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O Livro de Rute

(Deuber de Souza Calaça)

I. APRESENTAÇÃO DO LIVRO DE RUTE


O livro de Rute é uma historieta encantadora e cheia de requintes, para dizer mais, é
uma história cheia de encanto e deleite. Como já foi dito, “nenhum poeta do mundo escreveu
um conto mais belo”. Seu título se dá em função da sua protagonista. Este livro é lido, até
hoje, durante a festa de Pentecostes;1 isto acontece provavelmente porque os fatos narrados em
Rute (1.22-3.17) se desenrolam no período da colheita de cevada (1.22; 2.23).
Rute é uma “pequena novela”, contendo múltiplos episódios num pequeno espaço. Seu
enredo é cheio de suspense e transmite condição de vida real. Isto é, história para assuntos
cotidianos em alguma esfera reconhecida da vida. O livro conta a história de gente comum e
fala de coisas que acontecem normalmente com as pessoas: a rotina do dia-a-dia, a
necessidade do trabalho, as alegrias familiares, a dor da morte, a separação dos parentes, o
relacionamento entre nora e sogra, amor e matrimônio, solidariedade comunitária.
Este pano de fundo do cotidiano é exatamente o campo onde Deus atua, interage com o
ser humano comum. Está presente em meio as suas alegrias e tristezas, fome e fartas colheitas
advém da sua intervenção direta, assim como a morte e o nascimento dos filhos. Isto tem um
valor extraordinário, pois significa que Deus não se restringe aos domínios da prática religiosa
formal, no Templo, nos sacrifícios, nas litanias e responsórios. Ao contrário, Deus está
presente na vida das pessoas, intimamente ligadas a elas.
Rute, de forma comovente e graciosa, conta a história de duas mulheres que salvaram
sua família da extinção, trazendo a lume os sentimentos e costumes familiares numa dada
época da vida israelita. Essas mulheres, Noemi e Rute, se unem em busca:
1) Sobrevivência;
2) Felicidade (3.1);
3) Perpetuação do nome da família.

II. CONTEXTO EM QUE TRANSCORRE A HISTÓRIA


Tem como cenário a época dos juizes: “Nos dias em que julgavam os juizes...” (1.1). O
período dos juízes foi marcado pela presença de homens cheios de carismas, guerreiros,
homens de fé; alguns, a propósito, cheios do Espírito Santo. Todavia, foi um período de
grande maldade, marcado pela apostasia, isto é, os filhos de Israel distanciavam-se do Deus de
seus pais, unindo-se a Baal. Se houvesse um jornal local naquela época, as manchetes teriam
esses assuntos: homicídios, guerras, estupros e saques. Os inimigos invadiam a terra e a

1
Cf. Ex 23.16; Lv 23.15-22; Nm 28.26; Dt 16.9-12.
O Livro de Rute

saqueavam, o que tornou a economia agrícola inviável. Ocorre, então, a inquietação civil,
desintegração social, imoralidade sexual.
E Deus, onde estava? Como podia permitir todo este mal? Onde estavam agora as
bênçãos da aliança? Como podiam ter fé na providência de Deus? Será que Ele ainda se
preocupava com cada aspecto da vida? Tais perguntas facilmente nos levam a tomar as asas
do ateísmo, da vida como um fim em si mesma e do fatalismo inevitável. No entanto, são
questões por demais inquietantes, principalmente para aquele que professa sua fé no Deus da
Aliança.
Conseqüentemente, houve o esfriamento da fé, o que redundou em conflitos espirituais
para o povo de Deus. Qual dos deuses deveriam seguir os israelitas? O Deus de Abraão,
Isaque e Jacó, Deus da Aliança, Criador dos céus e da terra? Ou ao deus Baal, deus da terra
que acabaram de possuir, deus dos cananeus, com as suas respostas imediatas? Como disse
B.W. Anderson: “Para Yahweh eles olhavam nos períodos de crise militar; para Baal,
voltavam-se para ter sucesso na agricultura”. Então, pode-se dizer, era uma religião de
conveniências, fé orientada para as satisfações pessoais.
O desafio de Elias serve também para este pano de fundo, inclusive para nós, pois o
modernismo nos faz servir a outros deuses: materialismo, o cientificismo e o naturalismo.
Parece que os seguidores de Baal são mais prósperos. 2 Disse, então o profeta: “Até quando
coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; se é Baal, segui-o” (1Rs
18.21). Interessante notar que o povo nada respondeu ao apelo do profeta. Por que se calou?
Porque não percebia a diferença entre um e outro objeto de adoração. Em resumo: era uma
luta entre a fé e a cultura, tensão entre Yahweh e Baal. 3 Lidar com o silêncio de Deus não é
uma tarefa muito fácil para os crentes de todas as épocas. Correr para o imediatismo é uma
tentação quase generalizada.

OBJETIVO DO LIVRO
O livro tem como propósito fundamental proclamar que o Senhor Deus
(Yahweh e não Baal) é quem dirige a história. Por meio desta novela, o autor nos apresenta
sentimentos de pureza, inocência, fidelidade e lealdade, dever e amor norteando os
relacionamentos entre os personagens. Sobre todos eles, “as mãos do Senhor”: mãos que
cuidam, que sustentam, mãos que são provedoras e acolhedoras.

2
Cf. o clamor do Sl 37.
3
A apresentação que Atkinson faz em seu livro a respeito dos “Desafios da Fé” é uma matéria preciosa, fazendo
uma importante aplicação dos desafios daquela época para os nossos dias (cf. p 14ss – Desafios da Fé: Outros
Deuses; Uma Cultura Dividida; e O Problema do Mal).

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O Livro de Rute

Concordo com Atkinson, quando diz: é como se o autor quisesse que


soubéssemos que houve um outro lado da vida na época dos juízes; havia fé em muitas
pessoas, havia esperança em meio a tantas más notícias, havia gente de bem que amava a
justiça. Sobretudo, o livro de Rute nos convida a ação, sempre confiando que Deus está no
controle. Um convite à vida de fé simples, sem complicações.
Encontramos ainda outros propósitos, não menos importantes, e que dão todo o
colorido à narrativa:
Realçar as virtudes da piedade e da fidelidade que adornam as famílias que professam
a fé em Deus, tais como: companheirismo, amizade entre sogra e noras, amor que une a
família, resgatar o nome de alguém que faleceu, etc.;
Amenizar o rigorismo israelita, principalmente após o exílio, com respeito aos
casamentos mistos; elogiando Rute como modelo israelita de raça moabita, vindo a ser,
inclusive, a mãe do maior herói israelita: o rei Davi (4.17-22);
Contrariar as intenções hostis e doentes de certos espíritos nutridos de um
nacionalismo racial. Israel deveria cumprir a sua missão de abençoar as famílias da terra.

III. ENSINO RELIGIOSO


Rute é um livro rico em profundidade piedosa, amor e doçura;
Estas virtudes são as mais elevadas e estimadas entre as famílias israelitas;
Delicados sentimentos de generosa devoção aos pais; relação positiva entre as
gerações;
Demonstração de uma fé simples e ao mesmo tempo profunda, que reconhece nos
fatos dolorosos da vida a providencial mão de Deus conduzindo todas as coisas. A
Providência Divina em ação e a fé simples, pura, que tudo depende do Senhor (Yahweh).
Religiosidade suave, descomplicada, simplesmente crêem na ação divina na história. Ligando
esse fato ao período dos juízes faz uma enorme diferença (período turbulento, de grande
maldade e alienação de Deus, sincretismo religioso, religião utilitária...);
A convicção que brota na leitura: as provas e tribulações desta vida são, na visão da
bondade divina, meios que levam a acontecimentos que superam toda expectativa humana: a
estrangeira Rute se torna mãe de Davi e do próprio Messias (Mt 1.5);
O livro mostra que Deus é benigno para com todos que o buscam. Mesmo que estes
façam parte dos inimigos declarados de seu povo, como a própria Rute, membro do povo
moabita, adversário de Israel (cf. Lv 18.16; 20.21; Dt 23.4-7);
Como Rute alcança esta graça divina?
a) Rejeitando o politeísmo (1.16 - o teu Deus será o meu Deus...);

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O Livro de Rute

b) aceitando a religião do Deus de Israel (2.12), isto é, buscando refúgio em Deus


(Iahweh);
Neste livro, como também no profeta Jonas, outra obra-prima do AT, já notamos
que a mensagem de Deus é universal, preparando o caminho para o Evangelho anunciado por
Jesus Cristo a todas as gentes.

O Livro numa Frase (paráfrase de Rt 2.12; Sl 91.1-4):


“Buscar Refúgio sob as Asas do Senhor”

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O Livro de Rute

1ª Chave de Leitura – Início e Fim do Livro4


O livro de Rute inicia apresentando temas cotidianos negativos (1.1ss):
 Fome
 Morte
 Falta de Geração (os filhos de Elimeleque morrem sem antes gerarem filhos, o
próprio Elimeleque morre); Sl 30.5; 91.1-4
Os Maus Presságios: Lm 3.21ss
Sl 46 – Há um rio...
i) solidão (longe de casa, em Moabe);
ii) definhamento (morre Elimeleque, Malon e Quilion)
iii) condição de sem-filhos (sem esperança e sem nome)
Noemi ficou: sozinha, sem lar, sem marido, sem filhos. Como deveria ser
desesperador, portanto, para ela o fato de que, além de ter perdido os três homens de sua
família, não tivesse um único herdeiro através do qual os nomes deles continuassem e sua
herança ficasse garantida! Seus homens morreram e com eles os seus nomes. Sem amigos,
pois que habitava em terra estranha, não é sem razão que suplica para que os moradores de
Belém não a chamem mais pelo nome Noemi (minha doçura, graciosa), mas de Mara (minha
amargura), pois sua experiência de vida não estava sendo fácil naquele momento.
A parte final é exatamente a inversão desta situação (4.13-17):
 Abundância
 Vida, nascimento
 Geração suscitada (Noemi e Elimeleque têm filhos através do casamento de
Rute com Boaz – Obede)
Os Bons Presságios:
a) Comunidade (de volta a Belém);
b) Abundância (colhe para as duas);
c) Fertilidade (nasce Obede) – renasce a esperança.
O que é dito entre o início e o fim do livro são coisas que podem perfeitamente
acontecer com as pessoas, é material da vida cotidiana.
Para esta compreensão do texto é muito salutar a interpretação dos nomes dos
personagens principais e secundários:5
Elimeleque (Eli + Mélk): Meu-Deus-é-Rei;
Malon (Mahalon): franzino, doença, enfermidade;

4
A respeito desse enfoque cf. Gottwald – 514, gráfico 8.
5
Os significados dos nomes foram extraídos das seguintes fontes: Teodorico BALLARINI; A. Van den BORN;
Bíblia Anotada; Tradução Ecumênica da Bíblia – TEB e A Bíblia de Jerusalém – BJ

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O Livro de Rute

Quilion (Kilion): definhamento, fragilidade, aniquilamento, desfalecimento;


Orfa (Orpá): nuca, alguém que dá as costas, que se vira ao partir; pode simbolizar a
deserção;6
Noemi: agradável, bela, minha graciosa ou minha doçura; tem seu nome mudado para
Mara (cf. 1.20), que significa amargura, amarga; traduz literalmente a miséria em que se
encontra quando do seu retorno para Belém. Mari poderia ser a correção do nome (= minha
amargura), em correspondência à Noemi (minha doçura), revelando o contraste na história de
Noemi.7
Rute (Rut): amizade, amiga, companheira, reconfortada; anuncia a afeição ou o reconforto;
Boaz: força nele; engendra a esperança;
Obede (Obed): “servidor”, “servo” (“o servo” – cf. BJ), subentende-se servo de um deus
particular, nesse caso em especial, servo do próprio Senhor (Yahweh).
Betel – Significa Casa do Pão: paradoxal, pois justamente na casa do pão há fome.
A interpretação dos nomes deve ser cuidadosa, pois corremos o risco de forçar
algum tipo de significado. Todavia, o simbolismo dos nomes pode ser intencional, pelo que se
verifica no significado de Noemi e sua mudança para Mara, deixando bem claro o contraste
entre ambos os significados, numa relação direta, feita pelo próprio autor, com a situação
vivencial da personagem. Nesse sentido, então, o livro é uma novela com uma intenção
premeditada pelo autor, passando alguma lição aos seus leitores/ouvintes. Outro fato
importante a ser notado quanto ao uso dos nomes é sua importância dentro do contexto
israelita. O nome é a própria pessoa, o significado daquilo que ela é, portanto de relevância
para o presente estudo.8

Mulheres em Ação
Numa cultura masculina – Sociedade Patriarcal – duas mulheres tomam uma atitude.
Saem a campo, com astúcia e audácia, em busca da sua felicidade e sobrevivência. Os
homens, nesta história, apenas reagem diante das suas ações.
Numa cultura onde a mulher exercia função inexpressiva e restrita às atividades
domésticas, podemos afirmar que Noemi e Rute foram muito corajosas, tomando a frente das

6
Como Rute, o nome Orfa não sabemos ao certo o significado. Todavia, o que foi exposto segue em virtude das
narrativas. Todavia, pode ser aplicado de forma positiva, isto é, se Rute acompanha Noemi até Belém, vivendo
sob as asas do Senhor, Orfa regressa para casa levando consigo o testemunho de Yahweh para os seus familiares.
Nesse caso o testemunho vivido por Noemi dignifica o nome de Yahweh.
7
Cf. comentário da BJ Rt 1.20, nota “g”.
8
Cf. Apostila sobre a Cultura Bíblica do AT, e a bibliografia utilizada.

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O Livro de Rute

ações.9 Estas mulheres não esperam passivamente que os homens resolvam seus problemas,
mas assumem o comando para fazer com que as coisas aconteçam.
Uma vez mais, percebemos a graça providencial de Deus. Onde?
1º) Na permissão de que Rute, uma estrangeira, venha se abrigar em terra israelita;
2º) Ao rebuscar os campos de Boaz, sem ser impedida;
3º) Ao deitar-se aos pés de Boaz, à noite, correndo o risco de ser apedrejada e morta;
4º) Ao cobrar de Boaz uma atitude correta, a postura de redentor (goel).
É interessante notar as duas culturas (masculina e feminina) interagindo. O valor
masculino é o de perpetuar o nome da família. Os anciãos masculinos celebram a boa sorte de
Boaz ao encontrar Rute, já que lhe dará filhos (4.11,12). Noemi deseja que suas noras
retornem para casa, pois sua preocupação inicial não é ter filhos, perpetuar o nome, mas
defender as duas jovens, uma vez que a vida não era segura para mulheres solteiras naquela
época. Quando Rute dialoga com Boaz, não é por amor aos mortos, mas para que tanto ela
quanto Noemi tenham uma vida plena, digna. Quando Noemi toma nos braços a Obede, filho
de Rute e Boaz, as mulheres da cidade alegram-se com ela, pois o menino veio lhe trazer
consolo e gozo a sua velhice (4.14,15). Aliás, na compreensão daquelas senhoras, o amor de
Rute para com Noemi vale muito mais do que sete (07) filhos (cf. 4.15).
Na verdade, ambos os sexos se beneficiam, pois as mulheres encontram cumprimento
prazenteiro dentro do seu papel social.
Mudança de sorte
A mudança de um estado de definhamento para o de abundância, está diretamente
ligada com a consciência de que a vida pertence ao Senhor, é Ele quem dirige a história da
família.
A presença providencial de Deus (1.6; 4.13,14);
Todos saem ganhando na história. Noemi – um filho no colo, o nome passou para a
história; Boaz – felicidade (3.10), mulher de ação em casa, abençoada por Deus; Rute – além
do filho, a abençoada do Senhor Deus de Israel (sob cujas asas buscou refúgio)
Todavia, há um perdedor. Apenas um personagem fica sem nome, sem história,
triste, pois renegou a sua obrigação. É chamado de “Fulano”! Quem foi? Exatamente o
resgatador anônimo. Este perdeu a oportunidade de ter uma esposa excelente (Pv 31.10ss) e
deixou o carro da história passar, deixando de ser o pai de Davi, o rei messias de Israel, deixou

9
Vale ressaltar que a mulher israelita tinha um lugar de destaque na família judaica, especialmente no que
concerne a educação dos filhos, aos trabalhos caseiros. Cf. JEREMIAS, Joaquim: Jerusalém no Tempo de Jesus. 3ª
Ed. São Paulo: Paulus; 1983; MORIN, Émile: Jesus e as Estruturas de seu Tempo. 4ª Ed. São Paulo: Paulinas;
1988; TENNEY, Merril C., et alli. Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos. Deerfield/Florida: Vida; 1982.

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O Livro de Rute

de ter parentesco direto com o Messias, Jesus. Sua recusa em desposar Rute só realça o lucro
dos outros personagens.
“Guarda-me como a menina dos olhos,
esconde-me, à sombra das tuas asas.” (Sl 17.8)

MEDITAÇÃO
Providência Divina
“Quando tudo diz não...”; “Quando tudo parecer perdido, chore uma lágrima de esperança.”
Trabalhar dentro do contexto dos juizes, background. Tempos de apostasia, falta de unidade,
idolatria e sincretismo, mas havia pessoas de fé, ligadas ao culto do Deus Único (Noemi).
Fé no Todo-Poderoso: “O Deus que é melhor quando o homem está na pior”.
Igreja: Povo Caminheiro. Caminhada cheia de esperança rumo ao eterno.

(Sermão: As Visões de Isaías: Isaías 6:1-8)

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O Livro de Rute

2ª Chave de Leitura – Uma Estranha em Israel


Moabe
Uma tribo semita, estreitamente aparentada com os israelitas. De acordo com Gn
19.30-38, os moabitas são descendentes de Ló, sobrinho de Abraão. 10 À semelhança dos povos
vizinhos de Israel, sua religião caracterizava-se pelo politeísmo, sendo Camos seu objeto
principal de adoração, a quem, inclusive, ofereciam sacrifícios humanos (cf. 2Rs 3.27).
Também eram conhecidos como “povo de Camos” (Nm 21.29). Quando Israel estava em fuga
do Egito, aproximando-se da Terra Prometida, Moabe não lhes permitiu passar. Numa outra
ocasião Moabe invadiu a terra israelita e manteve o povo sob escravidão durante 18 anos. Esse
local deveria ser, certamente, o último para que um israelita fosse buscar abrigo, segurança. O
que teria passado pela mente de Elimeleque? Por que não buscou uma outra terra onde o nome
de Yahweh era adorado? Falta de fé, desconforto em crer na providência de Deus? Jamais
saberemos a resposta. Mas, uma coisa é certa, “a providência de Deus não é limitada pela
loucura do homem”. Toda a história narrada pelo livro de Rute demonstra “a rica benignidade
da providência de Deus. Felizmente, a providência de Deus cobre até os nosso erros!”
(Atkinson).

Rute e sua Cultura


Rompimento de Rute com:
 Sua nação;
 Seus deuses (2.11,12; cf. 1.15)
Rompendo [rejeitando] com o politeísmo Rute aceita adorar somente a Yahweh,
reconhecendo-o como único e verdadeiro Deus. Assim, se torna não apenas membro de pleno
direito do povo eleito de Deus, mas até mãe da descendência davídica, a quem o Senhor
prometera o reino eterno. Unindo o espírito do Livro de Rute com o livro de Jonas, podemos
perceber o sopro universalístico que prepara a mensagem universal de Cristo.

Este rompimento de Rute nos leva a refletir sobre a Conversão. Toda conversão é
marcada por uma Crise, podendo ser de cunho pessoal, familiar ou mesmo cultural/social. O
novo nascimento gera a crise do rompimento com o passado (2Co 5.17), do confronto, e a
crise do “ser”.

10
Para Gottwald, a passagem de Gênesis, a respeito do surgimento dos moabitas, é uma anedota.

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O Livro de Rute

A Abençoada de Yahweh
Favoreceu (2.10,13);
Boaz Falou ao seu coração (2.13);
Invoca a benção de Deus sobre ela (2.12; // 1.16; 3.10);
O povo sobre Boaz (4.11,12). Aqui se cumpre 1.17.
Para este tema cf. 2.12 – “...Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refúgio”.
Aqui temos uma preciosa abordagem sobre a Universalidade da revelação divina,
visto que uma estrangeira recebe abrigo junto ao povo de Deus (2.11,12; cf. Sl 17.8; 36.7;
57.1; 61.4; 63.7; 90.1, 91.1-4; Ml 4.2; Mt 23.37 // Lc 13.34; Mt 13.31-32). A qual está
intrinsecamente ligada à Missão de Israel, quando de sua vocação em Abraão (Gn 12.1-3):
“Em ti serão benditos todos os povos da terra” (cf. Rm 9.25s; Gl 3.8; Ef 2.11ss; At 10.34s).
O povo de Deus, então, deve acolher as pessoas, dando a elas refúgio, segurança,
esperança. Não virar as costas, mas ser receptivo. Israel ao se fechar para as demais nações
estava negando esta missão, razão do seu chamado, apresentar Deus às nações. Um exemplo
claro desta idéia é o livro de Jonas, o profeta enviado a outro povo inimigo de Israel, os
ninivitas, onde ocorreu um grande movimento em direção ao Senhor Deus de Israel.
A benção sobre Rute advém do seu rompimento com o seu povo, seus deuses, isto
é, sua religião, para abraçar a cultura e a religião de sua sogra Noemi. Momento quando se
realizam as palavras: “faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja
a morte me separar de ti” (1.17).
A bênção é descrita em termos de favorecimento por parte de Boaz e seus servos
(2.10,13) e retificada por Boaz (2.12); quando os anciãos, à porta da cidade, invocam a bênção
de Deus sobre Rute e Boaz (4.11,12). O nascimento de Obede é a clara realização do
favorecimento divino ao casal. Não só a eles, mas, por conseguinte, toda a nação israelita seria
por intermédio dela (Rute) abençoada, pois dela descenderia o rei de Israel, Davi (4.22), o
homem segundo o coração de Deus, o Rei Ideal, donde, mais tarde, descenderia também o
Messias, o Cristo.
“Bendita sejas tu do Senhor, minha filha... és mulher virtuosa” (3.10,11)

MEDITAÇÃO
Igreja vs. Cultura
Igreja: Comunidade da Graça

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O Livro de Rute

3ª Chave de Leitura – O Resgatador


O Resgatador
Muitas vezes o clã designava um homem, juridicamente chamado de
Resgatador, em hebraico Go’el, o qual deveria ficar à disposição dos seus irmãos quando
necessitassem de auxílio. É um dos temas centrais do livro de Rute.
Cumpria ao Go’el:
 Resgatar a propriedade familiar que por qualquer contingência tenha mudado
de dono;
 Para vender parte da propriedade para pagamento da dívida, o go’el era a
primeira opção de compra (Lv 25.25; Rt 4.1-6; // Jr 32.6-8,15);
 Evitar a alienação do patrimônio (Lv 25.23-25,47-49; Rt 4.4);
 Casar com a viúva sem filhos (levirato = cunhado; cf. Dt 25.5-10),
suscitando posteridade ao parente que faleceu, para que o seu nome não fosse extinto do meio
do povo. A propósito, levirato e resgate estão unidos na mesma narrativa, caso único nas
narrativas do AT, no livro de Rute. No caso do filho que nascia sob essas condições
juridicamente seria considerado geração daquele que morreu, e herdaria as suas posses. Foi o
caso de Obede, filho de Boas e Rute, mas, considerado filho de Noemi e Elimeleque (Rt 4.13-
17);
 Vingar o assassinato de algum parente (Nm 35.19ss; Dt 19.1-13; 2Sm 3.22-
30).
Em resumo, poderíamos dizer que a família constituía uma unidade, que
quando lesada quer por assassinato, escravidão ou por alienação do patrimônio, o resgatador
(go’el) tinha o dever de restabelecer a situação.
Esse tema está intimamente relacionado com o exílio sob o império Assírio e
Babilônico. Foi exatamente a ausência de resgatadores que levou muitos ao empobrecimento,
viúvas desamparadas, sem resgatadores, órfãos abandonados. Sobre esse tema os profetas
fornecem muitas indicações (cf. Is 1.17,23; 10.2; Jr 22.3). Quem foi, então o resgatador destes
pobre e oprimidos? Foi o próprio Deus. Lembram-se da Viúva de um dos discípulos de
Eliseu? Onde estava o seu resgatador? Não possuía parente próximo para cuidar das suas
necessidades? (cf. 2Rs 4.1ss), Deus se tornou o seu resgatador (cf. Jó 19.25; Is 35.10; 41.14;
43.14; 44.24).
Como resgatador, Boaz:
1) restaurou a vida à Noemi (4.15);

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O Livro de Rute

2) consolou-a na velhice (4.15).


Estender a capa sobre Rute, tem o sentido de pedido de casamento, fazer um trato.11

Jesus é o nosso Redentor


Este fato nos aproxima da pessoa de Jesus Cristo, nosso Redentor. Agora, Deus
nos redime da escravidão do pecado (Ml 4.2,3; Lc 2.38; 4.18ss; Rm 3.24; Ef 1.7; Cl 1.13,14;
1Pe 1.18,19).

MEDITAÇÃO
Convite à Redenção
Igreja: Povo Redimido (Sermão: Consagração Comunitária – Êxodo 19:10-15)

11
Cf. TEB e BJ, as notas referentes ao texto.

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O Livro de Rute

Estrutura no Livro de Rute12


Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4
Fixando a narrativa: Na porta da
Fuga para Moabe No campo Na cidade de Belém
(vv. 1-5) de eira (vv. 1-12)
Boaz de Boaz

Na estrada Fechando a
de volta a Belém narrativa: nasce
(vv.6-22) um filho para
restaurar Noemi
(vv. 13-17 [18-21])

Fome Fixando os Executando os Colheita


Isolamento meios de meios de Comunidade
Esterilidade transformação: transformação: Fertilidade
Velhice Rute encontra/lucra Rute une-se/tira Velhice Unida à
Sem Esperança parcialmente proveito juventude
de Boaz completo de Boaz Esperanças
(e vice-versa) Plenas

“Asas/orlas” “Asa(s)/orla(s)”
de Yahweh, de
Deus de Israel Boaz

Bibliografia:
A BÍBLIA ANOTADA. Almeida, Revista e Atualizada. São Paulo: Mundo Cristão; 1991.
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova Edição, Revista.São Paulo: Paulinas; 1985. As notas junto ao texto.
ALLMEN, Jean-Jacques von. Vocabulário Bíblico. São Paulo: Aste; 1963. (cf. nome, sombra e resgate)
ATKINSON, David. A Mensagem de Rute. São Paulo: Abu; 1991.
BALLARINI, Teodorico. Introdução à Bíblia, II/2. Petrópolis: Vozes; 1976.
BORN, A. Van Den. Diccionario Enciclopédico da Bíblia. 5ª ed. Petrópolis: Vozes; 1992.
FOHRER, George. Estruturas Teológicas Fundamentais do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas; 1982.
GOTTWALD, Norman. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulinas; 1988.
TENNEY, Merril C., et alli. Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos. Deerfield/Florida: Vida; 1982.
TRADUÇÃO ECUMÊNICA DA BÍBLIA (TEB). São Paulo: Loyola; 1994. As notas junto ao texto.

12
Gottwald – p 514.

13

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