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Curso A Família e a Escola na Educação com João Malheiro

Aula 1 - O conceito de Escola de Formação Integral

SINOPSE
No Brasil, vivemos um grave problema educacional. Neste contexto,
cabe saber: qual o papel dos pais na educação? O que define uma escola e qual
a sua função? Qual o caminho para resgatarmos nossa educação e
entregarmos aos alunos uma verdadeira formação? Essas são apenas algumas
das perguntas que o professor João Malheiro responde nessa primeira aula do
curso “A família e a escola na educação”.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao final desta aula, espera-se que você saiba: quem é o sujeito da
educação; os três motores da pessoa humana; qual o papel das virtudes; as
consequências de não ensinar virtudes na escola; qual o papel da escola; qual
o papel dos pais; o que são adolescência tardia e adolescência agressiva; a
diferença entre a afetividade centrípeta e centrífuga; as três motivações do
professor e seu impacto nos alunos; o que é o currículo oculto; o que é a alma
da escola; o bom desenvolvimento do ser humano.

1. INTRODUÇÃO
É uma alegria imensa estar na Brasil Paralelo para dar esse curso no
Núcleo de Formação e, na minha opinião, vamos falar de um dos temas mais
importantes no momento da educação que é: afinal, qual é o papel da escola?
Hoje, na mídia e na política, fala-se muito de verbas, de políticas
públicas, das novas tecnologias, se vamos centralizar ou descentralizar a
educação. Questões importantíssimas, obviamente. No entanto, penso que
nunca chegamos no ponto zero da educação, que é: quem é o sujeito da
educação? Quem é a pessoa que os professores têm que educar? Enquanto isso
não for resgatado, está-se costurando sem linha, está-se perdendo tempo,
porque não se chega no núcleo do problema, que é educar pessoas humanas.
Esse é o objetivo deste curso que irei dar aqui na Brasil Paralelo com
muita alegria, com muita ansiedade, porque eu estava louco para que muitos
brasileiros escutassem algumas verdades que foram esquecidas. Sabem por
quê? Porque a universidade não quer ensinar isto. Não vamos aprofundar
neste curso esses motivos ideológicos, por que se chegou nisso, porque não é
o foco dessas aulas, mas quero que vocês saibam que houve sim, de forma
intencional, um projeto de destruir a pessoa humana. E eles conseguiram.
Hoje ninguém mais sabe a quem tem que ensinar. Então, com esse meu curso,
ao longo de cinco aulas, vou tentar resgatar um pouco esses conceitos para
que, aos poucos, entre nas escolas quem é a pessoa, esse sujeito da educação.

2. A IMPORTÂNCIA DE ENSINAR AS VIRTUDES


O primeiro passo para entender isso é saber que as pessoas são formadas
por três grandes motores: inteligência, vontade e afetividade. Esses três
motores, os quais gosto de comprar a uma aeronave, precisam ser consertados
individualmente, pois estão dessincronizados, estão com falta de sincronia.
Um puxa para esquerda, outro puxa para a direita e o do meio está quase
parando. Por isso, o papel do professor hoje é consertar esses motores, de
forma que todos, sincronizadamente, puxem para frente.

2.1. O papel das virtudes na escola


Quem faz esse trabalho de sincronização? Esse é o papel das virtudes na
escola. Eu sou um especialista nesta matéria, esse foi, inclusive, o meu tema
de doutorado na UFRJ. Para quem não sabe, João Malheiro é um educador que
está nessa área há quase quarenta anos e que, desde o começou, focou-se em
um único tema: as virtudes na educação.
Por que ensinar virtudes na escola? É isso que vou desenvolver ao longo
desse curso, para que as pessoas percebam que são elas que vão consertar,
sincronizar e aperfeiçoar esses motores que tornam a pessoa humana viva. A
criança vai conseguir aprender de forma natural, de forma mais humana.
Pensem: qual é o grande problema de um professor em sala de aula? É
ver crianças que não querem nada. Portanto, a potência da vontade está
parada. Hoje, em sala de aula, vemos crianças sem o menor interesse,
desmotivadas. Ou seja, além de sua vontade, sua afetividade também está
parada. Além disso, as crianças hoje não consegue estar atentas. Ao longo de
toda a história, o índice de déficit de atenção era de 2%. Nos últimos trinta anos,
esse índice aumento a ponto de agora atingir entre 15 a 20% das crianças. O que
aconteceu em trinta anos que as nossas crianças ficaram com esse déficit de
atenção? Foi justamente um problema educacional grave na nossa força de
vontade, que é fruto da nossa inteligência debilitada.
A força de vontade, também chamada de vontade prática/inteligência
prática/razão prática e alguns outros nomes, está fraca devido à pouca
educação das virtudes. Há pouca educação da virtude da inteligência, a qual
envia mensagens para nossa razão prática, responsável pela atenção. Quando
entro em uma sala de aula, de qualquer curso de que venha a participar, é
minha razão prática que me leva a estar com ‘eu quero aprender’, ‘eu estou
interessado’. É a razão prática que comanda esses motores na aprendizagem.
Quando não há educação das virtudes, a vontade fica adormecida, a
razão prática fica sem apetência, sem apetite e, obviamente, a criança não vai
estar atenta. Não é um problema tão neuronal como as pessoas pensam. Não é
um problema de ritalina, esse remédio que as pessoas tomam. Não, esse é um
problema de virtude. O remédio é a virtude, não é a química que vai resolver o
problema. Então, eu quero que os senhores pais que me assistem e as pessoas
que estão nos acompanhando nesse curso saibam que o grande objetivo da
escola é introduzir esse aprendizado das virtudes a fim de conseguir que esses
motores das crianças funcionem normalmente e, portanto, que a
aprendizagem seja mais gostosa, mais motivadora e mais natural. Esse é o
grande objetivo nesse curso.
2.2. As virtudes e a motivação do professor
No meu doutorado, que já mencionei, eu descobri algo muito
interessante. Eu descobri que quando, no meio da sua prática de matemática,
de história, de geografia, o professor está motivado a ensinar as virtudes - que,
talvez, seja o fim da educação - ou seja, sente que não pode ser só um professor-
instrutor, mas sim um professor-formador, esse professor se sente mais
motivado na sua prática. Uma das coisas que dá mais motivação - e isso eu
comprovei no meu doutorado e nas pesquisas que fiz em várias escolas pelo
Brasil - é entrar em sala de aula não só para ensinar o conteúdo, pois esta é uma
prática de que logo se cansa, vira uma rotina, mas para, através dessa prática
de matemática, história, inglês, educação física, formar a pessoa humana
completa por meio de suas virtudes.
A realização vocacional é imensa. O professor fica em outra vibe, como
se costuma dizer hoje, então está totalmente motivado a ensinar e essa
profissão se torna gozosa. Além daquela motivação extrínseca de ganhar
dinheiro e até da motivação intrínseca, talvez, de aprender e de ensinar, que é
uma motivação bonita e mais profunda até que a extrínseca, nasce uma
terceira motivação no professor, que eu chamei de transcendental. A
motivação transcendental é muito mais forte que as duas anteriores.
2.3. A relação professor versus aluno
E atenção: quando o professor ensina as virtudes com essa motivação
extrínseca, intrínseca e transcendental, contagia o aluno a ter também essas
mesmas motivações. Consequentemente, o aluno também começa a ficar com
uma força interior para aprender e estudar, motivado por essa transcendência
que é alegrar a mãe e vencer na vida na sua comunidade. É ter uma motivação
que não é só passar de ano. No fundo, o aluno vê ali o desejo de realizar algum
projeto vital, algum projeto de vida. Ele começa a achar o seu papel social,
então começa a querer estudar por outros motivos muito mais nobres do que
uma mera nota, do que uma mera passagem no ENEM, do que uma mera
faculdade.
Educar nas virtudes hoje é a base da virada educacional que quero trazer
na educação e fico muito feliz que a Brasil Paralelo esteja motivada a dá-la
também. Estamos aguardando com ansiedade o documentário “Pátria
Educadora”, que veio dar esse recado. Eu quero que vocês percebam que se
houver esse trabalho de educação das virtudes nas escolas, haverá uma
revolução educacional real, não só política, demagógica. Isso tudo só
acontecerá se houver a cura do câncer que vem de dentro das crianças, pois
elas estão realmente muito fracas.

2.4. As consequências de não educar nas virtudes


Além da desmotivação, do desinteresse, da falta de vontade para
aprender, quais são as outras consequências de não educar nas virtudes?
Atualmente, há outro fenômeno percebido por professores e pais. Como eu
dizia, dentro da criança há três motores. Mas há também três mundos: o
mundo corporal, o mundo, vamos chamar assim, cognitivo, da idade mental
da criança, e o lado psicológico, o lado de pensar no outro, de maturidade e etc..
Na educação, está acontecendo um fenômeno muito único que há muito
tempo não era percebido de forma tão nítida. Hoje, vemos crianças, por
exemplo, no quarto ou quinto ano, portanto, com um corpo de dez, onze anos,
cuja idade cognitiva está bem menor, por volta de seis, sete anos. Essas
crianças ficam meio abobalhadas, com dificuldade de aprender os conteúdos
próprios do ano em que estão, porque estão atrasadas intelectualmente. Mais:
percebemos que a idade psicológica, aquela de pensar no outro, de doação, de
serviço, está ainda mais atrasada que a idade intelectual. Quer dizer, dentro
daquela criança está um bebê psicológico, é uma criança de corpo grandão,
mas atrasada mentalmente. Com isso, fica algo totalmente desengonçado
internamente e o professor encontra uns monstrinhos em sala de aula, os
quais tem que educar. É fácil ser professor assim? Isso acontece por falta de
educação nas virtudes. Isso é verdade. Eu sou professor de virtudes e religião
e há mais de quatro anos tenho contato diário com os alunos da educação
fundamental. Antes disso, eu fui professor na pós-graduação, na graduação e
em outros colégios. Ademais, eu sou palestrante e, nas palestras que dou no
Brasil todo sobre essa temática das virtudes, percebo que, sempre que explico
este câncer, as pessoas acreditam e aceitam. Já há uma constatação nacional
de que o grande câncer do momento é a falta de educação das virtudes.
Contudo, enquanto as pessoas não estudarem e entender sobre esse
tema, a escola vai permanecer em crise, porque são monstros que estão em
sala de aula e os professores estão tentando ensinar conteúdos para pessoas
que não têm nenhuma capacidade de os aprender. Por quê? Porque estão
desajustadas mental e psicologicamente. Portanto, vejam que estado de
martírio em que estão os nossos professores, especialmente os de escola
pública. Na escola pública, as famílias estão desestruturadas. Muitas crianças
não têm pai ou nem o conhecem, muitas vezes, porque está preso. É uma
situação horrorosa. Imaginem uma mãe que tem esse peso de educar um filho
sem o pai e sem estrutura. A criança vai ficando cada vez mais desajustada
internamente.
Gostaria de abordar um último ponto para concluir essa introdução.
Uma criança que não é educadas nas virtudes, o que a leva a ter todos esses
desajustes interno, também nunca vai conseguir se encontrar, nunca vai
conseguir descobrir, afinal, para que existe. Essa pessoa não consegue
descobrir por que tem determinados gostos, inclinações, tendências e
determinado temperamento. Qualquer pessoa um pouco inteligente se coloca
a seguinte questão: ‘Em nenhum momento da vida eu pude escolher meu
temperamento e os gostos que tenho. Eles simplesmente vão aparecendo
dentro de mim, vão se manifestando no desenvolvimento da pessoa humana.
Eu também nunca escolhi a família que eu tenho ou se queria ser mais ou
menos inclinado às letras, à matemática, às ciências, às pesquisas. O fato é que
tudo isso vai aparecendo dentro de mim. Então, afinal, por que recebi tudo isso
de alguém?’. Não sei quem meu deu, talvez um Criador, mas se alguém o fez
foi para que um dia desabrochasse ali um ser, que, depois, precisasse fazer algo
para posteriormente ter algo.
2.5. O bom desenvolvimento de um ser humano
Essa é a sequência lógica do bom desenvolvimento de um ser humano.
A pessoa primeiro se encontra no seu ser. “Torna-te o que é”, dizia Píndaro, no
século V antes de Cristo. Quer dizer, já há ali uma potência que a pessoa tem
que desabrochar. A pessoa tem que descobrir quem é, tem que responder a
pergunta “quem é você?”. Portanto, há um ser que desabrocha. Quando a
pessoa se encontra, já sabe agora o que fazer. E quando a pessoa já sabe o que
fazer, vai fazer bem feito, vai fazer motivada. E aí, consequentemente, vai ter.
Ser, fazer e ter é a sequência lógica de um bom desenvolvimento da criança e
do ser humano.
E como está hoje? Qual é o ideal das pessoas hoje? É exatamente o
contrário. É ter logo fazendo qualquer coisa, não importa o quê, para um dia
ser famoso, ser conhecido. Ou seja, é um processo totalmente inverso. E o que
acontece? As pessoas não têm, não fazem e acabam nunca sendo. E essa
frustração existencial acaba lapidando a nossa juventude. Isso é uma coisa
gravíssima.

2.6. O fim último da educação


Qual é o fim último da educação? O fim último da educação é, por meio
das virtudes éticas, que devem ser ensinadas na escola por professores
preparados e motivados para ensiná-las, ajudar todo aluno em sala de aula,
através da reconstrução da aeronave, a ser quem a comanda. Ou seja, tornar o
aluno piloto da aeronave, fazê-lo descobrir quem é para dirigir perfeitamente
essa aeronave, que é o destino, o projeto de vida, o sentido da sua vida. Então,
o fim último da educação é a autoconsciência de quem eu sou.
Quando a pessoa alcança esse ser no final do ensino médio - justamente
uma idade importante em que a pessoa tem que escolher sua universidade, a
sua faculdade, tem que pensar no seu futuro, no seu projeto de família, no seu
projeto social, em qual vai ser o seu destino -, faz uma escolha acertada e tem
um sucesso imenso na sua vida. Essa pessoa vai ser feliz, vai estar realizada,
porque está realizando o projeto que foi pensado para ela desde toda
eternidade.
Vocês sabem qual o índice hoje de pessoas que chegam nesse
conhecimento no final do ensino médio? 20%. Os motivos para isso são
variados e não vamos aqui nos concentrar neles, mas apenas 20% conseguem
chegar no final do ensino médio e se encontrar, fazendo, consequentemente,
escolhas acertadas e tendo sucesso. Isso significa que 80%dos alunos, no dia
da inscrição do ENEM, não sabe o que quer. Isso é um fracasso educacional
evidente.
Às vezes, perguntam-me: “Como você tem tanta certeza do que você
fala? Como você fala com tanta convicção da necessidade de trazer a educação
das virtudes novamente para a escola? Por que você está convencido disso?”.
A minha resposta é que basta ver o que acontece hoje em todas as escolas do
Brasil. Perguntem aos diretores das melhores escolas particulares do Brasil se
os seus alunos sabem o que eles querem da vida. Eles não sabem. Estão em
dúvida entre engenharia e medicina, entre psicologia e marketing. Uns não
sabem sequer uma opção. É evidente que uma pessoa que está assim entra na
universidade com uma probabilidade imensa de fracassar logo no primeiro
ano. O índice de evasão da UFRJ no primeiro ano, por exemplo, é de 50%.
Metade dos alunos larga a universidade. É claro que isso acontece. A pessoa
chutou um curso. Como não sabia o que fazer, inventou qualquer coisa. Logo
nas primeiras práticas e experiências universitária, essa pessoa se decepciona
e não quer continuar. Alguns continuam até o segundo ano e desistem. Há
aqueles que desistem até o quarto ano. Por quê? Porque depois de quatro anos
na universidade, essa pessoa amadureceu, com quatro, cinco anos de atraso,
aquilo que já deveria ter amadurecido lá atrás. Assim, finalmente se encontra
e escolha a carreira acertadamente. É ou não é comum hoje ver muitos
estudantes universitários fazer uma nova faculdade depois que se formam?
Mostra mais uma vez esse atraso educativo nas escolas.
3. A ESCOLA
Agora que já conseguimos entender o que é a escola, podemos entrar
direto no tema da nossa primeira aula. Qual é o conceito de escola? Como você
define uma escola? Qual é o papel da escola?
Eu trago uma definição de escola que não é minha, mas sim de um
pensador espanhol chamado David Isaacs, o qual acompanho e com que me
identifico perfeitamente. David Isaacs, um educador brilhante da
Universidade de Navarra na Espanha, afirma que a escola é um projeto comum
de melhor integral de pais, professores, funcionários e - em último lugar -
alunos.

3.1. O alinhamento entre a escola e os pais


Na escola, há um projeto de melhora dos pais em todos os aspectos. Os
pais têm que continuar melhorando, têm que continuar aprendendo a serem
bons pais. Qual é o grande problema da educação hoje? Os pais não sabem ser
pais, eles não sabem educar corretamente seus filhos. Como consequência
dos pais não serem bons pais, de não estarem se esforçando nesse sentido, o
filho apresenta graves deficiências dentro da sala de aula. Uma escola que
quer, lá no final, os alunos aprendam bem, precisa enxergar que deve haver
uma formação obrigatória dos pais. Trata-se de um projeto comum de melhor
integral, portanto, por meio das virtudes, a inteligência, a vontade e a
afetividade dos pais têm que continuar melhorando ao longo do seu caminhar
para que, sendo bons pais, consigam depois educar muito bem o seu filho.
Além disso, é primordial que haja a mesma linguagem educativa na
escola e na família. Enquanto não houver essa fusão novamente - a qual existia
antigamente - de a família e a escola, aliadas, buscarem os mesmos ideais, os
mesmos valores, as mesmas virtudes, a mesma linguagem e praticarem as
mesmas práticas éticas, a criança vai ficar muito perdida. Ela vai se questionar:
“Quem está certo? Meu pai fala que eu posso ver televisão a hora que eu quiser.
Na escola, falam que só posso assistir quarenta minutos por dia”. Claro que isso
é dito se for uma boa escola, se for uma escola focada na educação das virtudes.
Dos zero aos seis anos, as crianças devem utilizar, no máximo, quarenta
minutos de eletrônico. Dos seis aos doze anos, esse tempo passa a ser duas
horas por dia. Vocês sabem qual é a média atual de exposição tecnológica das
crianças no Brasil? De acordo com pesquisas recentes, no Brasil, a média de
exposição de crianças à tecnologia está entre cinco e seis horas por dia. Como
uma criança que assiste à televisão, que navega na internet, que joga
videogame, que usa tablets e celular durante cinco ou seis horas por dia vai ter
a capacidade mínima necessária de aprendizagem numa sala de aula? É
impossível. Mas por que há esse furo? Porque os pais não aprenderam sobre
isso e não sabem nada sobre esse tema. Como consequência de alguns pais não
estarem preocupados em educar corretamente seus filhos, os professores
estão com muita dificuldade de ensinar, porque há um descompasso, não há a
mesma sintonia de ensino e aprendizagem. Então, esses protagonistas que são
os pais vão ficar com muita dificuldade.
Por isso, é fundamental que a escola aprenda que tem que formar os
pais. Professores e diretores podem argumentar que não tem nada a ver com
isso, porque a escola é feita para ensinar crianças. Eu sei que a escola é para
ensinar crianças. No entanto, para que a escola consiga ensiná-las de forma
equilibrada, correta, motivadora e para que haja um bom ambiente escolar
com disciplina, respeito e valores, enfim, aquele ambiente com que todos
sonham, é preciso criar esse mesmo ambiente na família.
Agora, senhores pais que estão me ouvindo, vocês concordam comigo
que muitas vezes a sua família está um pouco em segundo lugar? Vocês
concordam comigo que muitas vezes vocês, por falta de tempo ou de dinheiro,
parecem ter que se dedicar mais ao trabalho, aos afazeres profissionais, e com
isso deixam, às vezes inconscientemente, às vezes sem culpa, de acompanhar
a educação do seu filho, de acompanhar o desempenho escolar dele? Há uma
fuga e isso vai acarretando claramente uma influência na aprendizagem do
seu filho. E ele percebe isso, pois um filho percebe quando o pai não o
acompanha, quando o pai não liga, quando o pai está muito mais preocupado
com o seu trabalho. Hoje, as mães também trabalham e várias também só
pensam no seu sucesso. As crianças percebem essa terceirização, elas
percebem claramente que estão sendo esquecidas, que os pais não estão
sabendo as educar direito.
Acontece muito hoje de os pais, depois, acordarem para esse fenômeno
e sentirem muita culpa, muita pena e sentirem a necessidade de compensar
isso de alguma maneira. Então, o que eles fazem? Eles enchem as crianças de
guloseimas, de brinquedos, de festas, de Disney, de roupa, do que for, para
dizerem que estão sendo bons pais porque estão pagando tudo aquilo. Esse é o
grande dilema do momento e isso tudo é falta de formação. Os pais não
enxergaram que o papel deles é formar os filhos adequadamente em todos
esses âmbitos: intelectuais, volitivos e afetivos.

3.2. O que é educar?


A palavra “educar” vem do latim ex ducere. Esse prefixo ex significa para
fora e ducere quer dizer conduzir, levar a criança para fora do seu egoísmo, ou,
como eu gosto tanto de dizer, para fora da sua bolha. Educar uma criança é
pegá-la na mão, tirá-la da sua bolha do egoísmo e levá-la para fora, porque fora
é onde vai se encontrar e vai realizar o seu projeto de vida. Isso quem faz em
primeiríssimo lugar são os pais. E, depois, com a ajuda dos professores, todo o
ambiente escolar. Reparem: se os pais não estiverem puxando a criança para
fora, porque estão perto, porque estão juntos, porque estão acompanhando, os
professores não conseguem. Eles tentam puxar a criança para fora da sua
bolha e as crianças não querem, querem ficar na sua bolha, querem ficar no
seu conforto, nos seus mimos, querem atrasar esse desenvolvimento da sua
vida e do seu processo intelectual, volitivo e afetivo.

3.3. O atraso na adolescência


Outro fenômeno que está acontecendo atualmente, fruto desse atraso
em conduzir as crianças para fora de si, é um atraso na adolescência. Esse é um
problema gravíssimo sobre o qual já há livros publicados. Tony Anatrella, um
psiquiatra francês muito conhecido na Europa, lançou há algum tempo
“Adolescência Interminável1”, adolescência até os 33. Por quê? Porque é o que
está se comprovando socialmente. As pessoas estão adiando esse
desenvolvimento da identidade, de se encontrarem, e, consequentemente,
estão atrasando também todo esse desenvolvimento de partir para o mundo
para, motivadas porque se encontraram, realizar o seu projeto social. Tudo isso
está atrasado porque querem ficar na bolha, porque estão com medo de sair
dela, porque os pais não estão ajudando a tirá-las de lá. E muitos pais,
egoisticamente, acreditem, querem que as crianças permaneçam na bolha
mesmo, querem estender essa vida infantil para que, de alguma maneira,
possam curtir mais os seus filhos.
Diversas vezes, eu já tive que responder a essas perguntas em
congressos e em palestras em escolas. Uma vez me perguntaram: “Qual é o
problema da mãe querer que o filho fique na sala dela até os 15 anos?”. O
problema é que esse filho vai ser uma ameba, vai ser uma pessoa muito fraca,
insegura e triste, porque não vai realizar o seu projeto vital e, quando acordar
para vida, será tarde, e estará incapacitada de fazer algum projeto ou missão,
uma realização. Uma mãe que educa um filho de forma egoísta assim condena
a autorrealização deste.
Eu quero que vocês percebam que essa falta de trabalho educativo sério
e profissional dos pais, de conduzir essas crianças para fora da bolha delas, está
atrasando a adolescência. Há crianças que ficam até doze, quinze anos com
uma cabeça totalmente infantilizada. Sabe como percebemos isso? Porque
quando chega no ensino médio, na idade em que precisam tomar decisões e
fazer escolhas acertadas em relação à universidade, etc., ainda não se
encontraram, uma vez que ainda estão hiper-hiperimaturas e hiper-
hiperinconscientes de quem são. Ao conversar com elas, você nota que ainda
não lhes caiu a ficha de que já estão com quinze anos e que precisam tomar

1
Um li vro que ajuda profissi onais e ed ucadores a entend er mel hor estruturas psi col ógicas dos jovens d e hoj e
e os mecanismos individuais e sociais que promovem ou imped em seu d esenvol vimento e maturidade.
decisões. Inclusive, elas têm crises de choro, de raiva e de desespero, porque
se percebem desajustadas. Essas pessoas ainda se sentem um bebê, têm medo
de escolher, não querem escolher e ficam atrasando.

3.4. A adolescência regressiva


A consequência disso é a chamada adolescência agressiva. Sabem
quando com quinze, dezesseis anos, a criança começa a bater na mãe, a criar
um clima horrível na casa e a ficar sozinha no quarto e no computador? Com
toda essa agressividade, ela está dando o seguinte recado para os pais: “Vocês
não perceberam que eu sou incapaz de fazer alguma coisa? Vocês não
perceberam que eu estou atrasada e não sei o que eu quero da vida? Vocês não
perceberam?”. Esse atraso na adolescência gera uma revolta. Muitas vezes,
nesta fase, há algo perigosíssimo, que está acontecendo de forma muita clara
hoje. O carnaval acabou de passar e vimos esse fenômeno acontecer direto.
Uma forma psicológica de compensar toda essa chateação é buscar
compensações de todos os tipos: drogas, sexo, bebida. O que é aquilo? Eles
gostam disso? Ninguém gosta disso, mas é como se fosse um recado em que
dizem: “eu estou insatisfeito, eu estou precisando de uma compensação para
me tirar dessa minha tristeza, porque, na verdade, eu me sinto desajustado,
pois não sei quem eu sou e por que vou trabalhar, afinal?”. Há todo um
processo de revolta por causa desse atraso na adolescência.
Quem é o culpado por tudo isso? Mais uma vez, são os pais que não
educaram no tempo certo nas virtudes e as escolas, que também não puxaram
essas crianças das suas bolhas. Todos esses processos de atraso são hoje
evidentes na sociedade. Se você for num condomínio qualquer de prédio na
Barra da Tijuca, onde eu trabalho, verá que as praças esportivas, que deveriam
estar ocupadas por crianças de quinze a vinte anos praticando esportes, estão
vazias. Onde estão todos? Em casa. Fazendo o quê? Brincando de videogame.
São pessoas com corpos de quinze, dezoito anos, com idades mentais de dez,
doze anos.
Reparem: está tudo desajustado. É preciso acordar. Os pais precisam
acordar para essa mudança. É preciso educar a afetividade do seu filho, que é,
na minha opinião, o tema mais importante, fruto do trabalho da educação das
virtudes. É preciso educar a afetividade para que a criança queira sair desse
conforto, desse prazer e não queira mais ficar confortavelmente dentro da sua
bolha. É preciso que haja esse desejo da criança de se esforçar mais, de buscar
suas metas e seus ideais. É preciso capacidade de mudar o fluxo da afetividade.
Hoje, o fluxo está todo voltado para um ego que está aqui dentro. Esse ego é
alimentado cada vez mais e cada vez mais. Essa afetividade estragada pelos
prazeres, pelos confortos, por tudo fácil, vai fazendo com que a criança fique
cada vez mais egocêntrica, mais egocêntrica, mais egocêntrica, mais presa
dentro da bolha, escrava dos prazeres, e não consiga sair.

3.5. Como reverter essa situação


Então, temos que mudar essa afetividade. Eu tenho que fazer com que o
adolescente queira sair da bolha, queira se esforçar, queira enfrentar
dificuldades e encontrar desafios, que, na verdade, é o que sempre foi um
adolescente. Um bom adolescente tem sangue de herói. Todo adolescente é
rebelde, mas é uma santa rebeldia. A rebeldia dos adolescentes sempre foi
positiva, porque sempre foi contra esse paternalismo, contra esses mimos. Os
adolescentes sempre quiseram sair das garras dos pais para irem para vida.
Eles querem se desenvolver, querem ser felizes. Infelizmente, essa boa
adolescência hoje não existe aqui. O que acontece é uma má rebeldia, é um
atraso. Essa força, invés de ser centrífuga, ou seja, invés de ser uma afetividade
que sai de dentro para fora e vai atrás de uma missão, de um projeto, em que a
pessoa está hipermotivada e vivendo feliz, porque está pondo para fora todos
os seus talentos, todos os seus conhecimentos, todas as suas aptidões, gostos,
inclinações, tudo voltado para um projeto vital, que dá imensa energia, é
totalmente centrípeta, quer dizer, a força da afetividade vai alimentando um
ego que vai escravizando. Senhores pais, isso tem que ser educado na família,
em primeiro lugar, e na escola.
Para sonhar com esse ideal educacional, um desafio é os pais quererem
assumir a educação novamente. Senhores pais, não dá para terceirizar. Como
vocês viram, enquanto não aprenderem que o protagonismo é de vocês,
enquanto não se recordarem que vocês é que tem que se sentir responsáveis
mesmo pelo sucesso do seu filho, nada vai mudar. Enquanto as escolas
estiverem colocando pautas, enquanto as escolas estiverem só ensinando
conhecimentos técnicos, nada vai mudar. Eu acho que o momento atual, que
é um momento de reflexão global, um momento em que a Brasil Paralelo está
trazendo essa reflexão, há que se libertar mesmo desse sistema que de alguma
maneira escraviza a pessoa humana e, portanto, não a deixa voar e saborear as
coisas do alto, as coisas que valem a pena, que nos deixam felizes e realizados.
Enquanto eles não conseguirem se libertar desse sistema, a coisa não vai
mudar, vai permanecer a mesma. Então, como isso começa? Os pais têm que
arregaçar as mangas e começar a pensar em qual é a escola que está ensinando
virtudes, qual é a escola que está formando professores.

3.6. A formação de professores, funcionários e alunos


Tem que formar professores. Os professores também têm que viver esse
projeto. Lembrem: um projeto de formação de melhora integral de pais e
professores. Obviamente, os professores têm que ser pessoas exemplares,
pessoas que estão buscando ser exemplo, que ensinam muito bem
matemática, ensinam muito bem português, ciências e inglês, mas ensinam a
vida, ensinam, com o seu exemplo e com o seu ser, fruto de virtudes, o
chamado currículo oculto.
O professor tem um currículo oculto que a criança vai respirando todos
os dias. É a forma como cumprimenta, a forma como assoa o nariz, como come,
como atende e acolhe um aluno, a forma como joga um papel no cesto do lixo,
a forma como se veste, a forma como comenta com respeito outras opiniões
diversas, como respeita as diferenças. Isso tudo é aprendizagem, isso tudo está
influenciando essas crianças a serem pessoas boas. Portanto, olhem a
importância de a escola estar formando bem os professores. Olha a
importância das universidades de educação colocarem nos seus currículos
virtudes. Os professores têm que aprender a viver as virtudes na sua própria
vida pessoal para que depois consigam ensinar com a sua vida, com a sua
prática e com a sua fala, seus alunos, suas crianças a viverem dessa mesma
forma.
Os pais têm que estar sempre vigiando qual é a escola que está
ensinando professores, qual é a escola que está investindo na formação dos
próprios pais, qual é a escola que investe na formação dos funcionários. Eu já
dei muitas palestras, para funcionários de escola: faxineiras, porteiras,
funcionários da cantina. E elas adoravam a minha formação, vinham com uma
motivação que eu pensava: ‘olha aí, isso aqui é a definição de David Isaacs’.
Todos adoram essa formação ética, somos sedentos dela. Eu vivi esse projeto
numa escola de cinco mil alunos. As formações de pais e de professores lotava
os auditórios.
Sabem como era a formação de alunos? Além dos professores
ensinarem em sala de aula, havia o que se chama tutoria dos alunos, tutorias
individuais. Eles agendavam com tutores que foram preparados, inclusive por
mim, para desenvolver esse trabalho personalizado de cada aluno, para
ensinar virtudes na sua família, na escola, com os amigos, na internet. No
início, havia um pouco de desinteresse, mas depois, quando os alunos
começaram a perceber o desenvolvimento que tiveram com esse aprendizado
das virtudes através das tutorias, não havia mais agenda para atender a todos
os alunos. Tivemos que contratar mais tutores e foi um sucesso. Ver a escola
ser esse projeto comum de melhora integral, como a definimos, é isso que eu
sonho. Escolas que estão cumprindo seu papel global, formação integral da
pessoa humana, de pais, professores, funcionários e alunos. Quando existe
esse ambiente escolar, é outro clima, é outra escola, é uma escola com corpo
e alma.

3.7. A alma da escola


E aqui eu aproveito para falar desse meu terceiro livro. O primeiro livro
chamava-se “A alma da escola”, em que eu trazia essa novidade, que era uma
novidade e é até hoje, pois sei que muita gente que está me ouvindo nunca
ouviu falar disso, de qual é a alma da escola, qual é o princípio vital de uma
escola, aquilo que não se vê, mas se respira. É exatamente isso, pais,
professores, funcionários e alunos todos ali vivendo as mesmas virtudes,
vivendo os mesmos valores. Então cria-se uma alma, um princípio vital no qual
está todo mundo unido. Essa escola é um ambiente escolar espetacular e
motivador. E eu posso vos falar que o Porto Real tem esse clima graças a Deus.
A gente trabalha com muito prazer, os professores não querem sair de lá
nunca, porque eles respiram esse ambiente de alma.
E alma e corpo porque a escola também tem que ter boas instalações,
também tem que ter boas salas de aula, bons ginásios, bons computadores.
Óbvio que tem que ter. Agora, uma escola só com corpo? É o que está
acontecendo hoje. Como a escola se vangloria e bota num outdoor “escolas
com computadores, com tablets, escolas com ginásio, com piscinas”. Os pais
pensam: “Essa escola é muito boa, tem uma piscina olímpica”. Eu falo: “Meu
deus do céu, mas a escola é um clube?”. Sinceramente, a escola não pode ser
um clube. A escola é um lugar de formação, focado na aprendizagem técnica e
moral, técnica e ética. Então, enquanto a escola não tiver corpo e alma, é uma
escola fracassada. Nesse livro, além de eu explicar a importância desses
valores todos, depois exemplifico quais são as virtudes, desde a educação
infantil até o ensino médio, que nós temos que ensinar na escola. Há uma
sequência lógica de virtudes que nós temos que ensinar, sobre a irei tratar
numa das próximas aulas. Saibam que enquanto a escola não tiver corpo e
alma, eu não vejo um futuro muito grande na educação. Podem vir verbas,
podem vir políticas novas, podem vir métodos novos. Está-se falando tanto
hoje do ensino híbrido, que nós vamos comentar o que é na nossa quarta ou
quinta aula e quais são as novas metodologias. Eu acho muito bom, eu sou
altamente inovador, eu adoro a criatividade e a educação, mas volto a insistir
nessa nossa primeira aula que enquanto os pais, professores e responsáveis
pela educação não perceberem que o segredo para mudar, para dar a virada é
entender a pessoa humana em toda essa interioridade, você está perdendo
tempo. Você vai ver lá na frente o seu filho com sucesso universitário, vai ver
até o seu filho com um emprego bacana, ganhando muito bem, mas sabe o que
vai acontecer? Vazio e solitário. Isso é um fracasso educacional.
Sabe o que aconteceu recentemente num dos melhores empregos do
Rio de Janeiro, num banco que não vou citar por questões éticas? Alunos
recém-formados de economia - de uma universidade que não vou citar o
nome, também por questões éticas -, foram chamados para fazer exame de
seleção. Todos estavam motivados com a expectativa do emprego dos sonhos
e estudaram sobre bolsa de valores, juros, matemática financeira, porque
achavam que seria esse o tipo de questão na hora da seleção. Eles se sentaram
no auditório e eram chamados um a um para fazer uma entrevista particular.
Sabe quais foram as perguntas que fizeram para selecionar economistas para
trabalhar na área de investimentos do banco? Primeira pergunta: você poderia
me dizer como está constituída a sua família hoje e como você se relaciona
com os seus pais e seus irmãos? Eles acharam meio estranho a primeira
pergunta, afinal, o que tinha a ver com o trabalho isso? A segunda pergunta foi:
você poderia me dizer quantos amigos você tem hoje? Amigos de verdade, que
você vai na casa, que você ajuda, que você confidencia. Quantos amigos você
tem e o que você faz com eles no fim de semana? Os alunos da seleção
continuaram a estranhar esse tipo de questionamento. A terceira pergunta foi:
você pode me dizer quantas horas você passa hoje na internet, nas redes
sociais, no instagram, no facebook, vendo séries? Quantas horas você passa
todos os dias e como você usa essas ferramentas de comunicação e de
formação? Muito estranhados todos, havia pessoas quase desistindo. Quarta
pergunta: queremos saber quantos livros você leu nos últimos dois anos e qual
foi o livro que mais te marcou? E a quinta e última pergunta da seleção: poderia
me dizer o que você fez nas últimas férias de verão?
Senhores pais, senhores professores, o que essas empresas andam a
buscar? É currículo? Não, são pessoas maduras, são pessoas capazes de vestir
a camisa da empresa, pessoas que estão preocupadas com o social, com o
outro, que é a definição de maturidade. Enquanto a pessoa estiver muito
focada nesse ego e buscar um emprego simplesmente para ganhar um
dinheiro a fim de satisfazer um egoísmo feroz, essas pessoas não vão ter mais
lugar no mercado. Senhores diretores de escola que estão me escutando,
responsáveis pela educação, acreditem, enquanto vocês não mudarem o foco
da educação, esses seus alunos estão só perdendo tempo. E quando as
empresas começarem a divulgar essas questões de seleção, eu acho que quem
vai definir mesmo a vaga universitária não é mais o ENEM não, serão as
próprias empresas que estão atrás dessas pessoas responsáveis.
É muito importante perceber que há que mudar esse trabalho das
escolas. E, para isso, na nossa próxima aula, vamos focar em que virtudes são
essas que nós temos que ensinar na escola. Há uma lógica nas virtudes? Há um
caminho próprio para educar na educação infantil, no ensino fundamental 1 e
2? Há uma caminho para ensinar virtudes no ensino médio? Há. Esse era o
meu objeto de estudo do doutorado. Eu descobri esse caminho. Quando você
vê essa lógica da virtude, você fica encantado com isso. Depois de já ter
ensinado muitas crianças a vivê-las e comprovar essa maturidade precoce,
estou totalmente convencido que isso funciona. Enquanto você não tiver esse
convencimento prático, você nunca vai ensinar virtude com paixão. Como a
virtude só se aprende na prática, enquanto você não tiver essa prática, você
nunca vai estar convencido de que essa é uma necessidade, então você
também nunca vai querer aprender e ensinar. Por isso, na nossa próxima aula,
eu vou focar mais exatamente em o que são virtudes, qual é o conceito de
virtude, como brotam na inteligência, na vontade, na afetividade, se há alguma
lógica, alguma sequência de prioridades. E quando você entender essa lógica,
você vai ficar encantado com ela, porque você vai ver que isso tem uma
sabedoria de séculos.
Você sabe há quanto tempo isso foi descoberto ? Desde o século XIII,
com São Tomás de Aquino. Ele foi o lançador da sequência lógica das virtudes
que ninguém conhece. Eu fui descobrir na Suma Teológica, que é um livro que
ninguém mais estuda. Graças a Deus, alguém me indicou esse livro e eu
consegui entender a lógica da virtude. Hoje eu sou um apaixonado por esse
tema, porque tento vivê-las todos os dias na minha vida privada e tento ensiná-
las a milhões de pessoas. Estou muito feliz que a Brasil Paralelo tenha me dado
essa oportunidade de explicar esse fenômeno a todos educadores do
momento. Esse é o fim da nossa primeira aula.

PERGUNTAS
1) Existem aqueles casos de pessoas que começam a trabalhar muito cedo
e normalmente essas pessoas amadurecem mais rápido. Isso é uma
verdade? Trabalho traz virtude?
Evidentemente. Uma pergunta muito boa. A imensa maioria das
crianças está com ΔT de cinco anos. O que isso quer dizer? Significa que se a
idade cronológica da criança é de quinze anos, sua idade psicológica é de dez
anos. E é a idade psicológica que a leva a pensar no outro, a servir ao outro, a
amar o outro, a sair da bolha. A gente entende tudo. Uma criança de quinze
anos está lá, no chão, brincando de carrinho, está lá no videogame, não está
nem aí para mãe, para o pai, para o irmão, está super atrasado. Esse ΔT entre
idade cronológica e idade psicológica foi aumentando nos últimos anos, e não
parou de aumentar ainda, também existe o fenômeno do rapaz que começou a
trabalhar, pois o pai estava ausente ou morreu e a mãe pediu ajuda para o filho.
A idade psicológica desse rapaz passa a idade cronológica. Então ele tem
quinze anos, mas, na verdade, ele tem dezoito anos. Isso é fenômeno da pessoa
que começou a trabalhar. É óbvio que uma pessoa assim é uma pessoa
diferenciada. E te digo uma coisa: aconteceu isso com a minha vida pessoal.
Posso contar aqui sem qualquer orgulho nem vaidade. O que aconteceu? Eu
não cheguei a falar isso no começo, mas eu sou de Portugal, sou de uma família
de seis filhos, uma família bem constituída, meu pai tinha bastante dinheiro,
mas teve uma revolução lá em Portugal no ano de 1974, a Revolução dos
Cravos, em que os comunistas derrubaram o sistema salazarista de direita e
obviamente meu pai teve que fugir, porque o meu pai trabalhava para o
governo de Salazar, era um técnico, mas estava sendo procurado pelo partido
comunista para ser preso. Então eu vim para o Brasil com os meus cinco
irmãos com uma mão na frente e outra atrás e ficamos vivendo uma vida de
pobre. Íamos a pé para a escola, não tínhamos televisão nos primeiros meses
na vida do Brasil. Morávamos numa mansão em Lisboa e viemos morar no Rio
de Janeiro num apartamento mínimo, pequeno. Hoje eu olho isso e falo: graças
a Deus! Porque eu tive um processo de maturidade rápida, precoce e a minha
idade psicológica ultrapassou a idade cronológica. Eu sempre me senti uma
pessoa com muito mais maturidade do que a minha própria idade cronológica.
Isso me ajudava a ter muita personalidade, a não ser estragado pelos amigos, a
ter o meu próprio ambiente. Se eu ia numa festa que era ruim, eu ia embora.
Eu não topava viagens fúteis, viagens em que sabemos que não vai rolar boas
coisas. Isso acontece muito em famílias que tiveram algum sofrimento forte, a
gente consegue ver isso também em comunidades, em que ou o rapaz corre
atrás ou ele vai para o tráfico. Os melhores alunos dessa escola de cinco mil
alunos em que trabalhei eram os de comunidade, justamente porque eles
sabem que se não forem atrás, vão ser comidos pelo sistema e vão fracassar.
Eles tinham um instinto de sobrevivência para que a idade psicológica
passasse a cronológica. Eram pessoas maravilhosas e eu fiquei muito amigo
desses alunos. Sua pergunta é muito boa. De fato, trabalhar é uma coisa muito
boa. Hoje mesmo, dentro das minhas respostas no meu instagram, uma pessoa
perguntou: “meu filho de dezoito anos acaba de se formar no ensino médio e
não tem a menor noção do que quer - como eu disse há pouco - e está querendo
parar um ano para trabalhar. O que o senhor acha?”. Eu respondi: acho ele
muito inteligente, porque já percebeu que esse é o caminho para ele se
encontrar. Um ano parado, amadurecendo num trabalho profissional, num
emprego, algo de responsabilidade, sem dúvida alguma vai ser a melhor coisa
que pode acontecer para uma criança nessa idade.
2) O senhor comentou que os pais precisam assumir a educação dos filhos.
Eu também sou um pouco a favor dessa descentralização, mas tem uma
pergunta que fica: o que acontece se os pais não ensinam virtudes e, ao
invés disso, ensinam malícias, maldades, ou pensam que estão
ensinando alguma virtude, mas do jeito errado?
Muito boa pergunta, nossa! Isso acontece hoje em dia, de fato. Acho que
talvez a maioria esteja assim. Eu vou em muitos colégios. Em geral, em colégios
nobres, particulares, as pessoas acham que são cultas, acham que estão bem
posicionadas eticamente, e quando ouvem esse meu discurso, inicialmente
têm um pequeno choque, porque evidentemente começam a perceber que
alguma coisa está errada no sistema deles. Eu costume perceber que
efetivamente há muitos pais que, no início, não aceitam a minha teoria das
virtudes. Por quê? Porque quando você vai educar nas virtudes, o cerne da
questão é que você tem que ensinar a criança a sofrer, por amor. É trocar o
egoísmo que está no coração da criança. Quando nasce, toda criança tem uma
dose imensa de egoísmo - o porquê disso eu não vou entrar aqui, mas há
explicações muito claras, filosóficas e teológicas. Enquanto você não
conseguir diminuir esse sofrimento para, no lugar dele, colocar amor,
portanto substituir o egoísmo por amor, a criança não vai avançar. E o papel da
virtude é exatamente esse: é trocar o egoísmo por amor. É o que todo mundo
quer. No entanto, as pessoas querem o coração de amor sem sofrimento.
Filosoficamente isso é impossível. Hoje, os pais acham que ensinar virtudes,
educar bem, é dar todos os prazeres, dar todos os confortos e mimos e não
percebem que estão só alimentando mais o ego que já existe, só estão
mimando e egocentrando a criança. Depois, a criança não consegue
amadurecer, não consegue chegar na adolescência na idade certa e acaba
ficando cheia de problemas. Depois, vai pedir para os psicólogos e psiquiatras
corrigirem esses problemas e não conseguem mais, mesmo com remédios e
etc… O grande problema dos pais hoje é entender que educar exige realmente
privar as crianças de coisas, de brinquedos, de viagens, mas não é uma
privação pela privação, é uma privação mostrando para eles que essas
necessidades, que eles acham que são necessárias, mais brinquedos e mais
festas para deixar eles felizes, são necessidades falsas, não são reais
necessidades. Eles os criam assim porque também foram educados nessa
cultura, ou, às vezes, ao contrário, porque nunca tiveram essas necessidades
satisfeitas, pois eram pobres, eram muito carentes, e agora querem
compensar tudo que não tiveram lá na sua infância, nos filhos. Há os dois
extremos. Os ricos e os pobres que educam erradamente. Eles vão satisfazendo
com muitos prazeres, muitos brinquedos, muitas viagens, festas caríssimas,
achando que dessa forma estão sendo bons pais, quando, pelo contrário, estão
é estragando os filhos, porque estão mimando, tornando-os egocêntricos e os
estão incapacitando de descobrir o amor. E é o amor que liberta. Enquanto você
não tiver essa capacidade de doação, de serviço, como eu dizia, você não
consegue se encontrar. É interessante perceber isso. Por que os jovens chegam
no final do ensino médio e 80% deles ficam cegos para um vislumbre futuro?
Porque só vão encontrar o seu projeto vital quando tiverem uma motivação
centrífuga, um desejo de fazer alguma coisa pelo outro, porque existem para o
outro. O projeto vital é para realizar uma coisa pelo outro, ninguém iria te criar
para ficar futuramente na praia. Ninguém iria te criar e dar talentos para você
desenvolver um projeto para você. O que dá a capacidade de vislumbrar um
futuro? Uma pessoa que está voltada para o outro. Quando a pessoa está
voltada para o outro, a sua identidade brota. A pessoa entende para que existe
e aí brota a liberdade, brota a motivação e as dificuldades vão sendo vencidas,
porque já entendeu para que existe. A imensa maioria das mães hoje,
infelizmente, não está educando bem. Quem está me ouvindo pode ficar um
pouco chateado comigo, mas eu compreendo muito bem as mães, porque
estão reproduzindo a educação que receberam dos seus pais. E os pais delas
estavam reproduzindo a mesma educação que haviam recebido dos avós delas.
Quer dizer, são processos reprodutores de falta de virtudes há muitos anos.
Nos congressos, palestras e conferências que participo, eu sempre gosto de
pedir para que levante a mão quem recebeu uma formação de virtudes. Na
semana passada, em uma palestra, havia quatrocentas pessoas no auditório do
colégio Aplicação da Universidade Católica de Petrópolis e apenas duas
pessoas levantaram a mão. Duas. E isso é habitual. Ninguém há mais de quatro
gerações recebeu uma formação de virtudes. Então, é óbvio que
necessariamente vão só reproduzindo essa falta de formação das virtudes nos
últimos quarenta, cinquenta anos. E é evidente que as pessoas não vão educar.
Pelo contrário, há um ambiente hedonista que prega que você só será feliz se
tiver todos os seus prazeres satisfeitos e quanto mais prazer, mais felicidade, o
que é uma mentira. Como acabamos de dizer há pouco, quanto mais prazer,
mais escravidão vai haver e cada vez mais insatisfação, cada vez mais egoísmo,
cada vez mais vazio. O grande objetivo desse curso seria eu conseguir provar
que o que realmente torna uma pessoa feliz é amar o outro, o que exige uma
capacidade de autossacrifício. Portanto, eu tenho que educar as minhas
crianças desde pequenas a que? A se sacrificarem para poderem amar, que é o
que torna a pessoa feliz. Felicidade não é uma vida cômoda, como as pessoas
pensam hoje, mas um coração cheio de amor, cheio de capacidade de doação.
Isso que nos torna felizes. Nós experimentamos isso empiricamente. O dia em
que você está ajudando um amigo, o dia em que está todo mundo se
sacrificando um pelo outro e todo mundo está suando a camisa, você pensa
que esse foi um dia legal, foi um dia em que você foi generoso, foi um dia em
que você fez uma coisa legal pelos outros. Esse dia foi um dia que valeu a pena
ter vivido. Agora, aquele dia que você fica o dia inteiro na televisão, vendo uma
série atrás da outra, dá vontade de dar um tiro na cabeça, porque você percebe
que a vida não foi feita para isso.

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