientemente capaz de mostrar que essas
vida humana como um todo. E creio que, do ponto de vista histórico, isso é
decisivo porque uma história analisada a partir das suas estruturas, das suas
instituições, que não reconhece esse pano de fundo, esse background por
Alemanha a partir dos anos de 1860-1871, uma das funções centrais dessa
unicidade nacionalista era a língua. A língua escolhida para dar unidade aos
respondeu: “Idade Média é uma coisa que aconteceu muito tempo atrás”.
é outra. Por onde você inicia? Qual é a imagética? Chesterton diz que
31 Clive Staples Lewis, (1898-1963), professor universitário, escritor, romancista, poeta, crítico literário, ensaísta e
teólogo irlandês.
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“Literatura é luxo, ficção é urgência”, ou seja, você sai do centro da análise do
dia a dia. Nos seus romances policiais, ele cria um padre como um grande
pois ele é humano, ele faz parte do mesmo gênero. Alguém disse que nós
mais dei aula para o Fundamental II e Ensino Médio. Nesse texto, ele faz a
linguagem são flechas, a palavra vai e não volta. Então como você educa?
do meio: o zoon politikom, o homem é um ser político, ou, como diz Freud
32
no livro Moisés e o Monoteísmo, “Moisés só se sentiu judeu na presença de
é recheada disso. Você precisa do ser que está na sua frente para se
dizia que o inferno era o outro. Ele pode ser o inferno, mas ele pode ser sua
salvação também. Inferno por quê? Sartre é tão ruim que todo mundo é o
Essa ideia da linguagem que o outro também lhe mostra para você
32 Sigmund Schlomo Freud (1856-1939) foi um médico neurologista e psiquiatra criador da Psicanálise.
33 Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905-1980), filósofo, escritor e crítico francês, conhecido como representante
do Existencialismo.
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os ensinos iniciais (Fundamental I e II até o dito nono ano), porque você quer
de burguesia. Como você vai falar a esses alunos numa linguagem formal se
o bê-á-bá não tem? Não foi ensinado aos poucos ao Dudu a ideia de tempo,
porque ele devora tudo, como o tempo; ou que a deusa negra dos indianos,
Kali Yuga, que também representa o tempo, a tudo devora. Se você tem
uma dessas réguas. Não quero transformar a história aqui em uma linha
posiciona, e ali ele sabe a sua biografia, o seu contexto histórico. “Eu sou
tudo, ele vai devorá-lo também. E é aquilo dito pelo Marcus anteriormente
sobre essa dualidade do homem de entender que a vida não está pronta
e de que, nos termos de Ortega Y Gasset, a vida lhe foi dada, mas não foi
dada pronta, é você que coloca elementos à sua escolha. Essa ideia de
mito-poética — literal ou ficcional, seja qual for o lado para onde a gente
circunstância, como você vai lidar com essas angústias? Você vai ser um
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mero ator nos palcos da ilusão da vida.
O que lhe traz essas linguagens? Não precisa sair correndo e ler O
ser para essa análise das estruturas. Sem a linguagem não se faz essa
você vai pegar mais bala do que deve no baleiro da sua avó, e ela balança
ferramenta para isso. Insisto dizendo que é uma ferramenta porque ela está
Magno, depois dos anos 800 d.C., e os grandes temas das cavalarias, como
El Cid. Nas feiras medievais, as pessoas estão ávidas para escutar aqueles
trovadores, ouvir os feitos heroicos, porque a pessoa se vê naquilo lá. Outra
ele mostra todo ano a colheita, o plantio, o inverno, a primavera. Que cada
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aflora? Essa linguagem apenas formal é maravilhosa. Você lê Dostoiévski
você reconhece várias que moram no seu prédio. Isso é maravilhoso. Você
numa Pietà. A própria forma como Marat caído, pendente, é a própria Pietà.
Ele é o que? Foi o messias? Não, ele foi um herói, um arauto da revolução.
analisar.
algo ao qual às vezes nós, como educadores dentro de sala de aula, não nos
não é nem homem, nem anão, ele é uma meia porção; e nele é colocada a
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ideia da graça cristã. A graça é graça, bate onde tem de bater. E isso se
perde dentro das estruturas educacionais. E eu não sei nem se estou errado
em dizer “se perde” porque eu não sei nem se um dia existiu, mas essa ideia
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O HOMEM-MASSSA,
“Mito: Entre a ficção e a realidade”. Para aqueles que ainda não assistiram ao
nós estamos fazendo um especial fechado sobre esse assunto caro a todos
devem ser seguidos e aqueles que devem ser rejeitados. Por precisar
quando dominada, pode ser usada como ferramenta para nos privar do
identidade.
chegar aqui e disser: “Olá! Boa noite! Sou médico”, o Marcus vai dizer: “Não,
não é médico”, então direi: “Ah é, isso eu não posso dizer”. Isso me faz pensar
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a um grupo, uma elite, uma minoria, tinham a sua linguagem e códigos
da sociedade absorve.
nós acreditamos que elas têm origem na época de Carlos Magno38 — que foi
de etiqueta tem seu início tão somente com o Leonardo da Vinci39, foi ele
códigos à mesa foi absorvida por essa elite como um padrão de afastamento
da linguagem do povo — que até certo ponto era a mesma. A conformação
tentar copiar. Antes da invenção das regras de etiqueta não há esse padrão
padrão de conduta.
dessas várias análises da história”, eu não faria uso dessa ideia para
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erro em utilizar alguns pensadores e colocá-los como um grande modelo
século XX, surge a Psicanálise de Freud41 para sondar um aspecto a que nós
afinal, quem vai usar guardanapo, se a própria elite antes desse manual do
somente um contraponto que, por sua vez, para nós é apenas normal.
Sol; Versalhes está distante de Paris cerca de 20 km, os nobres querem estar
— hoje vive a nobreza, mas antes não. Em Paris, a população pobre estava
em Marais (lê-se Marré), que originou aquela canção: “eu sou pobre, pobre,
41 Sigmund Schlomo Freud (1856-1939) foi um médico neurologista e psiquiatra criador da Psicanálise.
42 Luís XIV nasceu em 5 de setembro de 1638 e morreu em 1º de setembro de 1715. Foi rei da França e Navarra e
promoveu uma grande centralização dos poderes sobre si, tanto que ficou conhecido como “o Grande” e também
como “Rei Sol”.
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nos livros A Sociedade de Corte e O Processo Civilizador de Norbert Elias43;
havia trabalho. Bakhtin está nesse momento do XIX, aquilo que o Richard
todos, então esse homem europeu volta a estar muito mais próximo da elite
e, assim, consegue copiar muito melhor e mais rápido aquilo que ela fazia.
Ortega, o Mircea? Será que isso não faz parte da própria concepção do eu?
falando, quem diz? O século XIX é o grande boom, faz com que se perca um
que ele fala desse homem feito às pressas, carente de um eu, se ele é
carente de um eu, é carente de um eu dele, mas algum eu ele terá, que é
43 Norbert Elias (1897-1990) foi um sociólogo alemão de origem judaica, tanto que teve de fugir da Alemanha
nazista exilando-se na França e posteriormente na Inglaterra.
44 Richard Sennett (1943) é um sociólogo, professor, romancista, músico e historiador norte-americano.
45 Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981) foi um psicanalista francês.
46 Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) foi um educador, intelectual, filósofo e teórico da comunicação
canadense, conhecido por vislumbrar a internet quase trinta anos antes de ser inventada.
47 José Ortega y Gasset (1883-1955) foi um ensaísta, jornalista e ativista político. Destacou-se por fundar a Escola
de Madrid.
48 Luc Ferry, nasceu em 1951, e é um filósofo francês, professor de filosofia e político.
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Mundial, morrem pela família, e o hoje, o homem morrerá pelo quê? Qual é
tomar o seu lugar: esse homem não conhece a sua voz, então a voz dele
Orgulho, onde ela coloca que mais da metade dos soldados no início da
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Todos aqueles valores nacionais são diminuídos porque está presente
germânica, não interessa, existe uma coisa só, o espírito natalino do qual
todos participam.
Existem dois casos que eu sempre adoro citar nesse ponto: um mata
Deus, que é Nietzsche51 e um vira uma barata, que é Kafka52; Deus morreu
para Nietzsche, dentro de toda essa agonia que ele viu acabou Deus, é
50 Carl Emil Schorske (1915-2015) foi um historiador da cultura americana e professor emérito da Universidade de
Princeton.
51 Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) foi um filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano.
52 Franz Kafka (1883-1924) foi autor de romances e contos, considerado pelos críticos como um dos escritores
mais influentes do século XX.
53 O Império Napoleônico findou e novembro de 1815, após a derrota do exército francês na Batalha de Waterloo.
54 Revolução de 1830 é o nome dado na historiografia europeia ao conjunto de movimentos revolucionários que
abalaram o continente europeu no início da década de 1830. Na França este movimento depôs o Rei Carlos X e pôs
no lugar Luís Philippe de Orléans.
55 Dá-se o nome de Revoluções de 1848 ou Primavera dos Povos à série de revoluções que aconteceram na
Europa nesse período. Na França, o Rei Luís Philippe de Orléans foi deposto em 1848, para logo em dezembro do
mesmo ano Napoleão III ser eleito presidente da Segunda República.
56 Foi o primeiro governo operário da história que durou aproximadamente 70 dias por ocasião da resistência
popular ante a invasão da Prússia.
57 Nicolau II (1868-1918), nascido Nicolái Alieksándrovich Románov, foi o último Imperador da Rússia, Rei da
Polônia e Grão-Duque da Finlândia até que foi deposto na Revolução Russa em 1918.
55
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Inglaterra e Alemanha. O sangue do povo russo, não apenas derramado
pela Manchúria, mas por inúmeras razões; Romanov tinha uma frase que
esse povo massacrado não estava nem aí para esses escritos políticos, o livro
detalha como é a vida de um casal londrino nesse final de século XIX: eles
trabalham 17 horas por dia, ganham treze centavos por hora para manter
massa é mostrada, por isso que Freud e Ortega tratam disso, porque é
58 Karl Marx (1818-1883) foi um filósofo, historiador, economista, jornalista e revolucionário socialista. Dentre a sua
produção, destacam-se O Manifesto Comunista e O Capital, que tiveram grande influência no desenvolvimento
do movimento comunista e seus desdobramentos posteriores como a Revolução Russa (1917) e a Revolução Co-
munista Chinesa (1949).
59 Friederich Engels (1820-1895) foi um empresário industrial e teórico revolucionário que, junto de Marx, fundou
o socialismo científico. Contribuiu para O Manifesto Comunista como coautor e ajudou na publicação dos dois
últimos volumes de O Capital.
60 François Marie Charles Fourier (1772-1837) foi um filósofo e um pensador pioneiro, um dos fundadores do so-
cialismo utópico.
61 Claude-Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon, (1760-1825) foi um filósofo e economista francês, um dos
fundadores do socialismo utópico. Diferentemente das concepções usuais de seus colegas, Saint-Simon dizia que
todas as pessoas envolvidas no trabalho produtivo, gerente, cientistas, banqueiros, para além dos trabalhadores
manuais, faziam parte da classe trabalhadora.
62 Robert Owen (1771-1858) foi um reformista social galês e é considerado como um dos fundadores do cooper-
ativismo e do socialismo.
63 Victor-Marie Hugo (1802-1885) foi um romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista.
64 Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821-1881) foi um escritor, filósofo e jornalista, autor de romances de grande
importância para a literatura mundial.
65 Émile Zola (1840-1902), escritor francês bastante conhecido. Para escrever o romance Germinal, passou dois
meses vivendo como mineiro para sentir na carne aquilo que buscava retratar.
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um fenômeno novo. Hegel66 tem a acrescentar uma frase maravilhosa: “As
massas avançam”.
66 Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo germânico, destacou-se pela sua obra chamada
Fenomenologia do Espírito.
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PA RT E 7
O HOMEM E
AS ESTRUTURAS SIMBÓLICAS
“Adolf Eichmann, filho de Karl Adolf Eichmann, aquele homem
“Aqueles que hoje diziam que Eichmann poderia ter agido de outro
coisas. Ele não queria ser um daqueles que agora fingiam que ‘tinham
fazer o que lhes ordenavam. Porém, o tempo muda, e ele […] chegara a
conclusões diferentes67’.”.
profundo. Bauman68 tem uma provocação da qual fala que nossa era é
uma fina camada de gelo prestes a romper, porque o homem não tem
significado mais. Como você vê, Marcus, o mito e a linguagem dando esse
fundamento para toda a vida através das histórias? Dostoiévski, Victor Hugo
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O primeiro deles é a constatação descritiva e analítica do modo como
ser humano — esse é o primeiro ponto que eu observo; deste ponto, salto
motivo pelo qual ele fazia isso, não soube responder, porque a resposta era
ele não via outra saída a não ser aquela da letra da lei, ela impunha a
A Economia das Trocas Simbólicas, onde o ele nos traz uma série de
indagações e uma delas é esta: que tipo de estrutura nos permite uma
abertura, uma fresta na “janela”, que nos dê condição de ver fora? Como
olhar para além desse mundo de relações artificiais onde nós estamos não
69 Hannah Arendt (1906-1975) nascida Johanna Arendt, foi uma filósofa política alemã de origem judaica.
70 Pierre Félix Bordieu (1930-2002) foi um sociólogo francês.
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só presos, mas pior, tornamos esse mundo no mundo no qual nos tornamos
absorvesse esses padrões na minha forma de vida e não fosse mais capaz
na qual eu estou. Marx, por exemplo, no Capital, nos traz uma chave para
que é mais grave, a questão da Nação, o modo como a Nação vai ou não
transcendência possível para uma forma de vida que está presa dentro
como é possível o ser humano produzir uma forma de vida mais excelente,
humanos que aí estão uma chave que lhes permita transcender a sua
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própria vida, é impossível pensar algo fora das estruturas naturalmente
todo repertório possível de significação que pode ser extraído dele mesmo.
sentido. Vamos pegar um exemplo para ver isso claramente; por exemplo,
alguém que está encerrado em uma indústria 17 horas por dia, e que vai
tentar entender o sentido da sua vida a partir dos objetos que são produzidos
naquele rito industrial. É claro que nós podemos contar com um monte de
sociedade da qual Bauman nos fala, a sociedade líquida que pauta todo
62
E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
perante o enigma.
politicamente correto; você lida com códigos simbólicos que são imperiosos
das emoções para analisar a questão da estrutura simbólica que lhe impõe
esses comportamentos.
aspecto, uma norma, uma lei, ele nos traz a perspectiva da coerção, nós
alguém que pelo seu trabalho se objetiva nas coisas. Marx diz no Capital
transcende, que não se reduz apenas a ela mesma, mas se articula nessa
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
forma muito sutil, mas muito importante de se verificar: nessa relação
traz uma série de normas e códigos sociais subjacentes que não são
vida que coincidem com essas estruturas simbólicas, fazendo com que elas
a esse novo cenário, onde nós vamos percebendo que o aumento dessas
a história e a meta-história.
71 Carl Schmitt (1888-1985) foi um jurista, filósofo, político e professor universitário alemão.
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secularização completa das categorias espirituais no tempo na história, é
ainda têm o poder que tinham. E aqui nós temos uma pergunta um tanto
como, mais do que isso, tenham se valido desses poderes tradicionais para
e sob certo aspecto até sedutora, porque cria uma estabilidade artificial,
nós transitássemos para um mundo novo, mas que no fundo esse admirável
mundo novo nada mais é do que uma manifestação dentro de nós mesmos,
nós vivemos.
não podem prescindir dos mitos; faço-me entender: elas não podem
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
relações humanas da sociedade, os dilemas psicológicos que são elevados
a um grau de normalidade cada vez maior, sem que no fundo não exista
muitas pessoas que não conseguem ficar sem ir ao shopping dia sim e dia
não; isso é apenas um exemplo, mas acontece porque a pessoa, na sua forma
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PA RTE 8
A LITERATURA
E O REFLEXO DO HOMEM
Há um limite para a transcendência que um homem pode alcançar.
que nos restam para, com nossos próprios entraves, conseguirmos fazer
nos fala serve como uma marreta na nossa consciência para a busca da
não com os nossos, quando falamos dos mitos, das políticas, das histórias e
dizer que para ele naquele tempo tudo era tudo normal.
GUILHERME ALMEIDA: Não vou ser taxativo, mas é quase impossível no
contexto histórico? Você tem de analisar com amplitude para tentar entender
diga: como? Porque desde a hora que você elege o objeto a ser estudado,
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
então, no caso de uma análise de tempos passados. Eu acho extremamente
complicado.
para ir para a igreja, porque a vida dele é aquele objeto mesmo do trabalho
desse governante, esse rei que vai tomar o controle da França depois que o
Luís XVI e depois o seu outro irmão Carlos X, mas eles jamais conseguirão
momento em que eles acabarão com isso, e qual é o símbolo que eles
72 Jean Bodin nasceu em 1530 e morreu em 1596. Foi um teórico político, jurista francês, membro do Parlamento
de Paris e professor de Direito em Toulouse.
73 Robert Darnton (1939) é um historiador cultural e bibliotecário estadunidense.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
famílias ricas, principalmente uma gata odiada que era a Madame Mimi,
histórica, mas para uma análise filosófica isso é um prato cheio: se você
trabalhava dezessete horas por dia, mas depois apenas oito horas,
vem de “dadá”: a criança que não sabe o que fala, não sabe o que é a arte.
momento tinha de ser? Qual é a outra instalação que Duchamp faz? Uma
pá de neve.
74 Ned Luddé uma pessoa cujo nome foi utilizado pelo movimento ludista que atuou principalmente na Inglat-
erra por volta de 1810.
75 Marcel Duchamp (1887-1968) foi um pintor, escultor, poeta e precursor do movimento Dadaísta.
76 Roger Vernon Scruton (1944-2020) foi um filósofo e escritor inglês.
77 Diego Rodriguez de Sailva y Velázquez (1599-1660) foi um pintor espanhol, principal artista da corte do Rei
Filipe IV.
70
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pá não tem que ver com um instrumento do início da Primeira Guerra
Mundial?”, há uma frase de um general francês que diz: “Eu nunca vi uma
guerra em que uma pá tem mais poder do que uma espingarda” (por causa
das trincheiras). Isso plantado, o século XIX muito sentido por Nietzsche e
Essa ideia que hoje em dia sentimos nos movimentos, por exemplo,
um lugar fértil para essa loucura que veio a ser o Nazismo; a mesma coisa
entender isso; já que o ser humano é uma massa, ela será moldada
conforme o império de alguém, não com símbolos que a sociedade não
enxerga, mas com aqueles que alguém enxerga. Por exemplo, Salvador
Dalí82 produz muitas obras entre 1928 e 1931, os quadros desse período
78 Adolf Hitler (1889-1945) foi um político alemão líder do Partido Nazista (Nationalsozialistische Deustsche
Arbeiterpartei, em português, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães) responsável pela Segunda
Guerra Mundial.
79 Benito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945) foi quem liderou o Partido Nacional Fascista e a Itália durante a
Segunda Guerra Mundial.
80 Francisco Franco Bahamonde (1892-1975) foi um militar e chefe de estado espanhol.
81 António de Oliveira Salazar (1889-1970) foi um estadista nacionalista português e governou Portugal desde 5 de
julho 1932 até 27 de setembro de 1968.
82 Salvador Dalí i Domènech de Púbol, 1º Marquês de Dalí Púbol, (1904-1989) foi um importante pintor espanhol
da escola Surrealista. Seu posicionamento político comentado mais à frente conta com o período da juventude
em que abraçou o anarquismo e o comunismo, e o período maduro, no qual declara ser anarquista e monarquista.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
Masturbador, não só o mundo, mas ele mesmo estava impotente, porque o
aquela força do que era com Monet, Manet, Degas, e agora novas estruturas
aconchego e que fazem com que você não pense no seu eu distorcido,
quando surge aquela famosa frase “o homem só será livre quando o último
rei for enforcado nas tripas do último padre” (de autoria duvidosa, pode ser
83 Otto Eduard Leopold von Bismarck-Schönhausen (1815-1898) foi um nobre, diplomata e político prussiano.
84 Guilherme II (1859-1941) foi o últio imperador alemão e Rei da Prússia de 1888 até a sua abdicação em 1918, no
final da Primeira Guerra Mundial.
85 Victor Klemperer (1881-1960) foi um professor universitário de filologia românica perseguido pelo regime na-
zista.
86 John Locke (1632-1704) foi um filósofo inglês conhecido como o pai do liberalismo.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
e religiosamente livre, mas quem controla essa liberdade?
com um poder limitado por um símbolo que foi criado em 1215 com a Carta
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
no fundo, eram manifestações do “amor pela Humanidade e ódio pelo
desse projeto foi acompanhado por quatro autores que o levaram às últimas
histórico e o histórico.
pensador tenha exposto isso de maneira tão cristalina e poética, até mesmo
em fazer com que o ser humano se torne um indivíduo, para então surgir
um sujeito.
códigos cognitivos, e eu passo a ter uma vida que não é minha, mas do
outro, do modelo mimético que não é meu, mas serve para ser imitado.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
como aspectos correspondentes aos problemas da subconsciência e
A morte, que era tomada como uma condição de passagem para uma
vida posterior e ulterior, agora passa a ser tomada como um fim definitivo,
90 Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905-1980) foi um filósofo, escritor e crítico francês.
91 Axel Honneth (1949) é um filósofo, sociólogo e diretor do Instituto para Pesquisa Social da Universidade de
Frankfurt, de onde surgiu a Escola de Frankfurt.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
qual o ser humano bruto, em contato profundo com a sua natureza, passa a
para uma visão reducionista da natureza humana, que ignora esse aspecto
falado aqui, porque ela vai escancarar, em última análise, o que está no
para determinar-se nas coisas que cria e produz, o morrer para si mesmo
que era tomado como falácia e sofisma passa a ser empregado na vida
capazes de verificar que por trás desse discurso falacioso, há sempre uma
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
para colocar a meta-história dentro da própria história, e esse processo
nós vamos confiar no espaço que existe atrás dessa narrativa. Agora nós
nossos dados sem que nós tenhamos nenhum poder decisório sobre essa
simbólicas.
por exemplo, ele escreveu esse grande clássico chamado Soumission, mas
há também outras obras importantes dele como Seratonin, onde ele mostra
humana?
92 Michel Houellebecq, nascido Michel Thomas (1958) é um escritor francês, ficcionista, poeta e ensaísta.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
humano que saindo de si, desse processo totalizando de imersão em uma
não só nos mitos e nas narrativas literárias, mas mais do que isso, é capaz
eu que você falou que é um lugar que deveria ser de plenitude e liberdade;
por mais que você não aprofunde esse eu, você não vai lá dentro do labirinto
no século XX? O século XXI está indo pelo mesmo caminho, mas quantas
camadas dessas ilusões são colocadas para dentro? Qual é o esforço para
quando você não gosta daquilo que você é?”, só que é impossível não gostar
daquilo que você é, porque aquilo é você, mas, claro, pode não gostar da
ilusão que você está vendo. Quase como aquela velha frase: “Jesus te ama,
porque não vive com você”. O que vive comigo? A ilusão ou você mesmo? O
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
No entanto, o século XX é demasiado barulhento, cheio de grandes
etc. Agora pode tudo, mas tudo o quê? É complicado para esses novos
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
PA RTE 9
O MITO E A VERDADE
A verdade, ainda que não mencionada, sempre se faz presente.
oposto?”.
E, mais uma questão — talvez essa seja a melhor das questões, essa
94 Serguei Mikhailovitch Eisenstein (1898-1948) foi um dos mais importantes cineastas soviéticos.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
colocação, por exemplo, existe a verdade dos laboratórios, dos tribunais, da
religiosas.
lá.
as funções porque ele fez isso; só que existe um outro conceito muito
migramos para um outro campo que é o da causa final, o que nós queremos
com isso? Qual é o nosso objetivo, finalidade, a partir dessa verdade que foi
descoberta?
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
limitações no ser humano para que eles alcancem alguma coisa.
Há um contraponto, e ele pode ser dito, mas tudo o que se siga a respeito
deste será insuficiente para expressar aquilo que, de fato, um objeto requer
assim, talvez a única chave na qual nós possámos nos colocar, para daí
respectivamente.
do que soluções, porque no mundo das opiniões, nós lidamos com muitas
coisas que tendo até aquele momento uma descoberta científica, logo a
produzir algo que torne o ser humano imune. Mas imune ao quê?
digamos assim, que coincide com esse, mas que não se reduz a esse, pois
está no nível das estruturas simbólicas, que é o que nós podemos chamar
hoje em dia de fabricação de mitos. Que fique claro que eu não estou com
isso dizendo que o vírus não existe, ele existe mesmo e exige certos cuidados,
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
está dentro e fora da lei; novamente está presente o elemento coercitivo:
implica no mesmo conceito de verdade que nós vamos utilizar nas Ciências
coincide com a noção de verdade que naquela ciência é a noção mais alta,
científico. A questão toda é: como nós vamos saltar disso para o âmbito
dos mitos? Como as narrativas míticas podem nos ajudar a verificar essas
fake news, como um novo mito, que apresenta um mistério do qual nós não
84
E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
PA RTE 9
A ARTE E A VERDADE
Porta-voz de uma verdade ou expressão do estado de uma era, a
lugar da História Política? E por outro lado, por que só uma História Política?
Qual dentre eles será eleito como uma verdade para contar
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
determinado fato? Geralmente a minha tendência é cultura, com as ideias
absurda disso, só que ela não é complicada do ponto de vista dos fatos em
si.
temos obras de arte refletindo um certo grau daquilo que está pujante
na sociedade.
ela é uma grande mecenas e quer ser retratada naquela grande obra,
micro organização.
Lucas, você acha que — não vou fazer juízo de valor, é só uma pergunta
—, Romero Britto99 estaria pendurado na casa do Benjamin Franklin100?
têm um caderno com um ursinho e cores alegres para mostrar o quê? Que
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
forma? Qual a chave simbólica de interpretação? O quadro, simbolicamente,
no caso, essa arte plástica não me diz nada, mas me diz do grupo que
até essa que nós utilizamos — é justamente isso, o que ela diz da nossa
Faisal me mostrou a explicação sobre uma obra, na hora que eu olhei a obra
Scruton. Tudo bem, se a beleza importa nos termos dele, quem está hoje
resgatado pelos pintores que vão considerá-lo um grande mestre, alguns vão
dizer que ele foi um dos maiores pintores de todos os tempos e, dentro dos
falam: “Mas, como ele é o maior retratista se ele pinta as formas humanas
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
pinceladas, ele está analisando o seu dentro, essa imperfeição, essa coisa
MARCUS BOEIRA: A busca por sentido se coloca sempre nessa fusão entre
a tela e o ser humano, e essa fusão nos traz uma resposta muito premente,
está ali presente, mostra antes a passagem para algo inefável; é como se
uma foto, um contato de algo que está em movimento, e esse algo, o grau
que está ali retratado, é algo que vai depender desse encontro entre o
essa absorção do humano que se entrega para o outro que está nele, e é
esse eu no quadro.
eu serei capaz de ver a origem e o fim de uma maneira mais clara, essa é a
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
privilegia a impressão imagética da forma, ou, em outro caso, a perspectiva
na qual a explosão de luz ele não tinha acesso no seu dia a dia, aquele
ou alguma dessas que eu falei, sabe —, quando vemos a luz do Sol entrar
estamos em uma outra dimensão, ela joga a pessoa para outro lugar porque
é o sensível puro, e, no mundo pálido onde você não tem cor, porque você
o amarelo, o azul (que é um pouco mais barato), onde a vida é parda — hoje
perto, em si.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
PARTE 10
estudante, e não sei se vou parar de pensar nisso ainda, é que se você pega
poesia que eles fizeram sobre a nação deles, Stálin falando alguma coisa
do tipo: “Voa, Mãe Rússia, como você tem de ser...” e na de Hitler falando:
incrível que aquela bagagem cultural estava sendo formada lá trás: Stálin
sentido?
dólares.
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
União Soviética, onde essa situação também ocorre, nós podemos perceber
da cultura por símbolos artificiais, ela vai introjetando novos mitos que
vão, por sua vez, justificando certas medidas; por exemplo, temos o ideal
fabricado ficou latente nas Olímpiadas onde o Hitler usou a sua máquina
os demais, tudo isso está nos rudimentos da cultura, e eles vão como que
imaginação desse indivíduo, desse ser humano. Por isso mesmo, e apenas
novos, que vão sendo produzidos de modo artificial para sustentar uma
nos conflitos de visões que nós temos a respeito das nossas expectativas
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
mais pessimistas — com medidas artificiais que nós mesmos criamos, para
seres humanos uma antecipação da morte, que foi se tornando cada vez
— que não tem uma vantagem, porque, apesar das imensas vantagens do
pessimismo, como já dizia o próprio Roger Scruton — por outro lado, cria
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
outro mito fundador e assim por diante; por exemplo, os Estados Unidos
que acontece com este? É absorvido, por isso o nome Magna Grécia; porém
e divulga seus símbolos de poder para todo o leste do mundo, fazendo uma
acontece o rapto das sabinas, cresce uma ideia de uma grande civilização
que se amplia e que por problemas internos se deflagra, bate de frente com
outras pequenas localidades — normalmente germânicas, os bárbaros —
sua geografia, economia e seus próprios mitos; este império, por sua vez,
muçulmana em 622 d.C., em 632 d.C. é o grande boom, e em 700 d.C. eles
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
que esse mito destrua o mito da cristandade. Posteriormente, surge o maior
vários exemplos.
entre a Inglaterra e França. E não estou falando que o mito está coadunado
será.
Hume fala que: “Não é porque o Sol nasce todo dia que ele vai nascer
a mesma; disso o que veremos? A China com seu poder global e um outro
império que estremeceu, os Estados Unidos, que não sabemos se ele vai
Biden) mas provavelmente vá. Até dentro das estruturas dos povos pré-
Sentado aqui eu tive a honra, e tenho certeza que quem deixou ser
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E-BOOK BP O MITO: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE
que espécie de civilização eu estou? Qual é o momento da minha história?
Há algum macete para enxergar através da fresta e ver algum macete que
— são indispensáveis para todos nós; como estudante me fez muita falta,
randômico para se ter um bom professor, uma pessoa que ampare o aluno
que eu acredito no meu Deus? Será que eu faço o que tenho de fazer? Eu
honra-me levar uma conversa desse nível para vocês — dezena de milhares,
tremenda.
importantes.
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