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EDITORA AUTORES ASSOCIADOS LTDA. inant vive ei oc rasa ‘Av. Albino J.B. de Oliveira, 91 Bardo Gera | CEP 1308008 | Campinas-SP ‘Teefone: 35) (19) 3249-2800 | Fae (35 (9) 3249-280) E-mail eitoraautoresssocadescom be Catalogo online: worcautoressacadas.comabr Conse Fitoral "Prof, Casemivo des Reis iho Demande &. Gat Carlos Rober Jail Cury Dermcval Savin Gilbera de M.Janmazsh ‘Maria Aporcia Motta Waller Garcis Ditetor Exccutvo livo Baldy dos Reis Goordenadara Editorial rca Boiss Revisin adeigo Nascimento “line argues Diagramaglo e Composiao aso oper Projeto Geico, Design CapaeArte-inal Drie Boman Rodrigo Necmento Imagem Capa Biclo (© wrap con lnmpressto e Aasamento Gries ye swwvabsiong be shireutdeorgbe ddenunciea copia egal 0 mée Lidia Maria Rodrigo Colecao Formacdo de Professores AUTORES ASSOCIADOS Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Rodrigo, Lidia Maria Filosofia em sala de aula: teoria e pritica para o ensino médio / Lidia Maria Rodrigo.— Campinas, SP: Autores Associados, 2009. (Colegio formagio de professores) Bibliogratia ISBN 978-85-7496-220-7 1. Filosofia (Ensino médio) L. Titulo I Série 09-0108 Indice para catilogo sistematico: losofia : Ensino médio 107.12 ‘Copyright © 2009 by Editora Autores Associados LTDA. Depéisito legal na Biblioteca Nacional conforme Lain. 10.994, de 14 de ddezenibro de 2004, que revogou o Decreto-lein. 1.825, de 20 de derem- bro de 1907, [Nenhuina parte da publicagto poderd ser reproduzida ox transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, sejaeletrOnico, mecinico, de fotocspia, de gravacio, ou outros, sem prévia autorizasio por escrito da Falitora, © Céigo Penal brasileira deteemina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade intelectual Violagio de direito autoral Att 184, Volar dreito autoral Pena ~detengio de trés meses @ um ano, ou mula 1 Se a violagzo consitir na reprodugao, por qualquer meio, de ‘obra intelectual, no todo ou em parte para fins de comérco, sem aautorizagio expressa da autor ou de quem o represente, ou consistir ne reprodugio de fonograms e videograms, sem autorizagio do prochitor ou de qnem o represente: Pena ~reclusao de um a quatro anos ¢ multa” Para Luana, ‘pelo muito que me tem dado desde que nasceu. Sumario PREFACIO satires eh Para enfrentar os desafios de ensinar filosofia na educagao ‘média brasileira Silvio Gallo INTRODUGAQ .. D> PRIMEIRA PARTE: TEORIA. CAPITULO I: A diditica da filosofia na escola de massa 7 1, Um novo estatuto disciplinar ..2...2.20+6 7 2. A filosofia eo homem comum wussecvenm wenn dt 2.1. Relagdo com o senso comum. 2 Filosofia e democracia ......2+2+00+04 7 3, Possibilidades e limites da filosofia numa escola de masse 20 4, Sentido e objetivos da filosofia no nivel médio m4 5 A necessidade de uma diddtica especifica.........600sc0ee010-28 CAPITULO Il: Forma e conteiido do ensino: como eo que ensinar .35 1. Primeizo obsticulo: a motivagao do akin 35 2. Aquestio dos conteridos programaticos. sieve acca er Sl 24 Abordagem sistemitiea, 2 histérica iW 22. Abordage 2.3. Ensinar filosofia ou ensinar a filosofar: um falso dilema...... 47 24. Hist6ria da filosof 1 0 passado reposto a partir das indagagbes no presente 50 25. Organizagio dos contetidos programéticos : 52 3. Aspectos formais da aprendizagem filosofica........ 55 3.1. Problematizar para assumir uma postura filoséfica. 56 32. Conceituar para saber do que se fala 59 3.3. Argumentar para saber se 0 que se diz éverdadeito ......-.. 63 CAPITULO Itt: Aspects idatico-pedagogicos da docéncia iloséica.. 67 1, Especificidade do trabalho docente “7 2, Procedimentos de ensino anes 2.1 Aaulaexpositiva ......essessesssseeesserseeee rtm 22. Aleitura de textos filoséfic 3. Recursos bibliogrificas:o texto filoséfico e 0 texto didético.....90 4. Algumas consideragdes sobre avaliagio )> SEGUNDA PARTE: PRATICA PETULO IV: Planejamento das atividades: a unidade didtica Unidade Diditica | - Caracterizagao da flosofia Unidade Didética 2 - © sentido da linguagem .... ‘Unidade Diditica 3 - Linguagem e pensamento, Unidade Diditica 4 -O conhecimento cientifico....... ‘Unidade Didatica 5 - Da divida a certera 0 racionalismo de Descartes. Unidade Diditica 6 0 empirismo clssico Unidade Didética 7-© Hluminismo. Unidade Diditica 8 -Btica e politica .. Unidade Dial . Unidade Diditica 10 - A tdeologia na perspectiva marxista Unidade Didatica 11 - O tema da iberdade sob dois pontos de vista... BIBLIOGRAFIA 269 SOBRE A AUTORA..... cs ornrcen eae 2279 9- Locke eo liberalismo clissico . Prefacio Para enfrentar os desafios de ensinar filosofia na educagao média brasileira Os professores de filosofia vivem atualmente, no Brasil, uma situacdo bastante desafiadora. Apis décadas de debate, de manifes- tages, de congressos académicos e de lutas parlamentares, hoje a legislagio define a filosofia ~ bem como a sociologia - como disci plina obrigatéria nos curriculos do ensino médio. [Nao foi facil chegar a esta situacio: apés a retirada da disciplina dos curriculos com reforma tecnicista de 1971, os departamentos de filosofia das universidades brasileiras empreenderam um movimento de critica de sua retirada e de defesa de seu retorno. Esse movimen- to teve um éxito parcial quando, em meados dos anos de 1980, foi aprovada a inclusio da disciplina filosofia como opcional, na parte diversificada do curriculo. Os ecos desse movimento fizeram-se presentes nos debates para a construgo da Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional (LDB), apés a promulgacéo da Constituigao de 1988, ¢ o projeto aprovado na Camara previa filosofia e socio- logia como disciplinas obrigatérias. O Substitutive Darci Ribeiro, porém, que seria aprovado como lei n. 9.394/96, em seu espirito flexibilizador ¢ “minimalista’, optou por afirmar conhecimentos de filosofia e sociologia como obrigatérios, mas sem definir seu cariter disciplinar. © Ministério da Educagio, durante a gestdo de X 1 om mania RooRGO Paulo Renato de Souza, claramente optou por seu ensino na forma de “temas transversais" € ndo como disciplina, tanto que orientou o veto do presidente Fernando Henrique Cardoso ao projeto de lei de autoria do deputado padre Roque Zimmermann, que alterava © texto da LDB definindo filosofia e sociologia como disciplinas obrigatérias. Com o final do Governo FHC, as articulagdes foram retomadas. Novo projeto de lei tramitou pelo Congresso Nacional ¢, apés aprovacio nas duas casas, foi sancionado pelo presidente da Repaiblica em 2008. Mas, mesmo hoje, a situacio esté longe de ter deixado de ser polémica, Nao sio poucos os professores universitirios de filosofia que so contrarios ao seu ensino na educagio média, por diferentes, razbes, que nao me cabe retomar aqui, Mesmo dentre aqueles que nos anos de 1980 estiveram na linha de frente do movimento pelo retorno da disciplina aos curriculos, alguns hoje afirmam que a aprovagao chegou tarde demais. A escola média brasileira ~ especial- mente a publica ~ estaria de tal maneira “sucateada” que ja nao faria qualquer sentido a presen¢a da filosofia coma disciplina obrigatéria Some-se a isto 0 fato de que, embora tenhamos cursos de graduagao em filosofia em praticamente todas as unidades da federagao (em- bora com expressiva concentragio no sudeste ~ especialmente Sio Paulo ~ e no Sul ~ especialmente Rio Grande do Sul) € que, em sua ‘maioria, esses cursos oferecem a licenciatura, 0 descompromisso coma forma¢ao do professor de filosofia é gritante, salvo honrosas exceges muito localizadas. O resultado de todo esse processo e essa histéria é que entre nds se desenvalven mnito poten 6 campa de estndas ¢ pesquisas em torno de uma diditica da filosofia. A diferenga de paises como Franga, Itélia, Portugal, Uruguai e Argentina, por exemplo, no Brasil temos pouuissima pesquisa, produgdo quase nula ennenhuma tradigdo nes- ‘se campo. A formagao do professor de filosofia, quando se da, acon- tece por esforgo e mérito de professores universitérios de disciplinas como “metodologia do ensino de filosofia” e/ou “pratica de ensino FLOSORAEM SAADEAA | Xt em filosofia/estagio supervisionado’ isolados nas instituigdes em que atuam. Ou ento acabam ficando a cargo do préprio licenciando que, quando se vé em sala de aula, age intuitivamente, tendendo a buscar como modelos a serem imitados e modelos a serem recusados seus proprios professores, sua prdpria experiéncia de ensino université- rio, O problema é que o ensino da filosofia na educagao média tem suas especificidades endo pode ser simplesmente a transposigio do lificado e/ou diminuido. O desafio do professor de filosofia no Brasil hoje, assim, consiste em inventar uma pritica de modo que o aprendizado de filosofia faga sentido para os jovens estudantes. S6 assim a inclusio da disciplina nos curriculos podera efetivar-se e consolidar-se. Ao contrat periéncias desastrosas neste momento podem levar, em médio prazo, uma nova retirada dos curriculos, desta vez justificada pelo fato de a disciplina nao ter conseguido mostrar a que veio. No contexto desse imenso desafio, o presente livro deve ser sau- dado como a inauguragao de um novo momento. Filasofia emt sala de aula: teoria e pritica para o ensino médio, de Lidia Maria Rodrigo, 0 primeiro livro de diditica da filosofia produzido entre nés em muitas décadas, Veja bem, leitor: nao se trata de um livro didatico de filosofia (temos j varios disponiveis em nosso vasto mercado editorial), mas um livro de didatica da filosofia, destinado aos pro- fessores de filosofia, atuais ou futuros. Com sua extensa experiéncia de professora de filosofia, que atuou na Pontificia Universidade Catélica de Campinas (PUC- Campinas), na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), na Universidade Federal de Uberlandia (UFU) e na Universidade Estadual de Campinas (UNtcaMp), onde tem se dedicado, dentre ‘outras,& disciplina Didatica Especial para o Ensino da Filosofia, Lidia Maria Rodrigo debrugou-se sobre os problemas tebricos e priticos do ensino da filosofia, buscando referéncias no Brasil eno exterior, ¢ oferece-nos um livro claro, atualizado, criativo e completo. E um livro por meio do qual o professor de filosofia em exercicio e o estudante ex: 2 | uDiA Maia ROORCO licenciando em filosofia encontrarao importantes ferramentas para enfrentar este desafio que € 0 de ensinar filosofia na escola média brasileira de nossos dias. A autora parte da constatagao de que a educagio média brasileira, hoje, especialmente a piblica, é uma escola de massas, resultante de um processo de democratizagao. E toma partido pela possibilidade de ensinar-se filosofia para esse ptiblico, para além de qualquer eli- tismo, Assume que nao é uma tarefa facil, mas é tarefa necesséria, inclusive para a consolidagao da democracia em nosso pais. Assim, a diferenca de uma ou outra obra de didatica da filosofia produzida no exterior e traduzida para o portugués, este livro tem seu foco na escola puiblica brasileira de hoje, com 0 alunado que é seu piblico. Pensa a didatica da filosofia de maneira imanente a realidade brasi leira, & nossa escola ¢ a0 nosso estudante. A primeira parte do livro apresenta algo que poderfamos denomi- nar uma “didatica te6rica da filosofia’: Chama o leitora pensar sobre o significado e as possibilidades de ensinar-se filosofia nessa escola de massas; sobre o que ensinar (as diferentes abordagens, como a historica e a sistematica, a organizagao dos contetidos programs- ticos em filosofia); sobre como ensinar (a motivagao dos alunos ‘05 aspectos formais da aprendizagem filos6fica: problematizagio, conceituagao, argumentagao); sobre os procedimentos de ensino (a aula expositiva, o trabalho com textos filoséficos e textos didaticos, a avaliagdo em filosofia). A segunda parte do livro, mais extensa, esté dedicada & produ- cao de uma “didatica pritica da filosofia’. Apresenta 0 conceito de “unidade didatica’, conjunto de atividades de ensino articuladas em torno de certos abjetivos, com duracao de cinco a dez horas-aula, € oferece ao leitor um conjunto de onze unidades didaticas sobre temas variados da filosofia, como “Etica e Politica’, “Linguagem e pensamento’, “O conhecimento cientifico’, “A ideologia na pers- pectiva marxista’, por exemplo, Cada unidade didatica ¢ farta em ferramentas para o trabalho do professor em sua preparagao e para FLOSORAEMSALACE ALLA 1 XI atuar em sala de aula, presenta um quadro sinético com duragio, objetivos, contetido, atividades recursos didaticos. Introduzo tema, propondo atividades para sensibilizar os estudantes, problematiza 0 tema por meio de textos filos6ficos e outros recursos, propde a anélise de um texto filoséfico, bem como exercicios de compreensio ‘sua contextualizagao, finalizando com sugestdes de possibilidades de avaliar o trabalho desenvolvido. Em suma, esta obra, por ora tinica entre nés, oferece aos profes- sores possibilidades concretas para o trabalho em sala de aula, mas também 0s chama a refletir sobre seu proprio trabalho e os convida acriar suas prdprias unidades didaticas, compondo seu programa de trabalho na disciplina filosofia. A diferenga, por exemplo, do material 4e trabalho hoje (em 2008) produzido pela Secretaria de Educagéo do Estado de Sao Paulo, nao “engessa” o trabalho do professor, impondo ‘uma linha tinica e uma sistematica de trabalho. Ao contrario, abre ag professor horizontes de possibilidades. “Tendo sido aluno da professora Lidia em meu curso de graduagio em filosofia e tendo a honra de hoje ser seu colega no Departamento de Filosofia e Historia da Educagao da Untcame, para mim é fonte de satisfagio e orgulho convidar o leitor a percorrer as paginas deste livro e a p6-lo em pratica em suas aulas. Silvio Gallo Faculdade de Educagao da Unicame Introdugao No dia 2 de julho de 2008, o presidente da Repiblica em exerci- cio, José Alencar, sancionou a lei que torna obrigatério o ensino de filosofia e sociologia nas escolas pliblicas e privadas de nivel médio. Trinta anos apés ser eliminada desse nivel de ensino, a filosofia retorna a ele como disciplina obrigatéria em Ambito nacional, com lugar garantido por forga delei, Sua reinserg4o no curriculo de nivel médio jé vinha se processando desde 1980, mas em carter mi precario ¢ instavel, na medida em que ficava na dependéncia de recomendagio das Secretarias Estaduais de Educagao e da opgio dos diretores de escola. . A situacio com que a filosofia se defronta no atual ensino mé- dio, porém, é inteiramente distinta da de anteriormente ~ em que usufruiu de uma presenga plena, na escola secundaria anterior & reforma do ensino de 1971. Até meados dos anos de 1970, a filosofia era ministrada em uma escola secundiéria elitizada. Nessas tres dé- cadas em que esteve total ou parcialmente ausente, o ensino médio ppassou pur uin processo de massificagio crescente, incorporando estratos sociais menos privilegiados, que antes nfo tinham acesso a cle, uma clientela muito diversa da anterior: em sua maior parte encontra-se em escolas puiblicas com preciria qualidade de ensino, sendo portadora de graves deficiéncias educativas, tanto do ponto de vista linguistico como em relagfo a referencias culturais de caréter mais amplo. 21 voamas sconce ‘Trata-se de uma situagao inteiramente inusitada, porque, tradicio- nalmente, o saber filos6fico pertence as formas eruditas de cultura, tum saber refinado, exigente do ponto de vista te6rico, elaborado de forma complexa, e que, portanto, em principio, nao esté ao alcance de todos, mas apenas dos sibios, especialistas ou iniciados na rea Confrontados com o desafio de uma divulgagéo massiva, os profissionais da filosofia se veem as voltas com uma situagdo tensa ce ambigua pela dupla face que apresenta esse desafio, A difusio do saber filoséfico para um piblico mais amplo do que © grupo restrito dos especialistas apresenta-se como uma exigéncia democratica; a democratizagao da cultura tem como pressuposto que esta seja direito de todos e nao privilégio de alguns. Por isso, a inscrigfo da filosofia em um projeto de democratizagao do saber levou o pensador francés Jacques Derrida a proclamar o “direito a filosofia para todos’ Contudo, para que as formas mais elaboradas da cultura sejam acessiveis a todos, ou disseminadas em larga escala, & preciso que sejam traduzidas em versdes simplificadas. Assim, para colocar 0 saber filoséfico ao alcance dos nao-iniciados, ser inevitivel traduzir em termos simples 0 arsenal conceitual e os problemas filoséficos. Eisai o grande ponto de tensao: esse procedimento de simplificagao no produzir4 uma divulgagao sem qualidade, reduzindo a filosofia a umaenciclopédia de banalidades? Como viabilizar para uma massa de estudantes com sérias deficiéncias culturais o acesso a um saber esotérico, tradicionalmente restrito a poucos, dada sua especificidade eas exigéncias que Ihe so inerentes? Como iniciar pessoas comuns um saber reservad Diante de tais questoes, a postura de alguns profissionais da filosofia tem se caracterizado por certa ambiguidade. Por um lado, conservama esperanca iluminista de que a difusio da filosofia possa contribuir para. “saida da menoridade” ou para socializar uma edu- cagio instituida na perspectiva da autonomia intelectual; por outro, revelam certa resistincia A democratizagao do saber filos6fico, com lados? FLOSORA EM SALADEAUA 13 receio de que a filosofia s6 possa ser ensinada na escola ce massa & ccusta de uma inevitivel perda de qualidade. Recusar-se adifuundir a filosofia para um piiblico mais vasto em nome da preservagio da especificidade e manutengdo da qualidade do saber filos6fico exige, por uma questio de coeréncia, que se assuma tuma posigio contriria & inserglo da filosofia no curriculo de nivel médio. Mas esse ponto deixou de ser objeto de discussio, ‘uma vez que estamos diante de um fato consumado; sua divulgagao massiva no mais depende de livre-arbitrio, tendo sido posta por ‘uma situagdo de fato. Este trabalho tem como ponto de partida uma posigio politica em favor de um projeto democritico de acesso.ao saber, com todos 10 riscos que ele implica, e visa apresentar alternativas didaticas que possam viabiliz4-lo no ambito da filosofia. Pretende-se conceber mediagdes que possam tornar acessivel a alunos pouco preparados ‘uma disciplina reconhecidamente dificil, tomando cuidado para nao incorrer na banalizagao ou descaracterizagio do saber filoséfico. ‘Trata-se, entao, de encontrar um ponto de equilbrio reconhecida- mente arriscado e dificil; mas, no ha outra forma de enfrentar a situagio, de fato, em que a filosofia esta mergulhada sem voltar a um elitismo anacronico. As reflexdes e propostas relativas & didatica da filosofia foram delineadas tendo em vista principalmente o perfil do aluno da es- cola piiblica, néo apenas porque estes so os mais numerasos, mas também porque ali se encontram as maiores caréncias educativas ¢ dificuldades de aprendizagem, sendo, portanto, o lugar em que as mediages didaticas se tornam mais necessérias © podem fazer diferenca. Sera preciso conceber estratégias didticas que facilitem a supera- io da distancia existente entre as exigencias tedrico-epistemologicas do saber filoséfico ea formagao educacional de boa parte dos alunos oriundos dos segmentos sociais menos favorecicos, justamente os {que mais precisam de ajuda ou intermediagéo com vistas ao seu apri- 4-1 uo mas Ronee ‘moramento intelectual. Para nao pagar o prego da descaracterizagio da filosofia torna-se imprescindivel adotar procedimentos didticos que sejam especificamente filoséificos. ‘A definicao dos termos capazes de viabilizar um ensino filos6fico de massa exige que se veja por outra dtica as exigéncias inerentes 8 atividade filoséfica; alguns aspectos essenciais e imprescindiveis a0 especialista podem ter pouca importincia ou serem mesmo inviaveis, no caso de um estudo introdutério destinado aos leigos. ‘Trata-se, entio, de mensurar com pesos € medidas diversas o que é importante para o especialista e para o leigo no estudo da filosofia. Como o ensino médio nao tem a pretensio de formar filésofos, niio faz sentido instaurar ai as exigéncias inerentes ao trabalho do especialista, descabidas nesse nivel de ensino. Esta obra divide-se em duas partes: uma tedrica e outra pratica, Na primeira, o capitulo inicial enfoca o sentido eo caréter problematico da filosofia em uma escola de massa, tragando seus objetivos, seus limites, ¢justficandoa necessidade de uma didética especifica para o nivel médio, O segundo capitulo examina quest6es inerentes ao en: no de filosofia, tanto do ponto de vista dos contetidos programaticos, como em relagio aos aspects formais da aprendizagem filos6fica, O terceiro capitulo debruca-se sobre a dimensio didético-pedagogica da docéncia flos6fica:a peculiaridade do trabalho docente, os proce~ dimentos proprios do ensino de filosofia e os recursos bibliogréficos disponiveis. ‘A segunda parte, por sua vez, visa apontar alternativas que per- :itam colocar em pritica as concepedes pedagégicas formuladas na primeira parte. A formulagao de unidades didaticas, compostas por ‘um conjunto de contetidos, atividades e material bibliogrifico em relagioa determinado tema, pretende funcionar tanto como sugestio de trabalho em termos de aulas estruturadas, como servir de estimulo para que cada professor elabore suas préprias unidades didéticas, | TEORIA Capitulo T A didatica da filosofia, na escola de massa, 1 - Um novo estatuto disciplinar ensino de filosofia na escola secundéria existe no Brasil desde o)periodo colonial, embora sempre com grande dificuldade pas conquistar um lugar estavel no curriculo escolar. Seu sentido e suas _fungdes também oscilaram muito ao longo desses quinhentos anos de historia, ao sabor das diferentes orientagdes que foram sendo conferidas a esse nivel de ensino. ‘Ainda que isso nao sirva de consolo, parece que essa situagdo nao € exclusividade nacional; referindo-se a0 enquadramento escolar 181 woman RoORGO ¢ institucional da filosofia, o professor portugués Manuel Maria Carrilho faz uma constatagao semelhante: E que, se hi disciptna cuj estatutotenha variado no conjunto dos curiculaescolars, surgindo ora pletric e dominante em rlagio as outras dlsciplinas, ora encurralado eem quasedesaparecimento, esa dsciplina & afilosofia.E poucas dsciplnas trio também suscitad tantas discussbese debates sobre o seu nivel de insergio,0 seu tempo deleccionago escola sobretudo,o seus contetdos¢ objctivos [CaRnt.o, 1987, p. 25} Para permanecer na nossa histéria mais recente, sao bem conhe- cidos os reveses que sofreu a insergio institucional da filosofia em consequéncia da reforma do ensino de 1° e 2» graus promovida pela lei n, 5.692 de 1971. Nessa reforma, que deixava de lado as huma- nidades para priorizar disciplinas que propiciassem uma formagao técnico-profissionalizante, a filosofia foi incluida no rol das disciplinas optativas, o que levou a sua progressiva extingio. Para avaliar a que ponto sua presenga no curriculo se tornou precétia, basta considerar ‘0s dados apresentados pela professora Marilena Chaui em uma comu- nicagdo feita na 29% Reunifo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cigncia (SBPC) em 1977: de um total de 250 colégios de Sto Paulo, apenas 17 mantiveram a filosofia. A situagao atingiu seu ponto mais, exitico em 1978, quando foi pura e simplesmente eliminada do ensino secundatio, Os esforgos coletivos de estudantes, professores ¢ varias entidades ligadas 8 filosofia, que se uniram em um movimento pela sua volta, mostraram alguns resultados em 1980, quando a disciplina ‘comecou.a ser reintroduzida no secundario, mas pontualmente ~ uma ‘vez que isso ocorreu por iniciativa das Secretarias Estaduais - e em carater precario, quer dizer, como disciplina optativa. No perfodo em que a filosofia esteve parcial ou completamente ausente, o ensino secundério sofreu grandes mudangas em relagio 20 periodo anterior. Coincidindo com a Reforma de 1971, assistiu-se ‘a.um crescente processo de massificacio, pelo qual o ensino médio ALOSORAEM SA DEAINA 1 9 ampliou significativamente seu raio de ago, passando a receber estratos sociais menos privilegiados que antes nao tinham acesso a ele!, Essa expansio quantitativa fot acompanhada de um rebaixa- mento na qualidade de ensino, talvez sem precedentes na historia educacional do pais. Na época, muitos atribuiram a queda da qualidade ao ingresso das classes populares, como se houvesse inevitavel contradigio entre quantidade e qualidade e o prego a pagar pela expansio quantitativa fosse 0 rebaixamento da qualidade de ensino. Até hoje, muitos pro- fessores lamentam a qualidade perdida pelo nosso sistema pitblico de ensino e sonham recuperi-la. Esse saudosismo é inttil, porque aquela qualidade era inerente a uma escola elitista que nio existe mais. Hoje o que existe é outra escola e qualquer melhoria de sua qualidade deve ser pensada com base nessa nova realidade, consti- tuida por uma massa de estudantes com um perfil bem distinto do anterior. O primeiro passo é justamente colocar em questio o pres- suposto subjacente & tese da relagao contraditéria entre quantidade e qualidade: 0 ensino tem de ser necessariamente inferior para que fique ao alcance de todos? ‘Assumir uma postura politica comprometida com um projeto de democratizagao do acesso ao saber, mais que responder negati- ‘vamente & indagacao posta anteriormente, implica criar condigbes pedagdgicas capazes de viabilizar, dentro de limites inevitaveis, uma educagio de qualidade para todos. E certo que a propalada democratizagio do acesso A escola secun- daria teve um caréter muito mais limitado que gostariam de admitir seus propagandistas; no se pode, contudo, negara realidade do pro- cé5s0 de massificagdo. Mesmo que a educagio universal permanega ‘um ideal ainda distante, a massificago do ensino médio tornou-se 1, Segundo dados do Instituto de Pesquise Econdmica Aplicada (rn) as maiores, taxa decrescimento das matriculas no ensino médio foram registradasa longo dda segunda metade de década de 1990 (Brast, 2007). 10 | ua Maran RODRIGO ‘um fato a partir das tltimas décadas do século passado, quando es tratos sociais menos privilegiados passaram a ter acesso a esse nivel de escolarizagao, Uma clientela com caracteristicas diferentes da an- terior, com grandes deficiéncias do ponto de vista da cultura erudita, ingressava em uma instituigdo escolar que agora revelava com clareza sta face elitista, uma vez. que fora concebida visando a formagio de jovens oriundos de camadas sociais médias e superiores. Essas mudangas tiveram lugar dentro do contexto do surgimento de uma cultura de massa, caracterizada pelo significative desenvol- ‘vimento do processo de difuséo cultural em relagao a outras épocas histéricas. Os meios de comunicagao tornaram possivel uma maior aproximacio entre as classes populares ¢ alguns aspectos da cultura cerudita, ainda que por intermédio de formas simplificadas, exigindo ‘que se repensasse a relacio entre 0 homem comum e a cultura. A massificagdo da escola secundaria, por sua vez, contribuiu bem ou ‘mal para uma ampliagao da difusio da instrugdo, incorporando setores sociais antes excluidos. Diante da nova realidade posta pela massificagio, 0 ensino filoss- fico generalizado passoua ser visto por muitos como uma exigencia democratica. Jacques Derrida, pensador francés que participou ativamente desse debate na Franca, propds que o ensino de filosofia se processasse tomando como ponto de partida o principio ético do “direito & filosofia para todos”. A filosofia foi, assim, colocada na situagio inédita de ver-se as voltas com um ensino de massa. Na Antiguidade existiram numerosas escolas, mas estas recebiam um ‘mimero pequeno de alunos seletos, que muitas vezeseram discipulos de um inico mestre, 2, Du doit ta philosophie fo de inicio titulo de um seminso de que participou Derrida em 1984; 0 mesmo titulo foi mantido para year a obra publicada pelo autor em 1990, Nese lira, Derrida reine virios ensaios alguns trabalhos apresentados em eventos cientificos sobre teméticas relacionadas 20 ensino ea Idemtidade da ilosofia, el FLOSORAEN SAA OEALA 1 TL Mesmo na escola secundaria contemporinea, por muito tempo ‘o ensino ficou reservado apenas a uma elite. Até 0 final dos anos de 1960, a filosofia inseria-se no modelo tradicional de escola secundi: ria brasileira sem enfrentar grandes dificuldades para converter-se em saber escolar e definir seu estatuto disciplinar. Tinhaa fungio de contribuir para a formacio de uma cultura geral destinada aos ovens das camadas superiores e médias que se preparavam para ingressar na universidade, E procurava cumprir esse papel desenvolvendo tuma programagio pautada pela simplificagio historica ¢ tedrica do saber filosético, tanto suprimindo alguns temas mais drduos, como reduzindo 0s conteitdos ensinados a alguns elementos essenciais. Quando filosofia comegou a retornar ao ensino médio em 1980, o processo de massificagio jé estava em curso eessa nova conjuntura socioeducacional trouxe desafios diditico-pedagégicos inteiramente novos. A presenga da disciplina filos6fica em um ensino médio mas- sificado levanta a questdo da sua difuséo para além de um publico especializado e, mais que isso, para pessoas que nio possuem as competéncias minimas exigidas pela reflexio filosética, seja do ponto de vista linguistico e légico-conceitual, eja em relagao as referéncias culturais de aspecto mais amplo, Falando da escola secundéria na Franga, Michel Tozzi constata algo semelhante: B uma tarefa dif, e até mesmo uma aposte, querer ensinar 8 massa dos alunos uma disciplina por muito tempo reservada a uma elite escolar, isso numa conjuntura em que a elagio dos alunos com o saber escolar & problemética,saturada por um utltarismo limitado, compelide por uma | situagao economic esoctal degrada (Tazz, 1999, waduso minha. Do ponto de vista didético, o grande desafio reside em saber como ‘ensinar ou tornar acessivel um saber especializado para esse puiblico ‘mais vasto e menos qualificado. Responder a esse desafio nao é tarefa simples, uma vez que implica rever certos aspectos de uma tradigao filoséfica que frequentemente enfatizou a distancia existente entre a filosofia ¢ 0 senso comum. O dilema a ser enfrentado pode ser ade~ 12 1 uDAmass Rone quadamente resumido na indagagao posta por Mario De Pasquale: “Como se propée ao estudante o encontro com a filosofia, contra ditoriamente, uma iniciagdo esotérica, mas de massa?” (PASQUALE, s/d.a, tradugio minha). De fato, como saber especializado, a filosofia tradicionalmente ficou reservada a um nimeto restrito de iniciados que possuiam os requisitos necessérios para compreendé-lae exercité- 1a. Constrangidos a defrontar-se com um ensino filos6fico de massa, 08 professores do nivel médio s6 tertio condigées de responder as «questies especificas e inusitadas que tal situagao Ihes apresenta rede- finindo 0 estatuto disciplinar da filosofia em relagio ao passado, A situago em que afilosofia se vé colocada atualmente ~ a difusio deum saber especializado para um piiblicoleigo - é muito semelhante a0 que se passa com outras disciplinas. Como nota De Pasquale: “A separagiio entre os niveis mais especializados da atividade de pesquisa a fruigéo em massa do conhecimento e das ideias que dela resultam é hoje um abismo dificil de preencher; constitui um dos elementos da tragédia do saber moderno” (idem, tradugao minha). O aspecto central da questo envolve a necessidade de examinar arelagio entrea filosofia eo homem comum, basicamente por duas vertentes: uma epistemol6gica, pela qual se trata de repensar a arti- culagio entre filosofia e senso comum, e outra politica, referente as conexdes entre filosofia e democracia. 2-A filosofia e o homem comum 2.1 - Relago com o senso comum Desde a Antiguidade, a tradigao filoséfica tem enfatizado a des- continuidade entre filosofiae senso comum; € sintomatico que os pro: gramas de filosofia desenvolvidos no ensino médio frequentemente comecem precisamente demarcando as diferengas entre ambos. el FLOSORAEM SAIADE AULA 113 pensamento antigo opunha opiniao (doxa) ¢ ciencia (episteme) A nogio de opiniao, significando um conhecimento ou crenga sem ne~ nnhuma garantia de sua validade, pode ser encontrada em Parménides, ‘queestabelece uma distingao entrea verdade e “as opinides dos mortais, em que nao ha certeza” (Fr. 1). Em seu poema,a verdade aparece como livina, existindo num dominio que lhe é préprio e que néo pode ser alcangado por nenhum dos caminhos comumente seguidos pelos homens. Também Her‘clito critica os que “acreditam nos cantores de ‘rua e seu mestre 6a massa” (Fr. 104) e considera que “as opinides dos homens sio jogos de criancas” (Fr.70). A oposigdo entre doxa e episteme foi consagrada por Platdo, para quem a opinifo, limitando-seao mundo sensivel, reino do devir, constitui o oposto da ciéncia, conhecimento das esséncias imutveis e subsistentes, Dai em diante o desenvolvimento histérico da ilosofia, por diferen- tes formulages, reafirmou iniimeras vezes a distancia entre a filosofia ec ohomem comum, entre o saber filosdfico ¢ 0 senso comum. Mesmo aceitandoa tes aristotélica da existéncia de uma curiosidade natural ou de um desejo de conhecer em todos os homens, éforgoso reconhecer ‘que nao existe uma continuidade infediata entre senso comum ¢ ati- vvidade filoséfica. Mas, entéo, como comprometer-se com um projeto de democratizacio do acesso ao saber que pretende, no ensino médio, promover um encontro entre a filosofia €o senso comum? Por um lado, esse tipo de projeto parece contradizer toda a tradigio ocidental dentro da qual a filosofia se consolidou, como “ruptura com os preconceitos da multidao e a multidao dos precon- cejtes” (Tevr7s, 2001, tradugao minha). Por outro lado, a tentativa de conceber mediagées didaticas que tornem acessivel a alunos pouco preparados uma disciplina reconhecidamente abstrata e dificil nio corre o risco de resultar em uma banalizagao da filosofia? Para co- locar 0 saber filoséfico ao alcance dos nao-iniciados, sera inevitavel traduzir em termos simples o arsenal conceitual ¢ os problemas filos6ficos visando facilitar sua compreensio; esse procedimento de simplificagao nao conduziré fatalmente a uma banalizagio da filoso- 141 uma mas rooRco fia? Responder afirmativamente significaria admitir que 0 processo de simplificagto didtica de algum modo afetaria 0 proprio saber filoséfico, empobrecendo-o, Nao parece ser esse 0 caso. ‘Mondolfo pondera que os bens espirituais da cultura se tornam maiores quando divididos com os outros, como ja afirmava na Antiguidade o filésofo Numénio de Apameta’: ‘Todas as coisas que sio dadas, ao chegar a quem as recebe separam-se do doador, como por exemplo, os ervigas as riquezas,a moeda cunhada « impress sto, pois, coisas mortals e humanas. As divinas sto tais que, comunicadas, nio passam de Ié para ci, ndo se separam;e, 20 contriio, sjudam-no ainda maispela reminiscéncia do que sabia. Ascim é obem belo, ‘a cigncia bela, que beneficiam quem os recebe edelesndo privam quem 05 4 [apud Moxpotro, 1968, p12). ‘Mondolfo (idem) lembra ainda que um eco parcial do pensamen- to expresso pela citago anterior pode ser encontrado no século XIII, quando em carta dirigida aos mestres e discipulos da Universidade de Bolonha, a quem estava doando uma colegio de antigas obras filosoficas, o rei Frederico TI da Sicilia declarou que o oferecimento dessas obras valiosas se inspirava na convicgao de que a posse da ciéncia nao sofie deterioragio nem se vé diminuida ao set comuni cada a outros, mas, ao contrério, reafirma sua duragio perpétua na medida em que é difundida ao piiblico (idem, pp. 265s). E-dlaro que se trata de um contexto diverso daquele que estamos examinando, mas o principio geral permanece valido. Além disso, a cimpl apenas seu ensino ou forma de difusio. A esse respeito De Pasquale formula uma pergunta um tanto embaragosa: icagio didatica nao afota o saber filoséfico enquanto tal, mas Por acaso devemos nos envergonhar de tradusir em termos simples, para quem quer que queira aprender, os grandes problemas floséficos da 3. Neoplatnico da segunda metade do século UL ALOSOFAEM SNA DEAIKA 115 Vids? Devemos por acaso nos envergonhar de oferecer aos nossos alunos 0 arsenal dos flésofos para discui-los e elaborarestratégias de resolugio de ‘modo criativo, livre? [De Pasauate,s/da, tradugdo minha]. Parece que a banalizagdo representa um risco real, quando, por falta de uma compreensio da complexidade de determinado pen- samento, este acaba sendo traduzido em termos simplistas, mas no quando o complexo, uma vez compreendido, é exposto em termos simples por razdes de ordem diditica ‘Ao contraio do que se pensa habitualmente, traduzir em termos simples um saber especializado nao é tarefa fil, $6 quem conhece determinado assunto em toda sua complexidade pode ser capaz de simplifici-lo sem ¢air no simplismo. Mas para este, pode ser extre- ‘mamente desconfortivel, e mesmo bem desagradivel, abandonar 0 plano elevado do conhecimento complexo para descer aos seus termos ‘mais elementares. Recorde-se, por exemplo, o que diz Platio no Livro VII de A Reptiblica sobre a dificuldade do prisioneiro liberto em re- tornar caverna, uma vez tendo contemplado as verdades do mundo inteligivel “Concorda ainda comigo, sem te admirares pelo facto de ‘0s que ascenderam aquele ponto no querem tratar dos assuntos dos homens, antes e esforgarem sempre por mantera sua alma nas alturas” (PLatio, 1993, p. 321), prisioneiro que conseguiu libertar-se deseja- ria permanecer nas alturas, contemplando as coisas divinas, mas Plato © faz voltar para ensinar aos outros que permaneceram na caverna, quer dizer, ao senso comum, a verdade que havia contemplado, Aintengo de situarafilosofia em um patamar em que elase tomne actssivel ao senso comum, ao menos nos seus termos mais simples, exige que se especifique e qualifique as diferentes formas ou niveis de aproximagio com 0 saber filoséfico. O nivel mais elevado e complexo seré, obviamente, aquele dos fildsofos originais. Logo em seguida vem o especialista, pesquisador dos primeiros, que tem competéncia para produzir novos estudos, ‘mas nio possuil um pensamento original propriamente dito, na me- 16 | wow masa R080 dida em que,a rigor, nao inventa conceitos, para empregar os termos de Deleuze. Em um terceiro nivel pode ser situado o estudante de filosofia, aquele que fer a opgio de especializar-se nesse campo do conhecimento, mas que ainda se encontra em proceso de formago e por isso deve ser distinguido do especialista. Finalmente, em um Ultimo nivel, podemos situar o iniciante, aquele que parte de um coeficiente zero de conhecimento filoséfico, mas que nutre algum interesse pela filosofia, mesmo sem a intengao de especializar-se ou fazer dela uma op¢io preferencial, Nesse tiltimo patamar é que deve ser situado 0 aluno do ensino médio. Cada um desses niveis constitui um modo peculiar de exercicio da filosofia, tanto em razio do embasamento ¢ referenciais requeridos, como pelos objetivos que se propée alcancar. Acespecificagio e qualificagio dos diferentes niveis de aproxima- 40 com a filosofia permitem afastar 0 receio que o principio ético proposto por Derrida - 0 “direito 4 filosofia para todos” ~ poderia suscitar. O projeto de difusio do conh da comunidade de iniciados nio significa, em nenhuma hipétese, a intengao de converter em filésofos todos os homens, Essa posigao também ¢ defendida no texto dos Parimetros Curriculares Nacionais (PCN) relativos ao ensino de filosofia: “[..] nem se pode ter a ve- leidade de pretender formar filésofos profissionais e nem se deve banalizar o conhecimento filoséfico. Ambos os equivocos esvaziam o sentido e invalidam a pertinéncia da Filosofia no Ensino Médio” (Brastt, 2005, p. 52). HA diferengas flagrantes entre o nivel de uma pesquisa especia- lizada e o nfvel de fruigéo ou participagao em uma forma cultural. Mesmo em relacao a esta iltima, existem diferentes formas de desfrutar da oportunidade cultural que o saber filos6fico propicia, desde o interesse do piiblico em geral por uma literatura filoséfica paradiditica, até os frequentadores dos cafés filoséficos. Paraa dis- cuss em curso interessa considerar particularmente 0 modo de sua fruic2o no interior dos processos formativos institucionais, isto ento filosdfico para além FLOSORA EM SAAADEAWA 117 é na forma de um saber disciplinar. Nunca ¢ demais reiterar que 0 objetivo desse nivel de ensino nao é formar especialistas na érea, nem trabalhar prioritariamente na perspectiva de uma instrumentaliza- fo teérico-epistemol6gica visando uma futura especializagao, até porque, entre a massa de estudantes do secundétio, a experiéncia tem mostrado que raros sio os que fazem opgio por um curso de _graduagao em filosofia, Esses pontos sio importantes para evitar que se cometa 0 equivoco de instaurar no ensino médio exigéncias que seriam descabidas em relagao ao seu Ambito de atuacio. As distingdes feitas anteriormente autorizam assegurar que as mediagdes didaticas, as quais o professor recorre visando simpli- Aficar o saber filos6fico para torné-lo acessivel a alunos imersos no senso comum, ido corre o risco de promover a banalizagao da filosofia na medida em que, situando-se num patamar introdut6- rio, nao afeta os niveis mais especializados da sua pratica. Ainda assim, tem sido grande a resisténcia dos especialistas em consentir ‘ou simplesmente admitir uma aproximagio entre a filosofia ¢ 0 homem comum, o que conduz a questao da democratizagao do acesso a filosofia ; 2.2 - Filosofia e democracia A relago entre filosofia e democracia tem se caracterizado por certa ambivaléncia em diferentes momentos historicos, a comegar pela Antiguidade grega. Com o desenvolvimento da pélis, no periodo classico, 0 saber mi- ticd perdeu a autoridade e o privilégio de que gozava anteriormente. No periodo arcaico (séc. VIIa VI a.C.) o discurso poético, sendo de inspiragao divina, era considerado verdadeiro sem que tal estatuto dependesse de demonstragio nem pudesse ser submetido a qual- quer tipo de contestagao, Situando-se no universo mitico-religioso, a palavra do poeta gozava de autoridade absoluta, nao podendo ser posta em questo (DETIENN®, s/d., pp. 15-18). 18 1 UDA Marea RoDEIGO No contexto da pels democritica, o poeta perdeu seu cariter sagra- do, em meio ao processo de laicizagao da palavra, quando toda opiniéo ppassou a estar sujeita a discussio, Dentro do novo quadro social ¢ politico que se instaurou na Grécia cssica, as regras do jogo politi- co ~ alivre discussio, o confronto de opinides contrérias ~ acabaram impondo-se também no ambito intelectual (VERNAN'T, 1990, p. 380), configurando-se, assim, um campo de afinidade entre a filosofia e a democracia, Como assinala Michel Tozzi, “E o argumento que se torna autoridade e ndo mais a autoridade que se torna argumento. E é essa espécie de palavra ~ que deve autofundar-se, isto é, conter nela mesma os fundamentos de seus propésitos ~ que vai explicar o liame entre filosofia e democracia” (Tozz1, 2001, tradugo minha). Embora, a exemplo de Tozzi, muitos outros estudiosos enfatizem esse mesmo aspecto, nem 36 de afinidade se nutre a relagao entre filo- sofia e democracia, A ambivaléncia da relagio logo se insinua quando constatamos 0 pouco apreco dos filésofos gregos pela democracia como regime politico. Para ficar nos dois exemplos clissicos, Platdo via nna democracia 0 regime da liberdade desentfreada ou licenga, porque permitea todos fazer 0 que quiserem, enquanto Aristotelesa concebia como forma corrompida da politia ou “governo de muit nda hoje, a relagao entre filosofia e democracia permanece am- bigua, mesmo que seja posta em outros termos. Mario De Pasquale chama a atengio para esse aspecto da questo, ao considerar as difi- cculdades inerentes ao ensino de filosofia em uma escola de massa: Parece-me poder observar entre os filisofos hoje a presenga de uma grandeambivaléncia: par um lado mantém aesperanga luminieta dever na Aifusio da filosofia um meio poderoso para realizar asada da menoridade, 1ndo s6 para grupos restritos de intelectuals, mas para toda a humanidade, ‘ou a0 menos para aquela parte da humanidade que pode usufruir de uma instrugdo de massa; por outro lado, estrutura-se, talver de modo incons- ‘lent, de forma idealizada eracionaizada,a resistencia 4 “democratizagio” «a filosofia[s/d., traduco minha). PLOSORAEMSALADEAMA 119 © Tluminismo, na perspectiva de um Kant ou de um Fichte, en- tre outros, concebia o projeto de educagao global da humanidade na diregao do aperfeigoamento da natureza humana, entendida ‘como razao e liberdade. Esse projeto nao deve ser confundido com ‘qualquer proposta de educagao de massas; este tiltimo é um desafio, tipicamente contemporaneo, com o qual os fildsofos iluministas nio se defrontaram no século XVIII. ‘Ainda assim, nio resta divida de que o ideal iluminista, embo- ra submetido a toda sorte de avaliagio critica, munca fot, a rigor, abandonado. Ao contrario, nos tiltimos tempos tem sido cada vez imais frequente sua recuperagao e atualizagio nos discursos sobre 0 ser da educagio, especialmente no que se refere ao ensino de filosofia. Basta verificar a referéncia que aparece na parte final do texto dos PCN referentes a filosofia: “Infelizmente, a maioridade (no sentido kantiano), pretendida em todo projeto educacional digno desse nome, é, ainda hoje, mais uma direcdo a que se tende do que ‘uma realidade que se constate no dia a dia do trabalho pedagégico [.J” rast, 2005, p. 63). Kant, um dos mais ilustres representantes do pensamento ilu- minista, concebia como menoridade do homem “a incapacidade de’ fazer uso de seu entendimento sem a diregdo de outro individuo” (2005, p. 63). Logo, a maioridade, no sentido kantiano, refere-se & capacidade de pensar por conta propria ou, em outros termos, & conquista de autonomia intelectual, Numa perspectiva de democra- tizagio do acesso ao saber, muitos julgam que o ensino de filosofia no nivel médio pode contribuir, dentro de certos limites, para se ayangar no sentido apontado pelo ideal iluminista, uma saida da menoridade nesta época de massificagdo da instrugio. ‘Mas a tradicao tem seu peso e nao é to simples superar a ambi- guidade da relagdo entre filosofia e democratizacao. ‘Aresisténcia dos fildsofos 8 democratizagao do ensino de filosofia tem sido justificada por meio de varios argumentos, alguns deles go- zando de amplo consenso. Em primeiro lugar, existe 0 receio de que 20 | oi masiag00RGO 2 filosofia s6 possa ser ensinada na escola de massa & custa de uma \nevitavel perda de qualidade e profundidade. A filosofia correria 0 risco de ser reduzida a uma enciclopédia de banalidades, apelando- se para uma divulgagao sem qualidade para que ela pudesse ficar ao alcance de todos. Além disso, dada a especificidade da atividade filos6fica, argumenta-se que esta deveria caber apenas aos grandes mestres do pensamento e aos especialistas competentes; embora 0 grande pablico possa usufruir de uma cultura filoséfica, esse frui- dor jamais teria a possibilidade de fazer a experiéncia do auténtico filosofar. De Pasquale identifica nesta tltima postura a convicgao \ aristocrética e elitista de que a experiéncia profunda e complexa do filosofar é incompativel com o grande nimero (idem, ibidem). Talvex, a resisténcia dos fildsofos & democratizagdo da filosofia indo possa ser imputada com tanta énfase a fatores subjetivos como idealizagées, racionalizagdes ou posturas aristocraticas e elitistas, ‘mas seja também um sintoma de dificuldades reais e bem objetivas. ‘A maior dessas dificuldades refere-se & aporia entre universalidade e esoterismo, apontada pelo proprio De Pasquale: como propor um ensino de massa em relacéo a uma disciplina tradicionalmente esoté- rica, ou reservada a poucos, dada sta especificidade eas dificuldades que lhe sio inerentes? ‘A questi & real e sua resolugio nao depende apenas de mudangas nas posturas subjetivas, mas de uma delimitagao precisa do que se espera do ensino de filosofia numa escola de massa, 8 - Possibilidades e limites da fllosofia numa escola de massa A possibilidade do ensino de filosofia numa escola de massa tem se apresentado como uma questio polémica, Poder-se-ia entrar nessa | discussio brandindo argumentos em sua defesa, mas a questio pra tica da sua viabilidade decide-se menos no Ambito da retérica que na definigio de uma postura politica. Trata-se, portanto, de tomar como ALOSOFAEM SNADEAWA 121 premissa a adesio ao principio politico da democratizagio do saber, em geral, ¢ da filosofia, em particular, e, com base nele, articular um percurso que procuraria viabiliza-lo por meio da construgao de dispositivos facilitadores da aprendizagem para os ndo-iniciados. Eo caso de perguntar-se o que justificaria esse esforgo. Basicamente duas finalidades de carter mais geral: propiciar a todosa oportunidade de desenvolver sua humanidade em termos de um pensamento racio- nal que Ihes permita pensar a relagdo consigo mesmo, com 0 outro e com 0 mundo, de modo que estejam aptos a exercer 0 pensamento na perspectiva de uma cidadania democratica. Nao chegariamos a izer, como Michel ‘Tozzi, que as priticas filoséficas podem conso- lidar a democracia-(Toz21, 2001), 0 que seria uma afirmagao muito idealista, Mas nio hé divida de que o ensino de filosofia contribui, sempre nos limites de sua competéncia, para qualificar positivamente a participagdo na vida democratica na medida em que pode, como ‘mostra o proprio Tozzi em outro texto, desenvolver 0 espirito critico, a capacidade de argumentacio no debate de ideias, “a busca de uma verdade universalizavel, portanto partilhavel, 0 gosto pelo consensq sobre uma base racional e nao passidnal, exercendo ainda uma vigi- lincia frente aos abusos demagégicos da persuasio (tipo publicidade ‘ou propaganda)” (Tozz1 etal, 2001, tradugao minha). (Os desafios postos pelo ensino de massa tornaram necessitio nio apenas romper com certas priticas pedagégicas tradicionais, mas, também aderir a uma nova concepgao de ensino. A nogao deensino perdeu a autonomia e centralidade de que gozava anteriormente. 0 professor tradicional preocupava se, sobretudo, com os conteiidos a serem transmitidos e com a competéncia para ministrar sua “aula magistral, supondo que a aprendizagem seria uma decorréncia natural. Quando os problemas de aprendizagem comegaram a mul- tiplicar-se, especialmente com a escola de massa, a possibilidade de haver contradigao entre a légica de ensino ea ligica da aprendizagem tornou-se flagrante. A pretensa autonomia da nogdo de ensino teve de ser revista, Seo aluno nao aprende, o professor nao pode dizer que 22 | uoWamann noeRIcO ensina, apesar da competéncia de seu discurso “magistral’. Ensino ¢ aprendizagem passaram a ser concebidos como nogdes correlatas: \-s6 existe ensino se alguém aprende. ‘A educagio escolar deixou, enti, de gravitar em tomo da abedoria ddo mestre que ensina, tendo seu ponto referencial mais fundamental nas caréncias do aluno que aprende. Miche! Tozzi e outros pensadores franceses, empregando a expresso celebrizada por Kant, chegam a falar numa revolugio copernicana no campo pedagégico: “Trata.e precisamente de uma revolucio copernicana: fazer 0 ensin- mento girar em torno do aprendiz-filésolo e no em torno do docente, em torno do percurso do aluno € nio do discurso do mestre. Tra | portanto, de colocar-se do ponto de vista de quem aprende a filosofar © rio do ponto de vista de quem jé sabe fazer filosofia [Tozzt etal, sid, tradugio minha}, ‘Ao tomar como ponto de partida o perfil do aluno do atual ensino ‘meédio, especialmente da escola piblica, aquela que acolhe o maior rnimero, o ensino de filosofia forgosamente se vé constrangido a estabelecer limites. Em primeiro lugar, nunca ¢ demais reiterar, a formagao do aluno iniciante deve ser considerada de forma muito diversa daquela do especialista, em todos os aspectos. Entdo, para aqueles que nao sio filésofos nem pretendem uma especializagio na 4irea, que diregao pode ser conferida & aprendizagem da filosofia? Os professores de filosofia frequentemente se queixam de que 0 estudante do nivel médio nao possui as qualificagdes requeridas para aapropriagio dessa forma de saber. De fato, as deficiéncias culturals dos alunos socialmente menos privilegiados sio de tal ordem que, iuitas vezes, eles sequer conseguem ler e compreender textos sim- ples e corriqueiros, que dira textos filos6ficos. Obviamente essas constatagdes trazem implicita uma eritica & propria escola, pois a cla competiria desenvolver as qualificagoes requeridas para o estudo da filosofia. Mas, enfim, seja qual for a FLOSORAEMSALAEALLA 1 23 azo, se o aluuno nao possui es +s requisitos, é preciso, juntamente com 08 contetidos filos6ficos, investir na stia aquisigio, ou seja, na capacidade de ler, interpretar, abstrair, argumentar, redigir etc. Além do mais, o ensino de filosofia apresenta condigoes muito propicias para esse tipo de trabalho. Como lembra Stefano Martini, a filoso- fia é um saber dotado de valor educativo porque permite nao s6 adquirir conhecimentos, mas também, por meio de tais contetidos, aprender habilidades, métodos, atitudes de pesquisa e modelos de racionalidade (Marra, s/d). ‘Assim, no apenas € possivel conceber uma proposta didatica que contemple esses dois aspectos, mas, considerando a realidade perversa a ser enfrentada no ensino médio massificado, esse parece ser um caminho particularmente adequado para responder aos seus desafios. As metas podem ser extremamente modestas, desde que sejam significativas. Jacques Muglioni, por exemplo, considera que, diante da conjuntura que esta posta, o professor de filosofia ja faz. ‘um trabalho importante se contribuir para melhorar o conhecimento dos jovens sobre a sua propria lingua: “Quase toda a aula consistiré, centio, na explicagio do sentido das palavras, na tentativa cle melhorar a classe quanto ao dominio elementar da lingua e da diversidade de significados que ela exprime” (Muctront, 1996, tradugao minha). Ele esta referindo-se a Franga, mas nao diria melhor se estivesse falando do Brasil. Do ponto de vista do contetido também se deve estabelecer paraime- tros adequados ao perfil do aluno. Ninguém, em si consciéncia, pode esperar um conhecimento muito amplo e sistematizado da hist6ria da filosofia ou a produgio de reflextes originais, Pensando no contexto da Itélia, Stefano Martini cita Lueng para mostrar a necessidade de Adclimitar o que se pretende do ensino médio ~ 0 liceu ~ tendo claras as distingdes entre esse nivel de ensino e a universidade: Em Gltima anise, “objetivo da cultura do licew € proporcionar um {quadro desintese da cultura, fazer apreciaro bor de autores equesties 24 | IA Masia RODRIGO como ‘aperitive’ para mais substanciosasrefegBes, que cada um poder, perseguir sozinho ou com a orientagdo de quem prefri. A fim do licev, o estudante devers ser capaz de pensar pela propria cabega,e estar pronto para oestudo autdnomo e em grande parte monogrifico da universidade” [Marert, 2001, tradugio minha} No caso do adolescente, a aprendizagem filosofica, que dificil- ‘mente conduzira a producao de resultados brilhantes do ponto de vista objetivo, pode ser extremamente significativa do ponto de vista subjetivo. A aquisicdo de nogdes introdutdrias de filosofia, aliada a ccertas habilidades intelectuais, oferece ao estudante condigdes para ampliar sta compreensio de algumas realidades, amadurecer certas concepgdes, valores, decisdes, bem como emitir juizos mais bem fandamentados sobre os dilemas com que vier a se defrontar. Enfim, se as dificuldades e os limites so grandes, nao se deve deixar de evar em conta a possibilidade de algum avanco. O professor argentino Guillermo Obiols, recentemente falecido, lembrava que, apesar dos problemas postos, ¢ importante ressaltar 0 éxito da escola de nivel médio na atualidade em termos da expansio de sua cobertura, ou 0 fato de que hoje chegam a ela uma maior quantidade de jovens provenientes de setores sociais menos favorecidos, que antes nem sequer pisavam ali (On1ors, 2002, pp. 62s). Nosso desafio é pensar que podemos fazer por eles, dentro da esfera que nos compete. 4 - Sentido e objetivos da filosofia no nivel médio © objetivo central, para o qual devem convergir os esforgos € a ‘metodologia a ser implementada, consiste em introduzir o aluno & filosofia, quer dizer, levé-lo para dentro ou inseri-lo numa forma especifica de saber, em duplo aspecto: em relagio a determinado contetido ¢ a certos procedimentos concernentes a aquisigao desse contetido, Ambos os aspectos ~ procedimentos metodoligicos ¢ con- ALCSORAEM SLADE ALKA 1 25 tetdos filoséficos ~ sio indissocidveis. A esse respeito cabe reiterar 0 que aparece disposto no texto do PCN sobre o ensino de filosofia aoassinalar que, dada a propria natureza da atividade filos6fica, isto 6, sua caracteristica reflexiva, {.:] para além do conteido concreto a ser ensinado,o que esti em questio 6 antes, a necessidade de tornar familiar ao estudante um modo de pensar [a conexto interna entre conteido e método deve tornar-se evident: ‘que oestudante tenha se spropriado significatvamente de um determinado

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