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Written by
Clara Delgado
Based on
"A saga de Antônio Dó"
producao@88arte.com
1 PLANOS DOCUMENTAIS - IMAGENS SUBMERSAS DO RIO SÃO 1
FRANCISCO/PILÃO ARCADO - DIA
Imagens submersas do rio mesclam-se às imagens das ruínas da
antiga cidade de Pilão Arcado (BA). Múltiplos cortes mostram
a igreja, as casas, o mato crescido ao redor. Este será o
fundo para os CRÉDITOS DE ABERTURA.
PEDRO CARRILHO
(tirando o chapéu, em
gesto de reverência)
Pedro Carrilho. Por mal pergunto, o
que é que ocê quer com o compadre
Nunes Brasileiro?
BENEDITO
É que a gente vei pra ficá. A gente
tá querendo tomar tenença com o
coronel, sabe. Tô imaginando comprá
um pedacim de chão pra assentá a
obrigação.
(apresentando-lhe Antônio,
que está ao seu lado)
Esse aqui é o Tonho, meu filho. Ele
é o mais novo dos homens.
Antônio movimenta a cabeça em gesto de reverência. Pedro
Carrilho retribui o gesto, tirando o chapéu.
PEDRO CARRILHO
Onde é que o sinhô tá arranchado?
BENEDITO
A gente acabou de chegá. As coisa
ainda tá na beirada do rio.
PEDRO CARRILHO
O sinhô, a gente logo vê. É homi de
bem. Só veio ocê e o moço aí?
BENEDITO
N’nhor, não. Veio a família toda. A
obrigação e mais dois filho homem e
mais três filha mulher.
PEDRO CARRILHO
O sinhô pode arranchá na minha casa
por uns dia. Logo vai achá terra
boa pra comprá. Depois a gente fala
com o coronel. Se avexe não.
BENEDITO
Quem tem pressa pisa devagar, o
sinhô sabe. Não sei se devo aceitá
o oferecimento, não. A gente nem
conhece um ao outro.
PEDRO CARRILHO
(com segurança)
Preocupe não, pode me acompanhá.
4.
BENEDITO
(sorrindo agradecido)
Vou aceitá o oferecimento. O sinhô
vai tê sua recompensa. A gente é de
bem. Viemo pro mode de a seca, que
tá brava na Bahia.
PEDRO CARRILHO
É, foi sempre assim. A seca é uma
desgraça. A gente aqui também sofre
com ela, mas não como por lá, bem
sei.
BENEDITO
No Salitre, donde a gente veio,
falt’água inté pros filho de deus.
Pras criação, nem se fala. A chuva
não choveu nada esse ano.
ANTÔNIO
(indignado)
Nois não somo casado no papel, mas
eu que tenho que proteger seus
direito. Maurício vai ficar com
suas terra, não. Num vou dexá.
Arcângela se aproxima de Antônio, o abraça pelas costas,
encosta a cabeça no seu ombro. Antônio toca um de seus braços
e o acaricia.
ANTÔNIO
Eu nunca pensei agredi seu
Maurício.
CAPITÃO
(gritando, com o dedo em
riste)
Cala a boca. O senhor só fala
quando for autorizado.
Ouve-se o canário trinando alto. Antônio franze a testa,
abaixa a cabeça, esfrega as mãos, uma de encontro a outra, e
agita os pés impacientemente. Maurício cofia o bigode e sorri
com desprezo e satisfação.
CAPITÃO (CONT'D)
O senhor não tem direito de agir
como tem procedido com o senhor
Maurício. O senhor não é dono das
terras e não tem procuração da
mulher com quem vive amancebado, de
maneira desvergonhada, de público
conhecimento. Senhor Maurício está
agindo acordadamente e a dita
mulher nunca veio aqui para dar
queixa.
CAPITÃO (CONT'D)
O senhor não tem terras no lugar da
questão.
CAPITÃO (CONT'D)
Que papel é esse?
ANTÔNIO
Pos...so falá?
CAPITÃO
(irritado)
Estou perguntando ao senhor. Por
acaso é surdo?
ANTÔNIO
É o formal das terra, em nome de
Arcanja.
10.
EBÔMIN (CONT'D)
(em voz alta)
Exu toma seu afilhado em proteção e
ele vai seguí os caminho de Xangô.
O raio de Xangô que é mais forte
que as arma dos home é cativo do
afilhado de Exu. Xangô, pelos oio
de Exu, vê uma encruzilhada. O
afilhado de Exu vai seguí o caminho
da esquerda, o caminho do fogo,
porque ele é guerreiro de Zumbi,
protegido de Yansã. Exu protege seu
afilhado nas encruzilhada. Ele bebe
omin e vai ter boa viagem nas águas
de Janaína.
FLASHBACK
EBÔMIN
(ordena a Antônio)
Fecha a mão e olha, não. Guarda na
algibeira, bem guardado. Amanhã,
antes do rompê do dia, quando o
galo cantá a terceira vez, vancê
tira da algibeira e, sem olhar,
pendura no pescoço. Não se afaste
dele nunca mais. O corpo do
afilhado de Exu fica fechado e
guardado para todos os inimigo
encarnado e desencarnado.
FIM DO FLASHBACK
HONÓRIO (CONT'D)
O gado de seu Chico Peba bate lá
mais pra riba, bate por aqui, não.
Marcelino olha para as reses.
HONÓRIO (CONT'D)
Vancê tava levano elas pras Pedra?
MARCELINO
É! Eu comprei essas duas vaca de sô
Chico Peba e tava levano as outra
de madrinha. Pode procurá pr’ele,
qu’ele fala com vosmecê o qu’eu tou
falano.
HONÓRIO
Pode inté sê, mas vancê não falou
com ninguém que ia levá as vaca da
Dinha e da Arcanja.
MARCELINO
(aturdido)
É. Falei, não.
HONÓRIO
Essa lenga-lenga tá certa, não. Tou
achano que é vancê quem tá furtano
o gado da Arcanja e da Dinha. Inté
gado meu já sumiu, sem deixá
carniça.
HOMEM
Sô Honório tá morto. Foi
assassinado na beira do rio.
ARCÂNGELA
(assustada, levando as
mãos aos seios)
Valha-me Deus! Que desgraça!
ANTÔNIO
(assustado)
Morto!? Como? Onde foi isso?
HOMEM
Foi assassinado na beirada do rio,
aqui na Boa Vista. Marcelino levou
o corpo pras Pedra, de canoa.
ANTÔNIO
Que diabo! Tudo parece que tá
contra mim. Compadre Pedro já tá
sabeno quem foi o desgraçado?
Marcelino disse alguma coisa?
HOMEM
Sabe, não. Ninguém tá sabeno.
ANTÔNIO
Pode vancê ficá certo qu’eu vou
descobrí quem foi o miserave. Não
sei quem pode sê, mas vou
descobrir.
Silêncio.
ANTÔNIO (CONT'D)
(a Arcângela)
Arruma as coisa. A gente vai tudo
pras Pedra, pra sentinela. Lá a
gente fica sabeno o que sucedeu.
MIGUEL
(ofegante)
Ele botou abaixo a cerca do olho
d’água. Tinha pra mais de dez
soldados lá. Desmanchou tudo.
ARCÂNGELA
(assustada)
Ele quem?
MIGUEL
Sô Chico Peba. Quem haveria de ser?
(a Antônio)
(MORE)
18.
MIGUEL (CONT'D)
Tô a mercê de vosmecê pra tudo que
vier.
Antônio, com a testa franzida e os punhos cerrados, caminha
de um lado para o outro na sala. Balbucia palavras
ininteligíveis. Arcângela suspira de leve.
Silêncio.
ANTÔNIO
Tá tarde. Amanhã a gente resolve o
que fazê.
(a Miguel, olhando nos
olhos)
Amanhã é domingo, mas Deus vai
castigá a gente, não. Ele descansou
domingo pra mode que tinha acabado
de fazê tudo no sábado. Logo cedo,
na amanhecida do dia, a gente vai
refazê a cerca outra vez.
Aquel’água é minha. O Peba tá
enganado. Ele desmancha hoje, eu
alevanto a cerca no outro dia. Pode
assentá o qu’eu tô falando. S’ele
desmanchá minha cerca outra vez eu
vou derrubá a cerca do olho d’água
qu’ele cercou.
Miguel sacode a cabeça afirmativamente. Arcângela tosse e
ergue os olhos cheios de lágrimas para o alto, fazendo o
sinal da cruz.
MIGUEL
Eles durmiu preso.
ANTÔNIO
Vancê faz o que for preciso.
Eles entram na sala da casa, onde pegam machados, foices,
facões, garruchas e espingardas.
ANTÔNIO
(a Miguel)
Adeus, compadre.
MIGUEL
Adeus, vosmecê se cuide.
HERCULANO
Tá dano as parença de sê a
Josefina, filha de seu João
Francisco.
ANTÔNIO
Menina bonita.
HERCULANO
Se for Josefina, tá fazeno jeito de
ser ela mesma, é solteira e, pelo
qu’eu sei, tá comprometida, não.
ANTÔNIO
Onde mora esse tal de João
Francisco?
HERCULANO
Ele mora ali mesmo, atrás da
igreja.
22.
OUTRO HOMEM
(interrompendo a conversa)
Quem foi que inventou essa
história?
HOMEM I
Eu ouvi dizê lá na beirada do rio.
Foi um barqueiro que chegou de
Januária.
OUTRO HOMEM
Pode vancê tá certo que é verdade,
não. Não passa de lorota dessa
gente. Vancê não conversa mais
nisso por aí, não. É bom vancê ficá
de boca fechada, senão vai sê um
esparrame danado. Não vai ficá
vivalma no comércio. A cidade já tá
esvaziano. O povo não vai corrê com
medo de Antônio Dó, não. O povo vai
corrê com medo de confronto armado
com a polícia e com os jagunço dos
coronéis.
JOSEFINA
Vosmecê é quem sabe.
ANTÔNIO
Vou lá nas Pedra e volto pra gente
vivê em paz. Vou comprá uma
glebinha de terra aqui por perto.
Vou fazer fazenda, não. Dá tempo
mais, não. A vida é curta.
ANTÔNIO
Vancê fica na espera pra vê qu’eles
tá quereno.
(pausa)
Deix’eles passá.
HOMEM I
É de paz, amigo. A gente tá quereno
avistá com seu Antônio Dó. A gente
tá vino de parte do coronel Sancho
Ribas.
JAGUNÇO II
Vancês pode ir passano. Sô Antônio
Dó tá ali debaixo daquele juazeiro.
(PONTO DE VISTA DO
JAGUNÇO, apontando o
juazeiro e Antônio)
Mas vancês deixa as arma aqui.
Antônio se aproxima dos três homens.
ANTÔNIO
Deix’eles passá. Carece desarmá
eles, não. Eles tá vino em figura
de paz.
(aos três homens)
O que vancês deseja?
HOMEM I
A gente tá vino da parte do coronel
Sancho Ribas, pra sabê o que
vosmecê deseja.
ANTÔNIO
Vou esperá a chegada do Delegado,
que tá vino de Januária. Ele vai
conversá pra acertá meus prejuízo.
HOMEM I
Então vosmecê vai entrá na cidade,
não.
ANTÔNIO
Só se for preciso. Vou esperá pelo
Delegado.
HOMEM I
Nesse caso a gente tá ino pra
informá pro Coronel, que vosmecê
vai esperá pelo Delegado.
ANTÔNIO
É o qu’eu disse.
Os três homens se despedem e saem pela margem do rio, por
onde chegaram.
26.
JAGUNÇO
É! Tá dando as feição de sê.
ANTÔNIO
A gente vai brigá por nenhuma
tutameia, não. Mas a gente vai
atravessá o rio e esperá o Delegado
da banda de lá, é mais seguro.
ANTÔNIO
(cofiando o bigode,
olhando nos olhos de
Tarcísio)
Tou esperano o Delegado pr’ele
cobrá meus prejuízo. Marcelino
roubou meu gado, matou meu irmão,
eles me prendeu. Tou no mundo sem
lugá de chegada. Vosmecê sabe qu’eu
preciso recebê a paga de meus
prejuízo.
TARCÍSIO
Não tiro a razão do Senhor. Mas,
quem é que vai pagar esses
prejuízos?
ANTÔNIO
Quem vai pagá? Sei, não, senhor.
Criei rancor contra todo mundo. Eu
só atravesso o rio pra banda de lá,
quando recebê a paga de meus
prejuízo.
TARCÍSIO
O senhor já fez as contas dos
prejuízos?
ANTÔNIO
Conta eu fiz, não. Vosmecê sabe que
tem muita coisa que não tem preço
pra fazê conta.
(Olha para baixo,
pensativo)
Que preço é qu’eu dou pra vida de
Honório?
(breve silêncio)
Tem preço, não. Eu tou quereno seis
conto de réis. Foi o qu’eu mandei
falá pro Delegado, lá em Januária.
Só assim eu posso recomeçá minha
vida noutras terra. Vou embora e
não volto nunca mais. Minhas terra
ali na Boa Vista pode ficá aí.
Quero elas mais, não.
TARCÍSIO
(rindo)
Acho razoável. A Câmara Municipal
pode pagar essa quantia. O Senhor
está certo.
29.
ANTÔNIO
(em desagrado)
Vosmecê riu de quê?
TARCÍSIO
O senhor me desculpa. É que eu
pensei que o senhor fosse pedir uma
quantia exorbitante.
ANTÔNIO
Como assim?
TARCÍSIO
Uma quantia muito grande.
ANTÔNIO
Vosmecê tá achano pouco?
TARCÍSIO
Não está pouco, nem muito. É como
eu disse, está uma quantia
razoável. É muito justo o seu
pedido.
Antônio ri de si mesmo, balança a cabeça.
TARCÍSIO
É muito dinheiro e a Câmara precisa
de um tempinho para levantar.
ANTÔNIO
Confio nesse Maroto, não.
TARCÍSIO
O pedido é do Coronel Antônio
Maroto, do coronel Sancho Ribas, do
coronel João Maynart e meu também.
Lá o senhor fica mais à vontade.
Antônio e o jagunço se olham. O jagunço sacode a cabeça
devagarzinho em sinal de desaprovação.
ANTÔNIO
(com voz pausada, ainda
com um pouco de dúvida)
Assim é diferente. O coronel João
Maynart é homem de respeito e boto
fé na palavra de vosmecê. Vou
esperá lá na Boa Vista. Se o preço
tá certo, não carece mais de esperá
pelo Delegado.
Tarcísio abre um leve sorriso.
JAGUNÇO II
(aos companheiros)
Os home caiu no rio. Escafedeu.
Ajunta todo mundo no campo.
JAGUNÇO I
Oxe! E não é de espantá! Ora veja
vancês, o patrão é desassombrado.
Xô, égua! Vancês viu como ele
saltou no meio do tiroteio? Inté
parecia uma sombra pulano no meio
das bala dos macaco, talqualmente
um gato.
Os jagunços riem, aliviados da vitória, andam em direção ao
campo.
CORONEL
Calma, amigo. Vamos entrar e
conversar com tranquilidade.
37.
SOLDADO
Já disse pra vosmecê. Ele morreu
afogado.
DELEGADO
Não me diga! E o resto da tropa?
Breve silêncio.
CORONEL
(ao soldado, indicando uma
cadeira)
Sente-se aqui.
(aos demais homens na
sala)
Ele está dizendo que o alferes
morreu afogado e que a tropa foi
desbaratada. Diz ele que seu
Antônio Dó tinha para mais de cem
jagunços na Boa Vista.
DELEGADO
Eu não podia prever que ele tivesse
mais gente na fazenda. Meu único
propósito foi fazer cumprir a lei.
JOÃO MAYNART
(com voz firme)
Que lei?
(pequena pausa)
Nós tínhamos feito um trato com seu
Antônio Dó e os senhores nos
impediram de cumprir.
CORONEL II
Ele vai atacar a cidade na certa. É
preciso mandar chamar o cabo Pedro
Brandão, com seus homens, pra
defender a cidade.
(para o delegado)
(MORE)
38.
CORONEL II (CONT'D)
O senhor passa um telegrama pro
presidente do Estado pedindo
reforços e comunicando o
acontecido.
MILITAR (CONT'D)
A Brigada está preparada para um
novo e definitivo confronto com
Antônio Dó. De Diamantina, chegará
o alferes Félix Rodrigues da Silva,
considerado um policial bravo e
temido entre os militares. A ele
são reservadas as piores missões.
HOMEM
N’nhor, sim.
FELÃO
Qual é seu nome?
HOMEM
José Pereira, criado de vosmecê
FELÃO
A estrada pra lá tem alguma perda?
HOMEM
Tem não, senhor. É estrada
linheira. Vosmecê segue em frente.
(apontando a estrada)
Vai rompeno, rompeno. Ali logo na
frente depois de um tope, atravessa
uma vereda. É funda, não. A água dá
na barrica dos animal. Aí vosmecê
rompe, toda vida. Lá mais pra
frente.
FELÃO
Tá, tá! Vancê se arrume depressa.
Vancê vai me acompanhar até lá, pra
mostrar o caminho.
HOMEM
Vosmecê espera eu pegá o cavalo ali
no pasto. Volto logo.
O homem entra em sua casa, apanha um cabresto. UMA MULHER
está na cozinha, cuidando de afazeres.
HOMEM (CONT'D)
(à mulher, apressado)
Manda o Nequinho avisá sô Antônio
Dó, lá na Vargem Bonita, correno.
Manda ele pegá a égua melada. Esses
soldado tá ino pra lá. Eu vou
delongá eles um pouco. Vancê manda
Nequinho rompê pelo caminho de
dentro.
CORTA PARA:
MENINO
(à mulher)
Vancê sabe onde posso encontrá
Antônio Dó? Foi meu pai quem
mandou.
MULHER
(PONTO DE VISTA DA MULHER,
que aponta uma trincheira
atrás da igreja)
Ele é aquele ali, na beirada da
trincheira. Aquele de chapéu
amarelo.
Antônio Dó, de chapéu amarelo, e cerca de VINTE JAGUNÇOS
estão em perto de uma trincheira, preparando-se para um
confronto. O menino se aproxima de Antônio.
MENINO
(afobado)
Sô Antônio, tem um lote de soldado
vindo pra cá. É um bandão de gente.
Eles carregou meu pai pr’ele ensiná
a estrada. Foi meu pai quem mandou
eu avisá vosmecê. Meu pai é José
Pereira, da Catarina.
ANTÔNIO
Vancê se acalme. Preocupa, não. Seu
pai fica protegido. A gente atira
em paisano, não. S’ele não tiver
fardado tem perigo, não. É bom
vancê ir voltano, mas volta pela
estrada da Serra, dando volta. Lá
na cozinha tem alguma coisa pra
comê. Come logo e não delonga.
MENINO
N’nhor, sim.
SOLDADO (V.O.)
(grita)
Não gastem munição à toa. Vamos
esperar a claridade do dia.
MULHER
(em desespero, chorando)
Não mata eles, não. Não mata eles.
Pufavô, não mata eles.
FELÃO
(aos soldados)
Tirem as roupas delas.
46.
FELÃO (CONT'D)
(grita)
O que é que tão esperando?
OUTRA MULHER
(com voz medrosa,
estremecida)
Não vei, não!
MULHER
Por que é que não vei?
PESSOAS DA RODA
(em coro)
Não sei, não!
FELÃO
Andar em roda, um atrás do outro,
cantando.
FELÃO
(grita)
Prestem atenção. Todos parados,
agora, soltem as mãos.
48.
FELÃO (CONT'D)
Assim.
FELÃO (CONT'D)
Agora prestem atenção. Ponham todos
um dedo da mão esquerda na boca.
Estão ouvindo. Um dedo da mão
esquerda.
FELÃO (CONT'D)
Assim. É pra chupar o dedo. Bom.
Muito bom. Agora enfiem o dedo
indicador da mão direita na bunda
do vizinho da frente.
FELÃO (CONT'D)
(aos soldados, apontando a
um corpo estirado na
praça)
Retirem aquele defunto dali, que tá
atrapalhando.
(às pessoas em roda)
Vamos começar.
CANOEIRO I
Diz qu’ele some como por encanto na
vista da polícia assim como de
coisa que não tava presente no
lugá. Evapora que nem fumaça. Diz
qu’ele já veio da Bahia com o corpo
fechado. Soldado vai pegá ele, não.
Diz qu’ele é afilhado de Exu,
protegido de Iansã. Diz qu’ele tem
um amuleto. Ninguém mata Antônio Dó
enquanto o amuleto tivé no pescoço.
Ele morre, não.
CANOEIRO II
Deve de sê por isso que ele venceu
o pió homi da polícia, esse tal de
Felão. Diz que ele sumiu aí. Tanta
humilhação. Ô homi pra fazê
atrocidade. Só sô Antônio mesmo pra
enfretá ele.
(pausa)
A reza é forte. Diz qu’ele tem o
livro de São Cipriano.
CANOEIRO I
Ele precisa ir nos lugá pra mandá
recado, não. Diz que a mula dele
vai e volta, pra qualqué lugá
qu’ele mandá, levano e trazeno
bilhete pelo meio do cerrado,
cortano volta. É uma mula
encantada. Só ele pode montá nela.
CANOEIRO II
Ninguém informa do paradeiro dele.
Pra donde será qu’ele tá?
CANOEIRO I
Eu lhe digo uma coisa. Tem quem diz
qu’ele é capaz de tê voltado pra
Bahia, sabe.
CANOEIRO II
Voltou, não. Ele vai perdoá nem o
Maroto, nem o coronel Sancho Ribas,
não. Perdoa, não. Isso vancê pode
tá certo como essa luz que me
alumia. Diz qu’ele falou que vai
voltá pra fritá o coronel Sancho
Ribas nas banha da pança do Maroto.
Os dois canoeiros caem na gargalhada.
51.
CANOEIRO I
Arrenego. Quem deve a Deus paga ao
diabo, sabe.
CANOEIRO II
Arre égua! Eu inté pago pra vê.
Quero tá aqui no dia. O coronel
Sancho Ribas só tem osso. O que é
qu’ele vai fritá?
CANOEIRO I
Homem de Deus, e Chico Peba!
CANOEIRO II
Chico Peba que se cuide, donde ele
tivé.
CORTA PARA:
ANTÔNIO (CONT'D)
A gente vai descansá os cavalo por
uns dia. Depois a gente vai dá um
corte por aí, pra vê o que fazê.
Diz qu’essas terra do Mato Grande é
do coronel João Antônio Soares, lá
do Paracatu do Príncipe. É um
mundão de terra. Nem ele mesmo sabe
onde termina. Vem amolá a gente,
não. Por aqui tem uns brejo inté
bom de plantá arroz. Tem muita
vargem e no cerrado tem muito capim
de raiz e capim meloso pros cavalo
pastá. Nessas’água que vem a gente
pode ficá por aqui.
JAGUNÇO
Vosmecê é quem sabe.
ANTÔNIO
A gente vai esperá um pouco, depois
a gente volta lá na Vargem Bonita
pra vê como foi que o povo de lá
ficou. O pessoal lá do Vão dos
Buraco deve mandá dizê alguma coisa
por esses dia.
ANTÔNIO
Então?
CAVALEIRO
Diz Mariana qu’ele, desesperado com
a fuga de vosmecê, tocou fogo no
povoado, judiou de todo mundo e
matou muita gente. Fez o diabo com
o povo. Não deve de ter escapado
ninguém. Aí eu saí na batida de
vosmecê. Atravessei o assentado do
carrasco com a noite e dormi um
pouco na beira do córrego dos Boi.
Breve silêncio.
ANTÔNIO
(ao cavaleiro)
Vancê se acalme.
(breve pausa)
Eita pau! A gente agora não pode
fazê nada. Tinha pra mais de cem
cachorro do governo lá na Vargem
Bonita. Vancê sabe pra donde é
qu’eles foi?
CAVALEIRO
Sei, não.
ANTÔNIO
(nervoso)
Eles não perde por esperá. Eu ainda
pego esse Felão, nem que for na
entrada do inferno.
JOSEFINA
A gente vai voltá lá pra Vargem
Bonita?
ANTÔNIO
Vai, não. A gente vai atravessá pra
banda de lá da Bahia.
JOSEFINA
Vosmecê é quem sabe.
Silêncio.
JOSEFINA (CONT'D)
Vosmecê me deixa na Vargem Bonita,
na casa de meu pai. Carece vosmecê
ir, não. Manda me levá.
ANTÔNIO
(indignado)
Eita pau! A caça tem que pensá do
jeito do caçadô. O caçadô negaceia
de um lado, a caça negaceia de
outro. Um engana o outro. Eles tá
perto e não delonga chegá. Pensei
qu’eles ia atravessá o rio
Cariranha pra banda de cá, não.
S’eles tá vino a gente espera eles.
O que não tem remédio, remediado
fica.
Antônio se levanta.
ANTÔNIO (CONT'D)
A gente vai dexá umas rede armada,
como se tivesse gente dentro, carne
estendida no varal, umas duas sela
velha pendurada. Carne pouca, vai
fazê falta, não. A gente vai ficá
de tocaia dentro do mato. Eles
pensa que a gente não tá sabeno
qu’eles tá vino pra cá.
(MORE)
56.
ANTÔNIO (CONT'D)
Se tivé de jeito a gente enfrenta
eles, se não tivé a gente escapole
deles inté eles cansá, de procurá.
CORONEL ORNELAS
É deste seu criado.
ANSPEÇADA
Com licença da palavra, quem é o
senhor?
CORONEL ORNELAS
(com olhar severo)
Joaquim Gomes de Ornelas. Coronel
Ornelas com melhor palavra.
ANSPEÇADA
Anspeçada Antônio Domingues
Martins, da Brigada de Minas. Estou
no encalço de seu Antônio Dó e seu
bando, para prendê-los.
(apontando o acampamento
de Antônio)
Aquela tropa ali, amarrada na
cerca, é do bando dele, com
certeza.
CORONEL ORNELAS
(olhando em direção ao
acampamento de Antônio)
Ele tá aqui, não.
ANSPEÇADA
(em tom de arrogância)
Está sim.
CORONEL ORNELAS
(com altivez)
Aqui nesse Goiás ninguém me remeda.
ANSPEÇADA
O senhor me desculpa.
CORONEL ORNELAS
Nesse caso, o senhor pode conferir.
ANSPEÇADA
Vamos!
CORTA PARA:
SOLDADO
(ofegante)
A gente pode voltá hoje, não. Os
animal não vai aguentá a viagem de
volta.
ANSPEÇADA
Hein?
SOLDADO
(ofegante)
Os cavalo tá estafado. Todo mundo
tá fatigado e morto de fome. O
certo é passá a noite por aqui
mesmo.
ANSPEÇADA
Mas, como? Vancê ficou doido?
Parece que não regula. Seu Antônio
Dó está lá, com a jagunçada toda.
Será que vancê não viu? O coronel
está acoitando ele.
SOLDADO
Ver eu vi. Todo mundo viu. Sei,
não! O coronel parece sê um homem
de respeito. Se o senhor permiti,
eu volto lá pra falá com ele. S’ele
quisesse tinha acabado com a gente.
Breve silêncio.
ANSPEÇADA
Lá isso é verdade. Mas, coração de
gente é terra perto onde ninguém
vai.
SOLDADO
De qualquer jeito a gente vai
longe, não. S’ele quisé vem no
rasto e pega todo mundo do mesmo
jeito.
Breve silêncio.
ANSPEÇADA
Então vá. Nós estamos mesmo no mato
sem cachorro. Seja lá o que Deus
quiser.
63.
JOSEFINA
Vosmecê se acalma.
Antônio sai do quarto e fecha a porta.
106 EXT. RIO SÃO FRANCISCO PRÓXIMO À FAZENDA BOA VISTA - 106
ENTARDECER
Antônio e cerca de VINTE JAGUNÇOS atravessam o rio em três
canoas, cada uma delas conduzida por UM CANOEIRO. Chegam à
Boa Vista. Dois dos canoeiros ancoram suas canoas. Um deles
segue remando.
66.
Os cachorros latem.
CHICO PEBA
(andando até a porteira)
Quem é que tá aí?
CANOEIRO
Sou eu, Mané canoeiro.
CHICO PEBA
O que é que vancê deseja a essa
hora da noite?
CANOEIRO
É sô Antônio Dó. Ele tá acampado
ali na beirada do rio, na fazenda
dele. A gente atravessou ele com um
bando de jagunço. Vosmecê se cuida.
(pequena pausa)
Eu vou aproveitá o resto da lua pra
atravessá, ainda hoje. S’ele ficá
sabeno qu’eu vim aqui, para avisá
vosmecê, ele será inté capaz de me
matá.
67.
ANTÔNIO (CONT'D)
(aos jagunços)
Vancês descarna ela pra fazê o
armoço. A gente vai logo atravessá
o rio e voltá pra Vargem Bonita. O
cabra safado do Marcelino já deve
de tá sabeno e deve de tê fugido
também. Eles não perde por esperá,
Um dia eu pego eles.
ANTÔNIO
(ao mensageiro)
Eita pau!
(MORE)
68.
ANTÔNIO (CONT'D)
Vancê vai mais eu pra Vargem
Bonita. Vou pensá o que devo fazê.
O coronel Maynart é pessoa de
fiança.
ANTÔNIO
Vosmecê garante, e esse seu criado
tem fé. Apresento, não. Nenhum
cachorro do governo bota mais as
mão nesse seu criado aqui. Só se
for morto. Confio na polícia, não.
JOÃO MAYNART
(com cara de espanto)
Essa luta do senhor precisa ter um
fim. Quem conhece bem o senhor como
eu conheço, sabe que o senhor não é
homem de maus bofes.
ANTÔNIO
Só quando eu recebê a paga dos meus
prejuízo. Enquanto isso, eu ando
por aí, ajudo quem precisá de ajuda
contra esses home.
JOÃO MAYNART
Nós promoveremos a prisão e o
julgamento do assassino de Honório.
É outra garantia qu’eu dou para o
senhor.
Breve silêncio. Antônio olha o chão.
ANTÔNIO
Tou matutano nas promessa de
vosmecê e tou ciente que é
patranha, não. Marcelino já tá
pagano seus pecado nas profunda dos
inferno, carece de julgamento, não.
(pausa)
Nas Pedra tem outro homem do
calibre de vosmecê, não.
(pausa)
Vosmecê sabe como é o inferno?
JOÃO MAYNART
É um lugar de condenação e grande
sofrimento.
ANTÔNIO
A cadeia é um inferno.
Silêncio.
ANTÔNIO (CONT'D)
Entrego, não. Não falo por agravo.
Tanto sacrifício por nada! Tenho
espírito de purgá a morte em vida
em uma prisão, não.
(MORE)
70.
ANTÔNIO (CONT'D)
Só depois de morto. Ora veja
vosmecê s’eu tenho ou s’eu não
tenho cá minhas razão. Eles me
prendeu, sem razão, e me espancou
amarrado naquele pé de umbu. Tou
negando a firmeza pra vosmecê, não.
Marcelino furtou gado de Arcanja e
da Dinha, inda matou Honório. Eita
pau! Chico Peba tomou uma parte de
minhas terra e eu girano mundo, de
déu em déu, zanzano sem ponto de
chegada, e vosmecê tá quereno qu’eu
me entregue com as mão abanano!
Eita pau! Entrego, não.
JOÃO MAYNART
É! Não tiro a razão do senhor.
Silêncio. Ambos têm o olhar fixo no chão.
JOÃO MAYNART (CONT'D)
O senhor pode voltar em paz. Posso
garantir que a polícia não vai mais
perseguir o senhor. O senhor pode
viver em paz.
ANTÔNIO
Vivo, não. Em paz só depois de
morto. Agradeço a vosmecê essa
promessa. O primeiro cachorro do
governo que me encontrá vai querê
aparecê. Vosmecê pode ficá em paz.
Eu volto lá nas Pedra mais, não.
Volto, não.
CORONEL ORNELAS
O major Saint-Clair Valadares é
pessoa de compreensão. Se eu falar
com ele, ele acomoda vosmecê por
lá. A mulher dele, Sá Emília, é
minha prima e é prima de João Duque
também. Vosmecê ajudou João Duque
naquele peleja dele com Josefina lá
na Cariranha. Um dia desses vou
escrever a ele.
ANTÔNIO
Sendo assim, vou esperá.
ANTÔNIO (CONT'D)
Fica mais perto do rio Acari. A
gente vai acampá por lá, depois a
gente volta pra buscá o gado, que
tá nas terra do major Saint-Clair
Valadares.
(pausa)
O coronel João Maynart garantiu que
os cachorro do governo vai mais
atazaná minha vida, não.
FRANCILHA
(com os olhos molhados de
choro)
Ele era meu marido.
(olhando Antônio, como se
quisesse identificá-lo)
Vosmecê é sô Antônio Dó. Eu
reconheci logo que era vosmecê.
ANTÔNIO
Quem era ele?
FRANCILHA
Ele era conhecido por Neco da
Taboquinha. Não sei se vosmecê
conheceu ele. Acho que vosmecê deve
de tê conhecido ele, não.
ANTÔNIO
Conheci, não. E vancê? Qual é a sua
graça?
FRANCILHA
Francilha. Sou daqui, não.
ANTÔNIO
Donde é que vancê é?
FRANCILHA
Pro mode que vosmecê procura?
ANTÔNIO
Por nada, não.
FRANCILHA
Sou dali da banda de lá do rio, da
Serra do Meio.
ANTÔNIO
O que foi que sucedeu com ele?
FRANCILHA
Vosmecê ficou sabeno, não? Foi uma
desgraça. Eles furou ele de faca.
Foi três cabra lá na venda do sô
Malaquias, na noite de ontem pra
hoje. Eles matou ele. Em uma briga
e foi pros Morrinho, pra festa,
bebê cachaça. Aqui tem polícia,
não.
ANTÔNIO
Quem foi que matou ele?
74.
FRANCILHA
(a fala estremecida pelo
choro)
A gente sabe, não. Só sabe que foi
três cabra de fora, que tava de
passagem.
(breve silêncio, tentando
conter o choro)
Sô Malaquias disse que um deles
montava um cavalo castanho claro,
que tava muito magro, outro tava em
uma besta tordilha, mediana,
cambaia e o outro tava montado em
um cavalo baio gateado, de crina
aparada.
ANTÔNIO
Por mal pergunto, quantos anos
vancê tem de casada?
FRANCILHA
Sô Antônio, a gente casou esse ano,
no mês de junho, na festa da Serra
das Arara. Faz ano, não.
ANTÔNIO
Vancê parece que tá pejada?
FRANCILHA
(dá um leve sorriso)
Já tá dando pra notá?
(acariciando a barriga)
Já tá com quatro mês.
ANTÔNIO
Vancê tem amigo, nem parente por
aqui, não?
FRANCILHA
Tenho, não. Tenho pai e mãe mais,
não.
Breve silêncio.
ANTÔNIO
Vancê mora naquela casa de onde
saiu o enterro? Posso te acompanhá
até lá pra mode vancê não caminhá
sozinha.
75.
FRANCILHA (CONT'D)
O povo fala que vosmecê não aceita
qualquer um pra trabalhá com
vosmecê. É preciso sabê quem é e
donde veio.
ANTÔNIO
(sacudindo a cabeça em
gesto aformativo)
Lá isso é verdade, mas vancê tá
desamparada. Se vancê quisé pode
arrumá a trouxa agora mesmo. Dos
Morrinho a gente já volta direto
pro acampamento.
FRANCILHA
Vosmecê tem mulher, não?
ANTÔNIO
Tenho, não.
FRANCILHA
O finado inda tá quente. Fica bem
eu ir assim, assim, sem conhecê
vosmecê direito, não.
ANTÔNIO
Se a gente acabá com a raça desses
cabra safado, o finado vai inté
gostá.
(pausa. Olha firme nos
olhos de Francilha)
Por mal pergunto, quantos anos
vancê tem?
FRANCILHA
Pelo batismo, eu sou da era de
noventa e sete.
ANTÔNIO
(pega no braço dela,
pressionando-o com a mão)
Vancê arruma os traste. Passo aqui
logo mais e levo vancê na garupa. A
gente cria o menino na hora qu’ele
nascê. Tenho filho, não.
FRANCILHA
(dando um leve sorriso)
Tem muita coisa pra levá, não.
Antônio sorri.
77.
FRANCILHA (CONT'D)
Carece vosmecê ir lá nos Morrinho,
não. A gente vai direto pro
acampamento. O que foi feito, tá
feito, tá por fazê, não.
ANTÔNIO
(sorrindo)
Gostei de vancê.
CORONEL
(ao homem)
Você chama pra mim o Fulô Taboca.
Ele deve de tá aí fora.
CORONEL (CONT'D)
(a Fulô Taboca)
Vancê prest’assunto no qu’eu vou
falar. Seu Antônio Dó se meteu com
meu irmão e ainda tomou dele três
conto de réis. Ele deve de tá lá na
Boa Vista, nas terras de seu Adão
Vieira. Vancê arreia um cavalo
agora mesmo e vai lá e entra no
bando dele. Vancê vai matar ele, na
hora que tiver jeito. Tem pressa,
não. Vancê leva o Zé Faria. É um
cabra bom de serviço.
CORONEL (CONT'D)
Quando vancê tiver acabado o
serviço, volta pra cá. Eu vou pagar
a vancê oito contos de réis pelo
serviço.
CORTA PARA:
FULÔ TABOCA
Já tou ficano cansado de ficar
parado.
ZÉ FARIA
Tá todo mundo cansado. Tem gente
falano de ir embora.
JAGUNÇO III
Seu Antônio tá rico e acomodado. É
o que todo mundo tá falano.
ZÉ FARIA
Ele tá rico. Ele tem uma garrafa
entupida de diamante, garimpado lá
no Rio Claro. É o que o povo diz.
FULÔ TABOCA
Sei, não. Seu Antônio parece que tá
quereno descansá dessa vida.
Qualquer dia desse, ele dispensa
todo mundo.
79.
ZÉ FARIA
Dispensa, não. Ele é que nem bambu.
Vive só, não. Ele tem medo dos
cachorro do governo.
FULÔ TABOCA
Tem mais, não.
JAGUNÇO III
Pode sê. Ele tem inimigo pra toda
banda. Fica sem a gente por perto,
não. Fica, não.
FULÔ TABOCA
Ele tá rico.
(pausa)
A gente bem que podia formá um
bando e saí desse paradeiro.
JAGUNÇO III
Tinha pensado nisso, não. O pessoal
da Bahia larga dele, não.
FULÔ TABOCA
Pode sê. Mas a gente carece de
pensá neles, não. No Brejo dos
Crioulo, na Ponte do Salobro e na
Gameleira, vancê arranja mais
gente. Lá tem muito cabra de
corage.
JAGUNÇO III
Pra formá um bando carece de
dinheiro.
FULÔ TABOCA
Se vancê quisesse, vancê podia
conquistá a Francilha. Ela pode
pegá a garrafa de diamante.
JAGUNÇO III
Vancê tá doido? Ela aceita, não.
Aquilo ali a gente vê com os’oio e
come com a testa.
ZÉ FARIA
Sei, não. Ela tem olhado pro Zé
Olímpio, assim como de coisa que
não qué nada, se oferecendo.
FULÔ TABOCA
A gente pode chamá o Zé Olímpio.
Será que ele topa?
80.