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SUMÁRIO
Sinopse .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. 3
BONS ESTUDOS!
AU L A 1
GÓRGIAS, DE PLATÃO
Hoje trabalharemos um livro muito importante não somente para
feita pelo Daniel Lopes, que respeita os sentidos. O objetivo deste encontro,
(1) Quem está falando, quem é o rétor, aquele que fala com o
Quem fala, para quem fala e do que fala? Estas três perguntas
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que fala, nós o sondamos considerando pelo menos duas acepções
epideictic ou epideixis, ideia segundo a qual aquele que fala o faz como
o mito e o raciocínio.
mais dois é igual a quatro, a única reação que vocês terão é a de aceitar o
que afirmo, não porque sou eu a dizer, mas porque o objeto do discurso é
diferentes formas, dado que o que está sendo narrado contém uma espécie
universal.
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do discurso possa confrontá-lo com outra percepção, formando assim
lidamos com discursos pequenos, com respostas mais curtas, com aquilo
especial de discurso breve que tem em vista uma exposição curta de uma
como pano de fundo, tratar e lidar com essa arte que visa à persuasão.
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Sócrates justifica um atraso, pois ele aparece no momento em que Górgias
correlatos. Para justificar o atraso, Sócrates diz que ele e Querofonte tinham
ficado mais tempo do que queriam na Ágora (esfera pública), onde estavam
espécies de atos humanos a retórica deve tratar. Por esse motivo, podemos
bem suas razões é, todavia, uma resposta que, para Sócrates, continua sendo
de seu mestre e os seus próprios, buscando com isso contrastar dois tipos
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como guia de orientação o que os antigos chamavam de techné e os latinos
de ars, arte. Isto é, uma virtude intelectual que leva alguém a produzir algo,
seja uma produção externa por si (por exemplo, alguém produz um vaso ou
uma peça), seja uma produção interna que pode se dar no corpo (a ginástica
com qual fim o rétor lida? Qual é no fundo a finalidade do emprego da arte
buscando a verdade, ainda que ela não possa ser alcançada totalmente.
por que não, da beleza. Górgias, Pólo e Cálicles estão entre aqueles que
humanos.
A diferença entre essas duas noções sobre o que seja retórica aparece
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acima de tudo, o que implica negar a própria inclinação para o domínio e o
as posições de Górgias e o põe contra a parede para tirar dele uma resposta
retórica. Vamos portanto ver como Sócrates fez isso. Vou convidá-los a lê-lo
pergunta e Górgias, como todo bom sofista, usa uma hipérbole para
justificar sua posição, que no fundo o envergonha. Ou seja, ele se sente
por eles e por mim1 e responde que bem é esse que afirmas ser o
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maior bem para os homens e cujo artífice és tu!
O que está por trás da resposta de Górgias é: Faço isso porque quero
dominar os outros e quero dominar os outros porque quero ter mais poder.
Mas Sócrates não cede e leva a discussão adiante, tão adiante, que
política.
No entanto, a grande questão ainda não foi resolvida. Por ora, estamos
entre quem fala e quem ouve, mas o objeto propriamente dito, o objeto
em si da retórica, foi apenas superficialmente tocado. Resta saber qual é o
da retórica à qual te referes e a que coisa ela concerne. [...] “De qual
Por que a retórica é uma arte? A que tipo de experiência humana ela
conduz? Estas são as questões que estão por trás das perguntas de Sócrates.
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Sócrates: Responde então, Górgias, visto que também a ti parece
justo?
em si? E por que nas assembleias ela é endereçada aos interlocutores tendo
a concepção que deve ser adotada por aquele que emprega a arte retórica?
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Se é assim, então é obvio que a retórica, segundo Górgias, tem
próprio objeto.
de Górgias:
até levá-lo a assumir a sua real intenção no uso da erística — que é a negação
seria não o bem em si, mas justamente a aparência do bem, cuja intenção
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nas artes relativas ao corpo o que se pretende é a conservação e a saúde do
próprio corpo, nas artes concernentes à alma, o que se pretende não é outra
animal político. Ser um ser vivo político implica dizer que o ser humano é um
vezes o ângulo pelo qual ele capta e intelige os bens o coloca em um lugar
distinto do outro que pode estar mais distante ou mais próximo do bem.
modo como o emprego do discurso retórico, por aqueles que estão mais
próximos ou mais distantes, irá variar também o modo como essa ordenação
interior do rétor, daquele que emite o discurso retórico, terá ou não um nível
procederá assim por uma reta intenção, ou seja, uma intenção baseada na
compartilhado é vivenciado por quem diz e por quem ouve; e também será
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justo porque o emissor do discurso tem a noção exata do que é o bem de
bem do outro. Por isso, aquele que emprega a retórica como instrumento
do supremo bem, tem por fim o bem do outro; ao passo que aquele usa a
debate para saber exatamente do que se trata a justiça que deve marcar a
qualidade moral do rétor e a qualidade moral (ou não) do sofista, uma vez
justiça e da lei, porquanto a retórica, como arte persuasiva que é, deve ser
fala deve ser justo e ter por fim o supremo bem; com quem se fala deve-se
ter uma relação baseada na justiça e, por que não, na amizade; e do que se
tomariam erroneamente por retórica, a saber: uma arte que implica uma
adulação.
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utilitarista. Por exemplo, muitos, senão todos, já devem ter presenciado
proximidade com o poder, com a classe rica das cidades e coisas do tipo.
O que Sócrates faz, no diálogo com Pólo sobretudo, mas também com os
Sócrates faz a seguinte pergunta: “O que é melhor, o que está mais próximo
do bem, sofrer uma injustiça ou praticá-la”? Aquele que busca o prazer está
que para eles a resposta é apenas uma: é melhor praticar a injustiça do que
sofrê-la.
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conduz ao domínio dos corpos alheios ou dos objetos em si mesmos.
Sócrates então dirá que o supremo bem, o bem com o qual aquele que
é a que tenta, não negar, mas se governar, o quanto possa, pela razão os
conduz aquele que ama o bem e a verdade. Aquele cuja alma é ordenada
porque quem a sofre, sofre como paixão, como pathos, como alguém que
recebe de fora algo que não lhe é devido. No caso, um ato injusto.
conjunto de inferências.
parentes, dos amigos, dos filhos ou da sua pátria, a retórica não nos é
minimamente útil, Pólo,3 a não ser que alguém conceba seu uso em
este escopo a fim de que, uma vez fúlgidos os atos injustos cometidos,
por uns de uma maneira e por outros, de outra. Segundo Górgias, Pólo e
3 A retórica nos termos empregados por Pólo, a saber: a erística.
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Cálicles, o justo é aquilo que converge para a maximização do poder e do
sobretudo por Sócrates, entre o justo por natureza e o justo por convenção,
e sobretudo entre a lei natural (ou lei da natureza)4 e a lei política ou a lei por
social produz conceitos que, para eles, são artifícios, criados pela sociedade
que é adotado pelos tribunais e assembleias e pela lei feita pelas assembleias
político) não são antagônicos ao justo natural, mas são dele decorrentes.
4 Ainda que esses termos não sejam os mesmos posteriormente, no contexto grego todas essas coisas estão
mais ou menos involucradas.
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maneira natural ora na natureza das coisas, ora na sociedade humana, os
de modo que o justo por convenção imita o justo por natureza e a lei por
verdade.
diálogo com Pólo, entra em cena aquele que é o mais irascível dos três:
Cálicles. Vejamos o que diz Cálicles, depois de Pólo rir de Sócrates, quando
quais não são belas pela natureza, mas pela lei.5 Pólo falava do que era
mais vergonhoso segundo a lei, mas teu discurso encalçava o que era
para os sofistas e para Sócrates. Para este, esse contraste não existe porque
injustiças não é apenas mais vergonhoso do que sofrê-la perante a lei, mas
é mais vergonhoso do ponto de vista do justo por natureza. Por isso, ele
continua dizendo:
Cálicles: [...] Pólo falava do que era mais vergonhoso segundo a lei,
5 Isto é, não são belas naturalmente, mas são belas por convenção humana, segundo Cálicles e Pólo.
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mas teu discurso encalçava o que era vergonhoso segundo a natureza.
vergonha está do lado de lá. É claro que, para bem responder essa questão,
Sócrates não tem outra saída, senão chegar à definição do que é exatamente
está falando. Isso sem contar o estilo dialógico do debate. Dialogus quer dizer
através da palavra, desse discurso que leva em conta sempre um objeto que
vai usando os sofistas como sparring. Ele faz perguntas e mais perguntas
os prazeres imediatos.
Górgias e Pólo que não haviam sido tão explícitos. Cálicles diz
dizendo que não só pela lei, mas também por natureza, é justo ter posses
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estamos, na verdade, diante de uma posição profundamente hedonista. É
hedonista porque ela não quer o poder pelo poder, nem o domínio pelo
tornar feliz aquele que o faz. Vejam que a compreensão de felicidade nesse
e Platão.
ser, ele não tem de refrear seus apetites, porém permitir que eles se
chamarão isso de retórica, ainda que, de fato, não seja no sentido genuíno
prazer não pode ser um bem em si. Ele começa arguindo que a satisfação
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do prazer e dos apetites não pode ser ela mesma um fim, porque, tão logo
ela, então, para nós? Por ventura os rétores te parecem falar sempre
Cálicles nesse momento percebe que ficou sem saída. Ele apresentou
Cálicles: Essa não é uma pergunta simples, pois há, de um lado, quem
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destruição daquele que o faz, seja ele um governante, seja ele apenas um
orador, um rétor.
com uma vida cuja noção de felicidade é voltada apenas para a satisfação
como tal considerada, as virtudes que correspondem à alma. Platão diz que
Aristóteles nos diz que todas as demais virtudes relativas aos atos humanos
que é a frônesis. Essa noção é muito mitigada na obra dele. Ele usa a palavra
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como forma pura das formas de vida na pólis, na comunidade humana. E a
uma vida justa, onde todos dão o que é devido a todos. No entanto, para que
que tange aos seus apetites. A virtude que ordena o apetite concupiscível é a
intemperança. Tu, porém, não me parece zelar por eles, mesmo sendo
Pólo não teve saída, e o mesmo ocorre agora com Cálicles]; que ser
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injusto e cometer injustiça é tanto mais vergonhoso quanto pior do
justo quem intenta ser um rétor correto, com o que Górgias, por sua
de sua própria tese. Claro que Cálicles não quis aceitar a derrota e insinuou
bem contra outra concepção de justiça e de uso correto da retórica. Por isso,
não te preocupas com outra coisa senão que nós, cidadãos, nos
interessado precisamente nisto: mostrar que o que é justo não tem temor
da morte. Aliás, esta é basicamente a tese socrática.
que poderia até terminar numa espécie de ato num teatro —, diz ele,
dirigindo-se a Cálicles:
6 Ou seja, toda esta defesa e todas essas coisas que convergem para a defesa do supremo bem.
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desprezá-las, se procurássemos e conseguíssemos descobrir, em outro
que vós três, tu, Pólo e Górgias, os mais sábios entre os helenos
mundo. [...]
para não cometer injustiça do que para sofrê-la; que o homem deve,
coisa, ele deve ser punido; que tornar-se justo e, uma vez punido, pagar
a justa pena, é o segundo bem depois de ser justo; que se deve evitar
de objeto ela deve lidar e qual é exatamente a sua finalidade dentro de uma
comunicação.
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AU L A 2
RETÓRICA, DE ARISTÓTELES
Nesta aula vamos examinar um livro muito importante no corpus
mais importantes. É uma obra clássica que traz uma série de inferências
comuns com os quais o ser humano lida para argumentar sobre muitos
e o modo como ele dispõe essas coisas todas, a distinção das quatro
de lidar com o conhecimento das coisas, não por certeza, tampouco por
probabilidade, mas por verossimilhança daquilo que está sendo dito, que é
o próprio da retórica; e por fim o discurso chamado poético que, por meio da
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de coisas que são possíveis, porquanto também universais.
para esses três pontos. Este é ponto central. A partir dele, todos os demais
serão determinados.
ser humano é mortal, Sócrates é ser humano, logo Sócrates é mortal”, esta
é medida por um grau de certeza absoluta. Seria néscio quem negasse esta
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podem ser estabelecidas: a de que todo ser humano é mortal e Sócrates é
termo que expressa um gênero (gênero dos mortais), que “ser humano” é
abdicar, pois são princípios evidentes por si mesmos, isto é, são seguros,
Esta proximidade com a certeza lhe confere uma plausibilidade tal que o
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Por exemplo, suponha que exista um grupo de pessoas numa sala
e um bom número delas esteja vestindo uma camisa na cor azul. Eu saio
pergunta então o que eles estão vestindo, eu digo que uma camisa azul.
Tão logo essa pessoa entrasse na sala, veria algumas pessoas que não estão
vestindo azul. Vamos supor então que ela fosse insistente e me dissesse
estão vestindo azul, e a partir daí esse debate prosseguisse. Percebam que
a primeira tese não era certa e segura, pois ela expressava uma situação
respondi. Porém, tão logo a pessoa constatasse a situação em si, veria que a
a totalidade das pessoas não estava vestindo uma camisa de cor azul.
que entra em cena na retórica, uma persuasão que procura apresentar aos
interlocutores, sejam eles quem forem, um grau pelo menos verossímil que
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Na retórica, assim como na dialética, o ponto de partida é diferente do
espécie de tensão entre quem fala e quem escuta, e esta tensão vai sendo
sendo dito. Essa estrutura da arte retórica será abordada mais adiante.
discursos. Ele voltará a essa divisão da classe dos discursos no Livro II de uma
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correspondentes a essas modalidades de discurso.
é um ser humano”, isto quer dizer uma substância que pertence a uma
livro Categorias indica como devo montar enunciados para dizer isso.
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ou para persuadir os nossos interlocutores a aderir à tese que postulamos
compaixão naquele que escuta e naquele que fala. Quando escutamos algo
que nos parece absurdo, por que isso nos enche de ira? Por que a retórica
tem este poder de ora fazer aumentar esses sentimentos e apetites dentro
Livro II. Além disso tudo, ele enfrenta novamente, agora de uma maneira
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Por fim, no Livro III, Aristóteles versa sobre as virtudes propriamente
que aparecem na oratória, por exemplo, são a acusação, típica nos tribunais,
Em suma, a obra como tal possuí muitos quesitos e pontos que merecem,
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Debulhemos essa frase para ver bem o que ela quer dizer. Temos
retórico e dialético.
ciência. Por exemplo, para provar que uma planta tem certas
e próprio da demonstração.
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Portanto, há um grau de universalidade muito maior em ambas do que na
claro ao dizer
seja por azar, seja por meio do costume que é próprio do seu modo
de ser.
3 Quer dizer, a ciência é indeterminada, porque ela tem um grau de universalidade menor na dialética e muito
maior na retórica.
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é justamente o topos, um lugar-comum que compartilhamos.
retórica não pode ser analisada sem a dialética, que, por sua vez, não
vida que resulta em tais e quais fatos. Então para um tratamento adequado
uma temperatura tal, num lugar tal; todas essas coisas são determinadas
é determinada na demonstração.
que outro, eu tenho de ornamentar meu discurso com muitas outras coisas
para despertar em você, pelo menos, uma curiosidade que moverá seus
Sabemos que, na retórica, existem três pontos: quem fala (o rétor), para quem
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sendo assim em Aristóteles? Por isso, ele nos pergunta qual é a utilidade da
A retórica é útil porque por natureza a verdade e a justiça são mais fortes
como se deve, será forçoso que sejam vencidos por ditos contrários, o
as noções acerca do que é verdadeiro e do que é justo são mais fortes do que
que convirjam para a justiça e a verdade. Pode lidar com certas pessoas
Mas é comum pensar e usual crer que no mundo dos tópicos, das noções
retórica é útil porque por natureza a verdade e a justiça são mais fortes que
os seus contrários”. Com isso, ele não quer dizer que a justiça e a verdade
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Quando nós pensamos assim, temos de considerar que se a retórica
é formada por três partes (por aquele que fala, por aquele que escuta e
pelo objeto com o qual se lida), então a pergunta que não quer calar é esta:
qual é o lugar dessa comunicação? Onde ela acontece? Por isso o emprego
dos bons e dos maus regimes políticos. Os bons regimes são aqueles
pólis; por fim, a patologia da politia (ou politeia) é a demagogia ou, como os
são organizadas. Aristóteles nos diz que a retórica não pertence a nenhum
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moldando à medida em que se emprega a persuasão, tendo em vista o maior
participe. Por isso, a retórica não tem um gênero específico, mas ela em si
mesma possui classes e especificidade que são próprias suas. Nesse sentido,
retórica nas assembleias, que, por sua vez, será diferente da empregada
por aquele que exerce o poder ou que pretende uma espécie de monólogo
discurso que visa sempre a verdade, mas que, por ausência de um grau de
Diz Aristóteles:
sobre coisas futuras. Há, com efeito, quem julga sobre o futuro, como,
sucessos passados, como faz o juiz; o espectador, à sua vez, julga sobre
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gêneros de discursos retóricos: o deliberativo, o judicial e o epidítico.
mais próxima possível do bem, segundo o que foi dito, isso implicará uma
projeto de lei usa de vários artifícios para persuadir os demais a votar com ele
esse projeto, transformando-o em lei. Mas, para fazer isto, ele será impelido
a persuadir os demais de que, aprovar essa lei, implicará num bem comum
para essa comunidade política. Esse tipo de discurso chamado deliberativo
tem em vista sempre um bem futuro. Ele olha, portanto, para os futuros
dissuadindo disso).
primeiro, o judicial é aquele que olha para o passado, para fatos pretéritos,
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para o que aconteceu. Se na deliberação usamos a vontade para com o
intelecto dirigir cada ser humano a uma decisão que implicará o futuro,
justo, ele vai procurar sempre a aproximação maior com a verdade; se ele,
todavia, for injusto, vai tentar usar de artifícios prementes na retórica tendo
pois uma dessas duas coisas é o que fazem sempre, tanto os que
que defende perseguem a justiça. Ora a justiça na sua acepção plena, na sua
identificação com dar aquilo que é devido a outrem, ora de forma precária,
Pólo, no Górgias de Platão, que tomam a justiça não como dar a cada um o
que lhe é devido, mas como o domínio do mais forte sobre o mais fraco ou a
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monológico: quando alguém fala bem ou mal a respeito de si ou de outrem.
faz pretende ornamentar a sua pessoa com qualidades. Por exemplo, uma
pessoa fará uma entrevista de emprego e falará bem de si. Para isso, ela
tática do discurso epidítico que, nesse caso, é o seu fim último, sua causa
qualidades.
Vejam que interessante o que Aristóteles nos diz no Livro II, a partir
todos esses discursos). Porque, com efeito, a todos (os oradores) lhes
Pelo mais, uma vez que estejam definidas essas coisas, buscaremos
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e dos exemplos, a fim de que, incorporando o que falta, concluamos
discursos deliberativos.
temos sempre uma premissa maior, uma premissa menor e uma conclusão;
sinceramente discordo, mas vamos supor que a maior parte dos brasileiros
tomem como válida essa afirmação, é uma opinião geral. Então eu tomo
essa opinião e logo concluo uma série de outras coisas: já que a seleção
opinião, em um saber aparente, uma crença ou, para usar uma expressão
7 Ou seja, quando alguém fala de si ou de outrem, fala sempre amplificando as qualidades e diminuindo os
defeitos ou, aquele que censura, faz o contrário.
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fosse, mas não porque ele tenha má intenção, senão porque, crendo ter
mas apenas a aparência da verdade, ele quer com isso persuadir os outros a
chegar onde chegou. Daí a distinção entre a retórica e a erística, o uso bem-
a retórica persegue a verdade, mas não chega nela; isso porque a estrutura
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AU L A 3
TRATADO DA
ARGUMENTAÇÃO: A NOVA
RETÓRICA
Nesta aula trataremos de uma obra que eu diria muitíssimo
retórica tivesse ficado adormecida por alguns séculos. Isso não significa,
sua reputação.
chamada lógica simbólica, ou lógica matemática, que outra coisa não fez
raciocínios analíticos.
e da metalinguagem.
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cultural ocidental que vergou a tônica dos interesses filosóficos para o
Bertrand Russel e outros. Por isso, naquele período existia uma obsessão
pela lógica demonstrativa atual, uma lógica que se mostra apta a ser
retórica, uma restauração do grau de relevância que ela deve ter no campo
da argumentação e dos raciocínios. Aquela pecha imputada à retórica
agora com os dias contados. Alguns autores foram decisivos para este
reflorescimento da retórica.
muito importante chamado Theodor Viehweg. Ele escreve sua obra magna
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de uma área específica chamada ciência do direito pretende mostrar que
muito importante sobre o qual trataremos nesta aula. Ele, aliás, escreve esse
pode ser considerado como a obra magna dos seus esforços para o
pretendem uma leitura mais rápida, ela é até mais fácil de ser adquirida.
Nesta obra Perelman expõe a sua nova retórica que, do meu ponto de vista,
é nova, porém com ares muito clássicos. Ela é apenas nova no que tange ao
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nova retórica já estavam consolidados nas obras de Aristóteles, Quintiliano
e Cícero.
temáticas. Nesta obra, ele tem uma propositura primeira muito clara de
clássicos.
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que, no século XX, nos campos da teoria e da filosofia do direito, existe uma
Veja que estes esforços já tinham sido feitos no passado pelo próprio
gênero. No fundo o que ele pretende nesta obra é mostrar que a retórica,
se nós formos por alguma razão objetar essa propositura, poderemos ter
todo tipo de fundamentação e até justificação para fazer. Porém, algo que
vista intelectual, é o fato de que essa propositura não tem outra finalidade,
atual. Ou seja, em que medida a retórica pode servir como uma espécie de
dar a cada um o que lhe é devido segundo a sua categoria. Esta categoria
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que pertence a cada um, não só uma propriedade no sentido econômico,
da qual um agente em relação aos outros mereça algo. Por exemplo, para
será “X”; para os da classe “C”, será “Y” e assim por diante. Nos critérios
cada um segundo seu mérito. Isso possui muitas acepções. Posso persuadir
alguém de que outra pessoa merece mais em razão do mérito que ela
ganhar mais, quem trabalha menos merece ganhar menos. Por trás disso,
de pessoas. Esse número indeterminado, por sua vez, trará uma exigência
meu discurso retórico. Porque nesse caso não se trata de persuadir alguém
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de uma forma que, se não unânime, ao menos com o máximo possível de
que eu faço tendo em vista uma finalidade. Esta uma finalidade eu tomo
como um bem para mim, para vocês e para todos nós em geral, de modo
o bem que procuro realizar nessa ação. Ou seja, existe uma relação interna
entre a retórica e a razão prática nesse sentido. Essa relação muito íntima
que o circuito das relações humanas vai aumentando e alcança sua máxima
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discurso legal, então é claro que, entre o discurso legal, a retórica e a razão
das instituições, como dizia Aristóteles, então é claro que a retórica, dentro
própria comunidade.
quando você fala aos seus pares na assembleia ou na câmara dos vereadores
topos. Por isso Perelman nos diz que, há na retórica jurídica uma espécie
forma de vida humana, e seu contato com a política e com o direito mostra
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entre persuasão e convencimento. Aqui a diferença entre ambos se dá em
devem ser tomados como seres racionais que, diante do discurso veiculado,
está sendo dito. É como se esse auditório fosse um lugar comum, aquilo
que há quando esse mesmo agente entrou para discursar. É como se você
fosse falar a um auditório e soubesse que ali estão pessoas que sabem muito
física quântica, física clássica etc. Você partirá, portanto, do suposto de que
todos dominam a física quântica porque, com base nessa exigência, você
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na filosofia grega como um todo: a ideia do mundo intelectual. É como se
excelente possível sobre a estatura científica e/ou filosófica das coisas ditas.
para o que se deve e o que se não deve dizer. E aquilo que se convencionou
também deve subsistir para avaliar a retórica. De modo que todos aqueles
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é verossímil, como adquirirá uma estatura suficientemente
desafio.
(2) Mas eu também posso lidar com outro tipo de objeto que
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e Perelman analisa isso na Retóricas —, contrastam a
(4) Aqueles que estão no auditório são seres humanos, e devem ser
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se de modelos de persuasão e modelos de convencimento,
provável que ele aceite o que quer que se diga. O que essa
do conhecimento.
noção.
Perelman. Aliás, é importante que se diga que esta obra se divide em três
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dentro de auditórios específicos? À medida que eu vou universalizando
falará sobre um projeto de lei, começa a dar aula de química. Todo mundo
dirá que ele enlouqueceu, ele acha que está numa sala de aula. Todo
mundo está achando que ele enlouqueceu, porque ele está falando para
razões contra.”
Como é uma imagem que o rétor faz, ela tem de ser a mais próxima
que o leva a tomar a realidade sempre como mais exigente. Então veja a
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A Parte II é intitulada “O ponto de partida da argumentação” e
Tratado está muito claro que Perelman pretende esmiuçar o que Aristóteles
de quais axiomas deve manter e quais opiniões deve descartar, ele corre
próprias postulações.
falaremos e o que o auditório quer ou não ouvir, vamos para a escolha não só
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mais ornado nosso discurso.
premissas. Isso não é outra coisa, senão as formas e figuras retóricas com
discurso.
Ou seja, ela pode ser destruída se você pegar pesado. Ela não tem aquela
1 Na aula anterior, sobre a Retórica de Aristóteles, tratou-se da estrutura da demonstração: premissa maior,
premissa menor e conclusão.
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estudo foi em geral incluído nos tratados de retórica; daí seu nome
retórico como tal ou são apenas questões de estilo narrativo que, se não
grande pensador da Roma antiga, que dizia: “As figuras não haviam sido
natureza retórica, de modo que a metáfora poderia ser tomada como algo
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à nova situação sugerida. Se, em contrapartida, o discurso não
originalidade do orador.”
compartilhada, essa figura é decisiva para o discurso. Se, todavia, ela não
mais belo, dentre outros discursos, não terá importância decisiva do ponto
de vista propriamente retórico.
discurso vivo.
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AU L A 4
CONCLUSÃO
Nas três aulas anteriores tratamos de Górgias em Platão, da Retórica
adequado entendimento.
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Esse ser humano — definido por Aristóteles — tem modos diversos de
Percebemos também existir uma divisão dos saberes. Esta divisão está
certamente uma dessas artes é justamente a retórica. Ela tem portanto uma
e do homem latino em Roma. Por isso, Hannah Arendt diz que a Ágora, a
a felicidade comum.
de seu discurso visando uma aproximação maior com o bem comum e com
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Aristóteles diz, na Política, que aqueles que vivem na cidade é porque
tem a razão e, por tê-la, possuem uma inclinação para a vida na pólis; e
os que não tem a vida segundo a razão possuem uma vida bestial. Por
isso, fora da pólis não há vida humana; só vida bestial. Se na pólis os seres
para a filosofia política, reside algo que, embora não seja tão aparente, é
mas pelo contrário: buscando a verdade, mesmo que ela não se mostre
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aparentemente em prol do bem comum.
regimes políticos puros, que tornam uma cidade boa e feliz, e regimes
Isso porque, embora exista tal pretensão, ela é contrastada pela força que os
lhes impele a perseguir sempre a certeza, mas, na ausência dela, lidar com
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político ateniense postula uma tese e outro político postula uma antítese;
maneira que das meras opiniões das primeiras posições chega-se a uma
posicionamento.
universal de que no fundo a tese merece ser abraçada por todos. É como se
maior de universalidade, ele pretende ser adotado por todos. Para que
isso aconteça, é preciso uma relação entre quem emite e quem adere ao
é algo decisivo não só pelo objeto do discurso, mas sobretudo pelo modo
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Por esse motivo, no mundo antigo a retórica era estudada depois
algo supõe que um elemento decisivo sobrevenha tão logo se constate qual
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como este suposto auditório universal do que ele mesmo pretende na
pretende sondar por que a retórica deve ser empregada e com qual
instrumento para tornar quem a usa mais forte e dominante sobre os outros,
mostra que todo esse projeto fracassa porque os apetites não podem por
política. Por isso que uma teoria de justiça baseada na ideia de que por
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seus artifícios para adular a multidão, buscando sempre a satisfação de
sentimentos são mobilizados pela retórica? Ou, como diz o próprio Aristóteles,
majoritária numa sociedade, logo isso deve ser um projeto de lei”, é como
Por isso, e isso nos diz Cícero, Aristóteles e os clássicos da retórica em geral,
Dos sentimentos — que podem ser entendidos aqui como juízos reflexos
da família, amigos etc.); e dos afetos vamos aos apetites, a satisfação dos
prazeres do corpo,
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Por exemplo, a satisfação de um prazer corpóreo poderia ser o ato
deve ser dirigido para esse fim, esse é o objeto final da retórica. Isto é,
(ativo). E a retórica tem esse poder de mover com nosso pathos. Ela mexerá
dos afetos e dos apetites), nos dirigimos ao mundo externo. E aí inicia uma
segunda etapa.
externo corporal, chamado ethos (de onde vem a palavra ética). Este é o
portanto a reger os apetites para que tenham uma retidão — aquilo que
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racional, o ponto central de nossas ações. E quando tornamos o apetite
pois assim teremos uma noção exata do bem que há em nós e no outro,
política e social.
assim, porque, tendo em vista o logos, a vida dele é ordenada para buscar
passado que constitui o tempo presente desse ser humano real e concreto.
seres humanos não tivessem esse aspecto reflexivo tão presente. Em outras
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porém, o auditório ao qual ela é dirigida é muito mais consciente a respeito
de seus limites.
devem possuir.
o que temos em vista aqui é a arte de ser capaz de montar uma narração
com termos e frases para tornar essa narração compreensível aos outros.
ouvinte.
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uma forma tal, para que essa voz — a vox significandi — possa também
é possível fazer arte retórica sem a memória dos termos e seus significados
memória não é apenas gráfica, mas simbólica e narrativa. Por isso, o acesso
direta com a dialética, elas são como que inseparáveis. Por isso mesmo,
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debruçamos sobre alguns autores clássicos da retórica. Todavia, tenho a
concreto, muito mais aprofundado do que o que vimos aqui. Deverá ser
objeto.
Paralelo tenha cumprido seu objetivo e sido útil a vocês. Faço votos de que
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