Uma análise das alegorias e expressões simbólicas da iniciação
maçônica sob a perspectiva do ciclo da Jornada do Herói
Rodolfo M. Martins1
Nesta breve explanação, procurarei apresentar uma análise das diversas
etapas da iniciação no grau de Aprendiz Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito, através dos arquétipos esboçados por Joseph Campbell no ciclo evolutivo que chamou de “A Jornada do Herói”. Com tal análise, o que tenho por objetivo é relacionar a mitologia maçônica do grau de aprendiz com o conceito de monomito compreendendo a ritualística de iniciação como verdadeiro processo de evolução psicológica do iniciado. A escolha desta temática é centrada no fato da literatura maçônica que é publicada no Brasil dar ênfase predominantemente às interpretações ritualísticas que seguem o raciocínio estrito ao entendimento consciente dos ensinamentos morais, deixando de considerar os efeitos psicológicos extensamente produzidos pela prática ritualística. Assim sendo, é de vital importância para o amadurecimento das nossas reflexões como maçons, compreendermos os trabalhos de psicanalistas que tanto fizeram uso da mitologia para embasar seus argumentos, como Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, os quais elaboraram teorias fundamentais para nosso entendimento acerca dos rituais e da maçonaria em si. As ideias de Carl G. Jung formam o embasamento teórico-científico que o estudioso Joseph Campbell adotou para articular acerca das similaridades existentes entre muitas religiões e mitos de diversas civilizações ao longo da história da humanidade. Uma das similaridades mais pungentes entre narrações mitológicas de diversas culturas é o ciclo que Jaymes Joyce denominou “monomito”, um conceito que mais tarde foi melhor explorado e detalhado por Campbell, autor que mostrou todo o roteiro da manifestação arquetípica do herói, que se encontra muito presente na fantasia social como um arquétipo pertencente ao inconsciente coletivo. Mas quem é este herói, meus irmãos? Quem é esse personagem que, na análise psicológica da sua manifestação, é compreendido como um arquétipo pertencente à psique coletiva que nos envolve? O herói é, em síntese, o protagonista de uma história de superação e vitórias, nas palavras do próprio Campbell, é alguém que “conseguiu vencer suas limitações históricas, pessoais e locais e alcançou formas normalmente válidas, humanas” (CAMPBELL, 2007). Podemos encontrar o herói em muitas histórias, como na de Osíris, no antigo Egito; Apolo, Dionísio e Orfeu, da mitologia greco-romana; Marduk, nos 1 M.: M.: obreiro da Loja de Pesquisas Maçônicas União e Trabalho nº 390 – GORGS e Loja Luz e Trabalho nº 85 - GORGS mistérios do povo sumério; Krishna, no hinduísmo; Amaterasu, no xintoísmo japonês; o Rei Arthur, Galahad e Persival, na história mitológica do Santo Graal; na história de Jacques DeMolay, da Ordem dos Cavaleiros Templários; em Christian Rosenkreuz, nas núpcias alquímicas da tradição rosa-cruz; além de Jesus Cristo, da religião cristã e também em vários heróis cinematográficos, como Indiana Jones, James Bond, Superman e Harry Potter (DEL DEBBIO, 2008). Em todas estas histórias, encontram-se similaridades que podem ser compreendidas à luz do inconsciente coletivo. Um personagem que migra da sua zona de conforto, é deslocado do seu mundo habitual para experimentar um mundo de desafios que pode ser de aventuras, provações, viagens perigosas e confrontos com o risco da morte. Estando geralmente acompanhado por um mentor, guardião, ou protetor obtém conquistas e vitórias sobre os desafios, retornando ao mundo de origem ou contribuindo com o mundo de origem mediante os ensinamentos adquiridos no percurso que teve de trilhar. A partir do melhor entendimento sobre o personagem e a trajetória do herói, é quase automática a analogia que construímos entre o herói e o profano que vive seu rito de passagem ao primeiro grau da Maçonaria. O candidato é retirado do seu mundo de origem, o mundo profano, e lançado em um mundo completamente desconhecido para ele, onde lhe é impossibilitada a visão. Logo no início se depara com a expressão simbólica da morte, momento em que precisa pensar sobre a finitude e é envolto na tensão de um momento jamais antes experimentado. Conhecendo um guia no meio do trajeto, o experto, é lançado a realizar viagens perigosas, repletas de obstáculos e desafios, onde precisa persistir na vontade de seguir em frente, não desistindo diante das provações. Em um dado momento, se depara novamente com a possibilidade de morrer, e precisa persistir na sua vontade. Se o iniciado passar por todos os desafios e testes, será vitorioso na senda de sua iniciação, merecendo retornar ao seu mundo de origem na condição de maçom e, consequentemente, com o compromisso fundamental de agir no mundo profano com base nos ensinamentos adquiridos a partir da iniciação na eterna caminhada maçônica em busca da sabedora e de um estado mais pleno, justo e perfeito de existência. Ao falar sobre as características dos heróis, Joseph Campbell, na obra que apresenta e define seu conceito de jornada, faz considerações muito pertinentes acerca de um perfil que pode ser associado à característica ideal de um maçom, Campbell coloca assim:
Os Heróis falam com eloquência, não da sociedade e da psique atuais,
em estado de desintegração, mas da fonte inesgotável por intermédio da qual a sociedade renasce, O herói morreu como homem moderno; mas, como homem eterno (aperfeiçoado, não específico e universal), ele renasceu. Sua segunda e solene tarefa e façanha é, por conseguinte (como o indicam todas as mitologias da humanidade), retornar ao nosso meio, transfigurado, e ensinar a lição de vida renovada que aprendeu." (CAMPBELL, 2007).
Finalmente, sem o desejo de tornar esta leitura maçante, volto ao cerne
da proposta deste trabalho, o qual jamais poderia ter a pretensão de esgotar qualquer entendimento acerca das diversas formas que se pode lançar o olhar sobre a iniciação, mas que procura ser um breve disparador na reflexão acerca do processo de individuação do iniciado. Com isso, me refiro ao caminho que nos conduz a uma vivência mais consciente da nossa vida simbólica e uma compreensão mais profunda das metáforas e manifestações exteriores dos arquétipos. Em diversas sociedades e cultos primitivos, a prática ritualística consistia em vivenciar a mitologia de forma direta, pois o mito estaria influenciando de forma indireta no decorrer das cerimônias, por meio do inconsciente. Dessa forma, o crescimento e a finalidade da mitologia se dão de forma particular em cada indivíduo, como uma semente que aos poucos iria germinando (JUNG, 2005). A nossa tradição maçônica mantém esses costumes como forma de instrução aos irmãos, sendo, portanto, herdeira pedagógica dessas antigas culturas (BLAVATSKY, 2009). Por fim, ao estudarmos a Maçonaria, sua ritualística, sua liturgia e simbologia, não podemos desconsiderar ou descartar essa importante herança, sob o risco de abrirmos mão do real objetivo dos nossos rituais.
REFERÊNCIAS:
BLAVATSKY, H. P. O ocultismo prático e as origens do ritual na igreja e na
maçonaria. São Paulo: Editora Pensamento, 2009.
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces. São Paulo: Editora Pensamento,
2007.
DEL DEBBIO, Marcelo. Enciclopédia de mitologia. São Paulo: Daemon
Editora, 2008.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005.
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Rio de Janeiro:
Vozes, 2011.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. Rio de Janeiro: Vozes, 1978.
GRANDE ORIENTE DO RIO GRANDE DO SUL. Manual de procedimentos ritualísticos, ritual e instruções do grau de aprendiz maçom do rito escocês antigo e aceito. Porto Alegre: GORGS, 2016.
Maryam Fanni - Inimigas Naturais Dos Livros - Uma História Conturbada Das Mulheres Na Impressão e Na Tipografia (2022, Clube Do Livro Do Design) - Libgen - Li