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Sobre o ato de avaliar a aprendizagem na escola

Para a abordagem da avaliação da aprendizagem neste capítulo, nós nos serviremos dos
conceitos gerais a respeito do ato avaliativo e do uso dos seus resultados, estabelecidos nos dois
capítulos anteriores. Nesse contexto, compreende-se a avaliação como o ato de investigar a
qualidade da aprendizagem do estudante, fator que implica em cuidados metodológicos
específicos, desde que, na sala de aula, a investigação avaliativa incide sobre o desempenho do
estudante, tomado individualmente.
À semelhança do que faz a ciência, revelando o que é a realidade e como ela funciona, a
avaliação da aprendizagem em sala de aula, por seu turno, revela a qualidade da aprendizagem
do estudante individual em seu percurso de estudos; aí, encerrando sua ação e seu papel.
Será o gestor da ação, em qualquer âmbito de atividade, como também na prática
educativa escolar, que deverá fazer uso dos conhecimentos obtidos pela investigação, tendo em
vista orientar sua ação. Em princípio, no caso da investigação avaliativa, servir-se-á desses
conhecimentos para orientar seus investimentos na construção de resultados satisfatórios em
conformidade com o seu planejamento do ensino, que deve estar articulado com o Currículo
Escolar e com o Projeto Pedagógico da Escola.
Nesse contexto, importa distinguir os papéis do gestor e do avaliador, desde que esses
papéis, no âmbito da sala de aula, são exercidos pelo mesmo profissional; então, importa que o
educador tenha clareza de quando está agindo como gestor e quando está agindo como
avaliador.
O profissional é único, mas os papéis são distintos e importa que assim sejam
compreendidos, mantidos e praticados, a fim de que o educador se torne ciente de que, no lugar
de gestor da sala de aula, é o responsável pela criação das condições para o sucesso da
aprendizagem dos estudantes e, que, no papel de avaliador, é o responsável pela investigação
da qualidade dos resultados da ação de ensinar e de aprender. Como já lembramos nos capítulos
anteriores deste livro, o ato avaliativo não resolve nada, ele é meramente subsidiário, auxiliar
do gestor – no caso aqui abordado, o gestor da sala de aula –, tendo em vista a conquista dos
resultados qualitativamente desejados.
Na investigação avaliativa da aprendizagem dos estudantes, caso sua qualidade se
manifeste insatisfatória, caberá ao educador, como gestor da sala de aula, tomar as decisões
necessárias, tendo em vista a conquista da satisfatoriedade, sendo esse o seu desejo, porém, à
medida que a aprendizagem se manifeste satisfatória, tomará consciência de que sua ação
pedagógica já produziu o padrão de qualidade previamente estabelecido e, então, poderá seguir
para um conteúdo subsequente do seu plano de ensino ou poderá decidir refinar mais os
conhecimentos e habilidades já adquiridos.
Isso quer dizer que todos os estudantes, individualmente, devem atingir o nível de
mestria nos conteúdos essenciais ensinados (nível probatório, como definido em capítulo
anterior deste livro), não existindo, dessa forma, outras possibilidades para uma prática
educativa profissionalmente consistente. Reprovação, nesse contexto, significa a frustração do
ato pedagógico, desde que esse é o recurso ativo pelo qual o professor investe no sucesso de
sua ação, isto é, na aprendizagem satisfatória dos estudantes que ensina.
Tendo em vista praticar a avaliação da aprendizagem de cada estudante, o professor, no
papel de avaliador, deverá percorrer os três passos do ato de avaliar, configurados no primeiro
capítulo deste livro, agora aplicados no espaço do ensinar-aprender.
Em primeiro lugar, haverá necessidade de planejar a investigação da qualidade da
aprendizagem dos estudantes, o que equivale a tomar o Currículo adotado, o Projeto
Pedagógico da Escola e o seu Plano de Ensino como configuração daquilo que deveria ter sido
levado em conta nas atividades de ensino e, consequentemente, agora na prática avaliativa,
dimensionando tanto a coleta de dados para a avaliação como também o critério de qualidade
dos seus resultados.
Esse dimensionamento consciente do que fora planejado e executado repercute no
instrumento de coleta de dados para a avaliação, desde que este necessita ser compatível com
aquilo que fora ensinado, em termos de conteúdo, metodologia e prática; nem mais, nem
menos que isso. Caso o instrumento de coleta de dados seja elaborado com abrangência mais
restrita que o ensinado, não fará jus às aprendizagens realizadas pelos estudantes, e, por outro
lado, sendo mais abrangente do que o ensinado, estará em desacordo com sua abrangência,
desde que estará exigindo dos estudantes condutas que não lhe foram ensinadas.
Em segundo lugar, na investigação da qualidade da aprendizagem dos estudantes, há a
necessidade de coletar os dados, para isso, servindo-se de instrumentos de coleta de dados, com
a abrangência indicada no parágrafo anterior. Para que o educador possa ter ciência da efetiva
aprendizagem por parte dos estudantes sob sua responsabilidade, importa que eles revelem o
que ocorreu com cada um, expressando sua aprendizagem. Para tanto, importa um recurso
mediador, que pode ser um teste escrito, uma entrevista oral, uma demonstração em
laboratório... O que importa é ficarmos cientes de que só poderemos saber se o estudante
adquiriu determinado conhecimento ou habilidade à medida que ele manifeste isso por meio
de variadas possibilidades de recursos de coleta de dados a respeito de sua aprendizagem e de
seu desempenho. Não há como ter ciência daquilo que se dá dentro do outro a menos que ele
o revele através de algum recurso mediador. A subjetividade pertence a cada ser humano em
sua individualidade. Só podemos saber o que se passa com ele, se o revelar. Os instrumentos de
coleta de dados sobre a aprendizagem de nossos estudantes nos auxiliam nessa tarefa; por isso,
necessitam ser elaborados cuidadosamente, como veremos em capítulo a seguir.
Por último, em terceiro lugar, dever-se-á atribuir qualidade ao desempenho dos
estudantes, comparando a descritiva de sua aprendizagem, obtida pela coleta de dados, com o
padrão de qualidade previamente estabelecido como aceitável no Plano de Ensino e no Currículo
adotado.
Nenhum desses três passos poderá ser realizado com base no senso comum ou de forma
habitual. O educador, em sala de aula, necessita realizar a atividade da avaliação da
aprendizagem de forma metodologicamente consciente, consistente e crítica. Daí a necessidade
de ter presente os passos acima registrados.
Infelizmente, em nosso cotidiano escolar, os cuidados metodológicos acima indicados,
nem sempre têm sido levados em consideração. Usualmente, por exemplo, sem um plano prévio
consciente e crítico a respeito dos conteúdos (conhecimentos e habilidades) a serem levados
em conta em conformidade com aquilo que ensinamos, prontamente, iniciamos a elaborar
questões para compor o instrumento de coleta de dados, que utilizaremos. É usual no cotidiano
escolar essa conduta, quando, de fato, deveríamos partir de um mapa claro e preciso a respeito
daquilo que ensinamos; mapa que define aquilo que desejamos saber se nossos estudantes, de
fato, aprenderam. Essa pauta configurará tanto a coleta de dados para a avaliação, como
também o padrão de qualidade desejado, com o qual a descritiva da aprendizagem será
comparada, tendo em vista atribuir-lhe qualidade.
Nesse contexto, importa não abrir mão dos cuidados com esses três componentes
metodológicos da investigação avaliativa. Caso eles sejam praticados cuidadosamente, teremos
uma probabilidade bastante grande de estarmos efetivamente investigando a qualidade da
aprendizagem dos nossos estudantes, fator que nos possibilita, se necessário, reorientá-los em
direção à satisfatoriedade na aquisição das condutas ensinadas. Caso não ocorra dessa forma,
nossas práticas avaliativas continuarão a ser realizadas exclusivamente sob a ótica seletiva e,
pois, excludente.
Em síntese, avaliar a aprendizagem dos estudantes significa investigar cuidadosamente
a qualidade das condutas adquiridas, fator que subsidia o educador em suas tomadas de
decisão, tendo em vista o sucesso de cada um e de todos os estudantes que são colocados sob
sua responsabilidade.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação em Educação: questões epistemológicas e práticas. São


Paulo: Cortez, 2018.

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