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Mini-glossário O guia do professor Dúvidas comuns

15 termos importantes Por que e como promover a inclu- Como evitar a exposição do
para compreender o são pedagógica e social estudan- estudante? O que fazer duran-
Espectro Autista tes autistas na UFMG? te crises sensoriais? E mais...

LUGAR DE AUTISTA
É NA UFMG
Cartilha pedagógica para professores
PREFÁCIO
GUILHERME DE ALMEIDA

Autista, professor e presidente da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (ANIA/BR).
Doutorando e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UNICAMP, membro dos Comitês de
Inclusão no Ensino Superior e Inclusão no Mercado de Trabalho da Cúpula de Neurodiversidade de Stanford.

Caros professores, sas; dessa forma, a intervenção e o desen-


volvimento de ações afirmativas nesse contexto são
Atualmente, em 2023, observa-se que o Ministério da uma necessidade absoluta, pois o ensino superior re-
Educação, através da Secretaria de Educação flete o próprio mecanismo pelo qual a sociedade po-
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão de estabelecer critérios de inclusão ou de exclusão.
(Secadi), está em um processo de revisão do modelo Os esforços empreendidos no campo educacional
de inclusão na educação básica. Embora seja evi- têm o potencial de atuar como uma força motriz para
dente a busca por avanços, ainda é possível iden- mitigar as injustiças econômicas e sociais e nivelar
tificar resquícios de um paradigma antiquado re- as oportunidades, mas, para tanto, há que se com-
lacionado ao entendimento das deficiências, que, preender um valor fundamental da inclusão: a
lamentavelmente, persiste entre alguns profissionais diferença.
e na percepção do público em geral, que nos remete
à integração. A diferença transcende a mera comparação entre
elementos contrastantes. Ela abraça a singularidade
essencial de cada ser, incluindo características úni-
Uma das preocupações levantadas diz respeito à
cas de pensamento, emoções e experiências. En-
abordagem proposta, que, em algumas instâncias,
contramos na diferença um referencial qualitativo que
pode parecer desvinculada da realidade. A sugestão considera a profundidade das particularidades indi-
de oferecer determinados "tratamentos" para crian- viduais. Já a diversidade deve ser compreendida a
ças, adolescentes e jovens autistas durante o perío- partir de um referencial quantitativo, pois refere-se à
do escolar gera questionamentos legítimos sobre a variedade numérica de certos grupos em deter-
garantia do pleno direito à educação, tal como asse- minados contextos. Embora ligadas, diferença e di-
gurado pela Constituição. versidade diferem na profundidade da compreensão:
diferença mergulha na individualidade e singulari-
É fundamental destacar a importância de um debate dade, enquanto diversidade lida com quantidades e
amplo e fundamentado sobre as estratégias educa- categorias.
cionais destinadas a indivíduos autistas. O caminho a
ser seguido deve estar alinhado com os princípios Os estudantes autistas da UFMG dedicaram-se por
inclusivos e com as melhores práticas pedagógicas. meses na elaboração desta cartilha, que nasce como
Isso requer um esforço conjunto de profissionais da fruto da necessidade desses jovens de orientar uma
comunidade habituada a invisibilizá-los e a invalidá-
educação, gestores e famílias, visando a propor-
los. O primeiro passo em prol da construção de uma
cionar um ambiente educacional enriquecedor e
universidade inclusiva e diversificada foi dado. É vital
preparado para as necessidades individuais de cada
que os educadores valorizem a singularidade de
aluno. cada aluno, pois apenas com o comprometimento
real do corpo docente e dos gestores se tornará
Os dados são inequívocos em relação à exclusão possível a realização plena do potencial educacional,
social que permeia todas as condições neurodiver- social, histórico e singular de cada estudante.
PREFÁCIO
GUILHERME DE ALMEIDA

Autista, professor e presidente da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (ANIA/BR).
Doutorando e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UNICAMP, membro dos Comitês de
Inclusão no Ensino Superior e Inclusão no Mercado de Trabalho da Cúpula de Neurodiversidade de Stanford.

Caros professores,

Desde a promulgação da Política Nacional de para tanto, há que se compreender um valor


Educação Especial na Perspectiva da Educação In- fundamental da inclusão: a diferença.
clusiva (PNEEPEI) em 2008, o cenário educacional
A diferença transcende a mera comparação entre
brasileiro tem passado por transformações signifi- elementos contrastantes. Ela abraça a singularidade
cativas e por desafios no que diz respeito à inclusão. essencial de cada ser, incluindo características
Embora tenhamos passado por avanços importantes; únicas de pensamento, emoções e experiências.
ainda hoje, em 2023, o Ministério da Educação, por Encontramos na diferença um referencial qualitativo
meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabe- que considera a profundidade das particularidades
tização, Diversidade e Inclusão (Secadi), tem um individuais. Já a diversidade deve ser compreendida
longo caminho a seguir para uma compreensão mais a partir de um referencial quantitativo, pois refere-se
integrativa dos quadros de neurodivergência, a fim à variedade numérica de certos grupos em
de não reduzir os estudantes autistas a perfis de determinados contextos. Embora ligadas, diferença e
déficits resumidos a tratamentos individuais, mas sim diversidade diferem na profundidade da compre-
ensão: diferença mergulha na individualidade e sin-
adotar estratégias de adaptação no contexto dos
gularidade, enquanto diversidade lida com quantida-
estudantes.
des e categorias.
No cenário do Ensino Superior, os dados são
inequívocos em relação à exclusão social que per- Os estudantes autistas da UFMG dedicaram-se por
meses na elaboração desta cartilha, que nasce como
meia todas as condições neurodiversas; dessa
fruto da necessidade desses jovens de orientar uma
forma, a intervenção e o desenvolvimento de ações
comunidade habituada a invisibilizá-los e invalidá-
afirmativas é uma necessidade absoluta, pois o
los. O primeiro passo em prol da construção de uma
ensino superior reflete o próprio mecanismo pelo universidade inclusiva e diversificada foi dado. É vital
qual a sociedade pode estabelecer critérios de que os educadores valorizem a singularidade de
inclusão ou de exclusão. Os esforços empreendidos cada aluno, pois apenas com o comprometimento
no campo educacional têm o potencial de atuar como real do corpo docente e dos gestores se tornará
uma força motriz para mitigar as injustiças econô- possível a realização plena do potencial educacional,
micas e sociais e nivelar as oportunidades, mas, social, histórico e singular de cada estudante.
Carta da edição Sumário

A busca por uma educação verdadeiramente


inclusiva é uma jornada que deve envolver Diversidade em foco: os quatro
01
todos os segmentos da sociedade. Nas paradigmas da deficiência
universidades, os professores exercem uma
Quebrando as barreiras da integração: o
posição de relevância no que tange à promoção 03
de práticas pedagógicas acessíveis. caminho para a educação inclusiva
Nesse sentido, o processo de inclusão não é
Desmistificando o autismo: os paradigmas
apenas um dever legal, mas uma obrigação 05
moral das instituições de ensino. Trata-se de
de viver em uma sociedade neurotípica
uma construção coletiva, que exige diálogo,
flexibilidade curricular e uma cultura de respeito. Mini-glossário do autismo: 15 termos para
07
Os desafios que podem surgir no caminho da entender o Espectro Autista
inclusão não devem ser encarados como
obstáculos intransponíveis, mas sim como Diferentes, mas iguais:
oportunidades de inovação e de promoção de
09
direitos dos estudantes autistas
justiça equitativa.
Compreender para educar: evidências
Esta cartilha surge como uma ferramenta
essencial para sensibilizar e capacitar a
neurocientíficas da eficácia da acessibi- 11
comunidade acadêmica da UFMG a acolher lidade pedagógica para pessoas autistas
cada estudante autista e estimular seu
Mitos e verdades sobre autismo 13
potencial, levando em conta suas caracterís-
ticas individuais. Programa de inclusão pedagógica e

15
Coletivo Autista da UFMG - Agosto de 2023 social para estudantes autistas da UFMG
Inclusão, adaptação e acolhimento: um
16
guia para professores de pessoas autistas
Organização, edição e diagramação:
Mariana Moreira Andrade
Dúvidas comuns de professores em
(marianamoreiraand@hotmail.com) 19
Redação: Guilherme de Almeida, Isabela relação ao autismo
Sallum, Louie Martins, Mariana Moreira,
Ricardo de Carvalho Para além do autismo: explorando
Revisão: Ana Luiza Inácio, Andreia intersecionalidades, comorbidades e 20
Mendes, Guilherme de Almeida, Isabela
subjetividades
Sallum, Karla Wunder, Sandra Canal.
Contato: admcaufmg@gmail.com
Sugestões de livros 21
DIVERSIDADE EM FOCO:
Os quatro paradigmas da deficiência
Escrito por MARIANA MOREIRA

Exclusão
Durante a Antiguidade, o extermínio das
pessoas com deficiência era um costume
comum. Por exemplo, em Esparta, crian-
ças com deficiência eram lançadas do
abismo para a morte.
Fotografia: Shvets Production - Canva

Ao longo da história, uma infinidade de barreiras, precon-


ceitos e estereótipos foram e continuam sendo impostos
Segregação
às pessoas com deficiência. Nesse contexto, a evolução
do entendimento e do tratamento das deficiências tornou
Na Idade Média, o pensamento cristão era
possível identificar as maneiras como a sociedade perce-
regido por concepções de caridade. Por
be e interage com essas pessoas. Em cada época da hu-
esse motivo, o extermínio deixou de ser
manidade, as ideologias predominantes do período influ-
uma prática comum. Foi então que
enciaram o surgimento de novas abordagens de compre-
surgiram os hospitais e os asilos para a
ensão e de resposta às deficiências:
internação de pessoas com deficiência, as
quais ficavam segregadas nesses lugares
por toda a vida. Como essas instituições
não tinham capacidade para abrigar todas
Fotografia: Hidden Disabilities - hdsunflower.com

essas pessoas, muitas delas eram obriga-


das a mendigar pelas ruas.

Cordão de girassol: usado para a identificação de pesso-


as com deficiências invisíveis (Lei Federal 14.624/2023).

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 1


Integração

Fotografia: Eunice Pais - Canva


Na Modernidade, a revolução científica
que ocorria na época, especialmente no
campo da Medicina, levou a uma visão da
deficiência como doença a ser tratada, de
modo que a pessoa com deficiência
precisaria ser reabilitada para se adequar
aos padrões sociais.

Tais paradigmas não são estáticos: representam uma


progressão contínua de perspectivas e de atitudes por
parte da sociedade. Nesse sentido, mesmo nos dias
atuais, ainda existem manifestações sociais dos quatro
paradigmas da deficiência. Por exemplo:

Inclusão É EXCLUSÃO QUANDO...


uma escola nega a matrícula de um estudante
com deficiência.

Na Contemporaneidade, finalmente, a É SEGREGAÇÃO QUANDO...


deficiência passou a ser compreendida estudantes com deficiência são matriculados
não como uma característica negativa, em escolas específicas para o seu tipo de de-
ficiência, por exemplo, as escolas exclusivas
mas como uma diferença natural dos seres para surdos.
humanos. Atualmente, entende-se que a
deficiência não está na pessoa, mas na É INTEGRAÇÃO QUANDO...
falta de acessibilidade do meio em que ela estudantes com deficiência estão matricula-
se situa. Por esse motivo, a sociedade dos na sala de aula do ensino regular, mas
recebem um tratamento diferenciado, distin-
atual tem movido esforços para a valori- guindo-os da unidade da turma e os segre-
zação da diferença e da promoção da gando de uma experiência coletiva.
acessibilidade.
É INCLUSÃO QUANDO...
todas as pessoas, com e sem deficiência,
estão matriculadas na sala de aula do ensino
regular, mediante a aceitação das diferenças,
a participação e o envolvimento de todos, a
adoção de medidas de acessibilidade e rela-
ções amigáveis e cooperativas.

Portanto, em um mundo que busca progresso, justiça e


igualdade de oportunidades, é imperativo que a socie-
dade se comprometa a trilhar um caminho que elimine os
paradigmas de exclusão, segregação e integração, abrin-
do espaço para a verdadeira inclusão.

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 2


QUEBRANDO AS BARREIRAS
DA INTEGRAÇÃO:

Imagem: @meepiangraphic - https://bit.ly/3KyB9jN


O caminho para a educação inclusiva
Escrito por GUILHERME DE ALMEIDA

A "Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva",


publicada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 2008, enfatiza a
importância da inclusão para a garantia da igualdade de oportunidades e da
participação efetiva de todos os alunos nos processos educacionais.
Design universal
Dessa forma, a educação inclusiva surge como uma resposta ao antigo modelo de
integração, que se concentrava na simples coexistência física de alunos com
para aprendizagem
deficiência com os demais alunos na sala de aula. De um lado, a integração
acomoda a segregação de modo sutil e ardiloso; do outro, a inclusão rompe com a A abordagem DUA emerge
cultura de exclusão das pessoas com deficiência, de pessoas autistas e de todas as como uma proposta para su-
pessoas que fogem a um modelo idealizado e irreal de ser humano. perar a principal barreira en-
frentada ao promover o pro-
Nesse contexto, para atender à atual política de educação inclusiva do MEC, o gresso de alunos talentosos
professor exerce um papel central de facilitador da aprendizagem de todos os nos ambientes educacionais: os
alunos, com e sem deficiência.
currículos rígidos.

Em instituições educacionais,
como escolas e universidades,
a singularidade é a norma, não
MODELO ANTIGO: MODELO ATUAL: uma exceção incomum. Cada
INTEGRAÇÃO INCLUSÃO aluno apresenta sua própria
individualidade. Quando os pla-
1. Abordagem mais limitada, focada 1. Processo amplo e profundo de nos curriculares são formulados
na coexistência de alunos com e transformação dos sistemas edu- visando uma média irreal de
sem deficiência na mesma escola. cacional e social.
estudantes, a riqueza real da
2. Pode não envolver adaptações 2. Busca garantir acesso à educa-
ção de qualidade a todos os alunos,
diferença entre os alunos é
substanciais do ambiente ou méto- ignorada.
dos de ensino para atender às ne- independentemente de suas habili-
dades ou diferenças.
cessidades dos alunos com defici-
3. Envolve adaptação de currículo, Como todo modelo, o DUA é
ência.
métodos de ensino, materiais e falho, pois é incapaz de prever
3. Alunos com deficiência podem
estar fisicamente presentes, mas
ambiente escolar para atender às a infinita possibilidade de com-
necessidades individuais, de modo binações de pessoas, sistemas
não necessariamente participam coletivo, não segregado.
das mesmas atividades ou têm a- e tempos, mas, ainda assim,
4. Objetiva a participação plena,
cesso igualitário ao currículo. aprendizado significativo e intera-
mostra-se como uma possibili-
4. Pode não promover uma inte- ção social dos alunos com defici- dade pedagógica superior à
ração significativa entre alunos com ência, autismo, altas habilidades e integração.
e sem deficiência. superdotação no ambiente regular
5. Não necessariamente provoca de ensino. Para se aprofundar no assunto,
mudanças na mentalidade e práti- 5. Implica em mudanças na menta- acesse:
cas da comunidade escolar e da lidade e nas práticas da comunida- bit.ly/materiaisdesignuniversal
sociedade. de acadêmica e toda a sociedade.

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 3


Fotografia: Wayhome Studio - bit.ly/47wZznK - Licenciada na Adobe Stock
Você ainda é uma
daquelas pessoas que
acreditam que autistas
não têm emoções? Ou
que autistas "vivem no
próprio mundo" e são
incapazes de se

DESMISTIFICANDO
comunicar ou de
estabelecer conexões
interpessoais?

O AUTISMO
Então, está na hora de
romper os antigos
paradigmas do
autismo e entender
mais sobre o assunto.

Os paradigmas de viver em uma sociedade neurotípica

Escrito por MARIANA MOREIRA e ISABELA SALLUM

Ao pesquisar pelo termo “autista” no Google Imagens, No entanto, todas essas concepções estereotipadas
nos deparamos com uma multiplicidade de fotografias de são prejudiciais e limitantes, pois não refletem as
pessoas com as mesmas características: em geral, diferenças das pessoas autistas em termos de idade,
crianças brancas e do sexo masculino, segurando peças gênero, etnia, habilidades e traços de personalidade.
de quebra-cabeça. No imaginário popular, tais imagens Por esse motivo, torna-se urgente a desmistificação de
são reforçadas por expressões estigmatizantes, como paradigmas equivocados e o reconhecimento da
“anjo azul” e “criança sem emoções”. Além disso, complexidade e da diversidade do espectro autista,
pessoas autistas são comumente descritas como composto por pessoas com uma ampla gama de
indivíduos com habilidades excepcionais em áreas habilidades e interesses distintos. É necessário que a
específicas, como a memorização de fatos triviais ou sociedade passe a respeitar e a valorizar as pessoas
habilidades matemáticas avançadas. Também é comum autistas em sua individualidade, de modo a reco-
a caracterização de autistas como indivíduos incapazes nhecer que cada indivíduo – autista ou não – apre-
de se comunicar, de estabelecer relações interpessoais senta suas próprias necessidades e desejos, a des-
significativas e de sentir empatia pelos outros. peito de sua condição neurológica.

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 4


O paradigma da neurodiversidade em déficits de desenvolvimento, mas em variações natu-
rais e esperadas das formações cerebrais.

Todas as mentes, portanto, são naturalmente


neurodiversas. O que difere é a interpretação cultural
Fotografia: @benzoix - bit.ly/3DS56Yr

atribuída às mentes que não se adequam aos padrões


estabelecidos no tecido social. Nesse contexto, a
expressão “neurodivergente” surgiu para referir-se a
pessoas que apresentam desenvolvimento cognitivo,
comportamental, neurológico e/ou neuroanatômico
diferente do esperado socialmente. Além de autistas, é o
caso de indivíduos com TDAH, transtorno bipolar,
dislexia e várias outras condições. Já “neurotípico”
caracteriza um indivíduo que apresenta neurode-
O primeiro registro do conceito de neurodiversidade data
senvolvimento considerado regular em termos sociais.
de 1998, quando foi utilizado em um trabalho acadêmico
da socióloga australiana autista Judy Singer (Odd Essa ideia é reforçada pela psicóloga autista Jac den
People In: The Birth of Community Amongst People on Houting, pós-doutora em autismo, na palestra do TED
the “Autistic Spectrum”). Segundo a autora, neuro- “Saiba por que tudo o que você sabe sobre o autismo
diversidade diz respeito à grande variedade de está errado’, disponível no YouTube. “De acordo com o
composições neurológicas existentes nos seres paradigma da neurodiversidade”, diz Houting, “não há
humanos. Sob essa perspectiva, as diversas caracterís- cérebros certos ou errados. Todos são igualmente
ticas neurológicas, sensoriais, comunicativas e sociais válidos e igualmente valiosos. E não importa qual tipo de
que se manifestam entre os indivíduos consistem em cérebro tenhamos: todas as pessoas têm direitos
alterações naturais do desenvolvimento humano. Sendo humanos iguais e devem ser tratadas com dignidade e
assim, tais diferenças não consistem necessariamente respeito” (tradução livre).

Os paradigmas médico e social


E não é apenas no convívio social que existem estigmas compreensão de que se pudéssemos tratar essa condi-
quanto ao autismo. Em grande medida, o que conhe- ção para nos livrarmos dela, então aquele indivíduo
cemos sobre o autismo até hoje advém de pesquisas seria curado e continuaria a vida a partir de então como
que o conceberam através da identificação de perfis de uma pessoa neurotípica.
dificuldades e características desviantes do que seria
considerado normal. Essa perspectiva, tomada do Mas, ora, como podemos pensar no autismo como algo
modelo médico, é o que embasa os critérios de identifi- além da pessoa? Até aqui já compreendemos as
cação dos manuais diagnósticos, como o DSM-5-TR particularidades do autismo, mas, cada vez mais,
(Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos entendemos que o comportamento sempre deve ser
Mentais – 5ª edição revisada) e CID-11 (Classificação analisado de maneira contextual. O modelo social do
Internacional de Doenças – 11ª Edição). autismo entende que parte do que previamente
definíamos como “déficit” no autismo se deve a contex-
Estes manuais se prestam a sistematizar o perfil tos em que comportamentos típicos são esperados, e
sintomatológico dos quadros de saúde mental. Se, por em que não existe adaptação para que as potencia-
um lado, a sistematização dos sintomas autistas segue lidades dos autistas apareçam. Ou mesmo, algumas
sendo um guia para diagnóstico, além de contribuir para características que podem ser vistas como disfuncionais
o desenvolvimento de pesquisas, por outro, apresenta na ótica neurotípica pode ser um ponto forte do compor-
problemas inegáveis. Os critérios descritos, muitas tamento de um autista (como, em alguns contextos, os
vezes, ignoram a variabilidade de apresentação do interesses restritos, o perfil mais pragmático de comu-
quadro autista. Como sua primeira formulação se nicação).
baseou predominantemente na identificação de meninos
autistas, torna mais difícil a identificação de mulheres no A mudança desta perspectiva de compreensão do
espectro. Além disso, os manuais se focam na descrição autismo é importante na medida em que abandonamos
das dificuldades, ignorando as potencialidades do perfil uma noção em que toda a responsabilidade e a
autista. obrigação de “mudança” e “adequação social” é
forçada sobre os autistas, e em que passamos a enten-
Principalmente, o grande problema ao adotarmos o der o papel comunitário e contextual de adaptação.
paradigma médico levianamente é que este concebe o Dentro desta nova visão, uma teoria que busca explicar
autismo como algo que existe no indivíduo como parte a divergência do perfil de comunicação social dos
de sua essência, descontextualizado de seu ambiente e autistas em relação aos neurotípicos é o paradigma do
portador de um déficit. Com frequência, isso é atrelado à problema da dupla empatia, descrito a seguir.

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 5


Não há cérebro certo ou

Fotografia: Look Studio - bit.ly/3ORfE0o - Licenciada na Adobe Stock


errado: todas as mentes
processam informações de
maneira diferente.

O paradigma da dupla empatia


Imagine esta situação: um pai neurotípico
tenta se comunicar com seu filho autista,
seguindo as convenções sociais com as
quais o pai - mas não o filho - já esteja
familiarizado. Nesse caso, é provável que
haja dificuldades no entendimento da men-
sagem.

Imagine, agora, uma situação diferente: O paradigma dos símbolos


desta vez, um pai autista transmite uma
O símbolo da fita de quebra-cabeça azul já foi utilizado para
informação a seu filho, também autista, que
representar o TEA porque o autismo era entendido como um "quebra-
compreende a mensagem efetivamente.
cabeça" ou um mistério a ser resolvido. No entanto, há crescentes
Foi isso que percebeu o pesquisador
críticas de que esse símbolo é inadequado, pois sugere que as
Damian Milton, autista e pai de autista, que
pessoas autistas são "quebradas" ou "incompletas", o que caracteriza
propôs o paradigma da dupla empatia.
um pensamento capacitista e psicofóbico. Além disso, a cor azul é
Para ele, autistas não apresentam déficits
frequentemente associada a meninos e homens, perpetuando a ideia
sociais. Na verdade, o que ocorre é que
tanto autistas como não autistas se comu- equivocada de que o autismo afeta somente o sexo masculino.
nicam melhor com pessoas que pensam de Em contraste, o infinito em arco-íris tem sido amplamente adotado
maneira semelhante a si mesmas. como um símbolo mais inclusivo pela comunidade autista. Isso
porque o arco-íris representa o espectro da neurodiversidade,
enquanto o símbolo do infinito simboliza a natureza variada do
“Pessoas autistas e não autistas se espectro autista. Juntos, eles celebram a neurodiversidade e a
comunicam igualmente bem. É a inclusão de todas as pessoas autistas, independentemente de sua
idade, gênero, raça ou origem étnica.
combinação entre os tipos de comuni-
cação que causa o problema." (tradu-
ção livre) Então, o que é ser autista?
Jac den Houting Para além da perspectiva sintomatológica incluída no DSM-5-TR, seguimos com uma
proposta de definição de autismo fundamentada em pesquisas recentes, baseadas no
modelo social. Para tanto, buscamos utilizar uma linguagem acessível ao público leigo:
O autismo é uma variação neurológica humana natural, caracterizada por níveis
Um experimento realizado pela neuro-
elevados de conexões em determinadas regiões do cérebro. Apesar de o fenômeno
cientista Catherine Crompton, da Universi-
ainda não ser integralmente conhecido, muitas vezes, esse excesso de conectividade
dade de Edimburgo, trouxe prováveis evi-
cerebral provoca uma sobrecarga sensorial, motora e cognitiva. Isso reduz a atenção e
dências para o problema da dupla empatia.
a energia disponíveis para concentração em interações sociais, atividades e fatos
O estudo propôs a brincadeira de "telefone
sem fio" a três grupos: um somente de diversos. Por isso, as pessoas autistas necessitam de adaptações, por exemplo, na
autistas, um somente de não autistas e escola e na faculdade, de acordo com suas características e necessidades.
outro misto. No final do experimento, os A causa do autismo ainda não é conhecida, mas já se sabe que está vinculada a
grupos formados apenas por autistas e genes específicos, os quais podem ou não ser herdados de familiares biológicos. O
apenas por não autistas tiveram o mesmo autismo não é uma doença e, por isso, não tem cura. Acompanha o indivíduo durante
desempenho em termos de precisão na toda a sua vida, manifestando-se em diferentes graus de intensidade ao longo do
transmissão da mensagem. Já o grupo tempo.
misto teve resultado significativamente pior, Algumas características (não necessariamente todas) comumente presentes em
uma vez que foram mescladas pessoas pessoas autistas são: 1) processamento sensorial intenso; (2) capacidade analítica de
que se comunicam mediante formas de
percepção de detalhes; (3) interesse por áreas de conhecimento e/ou objetos
expressão e de linguagem distintas.
específicos; (4) facilidade em reconhecer padrões e em criar imagens mentais; (5)
capacidade de memorizar informações; (6) preferência por determinados movimentos;
Esse é um primeiro estudo experimental
(7) interesse em assuntos específicos; (8) capacidades e dificuldades de interação
testando a teoria de Milton, embora outros
social, em diferentes graus; (9) preferência por situações previsíveis e controláveis; e
autores tenham tocado no tema como base
(10) manifestação dos sinais acima desde a infância, de maneira variável ao longo da
teórica para outras análises, por exemplo,
ao observarem que autistas costumam vida.
formar mais amizades com outras pessoas Apesar de compartilharem certas semelhanças, pessoas autistas são imensamente
autistas ou neurodivergentes. diferentes umas das outras e apresentam sua própria individualidade. ◆
COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 6
MINI-GLOSSÁRIO
DO AUTISMO
15 termos para entender o Espectro Autista
Escrito por
MARIANA MOREIRA

O autismo caracteriza-se por três grupos Portanto, autistas têm empatia, mas Shutdown é uma crise em que uma
de sinais: a) diferenças na comunicação, podem precisar de ajuda para identificar o pessoa autista se desconecta do ambiente
na linguagem e na interação social; b) estado mental das outras pessoas. ao seu redor, de maneira a se isolar, ficar
comportamentos restritos e repetitivos; e em silêncio etc.
c) alterações sensoriais. Entender os 4. Sensibilidade sensorial: pessoas
principais conceitos relacionados ao autistas são hiper e/ou hipossensíveis aos 6. Estereotipias: movimentos repetitivos
autismo é importante para estimular a estímulos sensoriais (sons, luzes, texturas que alguns autistas podem exibir, como
inclusão social: etc.). Ou seja, seus sentidos podem balançar o corpo, balançar as pernas ou
captar mais ou menos informações que os girar objetos. É um comportamento natural
1. Comunicação social atípica: diferenças de pessoas neurotípicas. A exposição a e importante para pessoas autistas,
na interação social e na compreensão de estímulos sensoriais excessivos pode relacionado à regulação emocional.
regras sociais não-verbais por parte de gerar a sobrecarga sensorial das pessoas
pessoas autistas, como, por exemplo, o autista, de maneira a levar a crises 7. Ecolalia: repetição de palavras ou
ato de evitar contato visual e a dificuldade sensoriais. frases.
em entender sarcasmos e piadas.
5. Crises sensoriais, emocionais, 8. Hiperfoco: grande interesse por um
2. Empatia cognitiva: capacidade de cognitivas e/ou sociais: trata-se de uma objeto ou assunto específico.
perceber e de prever as emoções de outra reação ao estresse, à sobrecarga senso-
pessoa. Por exemplo, olhar para o rosto rial, ao excesso de demandas sociais, à 9. Alexitimia: dificuldade em compreender
de uma pessoa e perceber que essa imprevisibilidade, entre outros fatores. Os e descrever os próprios sentimentos,
pessoa está alegre, ou triste, ou com tipos mais comuns são meltdown e sensações e emoções.
raiva. Pessoas autistas tendem a shutdown. Meltdown é uma crise em que
apresentar níveis mais baixos de empatia uma pessoa autista perde o controle sobre
cognitiva. suas emoções, o que pode gerar
explosões de raiva, choro, agressividade
3. Empatia afetiva: capacidade de sentir e/ou comportamentos autolesivos.
algo em relação ao que o outro está
sentindo. Ou seja, é a capacidade de se
sentir mal quando o outro está mal, e de
se sentir bem quando o outro está bem.
Pessoas autistas apresentam níveis de
empatia afetiva iguais ou superiores em
relação aos de pessoas neurotípicas.

Uma a cada 36 crianças dos Estados Unidos


são autistas (Centers for Disease Control
and Prevention, 2020). Se esse número
também se estender para o Brasil, existe, em
média, um aluno autista em cada sala de
aula de 40 estudantes, embora o diagnóstico
ainda não seja difundido no país.

7
"Embora diagnosticados pelos mesmos Todas as características das pessoas autistas
podem ser vantajosas em determinadas
critérios universalistas como autistas, cada situações, mas gerar dificuldades de adaptação da
qual tem suas habilidades e suas dificuldades, pessoa autista em outros contextos sociais e
ambientais. Quanto a esse aspecto, pessoas
distintas e não homogêneas." (Sílvia Orrú, no autistas podem:
livro "Aprendizes com autismo"). achar difícil se comunicar e interagir com
outras pessoas por muito tempo, além de
10. Funções executivas: habilidades cognitivas entender como as outras pessoas pensam ou
de controle, planejamento e ações em etapas. se sentem em determinadas situações;
Algumas pessoas autistas apresentam compro- ficar desconfortáveis com luzes brilhantes,
metimento das funções executivas. ruídos altos, locais cheios, tecidos incômodos
e outros estímulos sensoriais;
11. Rigidez cognitiva: dificuldade que pessoas ficar ansiosas com mudanças, imprevistos,
no espectro apresentam em se adaptar a situações desconhecidas e eventos sociais;
mudanças abruptas. demorar mais para entender algumas
informações;
12. Rotina: sequência de atividades ou rituais ter muito interesse em um assunto específico e
executados diariamente. A rotina pode ser apresentar dificuldade em transitar para outros
reconfortante para autistas, que possuem temas;
necessidade de previsibilidade. cometer gafes e grosserias não intencionais
em relação à forma neurotípica de se
13. Níveis de suporte: o autismo é classificado comunicar. Como não são intencionais, é
em três níveis, quanto ao grau de necessidade importante explicar à pessoa autista - com
de suporte, isto é, o quanto de ajuda aquela paciência e longe dos demais colegas - por
pessoa autista precisa para realizar atividades que o comportamento foi inadequado;
cotidianas: Nível 1 (pouco suporte); Nível 2 ser extremamente sinceras, o que pode levar a
(suporte moderado) e Nível 3 (muito suporte). situações como: corrigir outras pessoas que
não aceitam críticas; dizer o que pensa,
14. Comunicação suplementar alternativa e mesmo quando a opinião não é bem-vinda,
aumentativa: uso de canais de comunicação entre outras. Apesar da sinceridade, as
diferentes da fala, como gestos, sons, pessoas autistas, em geral, não têm a
expressões faciais e corporais, sistemas de intenção de ofender;
fichas, tablets, celular, etc. Sua utilização é não gostar de serem tocadas;
mais comum por autistas dos Níveis 2 e 3. apresentar preferência e/ou seletividade por
determinados alimentos;
15. Comorbidades: condições que costumam empregar palavras sem conhecer o real
ocorrer simultaneamente ao autismo, como significado delas;
TDAH, depressão, ansiedade e fobia social. ter dificuldade em vincular a comunicação
Podem estar presentes ou não. verbal à não verbal, como imprimir nuances
nas alterações no tom de voz, volume,
entonação, linguagem corporal, expressões
idiomáticas e gestos que contribuem para o
estabelecimento de sentido à fala;
ter dificuldade para entender piadas, falas
indiretas, sarcasmo e mentiras.◆

Apesar de apresentarem características em


comum a outras pessoas do espectro, cada autista
apresenta sua própria individualidade. Além
disso, não necessariamente um indivíduo autista
apresenta todas as características elencadas
acima. Cabe ao professor compreender e respeitar
a subjetividade de cada estudante. 8
DIFERENTES, MAS IGUAIS
Conhecer os direitos das pessoas autistas é essencial para que os professores
compreendam a importância e a necessidade de implementação de medidas de
inclusão pedagógica e social nas escolas e nas universidades.

Escrito por MARIANA MOREIRA

Lei nº. 12.764/2012 - Lei Berenice Piana ou Lei dos Autistas


Garantir os direitos das pessoas autistas
não é favor, muito menos privilégio, mas
sim uma obrigação legal e moral da Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno
sociedade e das instituições educacio- do Espectro Autista. De acordo com a lei, autistas são considerados pessoas
nais. Para que esses direitos sejam com deficiência, para todos os efeitos legais. Além disso, possuem direito à
efetivados na prática pedagógica, antes vida digna, à integridade física e moral, ao livre desenvolvimento da personali-
de tudo, é preciso que os professores dade, à segurança e ao lazer.
tenham conhecimento das leis que
tratam da inclusão e da acessibilidade
para estudantes autistas nos espaços
escolares e universitários.
Lei nº. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nesse sentido, convidamos todos os
professores da UFMG a se inteirarem
das principais leis sobre o tema. Adian- Conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Destina um capítulo
te, segue um breve resumo da legisla- exclusivo para tratar da educação especial, que inclui a educação destinada a
ção pertinente aos direitos autistas: estudantes autistas. Entre os direitos educacionais assegurados por essa lei
para alunos com deficiência, destacam-se: 1) serviços de apoio
especializados; 2) currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
organização específicos; e 3) preferência pela inclusão de pessoas com
deficiência na própria rede pública regular de ensino.

À medida que avançamos e a humanidade enfrenta todas essas


crises, precisamos de todos os nossos criativos; não queremos
pessoas iguais tentando encontrar soluções para os problemas".
(Maithilee Kunda, pesquisadora em autismo da Universidade Vanderbilt)

Essa frase explica que compreender os para a humanidade com novas maneiras de
pontos fortes das pessoas autistas pode pensar.
ajudá-las no processo de aprendizagem, o Quanto a esse aspecto, as características
que gera potencial de contribuição social. do autismo ora se apresentam como poten-
cialidades, ora como dificuldades, a depen-
Em outras palavras, incluir não é só uma
der da disponibilidade de suporte que
questão de ética e solidariedade. Como dito
Fotografia: Clay Banks bit.ly/3DRPyUv - Licenciada na Unplash

estimule seu desenvolvimento pessoal. Por


por Kunda, é importante existirem pessoas
exemplo, é comum que os indivíduos autis-
diferentes, capazes de trazer perspectivas
tas demonstrem um desejo persistente em
diferentes, a fim de ajudar a solucionar as
se aprofundar em seus interesses. Isso
adversidades da sociedade.
pode ser especialmente vantajoso em am-
Nesse sentido, pessoas neurodivergentes bientes que os possibilita desenvolver suas
podem colaborar de diversas maneiras, em habilidades. Por outro lado, essa mesma ca-
variadas áreas de conhecimento. Afinal, racterística pode ser desvalorizada em um
por possuírem padrões mentais diferentes contexto que o obriga a dedicar a temáticas
do cérebro neurotípico, podem contribuir e a aptidões que não lhes interessam.

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 9


Fotografia: Foca Lisboa / UFMG - Fonte: bit.ly/3DOYIkG

Lei nº. 10.048/2000 - Lei de Atendimento Preferencial

Estabelece prioridade de atendimento às pessoas com deficiência. No


contexto universitário, esse direito se estende para filas de restaurantes
universitários e ao atendimento em processos administrativos dos órgãos
colegiados, por exemplo.

Lei nº. 10.098/2000 - Lei de Acessibilidade

Conhecida como Lei da Acessibilidade. Estabelece normas gerais e critérios


básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência
e/ou com mobilidade reduzida. Mais especificamente, garante a eliminação
de barreiras de acessibilidade urbanísticas, arquitetônicas, comunicacionais,
informacionais, atitudinais e tecnológicas.

Lei nº. 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência

O Estatuto da Pessoa com Deficiência assegura o direito à igualdade de


oportunidades e proíbe a discriminação em relação a PcDs. Além disso,
Acessibilidade na UFMG garante vários direitos educacionais, como: 1) medidas individualizadas e
coletivas que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos
O Núcleo de Acessibilidade e Inclusão estudantes com deficiência; 2) plano de atendimento educacional
(NAI) é o órgão vinculado à reitoria da especializado; 3) recursos e serviços acessíveis; 4) recursos de tecnologia
UFMG que visa assegurar a inclusão de assistiva; 5) participação dos alunos com deficiência e de suas famílias nas
pessoas com deficiência e neurodiver- diversas instâncias de atuação da comunidade escolar; 6) medidas de apoio
gentes à vida acadêmica e profissional, de que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais,
modo a eliminar ou reduzir barreiras vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as
pedagógicas. habilidades e os interesses do estudante com deficiência; 7) oferta de
profissionais de apoio escolar; entre outros.
Já a Resolução n.° 01/2023 da UFMG
regulamenta o regime acadêmico espe-
cial, por intermédio do qual os estudantes
com deficiência podem ter acesso a me-
didas educacionais individualizadas, por Lei nº. 13.409/2016 - Lei de Cotas para PcD
exemplo:
Flexibilização do tempo de conclusão
da grade de disciplinas do curso; Alterou a Lei nº 12.711 (Lei de Cotas) para conceder às pessoas com
deficiência o direito de acesso às vagas reservadas às cotas nas instituições
Utilização de recursos e técnicas
didáticas diferenciadas; federais de ensino superior. ◆
Definição de condições especiais de
avaliações;
Utilização de tecnologia assistiva nos
De nada adianta ter uma legislação que respalde o acesso das
diferentes espaços universitários; pessoas com deficiência nas universidades se não existirem ações
Indicação de monitoria individualizada [...] institucionais para assegurarem a implementação e execução
do que está previsto na norma. Portanto, estes estudantes precisam
e especializada, de acompanhamento de uma retaguarda de apoio e suporte, disseminação de
do estudante por serviços específicos informações sobre PCD e neurodivergentes, capacitação dos
corpos docentes, estruturas de acolhimento com profissionais
ou por professores ou tutores entre qualificados, para que consigam obter um bom desempenho na
pares; universidade.
Outras adaptações.
Marina da Silveira Rodrigues (Neuropsicóloga e psicopedagoga)

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 10


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COMPREENDER PARA EDUCAR:
Evidências neurocientíficas da eficácia da acessibilidade pedagógica para pessoas autistas

Escrito por RICARDO DE CARVALHO

Por que a inclusão é tão importante? autistas na educação superior está entre metade desses alunos sentia que não
0,7% a 1,9% (Gurbuz; Hanley; Riby, estava tendo sucesso acadêmico e
Moriña Díez, López e Molina (2015) 2019). Felizmente, essas circunstâncias manifestava insatisfação com a carga de
observaram que estudantes autistas estão mudando, devido a investimentos tarefas (Below; Spaeth; Horlin, 2021).
sentiam que os professores frequen- em programas de inclusão e diversidade.
temente colocavam mais obstáculos do Inclusive muitos professores ainda
que soluções em relação à inclusão. Um A taxa de evasão é altíssima... citam a crença equivocada de que
problema recorrente era a falta de Apesar desse progresso, há uma há excesso de diagnóstico do TEA,
capacitação desses profissionais. Para demanda em atender às necessidades
um ambiente universitário adequado ao
quando, na verdade, é o contrário…
específicas desses estudantes, pois
autismo, é crucial que os educadores do menos de 40% deles completam seus Muitas barreiras podem surgir ao tentar
Ensino Superior estejam bem informa- estudos com sucesso (Gurbuz; Hanley; obter um diagnóstico de autismo,
dos e conscientes sobre o espectro Riby, 2019). particularmente para mulheres e pes-
autista, permitindo que os alunos soas sem comprometimento intelectual.
explorem seus talentos. E o ambiente acadêmico ainda é Diagnósticos incorretos e percepções
hostil para esses estudantes… estereotipadas levaram ao reconhe-
Além disso, o TEA também traz um Estudos mostram que estudantes autis- cimento de um grupo significativo de
impacto negativo na vida tas podem encontrar dificuldades em adultos autistas sem diagnóstico, o que
poderia representar até 60% da
profissional e no ensino… ambientes universitários. Apenas 27%
acreditavam que suas necessidades população autista total. Muitos podem
As taxas de emprego para adultos nunca ser diagnosticados ou só
sociais foram atendidas, e somente 40%
autistas são consideravelmente baixas, receberão o diagnóstico na fase adulta
sentiram que suas demandas aca-
apenas 4,1%. Já a proporção de alunos (Below; Spaeth; Horlin, 2021).
dêmicas foram consideradas. Mais da

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 11


Fotografia: @paul - bit.ly/3YuzyBy - Freepik
Mesmo em professores que Em comparação com indivíduos sem O professor, assim, pode ter um papel
reconhecem as necessidades TEA, indivíduos autistas têm diferentes transformador ao acolhê-lo e oferecer um
especiais do TEA… volumes totais e regionais de substância suporte individualizado. Para isso, é
cinzenta e branca, anatomia sulcal e preciso abrir mão de visões pré-
Há dificuldades em implementar uma giral, concentrações químicas cerebrais, concebidas e entender que cada
pedagogia realmente inclusiva. Muitos redes neurais, estrutura e organização estudante autista é particular. O objetivo
professores se apegam a crenças cortical, e lateralização cerebral. Indivídu- não é fazê-lo enquadrá-lo à “norma”,
pessoais (Below; Spaeth; Horlin, 2021). os autistas usam diferentes padrões de mas nutrir habilidades que o ajudem a
Alguns podem emitir visões equivocadas, conectividade, estratégias cognitivas e navegar melhor em um mundo
como “a vida é difícil, e o mundo lá fora áreas cerebrais para processar informa- neurodiverso.
é cruel. O estudante precisa entender ções durante tarefas que requerem atri-
isso…”. buição social (por exemplo, faces, olhar, Artigos mencionados
fala) e recompensas sociais e não
Entretanto, é sempre importante sociais do que indivíduos sem TEA. Essa AUGUSTYN, Marilyn. Autism spectrum disorder:
lembrar que… terminology, epidemiology, and pathogenesis.
diferença no processamento das infor-
Terminology, epidemiology, and pathogenesis. 2023.
As funções psíquicas (como “vontade”, mações tem sido observada em vários Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/autism-
“sociabilidade” e “flexibilidade”), — e a estudos (Augustyn, 2023). spectrum-disorder-in-children-and-adolescents-
terminology-epidemiology-and-pathogenesis. Acesso em:
mente como um todo — resultam de 07 ago. 2023.
processos neurais. A mente não é Mas felizmente…
BELOW, Rhoda von; SPAETH, Elliott; HORLIN, Chiara.
separada da realidade física do cérebro.
Autism in Higher Education: dissonance between
Ou seja, não é verdade que os O cérebro apresenta uma grande educators⠹ perceived knowledge and reported teaching
estudantes autistas querem privilégios; plasticidade. Com o suporte adequado, o behaviour. International Journal Of Inclusive Education,
[S.L.], pp. 1-18, 22 out. 2021.
pelo contrário: eles querem adaptações estudante autista pode fazer avanços
para estar em condições de igualdade. progressivos (dentro do seu próprio MORIÑA DÍEZ, A.; LÓPEZ, R.G.; MOLINA, V.M.
Students with disabilities in higher education: a
Estudos de neuroimagem, eletrofisiologia ritmo).
biographical-narrative approach to the role of lecturers.
e autópsia em pacientes com Transtorno Higher Education Research and Development, 2015. pp.
do Espectro Autista (TEA) sugerem que Além disso, é preciso entender que a 147-159.

anormalidades cerebrais, especialmente coerção social pode ser negativa para a URBUZ, Emine; HANLEY, Mary; RIBY, Deborah M..
conectividade neural atípica, própria sociedade, sendo melhor permitir University Students with Autism: the social and academic
experiences of university in the uk. Journal Of Autism And
desempenham um papel importante no que diferentes potencialidades se ex-
Developmental Disorders, [S.L.], v. 49, n. 2, p. 617-631, 1
desenvolvimento do TEA. pressem. set. 2018. Springer Science and Business Media LLC.

Professor(a), durante as aulas e as avaliações, é importante valorizar as habilidades dos estudantes autistas:

Capacidade Integridade e Boa memória e


analítica honestidade atenção a detalhes

Pensamento Identificação Interesse intenso em


crítico e lógico de padrões certos assuntos

12
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MITO OU VERDADE? Escrito por LOUIE MARTINS

PESSOA AUTISTAS APRESEN-


AUTISMO É UMA DOENÇA
TAM COMUNICAÇÃO SOCIAL
ATÍPICA
Mito. O autismo é uma variação neuro-
lógica caracterizada por níveis elevados de
Verdade. Um dos critérios de diagnóstico do
conexão em determinadas áreas do cére-
TEA é apresentar diferenças na comunicação
bro. Além disso, com a Lei nº 12.764, de 27
social, tais como: dificuldade em compreender
de dezembro de 2012, o autismo passou a
linguagem figurada e diferenciar intenções por
ser considerado legalmente como uma de-
meio de tons de voz e expressões faciais; não
ficiência.
se comunicar de forma verbal e/ou ter
dificuldades para se expressar por meio da
PODE HAVER CERCA DE 6 fala.
MILHÕES DE AUTISTAS NO
BRASIL PESSOAS AUTISTAS NÃO
Verdade. De acordo com o relatório mais CONSEGUEM APRENDER
recente do CDC, 1 a cada 36 crianças nos
EUA é autista. Aplicando esse número ao Mito. Pessoas autistas de qualquer nível de
Brasil, seriam aproximadamente 6 milhões suporte têm a capacidade de aprender, porém
de pessoas autistas. Todavia, devido à falta podem precisar de métodos diversificadde
de informação e dificuldade de acesso ao ensino e/ou materiais auxiliares, ou demandar
diagnóstico, esse número pode ser ainda mais tempo e paciência.
maior.
AUTISTAS PODEM TER DIFICUL-
DADE EM SABER QUANDO FALAR
AUTISTAS NÃO PODEM COM OUTRAS PESSOAS
FREQUENTAR FACULDADES
Verdade. Como muitos autistas possuem
Mito. Autistas são pessoas com deficiência dificuldade em entender convenções e regras
e, de acordo com a Lei Brasileira de sociais, podem não conseguir determinar
Inclusão, possuem direito à educação em quando é apropriado iniciar, terminar ou
todos os níveis e modalidades, devendo ser entrar em uma conversa. Por conta disso,
assegurados serviços e recursos de muitas vezes, pessoas autistas são erronea-
acessibilidade que eliminem as barreiras e mente interpretadas como desinteressadas,
promovam a inclusão plena. antissociais, inconvenientes ou intrometidas.

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 13


AUTISTAS SÃO ANTISSOCIAIS AUTISTAS PODEM "SOAR
DIFERENTE" QUANDO FALAM
Mito. Pessoas autistas podem interagir de
maneira diferente ou necessitar de suporte Verdade. Pessoas autistas se comunicam
nas habilidades sociais, mas muitos gostam de forma diferente de neurotípicos,
de formar relacionamentos e interagir com podendo dizer as coisas lentamente, falar
outras pessoas, especialmente em situa- com uma voz monótona, utilizar palavras
ções que envolvam algum de seus hiper- fora de contexto, entrar em muitos detalhes
focos. ou ser muito objetivas, o que pode causar
certo estranhamento em pessoas que não
estão familiarizadas com esses padrões de
PESSOAS AUTISTAS PODEM fala.
EXIBIR MOVIMENTOS
REPETITIVOS
AUTISTAS NÃO POSSUEM
Verdade. Muitos autistas realizam EMPATIA
movimentos repetitivos, conhecidos como
stims ou estereotipias, como forma de se
Mito. Pessoas autistas tendem a ter
autorregular. Portanto, é importante não
dificuldade para perceber emoções de
impedir a realização desses movimentos
outra pessoa ou podem expressar suas
para não gerar uma crise.
próprias emoções de maneira diferente,
mas isso não significa que não possuem
empatia. Na verdade, pessoas autistas
TODAS AS PESSOAS possuem níveis de empatia afetiva iguais
AUTISTAS SÃO IGUAIS ou superiores aos de neurotípicos.

Mito. O autismo é um espectro, portanto, AS CAUSAS DO AUTISMO


autistas podem apresentar traços ESTÃO ASSOCIADAS À
diferentes e manifestar um mesmo traço de GENÉTICA
diversas maneiras. Além disso, possuem
personalidades, interesses e habilidades Verdade. Apesar da causa exata do
diferentes, o que torna cada pessoa autista autismo ainda não ser conhecida, sabe-se
diferente da outra. que está relacionada a alguns genes e que,
apesar de especialistas estimarem que a
taxa de herdabilidade é elevada, nem
PESSOAS AUTISTAS PODEM sempre é hereditário.
TER DIFICULDADE EM
ESCUTAR O QUE ALGUÉM
ESTÁ DIZENDO QUANDO HÁ AUTISTAS VIVEM EM UM
OUTROS SONS MUNDO PARTICULAR

Verdade. Muitas pessoas autistas Mito. Autistas podem ter momentos em


apresentam Transtorno do Processamento que não respondem a chamados ou
Sensorial, que costuma se manifestar em comentários, mas isso não significa que
autistas por meio da hiper ou hiposensi- estejam alheios ao mundo à sua volta.
bilidade. Desse modo, o TPS pode provocar Normalmente, essa situação ocorre por
dificuldade em filtrar barulhos de fundo, estarem com hiperfoco em uma tarefa, por
tornando difícil a concentração e a compre- não sentirem necessidade de se comunicar
ensão da fala. ou por não saberem como responder. ◆

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 14


PROGRAMA DE INCLUSÃO
pedagógica e social para estudantes autistas da UFMG
Escrito por MARIANA MOREIRA

Durante o primeiro período letivo de 2023, o Coletivo Adicionalmente, o programa foi revisado por uma
Autista da UFMG apresentou ao NAI o "Programa de equipe multidisciplinar de profissionais atuantes e/ou
inclusão pedagógica e social de estudantes autistas especializados em autismo, composta por psicólogas,
da UFMG". O documento trata-se de uma iniciativa médicos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais,
dos próprios alunos autistas da Instituição, com o advogadas e pedagogas.
intuito de lhes garantir medidas de acessibilidade e de
inclusão, para que possam participar plenamente da O NAI mostrou-se favorável ao Programa e
vida acadêmica e social na UFMG. comprometeu-se a auxiliar o público autista da UFMG
na realização das medidas apresentadas no docu-
Os pilares do programa incluem a sensibilização e mento. Paralelamente, é fundamental que os profes-
conscientização de docentes, discentes e técnicos sores de alunos autistas leiam e implementem o
administrativos; a implementação de adaptações pe- Programa, a fim de contribuir para a execução das so-
dagógicas e sensoriais; e a promoção de uma cultura luções propostas pelos estudantes autistas aos proble-
inclusiva e acessível no contexto universitário. mas que eles próprios vivenciam na Universidade. ◆

Acesse o Programa de Inclusão Pedagógica e Social de Autistas na íntegra em: linktr.ee/coletivoautistaufmg

Papel do NAI x Papel dos professores


É papel do NAI oferecer ao estudante autista: É papel dos professores oferecer ao estudante
Elaboração do Plano de Atendimento autista:
Educacional Especializado (AEE) Observância ao Plano de AEE
Levantamento de demandas de Adoção de medidas de inclusão, adaptação
acessibilidade e acolhimento
Planejamento de intervenções pedagógicas Ambiente inclusivo de aprendizagem
Orientação para professores Comunicação clara
Mediação com professores Oferecer aulas diversificadas que façam
Oferta de recursos acessíveis sentido para toda a turma
Orientação psicossocial Modificações de avaliações sempre que
Coordenação de intervenções solicitado
Possibilitar a participação ativa do estudante Comunicação com o NAI e com o apoio
15
autista nas decisões psicopedagógico
INCLUSÃO, ADAPTAÇÃO E ACOLHIMENTO:
Escrito por MARIANA MOREIRA

No primeiro dia de aula, o professor deve informar a todos os estudantes da turma que, caso alguém apresente
alguma demanda de acessibilidade e/ou de inclusão, devem entrar em contato por e-mail. Caso o aluno se
apresente como autista, envie o Programa de Inclusão apresentado no tópico anterior e pergunte ao estudante
quais medidas são necessárias. Abra espaço para o aluno apresentar também outras demandas.

RESPEITO
e Autonomia
Não exponha a pessoa autista perante o restante da turma;
Não duvide do diagnóstico de TEA, pois foi a avaliação foi
realizada por um profissional capacitado em TEA;
Não exija laudo médico, pois apenas o NAI tem o direito de
exigi-lo;
Incentive, respeite e possibilite que as pessoas autistas informem e
solicitem suas demandas pessoais;
Possibilite a participação ativa da pessoa autista no processo
decisório das medidas a serem adotadas para sua própria
inclusão e acessibilidade no contexto acadêmico;
Promova uma cultura de respeito e inclusão. Caso presencie atos
de capacitismo e/ou psicofobia, informe imediatamente ao NAI.

MEDIDAS
Sensoriais
Compreenda a necessidade do uso de tampões de ouvido, protetores
auriculares, abafadores de som e óculos escuros, mesmo em dias de provas.
Utilizá-los é direito da pessoa autista;
Aceite e recomende o uso de vestimentas diversificadas em aulas práticas,
se solicitado pelo estudante autista e/ou pelo AEE. Por exemplo, se o labora-
tório exige o uso de calça jeans, mas o estudante apresenta hipersen-
sibilidade a esse tecido, sugira a utilização de uma calça de moletom grossa;
Oportunize o uso de itens objetos de conforto, com a ressalva de que estes
itens não emitam sons, luzes e/ou outros estímulos perturbadores para os
demais estudantes. Esses objetos não são usados por infantilidade, mas sim
por uma necessidade de alívio de ansiedade pelo estudante;
Avise com, no mínimo, 72 horas de antecedência caso algum
equipamento com excesso de ruídos e/ou luzes seja utilizado em sala
de aula (ex.: aula prática que usará um motor), para que o estudante
possa levar um abafador de som;
Caso a sala de aula apresente excesso de estímulos, como ventilador
estragado ou luzes piscando, solicite as mudanças para o setor de
manutenção predial e/ou para Diretoria da unidade de ensino;
Incentive os estudantes a fazerem silêncio durante a aula;
Não peça aos estudantes para baterem palma durante a aula;
Compreenda a necessidade de o estudante sair da aula caso esteja
passando por crise sensorial;
Estenda os prazos e/ou remarque as datas de atividades avaliativas
durante períodos de sobrecarga sensorial, emocional e/ou social. Além disso,
forneça materiais diversificade estudo para que o estudante possa estudar
por conta própria. Repasse a situação para o NAI.

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 16


MEDIDAS
de Previsibilidade
Nas duas primeiras semanas de aula:
Forneça cronogramas e informações detalhadas sobre os roteiros de aulas (práticas e teóricas),
bibliografias, monitorias, tutorias e avaliações;
Compreenda atrasos nos primeiros dias de aula. Estudantes autistas podem demorar a decorar
caminhos. Em alternativa, caso o aluno relate dificuldade em encontrar a sala, ajude-o a
aprender o trajeto até o local de aula;
Disponibilize assentos reservados e/ou específicos para estudantes autistas, apenas caso
solicitado. Marque o assento com uma placa escrito "reservado", com a especificação dos dias
da semana e dos horários.
Durante o semestre:
Explique o roteiro de cada aula logo no início do horário (ex.: primeiramente, vou abordar o
tópico X; depois, o tópico Y; por fim, vamos fazer um exercício valendo ponto extra);
Evite mudanças repentinas de salas e cronogramas de aulas, monitorias, tutorias e avaliações;
Havendo alterações das datas das aulas e das avaliações, remarque-as e divulgue-as com,
preferencialmente, 72 horas de antecedência.
Evite abordagens que requeiram improviso, caso solicitado pelo estudante autista. Caso sejam
feitas perguntas na aula, forneça alternativas de respostas para as perguntas formuladas (a, b,
c, d) e/ou possibilite a entrega da resposta por escrito na aula seguinte;
Disponibilize materiais de estudo com antecedência mínima de 72 horas antes de cada aula.

MEDIDAS
de ensino
Respeite as definições estabelecidas no Plano de
Atendimento Educacional Especializado. Todo Plano
é elaborado por profissionais especializados e aprovado
pelo NAI;
Valorize as habilidades, interesses e hiperfocos
do estudante autista no processo de ensino-aprendizagem;
Priorize recursos diversificados de estudo à aula expositiva oralde
estudo à aula expositiva oral, caso sejam solicitados pelo estudante
autista e/ou recomendados pelo Plano de AEE. Exemplos de materiais
são slides, gravações do ensino remoto, resumos, roteiros de livros,
entre outros. Alguns estudantes autistas aprendem bem ouvindo,
enquanto outros autistas necessitam desses materiais. No caso em que
recursos diversificados forem necessários, não cobre nas avaliações
nada além do que foi oferecido nos materiais disponibilizados, pois, a
depender de cada caso, pode ser o único meio de aquisição de
informações do aluno. Além disso, muitas vezes, estudantes autistas não
conseguem acompanhar integralmente todo o conteúdo o que foi dado
em sala, mesmo que estejam presentes, devido ao comprometimento de
suas funções executivas. A critério do professor, recomenda-se
possibilitar que o estudante fotografe a lousa e/ou grave a aula, para
que possa revisar posteriormente.

O que é
Atendimento Educacional Especializado
(AEE) representa um componente da

AEE?
Educação Especial que reconhece, de-
senvolve e providencia materiais educa-
tivos e meios de mediação que superem
os obstáculos de ordem física, mental e
de comunicação, promovendo a inclus-
ão total dos alunos, levando em conta COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 17
suas necessidades específicas.
MEDIDAS
avaliativas
Escreva enunciados curtos, diretos e de fácil interpretação.

Simplifique a linguagem* Forneça esclarecimentos* Seja sintético*

Evite o uso de linguagem Forneça, com paciência, Escreva enunciados curtos, com
figurativa, metafórica, genérica, esclarecimentos de enunciados informações facilmente
confusa e/ou ambígua. Se durante avaliações, quando localizáveis. Prefira testes de
possível, forneça ilustrações solicitados. Não é preciso dar a múltipla escolha, de preencher
complementares. Não coloque resposta, mas é necessário tirar lacunas ou abertas. Evite
pegadinhas. dúvidas de interpretação. questões de V ou F.

Forneça tempo adicional de prova* Distribua atividades no tempo*

Essa pode ser uma necessidade do Evite o acúmulo de muitas


estudante autista. Portanto, não provas e trabalhos na
elabore uma avaliação maior ou mais mesma semana. Pergunte
difícil que a dos outros alunos. Garanta ao estudante qual a
condições de equidade. quantidade ideal.

Não imponha a interação social como método de avaliação. Combine com o estudante métodos diversificados.

Flexibilize trabalhos em grupo* Flexibilize apresentações e perguntas orais*

Dê opções diversificadas, conforme a preferência do estudante, Possibilite a apresentação em formato de


como: grupos menores (duplas, trios); grupos diretamente roda de conversa ou exibição de vídeo
acompanhados pelo professor (por exemplo, participe do previamente gravado pelo estudante, entre
grupo de WhatsApp); ou trabalho individual, com menos outras medidas, de acordo com a preferência
tópicos, para não sobrecarregar o aluno autista. Se necessário, do aluno. Possibilite respostas escritas, se
ajude o estudante a encontrar colegas para compor o grupo. for da preferência do estudante.

*Direitos previstos nas leis n°. 13.146/2015, nº. 10.098/2000 e nº. 9.394/1996.

Acesse o Programa de Inclusão completo em: linktr.ee/coletivoautistaufmg COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 18


DÚVIDAS COMUNS Escrito por MARIANA MOREIRA

Abaixo, seguem respostas às dúvidas Sou obrigado a implementar as


mais recorrentes por parte de professores medidas solicitadas pelo Plano de AEE
em relação a estudantes autistas. e pelo NAI?
Sim. O Plano de AEE é elaborado por
Posso comentar sobre o diagnóstico equipe multidisciplinar e é direito do
do estudante para o restante da turma? estudante autista (vide páginas 9 e 10). Já
Não, somente se o estudante solicitar. o NAI consiste no órgão da Reitoria da
UFMG responsável por analisar e
Posso exigir acesso ao laudo de
determinar as medidas necessárias para
autismo do estudante?
promover a acessibilidade e a inclusão
Não, apenas o NAI possui autorização
das pessoas com deficiência e com
para isso.
neurodivergências da Universidade.

Um aluno me questionou por que o


Sou obrigado a implementar as
estudante autista tem acesso a
medidas solicitadas individualmente
medidas que os demais não possuem.
pelo estudante autista?
Como explicar a situação para o
Nesse caso, converse com o estudante
restante da turma, sem gerar exposição
autista para entender o motivo e a
ao estudante autista?
justificativa das demandas apresentadas.
O ideal é explicar que alguns colegas têm
Se necessário, solicite a mediação do NAI
direitos educacionais específicos, previs-
(nai@ufmg.br).
tos por lei, para promover inclusão e
acessibilidade. Tenha cuidado para não
Caso o estudante autista tenha uma
expor o diagnóstico do estudante, caso
crise sensorial na sala de aula, o que
ele não tenha autorizado.
devo fazer?
Como eu ficarei sabendo quais são as Em primeiro lugar, procure não fazer
demandas do estudante autista? contato visual direto, nem tocar no
Por meio das comunicações do NAI, do estudante. Pergunte-o se precisa de ajuda
apoio pedagógico e/ou do próprio estu- e se deseja sair da sala para se acalmar.
dante. O plano de AEE (vide página 17) é Em casos mais graves, contate o DAST
um importante instrumento de espe- para solicitar transporte para as acomo-
cificação das demandas do aluno. Caso o dações de saúde da UFMG.
estudante não o possua, solicite-o para o Campus Pampulha: 3409-4499 / 3409-
NAI pelo e-mail nai@ufmg.br. 4315.
Campi do Centro: 3307-9564.
Me senti desrespeitado pelo estudante
autista. Como devo proceder? Caso a sala de aula apresente excesso de
Solicite a mediação do NAI ou do apoio estímulos sensoriais, como ventilador
pedagógico da Unidade. barulhento ou luzes piscando, solicite uma
Fotogra

solução para o setor de manutenção da


Os estudantes autistas sempre me Unidade (telefone em ufmg.br/catalogo).
fia: Ste

comunicarão quando algo lhes


fano O

incomodar? O que devo fazer caso presencie


Não. Alguns estudantes podem se sentir
ppo de

situações de preconceito e/ou de


envergonhados ou constrangidos em bullying contra o estudante autista?
Corele

solicitar demandas. Por isso, é importante Denuncie imediatamente para a Ouvidoria


ns / Ca

perguntá-los periodicamente, em particu- da UFMG (ouvidoria@ufmg.br / 31 3409-


lar, se estão com alguma dificuldade e se 6466). Além disso, informe o NAI sobre o
nva

necessitam de alguma medida específica. ocorrido (nai@ufmg.br). ◆


19
PARA ALÉM DO AUTISMO
Explorando interseccionalidades, comorbidades e subjetividades

Escrito por MARIANA MOREIRA

Fotografia: Wayhome Studio - bit.ly/3EcZ2Kx - Adobe Stock


Ao abordarmos o processo de inclusão médicas ou psicológicas que podem
pedagógica de estudantes autistas, é coexistir com o autismo. Por exemplo, é
fundamental compreender que a diferen- comum que estudantes autistas também
ça de experiências e de características apresentem ansiedade, depressão,
individuais ultrapassa os limites do es- TDAH, fobia social e outras questões de
pectro do autismo. saúde mental. A compreensão dessas
comorbidades é essencial para propor-
Ao nos limitarmos apenas às carac- cionar um suporte eficaz e abrangente
terísticas do autismo, corremos o risco aos autistas, permitindo que eles tenham
de negligenciar as complexidades das acesso a recursos e estratégias que
subjetividades do estudante autista e de atendam às suas necessidades.
subestimar as influências que outros
fatores podem ter em suas experiências Além disso, no processo de ensino-
educacionais. aprendizagem, é de suma importância
reconhecer e valorizar as potencialida-
Em primeiro lugar, a interseccionalidade des e subjetividades únicas dos estu- ensino que respeitem suas necessida-
desempenha um papel crucial nesse dantes autistas. Cada indivíduo traz des individuais, de maneira a promover
contexto. Denominam-se fatores inter- consigo um conjunto diverso de habilida- uma aprendizagem mais eficaz, autên-
seccionais a interação entre dois ou mais des, talentos e perspectivas que podem tica e inclusiva para todos.
determinantes sociais que colocam uma enriquecer o ambiente educacional de
pessoa em situação de vulnerabilidade, maneira significativa. Ao considerarmos Portanto, ao trabalhar para promover a
principalmente, nas dimensões de essas potencialidades, podemos cultivar inclusão pedagógica de estudantes au-
gênero, etnia, classe social, orientação um espaço onde os estudantes autistas tistas, é crucial adotar uma abordagem
sexual e deficiência. Nesse sentido, uma possam não apenas superar desafios, holística que leve em consideração a
estudante mulher, negra, de baixa renda, mas também se destacar em áreas que interseccionalidade de suas identidades
lésbica e autista deve ser respeitada em refletem seus interesses e forças e possíveis comorbidades. Ao reconhe-
sua integralidade de características intrínsecas. Além disso, ao compreender cer e valorizar a complexidade das
identitárias. suas subjetividades como suas formas experiências individuais e subjetivas,
particulares de processar informações e estaremos construindo um ambiente
Adicionalmente, é importante reconhecer interagir com o mundo, estamos capaci- educacional mais acolhedor, empático e
as comorbidades, que são condições tados a personalizar abordagens de verdadeiramente inclusivo. ◆

,
Pessoa autista pessoa com autismo ou Asperger?
A terminologia "pessoa autista" é defendida pelo movimento da neurodiversidade, pois reconhece que o autismo é uma parte integral
da identidade da pessoa. Já a expressão "pessoa com autismo" deve ser evitada, pois enfatiza a separação entre a pessoa e o
autismo, passando uma falsa ideia de que o autismo é algo que a pessoa tem e pode deixar de ter, em vez de ser uma parte
inseparável de quem ela é.

O termo "Síndrome de Asperger" é desencorajado devido a controvérsias em relação às associações do médico Hans Asperger com o
nazismo. Além disso, atualmente, prevalece a unificação diagnóstica de todos os subtipos de autismo. Portanto, a antiga terminologia
"Síndrome de Asperger" não é mais usada, pois, hoje em dia, todas as condições autísticas são referidas como "espectro autista".

Dessa forma, deve-se preferir o termo "pessoa autista", a fim de desvincular o autismo de uma conotação negativa, de maneira a
evidenciar a aceitação da neurodiversidade.

COLETIVO AUTISTA - CA-UFMG 20


Aprenda mais sobre inclusão pedagógica de autistas em:

O livro de Valdirene
Armenara, Denise Stringhini
e Maria Kunkel apresenta

Manual P A R A O conceitos sobre o TEA em


uma linguagem de fácil
entendimento, convidando o
PROFESSOR DE professor a uma reflexão
ENSINO SUPERIOR sobre as potencialidades do
estudante a até a conclusão
do curso superior.

O livro de Sílvia Orrú propõe os


eixos de interesse como
estratégias de aprendizagem

Aprendizes para estudantes autistas. Para


isso, apresenta casos reais de
COM AUTISMO pessoas autistas que se
destacaram em seus
respectivos hiperfocos.

Artigos
O Coletivo Autista da UFMG
selecionou vários artigos sobre
inclusão pedagógica,
disponíveis em:
DIVERSOS bit.ly/materiais-autismo

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