Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
além de sua existência criada e mediada textualmente [...]” (REED, 2005, p. 1622), o
das práticas das organizações. Entretanto, para este autor, um dos problemas
discursivas em que o que pode ser conhecido e como pode ser conhecido é trazido
forte ou radical, que tem se tornando hegemônica nas últimas décadas (REED,
que não se pode ser verificada. Mesmo assim, esse papel da filosofia é crucial, já
Página
Para Corrales (2004; 2007) o RC surge como este outro – e novo – paradigma
(BHASKAR, 1989; 1998; HAMLIM; 2000; CORRALES, 2004; 2007; JESSOP, 2005),
deste trabalho, Reed (2005) ao fornecer uma exposição da virada realista – ainda
autor, esta nova e promissora forma de se fazer ciência, cria um espaço e uma
aqui uma revisão teórica – tão ampla quanto o possível1 – sobre o RC,
pesquisa em ciência, sobretudo nas ciências sociais e humanas, assim como suas
que este texto possa trazer à tona um debate fecundo sobre a produção do
e integração do conhecimento.
transcendental lança mão em sua critica ao paradigma científico humeano, seja 714
em sua vertente tradicional hegemônica positivista, seja em sua vertente
1
Este texto foi originalmente escrito em 2010. Se ainda hoje é escassa a literatura sobre realismo
crítico no Brasil, naquele momento era ainda virtualmente inexistente, sendo o acesso a produção
internacional, desde o Brasil, muito restrito e pontual.
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
e seu esforço de introduzir, ainda no início dos anos 1970, reflexões solidamente
Seu interesse pela filosofia não se deu de imediato. Tendo iniciado sua
no final dos anos 1960, a qual foi orientada pelo expoente filosófico Rom Harré,
reconstruir uma base sólida sobre o que é a realidade, a fim de que se pudesse,
2
Ver nota 1.
THIAGO DUARTE PIMENTEL
1989; 1988a).
realismo crítico nas ciências sociais nos últimos 30 anos está fortemente
virada teológica.
716
Página
fase do realismo transcendental (BHASKAR, 1989). Esta fase foi caracterizada pela
periódico os primeiros escritos sobre (ou relacionados ao) RC. Ainda nesta fase
(WIKIPEDIA, 2010).
Pulse of Freedom], em 1993, conquistou novos adeptos e também novos críticos para
ausência real, o qual – afirmava-se – poderia prover uma fundação mais robusta
2010).
publicação do livro Do Leste para Oeste: a Odisséia da Alma [From East to West: the
Odyssey of Soul], em 2000, no qual Bhaskar expressa suas idéias relativas a valores
como Realismo Crítico Dialético. Porém, esta obra assim como as que se seguiram
Enquanto alguns seguidores consideraram esta nova fase como mais uma
Página
como uma ruptura que punha em jogo a seriedade do movimento realista crítico.
Assim, nos seus escritos seguintes – como em Reflexões sobre Meta Realidade
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
Como aponta Jessop (2005), o trabalho de Bhaskar deu uma justificativa inicial
para uma posição realista, mas não pode justificar qualquer posição realista em
particular. De fato, dado seu ponto de vista underlabourer, ele não tentou fazer
realistas). Mas ele não podia simplesmente escolher uma variante do realismo e
excluir todas as outras, por isso, por um lado ele fez um balanço, algo que daria
argumentos desenvolvidos com (ou compatíveis com) este quadro teórico geral.
em fases diferentes, atém-se aqui ao resgate das idéias principais da fase inicial
filosofia da ciência.
então chamado ‘novo realismo’ (cf. próxima seção), que foi ganhando corpo,
pelos trabalhos de Popper, Lakatos, Feyrabend, Sellars e Kuhn, entre outros, que
perspectiva a partir de uma síntese de ambas as vertentes, onde a cada uma ele
decisivo, em sua visão, foi este último, pois, para ele este passo marcou a
a tarefa da ciência não seria estabelecer leis universais, concebidas como uma
explicando-os.
THIAGO DUARTE PIMENTEL
Assim, de acordo com Bhaskar (1989), através dos dois passos supracitados –
sobretudo, pelo segundo – é que se tornou possível constituir uma ruptura meta-
Bhaskar (1989), relembrando que seu antigo mentor Rom Harré, utilizou a
agência humana), mostra que esta proposta apresenta falhas, sendo suscetível ao
Para Bhaskar (1989) foi um pequeno passo daqui para se passar a falácia ôntica
Página
Segundo Bhaskar (1975) é esta falácia que Rorty percebe em sua Filosofia e Espelho
THIAGO DUARTE PIMENTEL
Na visão de Copérnico, então, nos movemos, assim como Copérnico, mas diferente
DISTINGUINDO REALISMOS
primeiro plano, busca-se apresentar a distinção feita por Bhaskar (1988a, 1989)
autor, bem como por alguns de seus principais comentadores, sobre os traços
Página
Bhaskar (1988b; 1989, p. 183 – grifos no original) considera que é possível fazer
uma distinção entre “[...] uma filosofia da ciência ou [o que ele chama de] filosofia
científico”. Segundo o autor, a maioria das filosofias não são realismos científicos,
pois para tanto uma filosofia deveria ser demarcadamente consistente com o
estrutura intrínseca seria responsável por essa capacidade [poder causal], que
sob certas condições e circunstâncias poderia ser ativado e/ou exercido. Assim,
ou contextual desses elementos ganha realce, na medida em que ela é vista como
tendência.
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
não), dos eventos observáveis (ou não) e dos fatos observáveis (ou não)”
dos fenômenos naturais) são produto de uma pluralidade de estruturas. Mas, tais
críticos não negam a realidade dos eventos e dos discursos (cf. próxima seção); ao
contrário, eles insistem sobre sua existência, mas, sustentando que as estruturas
729
prático das ciências sociais” (BHASKAR, 1989, p. 2), cujo mote é além de gerar a
THIAGO DUARTE PIMENTEL
fornecer, ainda que de modo não definitivo, meios para se entender – e então
estratificada da realidade proposta por Bhaskar. Jessop (2005) resume bem tais
estruturas ou mecanismos.
outra que ‘cientisticamente’ identifica o domínio da verdade com o que pode ser
movimento do RC. Aqui vale a pena ressaltar a própria distinção conceitual que
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
Bhaskar (1989; 1988b) faz acerca dos termos empregados por ele próprio: realismo
relato de filosofia orientada para a ciência, o segundo fornece uma aplicação das
bases dessa filosofia para o contexto específico das ciências sociais. Com o tempo,
“realismo crítico”, o qual foi aceito por Bhaskar, já que o mesmo pondera que, de
Assim, questões como: como a ciência tem que ser para que ela seja possível?
Se, por outro lado, as leis [científicas] são não mais uma constante
mas pensadas, é claro, não nos mesmos moldes [ou da mesma forma] ...
BHASKAR, 1989, 184). Foi esta chance que eu explorei em PON através das
livre).
positivista, propondo que seja adotada como unidade de análise as relações entre
os objetos – tanto para as ciências naturais quanto para as ciências sociais – onde
da combinação de tais objetos, i.e., das relações (ou interações) que eles mantém
num modo que tem sido parcial e fracamente análogo à esfera das ciências
naturais.
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
o que quer que seja) e ceteris paribus para uma avaliação positiva de
Essa manobra inicial e fundante das análises bhaskarianas é que o levou a uma
concepção de ciência distinta, onde seu modelo está baseado em três elementos –
tais teses.
generativos ativos, dos eventos observáveis e dos fatos observáveis, que podem
delineando até que ponto e de que maneira ele poderia ser feito. O RC adota como
737
posição a ontologia realista, em que a realidade é vista como algo ou entidade que
Página
estratos ou níveis, aos quais se pode (ou não) ter acesso e gerar conhecimento: o
entidade (coisa em si) e que seria responsável por desencadear a atuação das
manifestações de um fenômeno, nos demais níveis, já que aqui neste nível é que
VANDENGERGHE, 2007).
Fleetwood (2005, p. 199 – grifos no original) ainda acrescenta que uma “entidade é
tida como sendo real se ela tiver uma eficácia causal, um efeito sobre o
738
considerar, segundo o mesmo autor, que as entidades reais podem sobrepor dois
que muitas coisas são reais, mas de diferentes modos, sendo possível identificar
pelo menos quatro formas de realidade: (1) a material, que se refere a entidades
entidades conceituais tais como discurso, gênero, símbolos, etc. que podem ser
entendidas como entidades discursivas, e que têm eficácia causal e que podem
ter (ou não) um referente que pode ser idealmente real (ou não); (3) a artefactual,
Segundo Bhaskar (1989, p. 185) “[...] outra diferença além da dependência social-
sem estar sendo exercido, mas somente em virtude das praticas humanas que
Jessop (2005) comenta que Bhaskar enfatiza a natureza relacional dos três
contingencialmente necessários.
tendências são somente sempre tendenciais, podem ser opostas por contra-
reprodução não pode ser taken for granted (naturalizada). Assim o quão distante
Uma implicação dessa posição realista crítica para as ciências sociais é que,
concepção dos agentes do que eles estão fazendo e, neste sentido, são discursivas
sociais – o que exclui a reificação da sociedade. Assim, esta seria definida como “[...]
enquanto, e pelo menos, alguns deles estão sendo exercidos via a atividade
ontológica. Para Bhaskar (1989) uma das características mais significantes das
THIAGO DUARTE PIMENTEL
gerando sistemas quase-fechados na biologia, mas com alto grau de controle das
variáveis. Daí segue-se que situações decisivas de teste são impossíveis. Então, o
Porém, é necessário esclarecer que isso não implica em se jogar fora as previsões
condicionais na ciência social. Além disso, uma teoria explicativa poderosa seria
742
social pode dar feed back para a realidade social e assim, adquire auto reflexão
RC rejeita o modelo humeano, e, razões podem ser causas (BHASKAR, 1998). O que
com suas regras da ciência. Mas para estas regras serem aceitas como científicas
THIAGO DUARTE PIMENTEL
elas devem prover uma base para julgamento racional entre diferentes
julgamental (i.e., a visão de que qualquer julgamento pode ser tão bom quanto
questões como: como o mundo/realidade tem que ser para que ele seja passível
ele é ou deve ser para que possa ser conhecido?) e com isso mudo o sentido e a
744
para campo científico) que embasa o pensamento dentro deste paradigma. Como
teria que ser X para que se tornem objetos de conhecimento para nós? Que
para nós (fosse possível ser conhecido)? Este tipo de operação “[..] envolve um
portanto, não requer uma técnica específica para sua aplicação. Ao contrário,
relativismo epistemológico.
que os geram”.
Isto é ilustrado pelo registro de Lawson na economia, quando ele fala de semi-
(ex.: de comodities em geral para força de trabalho como uma comoditie fictícia, da
Uma implicação direta para as ciências sociais é que “[...] enquanto os poderes
746
causais básicos e leis do mundo natural tem sido constantes desde a formação do
Página
especifica que técnicas podem ou devem ser utilizadas e quais não podem ou não
causal).
que na vida científica e cotidiana ele resolve este problema, via a introdução de
este trabalho não lógico (ou imaginativo) distingue o momento da teoria e aquele
realismo insiste que este processo social transmite a importação de uma carga
Página
intersubjetivos.
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
O RC não é uma filosofia para ciência sem críticas e críticos. Tais críticas podem
Muitas dessas críticas vieram junto com as suas formulações originais, já nos idos
que implica pelo menos duas coisas: a) por um lado, uma desantropomorfização
das ciências e, por outro, tomar o relato das ciências naturais como trilha original
Porém, para Ted Benton e Alan Chambers, ao fazer isso, Bhaskar estaria
Assim, para esses autores o relato bhaskariano seria passível de critica por se
em grande medida associadas ao construcionismo social visto que esta tem sido a
posição não ortodoxa (i.e. não positivista) hegemônica no cenário atual. A principal
crítica desta corrente ao realismo é a de que ele seria apenas mais um relato da
sobre outra.
Dentre tais críticas, Corrales (2004) sintetiza bem alguns pontos que ainda
que este processo encontra-se em curso e que várias lacunas têm sido
sociedade, ele não faz uma distinção clara entre a ontologia filosófica, a ontologia
social e a epistemologia social que esta implica. Para Corrales (2004), para se
uma leitura crítica de Marx e de suas contribuições para o próprio RC, abrindo a
sociedade sobre outras, que necessita ser desenvolvida para iluminar as ‘velhas’
Por fim, como aponta Corrales (2004) outro problema do RC é que ele não
conhecimento.
Página
questão entre estrutura e agência – que concentra a maior parte dos debates –
como vistos em Archer (2007), Jessop (2005); passando pela questão dos elementos
desdobramentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
inovar e trazer à tona uma discussão (não tão nova, mas) ainda despercebida no
tradições. Assim, como pontua Corrales (2004; 2007), ao relembrar Kuhn, somente a
novo patamar.
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
O RC não é uma proposta acima de qualquer crítica, como foi apontado acima, pelo
explicação realista da ciência, como será feito pelos autores em futuros estudos.
REFERÊNCIAS
maio/ago. 2007.
2008. 329 p.
755
Página
BHASKAR, R. Critical realism, social relations and arguing for socialism. In:
Party, 1998a.
THIAGO DUARTE PIMENTEL
10 dez. 2010.
Mar. 1978.
CLARCK, P.; BLUNDEL, R. Penrose, critical realism and the evolution of business
Página
Jul./Dic. 2004.
DOBSON, P. J. Critical realism and information systems research: why bother with
DOWNWARD, P.; FINCH, J.; RAMSAY, J. Critical realism, empirical methods and
LACLAU, E.; BHASKAR, R. Discourse theory vs. critical realism. Alethia, Sheffield, v.
758
SAYED, J.; MINGERS, J.; MURRAY, P. A. Beyond rigor and relevance: a critical realist
Resumo
Pretende-se aqui introduzir o debate sobre realismo crítico/RC na comunidade
implicações desta perspectiva filosófica neste campo. Para tanto, realizo uma
revisão teórica sobre o RC considerando sua proposta como filosofia para a ciência.
e a rationale segundo o RC, bem como seu modelo de ciência. Por fim, evidencio as
Palavras-chave
Filosofia da ciência; Realismo crítico; Teoria organizacional; Ontologia.
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
Abstract
I initiate here the debate on critical realism/CR in the Brazilian academic
presented, with its main phases and exponents, as well some competing
according to CR, as well as its model of science. At last, the main criticisms,
internal and external to the CR, as well as the responses from RC to such
problems are presented and I point out the main implications of the CR to the
761
social sciences and, in particular, to OS.
Página
Keywords
Philosophy of science, Critical realism, Organizational theory, Ontology.
THIAGO DUARTE PIMENTEL
Resumen
Intento introducir el debate sobre el realismo crítico/RC en la comunidad
implicaciones de esta perspectiva filosófica en este campo. Por esto, hago una
revisión teórica del RC, tomando cuenta de su propuesta como una filosofía para la
ciencia. Entonces, sintetizo la trayectoria del movimiento RC, con sus principales
Palabras clave
Filosofía de la ciencia; Realismo crítico; Teoría de la organización; Ontología.
REALISMO CRÍTICO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS:
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
thiago.pimental@ufjf.edu.br.
Ciências Humanas, Departamento de Turismo, sala 46, 4º andar. Rua José Lourenço
Kelmer, s/n, São Pedro, Juiz de Fora, MG, Brasil. CEP: 36036-330. Telefone: (+55 32)
Contribuição Submetida em 25 ago. 2014. Aprovada em 25 ago. 2014. Publicada online em 9 out. 2014. Sistema de
avaliação: Convite. Avaliação sob responsabilidade do Núcleo de Estudos Organizacionais e Sociedade da
Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Editor: Luiz Alex Silva Saraiva.