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Carmen Garcia
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Epílogo
Carmen Garcia
A Anos-Luz
EGO
Capítulo 1
Lia
Nem sei bem de que forma hei-de contar tudo aquilo que
se passou nas últimas horas. Lembro-me de ser puto, fazer
asneiras daquelas mais sérias e ser obrigado pelas circuns-
tâncias a contá-las aos meus pais. Tal como agora, nunca sabia
como começar e a minha mãe usava sempre a mesma
expressão que, para além de estranha em termos de
sonoridade, tinha o dom de me mexer com os nervos: “começa
pelo começo”. É isso que vou tentar fazer agora, mas sem
grandes promessas de coerência.
Ontem, como tem sido habitual nas últimas semanas,
fiquei com Lia no hospital até ser convidado a sair pela
enfermeira responsável de turno. Quando vinha quase a chegar
ao palácio, recebi uma mensagem de Cesar a perguntar como
estava tudo com Lia e com o bebé e acabámos por ficar um
bocado à conversa. Deitei-me tarde e, cansado como ando,
adormeci hoje de manhã, o que provocou um atraso de mais de
trinta minutos no início do Conselho de Ministros.
Depois do meu pai abrir a sessão, pedi a palavra e
apresentei as minhas desculpas. Todos os ministros foram
impecáveis à excepção do anormal do pai de Genna que
começou a vomitar um chorrilho de disparates sobre eu estar a
descurar as minhas responsabilidades por causa de Lia e outras
idiotices do género. Juro que ainda tentei responder-lhe
educadamente e justificar o que devia ser óbvio: a minha
mulher está no hospital, grávida do meu filho que, só assim
por acaso, vai ser o rei da Terra um dia. É suposto que eu lhes
dedique toda a atenção possível, não? Acontece que Mike é
um atrasado que decidiu responder-me de forma rude,
repetindo incessantemente que no hospital Lia está cuidada e
não precisa de mim para nada, mas que o planeta sim, precisa.
Enfim, já não me lembro de todas as palavras que trocámos
mas a discussão azedou ao ponto de Mike ter dito, e passo a
citar, “não estou aqui para aturar fedelhos com a mania que
sabem tudo”, e de eu lhe ter respondido “se não está, faça o
favor de se meter ao fresco que, para esse lugar, o que não
falta é gente melhor preparada”.
E com estas palavras lançadas não houve nada mais a
fazer. Mike levantou-se, arrumou as coisas e dirigiu-se ao meu
pai, informando que a sua carta de renúncia ao cargo chegaria
ainda durante o dia. O meu pai, de forma bem parva segundo a
minha opinião, ainda lhe pediu que reconsiderasse, mas Mike
foi bem claro quando disse que essa não era sequer uma
hipótese. A verdade é que a tensão entre nós dois tem sido
crescente de há um tempo para cá e acredito que, mesmo sem
o meu atraso de hoje, esta era a forma como as coisas
acabariam de qualquer maneira, mais tarde ou mais cedo.
O ambiente no Conselho de Ministros ficou
estupidamente tenso depois da saída de Mike e tudo piorou
quando fomos interrompidos por duas batidas fortes na porta
do salão. Apesar de habitualmente ser um gajo pragmático e
pouco dado a misticismos, juro que pressenti qualquer coisa de
terrível com o som daquelas batidas e, quando a responsável
pela investigação do homicídio de Zira entrou na sala, todo o
meu corpo ficou em alerta máximo.
— Majestades, ministros, lamento profundamente
interromper a vossa reunião, mas as notícias que trago são da
máxima urgência — disse a detective de um só fôlego, sem
nos dar sequer tempo para responder aos cumprimentos. —
Acabámos de receber o relatório do departamento forense e
estamos em condições de apontar que o principal suspeito da
morte de Zira, é Carlos Almeida, o segurança da princesa Lia.
E pronto, foi nesse momento que o meu coração
congelou. Não consegui ouvir mais nada, focar-me em mais
nada, pensar em mais nada. Saí disparado do salão de
reuniões, movido pela força de querer chegar a Lia o quanto
antes. Saber que aquele animal de merda devia estar com ela
no hospital naquele momento, saber que o cabrão que matou
Zira estava ao lado da minha mulher com as mãos sujas de
sangue prateado… Ainda houve uma parte da minha
consciência, talvez a mais racional, que me gritou que suspeito
não é o mesmo que culpado mas, num instante, essa ínfima
parte foi abafada pelo desespero.
Enquanto corria para a mota, ouvi a detective dizer que já
tinha enviado uma equipa ao hospital. Pudesse eu perder
tempo naquele momento e ter-lhe-ia dito que Lia e o meu filho
não precisavam de uma equipa do ramo de alto desempenho
da polícia. De quem eles precisavam era do marido e do pai.
Quando parei a mota à porta do hospital, tive a nítida
sensação que fizera a viagem numa espécie de piloto
automático e percebi que não me lembrava de um único metro
do caminho. De qualquer forma, nada disso importava. Só
queria chegar perto de Lia e do meu filho.
Sem tempo para esperar pelo ritmo de elevadores,
escadas e passadeiras rolantes, acabei por subir em passo de
corrida e, quando cheguei ao quarto de Lia, quase morri mil
mortes. Carlos encontrava-se detido pela polícia e Lia, sentada
na cama, com o cabelo levantado e muito mais pálida que o
habitual, parecia estar a tentar electrocutar Genna. Os gritos de
ambas eram qualquer coisa de surreal, como dois animais
selvagens em sofrimento, e quando vi Lia tombar, nitidamente
inconsciente, pensei que ia explodir com dor.
Corri para ela, abracei-a e chorei. Sei que entraram
médicos e enfermeiros no quarto, sei que Genna foi levada,
mas não consegui fazer outra coisa que não rezar ao meu Deus
e à Origem de Lia a pedir-lhes que não a levassem de mim. Só
voltei à consciência plena quando o médico me disse que ela e
o bebé estavam bem, sendo que Lia se encontrava apenas
ligeiramente hipotensa e, muito provavelmente, exausta.
Quando todos abandonaram o quarto e fiquei finalmente
a sós com a minha mulher, encostei a mão na barriga dela e,
pela primeira vez desde que soubemos da gravidez, o bebé
chutou, quase como se me dissesse “está tudo bem por aqui”.
Depois, deitei-me na cama, ao lado de Lia, e fiquei a observar
o rosto pálido e perfeito da mulher que o universo escolheu
oferecer-me.
***
Lia só acordou cerca de duas horas depois e, quando me
viu, a expressão dela era de pânico absoluto.
— Arthur, foi Carlos que matou Zira e Genna está com
ele. Há mais gente do palácio envolvida e e eles injectaram-me
soro da verdade que não funcionou e fizeram perguntas
estranhas sobre o meu pai e Rome e…
— Hey, calma meu amor — disse-lhe com suavidade
enquanto fui apanhando com os dedos as lágrimas cor de prata
que lhe escorriam pelas faces — a polícia tem Carlos e Genna,
e seguramente que vão interrogá-los com soro da verdade e
fazer o que está certo.
Lia rodou contra o meu peito e soluçou ainda mais
quando lhe beijei o topo da cabeça.
— Tenho medo Arthur, tenho tanto medo — disse-me
baixinho.
— Não precisas de ter medo. Eu estou aqui e vou ficar
aqui sempre, para ti e para o pequeno José.
— José? — perguntou-me Lia com a sobrancelha
franzida.
— Então? Não gostas?
— Gosto, muito. Soa-me bem. Mas porquê José?
— Segundo todos os registos é o nome do soldado
terrestre por quem a rainha de Vory se apaixonou. E que
melhor nome para o filho do nosso amor do que o do homem
que arriscou tudo para trazer consigo a sua amada voryana? —
perguntei.
— Sabes, durante muito tempo considerei Dora como
uma rainha maldita e causadora de desgraças quase infinitas
— disse-me Lia —, hoje sei que foi uma mulher corajosa, que
se apaixonou e lutou por esse amor. Tal como eu teria feito se
tu tivesses aterrado em Vory um dia.
— Minha Lia — e espero que ela tenha percebido o amor
na minha voz —, sabes que o meu amor por ti é maior que o
universo?
— Sei — respondeu ela só comparado ao amor que sinto
por ti.
Depois desta conversa Lia voltou a adormecer nos meus
braços, ligeiramente menos pálida, e é ainda ao lado dela que
me encontro. Sei que preciso sair do quarto e falar com os
meus pais e com a polícia mas, na verdade, a ideia de deixar
Lia provoca-me pânico. Mas quando a porta se abre devagar e
vejo Elena, Teresa e Cesar, sei que a minha mulher e o meu
filho ficam acompanhados por pessoas que os amam e se
preocupam realmente com eles. Beijo Lia na testa e, com todo
o cuidado, saio da cama.
É altura de enfrentar o mundo lá fora.
Capítulo 33
Arthur
Mike Debrum”