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Revista Patio Infantil 37 Algumas Reflexoes Cultura Atelie
Revista Patio Infantil 37 Algumas Reflexoes Cultura Atelie
Francesca Manfredi
ANO XI Nº 37 OUT/DEZ 2013
PÁTIO – educação infantil
Q
uais os mundos possíveis de entrever com as O atelierista é erroneamente considerado como um
palavras “arte” e “educação”? Os meninos e profissional que propõe às crianças experiências artísticas
as meninas vivem com entusiasmo o seu estar desvinculadas do trabalho que os professores conduzem
no mundo. Já nascem com um forte espírito nas suas aulas. A cultura do ateliê, na realidade, funciona
de indagação, perguntam sobre as coisas se é difundida na escola e o atelierista é parte do grupo
atribuindo-lhes vida, tratando-as com respeito, como de trabalho, se confronta e planeja junto com os profes-
suas iguais. Os professores e os educadores, junto com sores. As competências do atelierista, dos professores e do
as famílias, têm a delicada tarefa de acompanhar as pedagogo tornam-se, desse modo, patrimônio do grupo.
crianças no seu encontro com o mundo, tratando como Na escola se forma, assim, um senso de reciprocidade
uma coisa preciosa o sentimento de beleza que a vida entre os adultos, o grupo de trabalho se torna um grupo
provoca neles. As crianças reconhecem o que é belo, no de aprendizado, e a escola um ateliê difuso.
sentido de eticamente bom, naquilo que encontram, mas A cultura do ateliê é alegre e transgressiva, não é a
sabem também imaginar e criar o belo. aplicação de exercícios técnicos e não tem a intenção de
Uma admiração inteligente enche-os de produzir obras artísticas feitas pelas crianças.
espírito crítico, tornando-os agentes de É importante que os professores e os edu-
transformações e inventores de possi- cadores sejam apaixonados, curiosos,
bilidades. Da educação pode nascer capazes de reunir e elaborar refle-
um novo senso de cidadania e de xões sobre a cultura, a tecnologia,
de Reggio, nasce de uma intuição que se inscreve nessa normativa, não tem regras que servem sempre e em
ideia de criança, de educação e de sociedade. Essa figura todas as situações. Às vezes é irreverente, possui no seu
profissional, de formação artística, tanto teórica quanto DNA a tensão para desestabilizar o que está estabelecido,
prática, inserida em turno integral no grupo de trabalho proporcionando às crianças a possibilidade de ter outros
da escola, tem dado vida, com o passar dos anos, à cultura olhares sobre a realidade.
difundida do ateliê. Frequentemente se pensa no ateliê
como um lugar específico onde acontecem coisas extra- Em uma conversa em um pequeno grupo, as crian-
ordinárias, enquanto no restante da escola transcorre ças e o professor discutem sobre como, segundo eles,
cotidianamente uma didática comum e tediosa. o nosso corpo percebe os perfumes. Margherita diz:
“As mãos também podem cheirar... É pelas unhas que importantes que outras. Comer, lavar as mãos, dançar, rir
chega o perfume e depois vai para dentro” (Figura 1). com os amigos: cada detalhe está carregado de maravilha,
O professor aceita com interesse a teoria de Margherita inclusive aquele aparentemente mais banal.
e propõe às outras crianças discuti-la e aprofundá-la, Isso tem a ver com a dimensão estética. Nunca lhe
usando, inclusive, a linguagem gráfica. aconteceu, caminhando na sua cidade, emocionar-se
ao sentir-se, subitamente, em uma cidade que nunca
tinha visitado? A dimensão estética ilumina com uma luz
nova o que já conhecemos. Devemos procurar estimular
a qualidade do sentimento e a capacidade de conectar
experiências distantes entre si no tempo e no espaço e
que, unindo-se, produzem novos pensamentos.
A cultura do ateliê faz parte da técnica, da poética
(poiesis, do grego, como fazer, criar) e da estética, tendo,
ao mesmo tempo, emoção e conhecimento, ação e signifi-
cado no processo de aprendizagem que nos acompanhará
por toda a vida.
A relação entre as crianças e os adultos torna-se
interessante a partir do momento em que o professor
deixa de se considerar um especialista, alguém que sabe
e que transmite o seu saber, para começar a sentir-se uma
pessoa que tem ainda muito que aprender e que pode
maravilhar-se junto com as crianças.
Figura 1
Muitas vezes propomos às crianças experiências por-
que sempre se fez assim, mas são hábitos com os quais a
A cultura da arte e do ateliê são culturas do fazer, em escola construiu certezas, sobre os quais não reflete mais.
que “a teoria se fundamenta e se apoia na experiência, Perguntar-se por que e como propor às crianças alguma
tornando-se um conceito operacional, que é produzido coisa é uma atitude fundamental. A cultura na qual es-
pela obra e ao mesmo tempo a produz, em uma dialética tamos imersos está repleta de estereótipos com relação
constante entre prática sensível e significado” (Balzola ao que agrada ou não às crianças. A escola deveria evitar
e Rosa, 2011, p. 11). a banalização das experiências, priorizando um grande
Fazer significa encontrar os materiais, escutar o que esmero com relação ao uso dos materiais.
nos propõem, experimentá-los, conhecê-los e, em segui- Podemos, por exemplo, construir, junto com as crianças,
da, prová-los e conhecermos nós mesmos. A experiência múltiplas graduações da mesma cor e romper com o domínio
constante da matéria reforça a relação que as crianças redutivo das cores primárias. A variação é uma das qualida-
têm com o real, permitindo-lhes identificar problemas e des da vida e, ao confundirmos simplicidade com pressa e
procurar, juntamente com os outros, respostas provisó- simplificação, corremos o risco de perder os gostos únicos
rias. O corpo todo se envolve nessa tensão cognitiva, é e ricos das variações dos materiais, como, por exemplo, as
um corpo capaz e inteligente. diferenças táteis de diversas madeiras, ou os sabores que se
encontram sem confundirem-se em uma receita bem feita.
ANO XI Nº 37 OUT/DEZ 2013
Augusto e Massimo estão construindo uma planta Também o ambiente escolar deveria ser um multi-
trepadeira com fios de metal. Enquanto suas mãos plicador de sensibilidades. Na nossa escola, podemos
entrelaçam, dobram, enrolam, Augusto diz: “É muito exercitar a criação de ambientes fascinantes usando
divertido. Não é exatamente uma brincadeira, mas é meios simples, como efeitos de luz e sombra, sugestões
como se fosse um jogo, uma brincadeira de verdade. As que jogam com o verdadeiro e o falso, materiais naturais
minhas mãos estão se divertindo como loucas. Não sou que podemos encontrar nos bosques, ao longo dos rios,
eu que as estou comandando, e sim elas que estão no na praia — ramos, pedras grandes e pequenas, terra de
comando. Eu comando um pouquinho também, mas não diversas cores, materiais com odores, sugestivos da rica
muito. São elas que querem fazer isso. O polegar, que é biodiversidade do nosso planeta, que se apresentam
PÁTIO – educação infantil
o chefe, comanda os outros dedos e também o mínimo às crianças como questões importantes: o que é? Onde
ajuda um pouquinho”. e como nasce? Como cresce? Como vive? A sedução, a
fascinação e a beleza autorreferenciais não nos servem
A cultura do ateliê e da arte é transversal, matiza o porque deveriam, ao contrário, são capazes de instigar
limite entre as linguagens e as disciplinas; não separa, perguntas, observações, descobertas.
ao contrário, agrega, imerge na realidade e pode trazer As nossas escolas podem ser ateliês difusos, do macro
sempre alguma coisa interessante, uma vez que a vida ao micro, dos ambientes à qualidade das relações entre
nunca é igual. Assim, também em um dia de escola cada as crianças e entre as crianças e os adultos, dos materiais
momento é rico em valor, não existem situações mais à disposição às linguagens propostas.
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REFERÊNCIA
Balzola, A.; Rosa, P. L’arte fuori di sé, un manifesto per l’età
post-tecnologica. Gênova: Feltrinelli, 2011.
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EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As
SAIBA cem linguagens da criança: a abordagem
de Reggio Emilia na educação da primeira
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