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História Da Arte No Brasil - Volume 1 v24
História Da Arte No Brasil - Volume 1 v24
Volume 1
Madalena Zaccara
Recife, 2012
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Reitora: Maria José de Sena
Vice-Reitor: Marcelo Brito Carneiro Leão
Pró-Reitor de Administração: Gabriel Rivas de Melo
Pró-Reitor de Atividades de Extensão: Delson Laranjeira
Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Mônica Maria Lins Santiago
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: José Carlos Batista Dubeux Júnior
Pró-Reitor de Planejamento: Romildo Morant de Holanda
Pró-Reitor de Gestão Estudantil: Severino Mendes de Azevedo Júnior
Apresentação..................................................................................................................... 5
Sobre o Brasil pré-colonial, a colônia e a passagem do extrativismo para
a fixação na nova terra..................................................................................................... 9
Sobre o início do investimento europeu nas terras recém-ocupadas......................... 9
Sobre a hibridização cultural brasileira..................................................................... 13
Sobre a contribuição dos povos pré-colombianos que ocupavam a terra
brasilis....................................................................................................................... 15
Anotações sobre as artes visuais anteriores à ocupação branca e no
início do processo colonizador: o índio no contexto da mestiçagem brasileira........ 18
As primeiras manifestações barrocas.......................................................................... 25
Sobre a introdução da linguagem barroca europeia no universo
conquistado brasileiro............................................................................................... 25
Sobre as ordens religiosas e seu papel na formação do barroco brasileiro............. 31
Os Jesuítas.......................................................................................................................31
Os Franciscanos...............................................................................................................33
Os Beneditinos ................................................................................................................36
Os Carmelitas...................................................................................................................38
Sobre o artista/artesão no universo da produção de espaços e imagens
no Brasil colonial....................................................................................................... 39
Personagens que aparecem no capítulo.................................................................. 41
O Barroco Tropicalista.................................................................................................... 45
Sobre o processo de mestiçagem e a produção de uma estética............................ 45
Sobre o Barroco mestiço brasileiro (ou barroco tropical) na sociedade
canavieira colonial nordestina................................................................................... 48
Anotações sobre elementos próprios do barroco tropical substituindo ou
adaptando-se ao código hegemônico ibérico........................................................... 49
Sobre os artistas citados no capítulo........................................................................ 52
A glória e a interrupção da linguagem barroca............................................................ 57
Sobre o apogeu da linguagem barroca no Brasil...................................................... 57
O ciclo do ouro como agente catalizador e unificador do barroco brasileiro............ 61
O Aleijadinho e Mestre Ataide: uma síntese do apogeu do barroco/rococó
colonial...................................................................................................................... 63
Sobre algumas escolas barrocas brasileiras............................................................ 70
Anotações sobre a Escola Fuminense de Pintura............................................................70
Anotações sobre a Escola Baiana....................................................................................71
Anotações sobre a Escola Mineira...................................................................................72
Sobre o Rococó........................................................................................................ 74
O declínio do estilo Barroco e a implantação do vocabulário Neoclássico............... 75
Sobre os artistas citados no capítulo........................................................................ 78
Considerações Finais..................................................................................................... 91
Conheça a Autora............................................................................................................ 96
Apresentação
A História da Arte no Brasil teve início com as observações e escritos do pintor,
caricaturista, arquiteto, professor, crítico de arte e gestor Manuel de Araújo Porto-Alegre
que, inclusive, foi o primeiro diretor brasileiro da Academia Imperial de Belas Artes do
Rio de Janeiro. Ele é conhecido (da mesma forma que Giorgio Vassari o é no que diz
respeito à História da Arte Ocidental) como o pai da História da Arte no Brasil.
Desde sua atuação como crítico de arte Porto-Alegre procurou unir história e arte.
O seu interesse em buscar uma história da produção artística desenvolvida no país,
mesmo considerando a influência europeia colonialista, destaca-se. Em suas próprias
palavras (1850): “A arte não progride, não forma escola, não adquire um caráter de
superioridade e de permanência enquanto se não nacionaliza: apressar este passo é
conquistar o futuro, é encurtar o tempo”.
Ao admitir os artífices setecentistas como artistas, Porto-Alegre acabou por fundar uma
história da arte brasileira antes mesmo da chegada da Missão Artística Francesa de
1816, que vai introduzir no país um novo vocabulário iconográfico: o Neoclassicismo.
É a partir deste início de uma abordagem científica da produção artística nacional que
iremos montar nosso curso sem esquecer a magnífica produção indígena (mesmo que
de maneira superficial), mas abordando o viés historiográfico a partir das primeiras
tentativas de fixação do europeu na terra. Dessa forma, após uma ligeira introdução
sobre as formas de arte existentes antes do processo de colonização mergulharemos
no desenvolvimento das expressões coloniais até chegarmos ao período barroco e a
glória da igreja católica aliada ao absolutismo português.
5
proprietário de terras, parte do segmento financeiramente privilegiado, por sua vez, não
tinha qualquer interesse ou preocupação com atividades artísticas.
Dessa forma, a produção de arte colonial foi de caráter religioso, com modelos
importados da Europa, mais precisamente de Portugal. No Brasil, apesar de uma
colonização aparentemente menos cruenta do que a espanhola em seus aspectos
de catequese, as missões jesuíticas se constituíam em verdadeiras fábricas de
imagens que impunham uma visão eurocêntrica do mundo através da Igreja católica.
A colonização cultural que, através de uma hipotética cumplicidade, faz da catequese
uma forma de controle da colônia pelo Estado aconteceu, portanto, desde os primórdios
da formação brasileira embasada na supremacia do invasor em relação aos povos
autóctones.
Por longos anos as terras conhecidas e achadas pela coroa portuguesa foram deixadas
ao sabor dos que a exploravam. A colonização foi, depois desse tempo de abandono
e invasões de países deixados de fora do Tratado de Tordesilhas, a alternativa para
que a coroa de Portugal mantivesse sua parte do território partilhado com a Espanha:
o chamado Novo Mundo. Se inicialmente ele, o ambiente construído, visou uma mera
sobrevivência para um europeu aventureiro ele logo deu lugar às iniciativas construtivas
voltadas essencialmente para uma arquitetura destinada à religião iniciada pelos
jesuítas e, posteriormente, continuada por franciscanos, beneditinos e carmelitas. As
ordens religiosas marcharam com o colono na fixação e ocupação deste em relação à
nova terra.
6
imaginário através da força das armas e da conversão a um determinado credo. De
acordo com Octavio Paz (1977, p. 20), “os missionários do século XVI e os antropólogos
contemporâneos se aproximam das comunidades indígenas da mesma forma: não para
conhecê-las, mas para mudá-las”.
Esse ápice da civilização barroca brasileira, ainda na primeira metade do século XIX,
vai oficialmente ceder lugar a um novo estilo também importado: o Neoclassicismo. É
um momento político internacional que teve como resultado a introdução de uma arte
laica no país. Essa visão artística profana que se deveu a acontecimentos alienígenas
(a desobediência de Portugal ao bloqueio continental decretado por Napoleão
Bonaparte e as ligações do governo luso com a Inglaterra) vai substituir, pouco a pouco,
o simbolismo barroco religioso adaptado aos trópicos.
A autora.
7
8
Capítulo 1
Objetivos
●● Compreender o processo de fixação do europeu em solo brasileiro;
9
Dessa forma, nesse primeiro período da história do Brasil pós
“descoberta”, as terras achadas pela coroa portuguesa foram deixadas
ao sabor dos que a exploravam independente de sua origem, apesar
das poucas tentativas tomadas em sua defesa. O investimento na
defesa do território ainda não se fizera importante.
10
Em 1549, o rei de Portugal criou um novo sistema administrativo para
o Brasil: o Governo-Geral. Este seria mais centralizador, cabendo ao
governador geral as funções antes atribuídas aos donatários. Iniciou-
se, então, gradativamente, o povoamento da maior colônia portuguesa
de além-mar: o Brasil.
11
Pernambuco, além de Itamaracá, na Capitania de
pero Lopes de Souza).
12
O início do século XVII marcou, segundo a historiografia sobre
o período colonial no Brasil, a expansão e o interesse da Coroa
portuguesa em explorar áreas antes não ocupadas pelo processo de
colonização. O tempo trouxe novas perspectivas para a colônia. A
base econômica para essa atenção foi o açúcar, uma riqueza trazida
de fora e que para o seu desenvolvimento Portugal já tinha experiência
tanto com o seu plantio como com a comercialização do produto nas
Ilhas Atlânticas. Assim, se no século XVI foram as construções de
taipa de pilão que compuserem a paisagem da colônia, no século
XVII a paisagem urbana e arquitetônica se transformou lentamente.
O colono demonstrou, através de construções mais sólidas, sua
intenção de fixação na terra brasileira. Em termos artísticos se iniciará
então a glória de um barroco colonial transformador e original.
13
Foi um encontro trágico e mágico que perdura até os dias que
correm. Trágico em relação aos milhares de índios exterminados e
de africanos escravizados. Mágico, se considerarmos o resultado
desse entrecruzamento de culturas, de três continentes, refazendo
valores, criando códigos de comportamento e sistema de crenças,
gerando esse mosaico, que resiste aos séculos, formado do acúmulo
de povos, ideias, história, linguagem e visões do mundo.
14
em sua obra Formação do Brasil Contemporâneo, que, marxista,
denuncia e atribui boa parte do problema dessa sociedade hibridizada
à degradação de índios e negros no Brasil, denunciando a escravidão
na sociedade colonial, mas colocando o negro escravo como o foco
do problema, pois que ele procedia de um universo heterogêneo,
ainda em estado de barbárie e que, aqui chegando, se abastardou por
completo. Dessa forma, enquanto Gilberto Freyre abriu caminho para
se pensar uma cultura brasileira original em sua multiculturalidade,
ele reafirmou conceitos e preconceitos antigos.
15
Desde o início da ocupação europeia estereótipos foram estabelecidos,
conceitos esses que projetaram uma imagem do indígena até o
presente. Uma imagem distorcida, portanto, foi transmitida. Essa
história preconceituosa afastou o conhecimento de 500 séculos de
pré-história indígena.
16
mesma forma: não para conhecê-las, mas para mudá-las. Diz ele:
17
colonial passou a fazer parte dessa história da África, é verdade.
Ela adaptou se a essa realidade colonial, que queria eliminá-la. E
sobreviveu. Esse amoldamento não se deu somente entre os que
permaneceram no continente, mas, também e principalmente, entre
os que foram sequestrados para a indústria da escravidão. Seu
passado e suas referências permaneceram na memória coletiva do
grupo transplantado à força de suas raízes culturais: Segundo Heloisa
Leuba Salum (2005):
18
processo. De acordo com Parrot (apud ROMEU CABRAL, Carlos
Henrique, 2011:17) o objetivo era a busca de explicações bíblicas
para o dilúvio e outros fatos narrados pelo Antigo Testamento.
19
tristemente famoso genocida de índios.
20
A colônia, portanto, nessa fase de sistematização, conheceu poucos
pintores de boa formação artística (laica ou não) com exceção dos
que compunham a equipe de artistas do conde Maurício de Nassau.
Durante seu governo (1637-1644), desenvolveu-se uma maior
atividade no sentido de proporcionar um progresso físico e intelectual
no Nordeste do país. A cidade de Recife (Mauritzland) se transformou,
então, em um dos centros mais cosmopolitas da América do Sul.
21
(esculturas principalmente e pinturas) para difusão do credo católico.
Obras foram trazidas pelos sacerdotes da Europa referencial até que
os padres e primeiros devotos, índioscatequizados e abrigados nas
missões ou negros recrutados conseguissem uma produção local
(Figura 6).
Dessa forma, vai ser nos núcleos mais ricos da colônia que vai se
Figura. 6. Imagem sacra desenvolver uma arquitetura ainda não rebuscada, uma escultura
brasileira. Século XVII. Autor
desconhecido. Museu de ligada à ideia da catequese e uma pintura ligada aos mesmos
Arte Sacra de Pernambuco. objetivos. Em sua maioria anônima essa produção artística brasileira,
Ricardo André Frantz.
Domínio Público. Fonte: em seus primórdios coloniais, vai, porém, pouco a pouco, evoluindo
http://pt.wikipedia.org/wiki/ para uma adaptação à realidade local e caminhando para a glória
Ficheiro:Maspe-desconhecido.
barroca que vai se manifestar principalmente no século XVIII.
jpg
Revisão
Durante os primeiros trinta anos (1500 a 1530), Portugal não viu qualquer interesse
em colonizar o Brasil. O seu principal objetivo era o lucrativo comércio das especiarias
orientais bem como o do ouro, marfim, sal e escravos. As terras achadas pela coroa
portuguesa foram deixadas ao sabor dos que a exploravam independente de sua origem
apesar das poucas tentativas tomadas em sua defesa.
Entre os anos de 1534 e 1536, o rei de Portugal D. João III dividiu a terra brasileira
em faixas, denominadas de Capitanias Hereditárias, que partiam do litoral até a linha
imaginária do Tratado de Tordesilhas. Com exceção das capitanias de Pernambuco e
São Vicente, todas acabaram fracassando.
22
escravização do africano cuja cultura também não pode ser compreendida tomando-se
como referência a organização social, econômica e política ocidental: ela também tinha
código próprio.
Dessa forma a cultura africana- ameríndio- europeia brasileira perpétua, no país, uma
nova gama de valores. Paralelamente às atividades estéticas visíveis nessa sociedade
híbrida produziu-se toda uma permanência cultural (e plástica), principalmente do
sagrado, oculta no seu interior. Isso vai influenciar na adaptação da cultura europeia
colonizadora às condições específicas do nosso território.
Vai ser nos núcleos mais ricos da colônia que vai se desenvolver uma arquitetura
ainda não rebuscada, uma escultura ligada à ideia da catequese e uma pintura ligada
aos mesmos objetivos. Em sua maioria anônima essa produção artística brasileira em
seus primórdios coloniais vai porém, pouco a pouco, evoluindo para uma adaptação à
realidade local e caminhando para a glória barroca que vai se manifestar principalmente
no século XVIII.
Atividades Práticas
A partir da imagem ao lado exposta o professor deve convocar os alunos para que
emitam uma opinião própria sobre as influências multiculturais no barroco brasileiro e Pesquise...
dialoguem virtualmente entre si. Eles não necessitam se estender sobre o assunto, mas
Rosto indígena. Pedra
apresentá-lo de forma sintética falando e interagindo sobre o processo de hibridização da calcária, século XVIII,
cultura brasileira e inclusive apresentando imagens capturadas em igrejas visitadas que Arremate do muro do
tenham pontos comuns de hibridismo. A imagem pode ser colocada em um fórum virtual adro, fachada da Igreja de
para debate. São Francisco.
23
24
Capítulo 2
As primeiras
manifestações barrocas
Objetivos
●● Compreender o processo de introdução da linguagem barroca no universo imagético
brasileiro;
25
as terras agora espanholas ou portuguesas.
26
ao qual a própria igreja em seus primórdios ocupacionais não se
furtou. Entretanto, posteriormente, a missão da conversão, da
catequese passa a ter prioridade dada a selvageria demonstrada pelo
colono laico naqueles primeiros tempos de ocupação do território.
Saiba Mais
7
A Reforma católica ou a Contra-Reforma foi a resposta da Igreja Católica ao
aparecimento de novas religiões. O papado viu o seu poder territorial e influência
diminuírem. Daí a necessidade de uma resposta ser urgente. Só quando o papa Paulo
III assumiu a liderança da Igreja Católica foram criados os meios necessários para iniciar
a contra-reforma e combater as fortes influências protestantes, verificadas sobretudo
nos países do norte. A Contra-Reforma tinha como objetivo principal a reafirmação
do dogma, do culto tradicional e a (re)conversão de fiéis. Para isso vão ser instituidas
reformas internas (elaboradas no Concílio de Trento, em 1545). Essas medidas foram
de ordem repressiva como foi o caso da Inquisição ou de evangelização que tem na
Companhia de Jesus um de seus maiores expoentes.
27
Ramón Gutiérrez (apud Luiz Antonio Bolcato Custódio, 2004) assim
se posiciona:
Saiba Mais Os jesuítas (...) haviam optado por um tipo de
8
Os ciclos de riqueza
ação evangelizadora que se denominava missão,
do Brasil colônia foram
vários. Inicialmente temos ou seja, um avanço sobre as zonas indígenas não
o ciclo extrativista do Pau catequizadas ou sobre centros urbanos espanhóis,
Brasil que foi explorado onde por certo tempo se pregava e em seguida se
no reinado de D. Manuel
retornava ao colégio ou residência central.
na faixa de terra que
vai do Cabo Frio ao
Rio Grande do Norte. A
O espaço missioneiro se constituiu em um dos primeiros centros
agricultura (que determina de introdução do espírito barroco. Os padres, junto com os índios,
a introdução do barroco criaram obras em um estilo que ficou conhecido como barroco
no Nordeste), simbolizada
principalmente pela missioneiro baseado na importação de modelos europeus trazidos
cana-de-açúcar, foi pelos religiosos.
o ciclo seguinte. A
atividade ocupou o Esse barroco, que depois se espalhou pelos demais centros urbanos
litoral nordestino. Outro
ciclo importante para a provocados pelos vários ciclos de riqueza8 pelos quais passou
consolidação da estética o Brasil colonial, enquanto estilo recebido se constituiu em um
barroca no Brasil foi
a exploração do ouro amálgama de diversas tendências barrocas: portuguesas, francesas,
e pedras preciosas italianas ou espanholas. Europeias, em síntese.
como os diamantes. Ela
aconteceu na região das Incumbidos de catequizar os índios, os sacerdotes utilizaram a
Minas Gerais fundando
cidades ou aldeamentos
linguagem barroca desde a urbanização do espaço físico das
(embriões de cidades) missões, passando por uma arquitetura religiosa inicial que misturava
tais como Ouro Preto e elementos barrocos e renascentistas até a produção das primeiras
Diamantina, por exemplo.
imagens baseadas nas informações importadas da metrópole. Obras
do artesanato português foram trazidas diretamente da Europa e
aqui copiadas pelos próprios sacerdotes até a consolidação de
uma produção local. Essas imagens tornaram-se a essência da
propagação da fé católica. Uma produção que tinha como destino
Pesquise... posterior as igrejas que se multiplicavam em todos os povoados e as
São Paulo. Madeira
policromada e dourada,
moradias coloniais o que abrangia desde as casas dos fazendeiros às
com resplendor de prata. mais humildes moradas de agricultores. As imagens ocupavam todos
os espaços disponíveis para a introdução ou confirmação do credo
católico.
28
de sua presença nessa região do país, porém, também está unida à
ideia de uma aliança entre a Igreja e o Estado para a dominação do
nativo e controle das populações que aqui se instalavam. Você Sabia?
9
As Missões Jesuíticas
A produção barroca nordestina do período surgiu sob o estigma da no Brasil aproximaram os
coroa espanhola em um momento no qual o domínio do território portugueses da utopia de
integrar os indígenas ao
português (e de suas possessões) estava nas mãos de Felipe II, processo de colonização.
monarca da Espanha. A crise pela qual passou sucessão portuguesa De ensinar (impingir) os
costumes e as crenças
a partir da morte do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir
europeias o que seria
e que continuou com os fatos posteriores tais como a morte de seu o primeiro passo para
substituto, o cardeal D. Henrique, sem deixar sucessor direto, resultou tornar o país uma efetiva
colônia de Portugal.
na conquista de Portugal por Filipe II, rei da Espanha, em 1580. Elas foram também
chamadas de reduções.
Se nos primeiros tempos o crescimento dos núcleos urbanos no Eram aldeamentos
Nordeste teve como empecilho os constantes conflitos com os índios indígenas organizados
espacialmente e
que habitavam a região, pouco depois da paz firmada com os nativos, hierarquicamente.
esses núcleos entraram em processo de desenvolvimento e tiveram Administrados pelos
jesuítas como parte
sua participação efetiva na economia colonial. Os templos povoaram
de sua obra de cunho
essas comunidades em desenvolvimento. Sobre eles nos fala o civilizador através da
holandês Elias Herckmans (1639, apud Carla Mary Oliveira, 2004, p. catequese. Os nativos
eram organizados em
49) em plena ocupação holandesa do Nordeste brasileiro: povoados com milhares
de indivíduos. Uma
A cidade Frederica está situada ao comprido Missão dispunha de uma
sobre a eminência do monte que fica defronte da completa infraestrutura
Baia do Varadouro. Contam-se nela seis igrejas e administrativa, econômica
e cultural que funcionava
conventos que são os seguintes. O convento de
num regime comunitário,
São Francisco é o maior e mais belo (...) onde os nativos eram
educados na fé cristã e
Segue-se o convento dos Carmelitas, cujos frades em moldes europeus.
se tem conservado neles até o presente (...). O
convento não esta todo acabado, porque somente
há poucos anos que este lugar é cidade, e em
grande parte faltam-lhe os meios.
29
Frederica10 a paisagem arquitetônica de um núcleo urbano nordestino
estava dominada pelas igrejas que se constituíam na principal
Você Sabia? expressão arquitetônica. A arquitetura laica, por sua vez bem modesta
10
A Paraíba foi a última naquele momento, tem uma estrutura de paredes laterais que segundo
cidade a ser conquistada
Gaspar Barleus (1647:72-73 apud Cara Mary da Silva Oliveira, 1999)
pelos holandeses, três
anos após a conquista “são formadas de varas rebocadas sem capricho nem elegância”.
do Recife. Foram três É, portanto, nas construções religiosas e em seu imaginário que se
tentativas frustradas
dos holandeses para instala a estética barroca trazida de Portugal. É importante também
conquistar a Paraíba. lembrar que a completa ausência de uma tradição local juntamente
Após a conquista
holandesa a então
com a presença de engenheiros militares11 portugueses atuando
Filipeia de Nossa nesses primórdios coloniais propiciou uma arquitetura de raízes
senhora das Neves geométricas herdeira das igrejas de Portugal.
recebeu a denominação
de Frederica que foi
Vemos, portanto, que o barroco se solidificou no Brasil algum tempo
dada em homenagem
ao príncipe Frederico da depois da presença colonizadora no território brasileiro, quando a
casa de Orange. população já se multiplicava e já se iniciava um processo cultural
autóctone, quando os residentes naquele espaço recém-ocupado
lutavam para estabelecer uma economia autossustentável. O
Barroco nasceu, pois, num terreno de luta pela posse da terra e pela
Você Sabia? implantação da fé católica.
11
Os responsáveis pelos
projetos arquitetônicos Estilo formado por uma complexa teia de influências europeias e
(“riscos”) da colônia locais ele se desenvolveu na colônia em um espaço social, econômico
ficaram, em grande
parte, no anonimato,
e político e com objetivos completamente diversos daquele que
até mesmo no caso lhe deu origem na Europa. No Brasil o ambiente era de pobreza e
de alguns grandes escassez. Um contexto oposto ao europeu. Sua linguagem no novo
conventos e igrejas. Entre
os autores conhecidos ambiente, portanto adaptou-se, fugiu do estilo erudito e branco,
há religiosos e muitos tornando-se híbrido, impuro12 e, principalmente, primitivo apesar de
engenheiros-militares,
estes últimos com sólidos todo o material precioso empregado em sua fase (posterior) gloriosa.
conhecimentos teóricos Essa linguagem, além de ser importada através de imagens, chegou
de arquitetura. Foram
inspirada nas gravuras de missais e Bíblias. No que diz respeito à rara
mais de duas centenas
de engenheiros militares temática laica ela quase sempre se limitou aos retratos das figuras de
presentes no Brasil destaque das ordens religiosas.
entre os séculos XVI e
primeiras décadas do
Por outro lado, os religiosos em plena atividade naquele momento
XIX. Sua multifacetada
formação permitiu que em território brasileiro eram oriundos de diversos locais da Europa
eles atuassem em e, muitas vezes, tinham exercido sua profissão em diversos países
campos diversos como
a arquitetura militar, civil do império português no Oriente. Isso explica que a mestiçagem
e religiosa, em obras barroca brasileira se processe incluindo, além das influências locais,
públicas de infraestrutura
africanas e europeias, elementos de origem oriental que encontramos
(cais, pontes, calçadas,
portos, obras hidráulicas) ocasionalmente em suas decorações (Figura 7).
e no mapeamento do
território.
30
Figura 7. Leão de Fo. Pedra. Adro do Convento de Santo Antônio. João Pessoa. Paraíba.
31
aprendido a língua dos índios, da qual escreveu a primeira gramática
e dicionário. Compreender para dominar parece ter sido a tônica
utilizada pelos discípulos de Loyola.
32
que atuava como meio de divulgação da nova fé.
Os Franciscanos
Em relação aos religiosos da ordem de São Francisco, os franciscanos,
eles se fizeram presentes no Brasil desde o momento em que os
portugueses aportaram nessa nova área colonial. Podemos lembrar
que o nosso antigo conhecido dos livros de História do Brasil, Frei
Henrique de Coimbra, aquele que celebrou a primeira missa em solo
brasileiro, legitimando a posse do novo território lusitano, pertencia a
essa ordem. Eles vinham com o mesmo objetivo dos Jesuítas: iniciar
um trabalho de catequese junto aos aborígines. Consta que, outros
irmãos da ordem, liderados por Frei Melchior de Santa Catarina
desembarcou em Olinda no dia 12 de abril de 1585, acompanhado
por sete irmãos franciscanos. Eram eles: Frei Francisco de São
Boaventura, Frei Francisco dos Santos, Frei Affonso de Santa Maria,
Frei Manuel da Cruz, Frei Antônio dos Martyres, Frei Antônio da Ilha e
Frei Francisco da Cruz.
33
havia engenhos de açúcar, esses missionários aliaram- se aos
proprietários de terras e fundaram capelas nas fazendas (Figura
8). A ordem não condenava a exploração da mão de obra africana
ou indígena apesar de seus princípios de desprendimento de bens
materiais.
Atenção
17
A Galilé é um espaço
de uma construção
religiosa católica situada
na entrada do prédio/
templo e coberto. Ela se
destinava a abrigar os
catecúmenos ou pessoas
impedidas de entrar no Figura 8. Frans Post. Engenho com capela. Óleo sobre tela. 1667. Domínio Público. Fonte:
espaço sagrado. No http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Engenho_com_capela.jpg
interior do Brasil o espaço
se destina a abrigar fiéis
A arquitetura franciscana no Brasil, que se desenvolveu principalmente
que vêm de muito longe
(na região rural) e aí no litoral nordestino durante o período, é considerada como a primeira
esperam que o padre manifestação de uma arquitetura mais brasileira. Os franciscanos
abra o espaço religioso
para oficiar a missa. adotaram soluções interessantes adaptando elementos renascentistas
às condições tropicais. E utilizando materiais e soluções adequadas
às circunstâncias regionais.
34
Atenção
18
Uma alegoria é uma
imagem literária ou visual
que possui um sentido
oculto que é representado
através de enredos,
personagens e de
determinadas situações.
Normalmente têm um
sentido simbólico.
Figura 9. Imagem de uma galilé.
Atenção
Figura 10. Manuel da Costa Ataíde. Igreja de São Francisco de Assis, Teto. Exemplo de 16
Um adro é o nome
pintura em trome L´oeil. Domínio Público. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ataide-teto. pelo qual é conhecida,
jpg arquitetonicamente,
uma área externa
Dentro de um contexto geral de anonimato a autoria de algumas de uma construção
religiosa: uma igreja
pinturas e imagens começa a ser cada vez mais discutida pelos católica. Os franciscanos
historiadores que nem sempre estão de acordo entre eles. Por caracterizaram sua
arquitetura pela presença
exemplo: no que diz respeito ao convento de Santo Antonio em João do adro que tecnicamente
Pessoa, Paraíba de acordo com Carla Mary da Silva Oliveira (2006): separa o espaço profano
do sagrado e onde
A gigantesca pintura de 312 metros quadrados geralmente é postado.
no forro da nave principal da Igreja do Convento
de Santo Antônio da Paraíba motiva, há pouco
35
mais de cinquenta anos, disputas e refregas entre
especialistas quanto à sua autoria: o Cônego
Florentino Barbosa, primeiro paraibano a estudar o
Barroco local de forma sistemática, acreditava ser
o bracarense José Soares de Araújo o seu artífice;
José Luiz da Motta Menezes, Carlos Ott e Antonio
Luiz D’Araújo afirmaram ter sido José Joaquim da
Rocha, personagem fulcral e fundador da Escola
Baiana de Pintura do século XVIII, o autor do teto;
já Octacílio Nóbrega de Queiroz lançou a hipótese
de o forro ter sido ornado, na verdade, por José
Teófilo de Jesus, discípulo e protegido de Rocha
que entre 1794 e 1801 (ou 1807) estudou em
Lisboa e Roma às expensas do seu mestre. (...)
(Figura 11).
Figura 11. Pintura do forro da nave da Igreja do Convento de Santo Antônio. João Pessoa.
Paraíba. Domínio Público. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Convento_Franciscano_
Santo_Antonio.2_045.jpg
Os Beneditinos
Os beneditinos, por sua vez, se constituíam em uma ordem
antiquíssima e erudita. Ela (a ordem) foi fundada por S. Bento, nascido
em Núrsia, Itália, no ano de 480. O seu primeiro convento foi erguido
no Monte Cassino, no ano de 529. A ordem era uma das mais bem-
sucedidas financeiramente e estabeleceu-se definitivamente no Brasil
em 1581, quando a Abadia de São Sebastião, da cidade de Salvador,
foi fundada pelo frei português Antônio Ventura. Os beneditinos
36
dedicavam-se principalmente à vida contemplativa.
Figura 12. Mosteiro de São Bento. Salvador. Agecom Bahia. Domínio Público. Fonte: http://
pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Dia_de_S%C3%A3o_Bento_no_Mosteiro_de_S%C3%A3o_Bento,_
Salvador.jpg
37
Em geral, a Ordem Beneditina, sendo douta, empregava arquitetos
e artistas integrantes de seus próprios mosteiros, que mantinham
verdadeiras oficinas de arte. (Zaccara, 2012, p. 8) O Brasil deve
alguns de seus mais belos conjuntos arquitetônicos aos beneditinos.
Os monges sempre revelaram muito critério na escolha de seus
arquitetos, tradição que trouxeram de Portugal.
Os Carmelitas
Os Carmelitas, juntamente com as três ordens já citadas, contribuíram
também para a introdução do vocabulário barroco no contexto
colonial brasileiro. A vinda dos religiosos carmelitas para a colônia
tem a ver, em seus primórdios, com o pedido feito pelo cardeal D.
Henrique, no ano de 1579, aos frades do Carmo lusitano, a fim de que
esses religiosos acompanhassem uma expedição para a povoação
da Paraíba. Naquele momento, além da preocupação do Estado
português em povoar sua nova colônia, existia um grande interesse
dos colonizadores na propagação da fé católica e na conversão
dos indígenas ao cristianismo. Daí a importância da presença dos
carmelitas na expedição. Enfim: os mesmos objetivos das demais
ordens religiosas.
Figura 13. Convento de Nossa Senhora do Carmo. Olinda. Pernambuco. Delma Paz.
Domínio Público. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Olinda-ConventoNSNeves1.jpg
38
sua manutenção e sustento. Gradativamente, a Ordem Carmelita
foi construindo um grande patrimônio composto por casas, templos
religiosos, fazendas e engenhos tornando – se assim parcialmente Atenção
independentes do Estado português. Esse fato, porém, não alterou os 20
Um cânone é um
conjunto de regras
propósitos da ordem que não eram dessemelhantes aos das outras
ou modelos que são
três. estabelecidos sobre um
determinado assunto,
principalmente no que diz
respeito às artes visuais.
Sobre o artista/artesão no universo
da produção de espaços e imagens no
Brasil colonial
Refletindo sobre a condição do artista/artesão que não estava ligado Pesquise...
diretamente às ordens religiosas verificamos que, de uma forma São Francisco recebendo
geral, ele costumava ser autodidata ou então era orientado pelos a Estigma (chagas),
século XVII. Anônimo.
religiosos, nos moldes da tradição ibérica. O Barroco originou uma
vasta produção de imagens sacras, disseminadas por todo o litoral
e em algumas regiões do interior do Brasil. Parte integral da prática
religiosa, a estatuária devocional encontrava espaço tanto no templo
como no domicílio privado. Artesãos influenciados pelo barroco
europeu faziam santos, objetos e móveis sacros e operavam muitas Atenção
vezes reproduzindo o sistema das Guildas medievais. 21
Uma tábua votiva é um
recurso de origem popular
A produção de imagens muitas vezes obedecia à cópia de modelos de para agradecer um
livros sacros ou a esquemas consagrados por uma tradição anônima. milagre recebido do santo
de devoção. Elas se
O artífice, depois de algum tempo, procurava reproduzir os tmétodos destacam do ex-voto por
de representação utilizados em outras imagens já consagradas pelo conterem texto e imagem
no mesmo espaço.
costume. Nesse caso a linguagem barroca nos chega remotamente
uma vez que essa tradição (que se tornou popular) muitas vezes
aconteceu à margem dos cânones20 estabelecidos associados a uma
escola ou estilo, no caso o Barroco.
39
responsável por boa parte da produção colonial, já que os artistas
com preparo sólido eram poucos e os artesãos autodidatas ou com
pouco estudo eram a grande maioria dos criadores. Pelo menos nos
primeiros dois séculos de colonização. Segundo Pietro Maria Bardi
(1989, p. 17): “geralmente se classifica toda essa escultura de madeira
no anonimato do artesanato, a arte da produção sem autor, confiadas
a mestres aperfeiçoados num setor, permanentemente hábeis num
mesmo serviço.“
Para a obtenção de uma leitura mais fácil por parte do público alvo
esses produtores, em sua maior parte, anônimos e silenciosos
trabalharam em alguns temas principais: o Antigo Testamento com
os seus personagens e patriarcas hebreus; o Novo Testamento
centralizado no Cristo e em sua doutrina de salvação; a iconografia
das autoridades da Igreja, dos mártires, santos e santas e por
fim o tema ligado para o imaginário da mãe de Jesus (Figura 14).
Ainda segundo Bardi (1989, p. 22): “a variedade das obras reproduz
as figuras repetindo constantemente os esquemas convencionais,
notando-se raramente interpretações individualistas”. Ou seja: poucos
artistas marcaram a produção barroca colonial introduzindo um estilo
pessoal.
40
Figura 14. Nossa Senhora e o Bendito Fruto, João de Deus e Sepúlveda, têmpera sobre
madeira, c. 1777; Medalhão secundário, forro da nave, Igreja de Nossa Senhora da
Conceição dos Militares, Recife, Pernambuco. Domínio Público. Fonte: http://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Sepulveda-NossaSenhoraEOBenditoFruto.jpg?uselang=pt
41
conhecido no Brasil por ter vindo na frota de Cabral e celebrado
a primeira missa na então Terra de Vera Cruz, posteriormente
chamada Brasil. Ele nasceu em Coimbra, Portugal, em 1645 e
faleceu em Olivença em 1532.
Revisão
A ocupação colonial do continente americano deu-se a partir e ao longo do litoral
Atlântico pelos portugueses, e a partir do Caribe, de noroeste para o sudoeste, ao longo
da costa pacífica, pelos espanhóis. Na América portuguesa, com poucas exceções,
essa ocupação territorial obedeceu a um esquema mais espontâneo tendo, como base,
locais estratégicos para a defesa do território. Na América espanhola os modelos vinham
prontos da metrópole obedecendo aos traçados “em grelha” que eram próprios da
Renascença.
Além da ocupação laica promovida pelas duas Coroas, também chegaram à América
diferentes ordens religiosas católicas, num período em que a Igreja passava pela Contra-
Reforma e que, portanto, necessitava de novos fiéis. Dessa forma, sucessivamente, elas
aportaram na América. Inicialmente aqui se instalaram os Jesuítas. Depois foi a vez dos
Beneditinos, Franciscanos e Carmelitas. O objetivo era a catequese e a dominação. Os
religiosos contribuíram para isso. A servidão, a miscigenação ou a dizimação fizeram
parte da substituição do código cultural nativo pelo europeu conquistador. O resultado foi
a introdução de novos costumes e comportamentos.
Esse artesão popular e inculto, tantas vezes naif, foi o responsável por boa parte da
produção colonial, já que os artistas com preparo sólido eram poucos. Dessa forma, é
graças a esse artesão anônimo que nos chega o espírito de sua época: o retrato de um
mundo onde o processo de mestiçagem está em plena efervescência.
42
Atividades Práticas
O professor deve pedir ao aluno que faça uma pesquisa procurando imagens de
características populares e anônimas envolvendo pintura ou escultura. Deve-se
determinar o número de imagens. Sugiro que duas são suficientes. Após essa ação o
aluno deverá justificar sua escolha discorrendo sobre elas e colocando o máximo de
informações encontradas em sua pesquisa. Essa atividade pode ser pedida através de
fórum onde seria colocada a imagem matriz e as demais localizadas.
43
44
Capítulo 3
O Barroco Tropicalista
Objetivos
●● Compreender o processo de mestiçagem;
Considerando sobre mestiçagem Icleia Borsa Cattani (2007, p. 37) Saiba Mais
assim se posiciona colocando que: “Uma estética da mestiçagem (...) 23
Alteridade é um
é uma estética fundada sobre o reconhecimento das identidades, dos conceito/estado que
parte da premissa de
particularismos culturais e das diferenças, a fim de melhor fundi-los que o homem existe a
em uma síntese original e inédita”. Ou seja: essa síntese pode ser partir da ideia do outro
e dele depende. A partir
gerada a partir de interações entre várias influências de uma obra
da admissão do outro é
única, um momento único, importante e original. possível admitir o coletivo,
o mundo tendo como
Já para outros teóricos essa proposta cai no universo da ficção. A embasamento um olhar
diferenciado da visão
mestiçagem acarretaria uma perda de identidade e uma negação da
unilateral de si mesmo.
alteridade23. Desta forma, mestiçagem cultural seria o estabelecimento
45
de elementos vindos de zonas diferentes, heterogêneos uns em
relação aos outros e cujo resultado é sempre (ou resulta sempre)
uma tentativa de dominação por parte da cultura hegemônica24,
que não necessariamente é a mais interessante ou mais forte, mas a
que possui armas - inclusive econômicas - de maior poder de fogo e
destruição.
Saiba Mais africanos), o Brasil colonial traz em seu DNA esse universo mestiço
onde o código branco (hegemônico) prevaleceu como parâmetro a ser
24
Uma cultura
hegemônica é aquela seguido pelas demais raças participantes desse exemplo de cultura
que se sobrepõe as mestiça. Essa realidade brasileira, posteriormente, serviu inclusive
demais culturas no
tempo ou no espaço de motivo para a alegação da impossibilidade de construção de uma
baseada na supremacia nação civilizada a partir de uma população fartamente mestiça, com
econômica e militar ou em
presença preponderante do negro em sua composição. Uma nação
sua própria capacidade
de sobrevivência por bárbara e, portanto, inferior a partir da inexistência de uma “pureza”
apresentar um grau de racial. No processo de afirmação da cultura brasileira essa ressalva
desenvolvimento mais
pronunciado. vai estar presente inclusive na elaboração de seu imaginário. Mas
isso é assunto para os próximos volumes nos quais abordaremos
o segundo reinado e sua tentativa de criar uma imagem branca e,
portanto “civilizada” do país.
46
mesmo que o autor não lhes esconda as mazelas morais e a violência
lhe dá um caráter benevolente de pai de família. O mais importante,
entretanto, é que ele se posiciona contra a ideologia racista vigente
e canta a miscigenação como elemento chave da conquista do
trópico. É o ideólogo da mestiçagem. Esquece a violência do estupro
e liricamente louva o branco português que ao se entregar à luxúria
com índias e negras, estabeleceu um aspecto mais democrático da
dor nas relações étnicas do Brasil.
Foi um processo que teve por base uma população europeia imigrante
que se reproduziu socialmente excluindo e dizimando o contingente
indígena e marginalizando o negro escravizado. Foi, portanto,
desse código mestiço dominado, de forma hegemônica, pela cultura
europeia branca que se gerou as primeiras manifestações artísticas
coloniais. Ou seja: dentro do contexto de um processo histórico
construído a partir da mistura de diversos grupos sociais que se
influenciaram mutuamente (mesmo que com a imposição dos valores
de um determinado grupo sobre os outros) envolvendo valores éticos
e morais, noções de certo e errado, de bem e de mal, concepções
religiosas e hierarquia social e, naturalmente, partidos estéticos.
47
Sobre o Barroco mestiço brasileiro
(ou barroco tropical) na sociedade
canavieira colonial nordestina
Nas vilas açucareiras nordestinas do Brasil colonial, como já
estudamos anteriormente, o universo de concepções e valores foram
definidos, a priori, pela cultura da Igreja Católica, da monarquia e da
fidalguia ibérica. A Igreja aliada ao Estado ditava as regras no Novo
Mundo.
48
Grande parte dos teóricos em História da Arte considera a linguagem
barroca brasileira própria desse ciclo (o do ouro) que aconteceu no
século XVIII. A nosso ver (e apoiada também por outros estudiosos
do assunto) a arte dos séculos anteriores, o imaginário da sociedade
de economia açucareira não pode ser isolado da linguagem barroca
uma vez que ele possui características típicas desse estilo. E que
característica são essas? Sua grandiloquência representacional
religiosa ibérica, sua teatralidade, seu vocabulário didático e sua
temática sacra imperante. Assim, através do trabalho de artistas
negros e mestiços, remanejado e reinterpretado, o Barroco já estava
presente nesse período da colônia.
Atenção
26
Leões de Fô são
Visitando igrejas no cenário do Nordeste podemos ver exemplos entidades guardiães dos
templos no Oriente.
dessa mistura de conceitos e signos. Abacaxis e cajus, por exemplo,
substituem frutas e flores europeias na Igreja da Guia na Paraíba
enquanto que mascarões africanos juntamente com Leões de Fô26
e figuras de características indígenas guardam as portas de adros
franciscanos naquele estado.
Lembrete
Anotações sobre elementos próprios 27
Iara é um personagem
do folclore brasileiro
do barroco tropical substituindo ou também chamado de
adaptando-se ao código hegemônico “mãe d’água”. É uma
sereia morena de cabelos
ibérico negros e olhos castanhos.
Segundo Darcy Ribeiro (1995, p. 27) a configuração cultural do Brasil Seu habitat é nos rios
do norte do Brasil. Atrai
formou-se destribalizando os índios, desafricanizando os negros e os homens com seu
deseuropeizando os brancos. Nessas circunstâncias, nada tinha um canto e os leva para as
profundezas dos rios.
valor definitivo que sobrevivesse de forma pura, não contaminada.
Corresponde a várias
O patrimônio artístico cultural barroco brasileiro é um reflexo dessas entidades das mitologias
condições coloniais. humanas. Nós já a
encontramos nas sereias
traiçoeiras de Homero em
Na pluralidade marcante de manifestações artístico-culturais
seu livro A Odisseia.
brasileiras (incluindo arquitetura, artes plásticas, escultura, dança,
49
música e literatura, por exemplo) podemos perceber a força do código
não hegemônico mestiço se opondo (ou melhor, adaptando-se) a
imposição cultural branca. Isso se deve também pelo recrutamento da
mão de obra que gerou configurações típicas, locais. Segundo Carla
Mary da Silva Oliveira (1994):
Figura 15. Anônimo. Cristo Açoitado. Século XVII. Museu de Arte Sacra de Pernambuco.
Domínio Público. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:230718_88-olinda-maspe.jpg
50
No Nordeste açucareiro a presença de elementos culturais mestiços
destaca-se em algumas igrejas como é o caso do conjunto
arquitetônico franciscano dedicado a Santo Antônio em João Pessoa,
Paraíba que, mesmo sendo do século posterior, é um exemplo
marcante dessa mistura de linguagens. Destacam-se, no adro
daquela construção, em seu espaço laico desde Leões de Fo (cuja
presença pode ser ligada a missionários vindos de Macau) à figuras
portadoras de traços indígenas e africanos. Pesquise...
Interior em talha
Serge Gruzinsky em seu livro O Pensamento Mestiço (2001), da Matriz de Nossa
considera a noção de mestiçagem diretamente ligada a de identidade, Senhora da Conceição
o que implica na sobrevivência de um ou mais imaginários, mesmo concluída em 1710. Minas
Gerais.
que estes estejam sob dominação hegemônica. Isso gera o espaço
de fronteira entre as culturas, no caso as que formaram o universo
colonial brasileiro que pode ser exemplificado nesse conjunto
arquitetônico específico.
51
essa invocação da Virgem, mas há lá ao menos
um deles de pele evidentemente mais escura, ao
lado esquerdo da imagem. Em outro medalhão
secundário no mesmo forro, a Virgem aparece
numa imagem extremamente incomum, com o
ventre descoberto, mostrando seu rebento divino
antes do nascimento, e lá também aparece um
anjo mulato a seu lado, trazendo o emblema dos
jesuítas. Em ambas as pinturas os traços faciais
de Maria aproximam-se do tipo físico mestiço, com
lábios carnudos e cabelos ondulados.
52
XVIII. Deve ter nascido no primeiro terço do século, era também
músico e parece ter seguido a carreira militar, pois é referido às
vezes em documentos como “Tenente João de Deus Sepúlveda”.
Sua obra mais antiga de que se tem notícia é a série de pinturas
sobre a vida de Santa Teresa, na Igreja de Santa Teresa da Ordem
Terceira de Nossa Senhora do Carmo em Recife, objeto de três
contratos firmados entre o artista e a irmandade em 1760-61.
Poucos anos depois, a 14 de junho de 1764, Sepúlveda firmou
novo contrato, agora com a Mesa da Irmandade de São Pedro,
para realizar a pintura do enorme forro da Igreja de São Pedro
dos Clérigos, em Recife, trabalho esse ao qual se dedicou pelos
próximos quatro anos, e que tem por tema São Pedro Abençoando
o Mundo Católico. (Fonte: José Roberto Teixeira Leite in LEITE,
José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio
de Janeiro: Artlivre, 1988).
Revisão
Uma estética de mestiçagem é o resultado do cruzamento de elementos culturais vindos
de zonas diferentes e heterogêneos uns em relação aos outros. O Brasil, enquanto
mistura de seres humanos de origem diversa (indígenas, europeus e africanos), forma
um universo mestiço onde o código branco prevaleceu como parâmetro a ser seguido
pelas demais raças participantes.
Nesse processo histórico, construído a partir da mistura de diversos grupos sociais, que
se influenciaram mutuamente mesmo com a imposição dos valores de um determinado
grupo sobre os outros envolvendo valores éticos e morais, noções de certo e errado,
de bem e de mal, concepções religiosas e hierarquia social (e naturalmente, partidos
estéticos), formou-se uma linguagem barroca particular: o também chamado barroco
mestiço ou barroco tropical.
Nas vilas açucareiras nordestinas do Brasil colonial foi definido um sistema de valores
oficial que se estendia ao imaginário imposto à colônia. Entretanto, esses conceitos
hegemônicos foram adaptados por artistas/artesãos emergentes de um grupo constituído
por escravos, forros, índios aldeados e mestiços. Essas influências deveriam ser de
ordem periférica, entretanto, elas passaram a construir, por vezes intuitivamente, suas
próprias noções de valores estéticos, valores esses de caráter mestiço. Ou seja: no
universo cultural colonial o dinamismo das relações entre os vários grupos sociais gerou
um hibridismo cultural que contemplou a coexistência de heranças culturais diversas.
53
católica significa que alem dessa instituição não ter conseguido manter o controle
desejado sobre o imaginário colonial, a sobrevivência cultural se processou dentro das
circunstâncias de então.
Atividades Práticas
A partir desse texto de Darci Ribeiro extraído do livro O povo Brasileiro, o professor
deverá propor como atividade que os alunos o leiam e formulem um texto próprio sobre a
mestiçagem brasileira e suas implicações no imaginário da colônia.
A assunção de sua própria identidade pelos brasileiros, como de resto por qualquer
outro povo, é um processo diversificado, longo e dramático. Nenhum índio criado na
aldeia, creio eu, jamais virou um brasileiro, tão irredutível é a identificação étnica, Já
o filho da índia, gerado por um estranho, branco ou preto, se perguntaria quem era, se
já não era índio, nem tampouco branco ou preto. Seria ele o protobrasileiro, construído
como um negativo feito de sua ausência de etnicidade? Buscando uma identidade
grupal reconhecível para deixar de ser ninguém, ele se viu forçado a gerar sua própria
identificação.
54
identidade étnica: a brasileira.
O português, por mais que se identificasse com a terra nova, gostava de se ter como
parte da gente metropolitana, era um reinol e esta era sua única superioridade inegável.
Seu filho, também, certamente, preferiria ser português. Terá sido assim, até o português,
por mais que se identificasse com a terra nova, gostava de se ter como parte da gente
metropolitana, era um reinol e esta era sua única superioridade inegável.
Terá sido assim, até que aqueles mamelucos e índios e aqueles negros mestiçados
ganhassem entidade, como identificação coletiva para que o mazombo deixasse de
permanecer lusitano.
55
56
Capítulo 4
A glória e a interrupção
da linguagem barroca
Objetivos
●● Estudar o processo do apogeu barroco no Brasil. Observar a realidade sócio-
econômica responsável pela sua glória;
57
construções, por sua vez, significava vislumbrar uma ideia de céu, de
uma dimensão paralela a qual ele (o fiel) tinha acesso por momentos
Saiba Mais e para onde podia se projetar na companhia de anjos, da virgem e de
30
O rococó é um outros membros da corte celeste.
movimento artístico
francês que gerou um Ricamente representado nas igrejas o Barroco brasileiro colonial
estilo que se espalhou
pela Europa. Pode misturou, na arquitetura, os estilos maneirista29, barroco e
ser considerado como rococó30 de inspiração europeia e seu apogeu estilístico se encontra
uma variação laica do
exatamente no ciclo do ouro nas Minas Gerais onde ele, isolando-
barroco que se libertou
da temática religiosa. se mais das influências brancas, procurou um caminho específico,
Ele representa o poder próprio, mestiço.
absolutista e sua
decoração exagerada No que diz respeito à pintura barroca daquele momento de glória, o
simboliza esse poder e os
seus excessos. Um bom primeiro historiador, artista e intelectual brasileiro Manuel de Araujo
exemplo do estilo rococó Porto Alegre já dela fala quando, escreve diversos artigos, entre
é o palácio de Versailles.
eles Memória sobre a Antiga Escola Fluminense, publicado no ano
de 1841. Foi a primeira vez que se reconheceu a qualidade da arte
produzida no Brasil antes da chegada da Corte portuguesa fugitiva de
Bonaparte (1808) e dos artistas franceses comandados por Le Breton
em 1816.
58
vai acontecer entre os modernistas que tomaram parte da tão
comentada Semana de Arte Modena de 192231.
Saiba Mais
Se a pintura, anônima ou não, conduziu o fiel a uma iconografia que 32
A pedra sabão
o enlevava, a talha representou a escultura ligada à arquietetura (também chamada
(Figura 16), a decoração luxuosa, a simbologia do poder. Ela foi uma de pedra de talco) é
o nome dado a uma
expressão artística barroca comum juntamente com a produção de rocha também chamada
imagens de culto. Alguns nomes são conhecidos como por exemplo: de esteatito. Contém
minerais como magnesia,
Mestre Valentim e Machado de Castro que atuaram no Rio de Janeiro
clorita e quartzo. É uma
ou Felix Pereira e Manoel Inácio da Costa que atuaram na Bahia. rocha não muito dura
e é encontrada em
cores que vão de cinza
a verde. Parece ser
oleosa ou saponácea.
Daí sua designação de
pedra-sabão. Existem
grandes depósitos no
estado de Minas Gerais. A
pedra sabão foi bastante
utilizada pelo mestre
barroco alcunhado de
Aleijadinho.
Saiba Mais
33
Um esteio é uma peça
de madeira, ferro etc., que
serve para segurar ou
escorar alguma coisa.
Figura 16. Interior da Igreja de São Francisco. Salvador. Bahia. Ben Tavener. Domínio
Público. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Igreja_de_S%C3%A3o_Francisco_
(Salvador)_01.jpg?uselang=pt
59
existentes. Graças a estas madeiras duríssimas foi possivel a
construção dos grandes templos que perduram até nossos dias.
Saiba Mais Se o aspecto exterior arquitetônico do barroco religioso brasileiro
35
Baraúna é uma é simples, mesmo em seu apogeu, essa condição contrasta com a
árvore de grande
porte cujo termo tupi riqueza interior. Muitas vezes na ânsia de ver a edificação erguida
é ybirá-uma (madeira a comunidade não dava chance para grandes elaborações e
preta). Uma árvore que
fornece uma madeira elocubrações arquitetônicas sobretudo nos núcleos populacionais
escura e extremamente distantes. Entretanto, uma vez erguido o prédio, o seu interior era alvo
resistente e que, por
de todas as atenções. A abundância de madeira e de mão de obra
sua vez, também foi
bastante empregada barata foram a chave da suntuosidade dos interiores barrocos (Figura
nas edificações coloniais 17). O tempo que faltou para o exterior sobrou para o interior. Nas
brasileiras.
palavras de Lourival Gomes Machado (1978, p. 121):
Saiba Mais Assim se comporta o barroco brasileiro em sua fase áurea, no século
36
Aroeira é uma madeira XVIII, quando ele se unifica e se aclimata ao contexto nacional. Pobre
tida na prática como a por fora e cheio de fausto por dentro. Ele representa uma expressão
de mais alta resistência
ao apodrecimento e ao artística que conseguiu amadurecer e se adaptar ao ambiente de um
ataque de cupins. Foi país mestiço, tropical e colonizado. Utilizando-se recursos materiais
bastante utilizada nas
e humanos regionais e se constituindo em momentos de pura
edificações de nossos
primeiros tempos originalidade em sua grande carga de força expressiva.
coloniais e algumas
construções resistem por
conta de seu emprego.
Figura 17. Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Minas Gerais. Halleypo. Domínio Público.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Congonhas_santuario_matosinhos.jpg
60
O ciclo do ouro como agente
catalizador e unificador do barroco
brasileiro
No final do século XVII, as exportações do açúcar brasileiro
(produzido nos engenhos do nordeste) começaram a diminuir.
Com preços mais baixos e boa qualidade, o mercado consumidor
europeu passou a dar preferência para o açúcar holandês produzido
na América Central. Portugal ficou de repente em uma situação de
buscar novas fontes de renda. Atenção
37
O feudalismo foi um
Os bandeirantes proporcionaram essa renda alternativa com a sistema de organização
descoberta de minas de ouro nas regiões que hoje correspondem a social que aconteceu
durante a Idade Média
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Desbravadores, eles realizaram
desenvolvendo-se em
o sonho português das riquezas minerais até então não realizado. um período que engloba
Foi quase um milagre. Num dia a região era um espaço povoado por da crise do Império
Romano, à formação
algumas tribos indígenas e alguns meros aventureiros de passagem dos reinos bárbaros e a
isolados e desprestigiados por uma metrópole sem o menor interesse desagregação do império
Carolíngio. O feudo era a
em suas terras distantes dos portos. No outro, ela acordou com a unidade produtiva básica
histeria do ouro que acabava de ser descoberto. Jazidas com uma e ele se apresenta de
forma um tanto quanto
quantidade de ouro nunca imaginada. Enfim o tão sonhado ouro
complexa podendo
fora achado nos fins daquele século XVII. E era muito, muito ouro, apresentar muitas
opulentas minas que mudaram a realidade econômica do Brasil de variações. Compreende
desde vastas regiões
então. onde encontramos
vilas e cidades em seu
A corrida do ouro se iniciou. Com ela chegou uma mistura de interior, até “fazendas”
pessoas heterogêneas que se encontraram em um mesmo ambiente, ou, mesmo, pequenas
porções de terra. As
impulsionadas pelo poder do ouro. Isso deu início a uma nova relações hierarquizadas
sociedade. Brancos portugueses, negros escravos, índios e outros entre o senhor feudal e
o servo compreendiam o
imigrantes e aventureiros se misturaram formando um variado
trabalho braçal servil por
mosaico cultural. parte deste e a proteção
armada, naqueles tempos
Até então vigorava no Brasil a rígida sociedade dos engenhos cujos inseguros, por parte do
senhor.
princípios eram ditados pelos seus senhores nos moldes de um
feudalismo37 sobrevivente nos trópicos. Eram os donos das grandes
fazendas de açúcar. Uma sociedade hierarquizada e com pouca
mobilidade social38. A efervescente sociedade do ouro, baseada
na riqueza proveniente da mineração, tinha características mais Saiba Mais
democráticas. Os seus padrões de conduta não eram tão rígidos 38
Mobilidade social
e a ascensão social era mais fácil. Um escravo, por exemplo, bem é a passagem de um
sucedido no garimpo poderia comprar sua carta de alforria e, tornando- indivíduo de uma classe
social para outra. Ela se
se um homem livre, poderia contar mesmo com a possibilidade de processa teoricamente no
enriquecimento. mundo ocidental.
61
A combinação da vida urbana com a atividade mineradora criou novos
ofícios, desenvolvendo uma nova camada social: a classe média.
Gente de atividades variadas. Eram escultores, músicos, tropeiros,
pintores, marceneiros, alfaiates, entalhadores, advogados. Profissões
liberais. O feudalismo deu lugar a uma burguesia urbana e emergente.
62
industrial lusitano.
63
barroco é uma nota biográfica escrita somente cerca de quarenta e
quatro anos depois de sua morte.
64
pobre e talvez autodidata) chegou a esse nível de uma produção
artística tão peculiar? Como, afinal, um artífice40 brasileiro pôde
desenvolver peças tão marcantes no deserto de informações que era Saiba Mais
o Brasil colonial? 40
Um artífice é um
operário especializado
Sabe-se (ou supõe-se) que o conhecimento que ele tinha de desenho, em uma determinada
atividade e que exerce
de arquitetura e de escultura foi obtido de seu pai e talvez com sua atividade sem uma
o desenhista e pintor João Gomes Batista, que na corte do Rio de formação sistemática
mas, na maioria das
Janeiro recebera as lições artista Vieira que trabalhava como abridor
vezes, através de
de cunhos na casa da fundição de ouro daquela capital. Ou seja: conhecimento adquiridos
nenhuma informação acadêmica, mas um conhecimento repassado de um mestre que o toma
como discípulo.
na melhor tradição das Guildas medievais.
65
passos do irmão mais velho. Américo manifestou
cedo sua vocação artística. Seus primeiros
desenhos, sobre as paredes da loja de seu pai,
impressionavam os seus frequentadores. O garoto
também escrevia e atuava em peças teatrais para
as quais desenhava a publicidade. Uma criança
especial no interior profundo do Brasil do século
XIX.
Seu primeiro trabalho, (ainda na oficina de seu pai) foi o risco para o
chafariz do Palácio dos Governadores de Vila Rica, atual Ouro Preto,
feito em 1752. Somente em 1761 seu nome aparece novamente como
autor de outro trabalho: um busto feminino para o chafariz do Alto da
Cruz de Vila Rica (construído por seu pai), no qual se vê pela primeira
vez, na região, uma escultura realizada em pedra-sabão.
66
esquecimento durante o século XIX juntamente com a implantação do
vocabulário neoclássico francês.
Até o início do século 20, o mineiro de Vila Rica não passava (para os
críticos e o mundo intelectual brasileiro) de mais um artesão habilidoso
do século 18. A partir da década de 1920, seu nome deixa a lista dos
trabalhadores manuais e esquecidos para ganhar o status de artista e
de gênio. Por conta dos criadores do movimento modernista brasileiro
ele assumiu a condição de símbolo de uma identidade verde-amarela.
O crítico modernista Mário de Andrade empenhava-se em afirmar sua
genialidade e sua nacionalidade.
67
Figura 18. Profeta Ezequiel. Antônio Francisco Lisboa. Minas Gerais. Domínio Público.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:EzequielProfeta.jpg
68
nacional. Trata-se de Mestre Ataíde (Figura 19) que, como o
Aleijadinho, conseguiu amadurecer e se adaptar ao ambiente de um
país tropical e dependente da Metrópole, ligando-se aos recursos
e valores regionais e constituindo-se em um dos primeiros grandes
momentos de originalidade nativa.
Figura 19. Mestre Ataide. O Batismo de Cristo (detalhe), Catedral de Mariana. Domínio
Público. Fonte: http://www.wikipaintings.org/en/mestre-ataide/baptism-of-christ
69
de Maria Barbosa de Abreu, de naturalidade possivelmente também
portuguesa. Nasceu na freguesia de Mariana e consta que sua família
era de condição modesta.
Poucas informações existem sobre sua formação. Sabe-se que ele foi
militar e que, artista, pode ter sido aluno de João Batista de Figueiredo
ou frequentado outros mestres estabelecidos na região de Minas.
Quem sabe iniciou, no melhor, estilo medieval, seus estudos numa
corporação de ofícios. O fato é que o pintor é responsável (além do
legado de um patrimônio respeitavel de pinturas) pela introdução de
um vocabulário onde as feições mestiças de seus personagens são o
reflexo do povo brasileiro.
70
Anotações sobre a Escola Baiana
Os principais centros produtores do imaginário religioso setecentista
foi a Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Rio de Janeiro
e Maranhão. Aí, nesses centros urbanos, se formaram escolas
regionais, com características técnicas e formais específicas. A Bahia
abrigou uma escola bem desenvolvida e daí o seu estaque no cenário
barroco brasileiro.
71
tido como discípulo de Félix Pereira Guimarães, caracterizando assim
a existência de uma escola. Ele nasceu em Salvador por volta de
1763 e morreu em 1857, com mais de 90 anos. Entre as obras que
lhe são atribuídas está o Senhor do Bom Caminho (Cristo Crucificado)
da Igreja do Pilar de Salvador, executado em 1834.
72
plantas que fugiam ao esquema básico do retângulo, aparecendo
como polígonos de formas ovais, campanários que ganham mais
independência em relação ao corpo da igreja e aberturas mais amplas
e com desenhos variados. Você Sabia?
43
Uma pintura
No que diz respeito à pintura, Mestre Ataíde é considerado um dos ilusionista diz respeito
maiores nomes e um divisor de águas na história do barroco mineiro. a um artifício do período
barroco utilizado pelo
Sobre seu aprendizado artístico supõe-se que o pintor tenha sido artista geralmente nos
aluno de mestres estabelecidos na região como João Nepomuceno tetos das igrejas. Também
chamada de trompe l ´oeil
Correia e Castro ou Antonio Martins de Silveira. Mestre Ataide
(engana o olho) ela quer
fez parte da terceira geração de pintores mineiros e seu trabalho transportar o espectador
aconteceu quando a riqueza do ouro e dos diamantes chegava ao fim. para a ideia de uma
dimensão superior na
O artista tornou-se notório por sua pintura de tetos. Pinturas qual os santos e os anjos
o esperam. A perspectiva
ilusionistas43, emolduradas por guirlandas e anjos. Elas mostram utilizada transporta o
cenas bíblicas, mártires e cenas do Cristo e de sua mãe. Ataide olhar para um “céu”
povoado de membros de
teve uma grande influência sobre os pintores de sua região. Teve sua corte.
alunos e seguidores que continuaram a fazer uso de seu método
de composição. Documentos da época fazem frequentemente
referências a ele como professor de pintura.
73
Morte e Valentim Correia Paes. Mas as pesquisas ainda são raras e
incompletas e só o tempo e o desenvolvimento de uma consciência
Saiba Mais de pesquisa do nossso patrimônio cultural pode preencher essas
44
Um retábulo é uma lacunas.
construção de madeira,
mármore ou de outro
material usado para essa
função que fica por trás
ou em cima do altar de Sobre o Rococó
uma igreja. Normalmente O Rococó nasceu em Paris no reinado de Luis XV entre 1723 e 1774.
ele contém um painel
pintado ou esculpido em
Já ultrapassado na França ele continuou a ser vivido em outros países
baixo relevo. europeus como a Alemanha, a Áustria, e os países da península
ibérica e da Europa Central. A terminologia Rococó deriva-se da ideia
de conchas e seixos (rocailles). Como o termo barroco é explicado
pela associação com uma pérola de formato irregular. Foi um estilo
decorativo que ilustrou o momento de fausto e de superficialidade da
corte francesa pré-revolução.
74
Francisco Xavier de Brito e Antonio Francisco Lisboa. O estilo foi
substituído pelo Neoclássico.
Portugal não fugiu a esse fascínio e nem bem medidas básicas foram
tomadas em relação ao novo status da antiga colônia (tais como
solucionar alguns problemas infraestruturais mais comprometedores)
o olhar do regente voltou-se para as artes. Para atualizar mais
uma vez o vocabulário artístico brasileiro com o europeu convidou-
se os representantes (já em desgraça na própria França onde o
estilo Neoclássico já estava sendo substituído pelo Romantismo
e Napoleão, o causador da fuga da família real, estava prisioneiro)
do neoclassicismo francês para introduzir essa nova linguagem no
país. Foi a chamada Missão Artística de 1816, composta de artistas
daquele país que haviam caído em desgraça com a Restauração.
75
Em 26 de março de 1816 aportou no Rio de Janeiro um grupo de
artistas franceses, liderados por Joachim Lebreton, secretário
recém-destituído do Institut de France. Também descontentes com a
desgraça de Napoleão vieram com ele o pintor histórico Jean Baptiste
Debret, o pintor de gênero Nicolas Antoine Taunay e seu irmão
o escultor neoclássico Auguste Taunay. Vieram ainda o arquiteto
Grandjean de Montigny e o gravador de medalhas Charles-Simon
Pradier entre outros. O objetivo inicial era a criação de uma Escola
de Artes e Ofícios, mas que após vários percalços que estudaremos
em outra oportunidade criou-se a primeira Academia de Arte no Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves que posteriormente recebeu o
nome de Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro.
76
friamente por conta da visão estética da época bem como por conta
da eterna falta de memória que ainda acomete a cultura brasileira.
Dessa forma, o acervo artístico barroco quando sobreviveu deveu-se
ao esquecimento ou a sorte. Nos locais onde urgia a reurbanização
ele foi impiedosamente destruído e, mesmo entre as ordens religiosas
mais conservadoras, o patrimônio não restou incólume. Alguns bispos
resolveram “atualizar” seus altares e edificações e muita construção
barroco foi substituído pelo estilo neoclássico então em moda e muitos
párocos de pequenas províncias trocaram seus santos barrocos
pequenos e “velhos” de madeira por obras imensas e reluzentes em
gesso.
Não vamos aqui analisar o que de bom trouxe esse novo momento
para a antiga colônia. Para isso temos outro espaço, outro capítulo
da História da Arte Brasileira. Vamos apenas tomar emprestado as
palavras de Pietro Maria Bardi (1989, p. 24) para colocar rapidamente
o que analisaremos depois:
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Sobre os artistas citados no capítulo
●● Manuel de Araújo Porto Alegre: Pintor, caricaturista, arquiteto,
crítico e historiador de arte, professor e escritor, ele nasceu em
Rio Pardo – Rio Grande do Sul em 1806 e faleceu em Lisboa,
Portugal em 1879. No Brasil teve aulas com Debret e Grandjean de
Montigny, ambos membros da Missão Artística Francesa de 1916.
Em 1831 acompanhou Debret em seu retorno a Europa. Em Paris,
frequentou o ateliê do Barão Jean-Antoine Gros (1771 - 1835) e
a École National Superiéure des Beaux-Arts. Ele fundou e dirigiu
os periódicos denominados Minerva Brasiliense (1843) e Lanterna
Mágica (1844) que foi primeira revista ilustrada com caricaturas.
Dirigiu também a revista Guanabara (1849). Considerado o
fundador da história e da crítica de arte brasileira Porto Alegre
escreveu diversos artigos, como Memória sobre a Antiga Escola
Fluminense, publicado no ano de 1841. Diretor da Academia
Imperial de Belas Artes, entre 1854 e 1857, promoveu uma série
de reformas no currículo e nos métodos de ensino da academia.
Em 1860 iniciou uma carreira diplomática no exterior e, no ano
de 1874, o imperador D. Pedro II conferiu-lhe o título de Barão de
Santo Ângelo.
78
1267 e lá faleceu em 1337. Foi discípulo de Giovanni Cimabue, o
maior pintor da Itália no fim do século XIII. Revolucionou a pintura
ao criar a noção de tridimensionalidade bem como pelo fato de
assumir a autoria de suas criações. Abandonou a rigidez bizantina
e dotou suas figuras de volume e sentimento, expressando assim,
por meio da arte, o humanismo próprio da Renascença.
79
ao Rio de Janeiro e, por volta de 1770, abriu uma oficina no centro
comercial. Pertenceu à Irmandade dos Pardos de Nossa Senhora
do Rosário e de São Benedito.
80
principais dos monumentos hoje chamados estilo diretório ou estilo
Império.
81
Simoni), nasceu na cidade de Capresse, Itália, no dia 6 de
março de 1475. Teve por mestre, Domenico Girlandaio que
posteriormente encaminhou-o para a cidade de Florença, para
aprender na escola patrocinada pelo mecenas Lorenzo de
Médici. Michelangelo trabalhou e viveu em pleno ambiente físico
e cultural do Renascimento italiano. Seu temperamento irônico e
sua impaciência com a mediocridade e com a lentidão dos colegas
lhe valem hostilidades. Lourenço de Medici, também chamado
de o Magnífico, morreu em 1492. Michelangelo deixou o palácio.
Escultor, ele fez poucas obras de pintura. Em 1505, Michelangelo
foi chamado a Roma pelo Papa Júlio lI. Deve responder a novo
capricho de Júlio II: decorar a Capela Sistina. Resolveu pintar
não só a cúpula da capela, mas também suas paredes. É
considerado um dos maiores escultores do mundo com obras
como o Davi (em Florença) ou a Pietà (em Roma), de sua autoria
que são a expressão máxima do Renascimento italiano. Pintor por
necessidade produziu obras primas. Morreu em Roma em 1564.
82
do Brasil. Mudou-se, patrocinado pelo imperador Pedro II, para o
Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Pedro II. No ano seguinte,
conseguiu se matricular na Academia Imperial de Belas Artes.
Entre 1859 e 1864, com bolsa concedida pelo imperador estudou
na Escola Nacional Superior de Belas Artes de Paris, França.
Mais ou menos durante esse período ele também se formou em
ciências pela Universidade de Bruxelas onde passou em concurso
para lente daquela instituição. Foi professor posteriormente da
Academia Imperial de belas Artes onde ensinou as disciplinas
Desenho Figurado e Estética, História da Arte e Arqueologia.
Viveu entre Florença (Itália) e Brasil, ficando a maior parte de
sua vida naquela cidade italiana. Pintor, arqueólogo, escritor,
poeta, caricaturista, professor, político e homem de ciências ele
encarnou o ideal do intelectual do século XIX. Seu trabalho em
pintura obedece ao Romantismo já decadente na Europa, mas
revolucionário no Brasil. Um de seus trabalhos mais conhecidos é
Independência ou Morte, feito para o Salão de Honra do Museu do
Ipiranga e que atualmente está no Museu Paulista da Universidade
de São Paulo. A maioria de suas obras históricas, que serviram
para a solidificação de uma imagem civilizada do Brasil durante o
segundo reinado, se encontra no Museu de Belas Artes, no Rio de
Janeiro.
83
encontram, respectivamente, na Igreja de São Sebastião, do painel
de Nossa Senhora da Boa Morte (na igreja de igual nome) e do
Retrato de Dom Luís de Vasconcelos entre outros trabalhos.
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●● Francisco das Chagas (o Cabra), quase nada se sabe sobre este
artista da escola baiana. Seu nome está mais ligado à tradição oral
em Salvador que o situa como um mulato, escultor e talentoso.
Como informação documental pode-se citar um contrato com a
Ordem Terceira do Carmo datado de 1758 para a confecção de
três imagens da paixão de Cristo. Seu nome está mais ligado ao
imaginário baiano que a um estudo documental.
85
novos riscos e executou entalhes em cantaria que a tornaram
um dos monumentos barroco-rococó mais importantes do Brasil.
Permaneceu a maior parte de sua vida naquela cidade sendo o
responsável pelas obras das igrejas de São Francisco e Nossa
Senhora do Carmo.
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fazendo-o seguir também a carreira eclesiástica. Foi ordenado
em 1778. Em 1787 executou os riscos da talha da Capela Mor da
Igreja do Carmo em Mariana, Minas Gerais. No início de 1800, o
Padre Félix se encontrava no povoado de Bacalhau onde várias
obras suas se encontram documentadas. Entre elas as imagens
de São Pedro e São Paulo, Nossa Senhora das Dores e as duas
imagens do Bom Jesus de Matosinhos.
87
pesquisados. Consta que foi um dos autores do Órgão da Matriz
de Santo Antônio de Tiradentes.
Revisão
A linguagem barroca testemunhou a realidade colonial em seus vários ciclos de riquezas,
proporcionados pela produção de açúcar, fumo e madeiras nos séculos XVI e XVII e
pela atividade de mineração durante todo o século XVIII e princípios do XIX. Atuando
como veículo de catequese e de controle estatal, este imaginário barroco se refletiu nas
regiões brasileiras que mais se destacaram na produção de riqueza. As construções
de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco são exemplos da utilização dos
recursos coloniais para a exaltação da fé e do poder do Estado.
A corrida do ouro se iniciou. Com ela uma mistura de pessoas heterogêneas que se
cruzando em um mesmo ambiente deu início a uma nova sociedade. Uma sociedade
burguesa formada por brancos portugueses, negros escravos, índios e outros imigrantes
e aventureiros.
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Nas regiões auríferas, várias cidades cresceram e muitas surgiram neste período. A
vida dinamizou-se aumentando as atividades comerciais, sociais e de trabalho. Teatros,
escolas, igrejas e órgãos públicos foram criados. Vila Rica (atual Ouro Preto), Mariana,
Tiradentes e São João Del Rey foram algumas das cidades que mais se desenvolveram
nesta época. Nesse ambiente tornou-se possível o surgimento de um movimento artístico
e cultural sem precedentes no Brasil. É a glória, o apogeu barroco.
Nesse contexto alguns nomes de artistas se destacam. Entre eles o de Antônio Francisco
Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, que nasceu por volta de 1730 na cidade de Vila
Rica. Pouco se sabe com certeza sobre sua biografia. Praticamente todos os dados hoje
disponíveis sobre sua vida são derivados de uma biografia escrita em 1858 por Rodrigo
José Ferreira Bretas, que baseou seus dados biográficos em documentos e depoimentos
de indivíduos que haviam conhecido pessoalmente o artista. Toda sua obra, entre talha,
projetos arquitetônicos, relevos e estatuária, foi realizada em Minas Gerais, especialmente
nas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João Del Rey e Congonhas. É considerado pela
crítica brasileira quase em consenso como o maior expoente do barroco colonial brasileiro.
O barroco no Brasil, uma vez que aconteceu em várias regiões formou várias escolas.
Entre elas destacam-se as escolas do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais. Entende-se
como escola a passagem e troca do conhecimento entre os artífices que trabalharam em
uma determinada região.
Segundo Porto-Alegre os membros da referida escola eram oito: Frei Ricardo do Pilar,
João Francisco Muzzi; João de Souza; Manuel da Cunha, Leandro Joaquim, Raimundo
da Costa e Silva, Domiciano Pereira Barreto e José Vidal.
Minas teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente, e pôde-se
construir estéticas mais particular. O barroco desenvolvido em Minas teve expressões
importantes na arquitetura, escultura e pintura. Na arquitetura destaca-se os mestres
Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho) Pedro Gomes Chaves, Antônio Pereira de
Sousa Calheiros e Francisco de Lima Cerqueira entre outros.
No que diz respeito à pintura, Mestre Ataíde é considerado um dos maiores nomes e
um divisor de águas na história do barroco mineiro. Sobre seu aprendizado artístico
supõe-se que o pintor tenha sido aluno de mestres estabelecidos na região como João
Nepomuceno Correia e Castro ou Antônio Martins de Silveira.
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Outras escolas barrocas também estão sendo identificadas, embora de forma lenta, por
pesquisadores. A Escola Pernambucana e a Paraibana recebem bastante atenção nos
últimos tempos.
Com a vinda para o Brasil da família real, em 1808, começou uma nova era na
colônia mais rica de Portugal. Fugitiva das tropas imperialistas de Napoleão
Bonaparte. A corte portuguesa buscou refúgio além-mar em sua colônia mais rica.
Com a chegada desses artistas introduziu-se o ensino sistemático artístico no país bem
como o vocabulário Neoclássico que vai ser introduzido de forma oficial substituindo,
pouco a pouco, a linguagem dos mestres barrocos.
Atividades Práticas
Sugerimos que o professor introduza a imagem ao lado (Figura 10) no ambiente virtual
(fórum) e provoque o debate entre os alunos no sentido de trocar informações sobre
características da pintura barroca presente no teto pintado por Manuel da Costa Ataíde,
o autor.
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Considerações Finais
A linguagem importada da Europa hegemônica barroca se estabeleceu
na colônia lusa sob o signo de uma Igreja aliada ao Estado. Essa
linguagem difundiu-se através das ordens religiosas que chegaram
às terras americanas com o objetivo de catequizar os povos que ali
habitavam, mas não deixaram de participar, ativamente ou não, de
seu genocídio.
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Missão Artística Francesa de 1816. Esses artistas, de vocabulário
neoclássico, foram responsáveis pela sistematização do ensino
artístico no país com a criação da Academia Imperial de Belas Artes.
É o declínio do Barroco e a ascensão do Neoclássico em terras
brasileiras.
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Referências
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caso dos ex-votos mineiros do século XVIII in Revista Brasileira de História. São
Paulo: Univasp Janeiro/junho, vol. 25 n. 49 2005. Disponível em http://www.scielo.br/
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BARDI, Pietro Maria. Em torno da escultura no Brasil. São Paulo: Raízes Artes
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BELLE, Edgard. Um olhar intertextual em: Navegar é preciso, viver não é preciso.
in Cadernos de Pós-Graduação em Letras, v. 3, n. 1, p. 91-103, São Paulo:
Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2004. Disponível em http://www.mackenzie.
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LERY, Jean. Histoire d ´une voyage en terre de Brésil. Paris: Librairie Générale
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LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro:
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PINTO, Irineu. Datas e notas para a História da Paraíba. João Pessoa: Editora
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94
RIBEIRO, Darcy. Maira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1983.
SALUM, Marta Heloisa Leuba, África, cultura e sociedades. Texto do Guia Temático
para professores África, Cultura e Sociedades, da série Formas de Humanidade, do
Museu de Antropologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
ZANINI, Walter. (Org.) História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter
Moreira Salles, 1983.
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Conheça a Autora
Madalena Zaccara
Madalena Zaccara é doutora em História da Arte pela Université
Toulouse II, França; professora associada do Departamento de
Teoria da Arte e Expressão Artística da Universidade Federal de
Pernambuco; Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Artes Visuais UFPE-UFPB; líder do Grupo de Pesquisa Arte Cultura e
Memória; Membro e Coordenadora Regional da Associação Nacional
dos Pesquisadores de Artes Plásticas (ANPAP). Madalena é autora
de vários livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.
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