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Na filosofia kantiana assimila-se por suas obras, um caráter separatista entre
ser e pensar. Para Kant, o ser é enquanto pensamento distinto de seus
momentos sensíveis. Fenômeno e Nûmeno distinguem duas faces de um mesmo
Homem. Já em Hegel ser e pensar são novamente conjugados e postos um em
relação imanente um ao outro.
Detendo-nos mais explicitamente à dimensão da forma, neste
“dialogismo” interno, vislumbra-se a prédica filosófica como exteriorização
desta forma. O homem passa a integrar-se e perceber-se natureza e
sujeito nesse movimento convergente que desemboca na síntese de seu
pensamento expresso na forma. É a forma a dimensão onde a
inteligibilidade é grafada no recôncavo mais longínquo do ser do Homem.
É nessa esfera que afloram os desdobramentos subjetivos que passam a
ser pensados em vista dos demais indivíduos subjetivos que a
racionalidade comporta. Ou seja, todo esse itinerário de perceber-se
subjetivo, empreendido pela Modernidade, só passa a significar uma
verdadeira atitude de reconhecimento do Homem à medida que não o
torna individualista. O cultivo da racionalidade requer, como condição de
validade, a conservação da subjetividade própria em função das demais
subjetividades próprias. É essa aproximação de consciências livres e
percebidas subjetivas que se torna possível pensar uma corporação
organizada que viva bem, neste paradoxo do sobreviver mal. Requer-se,
portanto, como condição de validação da subjetividade como positiva, ter-
se em mente essa exigência de interconexão entre os nexos do âmbito
social.
Ainda, todo o procedimento epistemológico identifica-se tendo no
horizonte do pensamento o sujeito, o objeto e a relação. Ou seja,
estanques, a Psicologia, a Ontologia e a Lógica não conseguem unificar
com propriedade todo o movimento do Homem em busca do
conhecimento. È necessário que estes estágios estejam conexos em vista
da formação integral do ser humano. E remetendo-nos ao campo
psicológico, no vislumbre do sujeito, perceberemos, auxiliados pela
filosofia contemporânea, a insuficiência de pensarmos um sujeito singular,
distinto, do qual, unicamente, parte todo movimento de relações
estabelecidas como o objeto. Voltamos, pois, à questão da subjetividade e
necessidade de uma intersubjetividade. Parece necessário o surgimento
de um sujeito 2 que, a partir do diálogo estabelecido com o sujeito 1,
possa compreender a leva sistemática latente no processo do
conhecimento. Reitera-se, aqui, a vital e imprescindível conexão das
subjetividades.
Assim, o caráter subjetivo da Filosofia passa a ser encarado legitimamente
como conseqüência positiva da valorização do ser humano. É a filosofia o
espaço onde se volve o olhar na direção mais importante do Homem: a
felicidade consigo mesmo e com o ser-outro, angariado justamente por
essa relação entre realidade objetiva, a sociedade em geral, e sua
realidade interna, ou a subjetividade.
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Cabe-nos, aqui, pequena ressalva: caso a racionalidade que atinge o momento
destas palavras gera em si o especulado dissenso de que se fala, e no qual a
constituição da natureza do pensamento é perpassada pela idéia fixa no teor
filosófico de determinado autor, e o qual, ainda, contraria o almejado consenso
que identifica a tarefa da Filosofia de propor-se como característica e libertadora,
ainda assim mantenho o propósito inicial de apenas direcionar-me pelo sabido,
jamais pela alvura do dever-ser do conhecimento.Ora, a suscetibilidade da razão
ao externo, e ainda mais no âmbito filosófico, é evidente pela exposição e
imposição dos “quem?” e dos “como?” da tradição filosófica. Quantos às críticas
de que tão pobre ensaio direciona-se numa perspectiva demasiada hegelina,
afirmo-lhes não o ser, pelo simples fato de não ser um sabedor razoável da
Filosofia de Hegel. O que se sabe é, por sua vez, contingente e excessivamente
pouco, caso admita-se a contrariedade desta expressão.
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Nesta altura, o ser tomado como objeto pressupõe as relações de trabalho
estabelecidas na economia neoliberal.
tradição e da história e atribuir-se um fim em si mesmo. É para além
disso, perceber-se racional e estabelecer tal faculdade no cuidado e
exercício da práxis cotidiana. Ter me mente a proposição filosófica é
imbuir-se de um espírito de eterna interrogação sem cair-se num
relativismo supremo ou em estado de descrença. Não é a Filosofia o
divagar sobre o absurdo. Pelo contrário, é perceber o absurdo nas suas
mais diversas e sutis formas em que este se configura nas civilizações
atuais. Para o pensamento filosófico, em uma análise contextual atual, o
absurdo são as demasiadas incongruências entre os sujeitos. É irracional à
Filosofia, e/ou não só à ela, conceber uma sociedade deliberadamente
cáustica no âmbito da desigualdade, onde as formulações econômicas
estabelecem paradigmas comportamentais a serem seguidos. Nosso
contexto está marcado pela aparente impossibilidade de se manter
relações intersubjetivas de sujeitos livres. E isso por dois motivos. Este
porque a dimensão da subjetividade, como outrora salientado, perde
espaço para a onda utilitarista que pensa o Homem pelo caráter objetivo
de sua produção; aquele, ocorre pelo simples fato de não possuirmos, em
meio a falaciosos discursos de direito e liberdade, sujeitos plenamente
livres. E mais, tal liberdade, longe de um puro desejo arbitrário, só pode
ser implementada à medida que a consciência dos singulares se veja
responsável pela mudança de determinadas ideologias. Porém, num
contexto de supressão da reflexibilidade, tal reconhecimento vê-se quase
que impossibilitado de efetivação.
Para tal situação, é que a Filosofia apresenta-se como ajuda imediata.
Longe de uma pensamento reducionista de salvação, a reflexão filosófica,
este voltar-se para si mesmo, propõe-se como formulação teórica de uma
posterior prática. Não podemos dotar-nos da ingenuidade típicas das
massas, e ter a ação como resultado da causalidade. Todo o processo da
práxis deve ser engendrado numa dimensão filosófica do pensar a ação,
para que não se caia numa ofensiva infortuna que desmerecerá o sentido
da luta. É a partir da idealização das causas, procedimentos e
conseqüências é que se pode estabelecer um fundamento sólido e
promissor para uma transformação social.
Assim, a Filosofia percebe-se muito além de pura crítica à práxis social
humana. Constitui-se, além disso, como precessora e orientadora da
efetivação do momento objetivo da razão e das ações coerentes que, a
partir disso, fazem-se possíveis.
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A explicação que identifica esta negação da Natureza aqui não é entendida por
sob os aspectos da destruição sofrida por esta natureza. Tal negação é, pois,
apenas o afastamento racional das imposições naturais e criação da cultura
histórica humana.
as conserva. Esta filosofia estabelece a união que as norteiam,
identificadas como constitutivas, à fundamentação do ser humano.
No entanto, sendo a Sociedade a tábula rasa onde o Homem traça sua
cultura, esta deve representar fidedignamente a idealização cultural
humana. Porém: a Sociedade, tal e qual se apresenta, denuncia a pobreza
do empreendimento cultural humano ou não traduz corretamente tais
ideais?
Valendo-nos da literatura, vemos em José André da Costa:
Em Hegel lê-se:
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Existe toda uma leva de relações que podem ser estabelecidas entre práxis e
poiésis. Neste caso, ambas não são identificadas como sinônimos. A relação
praxiológica vigora na significação do movimento do sujeito para o sujeito; já a
poiésis, é a dimensão em que os intrincados no movimento são o sujeito e o
objeto.
Neste trecho de sua Filosofia do Direito, Hegel estabelece um de seus
pareceres sobre o trabalho: o trabalho como negação e transformação do
dado imediato natural na constituição de produtos humanos, afastados da
natureza, e produzidos por força também humana. Ou seja, o conceito de
trabalho só possui inteligibilidade no meio humano, através dos processos
de concepção, transformação e uso. Sucintamente, em Hegel o trabalho
assume o papel principal de garantia da liberdade e justiça no Estado. É o
meio pelo qual o Homem nega a Natureza e percebe-se livre.
No entanto, o próprio trabalho estabelece em sua dialética interna
diferentes concepções. Na diferenciação estabelecida por Hannah Arendt7,
por exemplo, ficam evidentes as distinções que o trabalho adquire ao
longo do processo constitutivo das sociedades. São porém, partes
consoantes do conceito de trabalho e que não devem ser pensadas
separadamente. Possuem em si o caráter da coerência consigo mesmo
sem desprenderem-se da universalidade que compreende o conceito, que
em si é universal. São eles o labor, o trabalho e a ação.
No labor, o Homem enquanto Natureza, ou relação simbiótica com esta,
efetiva sua dimensão bio-fisiológica. O espaço natural, que ainda não é de
transformação, lhe é como que sua casa (oikia) e representa o suprimento
de suas necessidades puramente animais, ou seja, é este processo a
esfera doméstica de garantia ou preservação da vida sensível em seus
estágios fisiológicos.
Partindo imediatamente para a dimensão do trabalho, vista nossa
brevidade, percebemos aqui a racionalidade do afastamento da Natureza.
Há, pois, a suprassunção da fase de vitalidade constituindo-se, agora, um
espaço para a produção que se artificializa no fazer do Homem. A mera
produtividade subsistencial é transpassada por atividades que
estabelecem meios e fins no comportamento do fazer humano e que
resulta na perfeição e permanência da produção afastada da Natureza.
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Não há aqui, uma disposição mais compacta das concepções de Arendt.
Logicamente, o pensamento da filósofa em rtelação ao tema vai muito além de
tão esporádicos e pobres tópicos.
O resultado último que deve comportar esse movimento de suprassunção,
no conceber arendiano, é a práxis, a ação do sujeito homem
suprassumido no desenvolver histórico de suas sociedades. É este o
espaço da relação dos sujeitos, na segurança de uma subjetividade
garantida, sem a mediação das coisas, ou seja, é o terreno fértil das
relações políticas. Agora, a coisificação artificial da Natureza é apenas
pressuposto exterior da intersubjetividade dos processos humanos,
condição para o pensamento encontrar-se no âmbito do espírito absoluto,
numa diálogo mais hegeliano. Instaura-se, aqui, a dinâmica relacional que
possibilita a interação com o outro.
Para o momento efêmero que este ensaio comporta, percebemos,
minusculamente, aspectos de trabalho em duas concepções. Seria
necessário, para um fim mais próprio e verdadeiro, dedicarmos parte
maior da escrita no discurso sobre o trabalho, tendo em vista o caráter
por este assumido nas sociedades pós-modernas da onda capitalista
neoliberal. Porém, contentamo-nos com tal brevidade e reiteramos: é a
Sociedade a esfera onde todas as relações, incluindo as trabalhistas, são
estabelecidas com infinitas intencionalidades no processo de auto-
formação do Homem.
BIBLIOGRAFIA