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Algumas Contribuicoes Da Arqueologia Par
Algumas Contribuicoes Da Arqueologia Par
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Antoninho Muza Naime
Antonio Mario Pascual Bianchi
Délcia Enricone
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Urbano Zilles (presidente)
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Diretor da EDIPUCRS:
Antoninho Muza Naime
Margaret Marchiori Bakos
leda Bandeira Castro
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(organizadoras)
ORIGENS DO ENSINO
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CDD 370.901
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SUMÁRIO
Apresentação ................................................................................................... 7
Elvo Clemente
Introdução ...................................................................................................... 11
Margaret Marchiori Bakos
ELVO CLEMENTE*
*
Ex-Presidente da Comissão Organizadora do Cinqüentenário da PUCRS.
Origens do Ensino 8
Conclui Colli:
Referências bibliográficas
Origens do Ensino 10
INTRODUÇÃO
Introdução 11
magnitude excepcional. Dos registros manuais em tabuinhas de barro ao papel,
digitado pelos computadores, a escrita orgulha os seus copistas, dá aos
humanos a sensação “mágica” de imortalizar pelo registro, alguém, alguma
coisa e/ou principalmente, sentimentos.
Na IV Jornada, a preocupação girou em torno das Origens do
ensino, quando profissionais de diferentes áreas apresentaram suas
reflexões sobre a temática.
Ilustrando a exposição com diapositivos, Moacyr Scliar encantou a
audiência com sua reflexão, aqui sintetizada, sobre as origens do ensino da
medicina. Ele mostrou como o temor a doença e o desejo de evitá-la é algo
profundamente arraigado no ser humano, capaz de gerar e de evocar fantasias
que persistem ao longo do tempo, coexistindo numa mesma época, numa
mesma sociedade e, às vezes, numa mesma pessoa.
Sérgio Sardi convidou-nos a refletir sobre o sentido que o filosofar pode
ter no processo de criação e de desenvolvimento da nossa visão-de-mundo, na
instauração de uma significação mais profunda às nossas existências.
Geraldo Luiz B. Hackmann analisou a maneira como Deus se relaciona
com o seu povo, ou seja, a pedagogia ou o modo utilizado por Ele para revelar-
se. O estudioso partiu da etimologia do termo pedagogia, para, após,
caracterizar as maneiras diversas como Deus foi-se comunicando com os
homens, ao longo da história.
Geraldo Hoffmann, reforçando o pensamento de que a história da
humanidade apenas arbitrariamente pode ser balizada por épocas e espaços,
demonstrou que as orientações são relativas e sempre referidas a um
determinado local ou indivíduo, o qual também designamos “observador”.
Ieda Bandeira Castro ensinou que a Geografia, apesar de ser uma
ciência relativamente nova, se comparada com outros ramos do conhecimento
humano, sua prática já aparece na pré-história, quando os grupos começaram a
Origens do Ensino 12
migrar para diferentes regiões, deixando marcas de sua presença e assimilando
novos traços culturais.
Pedro Paulo Funari, através de fontes pouco conhecidas neste País,
mostrou que havia diversos níveis e gradações de instrução na Roma antiga e
que a educação não se restringia à elite. O aprendizado dos humiles
diferenciava-se da erudição escolar, mas não deixava de permitir que, por meio
também da escrita, esses populares pudessem participar ativamente da vida
social, toda ela dependente das letras.
Margaret Marchiori Bakos ao historiar as origens do ensino no antigo
Egito, valorizou a severidade da rotina dos estudos daqueles que procuravam a
formação de escribas, tão rígida que sequer lhes permitia folgar nos dias
festivos. Nesse contexto, os estudantes eram obrigados a copiar longos textos,
alguns ainda atuais pelos conselhos e advertências que continham.
Katia Paim Pozzer privilegiou as questões da escrita e da burocracia ao
refletir sobre as origens do ensino na Suméria. Ela explicou que podemos
reconstituir uma certa orientação pedagógica nas escolas. A educação não era
nem universal, nem obrigatória, e, tal como hoje, os antigos professores
dependiam de seus salários para viver.
Attico Chassot refletiu sobre as exigências aos professores, nestes
novos tempos, em que devem deixar de ser informadores para se tornarem
formadores, o que implica uma preocupação com um ensino que se enraíza na
história da construção do conhecimento. Nesse sentido, avaliou a importância
de conhecermos a história da alquimia e, principalmente, a do seu apagamento,
pois a química do final do século XX não parece muito diferente, em seus
objetivos maiores e mais imediatos, que daqueles medievos.
Harry Bellomo falou sobre a educação do jovem no mundo grego.
Explicou que a educação em Atenas partiu de três pontos básicos: artes para
desenvolver a sensibilidade e a imaginação, ginástica para conseguir um corpo
perfeito e filosofia para interpretar o mundo e organizar o pensamento. Este
Introdução 13
modelo era exclusivo dos rapazes das classes superiores, abrangendo todas as
áreas da personalidade humana.
Pode parecer estranho para muitos que em uma Jornada sobre história
antiga tenha sido dado espaço para uma reflexão sobre os Índios americanos.
Entretanto, ela se impõe ao sublinhar o caráter arbitrário das periodizações
universais e suscitar um debate sobre o significado de antigüidade para este
continente. André Soares refletiu sobre a educação indígena, seus objetivos e
como ela se constrói, através do olhar do ocidental, desde o século XVI até os
dias de hoje. Ele questionou a função da educação para os habitantes pré-
cabralinos e como a cultura se perpetua em um grupo específico, os Guarani.
Procurou demonstrar que a educação posta à disposição dos Índios deveria ter
a seguinte proposta: não educar os Índios mas educar para os índios.
Além do fio temático que une as apresentações deste volume: as
origens do ensino, está o interesse de lembrar como é importante o
conhecimento do outro e de suas histórias, para repensarmos preconceitos e
resgatarmos afetos. Mostra ainda que as balizas tradicionais de tempo e de
espaço podem ser utilizadas como referenciais para apontar diferenças de um
grupo humano para outro, mas que a forma como os seres humanos viveram e
vivem tem elos comuns atemporais. Ao refletir sobre a história do ensino,
podemos concluir que, se por um lado somos eternos aprendizes, de outro, as
pedagogias mantêm raízes longínquas e alguns conhecimentos esquecidos,
merecem ser revalorizados.
Entre as muitas pessoas que colaboraram na organização desta IV
Jornada, destaco Claudia Musa Fay (PUCRS) e Katia Pozzer (ULBRA). Graças
a elas, aos conferencistas que nos cederam seus textos e ao estímulo da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, na pessoa de seu Pró-
Reitor de Pós-Graduação, Prof. Dr. Monsenhor Urbano Zilles, foi possível a
publicação deste volume.
Origens do Ensino 14
O NASCIMENTO DA SAÚDE PÚBLICA
MOACYR SCLIAR
1
KUHN, T.S. A estrutura das revoluções científicas. 3. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1978.
2
FOUCAULT, M. The birth of the clinic. New York: Parthenon, 1973.
3
BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Tempo Brasiliense, 1968.
Origens do Ensino 16
uma forma rudimentar de máquina a vapor, mas esta era utilizada como
brinquedo para crianças.
O escravagismo é um obstáculo à constituição de um corpo social, e
portanto às medidas de saúde. Os magníficos sistemas de abastecimento de
água e esgoto de Roma destinavam-se não a toda a população, mas a uma
reduzida parte dela.
A Idade Média, uma era de pestilências, não trouxe contribuições
apreciáveis para o desenvolvimento da saúde pública. Nesta fase surgiram os
primeiros hospitais, mas esses eram estabelecimentos destinados sobretudo a
caridade e não a cura dos doentes. Também nesta época a farmácia ganhou
impulso, mas graças, sobretudo, a contribuição árabe no uso de plantas e
drogas. As universidades, criadas no fim da Idade Media, pouco tinham, pois, a
ensinar, mas contribuíram para a institucionalização das profissões de saúde.
Com a Revolução Mercantil tem início a Idade Moderna, caracterizada
pelo incremento do comércio e pela urbanização. O surgimento das cidades
gerou problemas de saúde pública, sobretudo em termos de doenças
transmissíveis. A primeira aproximação para o controle de tais doenças foi
autoritária de acordo, aliás, com os princípios do Estado Absolutista. O conceito
de política sanitária foi formulado em 1779 por Johan Peter Frank. Tinha caráter
autoritário e paternalista; quando aplicado em problemas específicos,
preocupava-se com as leis que tinham de ser aprovadas e com detalhes do que
deveria ser feito; tudo baseado em informações empíricas, pois embora o
microscópio existisse desde o século XVII, não havia ainda conhecimentos
suficientes sobre a gênese das doenças, especialmente as transmissíveis. O
que não impediu, diga-se de passagem, que em 1854 John Snow fizesse a
primeira investigação epidemiológica em bases científicas, utilizando dados
referentes à um surto de cólera. A fase científica da saúde pública encontrou
um substrato tecnológico na Revolução Industrial. Graças aos novos recursos
de laboratório nasce, com Pasteur e Hoch, a microbiologia. Pasteur era, aliás,
4
SIGERIST, H. E. Civilization and disease. Chicago: The University of Chicago Press, 1943.
Origens do Ensino 18
As sucessivas etapas acima descritas correspondem à evolução
clássica num país desenvolvido, segundo o modelo capitalista. Nada impede
que uma, ou várias dessas etapas possam ser “queimadas”. De outra parte, a
visão da sociedade sobre seu próprio corpo social é, como foi dito, uma visão
“telescopada”. Alguns setores podem ter uma visão social dos assuntos de
saúde, enquanto outros continuam vendo o processo saúde-enfermidade por
uma perspectiva mágica.
SÉRGIO A. SARDI
1
Busco conferir um sentimento amplo ao termo crescimento, o qual não se resume, evidentemente,
ao seu aspecto físico.
Origens do Ensino 21
reflexão realizada a partir de uma vivência interior, 2 quando então a memória
denota um envolvimento no horizonte de um tempo só recuperável na medida
mesma da percepção de nosso ser-outro atual. Isso implica em podermos
reconhecer, no contexto da nossa história particular, camadas de significação
às palavras, as quais, no seu desdobramento, expressam criativamente, a cada
momento, o sentido do nosso ser no tempo. Talvez a unidade mesma da nossa
história só se processe à base de uma retrospectiva que implique uma
perspectiva sempre de novo reposta; isso porque devem ser inseparáveis a
autocriação e a autopercepção.
Talvez surja, com isso, que, ao revisitarmos e recriarmos o nosso
tempo vivido, juntamente com o seu sentido, sejamos alcançados a um duplo e
vertiginoso horizonte, onde o imaginário do nosso próprio futuro reclama o seu
3
lugar no imaginário que fazemos do futuro da humanidade.
Observemos, como filósofos e filósofas, poetas e poetisas, adultos e
crianças, as condições de efetivação do nosso próprio crescimento. E, a partir
do gesto admirativo que se dobra sobre as nossas existências, na ativa
contemplação do sentido do tempo que continuamente nos escorre das mãos,
ouçamos, por todos os poros do nosso ser, o sentido profundo de dizer “vida” e
de dizer “história”. Ouçamos, como ouve quem se sente em pertença da “vida” e
da “história”, como quem ouve em profundo silêncio.
Neste instante, neste período de vida, aparecemos a nós mesmos
como suspensos com relação ao tempo de nossas vidas4.
2
A dimensão reflexiva ou interior de uma vivência é um momento de um processo mais amplo, o
qual envolve a ação e a percepção. No entanto, o caso da relação com nossa memória, como em
outros processos auto-relacionais, a reflexividade passa a assumir um papel preponderante. A
vivência está, ainda, relacionada à admiração, mas inclui também a vontade, a disposição e seus
efeitos na confirmação da subjetividade.
3
Isso poderia nos sugerir uma reflexão sobre o potencial ético do imaginário do futuro, pois o
respeito e a responsabilidade que possamos assumir pelas gerações futuras nos informa sobre o
sentido que conferimos a vida e ao humano. Retornaremos a essa questão no decorrer do texto.
4
Na alegoria da caverna (República, VII), Platão expressa a condição do conhecimento humano no
interior de um processo no qual a cosmovisão atual, isto é, a visão sintética da realidade, está em
suspensão com relação ao tempo vivido. A alegoria expressa, na perspectiva dessa
interpretação, a possibilidade de superação de tal suspensão em função de uma evolução ético-
cognitiva das almas (psychaí). Vejamos: a cosmovisão dos prisioneiros da caverna é diretamente
relativa suas experiências: enquanto observam as sombras, não podem sequer supor uma
realidade distinta; após saírem da caverna e contemplarem diretamente a luz do sol, deverão
reaprender a condição anterior de seu conhecimento e de seu próprio ser, o que se efetiva com o
retorno a caverna. A alegoria da caverna tematiza, nessa interpretação, o problema da unidade
do indivíduo no tempo. Tal questão será tratada, em Platão, por um lado, na referência a um
processo que transcende a própria vida, onde se justifica a discussão acerca da imortalidade da
alma, da doutrina da reminiscência e do inatismo; por outro, de uma perspectiva ético político-
epistemológica. Devemos considerar, no entanto, que ambas as perspectivas se complementam,
no contexto do platonismo.
Origens do Ensino 23
criativamente com nossa própria transformação, exercitando a conexão
entre crescimento e criação.
A Filosofia será, pois, também compreendida como um processo que
participa da contínua reinstauração da nossa unidade, no tempo, como
indivíduos e como espécie; assim como a processo de contínua ruptura com
essa unidade. A Filosofia, compreendida desse modo, nos incita à contínua
e cotidiana percepção do nosso crescimento criativo, coma forma primordial
5
de intuição. Um pensar que configura um compromisso ético entre a nossa
história e a história. Um pensar que revela o espaço primordial da
significação da síntese entre vida e conhecimento. Um pensar que é,
simultaneamente, envolvimento e alteridade, onde o pensar produz o pensar
por um amor que se caracteriza pela busca interminável do ser amado e
pelo contínuo compartilhar de uma realidade fugidia. Um pensar que está a
sempre a se surpreender consigo mesmo e com a potencial infinitude da sua
própria vontade de realidade.
Desprendamo-nos, no entanto, deste processo de recolhimento,
guardando-o na superação de um olhar que se dirige ao outro após transitar a
própria interioridade. E, desde que buscamos a gênese do filosofar na nossa
história e na história da racionalidade ocidental, observemos as crianças. Vou,
aqui, me reportar a um fato concreto, o qual pude vivenciar em minha relação
filosófica com crianças.
A situação decorre de uma série de exercícios cujos processos
cognitivos trabalhados visavam, dentre outras coisas, ao autoconhecimento.
Observemos que, ao proliferar a utilização de metáforas, de novos termos que
6
pudessem aproximá-la daquilo que estava vivenciando, daquilo que ela estava
5
Remeto ao sentido em que a intuição da duração, em H. Bergson, pode assumir relativamente
à autopercepção.
6
A criança chama-se Rúbia Liz Vogt de Oliveira, aluna, na época, da 3ª série primária, no Colégio
Batista de Porto Alegre.
7
Uma visão-de-mundo, ou uma visão de conjunto sobre a realidade não é, no entanto,
estruturada ou construída linearmente, mas ao modo de um mosaico, sempre incompleto e de
fragmentos cambiantes.
Origens do Ensino 25
Mas o ensino da Filosofia tem se distanciado desse gesto, dessa
postura, a qual podemos vislumbrar no cotidiano a ponto de a encontrar em sua
espontaneidade. No ensino da Filosofia, na Grécia Antiga, na vertente que vai
de Tales a Aristóteles, eram inseparáveis, no entanto, o processo de ensino e o
8
processo de criação . Isso, para nós, tanto no contexto universitário quanto no
primeiro e no segundo graus, parece um tanto distante, um tanto remoto.
Uma prática não-dogmática do processo de ensino-criação, fundada em
9
uma relativa liberdade de pensamento resultou, em primeiro lugar, na
articulação de métodos e metodologias e, mais além, em modo de pensar
capaz de delinear as condições de um imenso aprimoramento da linguagem.
Esse processo, efetivado privilegiadamente em um determinado período da
história, está na raiz, na gênese da forma que veio a assumir a racionalidade no
Ocidente. Ao resgatar esse ponto, que também justifica o adendo ao título, bem
como o percurso até aqui realizado, julgo necessário acrescentar que não se
trata apenas de compreendermos o sentido do filosofar ou do ensino da
Filosofia na Grécia Antiga, mas também do seu significado para nós.
A Filosofia, na Grécia Antiga, nascida a partir do discurso mítico, em um
período de transição da oralidade à escrita, dizia respeito a círculos reduzidos,
não consistia em uma prática pública, embora Platão já houvesse
experimentado escrever para um público mais amplo e, do mesmo modo, a
Academia e o Liceu foram experiências que divulgaram a Filosofia a públicos
maiores. A repercussão política, no entanto, de tal ensino, foi imensa. E isso se
deu em função da conexão entre Filosofia e retórica, no contexto da pólis grega.
A construção individual e coletiva dos processos do pensamento e da
linguagem, na Filosofia Grega, está relacionada com o momento histórico-
8
Observemos como os discípulos não se limitavam a reproduzir os ensinamentos de seus mestres,
mas acresciam novas perspectivas de tratamento dos problemas apresentados por estes,
rompendo, inclusive, em certos casos, com suas concepções. O exemplo mais claro e o da
relação entre Platão e Aristóteles, seu discípulo durante cerca do vinte anos.
9
A “liberdade do pensamento” é sempre circunscrita a uma determinada condição histérica, política,
cultural e social, base necessária a partir da qual efetiva a sua produtividade.
10
O significado do termo grego arché relaciona-se, também, a poder, autoridade e império.
11
Devir: o vir-a-ser de todas as coisas, as quais estão em contínua transformação.
Origens do Ensino 27
mesmo sem ter razão, alguém possa conseguir ter “razão” no discurso basta,
no entanto, apenas observar criticamente certas conversações cotidianas.
Claro, o que está em jogo é o sentido mesmo de razão.
Observemos o que diz Schopenhauer, por exemplo, no primeiro
estratagema: “levar a afirmação do adversário além de seus limites e a tomar
em sentido mais amplo, ou exagerá-la e, tomando essa afirmação no sentido
mais amplo do que a pessoa quis dizer, rebater a afirmação”. E, no segundo,
sugere utilizar uma ironia, quer dizer: você diz uma palavra e o oponente no
discurso a interpreta noutro sentido, distorcendo o sentido da afirmação
anterior. Seguem-se os demais estratagemas...
O que é isso? É um manual de sofística, aquilo que os sofistas, na pólis
grega, deveriam aprender para conseguir, através da retórica, persuadir aos
outros e, com isso, ter eficácia política com o seu discurso. O discurso mais
forte, para o sofista, é simplesmente o discurso que consegue convencer, e nele
reside a “verdade”. Isso deu margem a uma interessante discussão filosófica,
na antigüidade, sobre o sentido de falarmos em “verdade”, ou “erro”, conforme
lemos em Platão e em Aristóteles.
É interessante observarmos que tal questão não é apenas algo que
remonta aos séculos IV e V a.C., mas diz respeito aos nossos dias, ao que
acontece em nosso meio, pois poderemos facilmente observar como
algumas pessoas exercem quase naturalmente o p otencial de realizar
estratagemas “racionais”, onde a noção de “verdade” é condicionada ao
âmbito de uma disputa. Desse modo, para os sofistas, tanto poderíamos
afirmar algo como verdadeiro como o seu contrário, conforme a
conveniência. Para Platão, ao inverso, a disputa de argumentos contrários
cede seu lugar ao diálogo, onde os argumentos convergem, por uma
disposição ética, para um consenso que tem por base uma aproximação
crescente da verdade, concebida como única e universal.
12
Mestre que ensinava a ler e a escrever.
Origens do Ensino 29
jogo de manipulação dos diversos sentidos das mesmas (278ab). Platão, no
decorrer da sua obra, ocupa-se em buscar o sentido de uma verdade que
evidenciasse um caminho, um método capaz de relacionar o discurso com a
verdade. Mas seria necessário ainda mais, pois a necessidade da determinação
de um caminho que evitasse um discurso falso e conduzisse a verdade estava
relacionado, em Platão, com a ética, com o processo de desenvolvimento
humano e com a paidéia, relativamente ao processo de educação dos jovens.
Assim, Platão nos apresenta, em suas obras, um Sócrates preocupado em
dialogar com os jovens, motivo do seu julgamento e condenação à morte. Trata-
se da mais eloqüente demonstração de que a educação é um ato
profundamente político.
Quando falo em “desenvolvimento humano” não me refiro ao ensino,
como conjunto de técnicas, mas à educação, como formação integral, como
construção do humano, o que expressa o sentido próprio de paidéia. O sentido
de uma formação integral do ser humano pode bem ser compreendido a partir
de outro texto de Platão, a alegoria da caverna: tratam-se de prisioneiros que,
acorrentados pelo pescoço e pelos pés no fundo de uma caverna, observam,
desde seu nascimento, as sombras que aparecem no fundo da mesma. É
interessante observar, aqui, que eles nem sequer podiam imaginar a existência
de uma outra “realidade”, além daquela das sombras e, para eles, portanto, esta
13
seria a única e verdadeira realidade. Nós podemos observar isso nas nossas
vidas, quando estamos envolvidos em certas situações onde o próprio
envolvimento não nos permite avaliar, com juízo crítico, as situações com as
quais nos deparamos. Reparem como muitas vezes modificamos os nossos
juízos após rompermos com determinadas relações, seja com um círculo social
que compartilha um modo de pensar e agir, o qual pode ou não ser
institucionalizado, seja com uma determinada pessoa; temos dificuldade em
13
Há múltiplos sentidos em aplicarmos o termo realidade ao pensamento platônico, e o mais
elevado é a Idéia.
14
Há, também, um sentido místico e religioso de tal ascensão, do qual poderíamos nos ocupar a
partir da leitura do Fédon de Platão, e um sentido relativo à pólis que, na República, circunscreve
os demais.
15
Nesse sentido, o papel da utopia, na história, como ideal de futuro, em Platão, é visível não
apenas na República, mas também nas Cartas. Platão, no entanto, se ocupou também com a
conformação de estruturas institucionais que garantissem o bom funcionamento da pólis e a
continuidade do debate filosófico, tendo escrito as Leis e fundado a Academia.
Origens do Ensino 31
natureza é fator fundamental. Platão afirma, na República, VII, após a exposição
da alegoria da caverna, que os maus possuem uma certa inteligência e que, na
medida mesma de sua inteligência, mais mal poderão praticar. Contextualizando
o problema, eu pergunto: será que Hitler, para citar um único exemplo, era
desprovido de inteligência, já que ordenou o genocídio de milhões de inocentes?
O que é, afinal, “inteligência”? Ou será que Hitler, e tantos outros, seriam apenas
produtos de uma determinada época e condições sócio-histórico-culturais? Mas,
então, qual o sentido em falarmos em liberdade e, conseqüentemente, em
responsabilidade? Observemos que, na história, a inteligência, ou um certo tipo
de inteligência, esteve sempre associada às guerras, à dominação e, hoje, à
própria destruição ecológica. Há alguma relação intrínseca entre razão e
dominação? Qual a relação entre ciência, tecnologia e evolução humana? Qual o
sentido do humano? Eis uma questão que urge responder face aos avanços da
tecnologia e, mormente, da biotecnologia.
Tratamos da história, do sentido do humano na história. E a história
se ergue sobre o passado, avançando criativamente no contínuo presente
na direção de um futuro antecipado no imaginário social. Mas que
perspectiva de futuro orienta a humanidade? Ora, essa projeção do futuro
condiciona e é condicionada pela forma como concebemos a educação.
Retornaremos a essa questão.
A partir do momento em que possamos perceber que a educação deve
envolver não apenas os processos cognitivos instrumentais, mas também os
éticos, passamos a considerar a educação a partir de um duplo olhar, que inclui
não apenas a relação com o outro mas, também, a relação consigo mesmo.
Esses dois processos são inseparáveis, denotando a estrutura do diálogo
platônico: ao mesmo tempo em que eu estou falando com você eu também
estou, mentalmente, dialogando comigo mesmo; veja: você, neste momento,
dialoga consigo mesmo e, ao mesmo tempo, ouve o que eu digo. Um processo
duplo, onde o diálogo com o outro intercruza o diálogo interior, ou seja, não há,
Origens do Ensino 33
tensão é ainda mais profunda no contexto contemporâneo. A história, assim,
parece ter alternativas subterrâneas à própria “razão”.
Outro sintoma de uma perda diz respeito a que o ensino, em nosso
tempo, e considerado apenas enquanto um elemento a mais dos cálculos da
política econômica. Nesse sentido, o objetivo de se fazer um curso determinado
– e, no nosso caso, um curso universitário – consiste, quase exclusivamente, na
profissionalização, sem levar em conta a antecedência de um sentido mais
amplo e profundo à educação.
O ensino da Filosofia, na Grécia Antiga, esteve relacionado com uma
concepção de educação compreendida como formação ou construção do
humano e, mesmo em sua conexão com a política, não abandonou essa
perspectiva. O ensino-criação filosófica, na vertente platônica, resultou no
desenvolvimento e na apropriação dos procedimentos metodológicos relativos
ao ensino, à aprendizagem e à teoria do conhecimento, na gênese de uma
reflexão antropológica de caráter teleológico. Estabeleceu, com isso, uma
epistemologia no contexto da perspectiva da realização de um ideal de homem
e de organização política. O aprimoramento da investigação acerca do
conhecimento humano resultou em uma concepção de ciência (epistémê) como
conhecimento racional da realidade, embora condicionado à sofia, sabedoria, a
que Homero já faz referência, na Odisséia. Era necessário, ainda mais que à
ciência, ser amante da sabedoria, de onde se origina o termo filos+sofia. Isso se
deve a que a filosofia, na Grécia Antiga, designava não uma disciplina
especifica, mas uma forma superior de conhecimento, a qual dava unidade e
sentido a todo o conhecimento humano. O que hoje compreendemos como
disciplinas específicas, que são demarcações relativamente arbitrárias no
campo do conhecimento, encontrariam, na filosofia, sua unidade. Assim é que
se deve compreender os motivos da concepção platônica do rei-filósofo, pois a
própria filosofia convergiria para uma unidade primordial entre ciência, ética e
política. Poderíamos, inclusive, acrescentar a teologia. Em Aristóteles, a ciência
Origens do Ensino 35
– Ora, podes supor, então, que ela não é pensamento na medida que ela for
nada relativamente ao seu pensar?
– Aí sim!
– Mas se ela é nada, enquanto não a pensamos, relativamente ao pensar, e se
ela é isso efetivamente, isto é, “nada”, então sua existência, independentemente do
pensar, será impensável.
– Mas, ora, pensamos que ela permaneceu aí e, se nos depararmos novamente
com ela, depois de algum tempo, afirmaremos, então, que ela existiu independentemente
do pensamento.
– E se agora imagino algo como, por exemplo, um Unicórnio, e se, depois de algum
tempo, voltar a imaginá-lo, poderei dizer, com isso, que ele existe independentemente do
meu pensar? Ora, como posso distinguir o pensamento da “realidade”? De algum modo tudo
o que pensamos não é “real”? Mas, se assim é, então a multiplicidade de todas as coisas e
mera ilusão... e tudo é Um, pois tudo é pensamento?
– [...]
– Mas se concordarmos que tudo, tudo ao nosso redor e nós mesmos somos,
de algum modo, pensamento, ficará a suspeita de que tudo não pode ser apenas
“pensamento”. O que é, pois, “pensamento”? O meu próprio corpo, de algum modo,
quando aparece para mim mesmo em interação com o que eu penso, aparece como
pensamento. Então, o que não é pensamento?
Origens do Ensino 37
nova, como forma superior de realização da autonomia que caracteriza todos os
seres vivos. A autonomia, como uma das propriedades da autopóiesis, em
Maturana, é um fenômeno fundamentalmente biológico, sendo que o próprio
sentido de “biológico” é, nesse contexto, ampliado, passando a incorporar os
processos psíquicos, embora sem reduzi-los a um esquema mecanicista. Todo
ato educativo, nesse sentido, diz sempre respeito à integralidade de cada ser
humano e a própria educação deve ser concebida como um fenômeno contínuo.
A liberdade, assim como a racionalidade, é uma construção e uma
conquista histórico-social. Não existe liberdade absoluta, sequer liberdade
exclusivamente individual, embora haja uma dimensão subjetiva da mesma.
Todos podemos constatar isso por nossa própria experiência. Mas a
racionalidade, no modo como se articulou no decorrer da história, carrega, no
entanto, consigo, uma pretensão de absolutidade, embora liberdade e
racionalidade devessem ser concebidas em sua unidade. Nos últimos 2.500
anos da nossa história, e principalmente a partir do Renascimento, produziu-se
uma racionalidade extremamente condicionada pela idéia de desenvolvimento
tecnológico, isto é, pela finalidade de domínio da natureza. Podemos observar
isso desde os primórdios do desenvolvimento da agricultura, quando tal
tecnologia deu início, de um modo ainda incipiente, a um processo milenar de
redução da alteridade da natureza a identidade do humano, pela transformação
da mesma com o objetivo de que esta se adaptasse aos nossos desígnios. A
anexação, domínio e transformação da natureza demarcam a característica
distintiva da ação da espécie humana no planeta, sendo que tal processo
acabará por constituir a história, a qual é, também, história da racionalidade.
Podemos, assim, assumir a seguinte hipótese de interpretação dessa
história: quando o homem nômade emigra para outra região, o faz em função das
transformações do meio, ou do aumento populacional, ou, ainda, por outras
razões; mas o importante é percebermos que ele se adapta sem
necessariamente controlar o meio, tendo a sua atenção voltada para fora, para
Origens do Ensino 39
Em termos de Educação Ambiental, o que se ensina na escola? Parte-
se, comumente, de um valor antropocêntrico à natureza. A árvore, por exemplo,
tem valor pelo que representa exclusivamente para a vida humana, e assim toda
a vida do planeta. Mas a Educação Ambiental deveria partir da vivência de um
amor que reconhece um valor intrínseco a vida. O amor é uma forma de
conhecimento. Vivemos, no entanto, em uma cultura que confere a razão o valor
absoluto de verdade. Mas essa razão instrumental não é capaz de perceber nada
mais além de si mesma. Dizer, no mundo contemporâneo, que o amor é uma
forma de conhecimento, poderá, inclusive, soar como algo estranho.
Mas a Filosofia é amor e conhecimento, amor ao conhecimento e
conhecimento com base no amor. É preciso conhecer para amar e amar para
conhecer. Uma forma de conhecimento que cada um aqui talvez já tenha
podido experimentar no seu cotidiano, na relação com as crianças, na relação
com o amigo ou amiga, com seu companheiro ou companheira, com sua família
e consigo mesmo. A auto-estima é uma forma superior de autoconhecimento.
Para finalizar, gostaria de poder resgatar a questão da possibilidade de
um contato com o nosso tempo a partir de um contato com o futuro e observar a
história desse modo. Trata-se de um modo inusitado de conceber nossa relação
com a história, pois buscamos aqui compreender a história através do
imaginário social futuro. Como assim? O imaginário social do futuro, que é o
futuro antecipado na nossa imaginação e expresso na arte da literatura, por
exemplo, está diretamente relacionado com a projeção social do futuro, isto é,
com a forma como o estamos efetivando, dia a dia, minuto a minuto; nós o
construímos numa determinada direção, e isso diz respeito diretamente à forma
como percebemos o desenvolvimento, a educação humana. Há possibilidade
de exercermos uma crítica sobre a direção na qual projetamos o futuro, visto
que o mesmo está fortemente condicionado no nosso imaginário social?
Pergunta: – Um pensador disse, em certa ocasião, que “eu penso, logo
existo”! Outro disse: não, nós somos resultado do meio concreto, e aí se
Origens do Ensino 41
fazemos ou ao que construímos, como prédios e naves espaciais, mas no
sentido de atuar sobre nosso ser integral? Ora, ao indicarmos um operar sobre
nós mesmos e sobre nossas relações, surge o problema da liberdade. Assim,
aquela questão anterior, isto é, a de saber se o conhecimento e adquirido ou se
e inato, ela entra no bojo da questão que apresentei, como um aspecto de um
problema maior. Veja-se ainda que há, na História da Filosofia, outras
alternativas à relação principal posta pela sua pergunta. Para Platão, por
exemplo, há um conhecimento inato e há, também, um conhecimento adquirido.
O que, afinal, queremos dizer com “inato” ou com “adquirido”, em relação ao
conhecimento? Observe que nossas perguntas nos apontam novos caminhos,
dirigem nossa investigação. É claro, devemos também encontrar respostas que,
embora sejam provisórias, formam a base para o nosso operar. Mas o exercício
consciente da crítica impõe aprendermos a trabalhar com a formulação de
questões, criando e recriando novas questões, o que se efetiva, no meu
entender, pela articulação entre processos lógicos e vivências e, desse modo,
pela distensão dos próprios procedimentos lógicos e das condições de
realização da linguagem. Incluo aí a matemática, como uma forma especial de
linguagem. Assim, eu propus que cada um realizasse um exercício, operando a
partir do seu próprio interior. A noção de “trabalho interior”, como processo de
auto-educação, é exatamente o fundo de onde o professor tira a sustentação do
processo de ensino, de modo que ele suscita uma descoberta e uma criação,
cuja significação remete a uma vivência do próprio indivíduo. A partir desse
processo é que compreendo que se pode realmente ensinar, o que não consiste
meramente em transmitir conteúdos, mas em motivar a reflexão, orientar a
pesquisa e propor desafios. A partir disso, os conteúdos poderão ser
criticamente trabalhados.
Pergunta: – Eu acho tão rico esse trabalho que você faz com as
crianças e me interesso demais por essa parte do ensino, até por causa da
minha profissão. Se você pudesse falar algumas palavras que me dessem
Origens do Ensino 43
emocionamos? Nesse sentido, o trabalho interior do professor, a pesquisa e a
criação com relação àquilo que ensina, são indissociáveis do processo de
ensino, pois somente a partir da sua relação com o seu próprio processo
criativo ele poderá despertar formas novas de ver e de imaginar, porque ele
sabe o que isso significa. Eu propus que pudéssemos ver algo como se fosse a
primeira vez, que nos admirássemos com as coisas e o mundo, para que
pudéssemos ter interesse. Na medida que o professor realiza isso, ele sabe em
que consiste e vai, assim, proporcionar que o aluno descubra isso por sua
própria experiência. Eu creio que todos podemos nos interessar pela História,
pela Matemática, pela ciência, enfim, sempre que possamos nos emocionar por
admirar a realidade. Por isso, o amor é uma forma de conhecer. Mas a
disposição de vermos qualquer coisa como se fosse a primeira vez, de nos
admirarmos, está muito mais próxima das crianças. Para nós, a água, por
exemplo, é somente água; para uma criança não, ela põe o dedo na água e
pergunta: como e que isso aqui não fura? Para nós essa pergunta poderia não
fazer sentido. Mas talvez haja um modo adulto e um modo infantil de
admiração. Observemos, então, que isto aqui, sobre a mesa, consiste em um
agregado monstruosamente grande de átomos; mas como podem estar assim,
unidos? Como podemos conceber que uma única e minúscula parte deste
objeto tenha mais átomos do que o número de pessoas que residem em toda a
cidade de Porto Alegre? O que é o mínimo e o máximo absolutos? O que é o
vazio que “existe” nos interstícios desse átomos e que é muito maior que a
parte “cheia” da matéria? Ora, se pudéssemos fazer um átomo crescer até
atingir o tamanho de todo o campus da Universidade, o elétron ainda seria
muito pequeno, em comparação; o resto é “vazio” e a matéria é muito mais
“vazia” do que “cheia”... como é, afinal que tudo se sustenta? como é que “tudo
não cai de tudo”, poderia perguntar uma criança? O que, afinal, é “matéria”?
Eu sei o que significa a rotina na medida que eu passo por ela e eu sei
o que significa uma emoção ou uma questão determinada, na medida que eu
Origens do Ensino 45
mundo, que o problema não consista apenas em um jogo de palavras e, muito
mais, que o conheça emocional e racionalmente, conheça o problema por
vivenciá-lo. Isso consiste em um conhecimento sintético, enquanto a lógica é
uma forma de conhecimento analítico. Se eu posso vivenciar os problemas eu
sei o que ele significa, porque sei o que ele significa para mim.
Pergunta: – Eu gostaria de perguntar o seguinte: se o senhor definir o
filosofar como falou antes, e se hoje nós estudamos em busca de uma
profissão, o que, no seu entender, os filósofos faziam então, já que não se
tratava da busca de uma profissão?
Resposta: – Para os sofistas, a Filosofia, compreendida como arte
retórica, foi uma profissão, e esse foi um dos motivos das críticas de Sócrates
aos sofistas, a de que eles tornaram a Filosofia uma mercadoria, lhe deram
um valor monetário. Sócrates queria resgatar este outro aspecto da Filosofia,
que é o seu aspecto mais fundamental, já que ela remete a outros valores,
enquanto faz parte do modo de vida, quando ela e um modo de olhar a vida e
é um modo de viver. Claro, não se trata de uma crítica à Filosofia, ou à
História, ou qualquer disciplina, concebidas como profissão: o problema é que
sejam apenas isso.
Pergunta: – É o seguinte: não sou filósofa, mas se a gente seguisse
mais a intuição, não a lógica, não parece que está tudo “aqui dentro”, inclusive
esses pensamentos todos? A Filosofia toda é uma intuição, ela vem de dentro?
Resposta: – Quando utilizamos termos como “intuição”, “vir de dentro”,
ou outras do gênero, a gente sempre suspeita que falta algo para que elas
realmente adquiram a força que a gente gostaria que elas tivessem para
poderem atingir aquilo que queremos expressar. Ao dizer que algo “vem de
dentro”, pressupomos um “fora”, do qual não podemos estar completamente
apartados, ou sequer poderíamos pressupô-lo. Mas qual o sentido que damos a
uma separação entre “dentro” e “fora”? “Vir de dentro” e “vir de fora”, “vir da
relação com o outro” e “vir de mim mesmo” podem ser compreendidos como um
Origens do Ensino 47
aprendendo nos torna distantes da vida, distanciando-nos das emoções que
dão sentido ao nosso agir. Mas no império do “cientificamente correto”, a
própria ciência se desmente, enquanto não reconhece seus próprios limites.
Julgo, assim, ser necessário que o ensino deixe de ser apenas lógico-
instrumental ou transmissão de conteúdos, que passe a ser emoção e criação,
porque assim ela deixa de ser “humano”. O filosofar sempre esteve presente na
história, na vida de cada um, mas creio que, desde que o ensino esteve
dependente de determinações políticas e econômicas e daquelas impostas pela
própria história da nossa racionalidade Ocidental, ele tende a sufocar este
processo vivo que, no entanto, tensiona com tais determinações.
Pergunta: – Se ela não filosofar, ela não dá um passo à frente? Ela tem
que filosofar para poder chegar Iá, não é isso?
Resposta: – É necessário reconstruir as formas de conceber e formular
nossas questões: você não pergunta quais são as leis que regem determinado
fenômeno num espaço de tempo, mas pergunta o que é o próprio espaço e o
próprio tempo, por exemplo. Daí emergem múltiplas subquestões, como: vemos
as coisas se moverem e vemos as coisas correrem para lá e para cá, no espaço
e no tempo, mas não nos perguntamos: o que é velocidade? Há uma
velocidade do próprio tempo? Que outras questões poderíamos elaborar?
Como, então, podemos dar “um passo à frente”? Observo, para finalizar, que o
sentido do filosofar remete a constituição da nossa própria personalidade e que
o seu significado e dado pela intensidade com que possamos “escutar” este
nosso momento vivido, o que nos ensina que participamos de um contexto mais
amplo, quando olhamos profundamente para nós mesmos ao encontro do outro
e da natureza e nos dirigimos ao outro e a natureza ao encontro de nós
mesmos, respeitando-os, contudo, em sua alteridade.
Agradeço as questões formuladas: elas me ajudaram a compreender
um pouco melhor o que eu mesmo penso e, sobretudo, a observar mais de
perto aquilo que eu não compreendo.
A etimologia da palavra
1
Cf. R. MUHLBAUER. Pedagogía. In: Sacramentum Mundi. Barcelona: Herder. 1977, col. 361.
2
Sobre o conceito cristão de Revelação, ver LATOURELLE. Rivelazione. In: LATOURELLE e
FISICHELLA. Dizionario de Teologia Fondamentale. Assisi: Cittadela, 1990. p. 1013-1066.
A pedagogia de Deus 49
entanto, pode-se unir as duas concepções expostas acima, resultando na
abordagem do tema a partir da Revelação de Deus. E a tarefa será, portanto,
examinar como esta acontece ao longo da história, que se deu, particularmente,
quando Deus elegeu um povo, o povo de Israel, ou, como vem denominado
3
posteriormente. Povo de Deus, enquanto povo eleito e com o qual Deus
estabeleceu uma aliança. Isto significa que a tarefa e examinar o fenômeno da
Revelação de Deus ao Povo de Israel, em todos os seus acontecimentos,
procurando entendê-los e interpretá-los. Do ponto de vista da etimologia, a
pedagogia de Deus é a arte de Deus conduzir o Povo de Israel, para que O
conheça, O ame e O siga. Para tal, é necessário estabelecer algumas
premissas, que ajudarão a estabelecer a forma como Deus se comunicou com o
Povo de Israel.
Premissas
3
Sobre o conceito de povo de Deus, seja no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento, ver
SCHARBERT. Povo (de Deus). In: BAUER, J. Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Loyola,
1983. p. 880-889. 2 v.
Origens do Ensino 50
A primeira premissa: Não se trata de simplesmente transmitir um
conhecimento ou um saber humano, mesmo o mais elevado que se queira
pensar. Trata-se, sim, de comunicar, na sua integridade, a Revelação de Deus.
A segunda premissa: A Revelação de Deus encontra-se na história
sagrada, ou seja, na Bíblia, particularmente nos Evangelhos.
Deus é amor
“Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor é de Deus e todo aquele que
ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus,
porque Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou o
seu Filho único ao mundo, para que vivamos por ele. Nisto consiste o amor: não
fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu
Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados” (1Jo 4,7-10).
4
Cf. D. SATTLER/T. SCHNEIDER, Dottrina su Dio. In: T. SCHNEIDER (ed). Nuovo Corso di
Dogmatica. Brescia: Queriniana, 1995. p. 99. 1 v.
Origens do Ensino 51
O mistério se esconde na história
Deus evita todo o alarde e triunfalismo, preferindo alternar manifestação
e ocultamento, daí a dificuldade de encontrá-lo na história. Ele antepõe o
segredo de sua divindade e de seu poder, impedindo o uso ideológico de sua
mensagem, ao se esconder, e chamando à conversão e à fé, ao manifestar-se
abertamente. A tantos Jesus Cristo se revelou durante a sua vida pública, mas
poucos responderam positivamente ao seu convite: o fariseu Nicodemos:
“Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um judeu
importante” (Jo 3,1; 7,50; 19,39); o saduceu José de Arimatéia:
“Chegada a tarde, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, que era
também discípulo de Jesus” (Mt 27,57); o publicano Levi: “Quando ia passando,
viu Levi filho de Alfeu, sentado junto ao balcão da coletoria e lhe disse: „Segue-
me‟. Levi levantou-se e o seguiu (Mc 2,41); o rico Zaqueu: “Havia ali um homem
5
rico, chamado Zaqueu, chefe dos cobradores do imposto” (Lc 19,2-10).
5
V. G. FELLER. O Deus da Revelação. A dialética entre Revelação e Libertação na Teologia Latino-
americana, da “Evangelii Nuntiandi” à “Libertatis Conscientia “. São Paulo: Loyola, 1988. p. 149-151.
Origens do Ensino 52
“Ele disse: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu
repudiar vossas mulheres, mas desde o princípio não era assim” (Mt 19,8).
“Lá entrou numa caverna e passou a noite. De repente a palavra do Senhor lhe
foi dirigida neste teor: „O que estás fazendo aqui, Elias?‟ Ele respondeu: „Estou
apaixonado pelo Senhor Deus Todo-poderoso. Pois os israelitas abandonaram
a tua aliança, demoliram os teus altares, mataram a espada os teus profetas e
sobrei apenas eu. Mas também a mim procuram tirar-me a vida‟. O Senhor
respondeu: „Sai e põe-te de pé no monte, diante do Senhor! Eis que ele vai
passar‟. Houve então um grande furacão, tão violento que dilacerava os montes
e despedaçava os rochedos diante do Senhor, mas o Senhor não estava no
vento. Depois do vento houve um terremoto, mas o Senhor não estava no
terremoto. Depois do terremoto houve fogo, mas o Senhor tampouco estava no
fogo. Finalmente, passado o fogo, percebeu-se uma brisa suave e amena.
Quando Elias a percebeu, encobriu o rosto com o manto e saiu, colocando-se
na entrada da caverna. Então uma voz lhe falou: O que estás fazendo aqui,
Elias?‟ Ele respondeu: „Estou apaixonado pelo Senhor Deus Todo-poderoso,
pois os israelitas abandonaram a tua aliança, demoliram os teus altares,
mataram à espada os teus profetas; apenas fiquei eu. Mas também a mim
procuram tirar-me a vida‟. Mas o Senhor lhe disse: „Vai e toma o caminho de
volta em direção à estepe de Damasco. Chegando lá, unge a Hazael como rei
dos arameus. Unge também a Jeú filho de Namsi como rei de Israel, e a Eliseu
filho de Safat, de Abel-Meula, como profeta em teu lugar. Quem escapar da
espada de Hazael, será morto por Jeú, e quem escapar à espada de Jeú, será
morto por Eliseu. Eu deixarei como resto em Israel sete mil homens, isto é,
Origens do Ensino 53
todos os que não dobraram os joelhos diante de Baal e cuja boca não o beijou‟.”
(1Rs 19,9-18).
“Então Elias se dirigiu a todo o povo e disse: „Por quanto tempo ainda andareis
mancando com os dois pés? Se o Senhor é o verdadeiro Deus, segui-o, mas se
é Baal, segui a ele!‟ Mas o povo não respondeu uma palavra. Elias continuou
falando ao povo: „Eu fiquei como único profeta do Senhor, ao passo que os
profetas de Baal são 450. Dêem-nos dois tourinhos; escolham eles um tourinho
e o cortem em pedaços e depois o coloquem sobre a lenha, mas sem pôr fogo.
Em seguida eu prepararei o outro tourinho e o colocarei sobre a lenha e
tampouco lhe porei fogo. Invocai o nome de vosso deus, ao passo que eu
invocarei o nome do Senhor. E valerá: o Deus que responder com o fogo, este
é o Deus verdadeiro‟. Todo o povo respondeu: „Apoiado!‟ Então Elias disse aos
profetas de Baal: „Escolhei o vosso tourinho e começai, pois sois maioria.
Depois invocai o nome de vosso deus, mas não metais fogo!‟ Eles tomaram o
tourinho que lhes deu e o prepararam; a seguir invocaram o nome de Baal
desde a manhã até ao meio dia, exclamando: „Baal, responde-nos!‟ Mas não se
ouvia nem voz nem resposta, apesar de eles dançarem com o joelho dobrado
ao redor do altar que tinham feito. Quando se fez meio-dia, Elias começou a
zombar deles: „Gritai mais forte, pois ele é deus, tem suas preocupações; teve
de se ausentar ou está de viagem; talvez esteja dormindo e precisa acordar‟.
Eles gritaram mais alto e, segundo o costume, se faziam incisões com espadas
e lanças, até o sangue escorrer. Passado meio-dia, eles entraram em delírio até
a hora da oblação, mas não se fez ouvir nenhuma voz nem resposta alguma;
não houve qualquer reação. Então Elias disse a todo o povo: “Aproximai-vos de
mim!” E todo o povo veio para perto dele. Ele refez o altar do Senhor que tinha
sido demolido. Tomou doze pedras – uma para cada tribo dos filhos de Jacó a
quem o Senhor tinha dirigido a palavra neste teor: „Teu nome será Israel‟. Com
as pedras levantou um altar em honra do Senhor, e ao redor do altar abriu um
aceiro com a superfície para duas arrobas de semente. Em seguida empilhou a
lenha, esquartejou o tourinho e o colocou sobre a lenha. Feito isto, ordenou:
„Enchei de água quatro baldes e derramai-os sobre o holocausto e a lenha!‟
Eles o fizeram. Ele repetiu: „Mais uma vez!‟ E eles o fizeram uma segunda vez.
Origens do Ensino 54
Acrescentou ainda: „Uma terceira vez!‟ E assim foi feito. A água se espalhou ao
redor do altar, e também o aceiro ficou impregnado de água. Chegada a hora
do sacrifício, o profeta Elias se aproximou e rezou: „Senhor Deus de Abraão,
Isaac e Israel, saiba-se hoje que tu és Deus em Israel, e que eu sou teu servo e
por tua ordem fiz tudo isto. Escuta-me, Senhor, escuta-me, para que este povo
reconheça que tu, Senhor, és Deus e fizeste voltar seu coração‟. Então caiu o
fogo do Senhor, que devorou o holocausto e a lenha, as pedras e a poeira, e
secou até a água do aceiro. À vista do espetáculo, todo o povo se prostrou,
exclamando: „O Senhor é Deus, o Senhor é que é Deus!‟ Então Elias Ihes
ordenou: „Agarrai os profetas de Baal. Que nenhum deles escape!‟ E eles os
agarraram. Elias os fez descer até o riacho de Quison, onde os mandou
degolar” (1Rs 18,21-40).
Origens do Ensino 55
conquistarão as cidades dos inimigos. Por tua descendência serão abençoadas
todas as nações da terra, porque tu me obedeceste‟. Abraão retornou até aos
criados e juntos puseram-se a caminho de Bersabéia, onde Abraão passou a
residir” (Gn 22,1-19).
“Mas toma cuidado! Cuida com grande desvelo de nunca esqueceres tudo
que viste com os olhos e de não deixares escapar do coração por todos os
dias da vida. Antes ensina-o a teus filhos e netos. Lembra-te do dia em que
estiveste diante do Senhor teu Deus, no Horeb, quando o Senhor me diss e:
„Convoca-me o povo para que lhe faça ouvir minhas palavras e eles
aprendam a temer-me todos os dias que viverem sobre a terra, e o ensinem
a seus filhos‟. Então buscareis o Senhor vosso Deus e o achareis, se o
procurardes com todo o coração e com toda a alma. Quando todas as
angústias tiverem caído sobre ti, nos últimos tempos, voltarás para o Senhor
teu Deus e lhe ouvirás a voz. Pois o Senhor teu Deus é um Deus
misericordioso. Não te pretende abandonar nem destruir totalmente, nem se
esquecerá da aliança que jurou a teus pais” (Dt 4, 9-10;29-31).
Origens do Ensino 56
O decálogo é a manifestação da vontade de Deus, escrita nas tábuas
da lei. Por essa razão, a observância dos mandamentos significa a observância
da fidelidade por parte do povo de Israel:
“Deus pronunciou todas as palavras que seguem: „Eu sou o Senhor teu Deus,
que te libertou do Egito, do antro de escravidão.
Não terás outros deuses além de mim.
Não farás para ti ídolos, nem figura alguma do que existe em cima, nos céus,
nem embaixo, na terra, nem do que existe nas águas, debaixo da terra.
Não te prostrarás diante deles, nem lhes prestarás culto, pois eu sou o Senhor
teu Deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos até à terceira e quarta
geração dos que me odeiam, mas uso de misericórdia por mil gerações para com os que
me amam e guardam meus mandamentos.
Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não
deixará impune quem pronunciar seu nome em vão.
Lembra-te de santificar o dia do sábado. Trabalharás durante seis dias e
farás todos os trabalhos, mas o sétimo dia é sábado dedicado ao Senhor teu Deus.
Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo,
nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades. Pois
em seis dias o Senhor fez o céu e a terra, o mar e tudo que neles há, mas no sétimo
dia descansou. Por isso o Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou.
Honra teu pai e tua mãe, para que vivas longos anos na terra que o Senhor teu
Deus te dá.
Não matarás.
Não cometerás adultério.
Não furtarás.
Não levantarás falso testemunho contra o próximo.
Não cobiçarás a casa do próximo, nem a mulher do próximo, nem o escravo,
nem a escrava, nem o boi, nem o jumento, nem coisa alguma do que lhe pertence‟.
O povo todo presenciou os trovões, os relâmpagos, o som da trombeta e a
montanha fumegando. À vista disso, o povo permaneceu ao longe, tremendo de pavor.
Disseram a Moisés: „Fala-nos tu, e te escutaremos. Mas que não nos fale Deus, do
Origens do Ensino 57
contrário morreremos‟. Moisés respondeu: „Não temais, pois Deus veio para vos provar,
para que o seu temor vos esteja sempre presente, e não pequeis‟. O povo manteve-se a
distância, enquanto Moisés aproximou-se da nuvem onde Deus estava” (Ex 20,1-21).
Origens do Ensino 58
intercedendo pelo povo, após o episódio do bezerro de ouro, que consegue
fazer com que Deus desista do castigar o povo pelo pecado de idolatria:
“Moisés aplacou o Senhor seu Deus e disse: „Por que, ó Senhor, se inflama a
tua cólera contra o teu povo que libertaste do Egito com grande poder e mão
forte?‟ Por que deveriam os egípcios comentar: „Foi com propósitos sinistros
que os libertou do Egito, para matá-los nas montanhas e exterminá-los da face
da terra‟? Renuncia ao furor da tua ira e desiste de fazer mal a teu povo.
Lembra-te de teus servos Abraão, Isaac e Jacó, com os quais te
comprometeste por juramento, prometendo-Ihes: „Tomarei a vossa
descendência tão numerosa como as estrelas do céu, e toda esta terra de que
vos falei, eu a darei aos vossos descendentes como posse perpetua‟. E o
Senhor desistiu do mal que havia ameaçado fazer a seu povo” (Ex 32,11-14).
Mas Deus também põe seus escolhidos à prova, como fez com Abraão,
conforme relata o texto seguinte, já citado anteriormente:
Origens do Ensino 59
“Depois destes acontecimentos, Deus submeteu Abraão a uma prova.
Chamando-o, disse: „Abraão‟, e ele respondeu: „Aqui estou‟. E Deus disse:
„Toma teu único filho Isaac a quem tanto amas, dirige-te à terra de Moriá e
oferece-o ali em holocausto sobre um monte que te indicar‟.” (Gn 22,1).
Analisando a obra de Jesus Cristo, que foi enviado pelo Pai para
proclamar o Reino de Deus, nota-se que Ele realiza essa sua missão através
das parábolas, dos milagres e do perdão dos pecados, que servem como sinais
da chegada deste Reino. E assim se manifesta a pedagogia de Jesus.
As parábolas
6
CARRETO, C. O Deus que vem. São Paulo: Paulinas, 1976. p. 42-45.
Origens do Ensino 60
processo de transformação total com relação ao tempo histórico em
que se desenvolve a existência do homem”.7
Os milagres
7
Cf. FABRIS, R. Jesus de Nazaré, História e interpretação. São Paulo: Loyola, 1988. p. 174.
8
Id., p. 141.
9
KASPER, W. Jesús, el Cristo. Salamanca: Sígueme, 1986. p. 120.
10
FABRIS, R., op. cit., p. 146-150.
Origens do Ensino 61
A expulsão dos demônios
11
SOBRINO, J. Jesucristo libertador. Lectura histórico-teológica de Jesus de Nazaret. Madrid: Ed. Trotta,
1991. p. 128-141.
Origens do Ensino 62
entrar na sua glória?‟ E, começando por Moisés e por todos os Profetas, foi
explicando tudo que a ele se referia em todas as Escrituras. Quando se
aproximaram do povoado para onde iam, Jesus fez menção de seguir adiante.
Mas eles o obrigaram a parar: „Fica conosco, pois é tarde e o dia já está
terminando‟. Ele entrou para ficar com eles. E aconteceu que, enquanto estava
com eles à mesa, tomou o pão, rezou a bênção, partiu-o e Ihes deu. Então,
abriram-se os olhos deles e o reconheceram, mas ele desapareceu. Disseram
então um para o outro: „Não nos ardia o coração quando pelo caminho nos
falava e explicava as Escrituras?‟ Na mesma hora se levantaram e voltaram
para Jerusalém. Lá encontraram reunidos os Onze e seus companheiros, que
lhes disseram: „O Senhor ressuscitou de verdade e apareceu a Simão‟. Eles
também começaram a contar o que tinha acontecido no caminho e como o
reconheceram ao partir o pão” (Lc 24,13-35).
Origens do Ensino 63
TERRA E ESPAÇO:
UM APRENDIZADO DE ASTRONOMIA
Origens do Ensino 65
Lemos em Gn 2.8:
– E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, que fica no Oriente, e
colocou nele o homem que havia formado.
E em Mt 2.1:
– Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do Rei Herodes,
eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém.
Origens do Ensino 67
caráter unitário compõe, num bloco único, o Oriente Próximo lato sensu; se
submetidas a uma dicotomia desdobram em Oriente Próximo propriamente dito
e em Oriente Médio. No Caso deste desdobramento, relativamente à Europa, a
primeira região será proximal e a segunda distal.
E tão complexa quanto à relatividade convencional das orientações, é
também a problemática cronológica. Enquanto a primeira diz respeito ao onde
estou, a segunda trata do quando algo ocorreu (ou ocorrerá).
De entremeio um lembrete: “o que digo, leio ou escrevo, já não e mais
presente; pertence ao passado no instante seguinte ao ocorrido”. Presente, no
sentido mais rigoroso, seria o instante de transição do passado ao futuro.
Assim como locais são definidos por seu posicionamento relativo, o que
implica em referir orientações e distâncias, os acontecimentos são vinculados
as unidades específicas do tempo. Se dispomos de unidades de mensuração
linear, para uma gama que vai de dimensões astronômicas para valores
atômicos e subatômicos, também dispomos de unidades para tratar de lapsos
temporais de grande amplitude até ocorrências de uma rapidez que escapa a
nossa percepção rotineira. Então falar de anos luz, quilômetros e angstroms é
tão natural quanto citar eons, séculos ou nanossegundos.
Portanto chegamos ao problema “Oriente ANTIGO”.
Se já temos uma boa noção do que é Oriente, conforme o enfoque pelo
qual optarmos, resta decifrar o que é “ANTIGO”.
Os zigurates, os menires, as pirâmides e as estátuas da Ilha da Páscoa
são considerados antigos; o que não é novidade para ninguém. Mas um rádio
de válvulas, uma vitrola, um fogão a lenha, uma “caneta-tinteiro” e até uma
“máquina de escrever” também são considerados antigos. Enquanto afirmarmos
que a múmia de um faraó, dada sua relativa antigüidade, é velha, não podemos
ignorar a criança que volta da escola dizendo:
Origens do Ensino 69
Seria “antigo” o que vem antes e “recente” o que vem depois do início da
contagem do calendário convencional? A própria noção de Idade Media é um tanto
vaga. É por estas razões que a própria temática do “Oriente Antigo” flutua, como
um barco desgovernado e sem estabilidade, ora jogado para diante, ora lançado
para trás, ora adernando ao sabor das ondas, no nosso caso nada mais que os
enfoques relativos humanos. As próprias culturas grega, romana e ameríndia (esta
em condição especial) participaram do elenco de temas abordados por ocasião da
“IV Jornada de Estudos do Oriente Antigo: As Origens do Ensino”, ocorrida na
PUCRS nos dias 21 a 23 de maio do ano de 1998.
Como em todas as outras áreas do conhecimento humano, também na
História são estabelecidas convenções. Em termos práticos a História antiga diz
respeito a épocas anteriores ao ano 476, data da queda do Império Romano no
Ocidente. O “Oriente Antigo”, portanto, deveria abranger não só as culturas que
surgiram, evoluíram e eventualmente extinguiram, na área física inicialmente
delimitada, como os eventos pertinentes que tenham precedido o último quarto
do quinto século do calendário convencional.
Origens do Ensino 71
Contudo ainda existe, em tudo isto, uma implicação muito peculiar.
Embora para os gregos de dois milênios passados, e até mesmo para
alguns eruditos de cinco séculos atrás, a Terra fosse um corpo globóide, no
âmbito popular era considerada plana. Portanto os marinheiros portugueses,
espanhóis ou outros tantos (bem como o povo em geral), viviam num mundo
plano e com receio constante de que as embarcações despencassem
quando – e se – chegassem aos limites do “mar-oceano”. Foi necessário
redemonstrar a esfericidade terrestre pela circun avegacão. Afinal, as teorias
não devem ser “demonstradas”?
O fato é que viajaram e vieram para o Sul (a bússola já era conhecida
de muito tempo antes), chegando ao que julgavam ser o lado oposto da Terra.
Portanto saíram de seu mundo original e vieram para outro que ficava
“embaixo”: sob as suas pátrias. E tantas palavras surgiram ou reacenderam seu
primitivo significado: submundo, subordinado, subalterno, subdesenvolvido,
subnutrido, submisso e assim por diante!
Não herdamos apenas a cultura circumediterrânea, mas também um
“condicionamento progressivo de inferioridade” o qual, lamentavelmente,
permanece numa condição de inconsciente espontaneidade. Ouvimos
constantemente frases ressaltando nossa “posição inferior”, ditas sobretudo por
nossos conterrâneos;
Origens do Ensino 73
O Sol, apenas uma modesta dentre as muitas estrelas da Galáxia, está
localizado numa região de baixa densidade estelar, no espaço entre dois ramos
oriundos da bifurcação de um dos braços. Estes, em número provável de três,
emergem do núcleo galáctico circundando-o em disposição espiralada. E o Sol
está distanciado cerca de 30.000 AL (anos luz) do centro daquele núcleo (Vide
Prancha II: figura 1).
Orbitando o Sol encontramos planetas e muitos corpos menores, como por
exemplo os asteróides. Na terceira órbita encontra-se um binário: o sistema
planetário duplo integrado pela Lua e pela Terra, esta com um diâmetro
praticamente quatro vezes maior que o lunar. O termo latino terra equivale ao grego
gea (eventualmente gaia). Diante de seu movimento orbitando o Sol, e juntamente
com ele na sua viagem em torno do centro do núcleo galáctico (além de portar vida
em sua superfície), a Terra é por vezes designada “Nave Gaia”.
Plutão, o planeta mais afastado do Sol, está numa distância média de
seis bilhões de quilômetros. O mais próximo vizinho estelar, o sistema ternário
(tríplice) da Alfa do Centauro, está a 4,3 AL (anos luz), portanto num
afastamento (relativo ao Sol) 6.800 vezes maior que o de Plutão. Isto, numa
escala mais acessível, significa: se um ponto representando Plutão estivesse a
um metro do Sol (também um ponto), a Alfa do Centauro estaria numa distância
de 6.800 metros (6,8 km). Portanto as distâncias dos planetas ao Sol são
desprezíveis se comparadas às distâncias entre as estrelas. Na prática,
conseqüentemente, tanto faz referirmos a distância de determinada estrela ao
Sol ou a Terra.
As estrelas, aparentando pontos luminosos no céu noturno, podem ser
vistas em todos os sentidos no espaço. Em algumas destas orientações a
quantidade das estrelas visíveis (e inclusive detectáveis por instrumentos) é
menor, noutras maior, dependendo de sua concentração relativa.
Se olharmos na orientação do ramo externo (região de Touro e Gêmeos)
ou do ramo interno (região do Escorpião e do Sagitário), do braço galáctico ao qual
Origens do Ensino 75
E enquanto davam nomes às estrelas, e aos grupamentos que as
mesmas formavam, nasciam as constelações.
Nossos ancestrais também reconheceram que algumas estavam
dispostas numa faixa peculiar que ficou conhecida como o “Círculo dos
animais”, o clássico Zodíaco. E igualmente perceberam que, no decurso dos
meses e dos anos, tanto a Lua como também o Sol percorriam o céu ao longo
daquela faixa. E, mais curiosamente ainda, constataram que havia certos
pontos luminosos que não mantinham suas posições fixas em relação aos
outros pontos brilhantes de uma constelação. Percorriam o Zodíaco indo,
inclusive, de uma constelação a outra: as “estrelas errantes”, “peregrinas”,
“andarilhas”, “vagabundas”; mais precisamente, os planetas.
Percebido o posicionamento de certas zodiacais no horizonte, ao “nascer”
e “pôr” do Sol (e conseqüentemente no seu alinhamento), tudo isto coincidindo com
épocas especiais do ano, os homens relacionaram estes fatos com as épocas
sazonais: podiam prever as estações, os tempos de seca e os de muitas chuvas.
Assim surgia o primeiro elo utilitário da observação do céu, possibilitando prever
acontecimentos fundamentais para a sobrevivência humana.
Outro procedimento muito importante para o avanço desta ciência, então
ainda por nascer, foi o de classificar e posicionar as estrelas e constelações: o
“primeiro passo” para o mapeamento do céu. Fazer isto com exatidão requer
coordenadas e algumas, naturais, sobressaem logo: o Equador e os pólos celestes
são simples projeções, no céu, do Equador e dos pólos da Terra.
Outras duas constatações feitas por nossos antepassados, que
continuam fundamentais em tempos modernos, são as dos solstícios e dos
equinócios. Cumpre lembrar que, em função das posições solsticiais, são
determinados os trópicos de Câncer e de Capricórnio.
Origens do Ensino 77
alinhamento solar. O lado oposto, não iluminado e, portanto, correspondente a
face escura, representa o estágio noturno. Mas diante da rotação terrestre, num
período referencial de 24 horas, um ponto superficial diretamente voltado para o
Sol (“meio-dia”) estará, seis horas depois, em fase crepuscular, mais seis horas
a “meia-noite”, outras seis horas no alvorecer e, finalmente, em novo estágio de
“meio-dia”. Durante o dia, dado o ofuscamento solar e a difração atmosférica da
luz, não podemos ver as estrelas; à noite sim.
Com a Terra em A, como referido antes, enxergamos estrelas no céu
noturno (orientação geral I, inclusive acima e abaixo), mas não no sentido do
próprio Sol. Meio ano depois (julho) a Terra estará em C, com o Sol brilhando
em seu lado diurno na orientação I. Durante a noite serão visíveis estrelas na
orientação geral II, as quais não podiam ser vistas da Terra quando na posição
A, pois então encontravam-se mascaradas pelo Sol.
Se a Terra fosse uma pequena bola, de algumas dezenas ou centenas
de metros de diâmetro apenas (e pudesse sustentar nossa vida), veríamos sua
curvatura efetiva e talvez até fossem possíveis observações como as antes
citadas. Mas a Terra tem um diâmetro superior a 12 mil quilômetros (diâmetro
equatorial referencial de 12.756 km por arredondamento para menos) e assim a
abrangência visual celeste, por parte de cada indivíduo, é limitada por seu
horizonte. Somos tão pequenos em relação ao planeta, que sua curvatura
efetiva desaparece e fica reduzida, localmente, a um simples plano delimitador
do nosso horizonte (Vide Prancha III: figura 1).
Observando a Terra pelo pólo Norte constatamos uma série de eventos
entre o anoitecer e o amanhecer. No início da noite o observador (por exemplo em
posicionamento equatorial) verá estrelas nas orientações possíveis da abóbada
celeste então visível (alinhamentos a até f no exemplo da figura 2A da Prancha III),
portanto numa abrangência – horizonte a horizonte – de 180°. Nas horas seguintes
a, depois b, e assim por diante, desaparecem no horizonte do poente, enquanto a
região f será acrescida de estrelas em novas orientações: g, h, etc., até o
Origens do Ensino 79
Porto Alegre está na latitude austral de trinta graus (30° S). Assim a
projeção celeste do pólo Sul da Terra, definindo o pólo Sul celeste, também
estará trinta graus acima do horizonte (vide figura 1 da Prancha IV). No sentido
contrário, o boreal, estarmos limitados aos sessenta graus (60° N) e não
podemos ver estrelas além deste limite. Isto impede a observação, em nossas
latitudes, de algumas constelações famosas, tais como a Ursa Menor e Cefeu.
Do mesmo modo os europeus, norte-americanos e canadenses, não
podem ver o Cruzeiro do Sul e o Triângulo Austral. Para facilitar a compreensão
deste fato é conveniente comparar a figura referida com sua simétrica, a de
número 2 na Prancha IV.
Na observação celeste noturna podemos ver estrelas e constelações,
com trinta graus de declinação austral, passarem pelo zênite, isto é, na vertical
do observador. A declinação representa o afastamento angular em função do
Equador celeste. Estrelas e constelações de declinação boreal equivalente (30°
N) estariam em igual elevação acima do horizonte Norte (também 30°) para o
observador porto-alegrense. Por esta razão a estrela Fomalhaut (declinação 30°
S), do Peixe Austral, passa praticamente sobre Porto Alegre; assim como as
constelações do Cão Maior, do Escorpião e do Sagitário.
Já a estrela Alpheratz (atualmente Alfa de Andrômeda), situada no
limite desta constelação com Pégasso (cujo quadrilátero integrava
antigamente), e praticamente comum às duas e apresenta uma declinação de
29° N. As duas constelações citadas estão dispostas obliquamente sobre o
paralelo celeste boreal de 30°, alinhamento no qual também estão constelações
como o Boiadeiro, a Coroa Boreal e Gêmeos. Nesta última a estrela Pollux
possui a declinação de 28° N.
Assim como nós vemos Alpheratz (na época e horários compatíveis),
cerca de 30º acima do horizonte Norte, os habitantes da Mesopotâmia viam –
como ainda vêem – Fomalhaut em elevação similar no horizonte austral. O que
para nós representa o Cruzeiro do Sul, em posicionamento celeste, a Ursa
A questão solstício-equinocial
Origens do Ensino 81
e n). É a propagação superficial destes pontos, diante da rotação terrestre, que
gera os trópicos de Câncer e de Capricórnio.
No seu bailado em torno do Sol a Terra conserva a inclinação axial, não
só constante, como sempre voltada para o mesmo lado. Por esta razão a
Eclíptica não coincide com o Equador, mas forma, em sua projeção durante a
translação anual, uma longa linha sinuosa em relação ao mesmo. Junto a esta
linha sinuosa desenhamos, nos mapas celestes, as constelações zodiacais.
Observando a figura 3 da Prancha IV constatamos que, se numa dada
ocasião a Terra estiver na posição A, em relação ao Sol, meio ano depois
estará na posição B. Em cada uma destas ocasiões um dos hemisférios recebe
mais energia que o outro: num hemisfério será verão e no outro inverno.
O momento extremo do verão de um hemisfério decorre da incidência
da energia solar diretamente (verticalmente) sobre o trópico correspondente,
definindo o solstício de verão. No outro hemisfério ocorre o solstício de inverno.
Meio ano depois, diante da translação terrestre (mas da inclinação axial
inalterada) a situação inverte.
Nos termos médios de dois solstícios consecutivos a Terra acusa
incidência máxima de energia solar diretamente sobre o Equador. Nestas posições
terrestres, que caracterizam os equinócios (de outono num hemisfério e de
primavera no outro), ocorre uma partilha igual de energia para os dois hemisférios.
Assim, no decurso de cada ano, a latitude de incidência solar
máxima (perpendicularmente a superfície terrestre) varia, gradualmente, de
um trópico a outro, passando pelo Equador; depois inverte o sentido
retornando ao “estágio” original.
Um importante detalhe é o fato de, em dois momentos no decurso de
cada ano, a incidência de energia solar ocorrer verticalmente sobre o Equador:
os instantes dos equinócios. Geometricamente estes dois eventos anuais
ocorrem no cruzamento da linha equatorial com a linha da Eclíptica.
Constelações
Origens do Ensino 83
mostradas árvores européias e norte-americanas. Livros destinados ao ensino
fundamental e ao ensino médio (primeiro e segundo graus) estavam repletos
disso e alguns ainda trazem reminiscências.
Com a astronomia não era diferente. Quando os alunos de Ciências e
de Geografia eram confrontados com referências às constelações, livros (bem
como os próprios professores) lhes apresentavam um belo e clássico exemplo:
a Ursa Menor com Polaris, a estrela polar. E as crianças pegavam os livros,
com eventuais figuras (que eram raras), e ficavam noites olhando o céu e
procurando. E isto é verídico! Naturalmente não encontravam nem a
constelação nem a estrela polar, pois esqueceram (sic) de lhes dizer que elas
não podiam ser vistas de nossas latitudes. E os ressentimentos contra as
matérias e os professores, para não falar na própria obrigatoriedade daquele
estudo, cresciam revoltando as crianças.
Em compensação sabiam apenas que o Cruzeiro do Sul estava
desenhado em viaturas (jipes, caminhões, tanques) do Exército – e em outros
equipamentos das forças armadas – e também na bandeira nacional (em geral
nem ali sabiam encontrá-lo). Localizá-lo no céu, então, era uma incógnita. E é
tão simples quando sabemos para onde (e quando) olhar, pois o Cruzeiro do
Sul representa uma constelação muito apropriada para fins de exemplificação; e
é um grupamento austral.
Embora integrado por grande número de estrelas, as fundamentais são
em número de cinco. Estas cinco estrelas fundamentais estão a diferentes
distâncias da Terra e também possuem distintas luminosidades. Os brilhos
aparentes resultam do efeito do afastamento sobre a luminosidade real, a
semelhança de uma lâmpada muito forte (intensa), que com o aumento da
distância fica cada vez mais fraca (menos luminosa) para o observador (Vide
figura 2 da Prancha V).
Sua localização, no céu noturno, depende de três fatores: época do
ano, horário e orientação. E o próprio nome já ajuda bastante: Cruzeiro do Sul.
Origens do Ensino 85
Graças à continuidade das buscas dos estudiosos surgem novas
descobertas e, com elas, é ampliado o conhecimento do passado. Assim são
redescobertos nomes de constelações (e estrelas) que possibilitam reconstituir
uma linhagem seqüencial dos mesmos através de diferentes povos.
Na prática, entretanto, são mantidas as designações convencionais
para as 88 constelações oficiais (e para um grande número de estrelas mais
representativas) com ênfases greco-romanas e árabes, salvo para
constelações austrais externas.
Fossem quais fossem os nomes dados, pelos diversos povos da
antigüidade, o que eles viam no céu não era essencialmente diferente do que
vemos hoje, em regiões equivalentes do planeta; naturalmente se consideradas
observações não-instrumentais (sem recursos ópticos).
E isto também requer alguns esclarecimentos.
Instrumentos e técnicas cada vez mais sofisticados permitem um
conhecimento igualmente crescente do universo detectável.
Sabemos que existem estrelas mais próximas e outras mais afastadas,
e possuímos recursos para determinar as medidas correspondentes.
Só que isto não vale para o observador comum. Todos os pontos
luminosos que vemos no céu parecem igualmente longínquos.
Somos tão impotentes quanto nossos ancestrais para determinar as
distâncias das estrelas simplesmente olhando para elas. E se, numa primeira
impressão, julgássemos as estrelas menos luminosas como as mais afastadas,
estaríamos incorrendo num grande erro; nem todas têm o mesmo brilho real.
Qualquer indivíduo, de capacidade visual regular, pode avaliar
distâncias, ao menos aproximadamente. Isto se o objeto em questão não estiver
muito longe, pois existe um limite; e as estrelas são demasiado remotas.
Para corpos razoavelmente próximos recorremos aos princípios mais
elementares da perspectiva, dentre os quais sobressaem três critérios práticos:
cor, tamanho e ângulo de observação.
Origens do Ensino 87
os anos 90 e 160 da “nossa era” (d.C.), já as incluíra em seu catálogo de
estrelas do ALMAGESTO. Ali constavam como fazendo parte da constelação do
Centauro. Para os romanos de dois milênios passados constituíam a “Trono de
César”. Sua observação, nas épocas referidas, era possível desde a latitude de
Alexandria, embora numa posição muito próxima ao horizonte e par pouco
tempo durante o decurso da noite. A precessão equinocial não mais permite vê,
em tais regiões, mas houve épocas passadas em que isto foi possível.
Trono para uns, uma parte do Centauro para outros, uma cruz na
interpretação convencional atual, esta constelação também foi vista configurada
em outras imagens. Neste enfoque as constelações clássicas nada mais são
que figuras, usualmente imaginárias e propostas ao longo da história da
humanidade, as quais aceitamos convencionalmente.
Uma típica exemplificação é encontrada nas zodiacais, a seguir
relacionadas através de alguns grupos comparativos.
Origens do Ensino 89
de estrelas, ao contrário, passaram a receber uma atenção especial; tratava-se das
galáxias propriamente ditas.
Por outro lado foi constatado que, em torno de alguns planetas, circulavam
corpos menores, os quais passaram a ser conhecidos por satélites.
O Universo se afigurava muito mais amplo e sobretudo complexo.
Só que nada disto os “antigos” sabiam (ou supõe-se que não soubessem).
Sua visão do Universo, bem mais restrita, não era maior que a de qualquer
“humano” que hoje olha o céu com seus únicos recursos naturais: os olhos. Mas
aquilo que viam, e tentavam explicar, deixaram em seus registros.
Origens do Ensino 91
repousando, após concluídas e caso o sejam, na inglória solidão das
prateleiras. Ocasionalmente chegam a ser consultadas para o deleite de uns
poucos intelectuais – ou curiosos – interessados.
O que permanece representa apenas uma fração do conhecimento
humano antigo, uma versão delineada pela sucessão dos legados da
Mesopotâmia e do Egito, através dos gregos (ou eventuais outros povos
vizinhos) e romanos, até nossos dias.
Contudo tal legado do passado, embora fragmentado, chegou até nós.
E chegou pelos registros em pergaminhos, papiros, pinturas, esculturas
e, sobretudo, em um material que resistiu particularmente à ação cronológica:
as placas de argila.
Para nossa satisfação, sem querer desmerecer as sofisticações da
moderna tecnologia, as documentações mais antigas feitas em placas de argila
são, invariavelmente, as mais conservadas, e isto por milênios.
Que fita magnética duraria tanto?
Origens do Ensino 93
supermercados, bem como um número infindável (pois continua aumentando)
de outros. E isto sem esquecer o fantástico universo das siglas.
Foi com meros símbolos, muitas vezes estilizados, que nossos
antepassados mais remotos deram início a trilha de seus registros e, com eles,
a elaboração de um fantástico acervo documental; o qual não deixou de ser
uma “mensagem para o futuro”. Gradualmente vieram as palavras propriamente
ditas, as simplificações de caráter silábico e, finalmente, os alfabetos
propriamente ditos.
Reconstruir a abrangência global dos acontecimentos, num
seqüenciamento procedente das remotas fontes mesopotâmicas, até o mundo
atual, seria uma tarefa praticamente impossível. Através de uma trilha
simplificada, ressaltando apenas os fatos mais marcantes, será apresentado um
sumário dos eventos em questão.
Partindo da “escrita sintética”, ou de “pictogramas”, chegamos à “escrita
analítica”. Esta, representada por figurações de palavras isoladas, finalmente dá
lugar à codificação escrita de sons, inicialmente sílabas e, por último, um
alfabeto propriamente dito. A primeira categoria, subentendida como a da
“escrita sintética”, compreende figuras representando fatos ou idéias. Inclui
pinturas espeleológicas (em paredes de cavernas), pinturas sobre couros ou,
até mesmo, gravações em ossos, marfim e outros materiais rígidos. Tais
representações geralmente envolvem acontecimentos, mostrados como se
fossem verdadeiras estórias: um “relato” de caca, de uma batalha, de um
sacrifício ou outros. Equivalem perfeitamente aos pictogramas atuais de
estórias em quadrinhos (ou “tirinhas”) mudas, isto é, sem palavras.
Na Suméria, no Egito e na China, como exemplos bem
representativos, encontramos os casos clássicos da “escrita analítica” e suas
representações figuradas de objetos, corpos, órgãos ou até simbolismos
restritos de idéias abstratas.
Origens do Ensino 95
A introdução do alfabeto fonético é atribuída, com maior probabilidade,
aos cananeus, o que teria ocorrido por volta do 1600 a.C. Na sua
representação, baseada em hieróglifos, cada símbolo indicava o som da
consoante referencial. A introdução das vogais chega, sobretudo com os
gregos, no primeiro milênio antes de Cristo.
Em termos cronológicos mais específicos, temos a origem da “escrita”
propriamente dita datando de quase seis milênios passados, isto é, cerca de
3300 a 3500 a.C. para os sumérios e seguramente também – conforme dados
mais recentes – para os egípcios. Aliás é a assim chamada “invenção da
escrita” que define o início da história das civilizações.
Na cultura egípcia, convém salientar, a alfabetização era restrita mas a
“nobreza” era instruída: todos tinham a obrigação de saber “ler e escrever”.
Conseqüentemente os nobres, ao menos em certa etapa da sua vida, tinham
alguma função de escriba. A escrita egípcia, também é interessante lembrar,
era efetivada em colunas verticais e da direita para a esquerda; do mesmo
modo que a cuneiforme mesopotâmica original.
Mas a criação e o aprimoramento progressivo da escrita, bem como seu
aprendizado pelas sucessivas gerações, não ocorreu em função da astronomia
que, na época, era de um caráter astrológico bem mais marcante; não
subordinada à dicotomia atual. O termo astrologia, hoje empregado num sentido
mais “místico” seria, na verdade e por sua própria natureza etimológica, o
estudo dos astros numa abrangência global, portanto a palavra certa para
designar a ciência em questão.
Foi a preocupação dos governantes com seu futuro, julgando estar o
mesmo associado a uma predestinação inscrita nos astros e seu comportamento,
que levou a alguns dos registros.
A própria associação dos eventos celestes com possíveis “divindades”
mereceu especial destaque nos registros mesopotâmicos, como é o caso da
divisão do céu em vias: a Via de Anu correspondente à faixa zodiacal, a Via de
Origens do Ensino 97
O conteúdo temático dos registros é o mais diversificado possível, mas
a finalidade primária da escrita era de caráter eminentemente burocrático.
Um fato que sobressai, em toda a documentação de placas e papiros, é
a existência de numerosos registros (sobretudo nas placas de argila)
representados por meras listagens. Tais relações, compreendendo diferentes
categorias de palavras, como por exemplo listagens de ensaio com nomes de
cidades, de profissões ou de pássaros (entre tantas outras), possivelmente
eram empregadas como recurso de ensino e de aprendizado. Os “estudantes”,
se assim chamarmos os escribas aprendizes, usavam tais listas para exercícios
de cópias. Outras listagens, como de grãos, gado, cerveja e diferentes outros
produtos, inclusive escravos, já representavam registros de propriedade, de
estoques ou ainda “notas” de transações comerciais. Em ambos os casos, seja
nas listagens para aprendizado seja nos registros de posse ou comércio, havia
uma incipiente atividade que poderíamos considerar como sendo científica,
ainda que preliminar, denotada na preocupação e no critério de ordenação: uma
típica atividade classificatória. Há realmente um predomínio efetivo em termos
de arquivamentos propriamente ditos, pouco relativamente as tecnologias da
época ou relatos de “estórias”. Só ocorrem eventuais informes sobre as
pessoas mais importantes: como, aliás, ao longo de toda a história da
humanidade. Também é apropriado destacar que para estrelas e outras
“formações” celestes, visíveis pelos antigos, sempre foram mais práticas as
representações mediante figuras, em lugar de textos descritivos ou explicativos.
Estes, entretanto, existem em grande quantidade, sobretudo na forma de listas
de estrelas e constelações, incluindo seus posicionamentos.
Outro fato documentado com muita antigüidade, para os sumérios em
especial, é seu conhecimento matemático; aliás de grande importância para a
arquitetura (por exemplo a dos zigurates – as pirâmides mesopotâmicas), para
cálculos astronômicos e para tantos outros fins. De uma época que remonta a pelo
menos dois mil anos antes de Cristo ficaram documentos incluíndo tabelas de
Origens do Ensino 99
Referências bibliográficas
O conhecimento geográfico:
evolução de suas práticas e teorias
Nessa região, entre 5000 e 3000 a.C., surgiram duas grandes sociedades:
a Egípcia que, com ressalvas para alguns períodos, sempre se constituiu no centro
das atividades políticas e culturais do Oriente Antigo, e a Mesopotâmia, “região
entre rios”, banhada pelos Tigre e Eufrates.
Aristarco de Samos
Eratóstenes de Cirenia
“Partiu ele do princípio de que a distância entre dois pontos mede o ângulo entre as
suas verticais, ou seja, entre dois raios da esfera. Tratava-se, pois, de medir o
ângulo formado por dois fios de prumo colocados em dois pontos ou duas cidades
distantes, o que era impossível fazer diretamente” (Branco, 1995, p. 10).
Ptolomeu
Considerações finais
Referências bibliográficas
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia econômica. 7. ed. São Paulo: Atlas,
1981, 288 p.
BRANCO, Samuel Murgel, BRANCO, Fábio Cardinale. A deriva dos
continentes. 7. ed. São Paulo: Moderna, 1995, 79 p. (Coleção Polêmica)
BROECK, Jan O. M. Iniciação ao estudo da geografia. 3. ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1976, 155 p.
BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidente. 2. ed. Porto Alegre:
Globo, 1989, 401 p.
CASTRO, leda Bandeira. Geografia – uma ciência desconhecida. Veritas, Porto
Alegre, v. 35, n. 139, p. 440-449, set. 1990.
CERAM, C. W. Deuses, túmulos e sábios. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos,
1995, 390 p.
______
. O segredo dos hititas – a descoberta de uma antiga civilização. Rio de
Janeiro: Record, 1995, 247 p.
CHRISTOFOLETTI, Antonio. Geografia para o mundo atual. São Paulo:
Nacional, s.d. 270 p.
Referências bibliográficas
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BEARD, M. Writting and religion: ancient literacy and the function of the written
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Roman Paganism? Literacy in the Roman World. Ann Arbor, Journal of Roman
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BOWMAN, A. K Literacy in the Roman Empire: mass and mode. In: J. H.
Humphreys (ed.), 1991, Literacy In the Roman World. Ann Arbor, Journal of
Roman Archaeology supplementary series # 3, 119-131.
______
. Life and Letters on the Roman Frontier. Londres: British Museum, 1994.
Minha infância eu passei contigo; tu bateu nos meus dedos: tuas instruções entraram
dentro das minhas orelhas. Eu fui como um cavalo submetido: o sono não pode entrar no
meu coração durante o dia e não houve estio comigo durante a noite.
1
A Paleta de Narmer é normalmente referida como tendo sido feita ao redor de 3000 a.C. e a
conquista do Egito por Alexandre Magno ocorreu em 332 a.C.
2
No decorrer da I Dinastia as paletas se transformam em objetos semelhantes a escudos, sobre os
quais se esculpiam as vitórias dos reis sobre os inimigos, no centro das quais se reservava um
espaço para moer o verde malaquita.
Alto Egito hdt, enquanto no outro segura uma maça, importante símbolo de
poder, e usa a coroa vermelha do Baixo Egito dšrt, parece ter sido o primeiro
monarca a ostentar ambas. Esse fato confere extraordinária importância histórica
a essa lousa como o mais antigo exemplo de documento com a grafia de
hieroglifos, primeiro a demonstrar a unificação dos dois reinos sob um único
governante e pioneiro ainda a representá-lo na sua forma humana.
Que instrução era necessária para alguém grafar na paleta um conjunto
de sinais capazes de transmitir tão numerosas e importantes informações?
Para entender o processo educativo que conduziu a tais habilidades é
importante inicialmente lembrar que essas imagens e seus significados fizeram
parte do dia-a-dia daquela sociedade até o século IV d.C., quando foram
eles designavam o „líquido curativo‟ (irtt), que verte dos seios. Pelas
3
Kemit é um título que pode ser traduzido como Compêndio e é o único livro escolar que
conhecemos do antigo Egito (Janssen, 1996, p. 80).
“Vem a mim, Thot... o secretário dos grandes deuses de Hermópolis; vem a mim,
ajude-me no meu destino, faça com que eu seja hábil nessa profissão. Teu ofício é o mais
belo entre todos os outros: aqueles que preparam, terão condições de se tornarem
magistrados, de prosperarem... etc.” (Daressy, 1885, p. 335).
4
Uma das características marcantes do gênero da literatura Egípcia denominado de Instruções e
que eles expressavam um pensamento tão rígido e dirigido como Se tivessem sido criados dentro
de uma moldura. Nesse sentido, tais textos manifestavam uma noção de sociedade regrada e
perfeitamente organizada. Por veicularem essa idéia, certamente cooperaram e muito para
5
O nome copta é derivado da palavra grega Aiguptos. O termo também designa, atualmente, os
adeptos da religião cristã no Egito. A escrita cóptica foi a última forma de grafia da língua do
antigo Egito. Ela sobreviveu aos períodos de dominação grega, romana, biza ntina e árabe,
enquanto as outras grafias, a hieroglífica, a hierática e a demótica, foram abandonadas. Essa
sobrevivência da escrita e da língua coptas possibilitou a decifração daquelas escritas mortas
(Bakos, 1986, p. 23).
6
Ela foi fundada pelo Faraó Ahmosis I, que iniciou com seu reinado a XVIII dinastia. Deir el Medina foi
cercada por um muro de tijolos, sob o reinado de Tutmés I (1506-1493 a.C.), abrigando os construtores
da tumba desse Faraó, que inaugurou em 1540 a.C., o cemitério dos mortos reais no Vale dos Reis.
Deir el Medina durou cerca de 450 anos, o que abarca o período da XIX e XX dinastia. Do período de
Ramsés III, no início da XX dinastia, cerca de 1198 a.C., resta-nos um censo, o qual revelou a
presença de 120 lares e de cerca de 1.200 habitantes na vila (Tosi, 1972, p. 11).
O período de maior prosperidade do vilarejo foi no decorrer da XIX dinastia. Já nos inícios do
reinado de Ramsés III, na dinastia seguinte, eram visíveis os sinais de decadência indicada
especialmente pela rápida subida do valor dos cereais (Keller, 1971, p. 32).
“Quando eu fui acompanhar o Faraó na sua jornada para o sul, esta condição
(isto é a morte) a derrubou, e eu passei diversos meses sem comer ou beber
como uma pessoa normal. Quando eu cheguei em Mênfis, implorei uma licença
para o Faraó e fui até onde você estava.”
Referências bibliográficas
Invenção da escrita
O personagem do escriba
1
O lugar de honra, na peça principal da casa, segundo os costumes mesopotâmicos.
O local de trabalho
Funções do escriba
2
A etimologia da palavra Babilônia é bâb – porta, îlum – deus; tradução literal: a porta de deus.
Burocracia
3
HALLO, W. W., Individual Prayer in Sumerian: the continuity of a tradition. JAOS 88, 1968. p. 78;
CHARPIN, D., Le Clergé d‟Ur au siècle d‟Hammu-rabi. Genève-Paris: Droz, 1986. p.203, nota 1.
4
Nota-se um paralelo entre as linhas 37, 38 e 39 desse texto e as linhas 4‟ e 10‟ do reverso da
carta. A.1258+S.16OSN, editada por D. CHARPIN, Les malheurs d‟un scribe ou de l‟inutilité du
sumérian loin de Nippur. In: ELLIS, M. Nippur at the centennial-35° R.I.A.Philadelphia, 1992. p.12
e 21, nota 16.
5
Entre as seis cópias dessa carta, existe uma variante, que fala de quatro anos de exílio ao invés
de cinco.
6
HALLO, W.W., The Royal Correspondance of Larsa: III. The Princess and the Plea, In: CHARPIN,
D. et JOANNÈS, F.. Marchands. Diplomates et Empereurs. Paris: ERC, 1991. P. 377-388.
7
MICHALOWSKI, P., Charisma and Control: On Continuity and Change in Early Mesopotamian
Bureaucracy Systems. In: GIBSON, M. and BIGGS, R., The Organization of Power: Aspects of
Bureaucracy in the Ancient Near East. Chicago: SAOC 46, 1991. p. 52.
Conclusão
ATTICO CHASSOT
1
SINCRETISMO é aqui usado no sentido de amálgama de elementos culturais diferentes, ou até
antagônicos, em um só elemento, continuando perceptíveis sinais dos elementos originários. O
sentido etimológico do termo – reunião de vários estados na ilha de Creta contra adversário
comum – parece adequado para o que se pretende fazer com as duas leituras mencionadas
Referências bibliográficas
HARRY BELLOMO
A educação ateniense
A efebia ateniense
Referências bibliográficas
BOWDER, Diana. Quem foi quem na Grécia Antiga. São Paulo: Art, 1982.
FLACELIERE, Robert. A vida quotidiana dos gregos no século de Péricles.
Lisboa: Livros do Brasil, [s.d.]
GIORDANI, Mário. História da Grécia. Petrópolis: Vozes, [s.d.]
MARROU, Henri. História da educação na antigüidade. São Paulo: EPU, 1975.
WICKERT. Historia de la educación. Buenos Aires: Losada, 1950.
ZURETTI. Historia general de la educación. Buenos Aires: Sastre, 1978.
“[...] por que com seu xeramunha rupi, como eles dizem, que vem a ser a
doutrina de seus antepassados, em que estribam todo seu crédito [...] pois
estimam eles mais o matarem e terem uma assadura humana em suas festas,
visitas de amigos, acampamentos de dó, quando se armam cavaleiros, e em
todo o tempo com que se possam presentear uns aos outros, do que quanta
1
fazenda, ouro, nem prata há no mundo.”
1
América Abreviada. Suas notícias e de seus naturaes, e em particular do Maranhão, títulos,
contendas e instruções a sua conservação e augmento mui úteis pelo Pe. João de Souza Ferreira
[Lisboa, 20 de maio de 1693]. Revista Trimestral do Instituto Histórico Geográphico e
Ethnohistórico do Brazil. Tomo XLIX. 3º trimestre de 1886. Rio de Janeiro. p.120.
2
Esta continuidade da cultura material é atestada principalmente pela cerâmica que permanece
sem alterações significativas ao longo do tempo e do espaço.
3
As diferenças encontradas provavelmente devem-se a historicidade de cada grupo e distintos
eventos que redundaram em mudanças.
4
Noelli (1993, p. 12-13) insiste em que se deve reconsiderar as datas, tornando-as mais antigas,
uma vez que os sítios mais antigos no RS alcançam dois mil anos.
5
Segundo Braudel (1978) e Hodder (1987), apud Noelli, 1993, p. 14.
6
Em Guarani, ñe‟e é a palavra-alma. “alma de origem divino; [...] ñe‟e mbyte: médula de Ia palabra,
médula del alma [..] ñe‟engai: palabra-alma maligna.” (Cadogan, 1992, p. 125-126).
7
Significante é o signo lingüístico, significado é o conteúdo semântico (Saussure, Cours de
linguistique générale. 1966).
8
Foucault, 1985, p. 314 apud Noelli, 1993, p. 14.
9
Apud Ortiz, 1983.
10
Citado em Hunt, 1985, p. 18, nota 34.
11
Conforme Trigger, 1987; Sahlins, 1990; Lightfoot, 1995.
12
Talvez a única atividade que não é aprendida desde a infância seja o xamanismo, uma vez que,
de acordo com a sociedade, o pajé é escolhido pela comunidade de pessoas ou espíritos, de
pessoas ou da natureza.
Por isto era tão comum ver-se „casamentos‟ entre velhas e rapazes,
velhos e meninas. A iniciação sexual dos adolescentes pelos mais velhos tinha
dois objetivos: adestrar os iniciados nas obrigações conjugais para
manutenção-reprodução da sociedade; e condicionar os jovens às condições de
obtenção de prestígio dentro da tradição e da manutenção do „modo de ser‟, o
ethos. Neste sentido é importante ressaltar que, mesmo que a sociedade
busque reproduzir, em sua essência, uma série de padrões preestabelecidos,
dentro da sociedade existe uma gama de atividades diferenciadas que, mesmo
que não formem castas ou grupos distintos, são símbolos de ascensão social.
Por exemplo, como a diferença básica entre um homem comum, agregado a um
grupo familiar, e um mburuvichá, chefe político da aldeia. Se o prestígio é
perseguido, é mais por uma característica do ethos indígena do que por
mudança no mesmo (Soares, 1997, p. 214).
Estas questões colocam em pauta, novamente, o cunho da educação
indígena: manutenção ou reprodução? Do meu ponto de vista, acredito que a
palavra reprodução traz em si uma sociedade estática e sem assimilações das
culturas ou contatos externos. Como diria Sahlins (1990), uma sociedade
prescritiva em sua essência. No entanto, vemos nos Guarani, que tem sido meu
objeto de estudo, uma abertura àquelas novidades que reduzem o esforço
físico, e por que não dizer, diminuem o trabalho braçal.
Neste sentido, o contato com o europeu trouxe um sem-número de
novas situações, aos quais os Guarani adaptaram-se parcialmente de forma
receptiva, aceitando o que lhes convinha. Porém, mantiveram-se fiéis as suas
tradições, formas de casamento, ritos, poligamia, etc.
Uma sociedade na qual a dinâmica dos contatos interétnicos se faziam
sentir muito antes do contato com o europeu e, ainda assim, mantinha e
impunha seu ethos bélico e expansionista, é melhor enquadrada como
13
Tori, quer dizer do branco, do civilizado, do não-índio. (Paula e Paula, 1981, p. 100).
Sob este ângulo, percebe-se que não existe, para estes autores, uma
terceira via. As atitudes frente às comunidades indígenas estão diretamente
relacionadas à postura tomada em relação a elas: vão sobreviver? Vale a
pena investir? Não vão sobreviver? Todo trabalho é só paliativo?
Este binômio está mascarado em todas as iniciativas, institucionais
ou não, pois se observamos as práticas oficiais, como a FUNAI até bem
poucos anos atrás, podemos acompanhar quais as „soluções‟ adotadas nas
áreas indígenas: um paternalismo mesclado com frases do tipo “não adianta,
os índios são assim mesmo, imprevidentes ou indolentes”, uma vez que
todas as aspirações de médio e longo prazo não são atendidas e, cabe
ressaltar, confunde-se dar uma enxada com dar condições de sustento.14
14
Um exemplo pode ser bem colocado aqui. A mendicância atingiu um grau de insustentabilidade
quando, no verão de Porto Alegre, uma jovem mãe guarani esmolava com uma criança de 16
dias de vida em seus braços. Alertado o Conselho Tutelar, a Procuradoria Geral da República
convocou as lideranças indígenas para expor o caso e buscar uma solução. Os índios assim se
pronunciaram: não havia sementes, e mesmo se houvesse, a terra estava „cansada‟ sendo a
produção insuficiente; ademais, aqueles que plantaram deveriam esperar o desenvolvimento dos
cultivos, e comeriam o quê neste período? A mendicância era uma alternativa. Isto mostra a
complexidade que envolve a situação indígena tanto nas cidades como nas aldeias. Isto
aconteceu em fevereiro de 1996, na cidade de Porto Alegre, com grupos Guarani advindos de
áreas próximas, como Cantagalo e Águas Claras (Viamão).
15
Em História do Rio Grande do Sul ainda se mantém ensinando como os índios das Missões
possuíam capacidade para imitar as obras dos padres, sem, no entanto, terem condições de
criação pela sua própria imaginação.
16
A „professora‟ dos postos indígenas geralmente é a esposa do chefe do posto, por isso colocamos
no feminino. Ressalvamos que assim as instituições „resolvem‟ dois problemas a um só tempo.
Por esta razão não se pode confundir ensino tradicional dos índios com
a forma tradicional do ensino branco, com quadro-negro e cópia de textos,
baseada na idéia que o aprendiz é um recipiente vazio que se enche com o
„conhecimento‟ do professor, processo unilateral que traz uma velha versão da
dominação que representa o ensino branco tradicional.
17
Summer Institut of Linguistic.
“Ao ser despojado de seu passado, de sua identidade cultural, de sua antiga
organização social e lançado a um mundo cujas relações e modo de produção
não compreende, não compreendendo, portanto seu papel social neste mundo,
o indígena tem na escola um instrumento alienado e alienante. É uma escola
que, fundada na maneira de pensar da cultura dominante, proíbe o pensamento
crítico, pois „exclui a relação sobre os antagonismos sociais” (ibid., p. 128).
Referências bibliográficas
Autores 236
Harry Bellomo – Mestre em História do Brasil e especialista em História da
Cultura. Professor do curso de Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde
também coordena grupos de pesquisa sobre Arte Funerária. Publicou vários
livros, entre eles Estudos de Problemas Brasileiros e Vidas e Costumes.
Autores 237
Pedro Paulo Funari – Doutor em Arqueologia e professor Livre-Docente na
Universidade de Campinas. Publicou diversas obras no Brasil e vários artigos
científicos em revistas especializadas, no país e no exterior. É autor de La
cultura popular en la Antigüedad Clássica e Roma, vida pública e vida privada.
Autores 238