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RAE-CLÁSSICOS • PARADIGMA FUNCIONALISTA: DESENVOLVIMENTO DE TEORIAS E INSTITUCIONALISMO NOS ANOS 1980 E 1990

PARADIGMA FUNCIONALISTA: DESENVOLVIMENTO


DE TEORIAS E INSTITUCIONALISMO NOS ANOS
1980 E 1990
Miguel P. Caldas
Professor associado da Loyola University New Orleans
E-mail: mpcaldas@loyno.edu

Roberto Fachin
Professor do Mestrado Profissional de Administração da PUC-Minas – Fundação Dom Cabral
E-mail: rcfachin@portoweb.com.br

INTRODUÇÃO vez de buscar atualização nos últimos desenvolvimentos


teóricos desse paradigma, abrigou-se na ortodoxia estru-
Como discutido na introdução ao primeiro número des- turalista-sistêmica que dominou o funcionalismo até a
ta série (Caldas, 2005), em 1979 Burrell e Morgan mos- década de 1970, em especial no contingencialismo. Com
travam que, dentre os quatro paradigmas sociológicos isso, salvo raras exceções (como as abaixo citadas no caso
em seu modelo, o funcionalismo – no quadrante da ob- do neo-institucionalismo no Brasil desde os anos 1990),
jetividade e da sociologia da regulação“– constituía até predominou no campo um distanciamento, por um lado,
aquele momento a “ortodoxia” em estudos organiza- entre os debates mais recentes do paradigma funciona-
cionais. lista que parece ter abraçado, e por outro, as replicações
Embora o funcionalismo ainda seja a ortodoxia do estruturalista-sistêmicas e contingencialistas que a maio-
campo, o texto de Burrell e Morgan (1979) não visuali- ria da nossa produção de cunho funcionalista parecia
zava a expansão do paradigma interpretacionista como espelhar. O resultado é uma geração de pesquisadores de
ocorreu nas décadas de 1980 e 1990, nem a inflexão orientação funcionalista que acabou tendo menor aces-
crítica e pós-moderna que foram infundidas no campo so a esses novos debates e às novas teorias desse paradig-
a partir da influência européia, em especial na década ma, e com ênfase maior nas revisitas infindáveis a luga-
de 1990. Mas, apesar de tudo, é indiscutível que – em res-comuns do contingencialismo sistêmico. Foi
boa parte devido à representatividade institucional do abraçada uma ortodoxia, no mais das vezes, sem man-
mainstream norte-americano – o funcionalismo conti- ter com ela um mínimo vínculo de atualização. O re-
nuou a expandir sua hegemonia até hoje no campo de sultado desse distanciamento é fácil de visualizar, seja
estudos organizacionais. na nossa pesquisa ou no ensino de teoria organizacio-
De 1980 até o momento, o campo de estudos organi- nal que oferecemos.
zacionais cresceu exponencialmente, e como já foi mos- No âmbito da pesquisa, é possível notar essa lacuna
trado em inúmeros estudos sobre o desenvolvimento da por estudo de conteúdo ou por análise bibliométrica da
área (e.g. Machado-da-Silva et al., 1990; Bertero e Keinert, nossa produção. Enquanto o funcionalismo efervescia
1994), abraçou especialmente a ortodoxia funcionalista nos anos 1980 e 1990 por acalorados debates intrafun-
como plataforma, apesar do crescimento relativo tam- cionalistas, a maior parte da nossa produção de mesma
bém de vertentes interpretacionistas, críticas e, mais re- orientação desconhecia ou ignorava as teorias no cen-
centemente, pós-modernistas. tro desse debate, como o neo-institucionalismo, a eco-
No entanto, como também discutido em outros traba- logia populacional, as teorias da agência e de custos de
lhos sobre o campo (e.g. Bertero et al., 1999), a adoção transação, e o neo-contingencialismo. As honrosas exce-
do paradigma funcionalista no Brasil teve até certo pon- ções saíam dos principais programas de pós-graduação
to qualidade questionável e critérios duvidosos. Com isso, filiados à ANPAD, cujos pesquisadores tinham acesso às
muito do que foi incorporado nos anos 1980 e 1990, em principais publicações estrangeiras, ou tinham se famili-

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arizado com os novos desenvolvimentos do campo ao to, acertadamente fornecido ao funcionalismo organiza-
desenvolverem seus doutoramentos em instituições es- cional, estreitamente definido, uma agenda de desenvol-
trangeiras. vimento teórico que iria centrar-se nesses debates fun-
Obviamente, tendemos a não ensinar o que não conhe- damentais.
cemos, e o resultado é que, nos cursos de graduação e Astley e Van de Ven previam que entre as quatro pers-
pós-graduação em todo o Brasil, repetia-se o fenômeno: a pectivas teóricas centrais que viam no campo emergiriam
teoria organizacional ensinada era tipicamente um funcio- ao menos seis debates principais, que orientariam o de-
nalismo desatualizado, comumente pré-contingencialista. senvolvimento teórico da área. Não que esses autores
Novos pesquisadores e docentes que emergiam desse tipo tenham acertado em todos os debates principais; na ver-
de educação repetiam o ciclo, passando adiante uma ver- dade, deixaram de ver diversas forças latentes à época e
são ainda limitada e desconectada do debate corrente da deram atenção demais a alguns vetores teóricos que aca-
ortodoxia funcionalista. Por sua vez, livros-texto de “teo- baram não tendo expressão. No entanto, a simples cons-
ria de Administração” que surgiram na época – e ainda tatação de que o determinismo sistêmico não mais sim-
amplamente adotados no Brasil – praticamente ignoram bolizava um consenso no campo, e que o contingencia-
qualquer desenvolvimento teórico posterior ao estrutura- lismo não mais expressava a única teoria possível, pa-
lismo sistêmico ou, na melhor das hipóteses, ao contin- rece o bastante para dar ao leitor ainda não iniciado em
gencialismo do final da década de 1970. tais debates um ponto de partida para explorar o funcio-
Como prometido no primeiro número desta série, ire- nalismo, além do tradicional contingencialismo.
mos neste e no próximo número da “RAE-Clássicos” pro- Ao menos quatro desses debates de fato emergiram
curar estreitar esta lacuna, veiculando textos dos princi- fortemente no campo, geraram tradições teóricas con-
pais debates nos quais o funcionalismo se engajou desde correntes que expandiram a tradição funcionalista e po-
a década de 1980. Neste segundo número da série, nosso voaram suas publicações nos últimos 25 anos. O primei-
interesse é oferecer um texto que sirva de guia das dire- ro deles é de natureza intrinsecamente determinista, en-
ções que esses debates e novas teorias funcionalistas to- tre perspectivas de “adaptação” e de “seleção”; o segun-
maram nos últimos 25 anos, e iniciar a viagem por uma do, entre perspectivas deterministas e voluntaristas; o
das teorias que o funcionalismo engendrou no último terceiro é o debate entre ação individual e ação coletiva;
quarto de século – o neo-institucionalismo. e o quarto, entre modelos racionais e modelos normati-
vo-institucionais, que eles chamam de “organizações”
versus “instituições”.
DEBATES DO FUNCIONALISMO EM TEORIA É do debate entre as perspectivas deterministas de
ORGANIZACIONAL NOS ANOS 1980 E 1990 “adaptação” e de “seleção” que surgem as separações entre
os contingencialistas (adaptação) e os teóricos da cha-
O primeiro artigo da “RAE-Clássicos” deste número, de mada ecologia populacional (seleção). Este embate per-
Astley e Van de Ven, é hoje um texto clássico no ensino mitiu uma expansão teórica do campo. Na essência,
do funcionalismo em teoria organizacional, e pode ser Astley e Van de Ven acertaram ao sugerir que a perspec-
um excelente guia para compreender os caminhos do tiva da seleção expandiria o campo ao mostrar empirica-
desenvolvimento teórico desse paradigma hegemônico mente como o determinismo contingencialista era sim-
no campo depois da predominância contingencialista até plista em superestimar a capacidade de as organizações
o final da década de 1970. perceberem, reagirem e responderem a ditames ambien-
Como mencionado anteriormente, o funcionalismo tais, e subestimava forças ambientais aleatórias e de lon-
encontrava-se, em 1979, severamente entrincheirado na go prazo que tornariam a ação do administrador muito
ortodoxia estruturalista-sistêmica, mais especificamente menos significativa para a sobrevivência organizacional
no determinismo contingencialista, e no foco da relação do que faziam crer os contingencialistas. O argumento
organização-ambiente, ambos amplamente inspirados nos central dos ecologistas populacionais é que não são as
achados da chamada Escola de Aston (Westwood e Clegg, “organizações” que se adaptam ou não a seus ambientes,
2003, p. 5). mas (a) as “populações organizacionais” que têm ou não
É preciso lembrar que, em 1983, Astley e Van de Ven tal adaptação; e (b) nem organizações nem populações
limitavam a teoria organizacional ao estruturalismo se adaptam: elas já estão adaptadas ou não a variações
sistêmico, por entenderem que este abrangia a totalida- ambientais aleatórias quando estas ocorrem. Um outro
de do campo. O seu maior mérito é ter, naquele momen- mérito importante desse debate é a sugestão de que a

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pesquisa sobre sobrevivência e adaptação organizacional bolizar o caminho seguido pela expansão do campo na
deveria ser deslocada do âmbito organizacional de análi- direção da análise do ambiente organizacional como uni-
se para o âmbito populacional, ou seja, a “população”, e dade de análise. Tanto no exterior como no Brasil, essa
não a “organização” individual, seria a unidade de análi- expansão é bem exemplificada pela mudança de foco da
se adequada. Pouco no Brasil tem sido escrito sobre esse organização, em particular para redes organizacionais,
debate, à exceção do trabalho de Carvalho (2002). E dotadas de maior nível de análise e maior fluidez
menos ainda sobre as limitações da perspectiva interacional. Em nosso país, essa extensão do campo foi
contingencialista, mesmo usando a ecologia populacio- sentida tanto nos estudos sobre redes organizacionais na
nal como base. A despeito da idade avançada desse deba- área de teoria organizacional, como é o exemplo da linha
te, o Brasil ainda poderia se beneficiar de agendas de pes- de redes feitas a partir da UFBA, sob a liderança de Tânia
quisa que, mesmo numa tradição determinista, procu- Fischer, como em estratégia, a partir de vários centros de
rassem investigar indústrias inteiras em cortes longitu- pesquisa e pós-graduação. Ainda há muito no Brasil para
dinais de longo prazo, em vez de se concentrarem ape- se compreender sobre a dinâmica interorganizacional
nas em alguns representantes esparsos e em um corte nesse nível de análise, e o artigo de Astley e Van de Ven
transversal de tempo. pode ser uma referência inicial para o pesquisador ainda
O segundo debate ocorreu de fato entre os represen- não iniciado nesse novo veio de pesquisa.
tantes do “determinismo” – ou seja, aqueles que assu- Por fim, o quarto debate é aquele entre modelos racio-
mem que as organizações apenas sobrevivem quando nais e modelos normativo-institucionais, ou entre “or-
obedecem a ditames exógenos, seja de eficiência ou am- ganizações” e “instituições”. De todos, talvez esse tenha
bientais –, representados em especial pelo contingencia- sido o debate mais frutífero do funcionalismo nos últi-
lismo até então imperante e por perspectivas em expan- mos 25 anos em termos de desenvolvimento e expansão
são, como a ecologia populacional e as teorias econômi- teórica. No seio do próprio funcionalismo, esse debate
cas da organização (ambas a serem discutidas nesta sé- já vinha das discussões provocadas por March e Simon a
rie), e os representantes do “voluntarismo”, que questi- partir do conceito de racionalidade limitada. Mas, mes-
onavam a existência ou necessidade dessa dependência mo além dessa origem, diversas outras confluências –
passiva da organização a ditames externos. Astley e Van entre elas o interesse crescente sobre cultura organiza-
de Ven citam, como exemplos de teorias voluntaristas, cional na práxis dos anos 1980 e os desenvolvimentos
correntes como a da escolha estratégica (Child, 1972), em teoria sociológica difíceis de ser ignorados entre os
que inserem, na ação organizacional, componentes de anos 1960 e 1980, como o interacionismo simbólico, o
cognição do corpo dirigente e coalizões políticas que fil- construtivismo social e a etnometodologia, provocaram
trariam e escolheriam quais ditames externos perceber e debates internos no funcionalismo entre objetivistas-
atender, e quais ignorar. Mais importante do que tentar racionalistas e os que defendiam posturas teóricas e abor-
estabelecer um grupo de teorias voluntaristas, o que o dagens metodológicas mais próximas do que Burrell e
debate determinismo-voluntarista propiciou foi o fim da Morgan (1979) chamaram de “interpretacionismo”. Na
hegemonia da hipótese determinista, e em seu lugar o tradição funcionalista dominante até o início da década
estabelecimento de um espectro que iria do alto deter- de 1980, dominada pelo imperativo objetivista-racional
minismo ao alto voluntarismo, dentro do qual uma vari- de teorias como contingencialismo e economia organi-
edade de teorias poderia emergir. E isso, de fato, repre- zacional, os atores organizacionais seriam objetivos e
senta um rico debate que surgiu e expandiu o campo nos racionais. Como tal, não apenas respondem a ditames
últimos 25 anos. Teorias como o neo-institucionalismo e técnicos e ambientais, mas o fazem como “instrumen-
a teoria da agência, que serão representadas nesta série, tos” de eficiência e racionalidade, em prol de objetivos
são exemplos de vertentes nascidas em parte da expan- organizacionais compartilhados e incontestes. Desde o
são desse espectro, ao permitir abordagens mais distan- início da década de 1970, novas perspectivas passaram a
tes do extremo determinista, para posições mais inter- questionar essa natureza exclusivamente técnica e racio-
mediárias. No Brasil poderia ser muito melhorado o en- nal do ator organizacional, e a salientar elementos polí-
tendimento, em termos de posicionamento e potencial ticos, cognitivos, e mesmo culturais ou normativos do
teórico, dessa simples diferença na visão da ação organi- ambiente, que limitariam a ação organizacional racional
zacional com relação ao ambiente. e neutra, e favoreceriam outros elementos internos e ex-
O terceiro debate, localizado na oposição entre a ação ternos da ação organizacional. Em todo o mundo, inclu-
individual e a ação coletiva, é mais importante por sim- sive no Brasil, começou-se a ver novas explicações e abor-

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dagens teóricas que passaram a atribuir significado, va- nhou o termo “burocracia” como exemplo de uma estru-
lor simbólico e/ou político à ação organizacional, o que tura de poder que, universalmente adotado, define a
tornaria mais viável explicar, por exemplo, por que or- melhor forma de obter conformidade das pessoas na or-
ganizações tecnicamente ineficazes teimariam em sobre- ganização.
viver – e, por outro lado, as eficazes desapareceriam. Ou, O texto de DiMaggio e Powell, que foi publicado na
noutros termos, por que elementos normativos como le- American Sociological Review e, agora, pela primeira vez
gitimidade social ou aderência cultural importariam mais é publicado em português, constitui em um bom exem-
do que ditames técnicos do ambiente? A teoria neo-ins- plo da vertente sociológica nos estudos organizacionais.
titucional é um excelente exemplo dessa inflexão subje- É com a iron cage ou “gaiola de ferro”, nomeada por Max
tivista e menos racionalista que o funcionalismo teste- Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo,
munhou nos últimos 25 anos, como veremos na discus- que provoca o leitor, já no início, explicitamente afir-
são do texto seguinte da “RAE-Clássicos” deste número. mando que “a ordem racionalista se tornara uma gaiola
de ferro na qual a humanidade foi [...] aprisionada”
(Weber apud DiMaggio e Powell, 2005, p. 75. A burocra-
CONTRIBUIÇÃO DO (NEO-)INSTITUCIONALISMO tização passou a ter características de irreversibilidade,
AO DESENVOLVIMENTO DE TEORIAS e, embora Weber afirmasse que a burocratização se ori-
FUNCIONALISTAS ginara de uma economia de mercado capitalista, a tese
defendida pelos autores do texto em exame é que foram
O segundo texto desta edição da série “RAE-Clássicos” é modificadas as causas da burocratização e da racionali-
o famoso artigo de DiMaggio e Powell sobre o isomorfis- zação, não sendo mais a economia capitalista de merca-
mo, que, junto com o texto de Meyer e Rowan, de 1977, do a causa por excelência, mas o “Estado” e as “profis-
é provavelmente o principal alicerce da chamada “teoria sões”, de onde surgem, posteriormente, os mecanismos
neo-institucional”, que se distingue do institucionalis- isomórficos institucionais. Em tese, a grande proposição
mo de Selznick e seus seguidores, que o neo-institucio- de DiMaggio e Powell é que a mudança estrutural acon-
nalismo busca expandir. tece, hoje, não por razões de eficiência ou da necessida-
Escolhemos esse texto e o neo-institucionalismo por- de de enfrentamento da concorrência, mas em razão de
que são exemplos ideais, no funcionalismo organizacio- outros processos que tornam as organizações mais se-
nal, daquilo que, no texto de Astley e Van de Ven discu- melhantes sem necessariamente fazê-las mais eficientes.
tido anteriormente, se referia a vertentes menos volun- É nesse ponto que os autores acentuam a importância da
taristas, e que superava a barreira do nível organizacio- percepção e entendimento da “estruturação de campos
nal para mostrar a interdependência entre organizações organizacionais” (Giddens, 1979) para a compreensão
e os campos interorganizacionais, que, conceitualmente, do processo de isomorfismo institucional. Destacamos
situam-se no nível de análise seguinte. Além disso, o neo- que a preocupação com os “campos organizacionais” está
institucionalismo é um dos melhores exemplos de como fortemente presente na introdução do livro de Vieira e
o próprio funcionalismo viveu, na década de 1980 em Carvalho (2003), talvez a primeira obra sobre a temática
diante, um processo de contínuo questionamento e su- institucional no Brasil.
peração do modelo voluntarista-racionalista, classicamen- O segundo momento do artigo de DiMaggio e Powell
te representado pelo contingencialismo e suas ramifica- introduz a questão principal de seus estudos, que é buscar
ções administrativistas. Como previam Burrell e Morgan explicar por que as organizações apresentam tanta “ho-
(1979), o funcionalismo procurava, em elementos mais mogeneidade” em suas estruturas, diferentemente da busca
subjetivistas da teoria sociológica, caminhos para sua da “variação” entre as diferentes organizações, como em
extensão territorial. Hannan e Freeman (1977) – de quem teremos um texto
Desde o início, a teoria organizacional tem se preocu- na “RAE-Clássicos” do próximo número –, que questio-
pado em identificar a melhor forma de organizar, e, par- nam por que há tantos tipos diferentes de organizações.
ticularmente, a literatura sobre estratégia tem acentuado É nesse segundo momento que os autores lidam mais
a competência distintiva (Selznick, 1971) que define o extensamente com o conceito de campo organizacional,
caráter de uma organização em relação às demais exis- e buscam explicar por que as inovações organizacionais,
tentes no mercado. Mas, em termos da melhor forma de ou novas práticas, normalmente impulsionadas por de-
organizar, dentre os textos mais citados – e talvez menos sejos de melhoria de desempenho, podem ficar impreg-
lidos – está o do sociólogo alemão Max Weber, que cu- nadas de valor além das exigências técnicas da tarefa,

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como Selznick (1971) já afirmara. E, portanto, como pelo menos por duas dimensões. A primeira, como pla-
Meyer e Rowan (1977) concluíram, a adoção da inova- taforma para ampliar o conhecimento teórico do campo,
ção consegue legitimidade, mas não chega a melhorar o inserindo-se no avanço científico internacional dessa li-
desempenho. A partir desse ponto, com exemplos de nha teórica; a segunda, talvez mais realista no caso brasi-
pesquisas pertinentes, o texto avança no tratamento do leiro, é o uso da teoria institucional como veículo para o
isomorfismo como o conceito que melhor capta o pro- entendimento de fenômenos sociais passíveis de institu-
cesso de homogeneização, descrevendo, em seguida, dois cionalização.
tipos de isomorfismo – o competitivo e o institucional – Quanto à primeira dimensão de contribuição potencial
e três mecanismos de mudança institucional isomórfica da teoria institucional no Brasil, é verdade que muito do
– a coercitiva, a mimética e a normativa –, já sobejamen- que tem sido pesquisado no país usando essa teoria teria
te trabalhada nos textos brasileiros (veja o trabalho de dificuldade de oferecer avanços no campo de conhecimen-
Machado-da-Silva e Gonçalves, 1998). to internacionalmente, pois tende a se limitar à replicação
No Brasil, a teoria neo-institucional teve grande aco- de postulados feitos em trabalhos estrangeiros há mais de
lhida no campo de estudos organizacionais. Uma origem uma década. Mas também é verdade que isso não se aplica
fundamental dessa popularidade é o trabalho de Clóvis a todos os estudos acerca do institucionalismo no Brasil.
Luiz Machado-da-Silva, que desde o final da década de Os esforços de Machado-da-Silva e seus diversos colabo-
1980 indicava os textos de Meyer e Rowan, bem como o radores, especialmente Valéria Fonseca e Sandro Gonçal-
presente artigo de DiMaggio e Powell, para gerações de ves, nos últimos anos, no sentido de tentar ligar institu-
orientandos que teve em Santa Catarina (UFSC), Paraná cionalismo e cognição, podem ser um rico veio de pesqui-
(UFPR) e, mais recentemente, na FGV-EAESP. Esses sa, mesmo em âmbito internacional. Outro exemplo é a
orientandos difundiram o conceito para muitos outros ligação entre institucionalismo e facetas mais ou menos
estados, em especial Alagoas, Pernambuco, Rio Grande evidentes de “poder”, particularmente pela associação
do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. O conceito de isomor- com o neo-estruturalismo em sociologia, e a expansão e
fismo, em particular, foi também popularizado por pes- o resgate do trabalho de Bourdieu, como têm buscado os
quisadores não diretamente influenciados por Machado- esforços de pesquisadores como Marcelo Milano Falcão
da-Silva, vindos de instituições tão diversas quanto a FGV, Vieira (FGV-EBAPE), Cristina Carvalho (UFPE),
FEA-USP, PUC-RJ, UFMG, UFRGS e Univali. A maioria Rosimeri Carvalho da Silva (UFSC) e Maria Ceci A.
dos trabalhos produzidos investigou a difusão de modis- Misoczky (UFRGS), bem como seus colaboradores. Es-
mos ou modelos de gestão, a homogeneização organiza- sas e outras tentativas nacionais de expandir a teoria ins-
cional ou estrutural, e a questão de campos institucionais. titucional são possibilidades concretas de contribuir para
Naturalmente, tanto com sua difusão no Brasil quan- o desenvolvimento teórico do institucionalismo.
to com a passagem do tempo propriamente dita, vieram No entanto, a realidade é que, em nosso país, a segun-
também os muitos críticos do modelo institucional. Se- da possibilidade de uso da teoria institucional parece ser
gundo tais críticos, o neo-institucionalismo “deu o que a mais promissora em termos de volume, ou seja, usar o
tinha que dar”, e, portanto, desencorajam o prolonga- institucionalismo mais para entender melhor outros ob-
mento de sua adoção aos dias de hoje (e.g. Donaldson, jetos – eis que, aí, tanto modelos racionalistas quanto
2001; Donaldson e Hilmer, 1996). Muitas dessas críticas voluntaristas têm menor poder explicativo – do que para
procedem. Por exemplo, ao afirmarem que, embora o estender a teoria per se. Foi esse o maior uso que já se fez
institucionalismo tenha tido seu papel ao estabelecer li- no Brasil do institucionalismo, inclusive do texto de
mites ao voluntarismo e ao racionalismo exacerbados de DiMaggio e Powell. Por exemplo, o uso de isomorfismo
postulados contingenciais clássicos, ele pode ter se limi- mimético para entender a difusão dos mais variados ele-
tado demais aos aspectos normativos da realidade orga- mentos, desde modismos em gestão até teorias e mode-
nizacional e interorganizacional. Com isso, acreditam que los científicos entre campos organizacionais; ou a utili-
ele deixa tanto de indicar caminhos para a melhoria do zação do isomorfismo coercitivo para entender a institu-
desempenho – na tradição funcionalista – quanto para a cionalização e aplicação de elementos tão diversos quanto
superação de limitações cognitivas que impedem a auto- programas de qualidade e burocratização em diversos
nomia constitutiva de organizações. campos organizacionais; ou, ainda, a aplicação do iso-
Por outro lado, é também verdade que o instituciona- morfismo normativo para compreender a institucionali-
lismo pode ser ainda um rico veio de pesquisa no Brasil, zação de objetos diversos, desde códigos de ética e pro-
razão que nos levou à escolha deste texto para a série, gramas de mudança organizacional até a profissionaliza-

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ção de empresas familiares e a “empresarialização” de CHILD, J. Organizational structure, environment, and performance: the
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organizações do terceiro setor. Múltiplas outras possibili-
dades surgem ao se tomarem outras dimensões do traba-
lho do institucionalismo, desde a discussão do processo DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. The Iron Cage revisited: institutional
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de institucionalização como uma resultante, e não apenas
Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, 1983.
determinante, na ação organizacional e interorganizacio-
nal ou, ainda, as respostas cognitivas e intra-organizacio-
DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. A gaiola de ferro revisitada: isomorfis-
nais a pressões institucionais exteriores, até a expansão mo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Re-
em múltiplos níveis de análise do conceito de campos ins- vista de Administração de Empresas, v. 45, n. 2, p. 74-89, 2005.
titucionais. As possibilidades são inúmeras.
Nossa esperança é que, com a publicação desse impor- DONALDSON, L. The Contingency Theory of Organizations. Thousand Oaks,
tante trabalho neo-institucionalista na série “RAE-Clássi- CA: Sage, 2001.
cos”, maior número de pesquisadores brasileiros possam
ter acesso a esse veio de pesquisa, e que novas possibilida- DONALDSON, L.; HILMER, F. Management. Redeemed: Debunking the
des de aplicação possam surgir, além das abordagens Fads that Undermine Our Corporations. New York and Sydney: The Free
racionalistas, voluntaristas e da análise limitada ao nível Press, 1996.
organizacional. E, por extensão, que esses novos pesqui-
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ABR./JUN. 2005 • © RAE • 51

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