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Marcos Napolitano
Departamento de História - Universidade de São Paulo
tes, não diminui sua importância e sua contribuição, ainda que passados
mais de 30 anos do fim do regime.
Ainda há temas e processos que talvez só possam ser conhecidos
através de depoimentos, como a própria experiência subjetiva da tortu-
ra e a experiência dos presos políticos no cárcere. Outras experiências
sociais estão presentes nos textos da coletânea, como o cotidiano dos
trabalhadores operários de Contagem durante o regime, a memória dos
trabalhadores qualificados e camponeses que vivenciaram a inauguração
da Transamazônica, a atuação dos anarquistas durante o regime, a visão
dos indígenas de Minas Gerais submetidos à política indigenista oficial,
a repressão policial sobre gays e travestis em uma grande capital brasilei-
ra. Temas sobre os quais muito se escreveu, aqui também são abordados
a partir de experiências que lhes dão outros sentidos: os estudantes que
participaram do Projeto Rondon, a recepção das ações cívicas do Exér-
cito em uma área de guerrilha, os militares que participaram do regime,
a busca dos familiares pelos desaparecidos do Araguaia, as mulheres em
uma grande organização da esquerda católica, os artistas de um consa-
grado grupo de teatro, os militantes do Movimento Negro. Estas novas
abordagens, a partir da história oral e das memórias nela refiguradas,
permitem o cotejo das subjetividades individuais (e coletivas) com uma
historiografia que, predominantemente, valorizou outras fontes. As vo-
zes, neste caso, podem nos levar além da memória institucional destes
movimentos e organizações (Estado, Exército, movimentos sociais, or-
ganizações de esquerda) contida na documentação escrita, monumenta-
lizada, que, muitas vezes, cria uma ilusão de objetividade no pesquisador.
Os autores e organizadores desta coletânea partilham o uso da his-
tória oral e a memória como tema e problema para o historiador, pro-
pondo uma “história social das memórias” da ditadura. Sem desviar suas
energias de pesquisa para o embate teórico entre história oral como “mé-
todo” ou como “disciplina”, os textos tentam se afirmar a partir da tensão
necessária entre estes dois polos, como estratégia para compreender as-
pectos relevantes ao conhecimento histórico tout court. A formação al-
tamente profissional e a sofisticação dos pesquisadores não lhes afastam
da matriz essencial da experiência histórica aqui analisada: o sofrimen-
to das pessoas de carne e osso que, pelos depoimentos, partilharam seu
tempo vivido com os pesquisadores e, agora, com os leitores deste livro.