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Cartas de meu avô

Manuel Bandeira

A tarde cai, por demais Cresceu, dominou-o todo.


Erma, úmida e silente… E as confissões hesitantes
A chuva, em gotas glaciais, Mudaram logo de modo.
Chora monotonamente. Depois o espinho do ciúme…

E enquanto anoitece, vou A dor… a visão da morte…


Lendo, sossegado e só, Mas, calmado o vento, o lume
As cartas que meu avô Brilhou, mais puro e mais forte.
Escrevia a minha avó. E eu bendigo, envergonhado,

Enternecido sorrio esse amor, avô do meu…


Do fervor desses carinhos: Do meu – fruto sem cuidado
É que os conheci velhinhos, Que inda verde apodreceu.
Quando o fogo era já frio. O meu semblante está enxuto.
Cartas de antes do noivado…
Mas a alma, em gotas mansas,
Cartas de amor que começa, Chora, abismada no luto
Inquieto, maravilhado, Das minhas desesperanças…
E sem saber o que peça. E a noite vem, por demais
Temendo a cada momento
Erma, úmida e silente…
Ofendê-la, desgostá-la, A chuva em pingos glaciais,
Quer ler em seu pensamento Cai melancolicamente.
E balbucia, não fala…
A mão pálida tremia E enquanto anoitece, vou
lendo, sossegado e só,
Contando o seu grande bem. As cartas que meu avô
Mas, como o dele, batia Escrevia a minha avó.
Dela o coração também.
A paixão, medrosa dantes,

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