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Aspectos Culturais - Dministracao Publica Brasileira
Aspectos Culturais - Dministracao Publica Brasileira
Carolina Lescura
Dionysio Borges de Freitas Jr
Roberto Pereira
Resumo
A administração pública brasileira foi marcada, historicamente, por três grandes momentos: Administração
Patrimonial, Burocrática e Gerencial. Verifica-se ao longo dessa trajetória a perpetuação de comportamentos
como o patrimonialismo e o nepotismo. Argumenta-se que uma das razões para esta perpetuação são alguns
traços culturais tipicamente brasileiros. Nesse sentido, este ensaio tem por objetivo verificar a presença do
patrimonialismo e nepotismo na administração pública brasileira, perpassando os três momentos apresentados.
Por meio de revisão bibliográfica e de argumentos apresentados foi possível evidenciar que, mesmo após as
reformas burocrática e gerencial, as práticas de patrimonialismo e nepotismo continuaram a vigorar no Brasil. A
predominância por relacionamentos pessoais afetivos, a malandragem e o “jeitinho” brasileiro e a grande
distância entre as camadas sociais foram os traços culturais explorados neste ensaio. Verificou-se que tais traços
influenciam sobremaneira as práticas de gestão do Estado, coexistindo comportamentos cosmopolitas e
oligárquicos, uma manifestação do moderno e do tradicional.
Palavras-chave
1. Introdução
A administração pública brasileira passou por três grandes momentos, desde que se
iniciou a colonização do país pelos portugueses, até os dias atuais. Sua evolução vai desde o
sistema patrimonialista, em que os interesses pessoais confundiam-se com os interesses
públicos; passa por um momento de burocratização, que buscou conferir maior
impessoalidade, hierarquia e normas mais claras à atividade estatal; e culmina em um terceiro
momento, em que são introduzidas práticas gerenciais privadas na administração pública,
garantindo, a esta, maior agilidade e direcionamento para resultados.
O primeiro momento inicia-se com o Brasil colônia e estende-se desde o Império até a
República Velha (1889-1930). Com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao
poder, tem início o segundo momento da administração pública brasileira, marcado pela
Reforma Burocrática. Este período estende-se até a década de 1990, quando é implementada a
Reforma Gerencial, em 1995. Inicia-se a partir de então um terceiro momento da
administração pública brasileira, que, apesar de ser caracterizado como gerencialista,
preserva, contudo, comportamentos patrimonialistas típicos das oligarquias, que convivem
lado a lado com posturas cosmopolitas.
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Uma das possíveis causas para a permanência do patrimonialismo e nepotismo na
administração pública reside nos traços culturais tipicamente brasileiros, como as relações
pessoais afetivas, a malandragem e o “jeitinho” brasileiro e o distanciamento entre as classes
sociais.
Dessa forma, este ensaio tem por objetivo analisar a presença do patrimonialismo e do
nepotismo na administração pública brasileira, perpassando os três momentos apresentados.
Essa presença será analisada por meio da influência dos traços culturais brasileiros.
Com o intuito de alcançar o objetivo proposto, este trabalho foi dividido nas seguintes
seções, além desta introdução: patrimonialismo e nepotismo, apresentando seus respectivos
conceitos; breve histórico da administração pública brasileira; traços da cultura brasileira;
cultura brasileira e práticas de patrimonialismo e nepotismo, enfatizando as relações desses
aspectos ao longo da história; e, por fim, as considerações finais, em que são apresentadas a
conclusão deste trabalho, algumas de suas limitações e possibilidades de pesquisa sobre o
tema.
2. Patrimonialismo e Nepotismo
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3. Breve histórico da administração pública brasileira
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A Reforma Gerencial de 1995 envolveu um diagnóstico composto por algumas
perguntas como: (1) O Estado deve permanecer realizando as mesmas atividades? Quais
podem ser eliminadas ou transferidas para outras esferas de poder, ou ainda para o setor
privado?; (2) Existem novas funções ou instituições que o Estado deve criar?; (3) Para exercer
as suas funções o Estado necessita do contingente de funcionários existente? Dispõe-se de
uma política de recursos humanos adequada?; (4) As organizações públicas operam com
qualidade e eficiência? Seus serviços estão voltados prioritariamente para o atendimento do
cidadão, entendido como um cliente, ou estão mais orientadas para o simples controle do
próprio Estado? (BRASIL, 1995).
Bresser-Pereira (1996) relaciona quatro setores dentro do Estado, a serem
diversamente tratados pela Reforma. O primeiro deles é o núcleo estratégico do Estado; o
segundo é composto pelas atividades exclusivas do Estado; o terceiro pelos serviços não-
exclusivos, também chamados de competitivos; e o quarto setor, composto pela produção de
bens e serviços para o mercado.
De maneira geral, a Administração Pública Gerencial teve por objetivo substituir o
típico administrador público por gerentes, ou seja, pressupunha uma mudança nos aspectos
culturais do Estado, dado que os valores gerenciais deveriam se sobrepor-se aos burocráticos
(JUNQUILHO, 2002). O Estado passaria a incorporar ferramentas próprias do setor privado,
administrando os recursos públicos de maneira eficiente para os “cidadãos-clientes”. Este tipo
de administração pública está em curso no Brasil e procura se consolidar nas três esferas de
governo, o que certamente levará alguns anos para que isto aconteça.
Em suma, a administração pública brasileira passou por três grandes momentos na sua
constituição histórica marcados pela predominância de três tipos de administração, quais
sejam: Patrimonial, Burocrática e Gerencial. Como será visto neste trabalho, apesar das
reformas administrativas, características como patrimonialismo e nepotismo perpetuaram-se
ao longo dessa trajetória. Acredita-se que uma das razões para tal fato consiste na influência
dos traços culturais na gestão do setor público. Portanto, na próxima seção busca-se explorar
os traços culturais brasileiros que influenciam a administração pública.
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que o Estado. Este autor, baseado nos trabalhos de Sérgio Buarque de Hollanda, elucida que a
família no Brasil não se constitui sob o Estado, mas sobre o Estado.
Nessa Administração Patrimonialista, a prática do nepotismo também pôde ser
evidenciada. Oliveira Vianna (1987) cita, por exemplo, que havia uma tradição em atribuir o
cargo de chefia da polícia civil ao partido dominante.
Por sua vez, a malandragem e o “jeitinho” brasileiro representam uma maneira de
contornar ou burlar certas leis e formalidades (MOTTA, 2003). Este traço apresenta relação
com a diferença existente entre a conduta efetiva dos cidadãos e os padrões estabelecidos
“pelas elites nas suas esplendorosas cartas constitucionais” (VIANNA, 1987). Vianna (1987)
afirma que o chamado folkways, ou seja, o conjunto dos costumes, instituições, tipos, praxes e
usos, formam um sistema de motivações e atitudes baseado nos costumes, e esse sistema, por
sua vez, determina a conduta real e efetiva dos indivíduos. Essa situação da diferença entre o
que prescreve as leis e o comportamento dos cidadãos pode ser evidenciada ainda nesse
período do Estado patrimonial brasileiro, ou seja, anterior à reforma burocrática da década de
1930.
O terceiro traço cultural, analisado neste ensaio, é o distanciamento entre as
camadas sociais. Este é um traço que emergiu desde o período colonial e que hoje manifesta-
se nas relações sociais brasileiras, inclusive no quadro político atual. No Brasil colônia, esse
distanciamento é expresso na relação casa grande-senzala, onde predomina o distanciamento
entre senhor de engenho e escravo (MOTTA, 2003).
Como o próprio nome indica, o patrimonialismo e o nepotismo emergem como um
comportamento comum a este primeiro momento da história da administração pública, dado a
predominância da elite oligárquica, que acentuava o distanciamento entre as classes sociais
nesse momento histórico.
Um segundo momento da administração pública brasileira inicia-se com a Reforma
Burocrática da década de 1930 e perdura até o advento da Reforma Gerencial, já na década de
1990. A Reforma Burocrática, conforme já visto, tinha o intuito de atribuir maior
impessoalidade às relações da esfera pública. Entretanto, verifica-se que a reforma não rompe
totalmente com a prática patrimonialista.
A predominância por relacionamentos afetivos ainda encontrava-se presente,
mesmo com as primeiras tentativas de profissionalização do Estado. Neves (2001) aponta que
as análises sobre a Era Vargas enfatizam, entre outros aspectos, as características
“paternalistas” de construção da figura do presidente Getúlio Vargas, como o “pai dos
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pobres”, alcunha relacionada, sobretudo, às concessões e benefícios que fazia, culminando
com a imagem de uma nação unificada e pacífica, sob o manto do trabalhismo.
Observa-se, no período que se segue à Reforma Burocrática, a convivência simultânea
de dois sistemas administrativos – patrimonial e burocrático. Vieira, Costa e Barbosa (1982),
indagam como poderia se adaptar um sistema burocrático, fundado na impessoalidade, a uma
sociedade cujo valor dominante são as relações pessoais. A resposta para esta questão reside
na presença de traços culturais, como a malandragem e o jeitinho brasileiro. Esses autores
elucidam que o jeitinho seria uma espécie de fuga aos rigores e padrões da burocracia,
abrindo caminho para uma volta à predominância do tratamento personalizado, característico
do patrimonialismo.
Quanto ao distanciamento entre as classes sociais, pode-se dizer que, entre a
Reforma Burocrática da década de 1930 e a Reforma Gerencial de 1995, existiram dois
períodos em que o Brasil foi governado por ditaduras. O primeiro período foi a Era Vargas
(1930-1945) e o segundo compreendeu a ditadura militar (1964-1984). Nestes períodos as
liberdades individuais foram restringidas, houve maior distanciamento entre aqueles que
detinham o poder do restante da população, no que se refere ao aceso às instituições e à
participação. Tal distanciamento remete à dominação tradicional, típica do patrimonialismo,
onde os poderes de mando são apropriados por um certo grupo de pessoas ou estamento, o
que é chamado por Weber de dominação estamental (WEBER, 1991).
O terceiro momento da história da administração pública brasileira é marcado pela
Reforma Gerencial. Mesmo após esta reforma, verifica-se que as relações pessoais e de
afetividade continuam a vigorar na administração pública. Um exemplo que pode ser citado
refere-se ao fato do atual governo ter ampliado o número de cargos de confiança na
administração pública, que foram preenchidos por membros do partido do governo (ZANINI,
2007). Este fato relaciona-se tanto com o nepotismo quanto com o patrimonialismo, na
medida em que a classe política que detém o poder o distribui baseado em relacionamentos
pessoais e afetivos.
Observa-se, assim, a continuação da dominação da estrutura do Estado pela classe
política e pela tecnocracia. Dessa forma, pode-se dizer que o Brasil ainda caracteriza-se como
um Estado neopatrimonialista, conforme o conceito de Schwartzman (1988). Ainda constata-
se, na classe política e tecnocrata dominante, um comportamento que é, simultaneamente,
moderno e tradicional, cosmopolita e patrimonialista. Assim, o jeitinho brasileiro e a
malandragem continuam presentes na esfera da administração pública, e uma de suas
manifestações é o que DaMatta (1997) se refere através da expressão: “Você sabe com quem
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está falando?”. Esta manifestação consiste na utilização do cargo público ou de certo grau de
parentesco, proximidade ou suposta proximidade com a classe política e tecnocrata
dominante, com o intuito de conseguir favores e burlar as regras da administração pública.
Isto remete a um sistema fundado com base na honra, no respeito, no favor e na consideração,
que a todo momento é ameaçado por princípios universalizantes, segundo DaMatta, (1997).
Este autor afirma também que existe uma relação circular na sociedade brasileira, entre uma
ideologia igualitária e uma moralidade hierarquizante, responsável pelo choque entre o
impessoal e as relações de alta pessoalidade, como no caso do “Você sabe com quem está
falando?” (DAMATTA, 1997).
Após a reforma gerencial, o distanciamento entre as classes sociais permanece, pois
o gerencialismo não conseguiu diminuir as desigualdades sociais no Brasil. Contudo, o que se
observa é uma alteração dos atores sociais. Na Administração Patrimonial esse
distanciamento era caracterizado pela figura do senhor de engenho e do escravo. Já na política
atual esses sujeitos dão lugar ao tecnocrata e ao operário.
De forma abrangente, foi possível observar que o nepotismo e o patrimonialismo
perduraram nos três momentos da administração pública nacional. Como pôde ser
evidenciado, um dos pontos responsáveis por tal fato são os traços culturais brasileiros. Para
Motta (2003) o que ocorre no Brasil é a coexistência do moderno e do arcaico, ou seja, ao
mesmo tempo em que a burguesia assume comportamentos cosmopolitas, ora retoma atitudes
oligárquicas, traços de comportamento típicos do tempo dos senhores de engenho.
5. Considerações finais
6. Referências
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