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SINOPSE
No Brasil, vivemos um grave problema educacional. Neste contexto,
cabe saber: qual o papel dos pais na educação? O que define uma escola e qual
a sua função? Qual o caminho para resgatarmos nossa educação e
entregarmos aos alunos uma verdadeira formação? Essas são apenas algumas
das perguntas que o professor João Malheiro responde nessa primeira aula do
curso “A família e a escola na educação”.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao final desta aula, espera-se que você saiba: quem é o sujeito da
educação; os três motores da pessoa humana; qual o papel das virtudes; as
consequências de não ensinar virtudes na escola; qual o papel da escola; qual
o papel dos pais; o que são adolescência tardia e adolescência agressiva; a
diferença entre a afetividade centrípeta e centrífuga; as três motivações do
professor e seu impacto nos alunos; o que é o currículo oculto; o que é a alma
da escola; o bom desenvolvimento do ser humano.
1. INTRODUÇÃO
É uma alegria imensa estar na Brasil Paralelo para dar esse curso no
Núcleo de Formação e, na minha opinião, vamos falar de um dos temas mais
importantes no momento da educação que é: afinal, qual é o papel da escola?
Hoje, na mídia e na política, fala-se muito de verbas, de políticas
públicas, das novas tecnologias, se vamos centralizar ou descentralizar a
educação. Questões importantíssimas, obviamente. No entanto, penso que
nunca chegamos no ponto zero da educação, que é: quem é o sujeito da
educação? Quem é a pessoa que os professores têm que educar? Enquanto isso
não for resgatado, está-se costurando sem linha, está-se perdendo tempo,
porque não se chega no núcleo do problema, que é educar pessoas humanas.
Esse é o objetivo deste curso que irei dar aqui na Brasil Paralelo com
muita alegria, com muita ansiedade, porque eu estava louco para que muitos
brasileiros escutassem algumas verdades que foram esquecidas. Sabem por
quê? Porque a universidade não quer ensinar isto. Não vamos aprofundar
neste curso esses motivos ideológicos, por que se chegou nisso, porque não é
o foco dessas aulas, mas quero que vocês saibam que houve sim, de forma
intencional, um projeto de destruir a pessoa humana. E eles conseguiram.
Hoje ninguém mais sabe a quem tem que ensinar. Então, com esse meu curso,
ao longo de cinco aulas, vou tentar resgatar um pouco esses conceitos para
que, aos poucos, entre nas escolas quem é a pessoa, esse sujeito da educação.
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Um li vro que ajuda profissi onais e ed ucadores a entend er mel hor estruturas psi col ógicas dos jovens d e hoj e
e os mecanismos individuais e sociais que promovem ou imped em seu d esenvol vimento e maturidade.
decisões. Inclusive, elas têm crises de choro, de raiva e de desespero, porque
se percebem desajustadas. Essas pessoas ainda se sentem um bebê, têm medo
de escolher, não querem escolher e ficam atrasando.
PERGUNTAS
1) Existem aqueles casos de pessoas que começam a trabalhar muito cedo
e normalmente essas pessoas amadurecem mais rápido. Isso é uma
verdade? Trabalho traz virtude?
Evidentemente. Uma pergunta muito boa. A imensa maioria das
crianças está com ΔT de cinco anos. O que isso quer dizer? Significa que se a
idade cronológica da criança é de quinze anos, sua idade psicológica é de dez
anos. E é a idade psicológica que a leva a pensar no outro, a servir ao outro, a
amar o outro, a sair da bolha. A gente entende tudo. Uma criança de quinze
anos está lá, no chão, brincando de carrinho, está lá no videogame, não está
nem aí para mãe, para o pai, para o irmão, está super atrasado. Esse ΔT entre
idade cronológica e idade psicológica foi aumentando nos últimos anos, e não
parou de aumentar ainda, também existe o fenômeno do rapaz que começou a
trabalhar, pois o pai estava ausente ou morreu e a mãe pediu ajuda para o filho.
A idade psicológica desse rapaz passa a idade cronológica. Então ele tem
quinze anos, mas, na verdade, ele tem dezoito anos. Isso é fenômeno da pessoa
que começou a trabalhar. É óbvio que uma pessoa assim é uma pessoa
diferenciada. E te digo uma coisa: aconteceu isso com a minha vida pessoal.
Posso contar aqui sem qualquer orgulho nem vaidade. O que aconteceu? Eu
não cheguei a falar isso no começo, mas eu sou de Portugal, sou de uma família
de seis filhos, uma família bem constituída, meu pai tinha bastante dinheiro,
mas teve uma revolução lá em Portugal no ano de 1974, a Revolução dos
Cravos, em que os comunistas derrubaram o sistema salazarista de direita e
obviamente meu pai teve que fugir, porque o meu pai trabalhava para o
governo de Salazar, era um técnico, mas estava sendo procurado pelo partido
comunista para ser preso. Então eu vim para o Brasil com os meus cinco
irmãos com uma mão na frente e outra atrás e ficamos vivendo uma vida de
pobre. Íamos a pé para a escola, não tínhamos televisão nos primeiros meses
na vida do Brasil. Morávamos numa mansão em Lisboa e viemos morar no Rio
de Janeiro num apartamento mínimo, pequeno. Hoje eu olho isso e falo: graças
a Deus! Porque eu tive um processo de maturidade rápida, precoce e a minha
idade psicológica ultrapassou a idade cronológica. Eu sempre me senti uma
pessoa com muito mais maturidade do que a minha própria idade cronológica.
Isso me ajudava a ter muita personalidade, a não ser estragado pelos amigos, a
ter o meu próprio ambiente. Se eu ia numa festa que era ruim, eu ia embora.
Eu não topava viagens fúteis, viagens em que sabemos que não vai rolar boas
coisas. Isso acontece muito em famílias que tiveram algum sofrimento forte, a
gente consegue ver isso também em comunidades, em que ou o rapaz corre
atrás ou ele vai para o tráfico. Os melhores alunos dessa escola de cinco mil
alunos em que trabalhei eram os de comunidade, justamente porque eles
sabem que se não forem atrás, vão ser comidos pelo sistema e vão fracassar.
Eles tinham um instinto de sobrevivência para que a idade psicológica
passasse a cronológica. Eram pessoas maravilhosas e eu fiquei muito amigo
desses alunos. Sua pergunta é muito boa. De fato, trabalhar é uma coisa muito
boa. Hoje mesmo, dentro das minhas respostas no meu instagram, uma pessoa
perguntou: “meu filho de dezoito anos acaba de se formar no ensino médio e
não tem a menor noção do que quer - como eu disse há pouco - e está querendo
parar um ano para trabalhar. O que o senhor acha?”. Eu respondi: acho ele
muito inteligente, porque já percebeu que esse é o caminho para ele se
encontrar. Um ano parado, amadurecendo num trabalho profissional, num
emprego, algo de responsabilidade, sem dúvida alguma vai ser a melhor coisa
que pode acontecer para uma criança nessa idade.
2) O senhor comentou que os pais precisam assumir a educação dos filhos.
Eu também sou um pouco a favor dessa descentralização, mas tem uma
pergunta que fica: o que acontece se os pais não ensinam virtudes e, ao
invés disso, ensinam malícias, maldades, ou pensam que estão
ensinando alguma virtude, mas do jeito errado?
Muito boa pergunta, nossa! Isso acontece hoje em dia, de fato. Acho que
talvez a maioria esteja assim. Eu vou em muitos colégios. Em geral, em colégios
nobres, particulares, as pessoas acham que são cultas, acham que estão bem
posicionadas eticamente, e quando ouvem esse meu discurso, inicialmente
têm um pequeno choque, porque evidentemente começam a perceber que
alguma coisa está errada no sistema deles. Eu costume perceber que
efetivamente há muitos pais que, no início, não aceitam a minha teoria das
virtudes. Por quê? Porque quando você vai educar nas virtudes, o cerne da
questão é que você tem que ensinar a criança a sofrer, por amor. É trocar o
egoísmo que está no coração da criança. Quando nasce, toda criança tem uma
dose imensa de egoísmo - o porquê disso eu não vou entrar aqui, mas há
explicações muito claras, filosóficas e teológicas. Enquanto você não
conseguir diminuir esse sofrimento para, no lugar dele, colocar amor,
portanto substituir o egoísmo por amor, a criança não vai avançar. E o papel da
virtude é exatamente esse: é trocar o egoísmo por amor. É o que todo mundo
quer. No entanto, as pessoas querem o coração de amor sem sofrimento.
Filosoficamente isso é impossível. Hoje, os pais acham que ensinar virtudes,
educar bem, é dar todos os prazeres, dar todos os confortos e mimos e não
percebem que estão só alimentando mais o ego que já existe, só estão
mimando e egocentrando a criança. Depois, a criança não consegue
amadurecer, não consegue chegar na adolescência na idade certa e acaba
ficando cheia de problemas. Depois, vai pedir para os psicólogos e psiquiatras
corrigirem esses problemas e não conseguem mais, mesmo com remédios e
etc… O grande problema dos pais hoje é entender que educar exige realmente
privar as crianças de coisas, de brinquedos, de viagens, mas não é uma
privação pela privação, é uma privação mostrando para eles que essas
necessidades, que eles acham que são necessárias, mais brinquedos e mais
festas para deixar eles felizes, são necessidades falsas, não são reais
necessidades. Eles os criam assim porque também foram educados nessa
cultura, ou, às vezes, ao contrário, porque nunca tiveram essas necessidades
satisfeitas, pois eram pobres, eram muito carentes, e agora querem
compensar tudo que não tiveram lá na sua infância, nos filhos. Há os dois
extremos. Os ricos e os pobres que educam erradamente. Eles vão satisfazendo
com muitos prazeres, muitos brinquedos, muitas viagens, festas caríssimas,
achando que dessa forma estão sendo bons pais, quando, pelo contrário, estão
é estragando os filhos, porque estão mimando, tornando-os egocêntricos e os
estão incapacitando de descobrir o amor. E é o amor que liberta. Enquanto você
não tiver essa capacidade de doação, de serviço, como eu dizia, você não
consegue se encontrar. É interessante perceber isso. Por que os jovens chegam
no final do ensino médio e 80% deles ficam cegos para um vislumbre futuro?
Porque só vão encontrar o seu projeto vital quando tiverem uma motivação
centrífuga, um desejo de fazer alguma coisa pelo outro, porque existem para o
outro. O projeto vital é para realizar uma coisa pelo outro, ninguém iria te criar
para ficar futuramente na praia. Ninguém iria te criar e dar talentos para você
desenvolver um projeto para você. O que dá a capacidade de vislumbrar um
futuro? Uma pessoa que está voltada para o outro. Quando a pessoa está
voltada para o outro, a sua identidade brota. A pessoa entende para que existe
e aí brota a liberdade, brota a motivação e as dificuldades vão sendo vencidas,
porque já entendeu para que existe. A imensa maioria das mães hoje,
infelizmente, não está educando bem. Quem está me ouvindo pode ficar um
pouco chateado comigo, mas eu compreendo muito bem as mães, porque
estão reproduzindo a educação que receberam dos seus pais. E os pais delas
estavam reproduzindo a mesma educação que haviam recebido dos avós delas.
Quer dizer, são processos reprodutores de falta de virtudes há muitos anos.
Nos congressos, palestras e conferências que participo, eu sempre gosto de
pedir para que levante a mão quem recebeu uma formação de virtudes. Na
semana passada, em uma palestra, havia quatrocentas pessoas no auditório do
colégio Aplicação da Universidade Católica de Petrópolis e apenas duas
pessoas levantaram a mão. Duas. E isso é habitual. Ninguém há mais de quatro
gerações recebeu uma formação de virtudes. Então, é óbvio que
necessariamente vão só reproduzindo essa falta de formação das virtudes nos
últimos quarenta, cinquenta anos. E é evidente que as pessoas não vão educar.
Pelo contrário, há um ambiente hedonista que prega que você só será feliz se
tiver todos os seus prazeres satisfeitos e quanto mais prazer, mais felicidade, o
que é uma mentira. Como acabamos de dizer há pouco, quanto mais prazer,
mais escravidão vai haver e cada vez mais insatisfação, cada vez mais egoísmo,
cada vez mais vazio. O grande objetivo desse curso seria eu conseguir provar
que o que realmente torna uma pessoa feliz é amar o outro, o que exige uma
capacidade de autossacrifício. Portanto, eu tenho que educar as minhas
crianças desde pequenas a que? A se sacrificarem para poderem amar, que é o
que torna a pessoa feliz. Felicidade não é uma vida cômoda, como as pessoas
pensam hoje, mas um coração cheio de amor, cheio de capacidade de doação.
Isso que nos torna felizes. Nós experimentamos isso empiricamente. O dia em
que você está ajudando um amigo, o dia em que está todo mundo se
sacrificando um pelo outro e todo mundo está suando a camisa, você pensa
que esse foi um dia legal, foi um dia em que você foi generoso, foi um dia em
que você fez uma coisa legal pelos outros. Esse dia foi um dia que valeu a pena
ter vivido. Agora, aquele dia que você fica o dia inteiro na televisão, vendo uma
série atrás da outra, dá vontade de dar um tiro na cabeça, porque você percebe
que a vida não foi feita para isso.