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ORGANIZADORA

MARIA MARLY DE OLIVEIRA

DIALOGICIDADE E
COMPLEXIDADE NO PROCESSO
DE ANÁLISE HERMENÊUTICA
DIALÉTICA-INTERATIVA

GHIFOP – PPGEC – UFRPE


SÉRIE HERMENÊUTICA NO ENSINO DAS CIÊNCIAS

Recife, 2020
UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – UPE
REITOR Prof. Dr. Pendro Henrique Falcão
VICE-REITORA Profa. Dra. Socorro Cavalcanti

EDITORA UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – EDUPE


CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Ademir Macedo do Nascimento
Profa. Dra. Ana Célia Oliveira dos Santos
Prof. Dr. André Luis da Mota Vilela
Prof. Dr. Belmiro do Egito
Profa. Dra. Danielle Christine Moura dos Santos
Prof. Dr. Emanoel Francisco Spósito Barreiros
Profa. Dra. Emilia Rahnemay Kohlman Rabbani
Prof. Dr. José Jacinto dos Santos Filho
Profa. Dra. Maria Luciana de Almeida
Prof. Dr. Mário Ribeiro dos Santos
Prof. Dr. Rodrigo Cappato de Araújo
Profa. Dra. Rosangela Estevão Alves Falcão
Profa. Dra. Sandra Simone Moraes de Araújo
Profa. Dra. Silvânia Núbia Chagas
Profa. Dra. Sinara Mônica Vitalino de Almeida
Profa. Dra. Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Prof. Dr. Vladimir da Mota Silveira Filho
Prof. Dr. Waldemar Brandão Neto

GERENTE CIENTÍFICO Prof. Dr. Karl Schurster


COORDENADOR Prof. Dr. Carlos André Silva de Moura
REVISÃO ORTOGRÁFICA Maria Lizete dos Santos Nascimento
CAPA Suellen Tarcyla da Silva Lima
PROJETO GRÁFICO Danilo Catão

Este livro foi submetido a avaliação do Conselho Editorial da Universidade de Pernambuco.

Número ISBN: 978-65-86413-07-6


Título: Dialogicidade e Complexidade no Processo de Análise Hermenêutica Dialética-Interativa
Formato do eBook: PDF

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais
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Esta obra ou os seus artigos expressam o ponto de vista dos autores e não a
posição oficial da Editora da Universidade de Pernambuco – EDUPE

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Associação Brasileira das Editoras Universitárias (ABEU)

O48d Oliveira, Maria Marly de

Dialogidade e Complexidade no processo de análise hermenêutica-


dialética [recurso eletrônico] / Maria Marly de Oliveira (Org.). –
Recife : Edupe, 2020.

339 p.: il. E’book PDF. (Série Hermenêutica no Ensino das Ciências).

Modo de acesso: world wide web: http://www.edupe.com.br

ISBN: 978-65-86413-07-6

1. Dialogicidade. 2. Complexidade. 3. Hermenêutica. I. Título.

CDU: 371.13

Elaborado por Neide M. J. Zaninelli - CRB-9/ 884


SUMÁRIO
7 PREFÁCIO

9 APRESENTAÇÃO

ANÁLISE HERMENÊUTICA DAS CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE


12 DE PIBIDIANOS DO CURSO DE MATEMÁTICA
Girlane Caita de Lima Correia
Maria Daiane da Silva Monteiro

FORMAÇÃO AMBIENTAL DOCENTE NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE


32 FEDERAL DE SERGIPE: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA HERMENÊUTICA DIALÉTICA-
INTERATIVA
Maria Inêz Oliveira Araújo
Mônica Andrade Modesto

COMPREENSÕES DOS LICENCIANDOS EM QUÍMICA ACERCA DA NATUREZA DA CIÊNCIA


51 SOB O OLHAR DA HERMENÊUTICA-DIALÉTICA
Jéssica Silva Vila Nova
Ruth do Nascimento Firme
Thiago Araújo da Silveira
Maria Marly de Oliveira

ANÁLISE HERMENÊUTICA DO ENSINO POR INVESTIGAÇÃO EM UMA ESCOLA PRIVADA


75 DO RECIFE-PE
Meydson Gutemberg de Souza
Maria Marly de Oliveira
Thiago Araújo da Silveira

TRABALHO DOCENTE E A INTERDISCIPLINARIDADE COMO ESTRATÉGIA: UMA ANÁLISE


85 HERMENÊUTICA-DIALÉTICA
Rosângela Cely Branco Lindoso
Ana Lúcia Felix dos Santos

UMA EXPERIÊNCIA COM SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA (SDI) COM OS


105 ESTUDANTES DO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DA UAG/UFRPE
Edna Silva Barreto
Glória Maria Duarte Cavalcanti
Maria Marly de Oliveira
A SEQUENCIA DIDÁTICA INTERATIVA E AS CONCEPÇÕES DE HIDROCARABONETOS POR
123 PROFESSORES DE QUÍMICA EM FORMAÇÃO INIACIAL
João Justino Barbosa
Micaelle Gomes da Silva
Maria Marly de Oliveira
Zélia Maria Soares Jófili

147 O CONCEITO DE AVALIAÇÃO POR PROFESSORES DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL


Andressa Rodrigues dos Santos
João Justino Barbosa
Monica Lopes Folena Araújo
Maria Marly de Oliveira

O PAPEL DA PEDAGOGIA DE PROJETOS NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE


173 PROFESSOR PESQUISADOR DURANTE A FORMAÇÃO DOCENTE
Maria Dayane Guimarães Silva
Jose Farias da Silva
Patrícia Mariana Vasco de Góz

A HERMENEUTICA FILOSÓFICA GADAMERIANA : UM OLHAR SINGULAR SOBRE A


196 FORMAÇÃO DOCENTE GADEMERIANA
Glória Maria Duarte Cavalcante
Luciano Cavalcanti do Nascimento

ANÁLISE HERMENÊUTICO-JURÍDICA DO DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO NA


210 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Avelino José de Lira Neto
Maria Marly de Oliveira

O POTENCIAL DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA PARA CONSTRUÇÃO DO


238 CONCEITO DE MODELOS
Cristiane Martins da Silva;
Rafael Santos de Aquino,
Ana Maria dos Anjos Carneiro Leão

261 DEZOITO ANOS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA: UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA


Maria do Carmo Maracajá Alves
Rafael Santos de Aquino
Ana Maria dos Anjos Carneiro Leão
MAPEAMENTO DE CONCEPÇÕES PRÉVIAS SOBRE O METABOLISMO DE PROTEÍNAS A
280 PARTIR DA APLICAÇÃO DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA
Anne Caline Bezerra Ferreira da Silva
Janaína de Albuquerque Couto
Mariana Rayane da Silva Pontes

ABORDAGEM DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA A PARTIR DE MAPAS


303 CONCEITUAIS
Giana Raquel Rosa
Maria de Lourdes Costa de Vasconcelos
Tereza Evâny de Lima Renôr Ferreira

EXPERIÊNCIA COM SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA (SDI) COM OS ESTUDANTES DO


322 CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DA UAG/UFRPE
Edna Silva Barreto
Glória Maria Duarte Cavalcanti
Maria Marly de Oliveira
PREFÁCIO
Prefaciar o E-book Dialogicidade e complexidade no processo de aná-
lise hermenêutica dialética-interativa, o primeiro do Grupo de Herme-
nêutica e Inter/TransD na Formação de Professores (GHIFOP), longe
de ser mais uma formalidade acadêmica é um grande privilégio, uma
vez que nasceu como uma atividade do nosso grupo de pesquisa, um
grupo criado e credenciado no CNPq em 2014 pela Dra. Marly Oliveira,
organizadora desse livro. A riqueza desta obra decorre da interação en-
tre alunos de pós-graduação e professores, que participam do GHIFOP,
e que cooperativamente produziram capítulos sobre temas de grande
relevância para formação de professores, abordando desde aplicações
da sequência Didática Interativa (SDI) e a Análise Hermenêutica Dialé-
tica Interativa (AHDI) no ensino das ciências até os aspectos teóricos
da hermenêutica filosófica Gadameriana na formação de professores. A
leitura desses capítulos revela o aspecto inovador do livro ao trazer para
reflexão e prática dos docentes em ciências, a hermenêutica, a dialética,
a dialogicidade e a complexidade.

O que conecta os diversos capítulos e dar unidade ao livro é a metodo-


logia interativa, desenvolvida pela organizadora dessa obra a partir do
Círculo Hermenêutico – Dialético (CHD) e que foi a base metodológica
da sua tese de doutorado, na Universidade de Quebec –Canadá, quando
analisava o programa de associativismo/cooperativismo e estudava o
perfil do técnico formado na UFRPE para atender a demanda do associa-
tivismo/cooperativismo. Nessa análise realizada em colaboração com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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a Universidade de Quebec, a pesquisadora usou a proposta de Guba e
Lincoln (1989) para avaliação de programas, porém mais recentemente
a professora Marly Oliveira (2013) reavaliou alguns pressupostos pa-
radigmáticos desses autores e propôs novos aportes teóricos baseados
na complexidade e na dialogicidade, permitindo a aplicação do método
em diferentes contextos. Essa linha norteadora que traz para o CHD, a
AHDI e a SDI, os aportes da complexidade, dialogicidade, podem ser ob-
servados na construção dos capítulos desse livro, revela a presença de
uma orquestração que só poderia ser realizada por uma pesquisadora
com a experiência da professora Marly Oliveira.

Os diversos capítulos desse livro são decorrentes de estudos e pes-


quisas desenvolvidas no GHIFOP, realizadas por professores, douto-
randos e mestrandos, através das parcerias estabelecidas por este gru-
po de pesquisa e o Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
(PPGEC) e a Cátedra Paulo Freire. É esperado que o livro dialogicidade
e complexidade no processo de análise hermenêutica dialética-interativa
seja mais uma experiência exitosa da doutora Marly Oliveira, na área de
formação docente, e que venha somar com a série formação de profes-
sores, também organizada pela pesquisadora, para consolidar a área de
formação docente na UFRPE e no país.

Estão de parabéns, a organizadora do livro, todos os autores e a edito-


ra da UPE, pela publicação desse valioso livro.

Prof. Dr. Romildo A. Nogueira


Professor Titular da UFRPE

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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APRESENTAÇÃO
No contexto do Grupo de Pesquisa Formação de Professores UFRPE/
CNPq criamos em 2OO7 a Série Formação de Professores, que teve como
principal motivação incentivar os mestrandos do PPGEC a construir ar-
tigos/ capítulos de livros, privilegiando a linha de pesquisa Formação
de Professores. Como desdobramento deste grupo de pesquisa, criamos
um subgrupo que o denominamos de Grupo de Hermenêutica, Inter-
TransD de Formação de Professores (GHIFOP). Neste grupo são desen-
volvidas pesquisas que adotam como aportes teóricos a Hermenêutica,
Dialogicidade e Complexidade na Formação de Professores. Por sua vez,
este conteúdo temático vem sendo trabalhado como disciplina acadê-
mica e pesquisas em nível de Doutorado no Programa Ensino das Ciên-
cias – PPGEC-UFRPE. Já são passados cinco anos, que mensalmente são
realizadas reuniões sistemáticas com doutorandos e mestrandos do PP-
GEC que optaram por fazer parte deste grupo de pesquisa; também fa-
zem parte do GHIFOP, os professores que orientam teses e dissertações
destes estudantes. Nesta direção, estamos criando a Série Hermenêutica
no Ensino das Ciências com o lançamento do primeiro livro desta Sé-
rie que traz o titulo Dialogicidade e Complexidade no processo de Análise
Hermenêutico-Dialética. Esta obra consta de dezesseis capítulos que fo-
ram construídos por mestrandos, doutorandos e professores do PPGEC.
Também contamos com um artigo da Profa. Dra. Maria Inêz Oliveira
Araújo e da doutoranda Mônica Andrade Modesto, ambas da Universi-
dade Federal de Sergipe. Com a criação da Série Hermenêutica no Ensino

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das Ciências, estamos ampliando as nossas parcerias, abrindo espaços
para publicações de professores e estudantes de Pós de diferentes IES,
que trabalham na área de Ensino das Ciências e/ou tenham interesse
nas temáticas Hermenêutica, Complexidade e Dialogicidade. A partir
da próxima publicação desta Série, estabelecemos como foco de estu-
do, publicações que privilegiem a Análise Hermenêutica Dialética-Inte-
rativa (AHDI). Este tipo de análise foi desenvolvida por Oliveira (2018)
ao criar uma nova modalidade de pesquisa que se circunscreve dentro
de uma abordagem qualitativa, através da Metodologia Interativa, que
tem como carro-chefe, a técnica do Círculo Hermenêutico-Dialético
(CHD). Esta técnica é focada na hermenêutica filosófica de Gadamer
e dialoga com os aportes teóricos da dialogicidade segundo Freire e a
complexidade na perspectiva defendida por Morin. A Metodologia in-
terativa priorizando a dialética, possibilita ao pesquisador fazer adap-
tações segundo a temática em estudo, e o contexto da realidade para
coleta de dados. Assim sendo, a Metodologia Interativa por ter uma
consistência teórica embasada na dialética, dialogicidade, hermenêu-
tica e complexidade, chama a si, um tipo de análise que esteja alinhada
a estes fundamentos teóricos que dão sustentação a esta Metodologia.
Dai porque, para proceder a análise de dados, a autora buscou inicial-
mente se fundamentar no método da análise hermenêutico-dialética
segundo Minayo. Com base nas experiências realizadas, visando dar
uma consistência teórica mais robusta para análise dos dados, fomos
incorporando os aportes teóricos da dialogicidade, complexidade e a
hermenêutica na visão gadameriana que prioriza a linguagem e a com-
preensão. Assim sendo, com o lançamento dessa obra estamos trazendo
aos nossos leitores, uma nova definição para análise de dados coleta-
dos através da aplicação da técnica do Círculo Hermenêutico-Dialético
(CHD), que ficou assim construída: A análise hermenêutica dialético-
-interativa (AHDI) é a sistematização dos dados coletados pelo CHD e

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ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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aplicação de questionários para análise à luz da teoria e cruzamento
destes dados com informações de documentos oficiais, observações e
outros possíveis instrumentos, que se façam necessários para dar conta
do objeto de estudo, quanto à construção e reconstrução da realidade
pesquisada. Muito obrigada a todos (as) que estão lendo esta obra e por
acreditarem no nosso trabalho. Saudações freireanas.

Maria Marly de Oliveira, PhD.


Profª Sênior da UFRPE
Profª do Quadro Permanente
PPGEC–UFRPE / PPGE–UPE

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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Capítulo 1

Análise hermenêutica das concepções de ciência,


tecnologia e sociedade de pibidianos do curso de
matemática
Girlane Caita de Lima Correia1
Maria Daiane da Silva Monteiro2

INTRODUÇÃO

Diversas são as pesquisas e propostas de trabalho envolvendo o “como


ensinar matemática?”. Afinal de contas, muitos professores e estu-
dantes têm assumido que a aprendizagem matemática se dá perante
o acúmulo de equações e algoritmos. O que torna o ensino de matemá-
tica cada vez mais tradicional, pautado na transmissão de conteúdos e
nem um pouco motivador e atrativo (D’AMBROSIO, 1989; RODRIGUES,
2005).

Por esse e outros motivos, a matemática ganha destaque quando se


refere a mudanças na forma de ensino (D’AMBRÓSIO, 2010; OGLIARI,
2008). Muito pode estar associado às dificuldades advindas do processo
de formação de professores, pois nos cursos de formação, a matemá-
tica é vista como uma ciência de conceitos verdadeiros e estáticos, da

1 Licenciada em Matemática pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. Mestranda


do Programa de Pós-graduação em Ensino das Ciências - UFRPE/PPGEC.
girlany_catia@hotmail.com.
2 Licenciada em Química pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Mestranda do Progra-
ma de Pós-graduação em Ensino das Ciências - UFRPE/PPGEC. dayanemonteiro08@gmail.com.

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ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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qual não se duvida ou questiona. Sendo assim, dificilmente, numa aula
de matemática geram-se situações em que o estudante deva ser criati-
vo, ou esteja motivado a solucionar uma problemática (D’AMBROSIO,
1989).

Pensando nisso, optamos por uma proposta de ensino que procura


dar voz ao estudante, tendo-o como centro do processo educacional,
a Perspectiva Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). A Perspectiva CTS
consiste numa forma de conduzir os estudantes a uma reflexão e in-
terpretação dos acontecimentos atuais. Dessa forma, sugere-se que os
conteúdos a serem trabalhados na sala de aula, envolvam temas de in-
teresse social, relacionando aspectos científicos e tecnológicos que pos-
sibilitem ao aluno o desenvolvimento de sua criticidade e de atitudes
responsáveis.

Normalmente, esse tipo de Perspectiva é mais frequente no Ensino de


Ciências e Química (SANTOS e SCHNETZLER, 2003; FIRME e AMARAL,
2011), entretanto, acreditamos que uma prática que contemple as in-
terrelações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade pode facilitar também
o ensino de matemática (SILVA e OLIVEIRA, 2009). Assim, justifica-
mos nossa opção em desenvolvermos esse estudo com os PIBIDianos
do curso de matemática por acreditarmos no potencial da perspectiva
CTS nas diversas áreas de ensino e no PIBID como projeto que contribui
positivamente na formação inicial desses futuros professores.

Nesse sentido, definimos como questão de pesquisa: Como os Pibidia-


nos de Matemática compreendem Ciência, Tecnologia e Sociedade? E
como objetivo: Analisar à luz da perspectiva hermenêutica as concep-
ções de Ciência, Tecnologia e Sociedade, dos Pibidianos do Curso de Ma-
temática.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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1. FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Neste tópico abordamos questões referentes à formação de professo-


res, em particular à formação inicial de professores de matemática, e
um breve panorama do PIBID na licenciatura em matemática da UFRPE.

1.1 Formação Inicial de Professores de Matemática

As pesquisas sobre formação inicial de professores de Matemática


mostram a necessidade de se incluir novas perspectivas de ensino no
processo formativo, pois o modelo de formação atual é insuficiente em
proporcionar aos licenciandos uma formação concreta e adequada à
realidade escolar (ONUCHIC e ALEVATTO, 2009; CAVALCANTE, 2011).

De acordo com Nóvoa (1997, p. 13), a formação de professores “não


tem valorizado uma articulação entre a formação e os projectos das
escolas, consideradas como organizações dotadas de margens de auto-
nomia e de decisão de dia para dia mais importantes”, assim os licen-
ciandos não estão sendo formados para enfrentar a realidade escolar, a
estrutura curricular das licenciaturas tem priorizado o ensino tradicio-
nalista, deixando lacunas quanto à formação de professores reflexivos.

Segundo Gatti e Nunes (2009), o currículo das licenciaturas não cos-


tuma relacionar as disciplinas específicas com as disciplinas pedagó-
gicas. E para Nóvoa (1997) é de fundamental importância relacionar
a formação docente com o ambiente profissional do futuro professor.
De acordo com esse autor (1997, p. 25), a formação docente “deve es-
timular uma perspectiva crítico-reflexiva que forneça aos professores
os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de
autoformação participada”.

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ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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1.2 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID

O PIBID é um programa institucional que envolve três grupos de


participantes: professores universitários (coordenador institucional e
coordenadores de área), licenciandos e professores de escolas públicas
(supervisores). A participação das universidades no programa aconte-
ce por meio do edital em que o coordenador institucional apresenta um
projeto que é formado por subprojetos de cada área.

O programa tem como finalidade inserir os licenciandos em ativida-


des pedagógicas em escolas públicas, contribuindo com o processo for-
mativo desses estudantes e buscando melhorias no processo de ensino
e aprendizagem dessas escolas, através de metodologias diferenciadas,
ou seja, tornando o ensino mais significativo para todas as partes en-
volvidas.

O subprojeto matemática da UFRPE realiza quinzenalmente reuniões


de formação e acompanhamento dos licenciandos. Nelas são apresen-
tadas diferentes metodologias, bem como, propostas de ensino que
visam à formação de licenciandos críticos e reflexivos. Debates são fo-
mentados na busca por soluções para os limites do ensino de matemá-
tica.

Diante disso, vimos esse espaço como um ambiente propício para o


desenvolvimento de nossa pesquisa, visto que o objetivo aqui é contri-
buir com o processo de formação dos licenciandos em matemática.

2. PERSPECTIVA DE ENSINO CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE (CTS)

O movimento Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) surgiu no início da


década de 70, como resposta à insatisfação em relação à concepção tra-
dicional de ciência e tecnologia na sociedade moderna. Nesse momen-
to, a população dos países industrializados começou a perceber que o

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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desenvolvimento científico e tecnológico não estava crescendo parale-
lamente ao bem-estar social (SANTOS e SCHNETZLER, 2003).

Mesmo não tendo como origem a questão educacional, o movimento


CTS se revelou como uma alternativa para o ensino, uma vez que suge-
riu uma mudança de postura na educação. Os currículos com enfoque
CTS apresentam como objetivo principal preparar os estudantes para o
pleno exercício da cidadania e caracterizam-se por uma abordagem que
integra o conhecimento científico com a tecnologia e o mundo social
(MORTIMER e SANTOS, 2002).

Além disso, segundo Auler e Bazzo (2001) os objetivos dessa perspec-


tiva de ensino estão centrados na promoção do interesse dos estudan-
tes em relacionar o conteúdo científico com aplicações tecnológicas e
os fenômenos da vida cotidiana. Assim, os conteúdos deixam de ser
apenas conteúdos e passam a integrar uma esfera maior, sendo, por-
tanto, percebidos em meio a problemas reais e atuais com alguma rele-
vância social.

Consideramos que para uma efetiva implementação da abordagem


CTS como metodologia de ensino, seja necessário investir nos cursos
formação de professores, inserindo temas de relevância científica, tec-
nológica e social, capazes de despertar no professor/licenciando um
olhar crítico e levá-lo a uma reflexão acerca da importância e contribui-
ções dessas discussões em qualquer nível de ensino.

3. SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA (SDI)

Segundo Oliveira (2013), a SDI consiste em

[...] um procedimento simples que compreende um conjunto


de atividades conectadas entre si, e prescinde de um plane-
jamento para delimitação de cada etapa e/ou atividade para
trabalhar os conteúdos disciplinares de forma integrada

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ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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para uma melhor dinâmica no processo ensino e aprendiza-
gem (OLIVEIRA, 2013).

Em outras palavras é uma ferramenta metodológica em que são or-


ganizadas, pelo docente/pesquisador, uma sequência de atividades
que permitem o estudante aprofundar e/ou construir um determina-
do conceito científico. É um processo que envolve interação dos atores
sociais participantes, sempre valorizando as concepções individuais
dos integrantes do grupo sobre a temática estudada. Vale salientar que
a SDI, por ser uma ferramenta metodológica, pode ser implementada
nas mais diversas estratégias didáticas, como em cursos de formação
de professores inicial e/ou continuada, por exemplo.

Com relação à estrutura da SDI, temos que:

1. Inicialmente, com o tema pré-definido, o docente/pesquisador


entrega para cada participante uma ficha de papel pedindo que
cada um escreva o que entende pelo questionamento apresen-
tado.

2. Posteriormente, os participantes são divididos em grupos e é


solicitado que cada grupo faça uma síntese (síntese 1) dos con-
ceitos que foram construídos por cada participante.

3. Em seguida, cada grupo deve escolher um representante, e


assim é formado um novo grupo com os líderes de cada equi-
pe. Agora, este novo grupo fará uma síntese geral (síntese 2)
a partir das sínteses construídas por cada grupo. Essa síntese
geral, por sua vez, deve contemplar os conceitos individuais e
os apresentados na síntese 1.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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4. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A presente pesquisa assume um caráter qualitativo, visto que, segun-


do Godoy (1995), envolve a obtenção de dados descritivos sobre pes-
soas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador
com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos se-
gundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação
em estudo.

4.1 Contexto e Atores Sociais da Pesquisa

Considerando o objetivo principal a que se propõe esta investigação


tivemos como atores sociais da pesquisa: doze estudantes, sendo oito
homens e quatro mulheres, do curso de Licenciatura em Matemática da
UFRPE, que participavam do PIBID, no mesmo subprojeto. Com relação
ao perfil educacional desses licenciandos, cinco estavam no 2º perío-
do do curso, dois no 3º, quatro no 4º e um no 5º período. Dentre esses,
alguns já possuíam alguma experiência profissional externa ao PIBID
como, por exemplo, monitoria no Espaço Ciência (dois estudantes), au-
las particulares e Reforço Escolar (cinco estudantes), e um deles atuava
como professor de Matemática do Ensino Fundamental II em uma Es-
cola Pública do Recife. Os demais afirmaram que ajudavam parentes/
familiares com aulas particulares mais informais.

4.2 Percurso Metodológico

O percurso metodológico da pesquisa compreendeu a aplicação de


uma SDI para compreensão das relações entre Ciência, Tecnologia e
Sociedade dos PIBIDianos do curso de matemática da UFRPE. Para isso,
foram elaboradas, inicialmente, três perguntas que pudessem contem-
plar o nosso objeto de estudo e atingir nosso objetivo geral, conforme

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ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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nos recomenda Oliveira (2013). As questões formuladas foram as se-
guintes:

1. O que você entende por Ciência?

2. O que vem a ser Tecnologia?

3. Há alguma relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade? Se


sim, de que forma?

Para encontrar respostas a esses questionamentos, realizamos a apli-


cação, propriamente dita, da SDI através das seguintes etapas, distintas
e complementares:

Primeira etapa: cada participante recebeu uma ficha de papel em


branco, onde deveriam responder às perguntas, individualmente, ex-
pondo suas concepções sobre a temática em estudo.

Segunda etapa: foram formados três grupos contendo quatro pes-


soas cada um e solicitado que em cada grupo todos lessem sua ficha e
fizessem uma síntese dos questionamentos expostos, de modo que as
respostas resultassem em apenas uma única resposta, para cada per-
gunta. Mas para isso, todos os integrantes precisariam incorporar o que
haviam respondido individualmente na síntese final.

Terceira etapa: Aqui, pedimos que cada grupo nomeasse um repre-


sentante que pudesse formar um novo grupo composto, agora, por três
pessoas (líderes dos três grupos) para resumir em uma síntese geral o
resultado das sínteses dos grupos anteriores.

Para que os demais participantes não “perdessem” o foco, já que agora


a tarefa estava sobre os líderes, e se integrassem à dinâmica da inter-
venção, foi realizada uma dinâmica intitulada “Ditados Populares Dis-
torcidos”. A dinâmica consistiu em entregar partes não complementa-
res de ditados populares a cada um dos participantes e o objetivo era

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
19
encontrar a parte complementar do ditado recebido. Essa dinâmica foi
o pontapé inicial, para o segundo passo, a execução da aula expositiva
dialogada sobre a Perspectiva CTS, onde foi possível perceber a função
das partes no entendimento do todo (MORIN, 2002) e como os concei-
tos (neste caso de ciência e tecnologia) estão sempre em constante mu-
dança.

De modo a concluir a aplicação da SDI, um dos participantes socia-


lizou a síntese geral, lendo-a em voz alta, onde todos se sentiram con-
templados com a resposta final.

De forma a obter uma ideia mais precisa sobre o como utilizar aborda-
gens dessa natureza em aulas de matemática, foi solicitado que os três
grupos, inicialmente formados, elaborassem um plano de aula pautado
na Perspectiva apresentada para o estudo de um conteúdo específico da
matemática por meio de uma problemática social e/ou ambiental. As
pesquisadoras ficaram á disposição para auxiliar os grupos em quais-
quer dúvidas que eventualmente viessem a surgir.

4.3 Instrumentos de Pesquisa

Utilizamos como instrumentos e técnicas de coleta de dados: todos


as respostas individuais e sínteses das etapas da SDI, o plano de aula
elaborado pelo PIBIDianos e as anotações no diário de campo do pes-
quisador.

4.3.1 Análise Hermenêutica-Dialética

Os resultados obtidos foram analisados segundo o método herme-


nêutico-dialético, proposto por Minayo, que tem como pressupostos a
ideia de que não há consenso e nem ponto de chegada no processo de
produção do conhecimento, e a ciência se constrói numa relação dinâ-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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mica entre a razão daqueles que a praticam e a experiência que surge na
realidade concreta (MINAYO, 2001).

De modo a facilitar essa análise, algumas categorias mais gerais fo-


ram estabelecidas a priori, na fase exploratória da pesquisa, e outras,
mais específicas, a posteriori, mediante a coleta de dados.

As categorias estabelecidas a priori, correspondem as sete visões de-


formadas da ciência e da tecnologia apresentadas por Gil-Pérez et.al.
(2001), que são:

Visão descontextualizada reforça uma ciência de caráter socialmente


neutro, sem qualquer relação com aspectos sociais, tecnológicos e/ou
ambientais.

Concepção individualista e eletista, os conhecimentos científicos são


apresentados como obras de cientistas, restringindo-se a uma pequena
minoria, os especialistas, tornando a ciência inacessível aos cidadãos
“comuns”.

Concepção empírico-indutivista e ateórica ressalta o papel “neutro” da


observação e acredita-se que a experimentação é a essência da ativida-
de científica, sem considerar as hipóteses ou teorias como algo que leve
à investigação.

Visão rígida/algorítma/infalível caracteriza a ciência como algo exato


e objetivo, por esse motivo, o conhecimento é transmitido de maneira
pronta e acabada para simples recepção e reprodução, ensino tradicio-
nalista.

Visão aproblemática e a-histórica pode ser caracterizada como dogmá-


tica e fechada, uma vez que considera o conhecimento uma construção
arbitrária na qual são ignorados os problemas que lhe deram origem e
as dificuldades para solucioná-los.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
21
Visão exclusivamente analítica apresenta um caráter simplista da
ciência; esta se apresenta parcializada, destacando a necessidade de di-
visão dos estudos em partes.

Acumulativa, de crescimento linear, a ciência é tratada como um pro-


cesso linear, desprezando, assim, as revoluções científicas e tecnológi-
cas, nas quais uma nova teoria pode surgir e substituir outra anterior-
mente aceita.

As categorias elaboradas a posteriori estão explicitadas nos resulta-


dos.

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Apesar da heterogeneidade das respostas e dos próprios sujeitos da


pesquisa foi possível perceber que, de um modo geral, as concepções
dos estudantes sobre Ciência e Tecnologia, ainda são ingênuas. Para
melhor visualização, elencamos algumas categorias após a coleta dos
dados e percebemos que muitos veem Ciência como sendo:

• Estudo dos fenômenos

L13: “É todo fenômeno produzido pela humanidade para


compreender o universo, a natureza, os seres humanos, e
suas sociedades”.

L2: “É o estudo dos fenômenos mundiais numa perspectiva


teórico-metodológica”.

L3: “O estudo do que esta em volta de nós, ou seja, estudo da


nossa realidade”.

L4: “É toda e qualquer atividade que busque explicar, de-


senvolver conhecimento, aplicações e teorias que englobem
efeitos da natureza ou da sociedade ao seu redor”.

3 L1 = Licenciando número 1. Segue o mesmo modelo para os demais licenciandos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
22
L5: “É o estudo sistemático visando entender fenômenos
naturais e sociais”.

Tal concepção de ciência não se encaixa exatamente em nenhuma das


categorias estabelecidas a priori, visões propostas por Gil Pérez et al.
(2001), porém apresenta, mesmo que de forma sutil, traços de uma vi-
são aproblemática e a-histórica.

• Conhecimento abstrato

Aqui ciência é entendida como um conhecimento amplo, geral, que


está presente em tudo. Algumas das respostas dos estudantes que evi-
denciam essa concepção estão expostas abaixo.

L6: “Ciência é todo conhecimento produzido pela humani-


dade, para compreender o universo, a natureza, os seres hu-
manos e suas sociedades”.

L7: “É o estudo sobre os conhecimentos de áreas diversas im-


portantes para a humanidade”.

• Conhecimento científico

Nessa categoria, a ciência tem caráter disciplinar e é produzida ape-


nas por cientistas, caracterizando o conhecimento como apenas o que
é “científico”.

L8: “Se trata de algo mais específico em uma determinada


área, muitas pesquisas e/ou projetos partem do senso co-
mum e por meio dos cientistas são elaborados estudos ao
referente assunto”.

Estabelecendo uma relação entre essa categoria e as elaboradas a priori


percebe-se que os estudantes ainda se limitam a entender ciência como
sendo algo tão pequeno, capaz de pertencer a uma “determinada área”
(visão descontextualizada) ou algo muito distante do cotidiano deles,
sendo acessível apenas para os cientistas/especialistas, uma concepção

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
23
individualista e eletista/visão exclusivamente analítica. Com relação
ao conceito de Tecnologia, estabelecemos as seguintes categorias:

• Ferramentas facilitadoras

Nessa categoria, a tecnologia é entendida, pela maioria dos licencian-


dos, como sendo um aparato à disposição da sociedade para solucionar
problemas.

L1: “São ferramentas dispostas a nos auxiliar de diferentes


formas”

L2: “É um meio de informações rápidas e atualizadas”.

L3: “É a coleção de aparatos e recursos desenvolvidos por


uma sociedade para resolver problemas ou demandas com
o uso da ciência”.

L4: “É um recurso facilitador para/da humanidade”.

L5: “A utilização de conhecimentos científicos ou empíricos


que facilitem a vida do indivíduo seja rudimentar ou não”.

L6: “Tudo aquilo que facilita a nossa vivência no planeta”.

L7: “Tecnologia é qualquer criação que proporciona uma


certa melhora na realização de uma atividade”.

L8: “É a sistematização acerca do que se conhece sobre técni-


cas de intervenção na realidade”.

Analisando as respostas obtidas, é notório que mais de 50% dos estu-


dantes remetem ao termo tecnologia ao uso de aparelhos eletrônicos
que tenham a função de facilitar a vida das pessoas, assumindo, por-
tanto, uma visão tecnicista da tecnologia.

• Aperfeiçoamento da ciência

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
24
Nessa categoria, os atores da pesquisa compreendem o conceito de
tecnologia como um instrumento de avanço da ciência. Alguns licen-
ciandos afirmaram que tecnologia:

L9: “É o dispositivo de aperfeiçoamento da ciência”.

L10: “É um desenvolvimento da ciência”.

L11: “Área da ciência, na qual tem o objetivo de facilitar o


processo de informações”.

Nessas respostas, ainda que esteja impregnada uma visão tecnicis-


ta, aparecem elementos de uma visão socialmente contextualizada na
qual a tecnologia é tida como um fator que contribui para o avanço da
ciência. Segundo Silva e Medanha (2014), “a tecnologia é um conjunto
de conhecimentos e princípios que dá suplemento à Ciência na busca
de resultados”.

Quando nos referimos à relação CTS, a maioria dos PIBIDianos com-


preendem que existe uma relação entre esses conceitos, entretanto
acham difícil ou não conseguem explicitar essa relação. As respostas
que mais se aproximaram do real sentido foram as

L3:“Sim, pois as transformações ocorridas na sociedade são


decorrências do mundo científico e tecnológico”.

L8:“Sim, a tecnologia juntamente com a ciência permite que


diversas situações sejam resolvidas para a melhoria da so-
ciedade”.

Na segunda etapa da SDI, para o conceito de ciência, observamos no-


vamente a categoria Estudo dos fenômenos, exposta na síntese 1 dos
grupos como “o estudo sistemático e epistemológico visando entender fe-
nômenos naturais e sociais”; e ainda “É o estudo do que está ao redor da
sociedade”. São apresentados aqui traços de uma visão aproblemática e
a-histórica.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
25
Com relação ao conceito de tecnologia identificamos a categoria Fer-
ramentas facilitadoras, exibida na escrita de um dos grupos como “a
sistematização acerca do que se conhece sobre técnicas de intervenção na
realidade”, e em outro grupo como “a coleção de aparatos e recursos de-
senvolvidos por uma sociedade para resolver problemas ou demandas com
o uso da ciência”. Mais uma vez os licenciandos se limitam a uma visão
tecnicista.

No que diz respeito às relações CTS, os licenciandos, a partir da in-


teração uns com os outros, conseguem aperfeiçoar suas respostas e se
aproximarem de uma visão socialmente contextualizada de ciência e
tecnologia.

G14:“Sim, pois a ciência nos permite criar ferramentas tec-


nológicas que são úteis para a nossa convivência em socie-
dade”.

G2:“Sim, pois as transformações ocorridas na sociedade são


decorrências do mundo científico e tecnológico”.

G3:“Sim, pois os três campos se comunicam e produzem


uma relação com a sociedade”.

A última etapa da SDI consistiu na elaboração de uma síntese geral


(síntese 2) que contemplasse todas as sínteses (sínteses 1) da etapa an-
terior, evidenciamos sobre o conceito de ciência a categoria “Estudo dos
fenômenos” na resposta apresentada “É o estudo epistemológico e siste-
mático, que visa entender fenômenos naturais e sociais, aperfeiçoar e apri-
morar diversos sensos comuns específicos”. Mais uma vez, a visão aproble-
mática e a-histórica é trazida.

Sobre o conceito de tecnologia reconhecemos a categoria Ferramentas


facilitadoras “É a coleção de aparatos e recursos produzidos por um indivi-

4 G1 = Grupo número 1. Segue o mesmo modelo para os demais grupos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
26
duo ou um coletivo para resolver, ajudar, demandas com o uso da ciência,
seja ela rudimentar ou não. Sendo assim, produto da ciência”.

O conceito de tecnologia, mesmo mediante cooperação de todos os


participantes, se resume aos aparatos tecnológicos, e ainda como sendo
essa produto da ciência, visão tecnicista.

No tocante às relações CTS, os licenciandos começam a perceber que


os três eixos estão interrelacionados e uma visão crítica e socialmente
contextualizada vem à tona, trazendo consigo alguns aspectos da Pers-
pectiva CTS.

SG5:“Sim, pois a ciência nos permitiu e nos permite criar fer-


ramentas tecnológicas úteis para as transformações sociais,
em decorrência de estudos científicos e tecnológicos, facili-
tando a vida em sociedade”.

Mesmo com a cooperação de todos os licenciandos, os mesmos ainda


veem ciência como algo distante da realidade deles e tecnologia como
sendo, apenas, o uso de aparelhos tecnológicos. Além disso, por não
conseguirem ver esses conceitos numa esfera mais ampla, não conse-
guem explicitar bem a relação entre a ciência, a tecnologia e os aspectos
sociais.

Como afirma Pinheiro et al.(2009), isso já era de se esperar pois nem


os docentes nem os estudantes foram - ou estão sendo - formados den-
tro de uma perspectiva dessa natureza, que trabalhe efetivamente as
relações e implicações entre a Ciência, a Tecnologia e aspectos sociais
e ambientais. Os alunos estão “acostumados” com o modelo de ensino
tradicional, em que o conteúdo é transmitido pelo professor e cabe aos
estudantes memorizar e reproduzir exatamente o que lhes foi passado.

5 SG = Síntese Geral.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
27
Por isso, causa-se dificuldade e estranhamento quando esses se depa-
ram com propostas que almejam uma aprendizagem ampla.

Entretanto, ao analisar os planos de aula foi bastante notório o quan-


to eles evoluíram da primeira etapa da SDI até o presente momento. O
que mais se percebeu nos planos de aula 1 e 2 foi a preocupação com a
problemática e o conteúdo matemático para que as interrelações (CT,
TS, SC, ST e CTS)6 fossem estabelecidas. Vale salientar que foram solici-
tados três planos de aula, entretanto um deles não se encaixou na pro-
posta desejada visto que apenas apresentou uma descrição do que seria
feito, mas não como seria executado e qual a problemática envolvida
(Plano de aula 3). No quadro abaixo estão expostos as problemáticas, os
conteúdos e os objetivos dos três planos de aula.

Quadro 1
Descrição dos planos de aula

Plano de aula Problemática Conteúdo Objetivo

Como fugir Apresentar a prática do


Sistema de
1 do trânsito sistema de coordenadas no
coordenadas
Recifense? cotidiano dos estudantes

Possibilitar ao aluno identificar


Como evitar as funções Custo, Receita e
2 prejuízos para o Função Afim Lucro no dia a dia de forma a
vendedor? compreender o conceito de
forma prática.

6 C= Ciência; T= Tecnologia; S= Sociedade.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
28
Abordar o conteúdo de
forma dinâmica pautada
na prática das relações de
Medidas e medidas e grandezas trazendo
3 Não apresentou
Grandezas situações-problemas para
que os alunos possam usar as
ferramentas (régua e trena)
disponibilizadas.

Todos esses dados apontam para a necessidade de extrapolar a barrei-


ra do ensino tradicional pautado na memorização de conceitos mate-
máticos, e avançar no sentido de propor situações de aprendizagem que
explorem a ciência em diferentes aspectos e contextos. O objetivo deve
ser o de formar cidadãos críticos que sejam capazes de compreender as
relações da ciência com o mundo que os cerca.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou discutir as concepções de Ciência, Tecnologia e


Sociedade dos bolsistas de iniciação a docência do curso de matemática,
a partir de uma SDI desenvolvida com a perspectiva CTS. Acreditamos
ter alcançado o objetivo proposto no presente trabalho, uma vez que foi
possível identificar as concepções dos licenciandos acerca da temática
abordada.

Espera-se com esse estudo colaborar com as discussões sobre as con-


tribuições da SDI como metodologia de ensino e da perspectiva CTS no
contexto educacional, tornando o processo de ensino e aprendizagem
mais significativo para todas as partes envolvidas.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
29
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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
31
Capítulo 2

Formação ambiental docente no curso de pedagogia


da Universidade Federal de Sergipe: considerações à
luz da hermenêutica dialética-interativa
Maria Inêz Oliveira Araujo7
Mônica Andrade Modesto8

INTRODUÇÃO

Em meio à problemática socioambiental que emerge em todo o mun-


do, pensar sobre formação docente e sobre o papel do professor no en-
frentamento a essa situação faz-se mister e vai além de refletir a pro-
fissionalização do sujeito, pois é necessário aprofundar o olhar acerca
dos meandros que perpassam tal formação, considerando os limites e
as possibilidades circunscritos nos elementos formativos.

Esses elementos, por sua vez, compreendem o currículo em sua in-


teireza, considerando tanto os componentes explícitos quanto os im-
plícitos e, além disso, reflexionando o lugar da Universidade enquanto
instituição legitimadora dos flagrantes que decorrem do processo for-
mativo.

7 Doutora e Mestra em Educação. Bióloga. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educa-


ção da Universidade Federal de Sergipe e pesquisadora da área da Educação Ambiental. Contato:
inez@ufs.br
8 Doutoranda e Mestra em Educação. Pedagoga. Professora da Rede Estadual de Sergipe e pesqui-
sadora da área da Educação Ambiental. Contato: monicamodesto1@gmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
32
No que diz respeito à formação docente ambiental, os elementos que
se fazem presentes no processo formativo estão imbricados desde a es-
trutura curricular até a própria estrutura organizativa institucional,
sem deixar de considerar as visões de mundo engendradas nas práticas
dos formadores.

Nessa direção, o presente escrito tem como objetivo compreender, à


luz da Hermenêutica, como a formação ambiental ocorre no curso de
Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) considerando como
aportes teóricos centrais a perspectiva crítica da Educação Ambiental e
o Pensamento Complexo, com vistas a contribuir para a emergência de
novas reflexões acerca da formação docente.

1. FORMAÇÃO AMBIENTAL E PENSAMENTO COMPLEXO:


CONFLUÊNCIA PARA A CRITICIDADE DA FORMAÇÃO DOCENTE

A formação ambiental consiste na promoção de uma educação que


oportuniza o enfrentamento à visão de mundo fundada em paradig-
mas antropocêntricos que colocam o ser humano como um ser disso-
ciado do ambiente, buscando propiciar o entendimento do sujeito em
uma perspectiva interrelacional e do ambiente em sua complexidade.
Essa complexidade consiste em pensar a realidade como um todo, sob
a óptica transdisciplinar, desvencilhando-se da forma fragmentada e
reducionista de fazer ciência (MORIN, 2000).

De acordo com Morin (2005), o Pensamento Complexo é uma viabi-


lidade de compreensão do mundo que busca romper com a forma de
entendimento fundada pelo paradigma tradicional newtoniano-carte-
siano de produção do conhecimento linear, fragmentada, reducionista
e hiperespecialista que se fundamenta na polarização de resultados de-
rivados de variáveis que estão no âmbito do controle e da mensuração
dos eventos pesquisados.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
33
Para o autor, que cognomina esse paradigma de simplista, essa forma
de entender o mundo é apenas uma face, um significado de um pensa-
mento que é tomado como verdade em uma estrutura lógica que busca
se apropriar da realidade, mas que é multifacetário e polissêmico, pois,
como um prisma que tem múltiplas arestas, o pensamento não pode
ser visto somente pelo ângulo do pesquisador e concebido como verda-
de absoluta. Precisa ser entendido sob a óptica de todos os ângulos que
permeiam o objeto/evento/fenômeno, inclusive os ângulos externos,
isto é, dos elementos que circundam e se relacionam com o que está
sendo pesquisado, influenciando nos sentidos dos resultados (MORIN,
2005).

Em consonância com as premissas do Pensamento Complexo, o mun-


do pode ser compreendido como um sistema constituído por fenôme-
nos nos quais os elementos estão enredados de maneira inextrincável
no ambiente (MORIN, 2005). Desse modo, a realidade que, no paradig-
ma newtoniano-cartesiano é entendida mecânica e disjuntivamente à
medida que é observada, analisada e sintetizada, é compreendida como
uma representação ou uma metáfora na perspectiva da Complexidade,
uma vez que os fenômenos vivenciados traduzem a realidade de cada
sujeito para cada sujeito a partir da óptica que tem do mundo.

Por conseguinte, o mundo complexo é um sistema de pensamen-


to aberto e sem divisões que conclama as mudanças constantes que
emergem da realidade sem julgamento de valor, condescendendo com
a multiplicidade e a incerteza que perfazem o mundo de cada um (MO-
RIN; LE MOIGNE, 2000).

Nesse sentido, há uma aproximação do pensamento de Edgar Morin


ao postulado de Deleuze e Guatarri (1995) quando asseveram que o
mundo entendido como um sistema é percebido de forma rizomática,
apresentando-se ao sujeito como um espaço aberto, emaranhado de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
34
pensamentos livres e nômades que ultrapassam as estruturas (frag-
mentações) impostas pelos sistemas (instituições) dos quais fazemos
parte, permitindo a emergência de múltiplos sentidos e significados
dos fenômenos que são intrínsecos e indissociáveis. Nas palavras dos
autores Deleuze; GuatarrI, 1995, p. 14).

Num rizoma, [...] cada traço não remete necessariamente a


um traço lingüístico: cadeias semióticas de toda natureza
são aí conectadas a modos de codificação muito diversos,
cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em
jogo não somente regimes de signos diferentes, mas tam-
bém estatutos de estados de coisas.

Reportados ao universo educacional, o Pensamento Complexo e a con-


cepção rizomática contribuem para uma forma de pensar a educação
e a construção do conhecimento que vai para além da compartimen-
talização e da hiperespecialização, propondo ligações e religações dos
esquemas cognitivos em um movimento cíclico que permite ao sujeito
compreender o mundo como um imenso sistema interrelacional que,
por essência, é transversal e composto por percepções descomparti-
mentalizadas que envolvem, além do conhecimento, as representações
de cada um, propiciando, assim, a formação de partícipes, intérpretes e
transformadores do mundo (SOUZA, 2012).

A confluência desse pensamento com a formação ambiental se dá na


busca pela superação de paradigmas antropocêntricos necessária para
o escape da reprodução de práticas tradicionais. Essas práticas con-
formam as pessoas na perspectiva individualista, atingindo um fazer
pedagógico pautado em princípios que orientam a práxis docente para
a ressignificação dos mecanismos ideológicos, mantendo o status quo
da sociedade em busca de uma regeneração de uma nova realidade so-
cioambiental (GUIMARÃES, 2012).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
35
A perspectiva crítica da educação ambiental aponta direcionamen-
tos para a formação de sujeitos capazes de enfrentar essa forma an-
tropocêntrica de compreender o mundo. Segundo Loureiro (2012),
a educação ambiental não é uma modalidade de ensino, um tema ou
um conteúdo, ela é educação e, sendo educação, é um campo político
e ideológico demarcado por limites e possibilidades. É um processo di-
nâmico, na medida em que cria e transforma criticamente as relações
sociais; contraditório, quando se esquiva da reflexão e atua como repro-
dutor dos ideais do sistema capitalista; e, dialógico, no momento em
que se consolida através do diálogo que emerge dos afinamentos e de-
safinamentos de todos os envolvidos no processo.

Do ponto de vista curricular, a educação ambiental é uma dimensão


desse processo educativo, uma vez que “deve abordar as questões refe-
rentes ao ambiente em sua totalidade, em seu aspecto ecológico, políti-
co, econômico, social, cultural, etc” (ARAUJO, 2004, p. 37) e, como tal,
perpassa transversalmente o currículo, devendo estar presente implíci-
ta e explicitamente em todos os elementos que o compõem, em todos os
níveis de ensino. Assim, tenciona a busca por pressupostos e projeções
da aprendizagem que vislumbrem a formação de cidadãos não só para
a vida na sociedade do conhecimento, mas também para a cidadania
planetária, que prima por uma formação de sujeitos integrais para uma
vida sustentável em um ambiente equilibrado.

À luz do Pensamento Complexo, o ambiente é concebido em uma


visão sistêmica em que os seres humanos, a sociedade, o ambiente, o
cosmos e todos os elementos que fazem parte desse grande sistema se
interrelacionam, interferem e sofrem as interferências dos fenômenos
que derivam de fatores como economia, política, cultura, entre outros
(MORIN, 2005).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
36
Essa visão aponta para o princípio de que “o todo é mais do que a soma
das partes” (idem, p. 77) porque, em um sistema, do átomo até a com-
posição da estrela, da menor bactéria até a composição do ser huma-
no, é a organicidade presente no rizoma sistêmico o esteio das partes
isoladas e incapazes de viver fora do sistema que é mundo conhecido e
representado por nós.

Pautada nessa perspectiva, a formação ambiental implica em “um


processo mais orgânico e reflexivo de reorganização do saber e da socie-
dade na construção de novas capacidades para compreender e intervir
na transformação do mundo” (LEFF, 2001, p. 254), balizado pela com-
preensão de que é uma formação permanente e, no âmbito da docência,
que é intrínseca ao entendimento de que, ao formar, está-se também se
formando em um processo mútuo.

Nessa direção, o currículo é compreendido como um território de


luta e de poder, ao tempo em que há a disputa pela reprodução de uma
ideologia, seja ela hegemônica ou contra hegemônica, haja vista ser um
instrumento potencial para a persuasão da naturalização de uma hege-
monia ideológica que se afirma como única forma possível de sobrevi-
vência e de desenvolvimento da sociedade impulsionada pelo consumo
(APPLE, 2006). O currículo é, portanto, um território em disputa pela
reprodução de uma ideologia e de estruturas sociais, que utiliza, tacita-
mente, como método a correlação de forças sociais, políticas e culturais
que incidem diretamente na representação acerca do ambiente dos su-
jeitos e nas relações dos mesmos com o meio.

Considerando que o papel da universidade na formação docente é um


compromisso sociopolítico para o enfrentamento da servidão do ensi-
no à manutenção da educação para o capital, a presença da educação
ambiental no currículo contribui para o fomento de ideais e proposi-
ções que vislumbram a transformação ambiental, isto é, uma formação

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
37
fundamentada em concepções epistemológicas de educação crítica que
têm como prioridade principal a emancipação do sujeito (LOUREIRO,
2012); em uma concepção holística do ambiente que considera as in-
finitas interações entre os diversos componentes vivos e não-vivos de
um sistema complexo, como é o meio em que vivemos (LEFF, 2001) e
nos princípios da reflexividade na docência e no pensamento de que o
todo é maior que a soma das partes (MORIN, 2005).

Intrinsecamente, a presença da educação ambiental na perspectiva


crítica da formação ambiental desdobra-se em formação ambiental à
medida que possibilita a compreensão sistêmica, interacional e inter-
relacional do ambiente, implicando em uma reconfiguração sobre os
modos de pensar e de agir intermediada pelo conhecimento científico,
saberes e experiências que contribuem para o constructo formativo de
sujeitos tomados de consciência e de engajamento com o enfrentamen-
to à reprodução social com vistas a uma nova simetria social orientada
pela ética e pela justiça socioambiental.

1.1 Formação ambiental no curso de Pedagogia da Universidade Federal de


Sergipe sob o olhar da Hermenêutica Dialética-Interativa

A partir dos pensamentos de Gadamer (2002), a hermenêutica consis-


te em esclarecer as condições que culminam na apresentação ao outro
da consciência do sujeito, entendendo o seu contexto como uma estru-
tura da sua experiência que, por sua vez, é responsável pelas relações
intersubjetivas que ocorrem entre os sujeitos. Nessa direção, metodo-
logicamente, a hermenêutica é uma viabilidade para a interpretação de
textos vários e traz como prerrogativa o distanciamento do olhar tribu-
nal que baliza a compreensão baseada no conceito de tradição em prol
de uma compreensão do horizonte que busca ver aquilo que está além
da vista, as entrelinhas das quais emergem a consciência.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
38
Desse modo, a interpretação textual hermenêutica é cíclica, pois, ao
iniciar uma leitura, o leitor imputa ao texto suas expectativas ou pré-
-conceitos que vão sendo revisados à medida que a leitura vai ocorren-
do e, ao final dela, as expectativas iniciais podem já nem existir, pois
foram ressignificadas a partir dos elementos emergentes do texto que
indicam a consciência de quem o escreveu proveniente de determina-
das condições (GADAMER, 2002).

Para Minayo (2004), a interpretação textual, além de hermenêutica é


também dialética porque enquanto a primeira se ocupa em buscar me-
diar o que é apresentado no texto em prol de uma unidade de sentido
em meio aos múltiplos sentidos, a segunda busca enxergar as contra-
dições que nele se fazem presentes e que propõem a ruptura da unida-
de de sentido, pois os textos se fundem na multiplicidade de sentidos
oriundos das relações dialéticas que os constituem.

Refletindo essas proposições, Oliveira (2001) aponta que a compreen-


são hermenêutica-dialética é ainda interativa, visto que é um movi-
mento que ocorre a partir do diálogo com os sujeitos produtores do cor-
pus que se materializam em texto e esse movimento é cíclico, pois há
um movimento de “vai e vem” discursivo entre pesquisador e pesqui-
sado que possibilita construções (consensos) e reconstruções (sínteses)
textuais. É mediante essa proposição que os dados aqui apresentados
são interpretados.

Sendo assim, o percurso metodológico realizado neste estudo, que se


configura como um recorte de uma pesquisa de mestrado, perpassou
pelas seguintes etapas: nível de determinação fundamental (identifica-
ção do contexto dos sujeitos pesquisados); ordenação dos dados (siste-
matização); classificação dos dados (etapa de compreensão dos dados) e
análise final (interpretação do pesquisador derivada da articulação das
etapas anteriores).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
39
Acerca da primeira etapa, tem-se o quadro 01 que apresenta o contex-
to profissional dos seis professores pesquisados do curso de Pedagogia
ofertado na Universidade Federal de Sergipe. O critério para a seleção
dos mesmos foi a presença de conteúdos relacionados à educação am-
biental e meio ambiente nos componentes curriculares ministrados
pelos mesmos.

Quadro 01

Perfil profissional dos sujeitos pesquisados

Tempo de
Regime de
FORMAÇÃO docência no
Trabalho
Ensino Superior

Professor A Doutorado em Educação 21 anos Efetivo

Professor B Doutorado em Educação 15 anos Efetivo

Professor C Doutorado em Educação 15 anos Efetivo

Professor D Doutorado em Geografia 16 anos Efetivo

Professor E Doutorado em Educação 10 anos Efetivo

Professor F Mestrado em Geografia 03 anos Substituto

Fonte: Diálogos com os sujeitos pesquisados

O quadro anterior demonstra que o contexto profissional dos pes-


quisados que, em maioria, compreende o contexto do Ensino Superior,
sendo esse o nível de atuação em maior parte das experiências vividas.
Além disso, demonstra também que a predominância da titulação na
área da Educação, é propícia para estudos e discussões sobre educação
ambiental. Contudo, os objetos de estudo de cada um, em que pese apre-
sentem pontos de convergência com as discussões ambientais, são dis-
sonantes em alguns aspectos, conforme se observa no quadro 02 que
aponta os focos de atuação docente dos sujeitos pesquisados.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
40
Quadro 02

Focos de atuação docente dos sujeitos pesquisados

• Ensino de história;
Professor A
• Didática.

• Currículo;
Professor B • Educação de Jovens e Adultos;
• Ensino de história.

Professor C • História da Educação

Professor D • Metodologia do Ensino de Geografia

Professor E • Educação do campo

• Reforma Agrária;
• Mulher e trabalho;
Professor F
• Território;
• Agroecologia.

Fonte: Diálogos com os sujeitos pesquisados

Diante disso, o quadro 03 aponta que é possível compreender a clas-


sificação que emergiu dos textos provenientes da transcrição dos diá-
logos ocorridos entre os dois grupos em que foram divididos os seis
professores participantes da pesquisa, sendo os denominados com A,
B e C lotados no Campus São Cristóvão e os denominados como D, E e F
lotados no Campus Itabaiana. Desvela-se, a partir da interpretação do
consenso dos professores, que as proposições relacionadas às discus-
sões ambientais perpassam, em maioria, por asserções de cunho an-
tropocêntrico. Entretanto, há que se observar algumas proposições que
advém da perspectiva crítica da educação ambiental emergidas após a
troca dos diálogos transcritos entre os grupos que culminou na síntese
textual.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
41
Quadro 3

Perspectivas ambientais presentes nas falas dos pesquisados

Categoria Visão

Conservadora
Educação ambiental
Emancipatória

Utilitarista/Reducionista
Meio ambiente
Socioambiental

Fonte: Diálogos com os sujeitos pesquisados.

A interpretação dos sentidos textuais permitiu identificarmos que


a formação ambiental não pôde ser evidenciada como uma categoria
porque não fora mencionada por nenhum professor, entretanto, está
implícita em alguns aspectos referentes à educação ambiental e ao
meio ambiente que foram os termos evidenciados nos diálogos.

Acerca da educação ambiental, as definições perpassaram definições


distintas, mas correlatas quanto à postura preservacionista. O profes-
sor A representa a educação ambiental como um discurso. Quando esse
professor afirma que a educação ambiental é um discurso que não se
efetiva em práxis e associa essa afirmação à questão do descarte inade-
quado de resíduos sólidos, ele está demonstrando uma visão de que a
função da educação ambiental, na escola, é educar os alunos para uma
prática que tem como objetivo preservar o ambiente das ações destrui-
doras do homem.

Apesar de essa visão despontar para elementos críticos, nota-se cer-


ta ingenuidade na fala do pesquisado quando ele a complementa com
fundamentos de caráter preservacionista. Uma postura preservacio-
nista de educação ambiental incide sobre um ideário de que o ambiente
concebido como meio natural precisa ser preservado e o homem, que é
o ser destruidor, é também o ser reparador, que pode promover a preser-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
42
vação (PELICIONI, 2002). De acordo com Oliveira (2012), essa concep-
ção ancora suas práticas em princípios da ecologia e na dimensão afe-
tiva em relação à natureza. É também uma visão romântica, posto que
vê o ambiente como espaços ainda intocados pelo homem, geralmente
representados como uma espécie de santuários (DIEGUES, 1994).

Em complemento à fala do professor quanto à educação formal, está a


fala do professor B. Todavia, este remete educação ambiental exclusiva-
mente ao plano da escolarização. Para ele, a educação ambiental é uma
formação escolar direcionada para a relação entre o homem e o meio
ambiente, que é o lugar onde sobrevive. A educação ambiental formal,
embora seja um processo de formação que ocorre no espaço escolar, não
é a única forma de educação ambiental, nem a escola é o único espaço
capaz de promovê-la.

A fala do professor B ainda especifica que a educação ambiental for-


mal deve dar conta de trabalhar a relação do homem com o meio am-
biente, visto como um meio de sobrevivência humana, espaço onde o
homem desenvolve sua história. Essa segunda visão atribui ao ambien-
te um caráter antropocêntrico e utilitarista, em que ambiente e homem
estão dissociados e o último se utiliza do primeiro como uma fonte for-
necedora de vida e de recursos (TAMAIO, 2002). O ambiente se resume
às condições físicas do meio e da natureza, e o homem é um ser exter-
no e alheio a isso, sendo, portanto, superior ao ambiente. Estando fora
do ambiente, o sujeito percebe-se como regulador do espaço e do uso
da natureza, que deixa de ser intocada, mas subserviente ao indivíduo,
posto que o ser humano não traz arraigado em si o sentimento de per-
tencimento e corresponsabilidade para com o ambiente o qual, como
indica Leff (2001), é uma relação de complexidade e de sinergia entre a
práxis humana e o ambiente.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
43
Na fala do professor C, a educação ambiental é apontada como uma
forma de produção de relações entre os sujeitos e o meio ambiente, que
culminaria no desenvolvimento de uma consciência preservacionista.
Para ele, essa consciência deve pairar sobre a responsabilidade de que
nós (seres humanos) precisamos tomar alguma atitude para proteger
o ambiente que está sendo vítima da destruição do homem. Essa visão,
além de preservacionista, é também reducionista, porque restringe o
ambiente a aspectos naturais e utilitarista, além de evidenciar uma
preocupação com a preservação dos recursos que são a fonte de vida da
humanidade. Isso remete à lógica de que se não houvesse escassez dos
recursos, não haveria necessidade de preservação. A educação ambien-
tal a serviço da promoção de uma consciência preservacionista apon-
taria para a introjeção de uma concepção do ambiente como natureza
e dimensão central da sobrevivência dos seres humanos (OLIVEIRA,
2012).

Concatenada a essa visão do professor C está a visão de ambiente. Para


ele, o ambiente é o espaço que nos envolve, mas que não é produzido
pelos seres humanos. As ações antrópicas não produzem o ambiente, só
o destroem, porque ele é o objeto da ação dos sujeitos. O ambiente não é
um produto do homem, mas de algo que está fora do alcance da criação
humana (flores, árvores, plantas, etc.). Somente a destruição é produto
do homem, que é responsável por salvar esse ambiente.

Essa é uma visão romântica, pois o ambiente é reduzido à natureza


que, por essência, exerce uma representação estética e contemplativa
sobre os sujeitos e desconsidera as relações sociais e o coletivismo, pos-
to que responsabiliza o indivíduo pela preservação, seguindo a lógica
de que cada um deve fazer a sua parte. Pode-se até assumir o discurso
de que a soma das partes promoverá a preservação, mas a soma de es-
forços individualizados não gera sinergia.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
44
De acordo com Guimarães (2012), não basta pensar em fazer a sua
parte e depois somar-se com as partes de outros (pressuposto do 1 + 1 =
2), é preciso responsabilizar-se por esforços coletivos que primem pela
superação da racionalidade dominante individualista e que tenham
como intencionalidade ações coletivas (pressuposto do 1 com 1 > 2).

As falas dos professores D, E e F versaram sobre percepções distintas


tanto sobre a educação ambiental quanto sobre o ambiente. No discur-
so do professor D, a educação ambiental está representada como con-
teúdo a ser trabalhado nas disciplinas, o que denota uma visão fundada
em um sentimento de exiguidade que a limita ao âmbito formal. Para
ele, a educação ambiental tem o papel de abordar questões relacionadas
ao meio ambiente. Esse, por sua vez, é concebido como um sinônimo da
natureza.

Essa é uma expressão reducionista do ambiente porque, segundo Ma-


lafaia e Rodrigues (2009), “traz a idéia de que o meio ambiente refere-se
estritamente aos aspectos físicos naturais, como a água, o ar, o solo, as
rochas, a fauna e a flora, excluindo o ser humano e todas as suas pro-
duções” (p. 268). Essa visão reducionista parte de uma postura antro-
pocêntrica do ser humano mediante o ambiente, fruto do paradigma
cientificista-mecanicista que dicotomiza sociedade de um lado e am-
biente de outro e coloca o ser humano no centro dessa relação (GUIMA-
RÃES, 2012).

Para o professor E, educação ambiental são práticas que perpassam


ações individuais e coletivas e que têm como função intervir na reali-
dade. Ele destaca que essas ações precisam ir além de projetos pontuais
e precisam também sair do chão da escola. Todavia, todos os exemplos
que menciona estão relacionados a uma problemática decorrente do
descarte inadequado de resíduos sólidos, o que desnuda uma visão con-
servadora de educação ambiental.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
45
Para o professor E, o meio ambiente é uma relação entre o homem e
os demais elementos que compõem a natureza, em que o homem é o
grande responsável pela intervenção no ambiente, em prol da utiliza-
ção desse para a garantia da vida no planeta. É uma visão abrangente,
pois abarca a percepção da totalidade do ambiente “que inclui os aspec-
tos naturais e os resultantes das atividades humanas” (MALAFAIA e
RODRIGUES, 2009, p. 268) e também utilitarista porque vê o ambiente
como fonte de garantia da sobrevivência humana.

A visão do professor F acerca da educação ambiental fundamenta-se


nos pressupostos da corrente denominada Educação Ambiental Críti-
ca. A partir de fundamentos materialistas histórico-dialéticos, percebe
a sociedade como resultado das relações de trabalho que dicotomizam
o homem em instâncias separadas: corpo/mente, natureza/sociedade.

O professor F acredita que a educação ambiental é uma proposta de


transição dessa lógica hegemônica, na medida em que pode propiciar
aos sujeitos à percepção de que ele é parte da natureza. Isso configura
uma visão da educação como caminho para a emancipação do sujeito
socioambiental acerca da educação ambiental e do meio ambiente, res-
pectivamente. Nessa direção, o ambiente não é um recurso do qual o
homem se serve, mas um espaço historicamente construído pelo ho-
mem e pelos elementos que constituem a natureza (MALAFAIA e RO-
DRIGUES, 2009).

À vista dessas interpretações, a categorização emergente aponta que


no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe observam-se
fragilidades correspondentes às discussões de educação ambiental e de
meio ambiente, o que vem a ser um fator que efetivamente impossi-
bilita uma formação ambiental delineada sob a égide do pensamento
de Leff (2001) e do Pensamento Complexo, pois o antropocentrismo é
predominante nos diálogos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
46
Porém, em contrapartida, a interpretação permitiu identificar tam-
bém concepções teóricas e metodológicas que, de maneira não direcio-
nada, estão voltadas para uma educação ambiental emancipatória e
para uma práxis participativa da transformação da realidade decorren-
te das discussões desenvolvidas ao longo do curso da disciplina, o que
contribui para indícios de formação ambiental no curso em questão.

Apesar disso, faz-se necessário emergir discussões com vistas à for-


mação de sujeitos conscientes do seu lugar no mundo e criticamente
atentos à responsabilidade, à solidariedade e à justiça social, funda-
mentados na concepção rizomática do mundo, no amor pelo cosmos e
pelo outro e na libertação dos grilhões que os prendem a um ego ilusó-
rio criado pela indústria do consumo e que se curva diante da hegemo-
nia dominante.

2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES OU A ESPERANÇA FORMATIVA DE UM


MUNDO MELHOR

Diante do que aqui foi exposto, encaminhamos o pensamento não


para uma conclusão, pois as reflexões acerca da formação ambiental
docente são como uma espiral situada no infinito: possuem apenas
ponto de partida. Nossas considerações situam-se na esperança de que
mudanças na compreensão do que significa essa formação são possí-
veis de ser suscitadas, mesmo diante do cenário cerceado que aqui fora
apresentado.

Isso posto, defendemos a ideia de que a formação ambiental é uma via


possível para pensar o campo de agência do professor que forma e que
é formado na perspectiva da contribuição para uma transformação so-
cial e ambiental fundamentada nos princípios da sustentabilidade, no
compromisso da sociedade com o equilíbrio e na melhoria das inter-re-
lações que ocorrem no ambiente, a fim de torná-lo mais justo e enten-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
47
dido em sua unimultiplicidade. Sendo assim, a instituição em questão
traz à baila indícios ainda tímidos de promoção dessa formação, mas
que são um começo para o pensar sobre a problemática socioambiental.

Ainda ressaltamos que para essa proposta formativa acontecer, faz-se


necessário resgatar e manter vívido o reencantamento do pensamento
de que um mundo melhor é possível e pode ser construído a partir da
semeadura da formação, do formar-se professor, que, assim como no
ciclo interativo da vida, deixa frutos para muitas gerações, pois a for-
mação ambiental, para além do âmbito profissional e acadêmico, forma
para a vida.

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Porto Alegre: Artmed, 2006.

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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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experiência de Educação Ambiental. São Paulo: Annablume: WWF, 2002.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
50
Capítulo 3

Análise de compreensões de licenciandos em


química acerca da natureza da ciência sob o olhar
da hermenêutica-dialética
Jéssica Silva Vila Nova9
Ruth do Nascimento Firme10
Maria Marly de Oliveira11
Thiago Araújo da Silveira12

INTRODUÇÃO

Iniciamos nossa discussão considerando que nós, professores de


ciências, precisamos romper com ideias simplistas relativas ao fato que
para ensinar “basta um bom conhecimento da matéria, algo de práti-
ca e alguns complementos psicopedagógicos” (GIL-PÉREZ; CARVALHO,
2003, p. 14). Nessa direção, Gil-Pérez e Carvalho (2003) apontam neces-
sidades formativas para o professor de ciências, tais como: ruptura com
visões simplistas, conhecer a matéria a ser ensinada, saber analisar cri-
ticamente o ensino tradicional, entre outras.

9 Mestranda do PPGEC-UFRPE. Licenciatura em Ciências Biológicas


andressa.biology@gmail.com
10 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Ensino das Ciên-
cias pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Especialista em Docência no Ensino Superior
pela FUNESO.
ruthquimica.ufrpe@gmail.com
11 PhD em Educação. Professora Sênior e do Quadro Permanente do PPGEC-UFRPE.
marly@academiadeprojetos.com.br
12 Licenciado em Química. Mestre no Ensino de Ciências. Doutor no Ensino de Ciências. Professor
Assistente da Universidade Federal Rural de Pernambuco-UAST
tgsaraujo@gmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
51
Desse conjunto de necessidades formativas, destacamos o conhecer
a matéria a ser ensinada. Para tais autores, um dos conhecimentos ine-
rentes ao conhecer o conteúdo da disciplina, por exemplo, se refere ao
conhecimento das relações entre ciência, tecnologia e sociedade asso-
ciadas à construção do conhecimento científico. Portanto, conhecer
tais relações “torna-se essencial para dar uma imagem correta da Ciên-
cia” (GIL-PÉREZ; CARVALHO, 2003, p. 24).

Concordamos com Gil-Pérez e Carvalho (2003) ao considerarmos que


visões não adequadas de Ciência são transmitidas por professores de
ciências em suas salas de aula quando para estes não foram oportuni-
zadas discussões epistemológicas sobre a Natureza da Ciência ao longo
de sua formação inicial ou continuada.

Nesse contexto, Cachapuz et al. (2005, p. 44), por exemplo, discutem


algumas visões não adequadas de Ciência que são transmitidas por pro-
fessores de ciências, dentre as quais estão a visão descontextualizada
que desconsidera tanto os impactos ambientais e sociais da atividade
científica como os interesses e influências da sociedade sobre o desen-
volvimento da mesma, e a visão empirista-indutivista que defende a
observação e a experimentação neutras e os conhecimentos “como re-
sultado da inferência indutiva”.

Portanto, neste estudo, partimos do pressuposto de que os professo-


res de Química ao longo de sua formação inicial precisam ter a opor-
tunidade de discutirem questões epistemológicas sobre a construção
do conhecimento científico, em outras palavras, sobre a Natureza da
Ciência.

1. NATUREZA DA CIÊNCIA

Pensar na Natureza da Ciência (NdC) implica em exercermos uma me-


tacognição sobre a Ciência (ALONSO, 2010). De modo geral, a NdC re-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
52
presenta um conjunto de características sobre a ciência considerando-a
como um modo específico de conhecer. Para Alonso (2010), uma sim-
ples NdC não existe, mas existem diversas representações parciais que
coexistem entre si, dado que a ciência é um empreendimento complexo
e dinâmico.

Partindo desse princípio, Alonso (2010) considera duas visões sobre


a NdC: a visão tradicional e absoluta de ciência; e a visão dialética de
ciência. A primeira visão é aquela que sustenta um modelo de produ-
ção de ciência “análogo a com juego com dos jugadores, el científico,
buscador de respuestas (descubridor), y la naturaleza, dispensadora de
las respuestas” (ALONSO, 2010, p. 55). Nessa visão, o método científico
deve ser seguido de forma imparcial pelo pesquisador, o conhecimento
produzido corresponde ontologicamente com a realidade, sendo objeti-
vo, realista, racional, e induzido empiricamente (ALONSO, 2010) (tra-
dução nossa).

A visão dialética, por sua vez, concebe a investigação científica como


um jogo com três jogadores: “com grupo de trabajo, la naturaleza, que
condiciona el conocimiento, pero no lo impone de forma absoluta, y
outro grupo de científicos, que discute com el primeiro (comunidade)”
(ALONSO, 2010, p. 55). Portanto, o pesquisador não é imparcial; o co-
nhecimento é validado pela comunidade científica, a ontologia subja-
cente é instrumentalista, e o conhecimento construído não tem que ser
uma cópia exata da realidade (ALONSO, 2010). (tradução nossa).

Nessa perspectiva, parece relevante que os processos de formação de


professores de ciências, mais especificamente de Química, propiciem
discussão e reflexão epistemológica sobre a NdC, dado que no ensino
de ciências a visão de ciência transmitida aos estudantes é a visão tra-
dicional e absoluta e, por conseguinte, tem gerado o desencadear de
mitos acerca da NdC, como, por exemplo, a neutralidade da atividade

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
53
científica (ALONSO, 2010). Portanto, neste estudo buscamos respos-
tas para o seguinte questionamento: como licenciandos em química
compreendem a NdC, mais especificamente, a construção do conhe-
cimento científico?

Nosso objetivo nesta pesquisa é o de analisar compreensões de licen-


ciandos em Química acerca da NdC a partir do como o conhecimento
científico é construído.

2. DESENHO METODOLÓGICO

Esta pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa considerando que


este tipo de pesquisa caracteriza-se pela “tentativa de se explicar em
profundidade o significado e características das informações obtidas
através de entrevistas ou questões abertas, sem a mensuração quanti-
tativa de características ou comportamento” (OLIVEIRA, 2003, p. 57).

Participaram deste estudo um grupo de treze licenciandos em Quí-


mica que estavam entre o 2º e 4º períodos do Curso e são bolsistas de
Iniciação à Docência (ID) pelo Programa Institucional de Bolsas de Ini-
ciação à Docência/PIBID/Núcleo Química de uma IES. Logo, são ato-
res sociais que estão praticamente no início do Curso e, portanto, suas
compreensões sobre a NdC podem conter aspectos decorrentes tanto de
ideias transmitidas pela mídia como de experiências com as disciplinas
da Ciência da Natureza ao longo da educação básica. Os bolsistas ID/
Núcleo Química participam mensalmente de reuniões administrativas
e de formação. Justificamos nossa opção pela participação dos licen-
ciandos em Química bolsistas do PIBID considerando que estes estão
inseridos no contexto escolar por meio das atividades desenvolvidas no
Programa.

Desenvolver esta pesquisa no contexto da formação inicial de pro-


fessores de Química, nos levou a considerar que tão relevante quanto

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
54
a inserção de discussões epistemológicas sobre a NdC nos processos de
formação docente, é a superação de modelos de formação docente per-
sonalista e isolado (IMBÉRNON, 2009 citado por SANTOS; OLIVEIRA,
2017). Assim sendo, dentre as metodologias de formação docente que
têm sido propostas, destacamos a Sequência Didática Interativa (SDI)
(OLIVEIRA, 2011, 2014).

A Sequência Didática Interativa (SDI) consiste em “um processo in-


terativo no ensino-aprendizagem para facilitar a integração entre do-
centes e educandos, visando à construção e sistematização de um novo
conhecimento” (OLIVEIRA, 2011, p. 238). Adicionalmente, para Oli-
veira (2014, p. 31), a SDI se constitui como uma proposta didático-me-
todológica que busca facilitar o processo de ensino-aprendizagem em
sala de aula, por meio da “construção e reconstrução de conceitos sobre
diferentes temas”.

Segundo Santos e Oliveira (2017, p. 57), na SDI permeiam três as-


pectos: o reflexivo, o participativo e o trabalho colaborativo, os quais
“permitem as trocas de experiências, as socializações, que propiciam a
aprendizagem flexível e em rede, gerando um ambiente motivador e de
participação [...]”.

Adicionalmente, a SDI agrega pressupostos do Círculo Hermenêuti-


co Dialógico, “uma técnica que se aplica em pesquisa, dentro de uma
abordagem qualitativa, e se caracteriza pela relação constante entre o
pesquisador e os atores sociais” (OLIVEIRA, 2011, p. 237), e nesse sen-
tido, constitui-se com ferramenta metodológica de coleta de dados em
pesquisas qualitativas do contexto educacional, ao tempo em que, por
meio de seu desenvolvimento, o pesquisador pode compreender defini-
ções e conceitos construídos pelos atores sociais da pesquisa.

A SDI, segundo Oliveira (2011), é uma dinâmica feita com grupos de


três a cinco integrantes cada, com o intuito de trabalhar conceito e de-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
55
finição sobre determinado tema, que se concretiza em três etapas fun-
damentais: na primeira, cada integrante, de forma individual, escreve
o conceito que tem sobre a palavra temática fornecida pelo professor.
Após esse momento, os integrantes são divididos em grupos para o
compartilhamento de suas ideias individuais e elaboração de síntese
dessas ideias; a segunda consiste na escolha de um representante para
cada grupo formado na etapa anterior e na formação de um novo grupo
com os representantes dos grupos (formação do grupo misto); na ter-
ceira etapa da SDI, os representantes compartilham as sínteses elabora-
das por seus respectivos grupos, e a partir delas, o grupo misto elabora
uma síntese final acerca do conceito ou tema abordado.

Portanto, lançar mão da SDI como instrumento metodológico de co-


leta de dados e como proposta didático-metodológica para o processo
formativo com vistas à “construção e reconstrução de conceitos sobre
diferentes temas” (OLIVEIRA, 2014, p. 31), cujo tema específico foi a
NdC, resultou em uma das opções teórico-metodológica assumida nes-
ta pesquisa.

Quanto às etapas metodológicas, três foram delimitadas: 1) planeja-


mento de uma SDI sobre a NdC; 2) desenvolvimento da SDI planejada; e
3) análise dos dados coletados.

Para o desenvolvimento da SDI, elaboramos a seguinte questão nor-


teadora: como o conhecimento científico é construído?

As etapas constitutivas do planejamento da SDI estão ilustradas no


quadro 1:

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
56
Quadro 1

Planejamento das etapas da SDI desenvolvida

Etapas Atividades

1 Lançamento da questão norteadora aos licenciandos para responderem


individualmente;

2 Desenvolvimento da aula teórica sobre a Natureza da Ciência ministrada


pela professora/pesquisadora;

3 Início da SDI com a retomada da questão norteadora. Nesse momento,


os licenciandos, caso achem necessário, poderão revisar e modificar
suas compreensões sobre a construção do conhecimento científico
expressadas antes da aula teórica.

4 Organização dos licenciandos em grupos para elaborarem uma síntese


das respostas individuais de seus componentes após a etapa 3;

5 Formação de um grupo misto, composto por um representante de cada


grupo formado na etapa anterior para a elaboração de uma síntese a
partir das sínteses apresentadas por cada representante a qual será lida
para o grande grupo;

6 Fechamento da SDI com a seguinte atividade: aos licenciandos, no grande


grupo, será apresentado um desenho impresso e em seguida, eles serão
questionados sobre a visão de ciência que o mesmo representa. Após as
discussões, será solicitado aos licenciandos a inserção de elementos no
desenho de forma a se aproximar da visão de ciência construída por eles
por meio da síntese elaborada no grupo misto.

Vale ressaltar que por motivo da extensão deste artigo, a atividade so-
licitada aos licenciados como fechamento da SDI não será analisada.

Após o planejamento, a SDI foi desenvolvida no espaço Ambiente Quí-


mico do Departamento de Química da respectiva IES e contemplou 1h e
30 minutos de duração.

Quanto à etapa da análise dos dados, no âmbito das possibilidades


metodológicas de análise em pesquisas qualitativas, adotamos pres-
supostos teórico-metodológicos da Análise Hermenêutica-Dialética
(AHD). Essa foi outra opção metodológica assumida nessa pesquisa.
Justificamos a opção por esta perspectiva de análise considerando que

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
57
“[...]. Essa metodologia coloca a fala em seu contexto para entendê-la a
partir do seu interior e no campo da especificidade histórica e totali-
zante, em que é produzida (MINAYO, 1996, citada por OLIVEIRA, 2001,
p. 72).

Para Minayo (2004 citada por CARDOSO et al., 2015, p. 82), a Herme-
nêutico-Dialética enquanto método de análise de dados, “visa a trans-
cender os aspectos apenas procedimentais ligados às técnicas usuais
[...], [...], e a propõe como um caminho do pensamento para além de um
‘mecanicismo’ metodológico não reflexivo” (aspas dos autores).

De acordo com Alencar et al. (2012, p. 244), a Hermenêutica “é a busca


de compreensão de sentido que se dá na comunicação entre seres hu-
manos, tendo na linguagem seu núcleo central”. E a Dialética, por sua
vez, “é a ciência e a arte do diálogo, da pergunta e da controvérsia. Busca
nos fatos, na linguagem, nos símbolos e na cultura, os núcleos obscuros
e contraditórios para realizar uma crítica sobre eles” (ALENCAR et al.,
2012, p. 244). Portanto, corroboramos com Alencar et al. (2012) quan-
do eles consideram que a AHD é uma metodologia de análise que busca
descrever e sintetizar os processos compreensivos e críticos.

A partir dos pressupostos teórico-metodológicos da AHD, seguimos


três movimentos analíticos com base em Minayo (2004). O primeiro
movimento analítico correspondeu à organização dos dados. Nessa
etapa, fizemos o mapeamento e a transcrição das compreensões indi-
viduais antes e após a aula teórica sobre a NdC, das sínteses elaboradas
pelos grupos a partir das compreensões individuais, e da síntese elabo-
rada pelo grupo misto a partir das compreensões sistematizadas pelos
grupos.

O segundo movimento analítico contemplou a classificação dos da-


dos. Nessa etapa, fizemos a leitura e análise das compreensões indivi-
duais antes e após a aula teórica sobre a NdC, das sínteses elaboradas

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
58
pelos grupos a partir das compreensões individuais, e da síntese ela-
borada pelo grupo misto. Esse movimento de análises atende à pers-
pectiva hermenêutica da AHD, ao tempo em que nele buscamos com-
preender, os sentidos, as ideias centrais sobre a NdC expressadas pelos
licenciandos, sentidos estes construídos por meio da linguagem e da
interação entre eles ao longo das etapas da SDI.

O terceiro movimento analítico contemplou a triangulação do ma-


terial empírico, ou seja, a confrontação entre a compreensão coletiva
elaborada pelo grupo misto sobre a NdC e as categorias teóricas delimi-
tadas, as quais foram: componentes envolvidos na produção da ciência;
a relação entre o conhecimento científico e a realidade; validação do co-
nhecimento científico. Portanto, esse movimento de análises pode ser
entendido, conforme Cardoso et al. (2015) como a articulação teórico-
-empírica dos resultados da pesquisa visando à identificação de simila-
ridades e contradições que emergem nessa articulação, o que configura
a perspectiva dialética da AHD.

O fluxograma ilustrado na figura 1 descreve o desenvolvimento dos


três movimentos analíticos da pesquisa:

Figura 1

Sequência dos movimentos analíticos da pesquisa a partir da AHD

Fonte: Elaboração das autoras

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
59
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Inicialmente, apresentamos no quadro 2 transcrições das compreen-


sões individuais dos licenciandos acerca da NdC, antes e após a aula
teórica, a partir do questionamento sobre como o conhecimento cien-
tífico é construído.

Quadro 2

Respostas dos licenciandos para a questão: como o conhecimento


científico é construído?

L Antes da Aula sobre a NdC Após a aula sobre a NdC

1 Através da aplicação da teoria *


com a prática, relacionando com
algo do dia a dia, e mostra que
a ciência está ao meu redor,
dessa forma, eu posso construir
o conhecimento científico me
levando a experimentações e
indagações novas, e a buscar
através do meu eu as respostas.

2 Através de análises e O conhecimento científico se dá


experimentos. Conhecimento através de análises e experimentos
científico acerca de algo constrói- que permitem chegar a conclusões
se de forma empírica, tendo sobre determinado assunto, mas
todo um objetivo prévio e nunca o tendo como verdade absoluta,
fundamentado em hipóteses/ pois uma vez que a natureza é
suposições que serão ou não dinâmica, o conhecimento também
provadas, a partir do resultado, o é. O conhecimento é produzido em
obtém-se as conclusões e um sistema harmônico que leva em
o conhecimento do objeto consideração a natureza, os seres
analisado. vivos no processo e a interação de um
sobre o outro.

3 O conhecimento científico se A partir de um conjunto de


constrói a partir de fenômenos conhecimentos pode-se construir
que são constatados e se o conhecimento científico partindo
manifestam de forma repetitiva. de duas vertentes, a tradicional ou
dialética.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
60
4 A partir de observações e A partir de um diálogo entre a
experimentações. Onde estas comunidade científica, as observações
observações podem ser de algo e experimentações realizadas pelo
presente no meio, em si próprio e pesquisador e a influência social a qual
na sociedade. A experimentação o pesquisador está inserido. Sendo,
vem a ser o caráter de portanto, o pesquisador um mediador
repetitividade desse algo que está entre esses fatores para organizar de
sendo observado. forma sistemática seus resultados e
conclusões.

5 O conhecimento científico é O conhecimento científico é construído


construído sobretudo a partir a partir de pesquisas feitas em grupo,
da leitura e reflexão contínua com auxílio da comunidade científica
de boas referências, e também e de forma que cada um contribua
do questionamento sobre o de alguma forma para os resultados
porquê das coisas até que se obtidos.
chegara a uma resposta bem
O conhecimento construído não
fundamentada. Professores
precisa ser uma cópia da realidade,
podem desempenhar um
porém, precisa ser validado pela
papel muito importante nesse
comunidade científica, o que confere
processo auxiliando seus alunos e
características importantes da visão
orientando-os.
dialética da natureza da ciência.

6 A partir do conhecimento prévio, *


em sala de aula a pessoa entende
o motivo de tal fenômeno ocorrer,
então testa, observa, entende
aquilo. Assim, seu conhecimento
é construído.
Em alguns casos, também,
o conhecimento pode ser
construído do zero, quando
a pessoa não sabe do que
aquela teoria trata, então
descobre aquilo e observa, testa,
desenvolve o conhecimento
acerca daquilo.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
61
7 A construção do conhecimento A construção do conhecimento se
científico se dá a partir da dá a partir da observação de fatos
observação de fatos e fenômenos e fenômenos que o homem tenta
que o homem tenta explicar. entender e explicar. A construção
A construção da explicação é dessa explicação é feita por meio
feita por meio da criação de da criação de suposições, testes,
suposições, testes, correções, até correções, até a formulação de uma
a formulação de uma explicação explicação coerente que possa ser
concreta que possa ser difundida difundida e ensinada, e que ainda
e ensinada, e que ainda possa possa ser modificada e incrementada
ser modificada e incrementada a a partir de novas construções desse
partir de novas construções desse conhecimento.
conhecimento.

8 Através de estudos, O conhecimento científico é construído


comprovações. Por meio pela relação entre a comunidade
das relações com o fato, científica, a Natureza que oferece
(experimento) e teoria. E o o objeto de estudo e o próprio
estabelecimento desta, como pesquisador, afim de estabelecer
conhecimento científico. esse conhecimento, unindo esses três
“pilares”.

9 O conhecimento, como o O caráter da Natureza científica é


todo, é dado por informações reflexivo e podemos adicioná-la aos
captadas de um ambiente ou nossos saberes como uma fonte
indivíduo, onde o processo de válida, a qual pode ser questionada e
aprendizagem é o responsável moldada a cada construção realizada.
pela interiorização dessas
A natureza nos fornece uma realidade
informações.
a qual o grupo de trabalho que é
Há muito tempo, os pensadores responsável pelas análises cujo
como os filósofos e mestres eram método científico é fundamental
conhecidos por serem detentores para estabelecer e a reformular. A
do conhecimento; porém com construção desse conhecimento é
o passar do tempo houve uma dada pelo método processual de
necessidade de se criar um aprendizagem, onde ao contrário da
método em que as pesquisas visão tradicionalista, é parcial pois o
tivessem um cunho mais racional indivíduo interfere com participação e
e lógico, surgindo assim o não é absoluta.
método científico, o qual baseia-
se de observações, criações de
hipóteses, experimentações e
criações de teorias para descrever
tal fenômeno observado em
questão. Tal método é usado até
hoje como o mais racional de
formação de um conhecimento
científico.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
62
10 É construído a medida que os O conhecimento científico é construído
cientistas, utilizando o método quando um grupo de pesquisa faz
científico, começam a testar suas afirmações, embasadas em teorias já
hipóteses e essas quando passam estabelecidas e experimentos que são
nos testes podem se tornar uma validadas pela comunidade científica.
teoria ou lei. Com o método
Ao fim desse processo dialético
científico podemos descobrir
de investigação, chega-se ao
como as coisas funcionam com
conhecimento científico, podendo ser
mais exatidão e de forma mais
necessário, no futuro, uma revisão das
lógica/racional.
afirmações feitas. Esse conhecimento
não necessariamente é uma cópia
da realidade devido à parcialidade,
limitações e erros humanos.

11 O conhecimento científico é O conhecimento como um todo é


construído a partir de indagações, dual, entre os prévios e as buscas. O
curiosidades e perguntas. Por conhecimento científico é construído
vezes, a ciência traz respostas de forma estrutural, passando pela
para diversas áreas; o que dialética que seria um diálogo entre o
observamos (seja no cotidiano cientista, a natureza e a comunidade
ou não) nos possibilita uma científica; e esse diálogo é importante,
interação com a necessidade de pois agrega saberes (já que os saberes
entender, compreender e por são individuais), pois ainda que haja
vezes experimentar, fazendo uma oposições da forma de entender (entre
transposição entre conhecimentos o grupo de trabalho e a comunidade
prévios e os adquiridos em científica), juntos, podem criar algo
busca de respostas, construindo “novo” que agrega as duas vertentes.
assim, o conhecimento científico Há importância de o pesquisador
que a cada dia vem regendo não ser imparcial, pois contribui para
o nosso cotidiano e abrindo o enriquecimento do conhecimento
novos caminhos com novas (dele e de outros), mostrando a sua
possibilidades. visão científica sobre dado assunto.
A realidade entre o que é e o que
entendemos, por vezes são distintas,
mas podendo ser construída através
de conhecimentos científicos quando
interagidos com uma visão dialética,
mostrando ainda a importância da
convivência (afinal o homem nasceu
para viver em sociedade), e a dialética
possibilita isso. O saber baseia-se
em interações entre o indivíduo e o
conhecimento construído. O coletivo é
importante para abrir novos caminhos
possibilitando novos conhecimentos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
63
12 Através da observação de Através da observação de fenômenos
fenômenos da natureza que, da natureza que, a primeira vista,
a primeira vista, não possuem não possuem explicação. O cientista
explicação. O cientista então então deve pesquisar sobre eles
deve pesquisar sobre eles para para entende-los e assim construir o
entende-los e assim construir o conhecimento científico, a partir de
conhecimento científico. dados observados e do diálogo com
outros cientistas e a comunidade
científica, de uma maneira coletiva.

13 ** **

Legenda: *L - licenciando/**não houve alteração da resposta inicial/***o participante não estava


presente neste momento da pesquisa.

Analisando as respostas individuais antes e após a aula teórica sobre


a NdC, um primeiro aspecto observado foi o fato de que apenas dois li-
cenciandos não alteraram suas respostas elaboradas antes da aula teó-
rica sobre a NdC. Entretanto, a maioria dos licenciandos revisitou suas
compreensões sobre a NdC após a aula teórica. Nesse sentido, para ana-
lisarmos as compreensões individuais dos licenciandos, consideramos
as respostas reelaboradas por eles após a aula teórica.

As análises das respostas reelaboradas nos levaram a identificar ideias


centrais nas compreensões dos licenciandos sobre uma ciência que se
constrói: a partir da experimentação que permite chegar às conclusões
sobre determinado assunto, mas que não representam verdades ab-
solutas (resposta do L2); considerando o diálogo entre a comunidade
científica, as observações e experimentações realizadas pelo pesquisa-
dor e a influência social na qual o pesquisador está inserido (respos-
ta do L4); a partir de pesquisas em grupos validadas pela comunidade
científica e que não representam uma cópia da realidade (resposta do
L5); pela observação e tentativa de explicação de fatos e fenômenos a
partir de suposições, testes e correções, as quais podem ser modifica-
das (resposta do L7); por uma relação construída entre a comunidade
científica, a Natureza que oferece o objeto de estudo, e o pesquisador
(resposta do L8); por meio de uma atividade reflexiva e não imparcial

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
64
do cientista, na qual o método científico é fundamental para estabele-
cer e a reformular esse conhecimento que não é absoluto (resposta do
L9); a partir das afirmações de um grupo de cientistas validadas pela
comunidade científica, as quais não representam a cópia da realidade,
devido à parcialidade, limitações e erros humanos, e podem ser revis-
tas posteriormente (resposta do L10); a partir de uma relação dialética
entre o cientista cuja característica não é a imparcialidade, a Natureza e
a comunidade científica agregando saberes, onde oposições podem coe-
xistir (resposta do L11); e através da observação de fenômenos da natu-
reza, os quais são pesquisados buscando sua compreensão, bem como,
pelo diálogo com outros cientistas e a comunidade científica, de uma
maneira coletiva (resposta do L12).

Portanto, podemos dizer que as discussões que emergiram da aula teó-


rica sobre a NdC contribuíram para a compreensão dos licenciandos de
aspectos envolvidos na construção do conhecimento científico, como,
por exemplo, do papel das observações e das atividades experimentais,
do conhecimento científico não representar verdade absoluta nem a
cópia da realidade, da validação desse conhecimento pela comunidade
científica, da não imparcialidade do cientista na atividade científica, do
papel do método científico, e da construção coletiva do conhecimento
científico.

Contudo, embora não tenhamos considerado as respostas dos licen-


ciandos antes da aula teórica para as análises, um aspecto interessante
a destacar foi o fato de que algumas ideias equivocadas sobre a cons-
trução do conhecimento científico, visto que parecem se aproximar de
uma perspectiva empirista-indutivista (CACHAPUZ el al, 2005), foram
revistas e reconstruídas após a discussão teórica sobre a NdC. Dentre as
compreensões equivocadas, destacamos, por exemplo, “o conhecimen-
to científico se constrói a partir de fenômenos que são constatados e se

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
65
manifestam de forma repetitiva” (resposta do L3) e “[...]. A experimen-
tação vem a ser o caráter de repetitividade desse algo que está sendo
observado” (trecho da resposta do L4).

Na continuidade da SDI desenvolvida posterior a aula teórica, os li-


cenciandos foram divididos em grupos para a construção de uma sín-
tese de suas compreensões individuais. Transcrevemos no quadro 3 as
sínteses elaboradas pelos três grupos formados.

Quadro 3

Síntese das respostas individuais elaboradas pelos grupos para a questão:


como o conhecimento científico é construído?

Respostas ao questionamento: Como o conhecimento científico é


Grupos
construído?

1 O conhecimento científico se dá através de um diálogo entre a


comunidade científica, as observações e experimentações realizadas
pelos pesquisadores, que permite chegar a conclusões sobre
determinado assunto, mas nunca tomando o resultado como verdade
absoluta, pois uma vez que a natureza é dinâmica, o conhecimento
também o é.

2 A construção do conhecimento se dá a partir da observação de


fatos e fenômenos que o homem tenta entender e explicar, isso é
feito através da relação entre a comunidade científica, a Natureza,
que oferece o objeto de estudo e o pesquisador. A construção
dessa explicação é feita por meio da criação de suposições, testes,
correções, até a formulação de uma explicação coerente que passa
por uma aceitação da comunidade científica, essa explicação ainda
pode ser modificada e incrementada a partir novas construções de
conhecimento.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
66
3 O conhecimento como um todo é dual, entre os prévios e as buscas.
O conhecimento científico é construído de forma estrutural, passando
pela dialética que seria um diálogo entre o cientista, a natureza e
a comunidade científica; e esse diálogo é importante para agregar
saberes.
A natureza nos fornece uma realidade a qual o grupo de trabalho que
é responsável pelas análises cujo método científico é fundamental
para estabelecer e reformular. A construção desse conhecimento é
dado pelo método processual de aprendizagem, onde ao contrário
da visão tradicionalista, é parcial pois o indivíduo interfere com
participação e não é absoluta.
Ao fim desse processo dialético de investigação, chega-se ao
conhecimento, podendo ser necessário, no futuro, uma revisão das
afirmações feitas. Esse conhecimento não necessariamente é uma
cópia da realidade devido à parcialidade, limitações e erros humanos.

Após as sínteses dos grupos, podemos dizer que o conhecimento cien-


tífico é construído: através de um diálogo entre a comunidade científi-
ca, observações e experimentações realizadas pelos pesquisadores que
permite chegar a conclusões sobre determinado assunto, sem as quais
serem consideradas como verdades absolutas, pois uma vez que a na-
tureza é dinâmica, o conhecimento também o é (resposta do grupo 1); a
partir da observação e explicação de fatos e fenômenos por meio da re-
lação entre a comunidade científica, a Natureza, que oferece o objeto de
estudo e o pesquisador que considera suposições, testes, correções na
construção das explicações, as quais podem ser modificadas (resposta
do grupo 2); pelo diálogo entre o cientista, a Natureza e a comunidade
científica agregando valores e por meio do método científico no qual
não cabe ao cientista a imparcialidade nem ao conhecimento científi-
co a verdade absoluta, ao tempo que esse conhecimento não é cópia da
realidade e pode ser revisto (resposta do grupo 3).

A partir das sínteses elaboradas pelos grupos que representaram suas


respostas, neste momento da SDI, pudemos identificar características
representativas da construção do conhecimento científico nas com-
preensões construídas, como, por exemplo, o diálogo entre a comuni-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
67
dade científica evidenciando uma construção coletiva, o papel da ob-
servação e da explicação na construção do conhecimento científico, o
conhecimento científico como mutável e não como verdade absoluta, a
relação estabelecida entre o cientista, a Natureza e a comunidade cien-
tífica agregando valores, e o papel do método científico onde não cabe
ao cientista a imparcialidade.

Seguindo com a SDI, cada grupo escolheu seu representante, e poste-


riormente, foi formado um grupo com um representante de cada grupo
inicial, o qual denominamos de grupo misto que elaborou uma síntese
a partir das sínteses elaboradas pelos três grupos respectivamente, cuja
transcrição está posta no quadro 4.

Quadro 4

Síntese das respostas elaboradas pelos grupos para a questão:


como o conhecimento científico é construído?

Como o conhecimento científico é construído?

A construção do conhecimento se dá a partir da observação


de fatos e fenômenos que o homem tenta entender e explicar
através de um diálogo entre a comunidade científica, a Natureza,
que oferece o objeto de estudo e o pesquisador. A construção
de uma explicação coerente para esses fatos e fenômenos é
Grupo misto feita por meio da criação de suposições, testes, correções que
ainda possam ser modificadas e incrementadas a partir de novas
construções desse conhecimento. Ao fim desse processo dialético
de investigação, chega-se ao conhecimento científico. Esse
conhecimento não necessariamente é uma cópia da realidade
devido à parcialidade, limitações e erros humanos.

A partir da análise da síntese elaborada pelo grupo misto, percebemos


que para esse grupo, o conhecimento científico é construído: a partir
da observação de fatos e fenômenos na busca de explicações coerentes
sobre eles, as quais consideram suposições, testes, correções, não são
cópias da realidade, podem ser modificadas e emergem do diálogo en-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
68
tre a comunidade científica, a Natureza, que oferece o objeto de estudo
e o pesquisador, onde permeiam parcialidade, limitações e erros huma-
nos (resposta do grupo misto).

Portanto, as análises empreendidas nesta pesquisa sinalizam uma


evolução nas compreensões dos licenciandos de Química sobre a NdC,
mais especificamente, sobre a construção do conhecimento científico.
Consideramos essa evolução à medida que identificamos na síntese do
grupo misto, aspectos mais próximos da visão dialética de ciência do
que da visão tradicional de ciência (ALONSO, 2010), como, por exem-
plo, a compreensão de que o conhecimento científico não é uma cópia
da realidade e a compreensão de que a construção do conhecimento
científico é um processo coletivo que passa pela validação na comuni-
dade científica.

É relevante destacar que todo o percurso analítico desenvolvido até


este momento correspondeu à perspectiva hermenêutica da AHD, ao
tempo em que nele buscamos compreender os sentidos, postos no
parágrafo anterior, que os licenciandos construíram sobre a construção
do conhecimento científico. Adicionalmente, vale ressaltar que tais
sentidos foram se constituindo na linguagem e nos diferentes formatos
de interação entre os licenciandos (nos grupos e no grupo misto) ao
longo do desenvolvimento da SDI.

Considerando as especificidades da NdC identificadas na compreen-


são do grupo misto, ou seja, os sentidos ou as ideias centrais postas,
passamos agora, segundo pressupostos da AHD, ao terceiro movimen-
to analítico, ao confronto, à triangulação desses sentidos frente às cate-
gorias teóricas delimitadas a partir do referencial teórico sobre a NdC,
as quais foram: 1) componentes envolvidos na produção da ciência; 2)
relação entre o conhecimento científico e a realidade; e 3) validação do
conhecimento científico.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
69
Quanto aos componentes envolvidos na produção da ciência, percebe-
mos que a compreensão do grupo misto destaca como componentes
envolvidos, a comunidade científica, a Natureza e o pesquisador. Essa
compreensão parece se aproximar da visão tradicional de ciência pro-
posta por Alonso (2010), ao tempo em que considera a ciência análoga
a um jogo que tem dois jogadores, o cientista e a Natureza (ALONSO,
2010), embora se diferencie dessa visão quando considera a comuni-
dade científica para validação do conhecimento científico construído.

Entretanto, ainda é preciso compreender que quando se considera os


componentes envolvidos na construção do conhecimento científico,
além do cientista, da comunidade científica e da Natureza, há o terceiro
jogador, o qual segundo Alonso (2010), é representado pelos grupos/
equipes de trabalhos, como, por exemplo, tecnólogos, ambientalistas,
os responsáveis pelas políticas de desenvolvimento científico e tecnoló-
gico, etc. Tal compreensão pode minimizar a transmissão da visão des-
contextualizada da atividade científica.

Quanto à relação entre o conhecimento científico e a realidade, a com-


preensão do grupo misto expressa que o conhecimento científico não é
uma cópia da realidade, ao tempo em que nessa construção permeiam
parcialidade, limitações e erros humanos, resultando em um conheci-
mento mutável que pode ser modificado ao longo da história. Nessa di-
reção, a compreensão do grupo misto sobre a NdC tem aproximação à
visão dialética proposta por Alonso (2010), à medida que nessa visão o
conhecimento construído não tem que ser uma cópia exata da realida-
de.

Em relação à validação do conhecimento científico, a síntese elabora-


da pelo grupo misto expressa uma compreensão mais aproximada da
visão dialética de ciência (ALONSO, 2010), visto que para esse grupo,

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
70
o conhecimento científico é construído a partir de um diálogo entre a
comunidade científica na perspectiva de sua validação.

Por conseguinte, podemos dizer que compreensão elaborada e siste-


matizada coletivamente pelos licenciandos sobre a NdC, mais especifi-
camente, sobre como o conhecimento científico é construído, ao longo
da SDI, tem similaridade com a visão dialética de ciência, embora haja
contradições no que se refere aos componentes envolvidos na produção
de tal conhecimento.

É relevante ressaltar que esse terceiro momento analítico de


triangulação de resultados empíricos (síntese do grupo misto sobre
a construção do conhecimento científico) com as categorias teóricas,
corresponde à perspectiva dialética da AHD, dado que nesse momento
buscamos, por meio da linguagem e dos sentidos construídos pelos
licenciandos, “os núcleos obscuros e contraditórios para realizar uma
crítica sobre eles” (ALENCAR et al., 2012, p. 244).

Portanto, é na perspectiva de possibilitar o diálogo entre processos


compreensivos e críticos (ALENCAR et al., 2012), que a AHD se cons-
tituiu como um método de análise totalizante nesta pesquisa, e foi a
partir dele que pudemos analisar compreensões de licenciandos em
Química acerca da NdC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises realizadas neste estudo, para o atendimento do objetivo de


analisar compreensões de licenciandos em Química acerca da Natureza
da Ciência, sinalizaram uma evolução nas compreensões expressadas
ao longo da SDI desenvolvida.

Pudemos destacar as interfaces da SDI nesse processo, ou seja, no pa-


pel da SDI como proposta didático-metodológica para o processo for-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
71
mativo sobre a NdC e como instrumento metodológico de coleta de da-
dos.

Como proposta didático-metodológica para construção da compreen-


são coletiva da NdC pelos licenciandos, destacamos alguns aspectos
constitutivos da SDI no processo dessa construção, a saber: a emergên-
cia de ambiente de troca de percepções sobre como o conhecimento
científico é construído, a interatividade entre os licenciandos em dife-
rentes níveis, como, por exemplo, nos grupos; a participação efetiva da
maioria dos licenciandos, o desenvolvimento de um trabalho colabora-
tivo e a motivação percebida nos licenciandos.

Como instrumento metodológico de coleta de dados, destacamos as


possibilidades propiciadas pela SDI em uma perspectiva da construção
e reconstrução de compreensões sobre diferentes temáticas.

Portanto, em estudos futuros, a SDI pode contribuir tanto para cons-


truções de compreensões coletivas sobre, por exemplo, os componen-
tes envolvidos na produção da ciência, bem como se constituir como
um instrumento de coleta de dados que se fundamento nos pressupos-
tos teórico-metodológicos da hermenêutica e da dialética.

Por fim, destacamos as contribuições da AHD no atendimento ao ob-


jetivo desta pesquisa, dado que se constituiu como um método que con-
templou processos compreensivos e crítico no âmbito da análise das
compreensões de licenciandos em Química acerca da NdC, subsidiando
nossa compreensão dos sentidos construídos coletivamente e de suas
similaridades e contradições diante das propostas teóricas que funda-
mentaram esta pesquisa.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
72
REFERÊNCIAS
ALENCAR, T. O. S; NASCIMENTO, M. A. A. do.; ALENCAR, B. R. Hermenêutica
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acesso do usuário à assistência farmacêutica. Revista Brasileira Promoção
Saúde, vol. 25, n. 2, p. 243-250, 2012.

ALONSO, A. V. Importância da alfabetização científica e do conhecimento


acerca da natureza da ciência e da tecnologia para a formação de um cidadão.
Em: Maciel, M. D.; AMARAL, C. L. C.; GUAZZELLI, I. R. B. Ciência, Tecnologia e
Sociedade: pesquisa e ensino. São Paulo: Terracota, 2010.

CACHAPUZ, A.; GIL-PEREZ, D.; CARVALHO, A. M. P. de; PRAIA, J.; VILCHES, A. A


necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005.

CARDOSO, M. F.; BATISTA-DOS-SANTOS, A. C.; ALLOUFA, J. M. de L. Sujeito,


linguagem, ideologia, mundo: técnica hermenêutico-dialética para análise
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Administração FACES Journal, Belo Horizonte, v. 14, n. 2 p. 74-93 abr./
jun. 2015. ISSN 1984-6975 (online). Disponível em: http://www.fumec.br/
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tendências e inovações. São Paulo: Cortez, 2003.

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dialético. Interfaces Brasil/Canadá, Porto Alegre, v1, n. 1, 2001.

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interativa. Interfaces Brasil/Canadá, Revista Brasileira de Estudos Canadenses,
v.11, n.01, p. 235-251, jan., 2011. Disponível em: https://periodicos.ufpel.
edu.br/ojs2/index.php/interfaces/article/view/7173 Acesso em: 31 de out de
2018.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
73
SANTOS, D. C. S. dos.; OLIVEIRA, M. M. Novo paradigma na formação docente:
neotecnicismo versus sequência didática interativa, In: OLIVEIRA, M. M.
(Org.). Experiências exitosas com sequências didáticas interativas. 1ª Ed.
Recife: EDUFRPE, 2017.]

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
74
Capítulo 4

Análise hermenêutica do ensino por investigação


em uma escola privada do Recife-PE
Meydson Gutemberg de Souza13
Maria Marly de Oliveira14
Thiago Araújo da Silveira15

INTRODUÇÃO

Com o reconhecimento da ciência e tecnologia como essenciais para


o desenvolvimento econômico, cultural e social, cresceu também o en-
sino das ciências em todos níveis, bem como sua importância na socie-
dade que modernizou-se ao longos dos tempos proporcionando aos do-
centes reflexões acerca do processo pedagógico na busca de caminhos
que proporcionem ao aluno condições para a aprendizagem, como a
adoção de diferentes metodologias de ensino, possibilitando-o associar
os conhecimentos apreendidos na escola ao seu cotidiano. Faz-se ne-
cessário que além de informações por meio dos conteúdos, os estudan-
tes também recebam subsídios para que estes se convertam em conhe-
cimento.

O trabalho por investigação a ser utilizado no processo de ensino e


aprendizagem, quando bem orientado pelo professor tende a oportu-
nizar ao aluno situações em que este poderá participar ativamente do

13 Mestre em Ensino das Ciências. Prof da Rede Estadua de Ensino-Recife-PE.


meydsonbiologia@yahoo.com.br
14 PhD em Educação.Profa Sênior e do Quadro Permanente do PPGEC-UFRPE.
marly@academiadeprojetos.com.br
15 Prof. Dr. em Ensino das Ciências. Prof. De Quimica na UAS-UFRPE. tgsaraujo@hotmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
75
processo, passando então a ser protagonista do seu próprio aprendiza-
do. Nessa perspectiva, o presente trabalho teve como objetivo analisar,
à luz da hermenêutica, a importância do ensino por investigação como
instrumento pedagógico proposto na elaboração de uma Mostra Cul-
tural dos alunos de uma escola da rede privada na cidade de Recife-PE,
oportunizando uma aproximação entre os estudantes e os conheci-
mentos científicos, ressignificando, assim, os trabalhos escolares pro-
postos pelos professores na elaboração da Mostra de Conhecimentos no
ano de 2018.

A escolha da escola por projetos que envolvam pesquisas científicas


em suas feiras de ciências ou mostras culturais, mostra uma importan-
te metodologia no desenvolvimento de novas competências nos estu-
dantes, ao mesmo tempo em que a realização dessas feiras contribui
para a formação de um importante espaço de desenvolvimento da cul-
tura científica. Os estudantes adquirem a capacidade de desenvolver o
interesse por assuntos relacionados a diferentes áreas do conhecimen-
to, proporcionando uma aprendizagem contínua, necessária para as
novas formas de acesso ao conhecimento.

A opção pela apresentação dos trabalhos de forma pública pelos es-


tudantes acarreta em muitos benefícios para estes, os quais podemos
citar a contribuição para o aumento do potencial criativo, o desenvol-
vimento cognitivo, o exercício da cooperação e a construção da auto-
nomia além de reforçarem suas interações sociais. A apresentação de
trabalhos nesses formatos também contribui para a formação estética,
emocional, social e política do aluno e do professor, criando oportuni-
dades para sua participação nos debates dos problemas atuais.

Assim, com este trabalho pretende-se abordar a importância da pes-


quisa como instrumento pedagógico a ser utilizado na produção do co-
nhecimento, sendo analisada na perspectiva da hermenêutica, pois se-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
76
gundo Gadamer, 2008, não se procura um conhecimento sem palavras,
sendo as palavras uma forma de acesso à coisa e não à verdade, pois
essa correspondência entre palavra e coisa só ocorre quando se conhece
a coisa. Dessa forma, apesar de toda forma de aprendizado se dá com o
uso de palavras como meio de linguagem; o pensar conduz as coisas ao
mundo das ideias, e assim as palavras não passam de representação de
signos ao qual se atribuem sentido.

1. AS FEIRAS DE CIÊNCIAS E MOSTRAS DE CONHECIMENTO

Os objetivos das feiras de ciências também chamadas de mostras de


conhecimento são bastante deturpados na comunidade escolar. Se por
um lado deveria ser valorizada a ênfase na produção do conhecimen-
to concebido de forma investigativa, uso da experimentação orientada
para a busca de soluções para problemas do cotidiano e uso de métodos
científicos como ferramenta capaz de atingir a verdadeira ciência, por
outro tem-se trabalhos altamente repetitivos, estudantes preocupados
em decorar textos longos e enfadonhos, e professores que acabam cum-
prindo um ritual anual imposto pela escola. É urgente uma retomada
do processo ensino e aprendizagem nas escolas que adotam a postura
citada anteriormente. Oaigen, Bernard e Souza, 2013 afirmam que

é notória a replicação de temas elencados a partir de um


currículo, na maioria das vezes descontextualizado, sendo
o mesmo, na maioria dos casos, superficial, parcial, como se
fossem pinceladas num quadro sem forma, sem perspecti-
va. Não há o despertar no aluno do gosto pela pesquisa, não
proporcionando espaços para a criatividade e para o desa-
brochar de talentos.

Os autores consideram ainda que a sala de aula deve ser transforma-


da em local de trabalho conjunto, constituindo-se em uma empreitada
desafiadora, porque significa, desde logo, não privilegiar unicamente o

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
77
professor, mas o aluno. Este deveria poder se movimentar, comunicar-
-se, organizar seu trabalho, buscar formas diferentes de participação,
mas também irá precisar de silêncio, disciplina, atenção nos momentos
adequados.

As feiras de ciências devem, portanto, propiciar aos alunos a ‘eles.


Esses trabalhos oportunizam ao professor verificar mudanças no com-
portamento do estudante, o seu envolvimento com a pesquisa, o desen-
volvimento de sua capacidade de raciocínio, da sua criatividade, bem
como o progresso cognitivo na área pesquisada, até mesmo numa pers-
pectiva transdisciplinar.

2. O ENSINO POR INVESTIGAÇÃO À LUZ DA HERMENÊUTICA

O ensino através da investigação busca fomentar o questionamento,


o planejamento, a recolha de evidências, as explicações com bases nas
evidências, contribuindo assim para a comunicação. Nessa perspectiva

A hermenêutica pode ser compreendida como a maneira


pela qual interpretamos algo no movimento que interessa
e constitui o ser humano, de formar-se e educar-se. A inter-
pretação decorre de um texto, um gesto, uma atitude, uma
palavra de abertura e relação com o outro, que é capaz de se
comunicar, de interagir. A hermenêutica implica também
na forma como realizamos o movimento para nos (re)co-
nhecer a partir das experiências no mundo, ou seja, na me-
dida em que interpretamos algo, relacionamos diretamente
com a visão de mundo que temos, advindas de nossas expe-
riências anteriores. (SIDI e CONTE, 2017).

Usa processos da investigação científica e conhecimentos científicos,


proporcionado o protagonismo entre os alunos. Tal processo requer
que os professores revejam o seu papel, adaptando a dinâmica das au-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
78
las de forma a enfrentarem as suas dificuldades e dilemas. Para Oliveira
et. al. 2016

num mundo de novas tecnologias, as informações chegam


aos indivíduos por diversos caminhos e não mais apenas
pelas escolas como em décadas atrás. Dessa forma, viven-
ciamos um período em que muitos estão informados, mas,
poucos são aqueles que atribuem um significado àquela in-
formação.

Santos (2012, p. 156) afirma que vivemos hoje num mundo de inten-
sas e rápidas transformações. A diversificação das pesquisas em todos
os campos das ciências naturais, ciências humanas, das artes e da tec-
nologia tem produzido um grande volume de informações e conhe-
cimentos. Para o acompanhamento, interpretação e utilização desses
novos conhecimentos que normalmente são divulgados pela mídia, os
cidadãos devem possuir novas habilidades, competências e conceitos.

Carvalho (2004) afirma que não podemos ser inocentes no momento


de ensinar. Além de dominar o conteúdo, precisamos cativar os alunos
pois mantê-los simplesmente em atenção não significa que eles estão
aprendendo. A autora afirma ainda que ensino e aprendizagem são dois
conceitos que têm ligações bastantes profundas; fazer com que esses
dois conceitos representem as duas faces de uma mesma moeda ou das
duas vertentes de uma mesma aula é, e sempre foi, o principal objetivo
da didática.

2.1 Sujeitos da Pesquisa

A pesquisa foi realizada em uma escola da rede privada de grande por-


te na cidade do Recife-PE, na elaboração da Mostra Cultural do ano de
2018, nos meses de setembro a dezembro. Os participantes da pesqui-
sa foram quatro alunos matriculados no ensino médio (1º e 2º anos),

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
79
representados na pesquisa pelas letras A, B, C e D; quatro professores,
representados pelas letras E, F, G e H e a gestora escolar, representada
no estudo pela letra I. A escolha das legendas para os participantes ga-
rantiu o anonimato dos sujeitos, deixando-os mais livres para exporem
suas opiniões e aproximando ao máximos suas respostas da realidade.

Quadro 1

Sujeitos participantes da pesquisa

Legenda para Identificação/


Sujeito da pesquisa Descrição
Formação

Quatro estudantes de Ensino Alunos A e B – estudantes do


Médio que participaram primeiro ano do EM
Estudantes
da proposta voltada para o Alunos C e D – estudantes do
ensino por investigação segundo ano do EM

E e F (Língua portuguesa e
Literatura respectivamente)
Quatro professores que – Formação em Licenciatura
lecionavam no EM, sendo um Plena em Letras
Professores de Língua Portuguesa, um de
G (Matemática) – Licenciatura
Literatura, um de Matemática
Plena em Matemática
e um de Geografia
H (Geografia) – Licenciatura
Plena em Geografia

Administradora escolar no I (História) – Licenciatura


Gestora
ano 2018 Plena em História

Adaptado de Silveira, (2017).

Utilizamos como procedimento de pesquisa, a técnica da entrevista


que, segundo Gil (1999, p. 117), é “uma forma de interação social. Mais
especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das
partes busca coletar dados, e a outra se apresenta como fonte de infor-
mação” ressaltando que a inserção do pesquisador no cotidiano dos su-
jeitos, possibilitado pelo uso das técnicas referidas, permite uma fide-
dignidade à realidade empírica e à experiência desses; foram escolhidas

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
80
três perguntas direcionadas para os estudantes, professores e gestora
da escola no ano de 2018, assinaladas de acordo com o quadro abaixo.

Quadro 2

Questionamentos para aplicação da SDI

Atores entrevistados
Perguntas
Alunos Professores Gestão

Há quanto tempo estuda na escola? X

Há quanto tempo leciona na escola? X

Há quanto tempo exerce o cargo de gestora


X
na escola?

Na sua opinião houve alguma diferença


entre as mostras científicas praticadas pela
X X X
escola nos anos anteriores como a mostra
científica do ano de 2018?

Fonte: O autor

3. ANÁLISE DOS DADOS À LUZ DA HERMENÊUTICA

Quando perguntados sobre quanto tempo estudavam na escola os es-


tudantes responderam: A – quatro anos; B – treze anos; C – seis anos e D –
nove anos. Percebemos que todos os estudantes foram capazes de iden-
tificar mudanças positivas ou negativas no “novo” formato da mostra
cultural baseado na investigação.

Em relação ao tempo de magistério na instituição, no caso dos profes-


sores, e na administração escolar, no caso da gestora, os mesmos rela-
taram que: E – vinte e três anos; F – vinte e cinco anos; G – dois anos e H –
dezoito anos, enquanto I – possuía dois anos na gestão da escola campo
de pesquisa.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
81
Corroborando com os estudantes, os professores e a gestão escolar
também estavam aptos à comparação entre os modelos propostos ante-
riormente pela escola, na elaboração da mostra cultural, com o modelo
voltado para a investigação. Nesse sentido, a abordagem hermenêutica
desenvolve-se buscando diferenças e semelhanças entre o contexto dos
autores e o contexto do investigador; explora as definições de situação
do ator, supõe o compartilhamento entre o mundo observado e os su-
jeitos, com investigador; busca entender os fatos, os relatos e as obser-
vações e apoia essa reflexão sobre o contexto histórico; julga e toma de-
cisão sobre o que ouve, observa e compartilha; e produz um relato dos
fatos em que os diferentes atores se sintam contemplados.

Quando indagados sobre as diferenças entre os modelos praticados


pela escola nas mostras científicas anteriores e o modelo voltado para
investigação, onde o aluno foi o protagonista da sua pesquisa, os atores
foram unânimes em reconhecer que houve um melhor aproveitamento
dos estudantes - professores e gestão relataram um maior interesse e
comprometimento por parte dos estudantes. Como o professor man-
tém uma rotina maior com os estudantes cabe a ele o papel de moti-
vador, tornando essa aprendizagem cada vez mais significativa, pois
como afirma Libâneo (1998, p. 29)

o professor medeia a relação ativa do aluno com a matéria,


inclusive com os conteúdos próprios de sua disciplina, mas
considerando o conhecimento, a experiência e o significa-
do que o aluno traz a sala de aula, seu potencial cognitivo,
sua capacidade e interesse seu procedimento de pensar seu
modo de trabalhar.

Quando indagados sobre a percepção de alguma diferença entre as


mostras científicas praticadas pela escola, nos anos anteriores, com a
mostra científica do ano de 2018, todos os participantes emitiram opi-
niões favoráveis à mudança, ressaltando a afirmativa do estudante B,

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
82
que pontuou: “A gente sempre fazia os temas que a escola mandava, a gen-
te nunca tinha parado para pensar que temas simples, do nosso dia a dia,
poderiam ser usados na feira”. O professor G comentou: “No início não
tinha entendido direito a proposta, achava que os alunos não teriam ma-
turidade para esse tipo de trabalho, mas eles superaram as expectativas”.
As respostas corroboram com o que diz Gadamer (1997) afirmando que
o movimento da compreensão, no sentido hermenêutico, é um movi-
mento de risco e de exposição para o estranho, e até mesmo para posi-
ções contrárias. Porque estar aberto ao diálogo e à conversão é aceitar a
possibilidade do novo e do diferente na constituição de sentido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa mostrou que para que crianças e jovens aprendam os con-


teúdos ou assuntos abordados, de forma participativa, compreendendo
a realidade e produzindo conhecimentos que podem e devem fazer par-
te das mostras científicas, é necessário que os professores conheçam o
significado da pesquisa e busquem, por meio de uma fundamentação
teórica, o entendimento de como orientá-la em sala de aula e fora dela,
evitando concepções errôneas que diminuirão as chances desse tipo de
atividade alcançar seus objetivos. A análise dos resultados à luz da her-
menêutica mostrou que o conceito e interpretação da pesquisa por par-
te dos professores deve estar aberto ao diálogo e à conversão, levando
esses profissionais a aceitarem a possibilidade do novo e do diferente
na constituição de sentido.

Como toda pesquisa não se esgota em si, sugerimos que outras escolas
sejam pesquisadas no que tange à forma de conduzirem suas mostras
científicas e culturais, buscando sempre o protagonismo por parte dos
estudantes, instrumentalizando-se dos pressupostos da hermenêutica.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
83
REFERÊNCIAS
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São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004

GADAMER, Hans Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma


hermenêutica filosófica. Tradução Flávio P. Meurer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1997.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora?: novas exigências


educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998.

OAIGEN, E. R.; BERNARD, T.; SOUZA, C. A. Avaliação do evento feiras de


ciências: aspectos científicos, educacionais, socioculturais e ambientais.
Revista Destaques Acadêmicos, Edição especial, 2013.

OLIVEIRA, A. C. et. al. A Feira de Ciências como instrumento de


desenvolvimento de competências dos estudantes no processo de ensino
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ENEQ) Florianópolis, SC, Brasil – 2016.

SANTOS, A. B. Feiras de Ciência: Um incentivo para desenvolvimento da


cultura científica. Rev. Ciênc. Ext. v.8, n.2, p.155, 2012.

SILVEIRA, Thiago Araújo da. Análise das orientações conceituais e metas


de formação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
de Ciências. 2017. 263 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Ensino das
Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
84
Capítulo 5

Trabalho docente e a interdisciplinaridade como


estratégia: uma análise hermenêutica-dialética
Rosângela Cely Branco Lindoso16
Ana Lúcia Felix dos Santos17

INTRODUÇÃO

Esse artigo é um recorte da pesquisa de doutorado que objetivou es-


tudar a política de educação de Pernambuco denominado Programa de
Modernização da Gestão Pública - Metas para Educação (PMGP-ME), um
programa de gestão com metas para todos os setores, tais como saúde,
segurança e educação.

A política coloca a educação como eixo estratégico para o desenvolvi-


mento e nela estão presentes elementos regulatórios contendo metas,
avaliação e prestação de contas.

Uma das características do PMGP-ME é a institucionalização e utiliza-


ção do Sistema de Avaliação da Educação Básica de Pernambuco (SAE-
PE). Aliado ao SAEPE, é criado o Índice de Desenvolvimento da Educa-
ção de Pernambuco (IDEPE), um indicador sintético, constituído por

16 Dra em Educação-UFPE. Coordenadora do curso licenciatura em Educação Física professora do


departamento de Educação Física UFRPE
roxente@hotmail.com
17 Dra em Educação-UFPE. professora e substituta eventual de direção do Centro de Educação
UFPE
analucufelix@gmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
85
taxa de evasão, repetência e notas do exame composto por essas metas,
nos mesmos moldes do Índice de Desenvolvimento da Educação Brasi-
leira (IDEB) e a prestação de contas através do Bônus por Desempenho
Escolar (BDE).

Todos os envolvidos no cotidiano da escola assumem responsabilida-


des com o sistema. Pelas notas, as escolas são classificadas e hierarqui-
zadas, recebendo bonificações a partir dos resultados alcançados. As es-
colas que não atingem as metas, não são bonificadas e são submetidas à
exposição pública dos resultados.

O estudo apresenta as categorias teóricas Regulação, Trabalho Docen-


te e estratégias pedagógicas interdisciplinares como forma de supera-
ção das contradições entre a realidade objetiva e a subjetividade,

1. REGULAÇÃO TRABALHO DOCENTE E AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO


EM PERNAMBUCO

Tomando como referência a teoria da regulação18 como um conceito


que emerge do campo econômico, buscamos explicar as crises capita-
listas. Um dos pioneiros nos estudos sobre a teoria da regulação foi G.
Destanne Bernis que utilizou a expressão, construída no final da déca-
da de 70, nas ciências sociais numa sequência longa de estudos sobre
os Estados Unidos, França, Japão, Coreia, Taiwan e de estudos compara-
tivos, na América Latina, com o Chile, México, Venezuela, Argentina e
Brasil (BOYER, 1990).

Esse autor buscou estudar a transformação das relações sociais, si-


multaneamente econômicas e não econômicas, que se organizam em
estruturas e que dão sequência ao modo de reprodução capitalista. A

18 O Ato de regular é ação legítima do Estado por sua própria natureza histórica, politicamente
há uma redefinição desta ação, com a finalidade de atender a mudanças na estrutura e na forma
de governar, gerando novas formas de regulação que decorrem desse processo. (FREITAS 2005)

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
86
teoria da regulação ajuda a entender processos políticos e econômicos
na análise da intervenção do Estado. Nesse entendimento, a política de
Pernambuco utiliza a avaliação como forma de regular que se constitui
na conjugação complexa entre Estado, economia, sociedade, política e
educação, forma multidisciplinar de entendimento da realidade.

O trabalho docente é conceituado por Saviani (1991, p. 19) como um


fenômeno próprio dos seres humanos. Dependendo do produto resul-
tante, o mesmo pode ser material, resultando dele, em escala cada vez
mais ampla e complexa, os bens materiais. Já o trabalho não material,
resulta a produção de ideias, valores, conceitos, símbolos, atitudes e ha-
bilidades.

Saviani (1991) classifica a educação na categoria do trabalho não ma-


terial, entretanto, o autor afirma que dentro dessa categoria de trabalho
não material existem duas modalidades: uma onde o produto se separa
de quem o produz no ato da produção, como os livros; e outra, em que o
produto não se separa de quem o produz, onde estão misturados o ato
de produção e o consumo. Nessa modalidade, encontra-se o trabalho
docente. Tomamos também Barbosa (2009, p. 36) que aponta:

O trabalho no setor de serviços públicos encontra-se, então,


na esfera de trabalho improdutivo. Dentro dessa categoria
localiza-se o trabalho do professor realizado na escola públi-
ca, por meio da educação oferecida como serviço pelo Esta-
do.

Apesar do trabalho docente não produzir capital, está sob as condi-


ções capitalistas de produção. Nesse sentido, a categoria trabalho do-
cente se constitui como campo em construção, complexo, atravessado
por situações políticas e pelo apelo dos docentes por melhores condi-
ções de trabalho, no contexto das reformas educacionais e sua incidên-
cia nas mudanças relativas à organização do trabalho.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
87
Conforme Boltanski e Chiapello (2009), na era da acumulação flexí-
vel, as transformações conduzidas pela ruptura com o padrão fordista,
originaram outro modo de vida e de trabalho traçado na flexibilização
e na precarização do trabalho como imposição do processo de financei-
rização da economia que possibilitou a mundialização do capital num
grau nunca antes alcançado. A esfera financeira passa a determinar os
demais empreendimentos do capital, que segundo Druck (2011, p. 42):

Subordinando à esfera produtiva e contaminando todas as


práticas produtivas e os modos de gestão do trabalho, apoia-
da centralmente numa nova configuração do Estado, que
passa a desempenhar um papel cada vez mais de “gestor dos
negócios da burguesia”, já que ele age agora em defesa da
desregulamentação dos mercados, especialmente o finan-
ceiro e o de trabalho.

O trabalhador docente, como os demais trabalhadores, vem sofren-


do os efeitos da precarização, da desvalorização da proletarização e da
intensificação. Segundo Antunes (1999, p. 53), trata-se da intensifica-
ção das condições de exploração do trabalho, reduzindo ou eliminando
o trabalho improdutivo. A esse processo se seguem, como resultados
imediatos, a desregulamentação enorme dos direitos do trabalho, além
da fragmentação da classe trabalhadora.

Todas as novas técnicas são instrumentos de regulação que, através


do trabalho objetivo, modificam o trabalhador em sua subjetividade.
Na política educacional de Pernambuco, a técnica utilizada para extrair
mais trabalho é o gerencialismo. Segundo Garcia e Anadon (2009, p. 66)

Essas políticas que combinaram formas de planejamento e


controle central na formulação das políticas e descentrali-
zação administrativa e financeira na sua implementação,
possibilitando uma série de novas parcerias na gestão pe-
dagógica e administrativa da escola, as quais tiveram de ser

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


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construídas ativamente também pelo governo das subjeti-
vidades.

As avaliações externas utilizadas na política são instrumento de con-


trole, já que ela é moduladora da prática, constituem uma mudança
importante trazida para as políticas educacionais como elemento regu-
lador (AFONSO, 2005). O autor aponta que por meio delas direciona-se
a ênfase nos resultados e nos produtos, desvalorizando o processo. O
caminho traçado geralmente está vinculado a uma mudança no pró-
prio sistema de responsabilização, ou seja, passando de sistemas que
responsabilizam as pessoas por processos para sistemas que responsa-
bilizam pessoas por resultados. Parte-se da premissa de que sem a pre-
sença de resultados que possam ser medidos não se consegue estabe-
lecer uma base de responsabilização em que se possa acreditar, daí a
necessidade de avaliação do desempenho e da criação de indicadores
de desempenho, no entanto educação é processo de subjetivação e não
mercadoria e produto.

O trabalho do professor, mediante esse tensionamento, convive com


o constante desafio de motivar e ensinar as crianças e jovens. Cada vez
mais, a distância entre a realidade e a idealização da profissão é maior,
necessitando mais preparo para o exercício da prática contextualizada
e antenada com a cultura local. Para Sennett (2009), a nova ordem ca-
pitalista impõe novos controles, difíceis de entender.

A prática não pode contar somente com condições cognitivas de de-


sempenho e conhecimento, mas atitudes subjetivas, como criar possi-
bilidades alternativas frente aos desafios que se apresentam. Por isso,
Gatti e Barreto (2011) apontam dois pilares necessários à identidade
docente, ou seja, o sentido ético e a dimensão política do trabalho do
professor. Nesse sentido, a dimensão humana e sua subjetividade não

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


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podem ser descartadas, são seres humanos em relação, no processo de
ensino-aprendizagem.

Diante dos desafios do processo de ensino-aprendizagem e dos fatores


estressantes do trabalho docente, de acordo com Saviani (2007), o neo-
produtivismo se expressa por intermédio de algumas vertentes, sendo
elas, a neoescolanovista, expressa pelo aprender a aprender; a neocons-
trutivista, expressa pela individualização da aprendizagem e na peda-
gogia das competências; e o neotecnicismo, expresso pelo princípio da
administração e gestão escolar, gestados por normas empresariais com
base nos programas de qualidade total e gerido pelo cumprimento de
metas quantitativas e de avaliação. Na gestão dessa conjuntura, Olivei-
ra e Vieira (2014) apontam que a escola está em crise, e os professores
cada vez mais adoecidos. No centro desse problema, podemos encon-
trar o esvaziamento da educação escolarizada, promovido pelos avassa-
ladores avanços do neoescolanovismo e do neoconstutivismo. Buscar
estratégias alternativas de formação, tanto de professores quanto de
alunos, tornou-se palavra de ordem.

Numa sociedade capitalista, as relações sociais são estabelecidas de


forma quase universal nessa lógica; relações que constroem a subje-
tividade docente configurando sua personalidade. Nesse sentido, sua
humanização se converte em formar habilidades e capacidades deman-
dadas pelo mercado, tornando-se um obstáculo para que os sujeitos
possam construir sua humanidade de forma inteira bem como consti-
tuindo uma cisão na vida concreta dos docentes.

2. METODOLOGIA

A metodologia utilizada para interpretação dos dados será a herme-


nêutica dialética, hermenêutica como técnica de interpretação, tendo
como pressupostos o ser humano como histórico, finito que comple-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


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menta-se pela comunicação, por isso é preciso compreender seu con-
texto e sua cultura (MINAYO, 2010). E dialética com base em Marx e He-
gel, o ser humano é natural, concreto e movido por conflitos, a dialética
estuda a realidade a partir dos conflitos e das contradições analisando
os significados a partir das práticas sociais.

O recorte aqui feito apresenta a relação entre a política e as estraté-


gias pedagógicas interdisciplinares elaboradas pelos professores para
superar os baixos índices até então obtidos nas avaliações nacionais,
chegando a atingir o primeiro lugar nacional, mesmo sem receber a bo-
nificação pelo desempenho.

No campo empírico, temos as Escolas de Referência de Ensino Médio


(EREMs), localizadas nas diversas regiões político-administrativas do
estado de PE, gerenciadas pelas Gerências Regionais do Estado (GREs),
são 16 GREs localizadas em cada região do estado. Os sujeitos entrevis-
tados foram 78 docentes e 13 gestores de escolas distribuídas em diver-
sas GRE.

Na seleção dos instrumentos de pesquisa, necessárias à construção


das respostas, utilizamos questionário com questões abertas e fecha-
das e entrevista semiestruturada respondido pelos docentes e gestores,
escolhidos a partir do critério de aceitação em responder. Foram trazi-
dos os documentos da política que produzem um contexto no qual o
trabalho é realizado.

3. DEMOCRACIA X INDICAÇÃO

Na implantação da política, a regulação vai sendo colocada em prática


no chão da escola, a partir da figura do gestor escolar que tem o papel de
conduzir a mesma nesse ambiente. O processo de escolha deixa de ser
democrático para uma simulação de democracia. Assim, o Programa de
Formação de Gestor Escolar em Pernambuco (PROGEPE) aparece com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


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uma função fundamental de formação desse sujeito, fortalecendo uma
concepção de gestão e da política específicos que o PMGP-ME busca co-
locar em prática.

O processo de seleção inclui as seguintes etapas: seletiva, compreende


o curso de aperfeiçoamento e a certificação em conhecimentos sobre a
gestão escolar com o objetivo de determinar as suas competências ne-
cessárias; formativa, curso de especialização e mestrado profissional,
tendo como objetivo a formação, complementação, aprofundamento e
ampliação, desenvolvendo novas competências, envolvendo monitora-
mento e avaliação consultiva, não se constitui em parte constitutiva do
PROGEPE, no entanto, é processo indispensável para nomeação e posse
do gestor.

Para se inscrever no processo seletivo, o candidato a gestor deve fazer


o curso de gestão (que é parte do PROGEPE) e obter a certificação, de-
pois fazer uma prova, sobre a qual deve atingir uma média e, por fim, a
eleição, havendo aí a consulta pública e subsequente aprovação do go-
vernador.

4. AMPLIAÇÃO DAS EREMs X CONDIÇÕES DE TRABALHO

Na ampliação das EREMs, outras contradições são apontadas pelos


sujeitos por falta de estrutura, salas de laboratório, biblioteca, sala de
informática, refeitório, ar condicionado, internet, espaço de convivên-
cia, quadra; recursos didáticos, retroprojetor, data show, som, televisão,
piloto; recursos humanos, falta de pessoal para manutenção do traba-
lho. A docente (D1 GRE Caruaru EREM BJ)19 afirma que “Política é con-
traditória - não oferece condições de trabalho”.

19 Os sujeitos foram caracterizados pela letra D para docentes seguida do número, e G para gesto-
res e a GRE, jurisdição a qual sua escola pertence.

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O trabalho sem a devida condição é analisado por Souza (2009), como
fator de precarização que vai das estruturas físicas e materiais aos recur-
sos humanos, interferindo nos ambientes de trabalho das instituições
escolares, tais como: o excesso de trabalho cada vez mais burocrático
que se impõe ao professor e que poderia ser desenvolvido perfeitamen-
te pela equipe técnico-administrativa, roubando o tempo que deveria
ser dedicado ao pedagógico, a pressão da gestão sobre o cumprimen-
to de toda ordem de obrigações que chegam a múltiplas instâncias, às
classes numerosas de 45 a 50 alunos.

De acordo com os relatos, essa é uma realidade persistente que os do-


centes apontam desde a década de 1990. A docente (D1 GRE Caruaru
EREM BJ) aponta esses indícios, tais como a ampliação das EREMs sem
observar o quantitativo de docentes e a estrutura das escolas, ao afir-
mar que [...] o governo implantou 300 escolas e não conseguiu colocar
um padrão [...] ele ampliou, ele acabou reduzindo bastante a qualidade em
termos de infraestrutura, comprometendo a qualidade e contrariando o
que denomina de excelência, precarizando e intensificando o PTD.

[...] falta de professor, por falta de concurso [...] o governo


implantou 300 escolas e não conseguiu colocar um padrão,
por exemplo, a gente diz que tem uma escola de referência,
mas a gente não tem ar condicionado nas salas, a gente sofre
muito com o calor, não tem salas para laboratório, a gente
tem dificuldade de ter gente nas bibliotecas, a gente passou
um tempão sem gente na biblioteca. A EREM tem três anos,
passou dois sem ter ninguém na biblioteca, a gente tem uma
sala de tecnologia com alguns computadores que não fun-
cionam, que estão cheios de problemas, a internet da escola
não comporta, então a gente tem todos os problemas de es-
trutura...

Sobre a infraestrutura, fica evidenciado no discurso o calor e a falta


de ar condicionado nas salas, a falta de laboratórios, falta de pessoal na

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biblioteca, a sala de computação com alguns computadores sem fun-
cionar, cheios de problemas e a falta de acesso à internet, reverberando
sobre todos aqueles que trabalham na escola.

5. MERITOCRACIA X RESPONSABILIZAÇÃO

Identificamos outras contradições, nos documentos da política, a pre-


sença de dois conceitos fundamentais tratados por Freitas (2012a): a
meritocracia e a responsabilização. No primeiro, observamos a noção
de esforço por escola presente no quadro de metas, tratada como uma
mera questão de esforço como se as condições fossem iguais para to-
das as escolas apenas porque as metas são calculadas a partir de seus
próprios indicadores (PERNAMBUCO, 2012b). No segundo termo, caso
as metas não sejam atingidas, os docentes e gestores são responsabi-
lizados; os docentes vivem a contradição de serem culpabilizados por
estimativas de resultados sobre os quais há intervenção limitada pela
restrição do espaço democrático e da autonomia dos docentes.

O esforço despendido nesse contexto irá mobilizar os docentes e ges-


tores por completo, em sua criatividade e subjetividade, o que coaduna
com o que Dal Rosso (2008) denomina de intensificação do trabalho.

O conceito de responsabilização trazido pelos documentos é estabe-


lecido através de objetivos educacionais e metas por escola. Esse con-
ceito coaduna com o que Bosi (2007) denomina a partir do conceito de
precarização, de produtividade no trabalho. Segundo o PMGP-ME, no
documento (PERNAMBUCO, 2008f, p.9), a Secretaria de Educação (SEE)
passou a estabelecer objetivos que influenciam a aprendizagem sem
considerar infraestrutura, quadro de pessoal e currículo.

Outro aspecto contraditório observado é a desproporcionalidade das


ações entre a SEE e as escolas, enquanto as obrigações da SEE são citadas
em quatro itens apenas, dos quais somente três referem-se à condição

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de avaliador e regulador, tendo apenas menção no item 2.3, fazendo re-
ferência à promoção das condições básicas de infraestrutura, acesso e o
provimento do corpo docente (PERNAMBUCO, 2012a). Textualmente, o
caráter de provedor somente está relacionado à contratação de profes-
sores, mesmo esse através de contratos precarizados.

Dessa forma, a política atribui à escola a responsabilidade pelo fun-


cionamento do sistema educacional, desresponsabilização do Estado e
culpabilização dos agentes executores por possíveis fracassos, ou seja,
os sujeitos são responsabilizados como se o governo não tivesse respon-
sabilidade pelo possível fracasso das políticas que engendra.

A gestora (G GRE Garanhuns) afirma que tem havido mudanças no


trabalho por meio da burocratização, redefinindo a função do gestor, e
intensificado por meio do excesso de trabalho, de forma que não deixa
tempo para que seja trabalhada a função social da escola.

Tem agora é muita burocracia, é muita planilha e é muito de


birô, quer dizer, os educadores pensam a educação sentados
e tem que ter mais atuação na área, é ver, é trabalhar a comu-
nidade, é criar projetos, que possam envolver cada vez mais
uma educação, não só de birô, como muitos pensam. Uma
educação mais localizada nas comunidades porque quem
faz isso é o gestor escolar, ele é quem tem essa preocupação,
e a burocracia atrapalha muito porque a gente não tem tem-
po de trabalhar o social na escola, a função social da escola
fica a desejar por falta desse tempo, isso eu digo na escola em
tempo integral porque nela a gente trabalha nove horas no
dia e não sobra tempo para se trabalhar uma escola mais co-
munidade como ele deveria funcionar. (G GRE Garanhuns).

A meritocracia e a responsabilização interferem no PTD, pois os do-


centes são responsabilizados por coisas sobre as quais eles não têm au-
tonomia para modificar, precarizados pela falta de recursos intensifi-
cados para trabalhar sem os mesmos. Se de um lado o controle é rígido,

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por outro exige dos docentes e gestores flexibilidade para se moldar às
condições precárias de trabalho.

A pressão e controle, segundo Bossi (2007), é uma forma de precari-


zação do trabalho no sentido de aumentar o ritmo do trabalho obtendo
mais trabalho, monitorado através do SIEPE.

A docente (D1GRE Caruaru EREM BJ) afirma que “A Melhoria do de-


sempenho dos alunos, às custas da exploração dos trabalhadores”, ex-
plica que os avanços conquistados pelo trabalho, em condições preca-
rizadas, é uma exploração do trabalhador na educação de Pernambuco.
Gaulejac (2007) argumenta que a busca da melhoria da produtividade
gera uma busca contínua e acelerada, impondo sua lógica, seja qual for
o preço humano e social em que resulte.

6. ENGESSAMENTO X AUTONOMIA

A docente, a seguir, expressa o controle como engessamento à falta de


autonomia, aponta que o planejamento vem pronto, o que não pode ser
mudado e só acrescentado, postado no site do SIEPE e transcrito para
a caderneta, de forma manuscrita. Com a quantidade de cadernetas, a
docente faz uma analogia com a prática da caligrafia, o que torna o tra-
balho mecânico e penoso.

Que não é tão satisfatório para o professor, porque ele poda


muito o professor, o professor é lapidado, não na forma posi-
tiva da palavra, e sim da forma negativa, ele fica engessado,
então vamos trocar a palavra de lapidado para engessado,
que não é legal. Porque quem já faz seu trabalho de qualida-
de, manda uma orientação que a gente recebe, e a gente rece-
be mesmo, quais os conteúdos que têm que ser dados, quais
os conteúdos a serem trabalhados. O discurso da secretaria é
o seguinte: você recebe um planejamento enorme; isso aqui
é o mínimo, isso é o que você tem que dar, você pode dar ou-
tras coisas, além disso, mas isso tem que ser trabalhado, en-

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tão a gente recebe uma orientação, em cima dessa orientação
a gente faz, em cima desse planejamento que a gente entrega
como nosso, a gente entrega na secretaria. O que eu reclamo
é a gente entregar isso pronto todos os bimestres e todos os
bimestres você tem que pegar aquilo que você já entregou
que estava digitado e es-cre-ver porque não permitem que
cole na caderneta, a gente faz teste de caligrafia mesmo[...]
(D1 GRE Caruaru EREM BJ).

A docente ainda relata sobre a autonomia: “o professor passa a ser al-


guém que vai dar conta de algo que alguém pensou [...], vira um tarefei-
ro, eu acho lamentável. Você tira todo o profissionalismo da categoria.”
Relata ainda que os docentes tentam se adaptar, criando estratégias
para isso, tornando o trabalho ainda mais penoso, buscando autono-
mia; a docente usa a figura de andar na corda bamba.

7. ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS X CONDIÇÕES DE TRABALHO

O envolvimento objetivo e subjetivo de gestores e docentes no sentido


de atingir as metas para conseguir o bônus em situação adversa, reve-
lam novamente a imbricação da precarização, intensificação, proletari-
zação e (des) valorização.

O BDE entra como indutor das estratégias da política nele estão as me-
tas e indicadores avaliados pelo SAEPE, a cultura de monitoramento e
postagem no SIEPE, gerando números: presença, evasão, aulas dadas
[...], definindo o percentual pelo qual se premia e responsabiliza.

As metas se apresentam em indicadores avaliados no SAEPE, o con-


trole expressa falta de confiança no trabalho docente, entretanto, é o
professor o mais abalizado para falar sobre o rendimento do seu aluno.

A apropriação ideológica dos testes, como justificativa para reformas


de cunho mercadológico nos Estados Unidos, é criticada por Ravitch
(2011), corroborando o argumento de Cabrito (2009), de que o proble-

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ma não reside no teste em si, mas no uso ideológico e deturpado para
questões que escapam às possibilidades dos testes.

A observação da autora demonstra a necessidade de se distinguir


entre medir e avaliar, distinção comum no campo da pedagogia, mas
completamente ignorada pelos arautos do gerencialismo, como o To-
dos pela Educação, difundindo a compreensão de que o resultado basta
para atestar a qualidade da educação.

Na tentativa de melhoria dos resultados, os docentes empenham sua


disposição intelectual e afetiva na busca de solucionar problemas e al-
cançar desempenho propostos pelas metas pactuadas pelos gestores,
mas sobretudo para que os alunos tenham sucesso no Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM).

Para alcançar os resultados, os docentes organizam estratégias. Mui-


tas das atividades realizadas, de acordo com cada escola, possuem cará-
ter interdisciplinar, indicando a preocupação com a entrada dos alunos
no ensino superior, através do ENEM, uma outra avaliação externa que
envolve os alunos e a família pela ascensão social que faculta. O esforço
realizado pelos docentes e gestores tem apresentado resultados positi-
vos nas avaliações externas.

Os docentes relatam as estratégias elaboradas através do Planejamen-


to coletivo, onde indicam que são momentos de interações, indicam
atividades lúdicas, projetos abordando direitos humanos, semana da
consciência negra, jogos internos, Halo mortos, oficinas pedagógicas
interdisciplinares, laboratório de garrafas plásticas, aulão, simulado,
Pré-EMEM. Afirmam que tais estratégias são realizadas com o objetivo
de atingir as metas do SAEPE e uma boa classificação no ENEM.

Observamos que a política proporcionou a dedicação a uma única


escola possibilitando momentos de discutir coletivamente com os pa-

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ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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res, a docente expressa isso com certo contentamento: “planejamento
coletivo, momento de interações momento de pensar a prática”, ao co-
mentar ela diz que o ensino integral nas EREMs possibilitou tempo para
discutir os problemas e achar soluções coletivas para eles.

Outro ponto citado é a intensificação do trabalho exigido por duas


avaliações externas, os alunos do terceiro ano do Ensino Médio são sub-
metidos a duas avaliações externas, SAEPE e ENEM.

O ENEM implica na entrada dos alunos na universidade, pois tem um


significado concreto na vida dos alunos, enquanto o SAEPE não tem.

[...] SAEPE ela não implica diretamente no aluno que está


saindo do terceiro ano em nenhuma questão, na verdade.
Ele faz a prova do SAEPE e vai embora da escola. Isso vai in-
terferir mais em quê na sua vida? Nada, ele não vai depen-
der desse resultado para o ENEM, para o vestibular, para fa-
zer uma seleção de emprego, para nada. Então um trabalho
mesmo que a gente faz muito forte com eles é do compro-
misso com a escola, para que ele entenda que esse resultado
vai servir de parâmetro de referência para os outros alunos,
para os outros anos, para o trabalho da escola, dos profes-
sores, enfim, diretamente para ele não tem interferência (G
GRE Recife Norte).

A gestora (G GRE Carpina) aponta que apesar de ter um grande nú-


mero de alunos aprovados no vestibular, a escola não recebe o bônus:
“A gente não tem uma noção de como eles fazem essa avaliação, falta
esclarecimento para a gente, mas direciona seus esforços para que o
aluno tenha uma perspectiva de vida melhor: “O ápice é você colocar o
seu aluno na universidade, e você está preparando ele para a vida e ele
não estagnou, e como é que se tem um número tão grande de aprovação
e você não tem sucesso”.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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Evidenciamos um conflito entre as duas avaliações externas, ENEM e
SAEPE, com exigências diferentes. Um ponto de consenso usado pelos
docentes é a aprovação nas universidades públicas, possibilitada pelo
ENEM, o que mobiliza os alunos. A entrada na universidade é repre-
sentada por docentes e gestores como símbolo de ascensão social dos
alunos, mobilizando os mesmos a reestruturarem seu trabalho com
esse fim. Os docentes não conseguem compreender porque conseguir
a aprovação dos alunos nas universidades públicas não é considerado
pela política na bonificação.

A gestão (G GRE Caruaru) aponta, como motor da mudança, a interio-


rização das universidades públicas20, mudando a dinâmica da própria
cidade, oferecendo uma alternativa diferente de ser um operário da fá-
brica, o ENEM possibilita acesso ao ensino superior, enquanto o SAEPE
produz números e ranking para a própria política.

Outo fator citado entre as duas avaliações, interferindo na rotina das


escolas, são os aspectos pedagógicos. Enquanto o ENEM possui um as-
pecto interdisciplinar relacionado a todas as áreas de conhecimento, o
SAEPE está relacionado a duas áreas de conhecimento. O docente se en-
volve com ânimo para o trabalho voltado ao ENEM.

Tem, porque você quer ver os resultados, e quando a gente passa,


como disse, passa a ver não só números, mas a gente passa a ver os me-
ninos passando nos vestibulares das universidades públicas, coisa que
no interior a gente não tinha esse acesso, dá um ânimo, dá uma vonta-
de de trabalhar querendo resultados bons, não pensando em números,
esses números por números. Existe, é crescente por demais, a gente, há
uns anos atrás, o máximo que os meninos aqui da cidade queriam era
trabalhar no Moura, era terminar o 9º ano, que era a 8ª série, para poder

20 A interiorização das universidades, promovida pelas políticas do governo federal pelo Partido
dos Trabalhadores (PT), acaba por impactar a dinâmica da gestão, uma vez que abre uma perspec-
tiva de mudança na vida dos alunos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


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100
trabalhar numa fábrica. Depois, aí com esforço, ainda tentando o ensi-
no médio, mas essa visão mesmo de terminar o ensino médio para en-
trar numa universidade pública, isso vem de 2010 para cá, foi quando
começou realmente esse processo de resultados melhores, a gente tem
conseguido isso, a interiorização das universidades, inclusive o meu
filho estudou aqui terminando agora o 3º ano, passou duas vezes na
federal, em dois cursos que ele colocou, é uma visão de mãe e de gestão
extraordinária, você vê que nós agora do interior podemos ter outros
caminhos (G GRE Caruaru).

Ao fazer análise da política pública de Pernambuco, observamos que


o servidor público é aquele que executa a política, orienta seu trabalho
através de valores epistemológicos, axiológicos, teleológicos. Quando a
gestora (G GRE Caruaru) afirma “se a gente entender que não são ape-
nas números, então a gente trabalha bem, querendo melhores resulta-
dos, querendo que o aluno tenha sucesso”, então fazem escolhas do que
é melhor para o futuro dos alunos.

E, aqui, podemos observar o espaço de atuação dos sujeitos de acordo


com suas concepções interferindo na regulação, fazendo o que Freitas
(2005) chama de contrar-regulação. Segundo Boyer (2009), isso acon-
tece quando falta coerência no sistema de regulação. Entre as leis da
dialética a contradição é a luta dos contrários, faz parte do movimento
da realidade, os contrários acabam por se transformar um no outro, na
contradição entre o SAEPE controlado pela política e o ENEM que aponta
uma perspectiva de futuro; eles acabam se dedicando às estratégias que
levam ao ENEM, o que acaba consequentemente, melhorando o aluno
em Português e Matemática. Sugere que o sucesso de Pernambuco, no
cenário nacional, deve-se ao trabalho realizado, embora sob péssimas
condições, um trabalho de superação, de onde a burla não é excluída.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
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Esse aspecto nos leva a pensar que as estratégias interdisciplinares
são formas mais amplas e contextualizadas, podem ser mais eficientes
que a minimização em duas áreas de conhecimento apenas. Tais estra-
tégias já eram trabalhadas nas chamadas escolas de excelência, ainda
no governo de Jarbas Vasconcelos.

O estabelecimento do bônus de desempenho no PMGP-ME desconhe-


ce que o trabalho docente é delimitado pelo conceito de práxis, segun-
do Noronha (2010), relações estabelecidas entre teoria e prática e não
enquanto atividade puramente material. Vasquez (2007) aponta a ati-
vidade desenvolvida pelo docente como atividade teleológica, é uma
atividade voltada a um fim, práxis que acontece por meio da atividade
material conjugando teoria e prática, que ao transformar o mundo, não
o faz apenas em termos instrumentais, mas pela atividade prática real.

Do movimento entre necessidade de resultados e o contexto contradi-


tório, observamos que esses conflitos movem os sujeitos no sentido de
uma prática voltada a sua função teleológica expressa neste artigo nas
estratégias interdisciplinares.

O ser humano é natural, concreto e movido por conflitos, a dialética


estuda a realidade a partir dos conflitos e das contradições analisando
os significados a partir das práticas sociais.

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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
104
Capítulo 6

Experiência com sequência didática interativa (sdi)


com os estudantes do curso de licenciatura em
pedagogia da UAG/UFRPE
Edna Silva Barreto21
Glória Maria Duarte Cavalcanti22
Maria Marly de Oliveira23

INTRODUÇÃO

Pesquisas têm revelado a importância das concepções prévias dos es-


tudantes no processo de ensino-aprendizagem. Há evidências de que,
durante esse processo, um conceito já existente anteriormente serve de
sistema explicativo, eficaz e funcional para o estudante (ASTOLFI; DE-
VELAY, 1990 apud REBELLO, 2000). Assim, a aprendizagem significa-
tiva somente ocorre quando novos significados são adquiridos, através
de um processo de interação de novas ideias com conceitos relevantes
já existentes na sua estrutura cognitiva.

Uma aprendizagem é tanto mais significativa quanto mais relações


com sentido o estudante for capaz de estabelecer entre o que já conhe-
ce, seus conhecimentos prévios e o novo conteúdo que lhe é apresen-

21 Doutoranda em Ensino das Ciências-UFRPE_PPGEC


dinha.portal@yahoo.com.br
22 Doutoranda em Ensino das Ciências-UFRPE-PPGEC
gloriacavalcanti@yahoo.com.br
23 PhD em Educação. Professora Sênior e do Quadro Permanente do PPGEC-UFRPE.
marly@academiadeprojetos.com.br

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
105
tado como objeto de aprendizagem. A organização geral do ensino ou
o planejamento da sequência didática na qual é abordada a aprendiza-
gem dos novos conteúdos pode chegar a ser um impedimento para que
os estudantes percebam que é preciso mobilizar seus conhecimentos
prévios.

A Sequência Didática Interativa (SDI) possibilita um trabalho organi-


zado paulatinamente, o crescimento e o aprofundamento em conceitos
e em saberes, buscando despertar a curiosidade e motivação dos estu-
dantes, tendo em vista os conhecimentos a serem construídos. Permite
ao professor diagnosticar as dificuldades dos estudantes e ir sanando
as mesmas gradativamente, além de tornar o ensino mais prazeroso.
Além disso, quando trabalhamos a SDI, o educando se vê protagonis-
ta da sua própria aprendizagem, uma vez que visa apresentar desafios,
descobertas, e acima de tudo construir conhecimentos.

Justificamos esta pesquisa dada a importância que a SDI tem se tor-


nado no campo da pesquisa acadêmica, pois de acordo com Oliveira
(2013), a SDI é um procedimento metodológico que permite a constru-
ção e reconstruções dos mais variados conceitos. Diante disso, ao trazer
essa abordagem aos futuros professores da educação básica, desejamos
contribuir com sua formação inicial, para que, de posse desse procedi-
mento metodológico, possam utilizá-la nas mais variadas situações e
nos mais variados níveis de ensino, de forma segura e aproveitando o
máximo que a SDI pode lhes proporcionar.

Tendo em vista o papel fundamental dos futuros professores em sala


de aula e a necessidade de que estes reflitam sobre sua importância
e sua prática no processo de ensino-aprendizagem, foi tomado como
questão problema desta pesquisa investigar as concepções prévias de
um grupo de estudantes do curso de Licenciatura em Pedagogia, sobre
o conceito de Método e Metodologia.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
106
Com intuito de buscar resposta para problemática, delimitamos o
objetivo geral desta pesquisa: analisar a Sequência Didática Interativa
como metodologia para levantar as concepções de Método e Metodolo-
gia com os estudantes do curso de Licenciatura em Pedagogia da Uni-
dade Acadêmica de Garanhuns da Universidade Federal Rural de Per-
nambuco (UAG/UFRPE).

1. A IMPORTÂNCIA DO LEVANTAMENTO DAS CONCEPÇÕES PRÉVIAS


DOS ESTUDANTES

O enfoque dado às concepções prévias dos estudantes em diversas


atividades de aprendizagem em sala de aula pode se constituir como
um importante recurso didático para a construção de conceitos sobre
diferentes temas. As ideias prévias ou concepções prévias são os conhe-
cimentos ou as representações construídas pelos indivíduos de uma
sociedade. São os conhecimentos provenientes da primeira leitura de
mundo por parte dos indivíduos e da necessidade que eles têm de res-
ponder e resolver os problemas do cotidiano (FLORENTINO; REZNIK,
2004).

Os trabalhos voltados para o estudo das concepções prévias dos estu-


dantes datam da década de 1970 e foi introduzido por diversos autores
na busca de valorização das ideias levadas pelos estudantes para sala
de aula. As pesquisas sobre essa temática revelaram que a abordagem
de novos conceitos em sala de aula pode ser favorecida quando se toma
como ponto de partida as concepções prévias dos estudantes.

Dessa forma, é importante compreender que a exploração inicial para


a construção de um conceito por parte dos estudantes, a partir de co-
nhecimentos e/ou representações edificadas ao longo de suas experiên-
cias de vida, além de facilitar a interação entre os pares no contexto da

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
107
sala de aula, também favorece a construção de um novo saber. (OLIVEI-
RA, 2013).

Assim, trabalhando a partir dos conhecimentos prévios dos estu-


dantes, o professor os entende como protagonistas em seu processo de
aprendizagem, bem como pensar nas estratégias de ensino que serão
adotadas durante as atividades realizadas em sala de aula. Dessa forma,
os estudantes entendem o que é explicado pelo professor, partindo de
suas próprias teorias implícitas (POZO, 1999).

2. MÉTODO E METODOLOGIA

Sabemos que existe diferença entre conceito e definição e que esta di-
ferença está na maneira como reconhecemos o sentido das coisas do
mundo. Para estabelecer uma definição de um objeto, como exemplo
“caneta”, parte-se do pressuposto que ela é constituída de uma substân-
cia com características únicas, a qual pode ser identificada e permite
estabelecer a diferença entre o objeto “caneta” e os demais objetos do
mundo. O objeto é, portanto, dotado de uma essência que, ao ser desco-
berta, possibilita estabelecer sua diferenciação com outros objetos do
mundo, afirmar universalmente que todo o objeto que contenha uma
essência de “caneta” será uma “caneta”.

No entanto, ao estabelecer um conceito do objeto “caneta”, parte-se da


hipótese que ela não é dotada de uma essência. O objeto é determinado
por sua relação com inúmeras variáveis de um dado contexto no qual
ele está inserido (usos, costumes etc.). Trata-se de um olhar contextual
de um determinado ambiente. (ARRABAL, 2013).

Segundo Oliveira (2010), conceito é um quadro mental que o ser hu-


mano vai formando desde a mais tenra idade, a partir do contato com a
realidade, onde começa a dar nome aos objetos. Definição é uma expli-
cação precisa, uma significação do objeto de conhecimento; exprime a

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
108
essência de um conceito; ou seja, é uma operação mental que determi-
na os limites do objeto do pensamento.

O termo Método e Metodologia, conceitualmente, possuem determi-


nadas diferenças. O termo método está relacionado a caminho, manei-
ra, modos de proceder a fim de atingir um determinado objetivo. Já o
termo metodologia são os procedimentos e regras utilizadas por deter-
minado método. Representa uma ciência cujo objetivo está ligado ao es-
tudo do método. Metodologia faz parte de um campo de estudo que visa
buscar os melhores métodos a fim de se produzir conhecimento.

No entanto, alguns autores se dedicaram a escrever sobre esse assun-


to, mas não chegaram a um consenso. Às vezes são vistas pesquisas
onde o termo metodologia vem sendo utilizado como sinônimo de mé-
todo. Vejamos algumas definições:

• Richardson (1985) conceitua método, em se tratando de pesquisa


científica, como uma escolha de procedimentos sistemáticos para
a descrição e explicação de fenômenos.

• Barros (1986) destaca que a aplicação do termo metodologia está


ligada a estudar e avaliar os vários métodos disponíveis, identi-
ficando suas limitações ou não ao nível das implicações de suas
utilizações.

• Farias (2011) define metodologia com o estudo dos métodos e es-


pecialmente dos métodos da ciência, enquanto método é o modo
de proceder, a maneira de agir, o meio propriamente. Assim, me-
todologia é a ciência integrada dos métodos.

2.1 METODOLOGIA

Metodologia é um processo que implica a “utilização de métodos e


técnicas” e visa contribuir para a construção de novos conhecimentos

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
109
e na análise da realidade estudada, que deve estar intrinsecamente li-
gada ao problema de pesquisa e a fundamentação teórica (OLIVEIRA,
2011, p. 18).

Com a finalidade de desenvolver o nosso objeto de estudo, analisar as


concepções de um grupo de estudantes do curso de Licenciatura em
Pedagogia sobre Método e Metodologia, optamos como campo de pes-
quisa a UAG/UFRPE. A Unidade Acadêmica de Garanhuns está vincu-
lada a Universidade Federal Rural de Pernambuco. A mesma foi criada
no dia 05 de setembro de 2005, com o intuito de interiorizar o ensino
superior, até então mais fortemente concentrado nas capitais brasilei-
ras; foi o primeiro campus da UFRPE, o primeiro a ser implantada como
expansão no Brasil, e tem ido muito além de ser um espaço de ensino,
pesquisa e extensão (UAG, 2017).

Quanto aos instrumentos de pesquisa, devem está visceralmente li-


gados aos objetivos de estudo já delineados (OLIVEIRA, 2011). Sendo
assim, para realização de nossa pesquisa de campo, optamos pela SDI
que é uma nova proposta didático-metodológica e pretende contribuir
com o docente na organização de uma atividade em sequência e/ou eta-
pas para aprofundar ou construir o conhecimento de uma determina-
da disciplina no contexto da sala de aula (OLIVEIRA, 2010).

A Sequência Didática Interativa constitui-se também como uma fer-


ramenta didática que se aplica no processo de ensino-aprendizagem,
podendo ser utilizada nos contextos formais ou informais da educação,
nos diversos níveis de ensino, contribuindo para a sistematização de
conteúdos e/ou elaboração de novos conhecimentos. Segundo Oliveira
(2013, p.58) a SDI:

É uma proposta didático-metodológica que desenvolve uma


série de atividades, tendo como ponto de partida a aplica-
ção do círculo hermenêutico-dialético para identificação de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
110
conceitos/definições, que subsidiam os componentes cur-
riculares (temas), e, que são associados de forma interativa
com teoria (s) de aprendizagem e/ou propostas pedagógicas
e metodologias, visando à construção de novos conheci-
mentos e saberes.

A SDI é um procedimento metodológico para sistematização do en-


sino-aprendizagem, onde o elemento principal é a participação efetiva
dos estudantes. Dessa forma, os estudantes tornam-se os protagonistas
da sala de aula, são eles os responsáveis pela construção e reconstrução
do conhecimento, das decisões toamadas pelo grupo valorizando a opi-
nião do outro. Com isso, a SDI facilita o diálogo entre os professores e
seus estudantes, e dos estudantes entre si, tendo como resultado a pro-
dução de novos saberes (OLIVEIRA, 2013).

Os principais fundamentos teóricos que dão sustentabilidades à SDI


estão fundamentados na Metodologia Interativa, que segundo Oliveira
(2013, p. 14):

[...] é um processo hermenêutico-dialético e dialógico que


facilita entender e interpretar a fala e os depoimentos dos
atores sociais em seu contexto, na perspectiva de uma visão
sistêmica da temática em estudo.

Assim, de acordo com Oliveira (2013), a metodologia pode ser apli-


cada nas diferentes áreas de conhecimentos, com os mais variados e
complexos temas, estando aberta a possíveis adaptações. Os principais
aportes teóricos que dão base à SDI são: a diologicidade segundo Freire
(1987, 2004), no pensamento complexo de Morin (2008), na visão sis-
têmica segundo Vasconcelos (2002), no método de análise de conteúdo
de Bardin (1977), na Hermenêutica de Gadamer (1997) e na Dialética
em Hegel e Marx (2009).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
111
Na aplicação da Metodologia interativa, faz-se necessário uma con-
sistente fundamentação teórica para permitir a identificação das ca-
tegorias de análise. Assim, a categoria geral está relacionada ao tema
em estudo; as categorias teóricas são aquelas identificadas durante a
construção do quadro teórico do tema em estudo; as categorias empí-
ricas são formuladas a partir das categorias teóricas, como referenciais
para construção dos instrumentos de pesquisa, e as unidades de análise
representam as respostas dadas pelos atores sociais (OLIVEIRA, 2011).

A SDI é entendida como sendo um procedimento metodológico onde


o professor organiza uma série de atividades em etapas para aprofun-
dar e construir conhecimento de um determinado conteúdo. É um pro-
cesso interativo que valoriza as concepções individuais dos participan-
tes do grupo sobre a temática estudada. A seguir, apresentamos o passo
a passo da SDI (Figura 1):

2.2 Sequência de atividades

• Definir qual o tema a ser trabalhado. Uma vez definido entregar a


cada educando/participante uma pequena ficha; o professor soli-
citará que cada estudante escreva na ficha o que entende pela te-
mática que foi definida.

• O professor/coordenador irá dividir os estudantes em pequenos


grupos entre quatro e cinco pessoas. Uma vez formados os grupos,
o professor irá solicitar que este faça uma síntese dos conceitos
que foram construídos por cada um, na primeira etapa; ou seja,
irão construir a definição do grupo, mas é importante ressaltar
que cada membro deve se sentir contemplado na nova definição.

• Nessa etapa, cada grupo deverá escolher uma pessoa para repre-
sentá-lo, e junto com os demais representantes irão forma o grupo
de líderes. Nesse grupo, o professor/coordenador solicitará que os

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
112
líderes façam uma síntese da frase construída com a síntese de to-
dos os pequenos grupos. Dessa forma, é construída uma síntese
geral, ou seja, a definição da realidade apresentada naquele mo-
mento e local.

Figura 1

Etapas da SDI

Fonte: Construção das autoras (2017)

A aplicação da SDI não tem tempo delimitado, cabe ao professor/coor-


denador definir junto com os estudantes o tempo de cada etapa, por
isso, ela é dialética-dialógica, pois todos os envolvidos têm vez e voz na
metodologia. Além disso, é importante que o resultado final seja socia-
lizado no ambiente escolar, em seminários, ou até mesmo em redes so-
ciais.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
113
3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A pesquisa foi realizada com um grupo de estudante da disciplina Me-


todologia do Ensino das Ciências I. No momento atual da pesquisa, os
licenciandos se encontram no quinto período do curso de Licenciatura
em Pedagogia da UAG/UFRPE. A turma contém trinta estudantes regu-
larmente matriculados, no segundo semestre de 2017. Participaram da
pesquisa vinte licenciandos de forma voluntária e com entusiasmo, os
demais estudantes não estavam presentes no dia da coleta de dados.

A versão da SDI para a construção deste trabalho consiste na realiza-


ção das seguintes etapas: primeiro cada estudante recebeu uma folha
de papel, onde individualmente deram seu conceito sobre Método e
Metodologia. No segundo momento, formaram-se quatro grupos, cada
um tinha cinco participantes. Nesse momento os grupos, a partir dos
conceitos que cada um elaborou sobre Método e Metodologia, juntos
produziram uma nova síntese, ou o conceito do grupo. Feita a síntese
de cada grupo, os líderes (que foram escolhidos para representar o gru-
po) formaram um novo grupo, onde as sínteses foram trabalhadas na
produção de uma nova síntese final ou a definição da turma.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para o processo de análise dos dados obtidos é recomendável que se


faça uma matriz geral das categorias de análise (Quadro 1). Após análi-
se dos dados coletados, realizamos a categorização, utilizando a análise
de conteúdo de Bardin (1977), categorias que, a propósito, compõem
da SDI. Destacamos suas principais categorias teóricas: Concepções
prévias dos estudantes sobre Método e Metodologia. As categorias em-
píricas surgiram das perguntas realizadas no desenvolvimento da SDI,
quais sejam: O que é Método? O que é Metodologia? As unidades de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
114
analise, por sua vez, surgiram das respostas às questões aqui enuncia-
das, quais sejam: Processo utilizado para alcançar determinado objetivo/
objeto e reunião de métodos (referente à primeira categoria empírica);
Conjunto de instrumentos e técnicas utilizadas (referente à segunda ca-
tegoria empírica).
Quadro 1

Matriz geral das categorias

Categorias teóricas Categorias empíricas Unidade de análise

Concepções prévias • O que é metodologia? • Processo utilizado para


dos estudantes sobre alcança determinado
Metodologia objetivo/ objeto.
• Reunião de métodos.

Concepções prévias dos • O que é método? • Conjunto de


estudantes sobre Método instrumentos.
• Técnicas utilizadas

Fonte: Construção das autoras (2017)

Para a primeira categoria empírica, o que é metodologia, surgiram


duas unidades de análises: processo utilizado para alcançar determina-
do objetivo/objeto e reunião de métodos.

Dos quatro grupos participantes, metodologia é o processo utilizado


para alcançar determinado objetivo/objeto, como podemos identificar
na síntese dos grupos 01 e 02:

Grupo 01 - É o processo que se utilizou, não só instrumentos, mas sim que


se envolve na pesquisa, o passo a passo de como vai aplicar [...] o processo
de como utilizar os recursos para alcançar determinado objetivo.

Grupo 02 - São formas de aplicação dos métodos em determinado objeto,


ou processo de ensino e aprendizagem.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
115
Segundo Oliveira (1997), a metodologia estuda os meios ou métodos
de investigação do pensamento concreto e do pensamento verdadeiro,
e procura estabelecer a diferença entre o que é verdadeiro e o que não
é, entre o que é real e o que é ficção, a fim de se chegar a determinado
objeto.

Sendo assim, a definição ora apresentada pelos estudantes corrobo-


ra com a da referida autora, quando esta argumenta que a metodolo-
gia nos proporciona, através das técnicas e métodos aplicados, chegar
ao objetivo desejado. Tal afirmação se reflete na resposta do grupo 02
quando diz que “Metodologia são as formas de aplicação dos métodos
em um determinado objeto, ou processo de ensino e aprendizagem”. Já
para o grupo 03 e 04 Metodologia teve outro significado:

Grupo 03 - É o processo de investigação acompanhado de coleta de dados.


Uma reunião de métodos utilizados para atingir determinado objetivo.

Grupo 04 - Seria a parte teórica, o planejamento de como será trabalha-


do um determinado conteúdo, ou seja, a parte da elaboração.

Para os grupos 03 e 04, portanto, Metodologia se apresenta como con-


junto de procedimentos que precisamos seguir a fim de alcançarmos
determinado objetivo. Tal afirmação, encontra sintonia com o pensa-
mento de Oliveira (2011), quando esta afirma que a Metodologia trata
de estudos e pesquisas através de utilização de métodos, técnicas e dis-
cursos, sendo um conjunto de operações sistematizadas e racionalmen-
te encadeadas. Ou seja, é a explicação minuciosa, detalhada, rigorosa e
exata de toda ação desenvolvida no método escolhido para o trabalho a
ser executado.

Em nossa segunda categoria teórica, concepção prévia dos estudantes


sobre métodos, também identificamos duas unidades de análises: con-
junto de instrumentos e técnicas utilizadas.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
116
De acordo com Libâneo (2013, p. 166), “o método vai em busca das
relações internas de um objeto, de um fenômeno, de um problema”. Ele
é o caminho escolhido para atingir os objetivos preestabelecidos. Nesse
sentido, para os grupos 01 e 02, método surge como conjunto de ins-
trumentos:

Grupo 01 - Método é o definir de ações que virão a ser realizadas; conjun-


to de instrumentos para realizar a pesquisa, as ações praticadas dentro de
uma metodologia, ou seja, como será praticado esse objetivo. É um ou mais
conjunto de instrumentos, a maneira como será realizado.

Grupo 02 - Método é aquilo que será aplicado em algo, como instrumentos


e técnicas, ou práticas que serão desenvolvidas em um determinado objeto.

A concepção dos licenciandos está de acordo com o que afirma segun-


do Libâneo (2013), ou seja, o pesquisador ao realizar sua pesquisa pode
utilizar-se de um ou vários instrumentos, bem como não deve usar ape-
nas um único método, mas uma variedade de métodos, a fim de alcan-
çar nossos objetivos. Já para os grupos 03 e 04, método é:

Grupo 03 - São os mecanismos utilizados para aplicar uma possível téc-


nica.

Grupo 04 - Seria a forma, mecanismo e técnicas utilizadas para alcançar


o objetivo, ou seja, a prática.

Método científico é o conjunto das normas básicas que devem ser se-
guidas para a produção de conhecimentos que têm o rigor da ciência, ou
seja, é um método usado para a pesquisa e comprovação de um deter-
minado conteúdo (OLIVEIRA, 2010). A significação que os grupos 03 e
04 abordaram em sua fala sobre método, como reunião de técnica, foge
completamente do sentido real da palavra método.

De acordo com Lakatos e Marconi (2010), na linguagem popular, mui-


tas vezes, técnica e método se confundem. Mas, a concepção de técnica

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
117
e método têm significados específicos. De fato, método é um conjunto
de etapas, ordenadamente dispostas, a serem vencidas na investigação
da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar determinado
fim (HEGENBERG; SILVA, 2005) e técnica é o modo de fazer de forma
mais hábil, mais segura, mais perfeita, algum tipo de atividade, arte ou
ofício (GIL, 2009).

O método, portanto, indica O QUE fazer e a técnica COMO fazer. O mé-


todo é o orientador geral da atividade, é a estratégia da ação. A técnica é
a tática, soluciona o modo especifico e mais adequado pelo qual a ação
se desenvolve em cada etapa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises das experiências vivenciadas pelos licenciandos em Pe-


dagogia demonstram que a SDI se apresenta como uma estratégia de
ensino-aprendizagem exitosa. A SDI revelou um potencial para uma
aprendizagem crítica e reflexiva, valorizando a opinião e a interação
dos estudantes. Fato este atestado por todos os licenciandos que parti-
ciparam da SDI, onde quase todos foram unânimes em relatar opiniões
positivas quanto à aplicação do procedimento metodológico; em con-
trapartida à constatação quase inexistente de dificuldades (pontos ne-
gativos) em sua aplicação.

Dentro as contribuições elencadas pelos licenciandos, quanto à SDI,


ressaltamos:

• Ajuda no levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos;

• Auxilia na socialização de entendimento para chegar a um con-


senso;

• Possibilita uma aula diferente e mais dinâmica;

• Facilita uma melhor compreensão dos temas estudados;

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
118
• Garante ao professor planejar etapas do trabalho, partindo do in-
dividual para o coletivo;

• Favorece a construção e reconstrução de conceitos;

• Possibilita uma visão das diferentes concepções existentes na sala


de aula com relação ao assunto estudado;

• Permite o compartilhamento dos conhecimentos entre os alunos;

• Facilita na construção coletiva de um conceito;

• Promove a interação entre os alunos facilitando a aprendizagem;

• Valoriza a fala dos alunos e promove a participação de todos;

• Possibilita trabalhar com diversos conteúdos em sala de aula;

• Favorece a construção de uma única definição ou síntese.

Com relação aos pontos negativos, aqui por nós entendidos com su-
gestões, uma vez que o tratamento dado pelos licenciandos a este as-
pecto se configuraram como tal, para futuras utilizações da SDI como
ferramenta didática. As sugestões foram as seguinte:

• A SDI deveria ter sido mais explicada no início da aula, porém no


final foi possível compreender melhor a metodologia;

• Faltou uma explicação de como utilizar a SDI na educação infantil;

• Favorecer uma maior divulgação da SDI nos cursos de licenciatu-


ras.

Quanto à construção do conceito de Método e Metodologia que os es-


tudantes construíram ao participar da SDI, identificamos que no diá-
logo estabelecido no grupo de líderes, conseguiram fazer uma síntese
na qual ficou garantida a fala de todos os participantes. Além disso, a
SDI possibilitou a sistematização de conhecimentos preexistente, que

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
119
resultou na construção de um novo saber. Posto isso, apresentamos a
seguir o novo conceito de Método e Metodologia dos licenciando:

Metodologia é o processo de investigação acompanhado de coleta de da-


dos, formas de aplicação dos métodos de ensino-aprendizagem, não só
instrumentos, mas o que se envolve na pesquisa que seria a parte teórica,
enfim, a elaboração e a forma de como será trabalhado determinado con-
teúdo.

Método são mecanismos, práticas, instrumentos, técnicas utilizadas


para alcançar, ou desenvolver determinadas ações para atingir possíveis
objetivos.

Face ao que podemos obter da aplicação da SDI junto aos licencian-


dos, enquanto ferramenta didática, ela em muito possibilitou o avanço
das concepções sobre método e metodologia, guardadas as limitações
de tempo pedagógico utilizado. Ainda que diante de tais limitações, os
dados aqui analisados permitiram identificar alguns dos mais impor-
tantes efeitos da SDI: contribuir para o bom funcionamento da sala de
aula, promover o diálogo, a interação e um trabalho de grupo no qual é
possível garantir um pensamento síntese, na medida em que todos têm
oportunidade de expressar suas concepções, ideias e opiniões, onde o
coletivo é mais importante que o individual, finalmente, onde juntos se
pode construir aprendizagens.

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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
122
Capítulo 7

A Sequência Didática Interativa e as concepções de


hidrocarbonetos por professores de química em
formação inicial
João Justino Barbosa24
Micaelle Gomes da Silva25
Maria Marly de Oliveira26
Zélia Maria Soares Jófili27

INTRODUÇÃO

Os estudos da Química Orgânica e seus conceitos podem ser consi-


derados recentes quando comparados a outras áreas da Química. A ob-
tenção da substância química Amônia, a partir do Nitrato de Amônio
por parte de Wohler (1800-1882) é o ponto inicial para a descoberta e o
desenvolvimento da Química Orgânica. Essa área de estudo apresenta
diversos conceitos, dos quais destacamos as propriedades do átomo de
carbono, as estruturas chamadas de cadeias carbônicas, as proprieda-
des dos compostos orgânicos e as funções orgânicas. Este último é base

24 Mestrando do PPGEC-UFRPE. Licenciatura em Ciências Biológicas


joao.j.barbosa@live.com
25 Mestranda do PPGEC-UFRPE. Licenciatura em Ciências Biológicas]
micaellegomes93@gmail.com
26 PhD em Educação. Profa. Sênior da UFRPE/PPGEC. Leciona a disciplina Hermenêutica, Dialo-
gicidade e complexidade no processo de Formação de Professores (HDC), no Doutorado em Ensino
das Ciências –UFRPE/PPGEC. Email: marly@academiadeprojetos.com.br
27 Doutora em Educação. Professora do PPGEC-UFRPE, Recife/PE. E-mail: zjofili@gmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
123
do nosso trabalho, uma vez que utilizamos a função orgânica Hidrocar-
bonetos.

Paralelamente, observamos que, em sua grande maioria, os conceitos


da Química Orgânica, por exemplo, os de Hidrocarbonetos, são desen-
volvidos no ensino médio de uma maneira simplista, descontextuali-
zada e reducionista. Acreditamos que tal prática também é reflexo do
percurso acadêmico dos educadores.

As influências do paradigma newtoniano - cartesiano (BEHRENS,


2013), que tem por base a lógica clássica, simplifica, descontextualiza
e reduz o objeto que está sendo estudado são evidenciadas no ensino
de Química, principalmente na educação básica. Todavia, para desen-
volver novas estratégias que busquem a complexidade e a dialogicida-
de tão necessárias nas problemáticas atuais, é fundamental conhecer
como esses conceitos são apresentados por professores de Química em
formação inicial.

Neste estudo, guiamos nossas ações com o interesse de resolver o se-


guinte problema: Qual o conceito de Hidrocarbonetos apresentado por
Licenciandos em Química de uma instituição de ensino público su-
perior da região metropolitana do Recife (RMR)? Logo, nosso objetivo
geral é analisar o conceito de Hidrocarbonetos apresentado por Licen-
ciandos em Química de uma instituição de ensino público superior da
região metropolitana do Recife (RMR) e por objetivo específico temos
o de identificar o conceito de Hidrocarbonetos apresentado por Licen-
ciandos em Química.

Optamos por utilizar a sequência didática interativa (OLIVEIRA,


2018) por acreditar que tal ferramenta, ao ser utilizado como técnica
para coleta de dados nos aproxima o mais fidedignamente possível da
realidade que está sendo estudada. Além do que, possibilita uma maior

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
124
interação entre pesquisadores e ator social, afinal, é alicerçado na com-
plexidade, na dialogicidade, na dialética e na hermenêutica.

Acreditamos que antes de propor estratégias que objetivam a mudan-


ça de práticas que não consideram a participação dos educandos como
protagonista no desenvolvimento do conhecimento se faz necessário
conhecer a realidade que se está querendo transformar. Desde a educa-
ção básica, passando pelos cursos de formação inicial de educadores e
contemplando também a formação continuada dos professores de Quí-
mica.

A seguir apresentaremos brevemente a Metodologia Interativa, a Se-


quência Didática Interativa - desenvolvendo breve histórico, sistema-
tização, aplicação e alguns trabalhos que utilizaram essa ferramenta
didática e metodológica – e, teceremos algumas considerações sobre
a formação inicial dos professores de Ciências, em especial os de Quí-
mica. Concluiremos essa etapa expondo diferentes perspectivas sobre
o ensino da Química Orgânica e em especial o conceito de Hidrocarbo-
netos.

1. METODOLOGIA INTERATIVA

Consideramos que a Metodologia Interativa é “um processo herme-


nêutico-dialético que facilita entender e interpretar a fala e depoimen-
tos dos atores sociais em seu contexto e a análise de conceitos em tex-
tos, livros e documentos, em direção a uma visão sistêmica da temática
em estudo “(OLIVEIRA, 2008, p.124). A metodologia interativa está
fundamentada segundo os pressupostos teóricos do método pluralista
construtivista de 4º geração (GUBA e LINCOLN, 1989), no método de
análise de conteúdo (BARDIN, 1977) e no método hermenêutico-dialé-
tico (MINAYO, 2004).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
125
Uma vez que o método de 4º geração guia suas estratégias, estudos
e ações para a construção do conhecimento à luz do construtivismo,
deveram lembrar que suas bases são a cognição e a linguagem. Além
do que, é preciso considerar que o contexto é o ponto de partida para
uma abordagem construtivista, pois para desenvolver o conhecimento,
precisamos conhecer a realidade em que os estudantes estão inseridos
para assim podermos intervir e ajudá-los a construir o conhecimento
(ou reconstruí-lo, quando necessário).

Afirmamos que a análise hermenêutico-dialética (MINAYO, 2004),


que é prática interpretativa dos dados, adéqua-se mais coerentemente
ao uso do círculo hermenêutico dialético (CHD) na proposta da Meto-
dologia Interativa. Segundo Minayo (2004, p. 32), esse método toma
“como centro da análise, a prática social, a ação humana, e as considera
como resultado de condições anteriores, exteriores, mas também como
práxis”.

2. A SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA

A Sequência Didática Interativa (SDI) criada por Oliveira (2012) é


uma ferramenta didática que utiliza o Círculo Hermenêutico-Dialético
(CHD) para trabalhar em diferentes áreas de conhecimento no cotidia-
no da sala de aula. É uma técnica interativa que facilita a integração
entre docente e educandos visando à construção e sistematização de
um novo conhecimento.

A utilização da SDI como técnica de coleta de dados tem por base a in-
teração por meio do diálogo e do uso da linguagem escrita. Segue uma
sequência de atividades pré-estabelecidas, porém não completamente
fechada. Assim sendo, pode e deve ser adequada a realidade em que o
professor/pesquisador está inserido.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
126
A seguir, explicaremos a sequência de atividades para a aplicação da
SDI.

Primeiramente se escolhe o tema que será estudado e, aos atores so-


ciais, é entregue uma ficha para as respostas que, nessa etapa, são indi-
viduais. Quando todos preencherem as fichas com suas respostas in-
dividuais, são formados pequenos grupos. A partir do diálogo entre os
membros de cada grupo se busca um consenso sobre a definição que
contemple todos os participantes sobre o tema em estudo. A partir do
diálogo, também nessa etapa, será feita a escolha dos líderes pelos par-
ticipantes dos respectivos grupos, por fim, os líderes formarão um novo
grupo.

A etapa anterior se repete agora com os líderes escolhidos anterior-


mente: cada líder deve buscar uma resposta que esteja de acordo com
aquela que seu grupo desenvolveu. Vale salientar que nesse momento
é importante que o pesquisador busque uma interação com os parti-
cipantes que não foram escolhidos como líderes, não os deixando na
ociosidade.

Alguns trabalhos já utilizaram a SDI como ferramenta para o ensino


das ciências e em especial da Química (OLIVEIRA, 2013). Por exemplo,
Pires Neto e Oliveira (2010) utilizaram a SDI para desenvolver o concei-
to de ligação química por parte de estudantes do ensino médio. Silveira
e Oliveira (2009) utilizaram a SDI na formação inicial de professores de
Química, diagnosticando assim os saberes docentes que os atores apre-
sentavam. Por sua vez, Silva e Oliveira (2009) apresentaram a SDI como
proposta de formação para professores de matemática para o ensino
médio que teve como objetivo desenvolver de forma significativa o con-
ceito de função do tipo f (x) = ax. Essa pesquisa apresentou como atores
sociais educandos matriculados no curso normal médio.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
127
Para uma utilização eficiente da SDI, é primordial manter um diálogo
com os educandos e, assim, aproveitar os conflitos que emergiram dos
debates entre os participantes para que se construam, em conjunto, os
conceitos que se quer estudar, valorizando, nesse percurso, a historici-
dade e singularidade de cada educando ou professor em formação nes-
se processo Hermenêutico e Dialético.

Desse modo, podemos afirmar que o uso da SDI tem importância sig-
nificativa em sala de aula e em pesquisas de cunho qualitativo já que a
mesma se funda numa fascinante motivação para a interação do edu-
cador/pesquisador com os seus educandos/atores. Todavia, afirmamos
que a proposta de utilização de uma SDI vai além da interação educador
e educando, pois possibilita também a construção de diálogos entre os
educandos com seus pares e, consequentemente, com a sociedade em
que se está inserido.

3. FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E QUÍMICA

Uma educação plena, inclusiva e significativa demanda transforma-


ções em todo contexto escolar, e destacamos a formação inicial de pro-
fessores como peça fundamental. Os professores embasam sua práti-
ca docente na influência que receberam em seus processos formativos
iniciais, assim, “é evidente e compreensível à tendência à reprodução
das práticas dos seus antigos (ou atuais) professores” (THADEI, 2019,
p. 91).

Nessa perspectiva, é essencial uma formação inicial de qualidade que


possibilite ao licenciando ter experiências através da criticidade, diá-
logo e reflexão. Considerando a formação de professores, pesquisado-
res como (GATTI, 2010, CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2011, FERNANDEZ,
2018) se debruçaram na investigação de como ocorrem tais processos
formativos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
128
De certo, as problemáticas que envolvem a formação docente são an-
tigas e ainda preponderam, pois como já mencionamos no presente tra-
balho, muitos conceitos científicos são apresentados na educação bá-
sica de forma reducionista e descontextualizados, acarretando visões
errôneas e simplistas dos conhecimentos científicos.

Carvalho (1992) enfatiza o despreparo de alunos que ingressam nas


universidades públicas e que tiveram como docentes da educação bá-
sica os egressos das mesmas universidades, enfatizando assim uma
formação deficiente na licenciatura que, consequentemente, reflete na
educação básica.

Porém, ressaltamos que não estamos responsabilizando apenas o do-


cente e seus processos formativos pelos transtornos no processo de en-
sino e aprendizagem, uma vez que a maioria das escolas brasileiras não
apresenta componentes essenciais como, por exemplo, bibliotecas e la-
boratórios (FERNANDEZ, 2018), todavia, o professor será o mediador
entre os estudantes e os conhecimentos científicos.

Em síntese, nas licenciaturas ainda prevalecem modelos formativos


do século XX, onde se tem foco maior nas áreas específicas das disci-
plinas e menor espaço para a formação pedagógica desses futuros pro-
fessores. Assim, tais cursos possuem sua estrutura curricular mais
voltada para o bacharelado (GATTI, 2010). Em relação à formação de
professores de Ciências, Fourez (2003, p. 111) afirma que “a formação
dos licenciados esteve mais centrada sobre o projeto de fazer deles téc-
nicos de ciências do que de fazê-los educadores”.

Levando em consideração o ensino de ciências e, em especial o de


química, tais modelos formativos podem tornar-se um agravante, pois
essa área do conhecimento é caracterizada por conceitos considerados
abstratos e apresentam uma imensa variedade de terminologias. Como
afirma Fernandez (2018, p. 205) “das disciplinas escolares, a Química é

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
129
aquela usualmente considerada a mais impopular, difícil e abstrata e,
boa parte dos conceitos químicos aprendidos na escola não faz sentido
para um número significativo de estudantes”. Considerando a formação
inicial de professores de Química, Silva e Oliveira (2009), Santos e Fadi-
gas (2016) e Fernandez (2018) afirmam que nos cursos de licenciatura
as disciplinas específicas são mais valorizadas do que as pedagógicas.

Segundo Silva e Oliveira (2009), as aulas de conteúdos específicos


como Química Orgânica, na maioria das Universidades, é pautada na
“racionalidade técnica” (p. 46), ou seja, desarticuladas dos fundamen-
tos pedagógicos para atuação na educação básica. Já Carvalho e Gil-Pe-
réz (2011) reiteram que apesar da maior valorização dos conhecimen-
tos científicos na formação inicial, esse aspecto se mostra insuficiente
e, essa carência, “transforma o professor em um transmissor mecânico
dos conteúdos do livro de texto” (p.27).

De acordo com Fernandez (2018), além do caráter mais bachareles-


co das licenciaturas em química, outras problemáticas são evidencia-
das como estágios supervisionados que não proporcionam verdadeiras
experiências docentes, pois muitas escolas solicitam aos licenciandos
atividades técnicas como organizar e reativar os laboratórios de quími-
ca. Além disso, em muitos casos, os professores responsáveis pela dis-
ciplina de estágio não possuem licenciatura e experiência na educação
básica (FERNANDEZ, 2018).

Gatti (2010) reitera a necessidade de reformular os currículos dos


cursos de licenciatura para superar fragmentações e suprir as neces-
sidades da educação básica. “A formação de professores não pode ser
pensada a partir das ciências e seus diversos campos disciplinares como
adendo dessas áreas, mas a partir da função social própria à escolariza-
ção” (GATTI, 2010, p. 1375).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
130
Para Silva e Oliveira (2009), uma formação objetivando uma boa atua-
ção do professor de química deve levar em consideração aspectos como:

[...] conhecimento do conteúdo a ser ensinado, conhecimen-


to curricular, conhecimento pedagógico sobre a discipli-
na escolar Química, conhecimentos sobre a construção do
conhecimento científico, especificidades sobre o ensino e a
aprendizagem da ciência Química, dentre outros (p. 43).

Já Carvalho e Gil-Pérez (2011) apontam algumas necessidades forma-


tivas para os professores de ciências e, dentre elas, destacamos “a rup-
tura com visões simplistas sobre o ensino de ciências” (p. 14).

Segundo os autores supracitados, os professores em formação conse-


guem superar suas concepções iniciais quando trabalham em equipe,
pois na maioria das vezes quando são questionados individualmente
sobre questões que perpassam o ensino de ciências, suas respostas são
geralmente reducionistas.

[...] ao se proporcionar aos professores a oportunidade de


um trabalho coletivo de reflexão, debate e aprofundamen-
to, suas produções podem aproximar-se aos resultados da
comunidade científica. Trata-se, então, de orientar o traba-
lho de formação dos professores com uma pesquisa dirigi-
da, contribuindo assim, de forma funcional e efetiva, para
a transformação de suas concepções iniciais (CARVALHO e
GIL-PÉREZ, 2011, p. 15).

Outra necessidade formativa apontada por Carvalho e Gil-Pérez


(2011) refere-se a “conhecer a matéria a ser ensinada” (p.21). Dentre
os requisitos apontados pelos autores para tal, destacamos orientações
como, abordar aspectos epistemológicos e metodológicos imbricados
na construção dos conhecimentos científicos.

Além disso, os autores recomendam relacionar a construção desses


conhecimentos com a “Ciência, Tecnologia e Sociedade” (p.23); “trans-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
131
mitir uma visão dinâmica, não fechada, da ciência” (p.23) a partir dos
desenvolvimentos científicos recentes e relacionar tais conhecimentos
a outras matérias (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2011).

Assim sendo, os conhecimentos acerca da disciplina não se limitam


a conceitos e terminologias. Em contrapartida pode proporcionar uma
aprendizagem mais contextualizada e não reducionista.

Paralelamente em uma perspectiva Freireana de formação, defende-


-se uma prática educativa crítica e reflexiva, estimulando a autonomia
do educando (FREIRE, 1996). A dialogicidade é defendida em Freire
(1987) como prática da liberdade, assim, “o diálogo é este encontro dos
homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotan-
do, portanto na relação eu-tu” (p. 45).

Em resumo, ressaltamos que a formação inicial dos professores deve


proporcionar uma maior compreensão acerca dos conhecimentos cien-
tíficos e pedagógicos, estimulando, por exemplo, a dialética e a dialo-
gicidade para que os licenciandos tenham a oportunidade de debater
e refletir sobre suas concepções iniciais que por vezes são deficientes.
Nessa perspectiva, reiteramos que a SDI, por utilizar o círculo herme-
nêutico-dialético, é primordial na formação dos professores, pois cor-
robora com as perspectivas esperadas pelos autores supracitados.

3.1 O Ensino da função orgânica Hidrocarbonetos

Atualmente, diagnosticamos as influências do paradigma newtonia-


no-cartesiano (BEHRENS, 2013) no ensino de Ciências e, em especial,
no ensino de Química. Algumas características foram desenvolvidas
devido à influência do paradigma citado anteriormente, das quais
destacamos a descontextualizarão, a não problematização, redução,
simplicidade e linearidade. Contribuindo assim, para um ensino de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
132
Química distante da realidade dos educandos e não suficiente para as
problemáticas complexas do cotidiano.

Por mais que a química orgânica esteja diretamente relacionada com


a vida dos educandos, seus conceitos propiciam a problematização
como, por exemplo, os Hidrocarbonetos que são encontrados no gás
liquefeito de petróleo (GLP) utilizado como gás de cozinha; e no gás
natural veicular (GNV) que apresenta função de combustível para au-
tomóveis, ainda é evidente que o ensino dos Hidrocarbonetos também
apresenta influências do paradigma supracitado.

Quando avaliamos alguns livros didáticos disponibilizados para ava-


liação por parte dos professores de Química no O Programa Nacional
do Livro e do Material Didático (PNLD), a função orgânica Hidrocarbo-
netos ocupa grande destaque, de certo que devido a fatores como a car-
ga horária da disciplina e a linearidade com que lecionamos à química,
esse conteúdo acaba por ser um dos mais trabalhados em sala de aula.

Todavia, alertamos para o fato de que, na maioria das vezes, este con-
ceito, as propriedades físicas e químicas dos compostos pertencentes
a essa função orgânica e suas respectivas nomenclaturas são tratados
isoladamente, afinal, a maneira com que se trabalhou priorizou a me-
morização do conceito, através da repetição da resolução de questões
(MORAES, 2003).

Para Fonseca (2016) Hidrocarbonetos são compostos orgânicos que


possuem apenas os elementos Carbono e Hidrogênio (CxHy). Essa de-
finição está baseada na definição da União Internacional de Química
Pura e Aplicada (IUPAC) que nos apresenta os Hidrocarbonetos e onde
fica evidente que a definição da função orgânica está ligada somente
aos seus constituintes, no caso aos átomos de Carbono e Hidrogênio.
Consideramos que é relevante apresentar que alguns livros didáticos
já apresentam uma definição mais sistêmica dos hidrocarbonetos, con-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
133
templando outras propriedades que os diferenciam das demais funções
orgânicas.

A editora SM, no volume três em sua obra de autoria coletiva no ano


de 2017, denominada Ser Protagonista, nos apresenta a seguinte defi-
nição para Hidrocarbonetos: são substâncias compostas somente de
átomos de Carbono e Hidrogênio e uma de suas principais caracterís-
ticas é o fornecimento de grande quantidade de energia por meio de
combustão. Porém, em sua grande maioria ao apresentar o conceito de
hidrocarbonetos, o livro didático, por vezes, limita-se à definição redu-
cionista da constituição desses compostos orgânicos ao nível atômico.

Sendo assim, acreditamos ser necessário repensar a maneira como os


livros didáticos apresentam esse conteúdo, afinal, esse suporte ainda
está diretamente relacionado com a prática docente, e inúmeras vezes
o educador o utiliza como principal instrumento para a fundamenta-
ção teórica. Autores como Nunes e Adorni (2010) reiteram que, no en-
sino da Química, muitas vezes encontram-se educandos que não con-
seguem desenvolver conhecimento e não são capazes de evidenciar as
relações existentes entre o conteúdo estudado e as problemáticas que
emergem do cotidiano e, como consequência, acreditam ser desneces-
sário aprender Química.

Pelo exposto, entendemos que se faz necessário ampliar o conceito de


Hidrocarbonetos para contemplar outras propriedades desses compos-
tos. A importância de o professor compreender propriedades que pos-
sam ser contextualizadas é primordial para sua prática docente, pois, li-
mitar os Hidrocarbonetos a sua constituição em átomos de hidrogênio
e oxigênio é repetir a prática que reduz e simplifica o objeto estudado.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
134
4. DESENHO METODOLÓGICO

Este trabalho se classifica como uma pesquisa de caráter qualitativo,


pois utilizamos dados que não podem ser mensurados numericamente.
Minayo (2004) corrobora com esse pensamento ao classificar a pesqui-
sa qualitativa como um tipo de estudo que responde a questões muito
particulares. Além do que, a pesquisa qualitativa se preocupa, nas ciên-
cias sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado.
Como o trabalho aqui relatado tem por objetivo analisar o conceito de
Hidrocarbonetos apresentado por Licenciandos em Química de uma
instituição de ensino público superior da região metropolitana do Reci-
fe (RMR), classificamos como um estudo qualitativo.

Por outro lado, acrescentamos que a observação participante caracte-


riza de maneira coerente o estudo aqui descrito, pois segundo Severino
(2007), na pesquisa participante, o pesquisador coloca-se numa pos-
tura de identificação com os pesquisados e passa a interagir com eles
em todas as situações, acompanhando todas as ações praticadas pelos
sujeitos.

4.1 Amostra e Caracterização dos Atores

Participaram desta pesquisa doze professores de Química em forma-


ção inicial e que são discentes da instituição pública de ensino superior
e uma professora da rede pública do Estado de Pernambuco, egressa
desse mesmo curso. Os atores em formação inicial estavam em graus
diferentes de formação.

Do grupo de atores um estava no 1º período, outro estava matriculado


no segundo período, três eram do 3º período, outros três do 4º período,
mais dois do 6º período e outros dois do 8º período. Além do que, dois
participantes já atuavam como professores e outros três, mesmo não

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
135
estando lecionando atualmente, já apresentavam experiência em salas
de aula no nível básico da educação.

O curso de Licenciatura em Química, onde ocorreu o estudo, oferta


120 vagas para a entrada de discentes. As aulas ocorrem no turno ves-
pertino e noturno, e o curso apresenta conceito quatro na avaliação do
MEC. Além do que, o curso supracitado oferta algumas atividades com-
plementares para a formação dos discentes, dentre as quais destaca-
mos a Semana de Química e Formação Docente onde realizamos nossa
intervenção.

A semana de Química e Formação docente realizou sua quinta edição


no mês de Novembro de 2018. Na programação, foram ofertados mi-
nicursos e palestras de diversas áreas da Química, desde a Química Or-
gânica até o Ensino da Química. A nossa intervenção foi realizada em
minicurso intitulado: “A Sequência Didática Interativa como ferramenta
para o Ensino da Química”.

4.2 Coleta de Dados

Iniciamos a nossa intervenção apresentando um breve histórico so-


bre a Metodologia Interativa e seus pressupostos teóricos e metodológi-
cos, expusemos a biografia e algumas obras da criadora da Metodologia
Interativa e da SDI. Em seguida, demonstramos a proposta inicial da
SDI, que é o uso do Círculo Hermenêutico Dialético em salas de aulas
da educação básica e na formação inicial e continuada de professores.
Consideramos que essa característica é fator determinante para a SDI
ser tão eficiente na proposta de um estudo qualitativo e na construção
e reconstrução de um conceito.

Logo depois, foi minuciosamente exposto o passo a passo da SDI e a


importância do diálogo entre os pares para um sucesso no desenvol-
vimento da atividade. Em momento posterior, foi solicitado que os

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
136
discentes preenchessem individualmente a resposta para o seguinte
questionamento: Qual o conceito que você apresentaria para os Hidrocar-
bonetos?

Após a sistematização das respostas individuais, foi exposta nova-


mente para os atores a sequência de atividades que guiam a SDI, desde
a construção do conceito no grupo, passando pela escolha dos líderes
e a síntese desenvolvida pelo grupo final que, como já relatamos neste
trabalho, este último grupo é composto por líderes de cada grupo ini-
cial. Por último, a discente escolhida como líder do grupo final, com o
auxílio do data show, projetou a síntese do conceito solicitado. Enfatiza-
mos que durante todo o processo de aplicação da SDI foi reforçado junto
aos atores que as construções de conceitos deveriam contemplar todos
os envolvidos no processo.

Após a aplicação, a partir de uma roda de diálogo, foi solicitado aos


participantes que comentassem a experiência que vivenciaram. Esse
momento serviu também para esclarecimentos que emergiram por
parte dos atores sobre a SDI e sua utilização como ferramenta para o
ensino da Química. As principais contribuições dessa etapa foram re-
gistradas em caderno de bordo.

5. CATEGORIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Ao buscarmos alcançar o objetivo geral do presente estudo, que é ana-


lisar o conceito de hidrocarbonetos apresentado por licenciandos em
Química, escolhemos as seguintes categorias teóricas que serviram de
base para o Quadro 1.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
137
Quadro 1

Descrição das categorias teóricas (CT)

SCT Descrição

Resposta Satisfatória Nessa categoria estão os dados que se relacionam com a


(RS) definição apresentada pela IUPAC.

Resposta Nessa categoria estão os dados que não contemplam a


Insatisfatória (RI) definição da IUPAC.

Sem resposta (SR) Respostas não apresentadas pelos participantes.

Fonte: Própria

4.1 Resultados e discussões

A partir da etapa individual da SDI foram desenvolvidos treze concei-


tos sobre hidrocarbonetos que deram origem ao quadro dois.

Quadro 2

Definições individuais sobre Hidrocarbonetos e respectivas CT,


coletadas na etapa 1 da SDI

Categoria
Discente Definição
Teórica (CT)

“Hidrocarbonetos são uma classe de substâncias


D1 RS
químicas compostas por carbono e Hidrogênio”.

“São compostos orgânicos constituídos apenas de


D2 RS
átomos de carbono e hidrogênio que formam cadeias”.

D3 “Compostos orgânicos formados por C e H”. RS

“São compostos orgânicos formados apenas de


D4 RS
Hidrogênio e Carbono”.

“São espécies químicas compostas de carbono e


D5 RS
hidrogênio”.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
138
D6 “São compostos orgânicos saturados e insaturados”. RI

“São compostos basicamente formados por carbono e


D7 RS
hidrogênio”.

“Hidrocarbonetos são compostos orgânicos formados


D8 RS
pelos elementos de carbono e hidrogênio”.

“Compostos em cuja constituição principal existem


D9 RI
hidrogênios ligados ao carbono”.

“Hidrocarbonetos são compostos orgânicos formados


D10 RS
por átomos de carbono e de hidrogênio”.

“Hidrocarbonetos são compostos que possuem carbono


D11 RS
e hidrogênio em sua estrutura. Deram origem a vida”.

“Hidrocarbonetos são compostos orgânicos com a


D12 RS
composição de elementos de carbono e Hidrogênio”.

“É um composto orgânico formado por carbono e


D13 RS
hidrogênio”.

Fonte: Os autores.

Ao avaliarmos as respostas que obtivemos no momento individual da


SDI, percebemos que a maioria das definições de hidrocarbonetos apre-
sentadas pelos atores se aproximou da definição da IUPAC para esses
compostos, expondo sua constituição a nível atômico, ou seja, estrutu-
rados por átomos de Carbono e Hidrogênio.

Quando observamos a resposta de D9 “Compostos em cuja constitui-


ção principal existem hidrogênios ligados ao carbono”, encontramos
um equívoco, afinal, outras funções orgânicas apresentam átomos de
hidrogênio ligados a átomos de Carbono. Todavia, mesmo tomando por
base a definição da IUPAC, a resposta de D11 buscou dar um passo para
além da definição supracitada, apresentando que “Hidrocarbonetos
são compostos que possuem carbono e hidrogênio em sua estrutura.
Deram origem a vida”. Notamos que D11, em sua resposta, buscou re-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
139
lacionar um conceito específico da Química, em especial o da Química
Orgânica com uma das teorias científicas para origem da vida: a Hipó-
tese de Oparin e Haldane, conteúdo curricular das ciências biológicas.

A hipótese citada no parágrafo anterior acredita que a vida teve ori-


gem a partir das moléculas orgânicas mais simples, no caso, a partir
dos hidrocarbonetos. Assim sendo, D11 buscou relacionar o conceito
de hidrocarbonetos desenvolvido no território disciplinar da Química
com a teoria de Oparin e Haldane, presente no território disciplinar da
biologia.

A busca por um diálogo entre os saberes disciplinares é um dos pi-


lares do que (BEHRENS e RODRIGUES, 2014) nos apresentam como o
paradigma inovador. A partir desse conjunto de pensamentos, busca-
-se superar a memorização, a separabilidade e a linearidade do ensino
de Ciências, em especial, o ensino de Química. Nesse contexto, a disci-
plinaridade, isolou os conhecimentos em seus respectivos territórios,
contribuindo assim, para o processo de super. Especialização, por ve-
zes, evitando os diálogos entre os saberes desenvolvidos no respectivo
território disciplinar.

Porém, é relevante expor que como nos apresenta Nicolescu (1999)


a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e
a transdisciplinaridade são flechas do mesmo arco: o conhecimento.
Logo, ao analisarmos a resposta de D6 concluímos que o ator não se
aproximou dos saberes disciplinar. Não se baseou na definição da IU-
PAC, pois nos apresenta que hidrocarbonetos “São compostos orgâni-
cos saturados e insaturados”.

Em síntese, D6 não considerou que as insaturações, ligações duplas e


triplas entre átomos de carbono, também ocorrem nas demais funções
orgânicas, como por exemplo, o fenol (C6H5OH), além disso, esse tipo

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
140
de ligação pode ser encontrado em compostos inorgânicos, como o dió-
xido de carbono (CO2).

Como já explicitamos anteriormente, no segundo momento da SDI


são formados grupos, e a partir disso são sistematizadas novas defini-
ções que contemplem todos os seus componentes através de um pro-
cesso dialógico. Esses dados deram origem ao Quadro 3.

Quadro 3

Síntese apresentadas pelos quatro grupos na etapa 2 da SDI


e suas respectivas categorias teóricas (CT)

Grupo Definição CT

G1 São compostos orgânicos formados por carbono e hidrogênio. RS

São compostos orgânicos formados apenas por Hidrogênio e


G2 RS
carbonos.

Hidrocarbonetos são compostos orgânicos formados por átomos de


G3 RS
carbono e hidrogênio. Deram origem a vida.

Compostos orgânicos formados basicamente por carbono e


G4 RS
hidrogênio.

Fonte: Própria

Ao analisarmos as definições para hidrocarbonetos sistematizadas


nessa etapa, evidenciamos que todos os grupos consideram os hidro-
carbonetos como compostos orgânicos. Além do que todos os grupos
usam por base a definição da IUPAC. Percebemos que nessa etapa as res-
postas sistematizadas por G1, G2 e G4 são muito parecidas.

A definição apresentada por G3, assim como D11 na etapa anterior,


optou por acrescentar à definição fornecida pela IUPAC - a teoria da Hi-
pótese de Oparin e Haldane - buscando assim diálogo com outra disci-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
141
plina. É indispensável resgatar que nessa etapa quando os grupos siste-
matizam as respostas, é escolhido um representante para compor outro
grupo juntamente com os outros líderes dos demais grupos e, a par-
tir desse novo grupo, é construído o conceito que por fim será exposto
para todos os participantes. Essa síntese está representada no quadro 4
a seguir.

Quadro 4

Construção do grupo de líderes na etapa 3 da SDI


e sua respectiva categoria teórica (CT)

Síntese CT

Hidrocarbonetos são compostos orgânicos formados apenas por átomos


RS
de carbono e hidrogênio.

Fonte: Própria

A síntese desenvolvida pelo grupo de líderes seguiu fidedignamente o


conceito apresentado pela IUPAC, afirmando que “Hidrocarbonetos são
compostos orgânicos formados apenas por átomos de carbono e hidro-
gênio”. Ao ser exposta a síntese, os atores foram provocados no intuito
de informar se estavam representados por aquela definição, mesmo
com alguns posicionamentos sobre o que foi construído. Todos se sen-
tiram representados.

Em seguida, provocamos os atores para falarem sobre a SDI e se a téc-


nica poderia ser utilizada por eles em sala de aula. Sendo assim, tecere-
mos discussão sobre algumas falas. Primeiramente, foi exposto que a
SDI em salas de aula de Química permite “a maior participação do edu-
cando, que mesmo sendo tímido”, ou seja, a referente técnica, quando

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
142
usada na educação básica, pode contribuir para a inclusão dos educan-
dos.

Esse comentário foi enriquecido por outro, o ator que nos expôs uma
similaridade entre a SDI e o brainstorming, ou a tempestade de ideias.
Técnica utilizada na área administrativa e no trabalho industrial que
tem por objetivo alcançar o melhoramento coletivo a partir da poten-
cial individual. Entretanto, acreditamos que a aproximação também se
dê por conta das etapas para a aplicação da SDI.

Porém, do mesmo modo nos foi apresentado que “é preciso conhecer


a sala de aula antes de aplicar”, concordamos com essa fala ao afirmar
que a SDI não é uma técnica fechada em si mesma, podendo ser utili-
zada nas mais diferentes ambientes escolares dos diferentes níveis de
ensino.

Por fim, um dos atores que já apresentava experiência como professor


da educação básica se expressou e dentre as suas falas afirmou que “ a
SDI possibilita o protagonismo estudantil , pois os líderes são escolhi-
dos por eles mesmos através do diálogo”. De fato, a SDI apresenta como
um de seus aportes a Dialogicidade, possibilitando não só a construção
de conceitos a partir do diálogo, mas também a interatividade entre os
participantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De certo, podemos afirmar que a SDI nos permitiu conhecer os concei-


tos de Hidrocarbonetos apresentados por professores de Química em
formação inicial, contudo, acreditamos ser relevante expor algumas
construções sobre a importância da SDI que emergiram no decorrer de
nossa intervenção. Primeiramente, os atores expuseram que a SDI per-
mite uma interação entre professor e discentes em uma sala de aula.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
143
Em seguida expuseram que a etapa individual permite a construção
de uma identidade do ator, que mesmo sendo tímido poderá, através da
escrita, expressar sua opinião. Além disso, os atores conseguiram rela-
cionar a SDI com outra técnica usada em indústrias e outras áreas além
do ensino e da pesquisa, o brainstorming, ou a tempestade de ideias, por
fim afirmaram que a SDI é uma alternativa para a maior participação
dos educandos em sala de aula de Química.

Em síntese, conhecemos o conceito de Hidrocarbonetos apresentado


por licenciandos em Química de uma instituição de ensino público su-
perior da região metropolitana do Recife (RMR) e evidenciamos que as
respostas da maioria dos atores e a síntese construída a partir da SDI
foram satisfatórias, afirmamos também que em suma, as respostas ob-
tidas que foram alicerçadas na definição da IUPAC para a função orgâ-
nica em estudo.

Todavia, deixamos a provocação para nossos leitores, em especial, aos


professores de Química. Que a construção não só desse conceito, mas
também de outros conceitos do ensino da Química possam ir além das
definições prontas e acabadas ao ser apresentadas aos educandos. Po-
demos pautá-las na problematização, para assim contribuir para uma
maior reflexão dos educandos em relação ao objeto de estudo.

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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
146
Capítulo 8

O conceito de avaliação por professores de biologia


em formação inicial
Andressa Rodrigues dos Santos28
João Justino Barbosa29
Monica Lopes Folena Araújo30
Maria Marly de Oliveira31

INTRODUÇÃO

As práticas realizadas no fazer docente, em vários momentos, se as-


semelham às práticas que realizamos no nosso cotidiano. Um exemplo
disso é a avaliação. Avaliamos, muitas vezes, mesmo que de modo au-
tomático, em várias ocasiões antes de realizarmos determinada ação:
avaliamos riscos ao atravessar a rua; avaliamos as nossas condições fi-
nanceiras antes de realizarmos uma compra; ou seja, avaliamos a pro-
babilidade de várias coisas darem certo ou errado nas nossas vidas. As-
sim como avaliamos, também, os resultados de nossas ações quando
pensamos: “Por que a conta veio com este valor?”; “O que eu fiz para
estar nessa situação?”.

28 Mestranda do PPGEC-UFRPE. Licenciatura em Ciências Biológicas


andressa.biology@gmail.com
29 Licenciado em Química UFRPE, Mestrando do PPGEC-UFRPE. Ptof SEDUC-PB, SEDEC-JP. E-mail:
joao.j.barbosa@live.com
30 Dra. em Educação (UFPE). Mestrado em Ensino das Ciências. Professora do PPGEC-UFRPE.
folenabio@gmail.com
31 PhD em Educação. Professora Sênior e do Quadro Permanente do PPGEC-UFRPE.
marly@academiadeprojetos.com.br

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
147
Assim como no nosso dia a dia, ao desenvolvermos atividades em sala
de aula, é necessário lançarmos mão da avaliação. Tal qual nos exem-
plos colocados anteriormente, a avaliação no contexto do processo de
ensino e aprendizagem é condição necessária para o bom desenvolvi-
mento das atividades e nos permite projetar situações futuras assim
como compreender melhor os resultados. Diferentemente do exame,
que apenas constata a realidade, a avaliação é um componente didáti-
co-pedagógico que possibilita uma sólida construção do conhecimen-
to, pois, contribui para o processo de reflexão e criticidade, favorecendo
concomitantemente, o desenvolvimento da humanização nas pessoas
imbricadas nesse processo.

Tendo em vista que as práticas avaliativas constituem-se não só ati-


vidades de ensino, mas também de educação e formação, entendemos
que é uma temática de grande relevância e que deve ser amplamente
explorada na formação inicial de professores, pois, trata-se também e,
principalmente, de um elemento norteador da prática docente. Portan-
to, deve estar presente nas práticas desenvolvidas por licenciandos que
estão tendo suas primeiras experiências com regência no ensino básico.

Sendo assim, nos perguntamos: Qual o conceito de avaliação apresen-


tada por professores em formação inicial no último período do curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas de uma instituição universitária
pública? A partir desse problema de pesquisa, delineamos como objeti-
vo geral do presente trabalho: Diagnosticar a construção do conceito de
avaliação da aprendizagem por professores em formação inicial, no úl-
timo período, do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. E, como
objetivos específicos:

• Identificar as concepções prévias dos estudantes sobre avaliação


da aprendizagem;

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
148
• Analisar as mudanças conceituais construídas após a exposição
dialogada, a partir dos conceitos prévios estabelecidos na Sequên-
cia Didática Interativa (SDI).

Para realização do presente trabalho, nosso referencial teórico está


fundamentado nos principais autores brasileiros que se debruçam no
estudo da avaliação da aprendizagem, à saber: Luckesi (2012; 2018);
Rabelo (2003); e Hoffmann (1988). Nosso instrumento de coleta (SDI)
e nossa análise estão fundamentadas na complexidade (MORIN, 1998),
na dialogicidade (FREIRE,1987), na hermenêutica (GADAMER, 2009),
na visão sistêmica (VASCONCELOS, 2004) e na dialética.

A presente pesquisa possibilita perceber como alguns elementos di-


dático-pedagógicos imprescindíveis para o pleno desenvolvimento do
processo de ensino e aprendizagem, no caso, a avaliação, estão sendo
compreendidos e desenvolvidos na formação inicial a partir de uma
disciplina que tem como prerrogativa a unidade teórico-prática.

1. FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Neste capítulo, apresentaremos um breve relato sobre a formação


inicial de professores de ciências da natureza, em especial os educado-
res de biologia. Resgatando um breve histórico sobre o crescimento da
oferta dos cursos de licenciatura a partir da obrigatoriedade da gradua-
ção para o exercício da docência em todos os níveis da educação.

Paralelamente a isso, indicaremos elementos norteadores para a


formação inicial dos professores de ciências e algumas propostas que
visam acrescentar qualitativamente a essa formação, com ênfase na
construção de um conceito de avaliação que busque superar as apre-
sentadas no atual cenário da educação brasileira, assim como a que está
sendo relatada nesse trabalho.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
149
1.1 Um Breve Histórico Sobre Formação de Professores

Primeiramente, é relevante destacarmos que, mesmo antes da LDB, já


se debatia e se mostrava inquietação com a educação e com a maneira
pela qual acontecia a formação inicial de professores em território bra-
sileiro. Por exemplo, no ano de 1983, o Congresso Mineiro de Educação
que orientou as ações da educação naquele estado no período de 1984
até 1987. Nesse congresso, buscou-se uma ruptura com a ideia de que
só o professor é responsável pela educação. Rodrigues (2007) afirma
que esse evento foi realizado buscando a interlocução entre profissio-
nais da educação, especialistas, sociedade e políticos.

Assim, o debate a cerca de uma oferta de educação de qualidade para


as futuras gerações ganhou contribuições de diferentes setores da so-
ciedade, superando a separabilidade existente nos anos 1970 e 1980
entre profissionais da educação e outras áreas da sociedade. O slogan “A
educação é tarefa de toda a sociedade” corrobora para esse pensamento.
Todavia, com a entrada em vigor da lei de diretrizes e base da educação
(LDB), também conhecida como lei Darcy Ribeiro, que apresenta como
registro o número 9394 do ano de 1996, a educação ganhou conjun-
turas nunca antes apresentadas. Era urgentemente necessário pensar
e repensar a formação dos profissionais em educação, em especial dos
professores.

Mediante o exposto, concordamos com Saviani (2010), quando o au-


tor apresenta as contribuições da LDB a cerca do sistema brasileiro de
ensino e da formação dos professores. De certo, podemos afirmar que
nessa lei estão presentes os componentes norteadores que além de
apresentar, legitimam os direitos, os deveres, dos envolvidos no proces-
so que rege o sistema educacional desse país, inclusive o processo de
avaliação dos educandos. Por outro lado, Garcia (1999) apresenta uma
perspectiva para além do documental, o autor pensar a formação de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
150
professores como ações que não representam senão outra dimensão do
ensino como atividade intencional, que se desenvolve para a profissio-
nalização dos sujeitos encarregados de educar as novas gerações.

Já Freire (1996) nos convida a pensar na formação de professores com


uma proposta progressista, classificando-a como permanente e com o
objetivo de superar as relações de dominação existentes, sobrepujando
práticas de coisificação do educando encontradas não só na educação
básica, mas também no exercício da docência em cursos superiores.

Com as necessidades de atender as exigências apresentadas pela LDB,


as instituições de ensino responsáveis pela formação inicial dos edu-
cadores começaram a ofertar os cursos superiores de licenciatura na
forma presencial e também na forma de educação à distância (EAD).
Porém, devemos destacar que é possível formar professores em nível
médio para atuar na educação infantil e nas primeiras séries do ensino
fundamental (GOMES, 1999), o curso de normal médio habilita para o
exercício citado anteriormente. No entanto, essa situação quase não foi
diagnosticada em estados que possuam grandes universidades que au-
xiliaram no processo de formação desses professores em nível superior.

Em síntese, ao resgatar um breve histórico sobre a formação de pro-


fessores, podemos afirmar que mesmo com algumas limitações e falhas
na aplicação, após a LDB de 1996, os cursos superiores de licenciatura
buscaram atender às exigências para desenvolver docentes habilitados
para atuar nos e para os diferentes níveis da educação básica, desde a
educação infantil até o ensino médio.

Porém, acreditamos que a formação inicial dos professores não é su-


ficiente para a excelência na prática docente, assim como Gatti (2008),
compartilhamos a ideia de que a formação do professor seja ela inicial
ou continuada, precisa ser repensada. Para de fato, desenvolvermos
uma prática docente que seja realmente progressista, distanciando-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
151
-nos de uma vez por todas do ensino tradicional, que desconsidera a
heterogeneidade existente na sala de aula, e se alicerça em práticas au-
toritárias, excludentes, geralmente relacionadas às idéias de mensura-
ção e classificação. Enfim, trata-se de uma mudança necessária, pois, só
assim poderemos desenvolver processos avaliativos formativos, e que
contemplem as habilidades e características diferentes dos educandos.

1.2 A Formação Inicial de Professores de Ciências

O ensino de ciências na educação básica é objeto de inúmeros estudos


e possibilitou o desenvolvimento de pesquisas, perspectivas e metodo-
logias que são possibilidades de romper com uma prática baseada na
transmissão do conhecimento e não do desenvolvimento do conheci-
mento. Como exemplos dessas propostas estão as Metodologias Ativas,
o uso das Tecnologias em sala de aula, a perspectiva CTS e a Sequência
Didática Interativa (SDI), esta última foi utilizada em nosso trabalho
como instrumento de coleta de dados, porém, como nos apresenta Oli-
veira (2012), a SDI também pode ser utilizada como ferramenta didáti-
ca metodológica no contexto de sala de aula.

Em síntese, essas propostas para o ensino das ciências apresentam


como elemento congruente o protagonismo do educando, superando a
educação bancária denunciada por Freire (1999). A efetiva participação
dos educandos na construção do conhecimento o fará significativo, re-
levante e primordial para uma atuação consciente e efetiva nas proble-
máticas da escola e da sociedade. Porém, como ofertar uma educação
que possibilite aos educandos a reflexão de maneira crítica a respeito
das problemáticas atuais com as evidentes influências do paradigma
newtoniano – cartesiano (BERHENS, 2003) na formação dos professo-
res?

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
152
Concordamos com Behrens (2003) ao afirmar que as influências desse
paradigma são evidenciadas em todas as áreas do sistema educacional e
que para superarmos é preciso que os professores de ciências superem,
por exemplo, a separabilidade, a neutralidade e a coisificação. Tais ele-
mentos estão presentes na construção da ciência e consequentemente
no processo de formação dos professores. Corroborando para esta pro-
posta de superação, são apresentadas por estudiosos as ideias de Inter-
disciplinaridade e de Transdisciplinaridade, dos quais se destacam Ni-
colescu, Morin e Piaget. Perspectivas de ensino que buscam olhares das
diferentes disciplinas ao investigar o mesmo objeto de estudo.

Diante disso, podemos afirmar que as influências do paradigma new-


toniano - cartesiano na formação do educador são evidentes e que as
propostas elencadas brevemente acima possibilitam a formação e exer-
cício diferente da docência no atual cenário, incentivando professores
a construírem suas aulas com a participação dos seus educandos e os
avaliar de maneira coerente. Além do que fazendo uso dos instrumen-
tos avaliativos com a finalidade de revelar a qualidade do processo de
ensino e aprendizagem e direcionar as futuras estratégias, sem deixar
ninguém para trás nesse processo.

Dentre tanto elementos constituintes do processo educacional que


são influenciados por esse antigo paradigma (MORAES, 2003), desta-
caremos a avaliação, que para Luckesi (2012), costuma apresentar no
sistema brasileiro de ensino um conceito mais próximo ao de exame.
Ao observamos as práticas de processos avaliativos que ocorrem desde
o ensino infantil até o superior, percebemos, sim, a busca pela efetivi-
dade (NICOLESCU, 1999), e consideramos o exame ou verificação são
maneiras equivocadas de busca pela construção efetiva do conheci-
mento, pois não contempla de maneira holística o desenvolvimento da
aprendizagem por parte do educando.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
153
Nesse contexto, exames e verificações acabam por se repetir na edu-
cação básica em um círculo vicioso, onde o educando obrigatoriamente
precisa se moldar ao sistema influenciado pelo antigo paradigma, isso
não ocorre por acaso, Hoffmann (1988) afirma que somos fortemente
influenciados pelo modo como fomos avaliados ao longo de nossas vi-
vências, nos variados níveis de ensino. Logo, ao pensar em um processo
avaliativo heterogêneo e que busque contemplar todos os envolvidos
no processo de formação do conhecimento, faz-se necessário superar
algumas influências que guiaram as ações até a presente data, come-
çando pelas instituições de ensino superior até chegar à educação bá-
sica.

2. AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

A pedagogia libertadora entende a educação enquanto “processo de


conscientização da realidade do sujeito e pelo sujeito e como interven-
ção social” (SANTIAGO, 2017), sendo assim, busca a transformação da
consciência ingênua em consciência crítica (FREIRE, 1979). Portanto,
para que as características de uma consciência crítica sejam construí-
das, é preciso que as relações, vivências e aprendizagens em sala de aula
priorizem o diálogo, a investigação, a crítica, seja livre de preconceitos e
baseados em princípios autênticos de causalidade.

Inclusive, é incoerente buscarmos tais elementos e não nos preocu-


parmos com a forma como os conhecimentos serão ou estão sendo
construídos, assim como não faria sentido estarmos a favor de uma
pedagogia libertadora e não desenvolvermos práticas democráticas,
ou seja, que envolvam os estudantes dentro dos processos de decisões
e que não os excluam em nenhum momento durante o processo de en-
sino e aprendizagem. Entendemos que é fundamental a presença “de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
154
uma avaliação ético-crítica, portanto, indissociável da reflexão sobre a
autonomia individual e coletiva” (ALBUQUERQUE, 2013, p.91).

Pois, sem compreendermos nosso lugar, ponto de partida, na busca


pelo alcance de um determinado objetivo, estaremos retroalimentan-
do o sistema, através de realização de exames e verificações que visam
apenas à constatação de uma realidade, sem pensar na superação da
mesma, caso o resultado obtido seja insatisfatório. Sendo assim, exis-
tem grandes diferenças entre o ato de examinar/verificar e o de ava-
liar. Primeiramente na avaliação, existem várias possibilidades para os
resultados identificados, pode-se oferecer oportunidade de melhora,
podem-se identificar desvios de aprendizagem ou dificuldades, e tra-
balhar com os estudantes para superá-las para que possam construir
efetivamente sua aprendizagem.

Assim, a avaliação demanda uma decisão ante os resultados, dire-


ciona o objeto, pois proporciona o desenvolvimento e inclusão do es-
tudante. Nessa perspectiva, o erro é encarado como oportunidade de
melhoria a partir de uma reflexão e reorientação, ou seja, a avaliação
contribui para efetiva construção desse conhecimento. Em contraposi-
ção, a verificação é uma ação que petrifica o objeto, não gera possibilida-
des, estagna, pois ela é discriminatória e se pauta na reprodução de um
modelo excludente, onde resultados insatisfatórios são constatados e,
na maioria das vezes, não são esclarecidos, não sendo retomados para a
construção efetiva do mesmo.

Se era um conhecimento que deveria ser demonstrado, mas não ten-


do sido apresentado de forma satisfatória, ao realizamos exames, assim
permanecerá, pois, será necessário dar prosseguimento ao cronograma
e seguir para um novo conteúdo, uma nova etapa que, embora esteja
concatenada com os demais assuntos, assim não são considerados.
Para Luckesi, verificar ou examinar significa “a obtenção do dado ou

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
155
informação que se busca” (2002, p.92), ou seja, estando presente ou não
a informação a qual se busca encontrar, a análise se encerra nesse mo-
mento, nada é feito a partir daquela informação ou ausência da mesma,
o que se faz é atribuir-lhe um resultado numérico ou conceitual, dessa
forma, os estudantes são meramente classificados.

Sendo assim, ao realizarmos verificações e atribuirmos notas a elas,


acabamos ignorando a complexidade que há no processo de ensino e
aprendizagem, não atingido assim os objetivos educativos. Portanto,
os exames são uma forma de constatar resultados e expressá-los em
valores numéricos. Logo, compreendemos que, apontar o problema ou
identificá-lo não é suficiente, é necessário preencher as lacunas que fo-
ram expostas (HOFFMANN, 1998).

Dessa forma, através dos exames ou verificações, a ação do professor


é limitada a transmitir e corrigir. Tais características dialogam direta-
mente com o paradigma tradicional, no qual há uma busca incansável
pelas respostas prontas, e os estudantes devem repetir e reproduzir o
modelo proposto. Para Behrens (2003), esse modelo ainda é o predomi-
nante nas universidades, salvando-se algumas raras exceções. Trata-se,
portanto, de um modelo antidemocrático no que se refere ao ensino,
uma vez que o professor nada faz para que o estudante amplie sua com-
preensão nem que aprenda com seu erro, não há uma tomada de deci-
são para o avanço, nada faz para superá-lo, tornando-se, na maioria das
vezes uma fonte de culpa e castigo (LUCKESI, 2002).

Diferentemente do exame, na avaliação, o que importa é dinamizar a


relação entre professor e estudante. Luckesi entende a avaliação como
“um juízo de qualidade sobre dados relevantes, tendo em vista uma to-
mada de decisão” (2002, p.69); onde o juízo de qualidade é um processo
comparativo entre “o que está sendo ajuizado e um determinado pa-
drão ideias de julgamento” (LUCKESI, 2002, p.69).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
156
Paralelamente, Hoffmann (1998, p.79) se refere ao processo avaliati-
vo como “um método investigativo que prescinde da correção tradicio-
nal, impositiva e coercitiva”, trata-se de uma “educação libertadora e
construtivista” (Idem, p.71), onde deve haver um equilíbrio entre os as-
pectos qualitativos e quantitativos, pois, quando priorizamos os aspec-
tos quantitativos, reduzimos a avaliação à medição e, quando levamos
apenas em consideração os aspectos qualitativos, a avaliação se perde
na subjetividade de professores e alunos (LIBÂNEO, 1994).

Destarte, o sentido da avaliação é “compreender o que se passa na inte-


ração entre o ensino e a aprendizagem para uma intervenção conscien-
te e melhorada do professor, refazendo seu planejamento e seu ensino e
para que o aprendente tome consciência também de sua trajetória [...]”
(SILVA, 2006, p.60).

Posto isso, para ser um processo dito avaliativo, as situações de co-


leta de informações sobre a qualidade da aprendizagem do aluno não
podem estar reduzidas a momentos estanques, às provas e testes rea-
lizados no fim de cada bimestre; ela deve acontecer em diferentes mo-
mentos ao longo do processo e a partir de diferentes instrumentos ava-
liativos, que nada mais são do que “todas as ferramentas utilizadas na
coleta de informações para descrição desta realidade, podem ser defi-
nidas como instrumentos de coleta de dados para avaliação” (COUTI-
NHO, 2013, p.28).

Podemos citar como exemplos de instrumentos: exercícios, estudo


dirigido, trabalho em grupo, provas dissertativas, arguição oral, semi-
nários e simulados. Todavia, tais instrumentos devem estar de acordo
com aquilo que se pretende investigar, sendo assim, os instrumentos
são os meios utilizados para descrever a realidade, não obstante, há
uma lógica que precisa ser mantida para que os instrumentos avaliati-
vos sejam capazes de revelar o que o professor quer saber. Indubitavel-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
157
mente, os instrumentos avaliativos devem ser construídos tendo em
vista os critérios e estes, por sua vez, são delineados a partir dos obje-
tivos do ensino, ou seja, o professor precisa ter planejado previamente
o padrão de qualidade que ele espera do aluno, tais critérios podem ser
chamados também de critérios resultados (LUCKESI, 2002).

Entretanto, para que possamos caracterizar determinada prática


como avaliativa, os dados obtidos, a partir dos instrumentos, devem
ser analisados servindo de dados de acompanhamento do estudante, e,
para, além disso, eles exigem uma tomada de posição em frente ao obje-
to de avaliação com uma consequente decisão de ação: manter o objeto
como está ou atuar sobre ele; e é justamente esta última característica
que distingue um instrumento qualquer de um instrumento de coleta
de dados para proceder à avaliação (SANTOS; ARAÚJO, 2017).

De certo, no exame ou verificação, os resultados obtidos através dos


instrumentos, são utilizados para classificar (em aprovado ou reprova-
do), eles não encaminham para uma tomada de decisão para o cresci-
mento e, por isto, é um processo excludente.

Por outro lado, Hoffmann (1998, p.19) afirma que, quando são reali-
zados apenas exames e verificações, “o professor cumpre penosamente
uma exigência burocrática e o aluno, por sua vez, sofre o processo ava-
liativo. Ambos perdem nesse momento e descaracterizam a avaliação
de seu significado básico de investigação e dinamização do processo
de conhecimento”. Nesse sentido, a avaliação deixa de ser um processo
educativo para ser um momento terminal, transformando-se em exa-
me.

A partir do exposto, podemos entender que uma avaliação democrá-


tica e emancipadora não se sustenta em uma instituição autoritária, le-
gitimada por relações sociais e culturais hegemonicamente conserva-
doras, seletivas, classificatórias e opressoras (ALBUQUERQUE, 2013),

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
158
para que haja avaliação formativa, é preciso que o professor esteja dis-
posto a praticar uma pedagogia crítica/libertadora.

3. DESENHO METODOLÓGICO

A presente pesquisa teve como base a perspectiva qualitativa, esse tipo


de pesquisa entende que a investigação deve ocorrer de maneira mais
realista e fidedigna aos objetivos propostos. Segundo Oliveira (2008),
a pesquisa qualitativa é um processo de reflexão e análise da realidade
através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalha-
da do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua es-
truturação.

Sendo assim, devemos considerar que a pesquisa qualitativa também


implica, segundo a literatura pertinente ao tema, observações, aplica-
ção de questionários, entrevistas e análises de dados que deve ser apre-
sentado de forma descritiva (OLIVEIRA, 2007).

Cogitando que buscamos diagnosticar os conceitos de avaliação apre-


sentados por professores de biologia em formação inicial, este trabalho
caracteriza-se como uma observação participante. Esse tipo de obser-
vação, segundo Moreira (2002, p. 52) é definido com “uma estratégia de
campo que combina ao mesmo tempo a participação ativa com os sujei-
tos, a observação intensiva em ambientes naturais, entrevistas abertas
informais e análise documental”.

3.1 Amostra e caracterização dos Atores

Os atores sociais que participaram da presente pesquisa foram nove


estudantes do oitavo período do curso de Licenciatura em Biologia da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), os mesmos en-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
159
contravam-se regularmente matriculados no componente curricular
Estágio Supervisionado Obrigatório IV (ESO IV), em 2018.2.

O referido componente curricular possui uma carga horária total


de 120h e é ofertado às sextas–feiras, das 18h30min às 21h50min.
As atividades envolvem, além das discussões teóricas, desenvolvidas
de modo presencial, a regência, que deve ser desenvolvida no Ensino
Médio pelos estagiários. Antes disso, porém, os licenciandos precisam
construir seus respectivos planos de aula que, entre outras coisas, de-
vem contemplar o processo avaliativo a ser desenvolvido em suas aulas.

A escolha por essa disciplina se deu pelo fato da mesma acontecer no


último período do curso e, por se caracterizar por um momento onde se
promove o encontro entre teoria e prática. Uma vez que os estudantes
precisam compreender como deve se dar o processo avaliativo para, en-
tão, planejar suas atividades. Além disso, a professora regente se dispôs
de maneira entusiasmada para contribuir com nossa pesquisa, permi-
tindo que desenvolvêssemos a Sequência Didática Interativa (SDI), bem
como a exposição dialogada dos conceitos sobre avaliação da aprendi-
zagem.

3.2 Coleta de Dados

Para a coleta de dados da pesquisa utilizamos a SDI, que é a ferramen-


ta didática da Metodologia Interativa (OLIVEIRA, 2008). A SDI é uma
estratégia/ferramenta interativa no ensino e aprendizagem que facilita
a integração entre pesquisador e atores, visando à construção e siste-
matização de um novo conhecimento.

Com isso, por ter sido sistematizada como uma sequência de ativi-
dades, a realização da SDI deve seguir algumas etapas: (1) no primei-
ro momento, após ser escolhido o tema a ser estudado, entrega-se aos
atores uma folha de papel que funcionará como ficha para as respostas

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
160
individuais envolvendo o tema abordado, no nosso caso, perguntamos
aos atores: “o que é avaliação?”; (2) em seguida, os participantes for-
mam pequenos grupos, e neles realizam a sistematização das diferen-
tes opiniões, construindo em conjunto, apenas uma única definição,
que contemple todos os atores presentes no grupo; esse conceito é ano-
tado em outra folha de papel, separada das definições individuais; (3)
por último, cada grupo elege um representante (líder), o qual se reú-
nirá separadamente com os demais representantes dos seus grupos de
origem para construir uma nova síntese a partir das construções feitas
por cada grupo na etapa anterior. Dessa forma, chegamos a apenas uma
única definição que deve contemplar todo as construções realizadas
nas etapas anteriores.

A partir do conceito construído pelos atores, o pesquisador começa-


rá o processo de explanação do conteúdo a partir do referencial teórico
escolhido. Depois da abordagem teórica, o pesquisador pode aplicar no-
vamente a SDI ou solicitar a reconstrução da frase ou conceito por meio
de outro instrumento, caso o grupo entenda que o conceito único siste-
matizado no primeiro momento necessita de complementação.

O processo de aplicação da SDI é representado pela figura 01 que de-


monstra as etapas da proposta metodológica segundo Oliveira (2018).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
161
Figura 1

Síntese da aplicação da SDI

Fonte: Oliveira, 2018.

O tema avaliação da aprendizagem foi previamente definido, sendo


assim, começamos as atividades em sala explicando a SDI, comentando
sobre a sua aplicação e sistematização, evidenciando o sucesso da uti-
lização dessa ferramenta em sala de aula e também como instrumento
para a pesquisa qualitativa. Logo após a breve explicação, começamos
a aplicar a SDI que funcionou como uma avaliação diagnóstica para
guiarmos as explanações referentes ao conceito de avaliação da apren-
dizagem. A pergunta que norteou nossa atividade foi a seguinte: “O que
é avaliação?”.

Na nossa exposição, prezamos pelo processo dialógico, onde as falas


dos atores sociais, sua historicidade e singularidade devem ser levadas
em consideração no percurso da pesquisa, para auxiliar as discussões
fizemos uso do data-show como recurso didático audiovisual, na for-
ma de slides (PowerPoint), e, durante a abordagem, para promover uma

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
162
maior interação entre atores e pesquisadores, propomos a realização de
uma atividade que teve por objetivo diferenciar exame de avaliação.

Para análise dos conceitos construídos e reconstruídos pelos atores


sociais, fizemos uso da análise hermenêutico-dialética, onde fazemos
uma interpretação aproximada da realidade a partir dos dados coleta-
dos, onde a fala é colocada em seu contexto próprio de produção (OLI-
VEIRA, 2014). Todo esse processo foi feito à luz dos aportes teóricos dos
principais autores brasileiros que se debruçam no estudo da avaliação
da aprendizagem.

4. CATEGORIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Levando em consideração o objetivo geral do presente estudo, elenca-


mos duas categorias teóricas, à saber: “avaliação” e “verificação/exame”.

Quadro 1
Descrição das categorias teóricas (CT)

CT Descrição

Nesta categoria estarão os dados que relacionam o termo


“avaliação” a um processo qualitativo, de busca de dados do
processo de ensino e aprendizagem que auxiliem a configurar
Avaliação
a realidade posta visando ao alcance dos objetivos previamente
delineados sem desconsiderar nesse processo as estratégias
do professor e o desenvolvimento do estudante.

Nesta categoria estarão os dados que relacionam o termo


“avaliação” à coleta de dados para constatação de uma
Verificação/exame realidade, sem a intenção de modificá-la e de trazer reflexões
sobre o processo de ensino e aprendizagem desenvolvidos
pelos estudantes e pelo professor.

Fonte: Própria

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
163
4.1 Resultados e Discussões

No primeiro momento de aplicação da SDI, os estudantes, individual-


mente, elaboraram 8 conceitos sobre “avaliação”. O quadro 2, a seguir,
traz as construções feitas pelos estudantes e suas respectivas catego-
rias teóricas (CT):

Quadro 2
Definições individuais sobre avaliação e respectivas CT
coletadas na etapa 1 da SDI

Estudante Definição CT

Verificação/
E1 “Valorar algo de acordo com um referencial”
exame

“Maneira de medir/monitorar o nível de Verificação/


E2
aprendizagem” exame

“Eu acho que a própria palavra diz, deve-se avaliar o


Verificação/
E3 quanto o aluno está preparado para a ação. Aprender
exame
e aplicar agindo.”

“Métodos que visem dar um feedback ao professor


sobre o quanto seus alunos conseguiram chegar Verificação/
E4
na meta de aprendizagem de um determinado exame
conteúdo.”

“É um processo de análise de sujeitos aprendizes, da


Verificação/
E5 internalização dos conceitos e processos científicos
exame
em sua cultura científica.”

“É uma ferramenta útil para se diagnosticar o nível de Verificação/


E6
aprendizado do aluno, embora não deva ser a única”. exame

“É um método para saber o que o aluno compreendeu


Verificação/
E7 do conteúdo ministrado pelo professor. Pode ser por
exame
prova, debate, trabalho em grupo.”

Verificação/
E8 “Processo de acompanhar a aprendizagem do aluno”
exame

Fonte: Própria.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
164
Todas essas definições podem ser consideradas como “exame/verifi-
cação”, pois, em nenhuma delas a prática docente é colocada como ob-
jeto de reflexão a partir dos resultados, assim como não está expressa
na fala deles a busca pelo objetivo estabelecido, o que traria modifica-
ções nas estratégias. Uma das principais características da avaliação da
aprendizagem é a tomada de decisão do professor perante os resultados
obtidos, se a opção for deixar a situação como está, caso apresente-se
insatisfatória, a avaliação cumpre aí seu viés seletivo, classificatório.

Por outro lado, se houvesse uma fala que colocasse o professor como
objeto de análise, e o uso dos resultados a favor da construção do conhe-
cimento, reconhecendo o erro como elemento propulsor da aprendiza-
gem, poderíamos considerar que esta definição se aproximaria mais do
que a avaliação da aprendizagem é. Desse modo, ela implica não apenas
a ação do profissional da educação como avaliador, mas, também, como
gestor da atividade de ensino e aprendizagem, demandando dele ações
diante dos resultados.

Entretanto, podemos pontuar alguns elementos importantes a par-


tir da fala dos discentes, em algumas delas encontramos que a avalia-
ção é “valorar”; “medir”; perceber o “quanto” foi construído e, de fato,
a avaliação enquanto análise qualitativa da realidade nos permite rea-
lizar essa ação, porém, esse comparativo, essa valoração, medição não
pode se dar de forma aleatória ou feita a partir da comparação entre o
“melhor” da turma e os outros. Os dados coletados a partir da realida-
de, através dos instrumentos avaliativos, tem por objetivo “descrever a
realidade e atribuir-lhe uma qualidade, através de sua comparação com
o padrão de qualidade assumido como satisfatório” (LUCKESI, 2018,
p.152).

Sendo necessário que o professor tenha claro o padrão de qualidade


que servirá de parâmetro (critérios), que, por sua vez, devem estar di-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
165
retamente relacionados ao objetivo da aprendizagem e ao instrumento
utilizado. Quando E3 afirma que “deve-se avaliar o quanto o aluno está
preparado para a ação. Aprender e aplicar agindo” nos dá a ideia de que
o estudante é mero reprodutor das ações e do conteúdo que foi “aplica-
do” a ele, não denota autonomia do mesmo no seu processo de constru-
ção, assim como nos permite inferir que para todo conteúdo ensinado
há alguma forma de aplicação prática, quando sabemos que nem sem-
pre é verdade; há questões teóricas que não são passíveis de aplicação
num laboratório, por exemplo, além disso, essa “aplicação” deve seguir
a compreensão do estudante e não uma reprodução do que o professor
falou sobre.

E4 traz a avaliação como “um feedback ao professor sobre o quanto


seus alunos conseguiram chegar à meta de aprendizagem de um de-
terminado conteúdo.”, sua afirmação está correta, porém, incompleta,
pois os resultados da avaliação não nos dizem apenas sobre o alcance da
meta por parte do estudante, mas, também, sobre o sucesso das estra-
tégias utilizadas pelo professor para se atingir determinado objetivo de
aprendizagem que fora definido por ele próprio no momento do plane-
jamento de aula.

Assim sendo, avalição é também compreendida como uma ação para


que, os resultados não sendo satisfatórios, passem a ser. Pois, a avalia-
ção enquanto momento formativo, democrático e inclusivo, oportuni-
za a construção do conhecimento a partir do erro. Em síntese, a avalia-
ção é um momento rico dentro do processo de ensino aprendizagem
que torna o processo significativo. Entretanto, apontar erros sem dizer
ao estudante os motivos pelos quais o mesmo é considerado equivoca-
do ou sem direcionar a aprendizagem de modo correto, faz com que a
prática seja meramente verificatória.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
166
E5, E6, E7 e E8 classificam, respectivamente, a avaliação como “um
processo de análise”; “uma ferramenta útil pra diagnosticar”; “um mé-
todo para saber o que o aluno compreendeu do conteúdo” e “Processo
de acompanhar a aprendizagem do aluno”, todos trazem a idéia do pro-
cesso avaliativo como um momento de constatação, verificação.

Quadro 3

Síntese das construções dos três grupos na etapa 2 da SDI


e suas respectivas categorias teóricas (CT)

Grupos Síntese CT

“É um processo útil para avaliar e diagnosticar as


Verificação/
G1 vivências formativas dos educandos em relação aos
exame
conceitos científicos.”

“Método para acompanhar o desenvolvimento da


Verificação/
G2 aprendizagem do aluno, a partir de uma determinada
exame
meta.”

“Como a própria palavra diz, deve-se analisar o quanto o


Verificação/
G3 aluno está aprendendo, ou seja, é uma maneira de medir/
exame
monitorar o nível da aprendizagem”.

Fonte: Própria.

Embora os grupos tragam alguns elementos que podem configurar


uma pequena mudança de perspectiva, no sentido de compreender que
o uso dos dados coletados através dos instrumentos avaliativos podem
nos dar informações que possibilitam “diagnosticar as vivências” (G1)
ou que permitem “acompanhar o desenvolvimento” (G2) em direção a
alguma meta (objetivo previamente estabelecido), ou ainda, que permi-
tem “analisar o quanto o aluno está aprendendo” (G3). Ainda não apa-
rece no conceito dos estudantes a ideia de redirecionamento das estra-
tégias para atingir os objetivos que não foram atingidos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
167
Na síntese geral, formada pela etapa 3 da SDI, onde apenas os líderes
dos respectivos grupos formulam um único conceito a partir das sínte-
ses realizadas na etapa anterior, é possível perceber que a avaliação, na
concepção deles, apresenta-se como um momento de reflexão sobre o
processo de ensino e aprendizagem, o que nos demonstra a riqueza da
técnica utilizada que coloca os participantes em diálogo. As discussões
realizadas permitem que novas concepções sejam produzidas, tornan-
do um conceito mais aprofundado.

Entretanto, embora tenham evoluído durante o processo em relação à


compreensão do uso dos dados e do caráter reflexivo da avaliação, con-
tinuam sem expressar a característica que coloca o processo avaliativo
como formativo inclusivo e democrático: a tomada de decisão ante os
resultados orientada para a aprendizagem efetiva do conhecimento.

Quadro 4

Construção do grupo de líderes na etapa 3 da SDI


e sua respectiva categoria teórica (CT)

Síntese Geral CT

“Refletir sobre o que/como se aprende um determinado


Verificação/exame
conhecimento dentro de um processo de ensino”

Como parte da técnica da SDI, apresentamos a síntese geral acima à


turma, todos se sentiram contemplados na síntese final. Seguimos, as-
sim, com a nossa proposta: realizamos a aula expositiva dialogada so-
bre avaliação da aprendizagem, durante a exposição, houve momentos
em que os estudantes tiveram que refletir sobre o que é exame/verifica-
ção e avaliação através de atividades desenvolvidas para esse fim. Como
parte final do processo da SDI, colocamos novamente os estudantes em
contato com a síntese geral elaborada na etapa 3, a partir dela realiza-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
168
mos alguns questionamentos a todos os estudantes presentes, de modo
coletivo.

A reflexão foi estimulada para que todos a realizassem, podendo ain-


da alterar a definição final, desde que todos concordassem com as al-
terações. Tais como: “A partir do que foi visto na aula expositiva, vocês
acreditam que a definição trazida por vocês é a ideal?”; “A avaliação da
aprendizagem se limita à reflexão sobre os processos de ensino e apren-
dizagem, apenas?”. A partir dessas questões, os estudantes reiniciaram
as discussões de modo livre e, concordaram que o conceito deveria ser
ampliado, pois se apresentava incompleto. Chegamos então à seguinte
reconstrução, apresentada no quadro 5, a seguir:

Quadro 5

Reconstrução do conceito de avaliação realizada após reflexão da turma,


na etapa 4 da SDI

Reconstrução da Síntese

“É um processo de acompanhamento da aprendizagem do aluno considerando


os objetivos pré-determinados. Além de promover uma auto-reflexão da prática
docente.”

Podemos perceber uma grande evolução em relação ao conceito de


avaliação da aprendizagem, caracterizado como um processo de acom-
panhamento, tendo em vista os objetivos de ensino delineados no plano
de ensino que o professor deve construir anteriormente às atividades.

Além disso, coloca a auto-reflexão da prática docente dentro desse


contexto, através da qual o professor pode perceber as lacunas e as pos-
sibilidades desenvolvidas a partir de suas práticas já realizadas. O que
pode permitir, também, que se repense as estratégias, práticas desen-
volvidas e se redirecione as atividades futuras.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A técnica da Sequência Didática Interativa (SDI) nos permitiu com-


preender o que os estudantes do último período do curso de licenciatu-
ra em ciências biológicas pensam sobre a avaliação da aprendizagem.
Através das respostas individuais, percebemos que os mesmos ainda
estavam muito presos à dimensão quantitativa da avaliação. Todavia,
ao longo das discussões desencadeadas para formulação das sínteses,
pudemos perceber uma melhor compreensão do uso dos dados coleta-
dos através de instrumentos.

Por outro lado, os conceitos e sínteses apresentados anteriormente


à exposição dialogada, ainda apresentavam características um pouco
distante do que os estudiosos em avaliação da aprendizagem costu-
mam definir, pois, colocou a avaliação como processo de reflexão em
relação à construção de um determinado conceito ou conhecimento.
Contudo, a síntese produzida após a aula expositiva e debate dos estu-
dantes apresentou uma mudança conceitual significativa, colocando o
professor como parte do processo de avaliação através da auto-reflexão,
mas, ainda deixou a desejar em relação a deixar explícito no conceito
deles a tomada de decisão frente os resultados obtidos.

Sendo assim, compreendemos que a intervenção de duas horas/aula


não foi suficiente para trazer mudanças profundas no conceito de ava-
liação de aprendizagem dos estudantes, isso é compreensível, visto que
o exame/verificação está presente nas nossas vivências desde as nossas
experiências enquanto estudantes do ensino básico. Podemos concluir
que, infelizmente, o ensino tradicional, ligado às ideias de mensuração
e classificação, ainda estão muito presentes na formação de professo-
res. Além de que a mudança de perspectiva parte de uma reflexão mais
profunda e detalhada dos limites e alcances do paradigma tradicional.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
170
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Educação, n.15. 2017, Olinda. Anais...Olinda: FecomércioPE, 2017. p. 1-17.
Disponível em: http://demo.cubo9.com.br/senac/pdf/comunicacao-oral/004.
pdf. Acesso em: 2 dez. 2018.

SILVA, J.F. A avaliação na perspectiva formativa-reguladora: pressupostos


teóricos e práticos. Porto Alegre: Mediação, 2006.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
172
Capítulo 9

O Papel da Pedagogia de Projetos na construção


da identidade de professor pesquisador durante a
formação docente
Maria Dayane Guimarães Silva32
Maria José Farias da Silva33
Patrícia Mariana Vasco de Góz34

INTRODUÇÃO

O processo de formação docente, seja em formação inicial, seja na for-


mação em serviço, dita como formação continuada, tem sido ponto de
discussão por diversos autores como Tardif e Nóvoa que ressaltam a ne-
cessidade de mudança na estrutura organizacional da formação, assim
como do papel dos formadores de professores, de modo a adotar um
método colaborativo pedagógico (SANTOS; OLIVEIRA, 2017).

Ainda de acordo com as autoras, os momentos formativos devem ser


vistos como espaços de participação e principalmente de reflexão e
não como atualização formativa, requerendo deixar o predomínio das
disciplinas científicas, passando a ser analisados como necessidade de
estabelecer novas formas relacionais e participativas na prática. Sendo

32 Mestranda do PPGEC-UFRPE. Licenciatura em Ciências Biológicas.


dayane.guimaraes2010@gmail.com
33 Mestranda do PPGEC-UFRPE. Licenciatura em Ciências Biológicas.
farias.mariaj15@gmail.com
34 Especiliasta em Ensino da Ciencias Biol[ocicas –
UFPE pmg26@gmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
173
necessária a criação de espaços flexíveis de formação, inovação e pes-
quisa, com momentos que priorizem a participação e a reflexão, bem
como um trabalho colaborativo.

Nesse cenário da formação de professores, chamaremos à atenção


para formação inicial docente, uma vez que é durante esse processo que
o discente inicia a construção da identidade docente, se espelhando nos
formadores que perpassam nessa fase de formação. A formação inicial
de professores tem sido pautada como um dos desafios na educação,
não apenas pensando na formação adequada e efetiva desses profissio-
nais, como também no que concernem às perspectivas a serem encon-
tradas no âmbito educacional por esses futuros docentes (CUSTODIO,
2012).

Segundo Cunha et al. (2016), na formação inicial docente tem que ha-
ver o reconhecimento dos professores como sujeitos que possibilitam a
construção do conhecimento, desse modo, esse reconhecimento deve
abranger tanto a atuação na Educação Básica como o processo de for-
mação desses profissionais, ressaltando que esses serão mediadores do
conhecimento, dos saberes, bem como dos valores da sociedade. Permi-
tindo assim, o desenvolvimento de sujeitos críticos e participativos nas
tomadas de decisões de questões recorrentes na sociedade.

Desse modo, a formação inicial julga-se como etapa importante na


constituição de um profissional, sendo o local de aprendizagem e aqui-
sição dos conhecimentos sobre a docência (BELO, 2012), possibilitando
dessa maneira, que os professores em formação conheçam as realida-
des da profissão, bem como sobre a prática docente.

No processo de formação, é essencial envolver todas as fases de atua-


ção do trabalho docente, pois o professor em formação possui necessi-
dades de evoluir, avaliar e aprender sobre seu próprio ensino (GARCÍA,
2010; CUNHA et al.,2016). Dessa maneira, é necessário que os profes-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
174
sores iniciantes consigam refletir sobre a própria prática, assim como
a de outros professores, possibilitando a construção da sua identidade
docente.

Sendo assim, para o bom desempenho e efetiva atuação na docência, a


teoria e a prática devem estar atreladas como pautado nos documentos
das Diretrizes curriculares Nacionais (DCN) para formação de profes-
sores para Educação Básica e das DCN específicas para cada curso supe-
rior, os quais têm como objetivo superar a dicotomia entre a teoria e a
prática na formação docente (GIMENES; OLIVEIRA, 2014).

Embora a articulação entre a teoria e a prática tenha sido estabeleci-


da como um dos pontos principais na formação inicial de professores,
a prática é pouco contemplada nesse processo, ficando restrita apenas
aos conteúdos teóricos específicos do curso, para isso é preciso que os
cursos de formação inicial em parceria com os professores de profissão
promovam novas práticas e novos instrumentos de formação, como
estudos de caso e práticas, estágios de longa duração, memória profis-
sional, análise reflexiva, bem como problematizações (ALMEIDA; BIA-
JONE, 2007).

Nesse viés, o registro das experiências pedagógicas precisa ser uma


prática cotidiana no processo de formação de professores que se pre-
tende legitimar a partir da relação entre pares ensino e pesquisa. Para
tanto, necessita-se de que durante a formação, atividades que propor-
cionem um caráter investigativo por parte do docente em formação se-
jam ofertadas, de modo a atrelar a teoria e a prática, o ensino e a pesqui-
sa (GONZAGA, 2006).

De acordo com Gonzaga (2006), existe a necessidade de abordar a


Pedagogia de Projetos, a qual se configura como sendo uma proposta
metodológica que visa desenvolver no estudante a autonomia, criativi-
dade analítica de pesquisar e investigar questões acerca de uma deter-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
175
minada temática, como elemento integrador no processo de formação
do professor pesquisador (DINIZ, 2015).

Contudo, entendemos que a Pedagogia de Projetos desenvolvida no


âmbito da formação inicial, além de proporcionar um ato autônomo,
assim como mediador, precisa subsidiar questionamentos sobre o pro-
fessor pesquisador no que tange essa proposta metodológica, na pers-
pectiva de contribuir para construção de um docente que desenvolva
ações em sala de aula, além do que está posto no método tradicional,
permitindo uma postura investigativa e autônoma acerca das proble-
máticas vinculadas à sociedade. Partindo desse pressuposto, a nossa
problemática fixa em entender este questionamento: Como a Pedago-
gia de Projetos influencia na construção de identidade de professor pes-
quisador, no âmbito da formação inicial? Estando motivados em aper-
feiçoar a compreensão sobre a Pedagogia de Projetos e sua relação na
construção de professor pesquisador para assim, consequentemente,
alcançar um leque de informações que venham a contribuir na forma-
ção inicial docente através dessa Pedagogia.

Para tanto, o nosso objetivo geral foi entender como a Pedagogia de


Projetos aplicada dentro do campo de estágio ainda na formação ini-
cial do professor contribui para a formação do professor pesquisador
através da aplicação do Círculo Hermenêutico Dialético (CHD). Assim,
especificamente buscamos: analisar as concepções sobre a Pedagogia
de Projetos de discentes de Licenciatura em Ciências Biológicas em for-
mação inicial e investigar a relação entre ser professor e ser professor
pesquisador. Aportando-se à luz de um referencial teórico que subsi-
diou a interpretação dos dados de modo a alcançar os objetivos, bem
como responder à questão de pesquisa.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
176
1. FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR

O professor possui distintas especificidades e funções, estando sem-


pre em busca de melhorias no campo de atuação profissional. A pes-
quisa é uma das vertentes na qual o professor pode enveredar de forma
investigativa de modo a trilhar novos caminhos no desenvolvimento
profissional. Existe um modelo que advém do perfil do educador em
que este deveria colocar em prática os resultados das pesquisas desen-
volvidas pelos pesquisadores, onde cada profissional desenvolve seus
trabalhos em âmbitos distintos. Santos (2004) afirma que o professor
e o pesquisador possuem campos profissionais distintos cabendo a for-
mação está voltada para o desenvolvimento de competências específi-
cas para cada função. No entanto, esse cenário vem sendo modificado,
pois há o surgimento do professor-pesquisador como algo único não
mais distinto.

Nesse sentido, a pesquisa representa um aporte para o desenvolvi-


mento profissional, sendo parte integrante do processo de formação
da consciência crítica que inicia na capacidade de questionar (Demo,
2005), uma vez que Lüdke (2006) e André (2006) ressaltam que o lócus
para aprender a fazer é no espaço durante a formação inicial. Assim,
Pesce, André e Hobold (2013) destacam a dicotomia existente entre a
teoria e a prática no âmbito da formação inicial docente, pautada em
um ensino por transmissão de saberes, contudo há muito a ser repen-
sado no sentido de romper essa lógica, com o intuito de trilhar um novo
perfil docente, sendo uma das iniciativas formar o professor pesquisa-
dor.

A temática acerca da formação do professor pesquisador tem ganha-


do proporção desde as últimas décadas. A partir das pesquisas realiza-
das por Stenhouse (1975), pesquisadores tais como Cochran-smith e
Lytle (1999), Lüdke (2006) e André (2009) têm efetuado ressaltando

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
177
a necessidade de a pesquisa fazer parte do trabalho do professor (PES-
CE; ANDRÉ; HOBOLD, 2013). Desse modo, há a necessidade de criar um
ambiente que possibilite um caráter investigativo desde o processo de
formação inicial do professor, de modo a possibilitar essa abordagem
no exercício da profissão, seja no ambiente escolar, seja no extraescolar.

A fragmentação dos conteúdos, a disciplinaridade, bem como a trans-


missão do conhecimento são críticas bastante recorrentes nos mais
variados estudos acerca do processo de ensino-aprendizagem. No en-
tanto, a superação desse modelo se faz constantemente, de modo que
valorize a prática do professor, considerando-o como mediador no
processo de construção do conhecimento. Mediante a isso, trabalhar a
questão do professor pesquisador ainda na formação inicial, possibilita
para como futuro professor analisar e refletir sobre a própria prática,
considerando as relações entre o seu fazer e as condições educacionais
e sociais, podendo auxiliar no desenvolvimento dos saberes próprios da
docência (PESCE; ANDRÉ; HOBOLD, 2013; FAGUNDES,2016).

André (2006) aponta que a formação do professor pesquisador pode


ser uma possibilidade de profissionalização da docência, pois, através
da pesquisa o sujeito como professor-pesquisador torna-se capaz de re-
fletir sua prática profissional, afim de buscar novos métodos que ve-
nham aperfeiçoar o trabalho docente. Para isso, o preparo para pesquisa
se torna importante no que tange a formação do futuro docente. Pois de
acordo com Nóvoa (2001), a formação do professor pesquisador pode
dar condições de o professor assumir a sua própria realidade escolar
como um objeto de pesquisa, de reflexão e de análise, constituindo-se
em um movimento contra-hegemônico em frente ao processo de des-
profissionalização do professor e de instrumentalização da sua prática.

Ainda de acordo com Nóvoa (2001), o professor pesquisador e o pro-


fessor reflexivo se aproximam bastante em seus conceitos, uma vez

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
178
que, para Nóvoa, professor pesquisador é aquele que pesquisa ou que
reflete sobre a sua prática, que pensa, que elabora em cima dessa práti-
ca. O autor supracitado possui essa visão, embora teóricos da literatura
pedagógica abordarem de maneira distinta uma mesma realidade.

É nesse contexto que a formação do professor pesquisador pode ser


embasada para proporcionar a construção do pensamento crítico, refle-
xivo, autônomo e investigativo. Visto que, uma abordagem investigati-
va que lance questões problematizadas, leva a construção de hipóteses
e consequentemente uma postura crítica, argumentativa e investigati-
va.

1.1 Pedagogia de Projetos

A Pedagogia de projetos ou por projetos como também pode ser cha-


mada, surge baseada nas concepções de ensino do filósofo e pedagogo
norte-americano John Dewey, que no século XX defendia uma Escola
Nova onde os alunos seriam sujeitos ativos dentro do processo de ensi-
no-aprendizagem. No contexto de ensino proposto por Dewey, a apren-
dizagem deveria partir de uma problematização do cotidiano dos alu-
nos, resgatando o conhecimento prévio dos mesmos e auxiliando na
construção do conhecimento, assim ancorado pelas contribuições para
o ensino de Dewey o norte-americano William Kilpatrick instituciona-
liza os projetos como métodos didáticos usando-se da nomenclatura
“Método de Projetos” possibilitando um novo enfoque para a Pedagogia
de Projetos (DINIZ, 2015).

No Brasil, a Pedagogia de Projetos chega por volta de 1930 com o mo-


vimento conhecido como Escolanovismo ou Escola Nova desenvolvido
pelos europeus Maria Montessori, Ovídio Decroly, Edouard Claparède
entre outros e ampliado no norte da América por Dewey e Kilpatrick;
esse movimento se opunha à escola tradicional e buscava uma renova-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
179
ção no ensino a partir de uma nova postura escolar que oferecia um co-
nhecimento mais acessível ao aluno e este como centro no processo de
aprendizagem, tais ideias foram encabeçadas aqui no Brasil por Anísio
Teixeira e Lourenço Filho (PEREIRA, 2004).

Para compreender como essa proposta se propõe a contribuir para o


processo de ensino-aprendizagem se faz necessário entender o papel
dos projetos dentro dessa perspectiva de atuação.

Assim, Martins (2007) nos traz a etimologia da palavra; segundo ele a


palavra Projeto vem do latim projectus “projetar” que quer dizer traçar
algo, arremessar, lançar para frente, planejar o que se quer fazer ou aon-
de se quer chegar. Os projetos podem ser constituídos de forma oral, es-
crita ou gráfica e surgem a partir de uma ideia, de uma projeção mental
sobre algo que quer se fazer. Dessa forma, projeto pode ser entendido
como o caminho que se constrói para a realização de algo.

Os projetos não são algo inovador, eles permeiam por várias esferas;
em geral possuem o mesmo objetivo que é por uma ideia em prática
e basicamente seguem algumas etapas como o planejamento, a execu-
ção e a avaliação ou socialização como exposto no esquema (Figura 1).
Essas etapas não são fixas, mas delimitam um caminho para a aplica-
ção de projetos que se adequam ao setor escolar e ganham mais êxitos
quando somados ao método científico.

De acordo com Araújo (2008), os projetos podem ser vistos também


como estratégias de ação que buscam entender melhor uma determi-
nada realidade ou contexto (nesse momento surgem as problemáticas
locais, são acessados e partilhados os conhecimentos prévios sobre o
assunto e novos conhecimentos são agregados), buscam ou criam uma
ação para a transformação da realidade (nesse momento estratégias são
desenvolvidas a partir do contexto, das observações, das experiências
e dos conhecimentos que agora são vistos na prática), proporcionam

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
180
um sentido prático ao conhecimento e vão além do compartimento das
disciplinas, portanto, se os projetos escolares seguirem por esses viés,
estaremos falando de um Pedagogia de Projetos atuante nas escolas.

Figura 1

Etapas de para a realização de um projeto

Fonte: Pereira (2004)

Segundo Elias e Amaral (2015), a Pedagogia de Projetos é responsável


por estabelecer uma ponte entre teoria e prática, possibilitando ao alu-
no pensar, pesquisar, criar, investigar, se questionar entre tantas ações
que facilitaram a descoberta do conhecimento e aplicação deste em algo
concreto presente na realidade do estudante. Dessa forma, a Pedagogia

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
181
de projetos torna-se uma metodologia ativa que devolve a autonomia
no aluno possibilitando o desenvolvimento de diversas habilidades e
colocando o professor como mediador, um facilitador desse processo
de busca e compreensão do conhecimento.

Outro ponto chave que se espera da aplicação dessa metodologia é a


reflexão, uma vez que estabelecida a problemática suposições e ques-
tionamentos começam a surgir gerando inquietações ao saber que é
desmembrado e analisado até posteriormente por meio de estratégias
de ações. Tais saberes vão sendo unificados, aplicados, interpretados e
sintetizados em um conhecimento; esse momento da análise à síntese
é intercalado pela reflexão e é na união entre reflexão e pesquisa que o
conhecimento faz sentido e transforma o ser que pesquisa e o mundo a
sua volta (OLIVEIRA, GONZAGA, 2009).

Ainda sobre a Pedagogia de Projetos, Bozzato (2014) nos afirma que


a mesma permite que três conceitos chaves sejam trabalhados: signi-
ficado, interação e conhecimento, esses conceitos permitem aos alu-
nos a construção de uma aprendizagem significativa. Para a autora, o
trabalho com essa metodologia de projetos, em equipe, promove uma
maior interação entre aluno e professor e aluno – aluno favorecendo
as relações cognitivas e desenvolvimento de habilidades sociais como
comprometimento, escutar o outro, responsabilidade, respeito e entre
outras competências que agregam à escola a qualidade e responsabili-
dade de formar bons profissionais, mas acima de tudo bons cidadãos.

2. METODOLOGIA

A Pesquisa realizada se aproxima de uma abordagem qualitativa que,


de acordo com Gonçalves (2005, p. 64), caracteriza-se como “uma ca-
tegoria de investigação que tem como objetivo o estudo de uma uni-
dade de forma aprofundada, podendo tratar-se de um sujeito, de um

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
182
grupo de pessoas, de uma comunidade”, no caso da referida pesquisa
aprofundaram-se os estudos acerca das concepções dos discentes sobre
a importância da pedagogia de projetos aplicada dentro do campo de
estágio e suas contribuições para a formação do professor pesquisador.

2.1 O contexto de pesquisa

A pesquisa foi realizada junto a seis discentes do 9º período do curso


de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Per-
nambuco (UFPE), Centro Acadêmico de Vitória (CAV), pois pelo currí-
culo já teriam cursado as disciplinas de Metodologia do Ensino IV (MEB
IV) e estariam finalizando a IV disciplina de Estágio. O curso de Licen-
ciatura em Ciências Biológicas (UFPE/CAV) dispõe de quatro disciplinas
obrigatórias de estágio, sendo a última caracterizada pelo diferencial
de ser desenvolvida em grupos e na perspectiva da Pedagogia de Proje-
tos, assim, os licenciandos devem formar seus grupos e escolher uma
escola da Educação Básica para desenvolver um projeto junto aos alu-
nos da escola baseado numa problemática local, um vez que já possuem
um conhecimento prévio sobre a Pedagogia de Projetos, pois são apre-
sentados a essa didática um semestre antes durante a disciplina de MEB
IV ministrada pelo mesmo professor de Estágio IV. Assim os estudantes
conhecem a fundamentação histórica e teórica da metodologia e no ou-
tro semestre têm a oportunidade de colocá-la em prática durante a sua
formação inicial.

3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Os discentes participaram do estudo de forma voluntária e foram es-


colhidos aleatoriamente, obedecendo apenas ao critério de terem cur-
sado a disciplina de Metodologia de Ensino de Biologia IV (MEB IV) e
Estágio IV respectivamente. Assim, o percurso metodológico desta pes-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
183
quisa, seguiu as premissas do Círculo Hermenêutico Dialético (CHD),
apresentado por Guba e Lincoln (1989), o qual envolve a concepção pré-
via individual e coletiva do grupo pesquisado, estabelecendo o “consen-
so” do grupo, permitindo a captação da realidade em estudo.

Inicialmente, os estudantes foram designados pela ordem (1° ao 5°),


e individualmente responderam às seguintes perguntas: O que você
entende por pedagogia de projetos? Para você, qual a relação entre pro-
fessor e pesquisador? Você considera que a experiência vivenciada na
disciplina de estágio IV contribuiu para o desenvolvimento de seus pro-
jetos de pesquisa? Se sim, em quais aspectos?

Posteriormente, foram lhes apresentando a possibilidade de recons-


trução de suas considerações iniciais, a partir das respostas do sujeito
anterior, seguindo a dinâmica do “vai e vem” das construções/recons-
truções teóricas dos sujeitos, como representado na figura 2. Por fim,
houve uma reunião de todos os participantes para que chegassem a um
consenso único acerca das perguntas anteriormente respondidas. Vale
lembrar que esse “consenso” representa apenas uma concepção final do
grupo.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
184
Figura 2

Círculo hermenêutico-dialético

Procedimento Metodológico
E = entrevistado;
C = construção teórica

Fonte: Guba e Lincoln 1989, p. 152.

Na figura 2, temos um esquema do funcionamento do CHD. O grupo


de alunos entrevistados é representado pelo primeiro círculo e a dinâ-
mica do “vai e vem” das construções/reconstruções teóricas dos sujei-
tos é representada no segundo círculo. No círculo central (terceiro) te-
mos o encontro final com todos os entrevistados, visando ao consenso
único (realidade) do grupo (NEVES, 2006; NEVES; CARNEIRO-LEÃO;
FERREIRA, 2012).

4. ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA (AHD)

Buscando uma visão mais realista do contexto estudado, os dados


coletados foram analisados segundo o método de análise hermenêuti-
ca-dialética de Minayo (1996). Esse método compreende dois níveis de
interpretação: nível das determinações fundamentais (deve estar prees-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
185
tabelecido antes da fase investigativa, advém do contexto do grupo pes-
quisado e das leituras teóricas) e o nível de encontro com os fatos empí-
ricos (é o estudo em movimento, caracteriza-se pelo encontro com os
fatos que emergirão durante a pesquisa). Além dos níveis de interpre-
tação temos a ordenação dos dados (organização dos dados obtidos), a
classificação dos dados (perceber a base que sustenta os dados, uma vez
que os mesmos são não livres) e a análise final (nessa etapa busca-se
relacionar os dados recolhidos com a fundamentação teórica para res-
ponder aos questionamentos da pesquisa). A utilização desses dois mé-
todos (Círculo Hermenêutico Dialético e Análise Hermenêutica Dialé-
tica) elimina ao máximo possível a subjetividade, facilitando assim a
garantia do rigor científico (validade e confiabilidade) através de uma
constante reflexão epistemológica das informações obtidas (OLIVEI-
RA, 2001).

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Assim, seguindo as premissas da Análise Hermenêutica Dialética de


Minayo (1996) os dados foram organizados nas categorias empíricas e
teóricas, respectivamente, das quais emergiram subcategorias de acor-
do com a unidade de análise.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
186
Quadro 1

Categorias teórica e empíricas e suas respectivas unidades de análise

Categoria Categoria
Subcategoria Unidade de Análise (Síntese)
Empírica Teórica

Definição de Pedagogia de Gestão de projetos “Se trata da gestão de projetos


Pedagogia de Projetos que são levados prontos para
Projetos os estudantes executarem sem
a intenção de solucionar um
problema, mas sim pesquisar e
entender a problemática”

Desenvolvimento de “Consiste na construção de


projetos pesquisa onde o aluno é
o sujeito responsável pelo
desenvolvimento da mesma,
estando no centro do processo
de ensino-aprendizagem”

Professor mediador “É uma metodologia através da


qual o professor deixa de ser o
centro do processo e transfere
a autonomia para o estudante,
o professor é mediador, mas
não pode interferir tanto”

Professor mediador “É uma metodologia através da


qual o professor deixa de ser o
centro do processo e transfere
a autonomia para o estudante,
o professor é mediador, mas
não pode interferir tanto”

Relação entre Professor Pesquisa como “O professor precisa ser


ser professor e pesquisador atualização pesquisador para poder se
ser pesquisador atualizar, pois o mundo vive
em constante mudança e
assim melhorar suas aulas
teóricas e a aprendizagem dos
alunos”

Pesquisa como O professor pode ser


prática também pesquisador ou ser
a junção dos dois em um só,
desenvolvendo pesquisas no
seu ambiente de trabalho,
refletindo e mudando sua
prática”

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
187
Possível As experiências Aproximação com a “A experiência mostrou os
contribuição da contribuem realidade escolar obstáculos que surgem para
experiência do para o desenvolver as atividades nas
estágio com o desenvolvimento escolas, por isso torna-se um
desenvolvimento de projetos desafio adentrar no ambiente
de projetos escolar a partir da vivência
científicos com os estudantes e auxiliá-los
a desenvolver um ‘produto’,
mas é satisfatório também por
ver o envolvimento dos alunos”

Desenvolvimento “Ajuda a direcionar as


de habilidades de pesquisas, a enfrentar as
escrita e criatividade adversidades durante a
realização das pesquisas,
também a ter mais ideias,
escrever melhor, ser mais ativo
e criativo e entender que a
pesquisa não é só realizada
apenas em laboratórios, mas
também em outros contextos”

Fonte: Os autores

Na categoria Pedagogia de Projetos, tínhamos o objetivo de entender


a compreensão dos licenciandos sobre a metodologia a partir da cons-
trução de uma definição sobre ela, assim, na unidade de análise encon-
tramos três subcategorias como exposto no quadro acima com os re-
sultados:

Gestão de projetos - relacionada à perspectiva de que os projetos de-


vem ser levados prontos para os alunos executarem, e o professor gerir
a ação de execução, percebe-se a centralidade na figura do professor e
diferencia-se do que é sugerido teoricamente sobre a metodologia, pois
de acordo com Araújo (2008), uma das características da Pedagogia de
Projetos consiste na autonomia do aluno desde a escolha do tema do
projeto, uma vez que essa escolha deve ser baseada dentro da realidade
dos estudantes e do interesse dos mesmos.

Desenvolvimento de projetos - baseado numa compreensão mais prá-


tica sobre a Pedagogia de Projetos, relacionado com a criação de uma

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
188
problemática e o desenvolvimento de etapas para análise e solução da
mesma, essa percepção converge com os estudos dos demais autores
sobre o tema, onde conforme Martins (2007), múltiplas metodologias
são criadas para auxiliar os processos de aprendizagem. Dentre tantas,
a Pedagogia de projetos tem se destacado nos estudos por permitir a
integralização dos saberes mediante o desenvolvimento de projetos.

Professor mediador – nessa proposição, destaca-se o papel do professor


dentro dessa metodologia, conforme proposto por Oliveira e Gonzaga
(2009), a mediação estabelecida pelo professor é a chave importante
para reflexão dos alunos durante o desenvolvimento dos projetos, pois
o professor nessa perspectiva de mediador tende a questionar, apontar
outros caminhos, desafiar e inquietar os alunos fazendo pensar, des-
construir ideias ou paradigmas até estabelecer um novo conhecimento.

Na categoria professor pesquisador procuramos entender como os li-


cenciandos constroem essa relação entre ser professor e pesquisador,
para compreender como eles constroem sua identidade em relação à
pesquisa e à docência, durante a categorização dos dados se sobressaí-
ram duas subcategorias: Pesquisa como atualização e Pesquisa como prá-
tica.

Na pesquisa como atualização, alguns licenciandos destacaram que


para ser professor precisa ser pesquisador, porém essa pesquisa está re-
lacionada na fala deles com o ato do professor estudar mais, atualizar-
-se, pesquisar teoricamente e ter mais domínio de conteúdo.

Pereira (2004) afirma que o mundo das informações de fácil acesso


não diminui o papel do professor, mas ressignifica, de fato o professor
deve estudar mais e se atualizar, porém não deve se sentir o único de-
tentor desse saber e tão pouco ter como missão transmiti-lo aos alunos;
sua atualização consiste na forma de como ele se movimenta por esses
diversos saberes e estabelecem caminhos ou pontes entre eles e a rea-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
189
lidade dos alunos, tendo domínio não sobre o que ensina, mas como
ensina esse é o diferencial de um professor atualizado.

Enquanto que na pesquisa como prática, os outros licenciandos co-


locaram que o professor pode ser pesquisador ou pode ocorrer a união
dos dois tornando-se um professor-pesquisador, onde percebemos que
há dificuldade dos licenciandos em ver-se como futuros professores-
-pesquisadores capazes de associar ensino à pesquisa, nessa perspec-
tiva, Paulo Freire (1996) exorta ao professor a prática da pesquisa em
sala de aula, para o autor “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem
ensino”, o professor em sua essência deve ser um ser indagador e ques-
tionador a fim de constatar, intervir, recriar-se, educar e educar-se por
meio daquilo que pesquisa e descobre. Isso não é uma característica ad-
quirida, faz parte da prática docente, mas para isso o professor, ainda
em sua formação, deve se aceitar e se enxergar como um professor e
pesquisador.

Dentro da visão de professor-pesquisador, os licenciandos colocaram


a pesquisa como prática investigativa para criação de metodologias, re-
flexão e mudança da prática e compreensão do seu contexto de atuação.
O professor, enquanto pesquisador, tem a oportunidade de a cada aula
testar diversas metodologias e maneiras de alcançar seu aluno, poden-
do experimentar e viver o novo constantemente; quando o professor a
partir da junção da pesquisa com o seu trabalho, traz à tona a reflexão
sobre a sua prática podendo ter um melhor desempenho. Esse enfoque
parte de ideias antigas, mas que agora tem ganhado um novo espaço
na formação do professor e no estabelecimento de sua profissão bem
como na construção da sua identidade como professor pesquisador e
reflexivo (LUDKE, 2001).

A categoria e as experiências contribuem para o desenvolvimento de


projetos, buscava saber de que forma a vivência do estágio reflete na

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
190
elaboração dos projetos de pesquisa dos licenciandos com o destaque
das duas subcategorias emergentes das leituras dos dados, são elas:

Aproximação com a realidade escolar – os estágios por si só já permi-


tem uma aproximação do licenciando com a realidade escolar, no en-
tanto como investigado por Pimenta e Lima (2006), às vezes essa apro-
ximação não permite uma percepção mais concreta sobre a realidade
escolar, pois por tempos o licenciando não comparece aos estágios, ou
é visto como um intruso na escola que se torna uma ambiente rígido e
fechado para análise e ainda, na escola, a presença do estagiário pode
levar os alunos e professores a mudar seus comportamentos. Para tan-
to, Bozzato (2014) propõe que durante a aplicação da metodologia de
projetos, o professor, nesse caso os licenciandos, mergulhem dentro da
realidade da escola com os alunos, passe a conviver com a comunidade
escolar durante o desenvolvimento dos projetos a fim de repensar com
seus pares o que de fato em termos de teoria se aplica aos contextos da
Educação Básica.

Desenvolvimento de habilidades de escrita e criatividade – para alguns


licenciandos o uso da metodologia permitiu que os mesmos repensas-
sem suas pesquisas e desenvolvesse algumas habilidades, como suge-
rido por Elias e Amaral (2015), a Pedagogia de Projetos deve ser uma
metodologia capaz de desenvolver competências como o senso crítico,
a proatividade, a criatividade, a capacidade de resolver problemas e en-
tre tantos outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação inicial do professor ainda é marcada pela dicotomia entre


as áreas pedagógicas e as áreas específicas. E se tratando das formações
voltadas para as Ciências, essa dicotomia reverbera na pesquisa, assim
a pesquisa científica realizada em laboratórios torna-se mais empol-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
191
gante para os licenciandos que acabam formando uma imagem distor-
cida sobre o que é ser pesquisador.

Uma das discussões que tem tentado sanar essa situação é a criação
da ideia professor pesquisador, que há tempos já havia se discutido so-
bre essa visão de complementaridade entre ensino e pesquisa, mas só
agora a discussão dessa ideia faz tanto sentido e ganha força como alia-
da para a valorização da profissão professor.

No entanto, para exercer a pesquisa dentro da docência, o professor


precisa quebrar seus paradigmas e se ver como um profissional do en-
sino e da pesquisa em Educação. É nesse aspecto da construção dessa
identidade como professor pesquisador que a Pedagogia de Projetos
surge como uma metodologia alternativa para ser usada na formação
dos licenciados e despertá-los para o ensino por investigação, guiando-
-se pela pesquisa científica em sala de aula.

Ao analisarmos o papel dessa metodologia na formação dos licen-


ciandos percebemos que muitos deles ainda enxergam a pesquisa como
algo de exclusividade da Ciência e, para o ensino, a pesquisa se com-
portaria como fator de atualização para o professor, no entanto a partir
da vivência de construção dos projetos de pesquisa nas escolas, muitos
conseguiram ver a possibilidade de fazer pesquisa em outros contextos
e que a pesquisa aliada ao ensino contribui para um maior aprendizado
por parte dos alunos e uma reflexão e mudança na prática do professor,
além de mostrar aos mesmos a realidade escolar com suas limitações e
possibilidades.

Concluímos que a Pedagogia de Projetos torna-se uma metodologia


importante na formação inicial do professor por desenvolver nele com-
petências para o ensino e a pesquisa e contribuir para a formação da
identidade como professor pesquisador e reflexivo sobre sua prática.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
192
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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
195
Capítulo 10

A hermenêutica filosófica gadameriana: um olhar


singular sobre a formação docente
Glória Maria Duarte Cavalcanti35
Luciano Cavalcanti do Nascimento36

INTRODUÇÃO

No processo de formação docente manifestam-se diversos e comple-


xos desafios, questionamentos e relações. Melhor compreendê-lo e in-
terpretá-lo constituem um relevante objeto de investigação. Em vista
disso, este artigo, apoia-se na Hermenêutica Filosófica de Hans-Georg
Gadamer. Pensar a formação docente, valendo-se dos principais ele-
mentos teóricos da Hermenêutica Filosófica gadameriana possibilita
conferir um olhar/sentido singular ao conceito de formação do sujei-
to-professor.

Este artigo utiliza a pesquisa bibliográfica através de uma abordagem


qualitativa como meio de reunir informações e aprofundar as temáti-
cas aqui abordadas, quais sejam a formação docente e a Hermenêutica
Filosófica de Gadamer. Reuniu também algumas ideias presentes nos
trabalhos de vários autores que se debruçaram sobre as obras de Hans-

35 Professora da Unidade Acadêmica de Garanhuns da Universidade Federal Rural de Pernambu-


co UAG/UFRPE. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências da Universi-
dade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE/PPGEC. gloriacavalcanti@yahoo.com.br.
36 Professor da Unidade Acadêmica de Garanhuns da Universidade Federal Rural de Pernambuco
UAG/UFRPE. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.
lucianocavalcanti@yahoo.com.br.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
196
-Georg Gadamer, procurando ressaltar as potencialidades pedagógicas
da Hermenêutica Filosófica para a educação.

Tematizar contribuições da hermenêutica gadameriana para a for-


mação docente impõe, contudo, enfrentar questionamentos e desafios
quanto à sua plausibilidade: É possível a hermenêutica filosófica se
constituir como possibilidade metodológica para a formação docente?
Como a linguagem pode possibilitar um diálogo com significado ver-
dadeiro? Como compreender a formação docente como um processo
hermenêutico-filosófico? É sobre esses desafios e questionamentos que
concentraremos nossos esforços ao longo deste trabalho, tendo em vis-
ta cercar nosso objeto de investigação e tentar melhor compreendê-lo à
luz da perspectiva gadameriana.

No conjunto dessas discussões, o presente artigo traz à tona algumas


contribuições que a hermenêutica filosófica desenvolvida pelo filósofo
alemão Hans-Georg Gadamer pode dar ao processo de formação docen-
te e mais amplamente à educação. Para tanto, procuramos inicialmente
traçar um breve histórico sobre a hermenêutica a partir de sua origem
etimológica até chegarmos à hermenêutica filosófica de Gadamer. Em
seguida, entender a hermenêutica filosófica como uma possibilida-
de metodológica para a formação docente a partir da dialética da per-
gunta-resposta que gera o verdadeiro diálogo. E, finalmente, possíveis
aproximações entre hermenêutica e formação docente, visando a um
olhar singular dessa formação.

1. BREVE HISTÓRICO SOBRE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HANS-


GEORG GADAMER

Para entendermos as contribuições da hermenêutica para a formação


docente, procuramos inicialmente fazer uma apresentação sobre o con-
ceito de hermenêutica na concepção de Hans-Georg Gadamer. O termo

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
197
hermenêutica teve sua origem etimológica no vocábulo hermeneia que
significa a arte da interpretação. Essa palavra também está associada a
outros termos afins, como: esclarecer, declarar, anunciar, proclamar e
traduzir. Todos esses termos ou sentidos estão relacionados a uma úni-
ca e fundamental concepção, qual seja: “levar à compreensão algo por
meio de palavras” (BOLZAN, 2005, p. 20).

A hermenêutica é considerada para alguns estudiosos como uma


ciência autônoma e para outros como um ramo da filosofia. Tal discus-
são se estende em um desdobrar sem fim; o que importa para nós é que,
em quanto técnica a hermenêutica está relacionada intimamente aos
princípios, leis e métodos de interpretar tendo seu início no contexto
religioso grego como interpretação, proclamação e anunciação de tex-
tos religioso, em seguida se expandindo para os diversos outros tipos
de textos.

De acordo com Palmer (1989), a hermenêutica foi amplamente utili-


zada no âmbito da teologia cristã como recurso para tradução da Reve-
lação. Também era considerada um recurso de interpretação da Bíblia,
enquanto comentário e como recurso para o anúncio da Palavra. Atual-
mente, a hermenêutica é considerada por muitos como resultado do
grande processo transformador ocorrido na modernidade.

O filósofo Hans-Georg Gadamer (1900-2002), que foi o principal re-


presentante da corrente hermenêutica relacionada a finitude humana
na sua historicidade, procurou através de suas produções desenvolver
uma tentativa de interpretação do ser humano histórico desde sua ma-
nifestação na linguagem (comunicação). Essa comunicação oportuniza
o encontro dialógico do ser consigo e com o outro, revelando uma for-
ma básica de experiência humana. Isso nos faz lembrar a famosa frase
de Gadamer (1999) que sistematiza o seu pensamento sobre a lingua-
gem: “Ser que pode ser compreendido é linguagem”.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
198
Como consequência de estudos realizados sobre hermenêutica, iden-
tificamos algumas correntes de pensamentos: Hermenêutica Filológica -
que considera a hermenêutica como interpretação do sentido autêntico
de textos antigos; Hermenêutica Religiosa - que considera a hermenêuti-
ca destinada à interpretação da Bíblia, e a Hermenêutica Filosófica - que
considera a hermenêutica destinada à interpretação do ser, da verdade,
da diversidade de verdade entre o entendimento de cada ser.

Gadamer adota a hermenêutica filosófica como princípio para sua


vida e define a filosofia como uma arte de compreender. ‘Significa que
eu posso pensar e ponderar o que o outro pensa’ (GADAMER, 2000, p.
23). Na hermenêutica filosófica Gadameriana, o ser humano é um ser
em formação, suscetível às suas experiências e aos seus diálogos. Ele
valoriza o caráter histórico-cultural do ser humano e a possibilidade
de interpretar além da verdade, mesclando o objetivo com o subjetivo.
(SANTOS, 2015).

Segundo Gadamer (2000), só é possível aprender através do diálogo.


Nas suas palavras, “a arte de perguntar é a arte de continuar perguntan-
do: isso significa porém que a arte de pensar chama-se dialética, porque
é a arte de conduzir uma autêntica conversação”. (Gadamer, 2007b, p.
479, in Alves, 2011).

2. A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA COMO UMA POSSIBILIDADE


METODOLÓGICA PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

A linguagem humana está no alicerce da hermenêutica filosófica


e também é objeto de estudo de várias ciências como a linguística, a
psicologia, a antropologia, etc. A hermenêutica de Gadamer ampara-se
na universalidade da linguagem enquanto pergunta-resposta, referin-
do-se assim à atitude dialógica da linguagem. Para Kronbauer (2011),
“isso significa que a universalidade da linguagem não está na expres-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
199
são, mas na palavra interior, na curiosidade do querer saber da pergun-
ta”.

Segundo Kronbauer (2011), o caráter hermenêutico necessita de en-


contrar-se predisposto e exposto à opinião do outro, da obra, do texto,
da realidade, que chegam a nós na forma de linguagem. Na configura-
ção de linguagem, as subjetividades se constituem e reconstituem e ca-
racterizam o ‘ser no mundo’. Por isso, o diálogo é o modo de conduzir-se
na interpretação e na busca de conhecimento de si próprio e do outro.

Na compreensão de Gadamer (1999), o diálogo pressupõe a escuta, o


‘ouvir-se uns aos outros’, enquanto arte de perguntar-responder, pres-
supõe também o perguntar autêntico, onde quem pergunta se coloca
na posição aberta à imprevisibilidade da resposta. Nesse sentido, pode-
mos compreender que apenas aquele que têm perguntas pode chegar
a um certo saber, daí podermos dizer que na pergunta está a gênese da
resposta, para tanto há necessidade de se fazer a boa pergunta, a per-
gunta certa, “pois a pergunta mal feita impossibilita as respostas e traz
à tona a incapacidade para o diálogo” (ALMEIDA, 2002, p. 176).

Dessa forma, a hermenêutica enquanto uma possibilidade metodo-


lógica não pode determinar objetivos a serem perseguidos pelos indi-
víduos que dialogam, nem tão pouco finalidades precedentes a serem
atingidas porque no verdadeiro diálogo as perguntas vão surgindo es-
pontaneamente, em forma dialética de pergunta-resposta.

2.1 A importância do diálogo na Hermenêutica

A Hermenêutica é considerada como um método interpretativo e


compreensivo das coisas humanas, pois o ser humano está em constan-
te busca de respostas às suas inquietações e dúvidas. Nessa perspectiva,
o homem se submete ao processo dialógico para aprender e compreen-
der a si mesmo e ao outro. De acordo com Gadamer (2000), o diálogo é

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
200
um excelente espaço de compreensão mútua, nele os indivíduos têm
conhecimento de suas ações e das ações dos outros. Isso decorre por
meio do ‘jogo do diálogo’, onde os sujeitos buscam a espontaneidade do
perguntar e do aprender, do dizer e deixar-se dizer.

Para Gadamer (2004), existe uma diversidade de diálogos que podem


se expressar de várias formas: Diálogo Pedagógico – estabelecido pela in-
teração entre educadores e educando e direcionado para a linguagem
educacional; Diálogo Negocial – surge de um acordo em que os indiví-
duos administram seus próprios interesses, superando suas limitações
e controlando o saber ouvir; Diálogo Terapêutico – ocorre através de um
impedimento por ideias delirantes, onde o envolvido não consegue es-
tabelecer o diálogo com o outro no sentido do ouvir e corresponder à
interrogativa.

Apesar de Gadamer apresentar diversas formas de diálogos, ele tam-


bém afirma que existe na civilização científica uma incapacidade para
a conversação, ou seja, os indivíduos estão se tornando incapazes de se
comunicar com o outro, não prestam atenção nos sentidos das palavras
e têm uma ausência de linguagem comum.

O diálogo verdadeiro exige o desempenho dos sujeitos envolvidos que


devem estar abertos a mudanças no pensar e no agir, permitindo a ex-
posição de suas opiniões e posições científicas, políticas, culturais, re-
ligiosas e filosóficas. Dessa forma, o diálogo é um fator preponderante
para a hermenêutica filosófica à medida que surge na interação com o
mundo e com o outro.

2.2 A Linguagem: solicitação ao diálogo

O diálogo se estrutura necessariamente no perguntar e no respon-


der aberto, através de um processo comunicativo e dialético, por isso o
diálogo articula-se consecutivamente com a mediação da linguagem.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
201
Na concepção de Gadamer, a linguagem é o médium universal, ou seja,
a morada, o lugar do ser e da concretização da própria compreensão.
Compreender é sempre um ato linguístico que permite meditar sobre
qualquer tema, sempre levando em consideração a opinião e o entendi-
mento do outro.

Linguagem é diálogo. Uma palavra que não chega ao outro é


morta, pois, o diálogo é com o outro, e cada palavra necessita
no momento concreto o tom correto e irrepetível, para que
supere a outra grade, a grade do ser diferente e que chegue
ao outro (GADAMER, apud ROHDEN, 2000, p. 174).

Gadamer apresenta três elementos fundamentais que caracterizam a


alteridade estrutural da linguagem com relação às consciências indivi-
duais e na declaração de seu caráter universal. São eles:

Auto – esquecimento – a linguagem real e efetiva desaparece por trás do


que se diz nela e tem uma estrutura que permanece inconsciente para
a linguagem viva. A linguagem é mais do que o conjunto de signos de
uma língua;

Pertencer ao âmbito do nós – a linguagem concerne ao campo do co-


letivo, pois quando chega ao eu, já está perpassada de nós. Falar o que
ninguém pode entender não é falar, porque a linguagem tem que ter
sentido para o outro, sem isso não é linguagem;

Universalidade da linguagem – a linguagem não tem fim, ela avança


sempre e incansavelmente. A universalidade da linguagem não se esgo-
ta porque não é um todo externo ao sujeito, mas é um universal linguís-
tico onde estamos mergulhados e somos interpelados.

No entanto, é preciso ter claro que, para Gadamer, “linguagem não é,


aliás, somente a linguagem de palavras. Há a linguagem dos olhos, a lin-
guagem das mãos, mostrar e nomear, tudo isso é linguagem e confirma
que linguagem é sempre na relação de um-com-o-outro” (GADAMER,

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
202
apud ROHDEN, 2000, p. 162). Diante disso, podemos entender que nós
não apenas possuímos uma linguagem que solicita um diálogo verda-
deiro, que seja intercomunicativo, mas somos efetivamente linguagem
e nos tornamos humanos a partir dela.

3. APROXIMAÇÕES ENTRE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E A


FORMAÇÃO DOCENTE

A escolha da profissão é um acontecimento importante na vida das


pessoas e se dá num campo sócio histórico de sentidos e significados
nos quais se dão as opções e as identificações registradas nas trajetórias
dos indivíduos. Diante disso, podemos inferir que o caminho traçado
na vida pessoal e profissional é muito importante no entendimento do
sujeito-professor, bem como na compreensão dos sentidos e significa-
dos que foram sendo edificados com relação à docência.

Nessa perspectiva, podemos entender que a formação docente deve


ser pensada como uma relação hermenêutica, ou seja, uma relação de
construção de sentidos e significados diante de tudo que se vive. Sobre
isso, Rozek (2013) afirma: “O texto de nossa vida, bem como todo tex-
to, pode ser objeto de múltiplas interpretações. Dar sentido ao que nos
acontece é traduzir os signos em suas múltiplas formas”.

Para que isso aconteça, a formação docente deve ser oferecida a partir
de uma proposta crítico-reflexiva que promova ao professor o desenvol-
vimento do pensamento e atitude autônomos. Ela deve ser considera-
da um investimento pessoal e profissional, ou seja, um projeto de vida,
com vista à construção de sua própria identidade profissional (NÓVOA,
1995). Segundo este mesmo autor, a formação de docentes, de maneira
geral, tem ignorado a dimensão pessoal do professor, “não compreen-
dendo que a lógica da atividade educativa nem sempre coincide com as
dinâmicas da própria formação” (NÒVOA, 1999, p. 24).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
203
Aproximar a formação docente de uma reflexão filosófica, ou seja, re-
fletir, investigar, e aprofundar a superfície do real para chegar às bases
que guiam e justificam o agir pedagógico, em muito favorecerá ao pro-
fessor a entender-se como um ser interpretativo, em busca de sentido e
compreensão da sua realidade, ou seja, um ser humano hermenêutico.

A partir das leituras realizadas, verificamos que poucas vezes Gada-


mer tratou da temática educação em suas produções. Existem apenas
três ou quatro passagens que tratam dessa questão. Em Verdade e mé-
todo, quando o mesmo comenta o conceito de formação (Bildung); ou-
tra vez, em alguns dos ensaios da série Hermenêutica em retrospectivas;
e em uma conferência intitulada Educação é educar-se. Isso significa
disser que pensar a educação à luz da hermenêutica filosófica requer,
inicialmente, um esforço de apropriação desses conceitos, para poder,
em seguida, fazer com que a hermenêutica e a educação se ponham em
diálogo.

Segundo Hermann (2002), a possibilidade compreensiva da herme-


nêutica permite que a educação vincule o “eu” e o mundo de forma a
dar sentido àquilo que não vem só de nós mesmos, mas também re-
conhecer a verdadeira grandeza das produções culturais que abrem o
mundo e com isso enriquecer nossa própria interioridade.

A relação entre hermenêutica e educação pressupõe apreciar a posi-


ção do outro – no caso, o aluno – como alguém que necessita ter suas
capacidades e limites respeitados. “Educar é educar-se” – isso implica,
reconhecer o processo educativo como uma exposição ao risco e às fa-
lhas. Isso é novamente defendido por Hermann (2002, p. 86), quando
afirma:

A experiencia educativa, enquanto hermenêutica, exige a


exposição ao risco, às situações abertas e inesperadas, coin-
cidindo com a impossibilidade de assegurar a tais práticas

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
204
educativas uma estrutura estável, que garanta o êxito da
ação interventiva.

Certamente isso implica exercer o diálogo como um importante espa-


ço de compreensão mútua, onde os indivíduos envolvidos tornam visí-
vel os vínculos entre aprender, compreender e dialogar. Para Gadamer
(1999), o diálogo possui uma força transformadora que deixa algo em
nós e no outro com quem dialogamos.

O que até desenvolvemos, visando à aproximação com os referenciais


teóricos da hermenêutica filosófica, permite-nos melhor compreen-
der a formação docente e seus desdobramentos nas relações entre os
indivíduos. Entender a formação de professores como uma reflexão da
prática humana e social dos homens, que não se resume apenas na apli-
cação mecânica de métodos e técnicas de ensino, mas pressupõe uma
outra forma de conhecer a realidade humana, ou seja, compreender
que as relações entre professores e alunos e o fazer pedagógico revelam
um modelo de racionalidade.

Segundo Rozek (2013), a formação docente deve compreender a traje-


tória, o percurso e o processo de desenvolvimento do sujeito-professor
e a construção de sua identidade. Portanto, a aproximação entre a her-
menêutica e a formação docente pode possibilitar uma experiência de
auto esclarecimento e auto confronto do ser professor em seu caminho
de formação pessoal, acadêmica e profissional, pois a mesma trata de
um processo de interpretação da própria experiência como um ato de
construção de sentido sobre si mesmo e o outro.

Fazer da formação docente uma experiência hermenêutica significa


estar disposto a lançar-se a horizontes desconhecidos, expor-se ao ines-
perado com seus riscos e inseguranças. No entanto, o professor será ca-
paz de sentir a força transformadora provocada na experiência dessa
formação e perceber-se como um professor-pesquisador.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
205
Para Miranda (2012), a formação na perspectiva hermenêutica está
diretamente conjugada à construção do professor-pesquisador, que
envolve uma consistente formação teórica e prática que deve possibi-
litar refletir os problemas educacionais, estabelecendo relações sociais,
culturais, políticas, econômicas e filosóficas, no sentido de entender as
diversas racionalidades do fazer e agir pedagógico.

No meio educacional, entende-se que a formação docente pode ser


pensada como uma relação hermenêutica, ou seja, uma relação de
produção de sentidos. Construímos sentidos e significados no que vi-
vemos; dessa forma, o texto de nossa vida pessoal e profissional, pode
ser objeto de muitas interpretações. Na perspectiva de Veiga (2006), a
formação, por estar vinculada à história de vida dos sujeitos envolvi-
dos, por estar em permanente construção e transformação, portanto,
jamais estará pronta e concluída.

Considerando tais pontos, podemos concluir que a formação de pro-


fessor não pode se caracterizar simplesmente pelo acúmulo de cursos,
técnicas e conhecimentos, mas por uma reflexão crítica sobre a teoria
e prática construída e reconstruída diariamente em seu cotidiano. Por
isso, cada indivíduo, mesmo passando pelos mesmos cursos, aprenden-
do as mesmas técnicas e construindo os mesmos conhecimentos, vi-
vem a experiência de ser professor de forma única e singular.

O professor como um ser interpretativo das relações educacionais e


conhecedor dos sentidos e compreensões humanas, deve ser conside-
rado um ser hermenêutico, um mediador, uma pessoa que necessita
aprender a arte de decifrar significados e interpretar a realidade, por
isso mesmo de vivenciar a arte da hermenêutica filosófica.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
206
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A complexidade da formação docente, como aqui já dissemos, requer


múltiplos olhares face a teia de relações que a tecem, sejam as relações
entre sujeitos, mas também a auto compreensão que cada sujeito vai
percebendo de si mesmo sobre sua formação. Não menos importante
seria destacar a força transformadora que o contexto histórico-social
também imprime à formação docentes, onde, a propósito, vão se cons-
tituindo tais relações, sentidos e significados que vão configurando a
formação docente e, claro, a própria imagem que o sujeito-professor
constrói de si mesmo nesse processo.

Compreendê-la, pois, deve ser um exercício constante de reflexão e


interpretação. Nesse sentido, o que aqui fizemos foi, uma vez indo às
fontes da hermenêutica gadameriana e de alguns autores que se de-
bruçaram sobre a perspectiva de Gadamer quanto à ótica da educação,
identificar aportes constituintes de sua filosofia que ampliasse o enten-
dimento sobre a formação docente na sua essência e complexidade.

A Hermenêutica Filosófica desse autor abre a possibilidade de enten-


der que a formação docente deve ser um ato constante de interpretação
da própria experiência, permeada e buscada no diálogo, pela pergunta,
pela boa “pergunta-resposta” que possibilita ao sujeito interpretar-se a
partir da relação com o outro, numa construção de identidade pessoal,
mas que ao mesmo tempo expressa o que poderíamos chamar de um
identidade coletiva, uma vez que ocorrendo num processo dialógico de
aprender e compreender a si mesmo e ao outro em seus percursos, vão
constituindo sentidos e significados na ação acadêmica e profissional.

Mais do que mera técnica, esse processo de entendimento e constru-


ção da identidade docente torna-se um caminho metodológico, uma vi-
vência hermenêutica constante; daí as bases do pensamento de Gada-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
207
mer possibilitam ir indicando e estabelecendo um modo de se perceber
e de se apropriar do processo de formação docente. Acreditamos que
muito ainda se possa extrair da Hermenêutica Filosófica de Gadamer
enquanto um olhar singular sobre a formação docente, pois a amplitu-
de e complexidade que envolvem essa formação e o potencial da Her-
menêutica Filosófica abrem novas possibilidades de investigação, de
novos olhares cada vez mais singulares.

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ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
208
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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
209
Capítulo 11

Análise Hermenêutico-Jurídica do direito social à


educação na Constituição Federal de 1988
Avelino José de Lira Neto37
Maria Marly de Oliveira38

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de uma abordagem dos principais artigos


da Constituição Federal de 198839 (doravante denominada de CF./88 ou
Lei Maior), em especial de seu artigo 6°, que regulamentam o Direito
Social à Educação. A abordagem busca refletir se o Direito Social à Edu-
cação, plasmado no artigo 6° da CF./88, e em outros artigos do mesmo
diploma legal são de fato efetivados pelos diversos entes federativos.

Realizamos uma análise jurídico-social utilizando a hermenêutica


jurídica, procurando fornecer os subsídios desta segunda intervenção
(análise social). A análise jurídica objetiva a correta compreensão dos
diversos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que tra-
tam desse direito. Através da análise social, temos a possibilidade de

37 Advogado. Graduado em Direito pela Universidade dos Guararapes, pós-graduado em Direito


Público, Constitucional, Administrativo e Tributário pela Faculdade Estácio de Sá, Aluno especial
do Mestrado em Educação da Universidade de Pernambuco-UPE. avelinoacademico@hotmail.com
38 PhD em Educação. Professora Sênior e do Quadro Permanente do PPGEC-UFRPE.
marly@academiadeprojetos.com.br
39 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o trans-
porte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistên-
cia aos desamparados, na forma desta Constituição.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
210
demonstrar o caráter transformador da educação problematizadora
que segundo Paulo Freire tem o sujeito social como horizonte formati-
vo. Logo, além do “binômio efetividade e análise jurídico-social”, tam-
bém é objeto de estudo a busca da justiça social em nossa República Fe-
derativa a qual se constitui em um Estado Democrático e de Direito 40.

No decorrer deste trabalho abordamos a percepção doutrinária relati-


va aos conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito, no sentido
de subsidiar o “educador-educando” para correta superação das situa-
ções limites quanto à justiça social.

A vivência profissional dos “educadores-educandos” (professores)


possivelmente já os colocou diante de situações nas quais se pergun-
tam “a real mensagem” (Mens Legis, O Espirito da Lei) que o texto nor-
mativo tenta regulamentar. A título exemplificativo temos as recentes
discussões sobre o direito que alunos têm de filmar professores em sala
de aula e o direito (prerrogativa) da Liberdade de Cátedra, pode até soar
estranho ao ler que “os alunos têm direito de filmar professores em sala
de aula”. Ocorre que tal ato não viola, a priori,41 a prerrogativa da Liber-
dade de Cátedra, o que não poderá ocorrer é a divulgação do conteúdo
audiovisual, com finalidade lucrativa, sob pena de violação ao direito
de imagem ou ao direito autoral (artigo 184 do Código Penal)42.

40 A separação “democrático e de direito foi proposital a bem de enfatizar os dois “elementos” ju-
rídicos. No texto original da CF./88 temos: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Demo-
crático de Direito e tem como fundamentos:
41 Fizemos esta ressalva para lembrar que não poderá o aluno realizar a filmagem com a finali-
dade de persuadir ou inibir o docente no ministério de suas opiniões, ainda que pessoais, sobre o
objeto de estudo em sala de aula. Relembramos que em um Estado democrático de direito nenhum
direito é absoluto.
42 Violação de direito autoral Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos Pena – detenção,
de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com
intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação,
execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do pro-
dutor, conforme o caso, ou de quem os represente Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Sobre o dolo especifico de finalidade lucrativa sugerimos a leitura da seguinte matéria https://www.
conjur.com.br/2018-jan-16/violacao-direito-autoral-ocorre-quando-intencao-lucro

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
211
Daí porque é necessário um estudo interdisciplinar entre a Ciência
Jurídica, em especial a Hermenêutica Jurídica, e a Pedagogia, a bem de
subsidiar professores, alunos e demais leitores sobre o tema em tela.

1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

Não sendo o objetivo deste trabalho estabelecer uma dialogicida-


de sobre os diversos conceitos que a doutrina apresenta para a noção
de Constituição, optamos em definir a Constituição como sendo a Lei
Maior ou Lei Suprema de um Estado; essa supremacia é, segundo o emi-
nente professor Ivo Dantas, assegurada pelo Controle de Constitucio-
nalidade43.

Nesse sentido, o constitucionalista pernambucano informa que as


leis (lato sensu) contrárias ao texto constitucional devem ser “retira-
das” do ordenamento jurídico por meio do controle de constituciona-
lidade que em nosso caso realizado pelo Supremo Tribunal Federal. Na
mesma linha de raciocínio, Baracho (1984, p. 3) nos diz:

O controle de constitucionalidade das leis, que tem sido


alvo de diversas pesquisas que procuram situar os preceden-
tes históricos desse instituto, representa grande passo na
evolução do constitucionalismo moderno, sendo corolário
da supremacia constitucional, fundamento para defesa da
constituição. (BARACHO, p. 3 ,1984).

2. ESTADO DEMOCRÁTICO E ESTADO DE DIREITO

A nossa Constituição Federal de 1988 versa em seu artigo 1°:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

43 DANTAS, Ivo. Instituições de Direito Constitucional brasileiro. Vol. I. Curitiba: Juruá, 1999,
p. 172.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
212
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:

I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce


por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos ter-
mos desta Constituição.

Percebemos que o Poder Constituinte Originário consagrou dois prin-


cípios: o primeiro, de Estado Democrático que aborda a ideia de que o
Poder é do povo tendo no sufrágio universal o direito de votar e ser vo-
tado; O segundo, de Estado de Direito, faz referência à submissão dos
Poderes Constituintes e Constituídos ao regramento da CF./88.

3. A EFETIVIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO, O MÍNIMO EXISTENCIAL


E A RESERVA DO POSSÍVEL

Em síntese, podemos conceituar o Direito Social à Educação como


sendo “um bem” que exige uma prestação positiva do Estado para a
redução das desigualdades sociais, busca-se uma igualdade material
entre as pessoas. O surgimento dessa espécie de Direito Fundamental
(Direito Social)44 ocorreu por não ter a igualdade formal, estabelecida
pelos Direitos de Primeira Dimensão, sido suficiente para assegurar
uma evolução homogênea da sociedade. Trazemos então os ensina-
mentos de Uadi Lammêgo:

44 Há autores que preferem a denominação Geração dos Direitos Fundamentais, ocorre que o em-
prego deste vocábulo pode levar o leitor a falsa consideração de que as gerações conseguintes afastam
as que lhe antecederam. Por isso, utilizamos a expressão “dimensão” a qual permite refletir que as
dimensões posteriores somam-se as que lhe antecedem.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
213
Estas prestações qualificam-se como positivas porque reve-
lam um fazer por parte dos órgãos do Estado, que têm a in-
cumbência de realizar serviços para concretizar os direitos
sociais, [...] beneficiar os hipossuficientes, assegurando-lhes
situação de vantagem, direta ou indireta, a partir da realiza-
ção da igualdade real. (BULOS, p. 789, 2011).

Antes de chegarmos à efetividade, salientamos que a doutrina pátria


não é uniforme ao estabelecer o direito à educação como sendo uma
norma de eficácia plena, contida ou limitada45. No entanto, o direito so-
cial à educação é um direito fundamental46 e, em nosso entendimento,
um direito protegido pela “proteção de imutabilidade”. Portanto, está
protegido pela cláusula pétrea (art. 60°§4, inciso IV da CF./88)47, na
medida em que adotamos uma interpretação hermenêutica e extensi-
va para o comando normativo deste artigo e da noção de Estado Social
da República Federativa do Brasil. Tal posicionamento é sustentado no
princípio da proibição, do retrocesso social, que impede a supressão ou
restrição do Direito Social, que é reconhecido como Direito Fundamen-

45 A classificação acima exposta é a do constitucionalista José Afonso Silva, existem na Doutrina


pátria diversas classificações.Contudo, o presente trabalho não tem por objetivo tratar sobre este
tema (classificação das normas quanto a sua eficácia). Logo, a classificação do eminente professor
José Afonso Silva é suficiente para a correta compreensão do trabalho. Fizemos a ressalva porque
se consideramos o comando do artigo 214 da CF./88 poderia se considerar, em tese, o Direito à
educação como sendo norma de eficácia limitada. Neste sentido leciona José Afonso :“[...] Por re-
gra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de
eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e so-
ciais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que men-
cionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabili-
dade indireta, mas são tão jurídicas como as outras que exercem relevante função, porque, quanto
mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e
do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das
normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p .115). Sobre a classificação do direito
social à educação como norma de eficácia plena http://www.stf.jus.br/portal/processo/verPro-
cessoTexto.asp?id=2779517&tipoApp=RTF
46 Analisando-se o disposto no Título II da CF./88º os direitos fundamentais são gêneros, cujas
espécies são os direitos individuais, direitos coletivos, direitos sociais, direitos nacionais e direitos
políticos. Desta forma, em uma interpretação sistemática, podemos concluir que o direito à educa-
ção por garantir uma vida digna seria protegido pela limitação das cláusulas pétreas.
47 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta(...) § 4º Não será objeto de de-
liberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto,
secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
214
tal. Ademais, o rol do artigo 5° da CF./88, segundo o STF, não é exausti-
vo, ou seja, outros direitos e garantias Individuais estão consagrados na
Lei Maior, em outros dispositivos.

Somando-se aos dois argumentos anteriores, o direito social à edu-


cação se encontra, também, sujeito ao regramento do artigo 5° §1 da
CF./8848, tal dispositivo atribui aplicação imediata às normas definido-
ras dos direitos e garantias fundamentais devendo, por isso, ser outor-
gado da máxima efetividade e eficácia possível.49A distinção entre eficá-
cia e efetividade é estabelecida nesta brilhante lição:

Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fi-


xados como metas. Tratando-se de normas jurídicas, a eficá-
cia consiste na capacidade de atingir os objetivos nela tradu-
zidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames
jurídicos objetivados pelo legislador. […] O alcance dos obje-
tivos da norma constitui a efetividade. […] Uma norma pode
ter eficácia jurídica sem ser socialmente eficaz, isto é, pode
gerar efeitos jurídicos, como, por exemplo, o de revogar nor-
mas anteriores, e não ser efetivamente cumprida no plano
social. (SILVA, p. 66, 2001).

Em que pese a existência de posicionamentos divergentes, neste es-


tudo entendemos que o direito social à educação é um direito sujeito
ao regramento do artigo 60°§4 e uma norma constitucional de eficácia
plena. Salientamos que tal norma atua em sua dimensão positiva e ne-
gativa. Pela primeira, exige-se um caráter prestacional do Estado. Pela
segunda, há o impedimento da edição de atos estatais contrários ao seu

48 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º As normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
49 Para Gomes Canotilho (2003, p. 227) [...] é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer
normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas progra-
máticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvi-
das deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
215
conteúdo, ou que lhes restrinjam o alcance sem uma correta aplicação
dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Nessa vertente le-
ciona Canotilho:

[...] a primeira cinge-se ao fato de que não necessitam de me-


diações, desenvolvimento ou concretização legislativa para
que sejam aplicados, pelo que se aplicam na ausência de lei;
e (ii) a segunda é que as leis que os contrariem são considera-
das inconstitucionais, permitindo sua aplicação ainda que
contra a lei ou em vez da lei. (Gomes Canotilho, José Joaquim;
Moreira, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada.
3ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 146-7)

É de fundamental importância que os profissionais de educação


atentem para o entendimento exposto no parágrafo acima. Ressaltamos
que o Princípio da Aplicabilidade Imediata do artigo 5° §1 da CF./88
é dotado dos seguintes pressupostos: 1. Independente da edição de
leis infraconstitucionais, ele (o princípio da aplicabilidade Imediata)
confere aplicabilidade direta aos direitos e garantias fundamentais; 2.
Impõe: ao Poder Legiferante a obrigação de editar leis compatíveis com
o disposto do catálogo dos direitos fundamentais; e ao intérprete (ope-
rador do direito) à obrigação de interpretação conforme o direito em
questão; 3. Há uma concorrência de direitos fundamentais50.

Ainda de forma insipiente, apresentamos uma análise superficial do


princípio da Reserva do Possível: “a possibilidade de efetivação dos di-
reitos sociais vinculada às possibilidades financeiras do Estado, ou
seja, o Estado deve efetivar os direitos sociais, mas dentro de suas con-
dições financeiras”. Ampliamos o diálogo e percebemos que o prin-

50 Conforme dissemos na introdução do trabalho, os alunos podem filmar as aulas ou gravar em áu-
dio o seu conteúdo. Em que pese o difícil momento político-social que vivemos, o direito(prerrogativa)
da Liberdade de Cátedra não pode ser usado para ceifar outro Direito Fundamental, qual seja: da livre
manifestação do pensamento dos alunos em se opor ao que é lecionado por colegas(professores). A coe-
rência elencada acima é uma ideia na qual os direitos expressos na CF./88 devem existir em harmonia,
sem aniquilação do outro.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
216
cípio em análise não pode ser utilizado pelo Estado (ente federativo)
para o não cumprimento do direito social à educação, pois se trata o
referido direito de um Mínimo Existencial.

Percebemos que a dignidade da pessoa humana é um dos funda-


mentos da República Federativa do Brasil (art. 1°, III). Logo, que ou-
tra maneira que não a efetivação do direito à Educação seria hábil a
concretizar tal fundamento constitucional? Em que pese à falta de
uniformidade na doutrinaria, na legislação pátria e nas decisões judi-
ciais sobre o que de fato seria esse mínimo existencial, apresentamos
a lição de Ingo Wolfgang Sarlet que deixa claro ser o direito à educação
integrante do mínimo existencial:

Ao passo que – na Alemanha e segundo orientação doutri-


nária e jurisprudencial prevalente – o conteúdo essencial do
mínimo existencial encontra-se diretamente fundado no di-
reito à vida e na dignidade da pessoa humana (abrangendo,
por exemplo, prestações básicas em termos de alimentação,
vestimenta, abrigo, saúde ou os meios indispensáveis para a
sua satisfação), o assim designado mínimo sociocultural en-
contra-se fundado no princípio do Estado Social e no prin-
cípio da igualdade no que diz com o seu conteúdo material.

Do exposto a partir da experiência germânica – que, à evi-


dência, não é a única e também não é isenta de possíveis e
importantes críticas, mas que seguramente, em termos de
repercussão sobre o direito comparado, certamente é a mais
relevante – resultam já pelo menos duas constatações de re-
levo e que acabaram por influenciar significativamente os
desenvolvimentos subsequentes.

A primeira diz com o próprio conteúdo do assim designado


mínimo existencial, que NÃO pode ser confundido com o que
se tem chamado de mínimo vital ou um mínimo de sobrevi-
vência, de vez que este último diz com a garantia da vida hu-
mana, sem necessariamente abranger as condições para uma

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
217
sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma
vida com certa qualidade. Não deixar alguém sucumbir à
fome certamente é o primeiro passo em termos da garantia
de um mínimo existencial, mas não é – e muitas vezes não
o é sequer de longe – o suficiente. Tal interpretação do con-
teúdo do mínimo existencial (conjunto de garantias materiais
para uma vida condigna) é a que tem – a despeito de diver-
gências sobre a extensão do conteúdo da garantia – prevale-
cido não apenas na Alemanha, mas também na doutrina e
jurisprudência constitucional comparada, notadamente no
plano europeu, como dá conta, em caráter ilustrativo, a re-
cente contribuição do Tribunal Constitucional de Portugal
na matéria, ao reconhecer tanto um direito negativo quanto
um direito positivo a um mínimo de sobrevivência condig-
na, como algo que o Estado não apenas não pode subtrair ao
indivíduo, mas também como algo que o Estado deve positi-
vamente assegurar, mediante prestações de natureza mate-
rial. (grifo nosso).

Corroborando o entendimento de não ser possível ao Estado alegar a


Reserva do Possível para a deixar de efetivar os direitos fundamentais(-
sociais), em especial o direito à educação, apresentamos a lição do pro-
fessor Dirley da Cunha Júnior:

Em suma, nem a reserva do possível nem a reserva de com-


petência orçamentária do legislador podem ser invocados
como óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento e à
efetivação de direitos sociais originários a prestações. Por
conseguinte, insistimos, mais uma vez, na linha da posição
defendida por este trabalho, que a efetividade dos direitos
sociais – notadamente daqueles mais diretamente ligados
à vida e à integridade física da pessoa – não pode depender
da viabilidade orçamentária. [...] Nesse contexto, a reserva
do possível só se justifica na medida em que o Estado garan-
ta a existência digna de todos. Fora desse quadro, tem-se a
desconstrução do Estado Constitucional de Direito, com a
total frustração das legítimas expectativas da sociedade”
(CUNHA JUNIOR, p. 349-395, 2008).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
218
4. ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA INTERATIVA NA
INTERPRETAÇÃO DOS TEXTOS NORMATIVOS

Conforme observamos, o direito social à educação é fundamental. O


Estado é obrigado a agir para garantir um mínimo existencial que tu-
tele esse direito público subjetivo51. Para a melhor superação das situa-
ções limites que nos são impostas no dia a dia, como professores, ne-
cessitamos conhecer, principalmente, os dispositivos constitucionais
que versam sobre o referido direito para que possamos exigir do Esta-
do uma educação inclusiva e principalmente libertadora. Nesse trilho,
passamos a apresentar52, mais adiante, a interpretação que a doutrina
pátria e os Tribunais têm realizado acerca do direito social à educação.
Antes de iniciarmos a análise de tais dispositivos, conceituaremos a
hermenêutica jurídica53 e apresentaremos como a AHDI pode ser um
instrumento eficaz na análise dos textos normativos.

A hermenêutica visa à construção de um elo fundamental entre a abs-


tração (generalidade) da norma jurídica e as particularidades do caso
concreto (caso real). O intérprete tem que superar a interpretação pri-
mária para que possa aplicar uma norma positiva em um “caso real”,
esse processo de interpretação pode ser instrumentalizado pela análise
hermenêutica dialética interativa. Tal tipo de análise elimina ao máxi-
mo a subjetividade, permitindo que o pesquisador faça uma real inter-
pretação do texto normativo, tendo um aprofundamento teórico com

51 “o direito objetivo é o conjunto das regras jurídicas; direito subjetivo é o meio de satisfazer
interesses humanos (hominum causa omne jus constitutum sit). O segundo deriva do primeiro”
(MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 36ª ed. São Paulo: Saraiva,
1999. v. I. P. 04.
52 Em face da limitação espacial do presente trabalho realizaremos uma apresentação sintética, mas
indicaremos em nota de rodapé os links para aqueles que queiram ampliar as suas pesquisas.
53 Existem, na doutrina brasileira, diversas obras sobre o tema. Para uma melhor compreensão
sugerimos a leitura do artigo publicado em https://jus.com.br/artigos/48335/hermeneutica-juri-
dica-e-interpretacao-constitucional. Vale insistir na leitura do brilhante artigo citado, pois o autor
se delonga para lecionar as “diversas formas” de interpretação.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
219
base na hermenêutica-dialética segundo Minayo (1996). Dessa forma,
teremos uma interpretação, do texto normativo, mais próximo da rea-
lidade social, econômica, política dos destinatários da norma, ou seja,
teremos uma interpretação dos textos normativos dentro de uma abor-
dagem qualitativa.

A proposta de utilização da análise hermenêutica-dialética-intera-


tiva (AHDI) no processo de interpretação dos textos normativos tem
por objetivo suplementar as já consagradas técnicas de interpretação.
Ocorre que, hodiernamente, temos uma sociedade extremamente di-
nâmica e que clama por uma real participação na vida política, social e
por que não jurídica do Estado. Logo, a aplicação da AHDI no processo
de interpretação dos textos normativos solucionará esse clamor social
de forma qualitativa. Os operadores do direito podem achar estranha
a utilização da análise hermenêutica-dialética-interativa no processo
de interpretação, contudo, se observamos a ideia da Sociedade Aberta
de Intérpretes proposta por Häberle, percebemos que a AHDI apresenta
o instrumento necessário para concretização de tal pensamento. Veja-
mos o que afirma Häberle (1997, p.15)54:

Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma


e que vive com este contexto, é, indireta ou, até mesmo dire-
tamente, um interprete da norma. O destinatário da norma
é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor
tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são
apenas os interpretes jurídicos da Constituição que vivem a
norma, não detêm eles o monopólio da interpretação.

Logo, se todo o destinatário da norma é também um intérprete dela,


verificamos que AHDI nos permite uma interpretação focada na pers-
pectiva a quem se destina o texto normativo. Trata-se, portanto, de

54 Para um aprofundamento do pensamento de Harberle: https://jus.com.br/artigos/59017/in-


terpretacao-constitucional

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
220
uma interpretação do texto relacionado ao contexto social, e assim
procedendo nesse estudo temos uma real efetivação da ideia de Estado
Democrático, visto que ao interpretar o texto normativo estabelecemos
um diálogo entre o texto e o contexto.

5. ANÁLISE HERMENÊUTICO-JURÍDICA DOS PRINCIPAIS DISPOSITIVOS


CONSTITUCIONAIS QUE TRATAM DO DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO55

Na CF./88 contamos com 56 dispositivos constitucionais, a própria


Lei Maior tratou exaustivamente do “tema” Educação, sendo a seguin-
te divisão que elucidamos em nossas pesquisas56: No artigo 206 temos
princípios orientadores; o artigo 208 assegura o dever do Estado com a
educação e sua plena efetivação; os art. 207, 209, 210 e 211 apresen-
tam-nos normas orientadoras, um Norte de observância obrigatória
que de maneira sucinta se referem à composição e maneira pela qual se
prestará o ensino.

Nos artigos 212 e 213 há uma clara preocupação do Poder Constituin-


te com a aplicação dos recursos financeiros, ou seja, a Reserva do Pos-
sível não pode violar esse mínimo a ser empenhado nos recursos des-
tinados à educação; já no artigo 214 temos uma visão prospectiva do
legislador para possibilitar que a lei acompanhe o dinamismo social.
Nesse contexto, determina a CF./88 que seja estabelecido um Plano Na-
cional de Educação para que haja uma integração entre os diversos en-
tes federativos visando definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias
de implementação. Perfilhamos com entendimento de Ingo Wolfgang

55 Os julgados realizados pelo STF podem ser obtidos em http://www.stf.jus.br/portal/consti-


tuicao/, neste trabalho transcreveremos alguns e faremos comentários para tentar esclarecer os
julgados.
56 Tomamos por base a análise do julgamento na acao-cautelar-ac-2922-RS-stf https://stf.jus-
brasil.com.br/jurisprudencia/22924787/medida-cautelar-na-acao-cautelar-ac-2922-rs-stf. Su-
gerimos a leitura do julgado por ser elucidativa e permitir compreender que o Direito Constante
no artigo 208 inciso IV da CF./88 é norma de eficácia plena.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
221
Sarlet57 que leciona ser o direito social à educação uma norma constitu-
cional dotada de plena eficácia.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimenta-


ção, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(Redação da EC 90/2015), (grifo nosso).

O artigo 6° da CF./88 assegura os Direitos Sociais, os quais são espé-


cie do gênero Direita Fundamental. Assim sendo, conforme já informa-
mos, o direito social à educação está garantido como cláusula pétrea
(art. 60 §4, inciso IV), pois está intimamente ligada ao direito à vida
digna. Salientamos, também, que o referido direito tem aplicação ime-
diata consoante o que dispõe o artigo 5°§1 da CF./88. Reforçamos que a
interpretação fechada, puramente gramatical do artigo 60 §4 da CF./88,
deve ser afastada. Devemos adotar uma interpretação sistemática que
garanta a Lei Maior uma máxima eficácia social58.

No alcance de uma proposta interdisciplinar, apresentaremos a dife-


renciação entre as competências legislativas e as competências admi-
nistrativas.

57 http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/
artigos/edicao024/ ingo_mariana.html no dia 23/12/2018 às 10h31min.
58 Nesta linha de raciocínio temos Ingo Wolfgang Sarlet: “Todas estas considerações revelam que
apenas por meio de uma interpretação sistemática se poderá encontrar uma resposta satisfató-
ria no que concerne ao problema da abrangência do art. 60, § 4º, inc. IV, da CF. Que uma exegese
cingida à expressão literal do referido dispositivo constitucional não pode prevalecer parece ser
evidente (...) não há como negligenciar o fato de que a nossa Constituição consagra a ideia de que
constituímos um Estado democrático social de Direito, o que transparece claramente em boa parte
dos princípios fundamentais, especialmente no art. 1º, incs. I, III, e art. 3º, incs. I III e V. Com base
nestas breves considerações, verifica-se, desde já, a íntima vinculação dos direitos fundamentais
sociais com a concepção de Estado na nossa Constituição. Não resta qualquer dúvida de que o prin-
cípio do Estado Social, bem como os direitos fundamentais sociais, integram os elementos essenciais,
isto é, a identidade de nossa Constituição, razão pela qual já se sustentou que os direitos sociais (assim
como os princípios fundamentais) poderiam ser considerados — mesmo não estando expressamente
previstos no rol das „cláusulas pétreas‟ — autênticos limites materiais implícitos à reforma cons-
titucional (...)”.SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed., rev., atual. e
ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.p. 403-4. (grifamos).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
222
As competências legislativas são: 1. Concorrentes (art. 24 da CF./88)
sendo “sujeito ativo” os seguintes entes federativos: União, Estados e Dis-
trito Federal.59; 2. Privativas (art.22 da CF./88) tendo por sujeito ativo a
União.

As competências administrativas são: 1. Exclusivas (art. 21 da CF./88)


tendo por sujeito ativo a União; 2. Comum tendo por sujeitos ativos
União, Estados e Distrito Federal e os Munícipios.

Percebemos que a maior esfera administrativa (União) é quem detém


a competência para legislar sobre “diretrizes e bases da educação na-
cional”. O trabalho legislativo é realizado pelo Congresso Nacional (CN).
Nesse sentido, temos a Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Dessa forma, se outro ente federativo invadir a competência legisla-


tiva da União, estaremos diante de um caso de inconstitucionalidade,
sendo passível o Controle de Constitucionalidade para garantia da supre-
macia da Constituição Federal. Vejamos um caso60 em que o estado de
Roraima violou a dicção do artigo 22 inciso XXIV :

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

Reconhecimento de diplomas de pós-graduação stricto sen-


su expedidos por instituições de ensino superior dos esta-
dos do MERCOSUL. Lei roraimense 748/2009. (...). A inter-
nalização de títulos acadêmicos de mestrado e doutorado
expedidos por instituições de ensino superior estrangeiras
há de ter tratamento uniforme em todo o Estado brasileiro, de-
vendo ser regulamentada por normas de caráter nacional. A
Lei roraimense 748/2009 macula-se por inconstitucionalida-

59 Quando fizer as vezes de Estado, pois o DF “acumula” as funções de Estado e Municípios.


60 Pesquisa realizada no site de http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/. Esta e as demais te-
rão por fonte de pesquisa o site citado, quando for outra a fonte citaremos a mesma.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
223
de formal, pela usurpação de competência privativa da União
para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art.
22, XXIV, da Constituição da República). A União estabeleceu
os requisitos para a validação de títulos de pós-graduação
stricto sensu emitidos por instituições de ensino superior
de Portugal e dos Estados do MERCOSUL no art. 48 da Lei
9.394/1996, no Decreto 5.518/2005, no Decreto Legislativo
800/2003 e na Resolução 3/2011 da Câmara de Educação
Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE/CES) do
Ministério da Educação. [ADI 4.720, rel. min. Cármen Lúcia,
j. 30-6-2017, P, DJE de 23-8-2017.] (grifo nosso).

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do


Distrito Federal e dos Municípios:

V - Proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à


ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação. (grifamos).

O direito em tela (art.23, V da CF./88) não se restringe tão somente ao


fornecimento de educação nas escolas, ele tem caráter amplo, pluris-
significativo. Logo, verificamos o controle de constitucionalidade reali-
zado para assegurar o direito de meia entrada dos estudantes em casas
de diversão, esporte, cultura e lazer e congêneres.

Controle concentrado de constitucionalidade:

Lei 7.844/1992 do Estado de São Paulo. Meia entrada asse-


gurada aos estudantes regularmente matriculados em es-
tabelecimentos de ensino. Ingresso em casas de diversão,
esporte, cultura e lazer. (...) Se de um lado a Constituição
assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a
adoção de todas as providências tendentes a garantir o efe-
tivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto
(arts. 23, V; 205; 208; 215; e 217, § 3º, da Constituição). Na
composição entre esses princípios e regras há de ser preser-
vado o interesse da coletividade, interesse público primário.
O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer são meios

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
224
de complementar a formação dos estudantes. [ADI 1.950,
rel. min. Eros Grau, j. 3-11-2005, P, DJ de 2-6-2006.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal


legislar concorrentemente sobre:

IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia,


pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Visando ao cumprimento do pacto federativo, a Lei Maior estabele-


ce uma competência legislativa para os demais entes federados, ocorre
que a União edita normas de caráter geral ficando a peculiaridades das
demais esferas administrativas a cargo de cada ente. Então, vajamos al-
guns julgados:

Competência concorrente entre a União, que define as nor-


mas gerais, e os entes estaduais e Distrito Federal, que fixam
as especificidades, os modos e meios de cumprir o quanto
estabelecido no art. 24, IX, da Constituição da República, ou
seja, para legislar sobre educação. O art. 22, XXIV, da Cons-
tituição da República enfatiza a competência privativa do
legislador nacional para definir as diretrizes e bases da edu-
cação nacional, deixando as singularidades no âmbito de
competência dos Estados e do Distrito Federal.[ADI 3.669,
rel. min. Cármen Lúcia, j. 18-6-2007, P, DJ de 29-6-2007.

Mostraremos a seguir uma lei estadual que a princípio pode ser inter-
pretada como inconstitucional. Contudo, o STF entendeu que há con-
formidade com o texto da Lei Maior nos seguintes termos:

A competência legislativa do Estado-membro para dispor


sobre educação e ensino (CRFB, art. 24, IX) autoriza a fixação,
por lei local, do número máximo de alunos em sala de aula, no
afã de viabilizar o adequado aproveitamento dos estudan-
tes. O limite máximo de alunos em sala de aula não ostenta
natureza de norma geral, uma vez que dependente das cir-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
225
cunstâncias peculiares a cada ente da federação, tais como o
número de escolas colocadas à disposição da comunidade, a
oferta de vagas para o ensino, o quantitativo de crianças em
idade escolar para o nível fundamental e médio, o número
de professores em oferta na região, além de aspectos ligados
ao desenvolvimento tecnológico nas áreas de educação e en-
sino.[ADI 4.060, rel. min. Luiz Fux, j. 25-2-2015, P, DJE de
4-5-2015.]

Art. 30. Compete aos Municípios:

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União


e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fun-
damental;

Considerando a insuficiência de recursos de alguns municípios, a Lei


Maior estabeleceu uma cooperação não apenas técnica mas também fi-
nanceira para a efetivação do direito fundamental e social à educação.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e


da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.

Em conformidade com o que afirmamos anteriormente, não se tra-


ta apenas de fornecer o direito à educação, mas sim de fornecê-lo com
Dignidade à pessoa humana. Ainda nessa esfera, o STF reconheceu a
obrigação do Estado tem o direito fundamental de garantir a educação
para crianças e jovens. No Nordeste, mais especificamente na Paraíba, o
Estado tenta se eximir de sua responsabilidade alegando falta de dispo-
nibilidade financeira. Ora, já analisamos em momentos anteriores que
o ente federativo não pode, a priori, alegar falta de recursos para não

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
226
cumprir um direito fundamental. A votação foi unânime em desfavor
do Estado da Paraíba61.

Ação civil pública. Implementação de políticas públicas.


Obrigação de fazer: reforma de escola em situação precária.
Possibilidade.[RE 850.215 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j.
7-4-2015, 2ª T, DJE de 29-4-2015.]

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios:

I - Igualdade de condições para o acesso e permanência na


escola;

Universidade. Transferência obrigatória de aluno. Lei


9.536/1997. A constitucionalidade do art. 1º da Lei
9.536/1997, viabilizador da transferência de alunos, pres-
supõe a observância da natureza jurídica do estabelecimen-
to educacional de origem, a congeneridade das instituições
envolvidas – de privada para privada, de pública para pública
–, mostrando-se inconstitucional interpretação que resul-
te na mesclagem – de privada para pública. [ADI 3.324, rel.
min. Marco Aurélio, j. 16-12-2004, P, DJ de 5-8-2005.]= AI
858.241 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 10-12-2013,
2ª T, DJE de 3-2-2014

No julgamento abaixo, percebemos que o STF tem um entendimento


amplo do sentido do termo “permanecia na escola”62. Esse entendimen-
to pode ser inferido do voto do relator Sua Excelência Ministro Marco
Aurélio63. O citado artigo 1º da lei 9.536 assegura o ingresso em insti-
tuições congêneres quando o servidor vem a ser transferido para outra

61 Sugerimos a leitura da integra da decisão do STF. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina-


dor.jsp?docTP=TP&docID=8321441
62 No caso em tela o mérito era a constitucionalidade do artigo da lei 9.536/97
63 A integra do voto do relator pode ser acessada em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagi-
nador.jsp?docTP=AC&docID=363361

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
227
localidade. Em outra ocasião, a congeneridade foi reconhecida em ins-
tituições públicas ainda que de esferas distintas, tudo visando ao Prin-
cípio de Acesso ao Ensino constante da CF./88. Vejamos a ementa do
julgado:

Policial militar. Remoção ex officio. Matrícula em instituição


pública federal. Possibilidade. (...) O servidor público esta-
dual, estudante de universidade pública do Estado, removi-
do de ofício, pode ser matriculado em instituição congênere
federal, caso não haja vaga na universidade de origem.[RE
464.217 AgR, rel. min. Cezar Peluso, j. 7-8-2012, 2ª T, DJE de
20-8-2012.]

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o


pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coe-


xistência de instituições públicas e privadas de ensino;

Os princípios acima são consequência lógica de um Estado Democrá-


tico de Direito que tem por objetivo fundamental a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária com a garantia do desenvolvimento
nacional, conforme dispõe o art. 3 incisos I, II da CF./88.

IV - Gratuidade do ensino público em estabelecimentos ofi-


ciais

A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas


viola o disposto no art. 206, IV, da CF.[Súmula Vinculante
12.]

O princípio da gratuidade de ensino é assegurado inclusive por


Súmula Vinculante, cujo verbete é abaixo transcrito:

Súmula Vinculante 12:

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
228
A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas
viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal.

VII - garantia de padrão de qualidade.

O inciso “VII” é uma consequência do princípio da eficiência, quando


se trata de instituições públicas (art.37 caput da CF./88); e quando se
trata de instituições privadas de ensino vislumbra a garantia do desen-
volvimento nacional. ]

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais


da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (In-
cluído pela EC 53/2006.

A Lei 11.738/2008 passou a ser aplicável a partir de 27-4-


2011, data do julgamento de mérito desta ação direta de
inconstitucionalidade e em que declarada a constituciona-
lidade do piso dos professores da educação básica. Aplica-
ção do art. 27 da Lei 9.868/2001. Não cabe estender o prazo
de adaptação fixado pela lei nem fixar regras específicas de
reforço do custeio devido pela União. Matéria que deve ser
apresentada a tempo e modo próprios aos órgãos compe-
tentes. Correções de erros materiais. (...) Recursos de embar-
gos de declaração interpostos pelos Estados do Rio Grande
do Sul, Ceará, Santa Catarina e Mato Grosso parcialmente
acolhidos para (1) correção do erro material constante na
ementa, para que a expressão “ensino médio” seja substi-
tuída por “educação básica”, e que a ata de julgamento seja
modificada, para registrar que a “ação direta de inconsti-
tucionalidade não foi conhecida quanto aos arts. 3º e 8º da
Lei 11.738/2008, por perda superveniente de seu objeto, e,
na parte conhecida, ela foi julgada improcedente”; (2) bem
como para estabelecer que a Lei 11.738/2008 passou a ser
aplicável a partir de 27-4-2011. [ADI 4.167 ED-AgR, rel. min.
Joaquim Barbosa, j. 27-2-2013, P, DJE de 9-10-2013.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
229
A lei 11.738/2008 consagra a valorização dos profissionais de educa-
ção, visto que, não raro, os Estados pagam valores aviltantes a seus pro-
fissionais de educação. Não obstante a presunção de constitucionalida-
des das leis e atos normativos do Poder Público, os Estados descritos
na ementa propuseram uma dilação do prazo por entenderem incons-
titucionais alguns dispositivos da citada lei. Lembro-vos, em apertada
síntese, de que a presunção de constitucionalidade das leis repousa nos
Princípios: da Segurança Jurídica, da Presunção de Legitimidade e prin-
cipalmente na Independência e harmonia dos Poderes da República.
Assim, uma vez promulgada e sancionada uma lei, passa ela a desfrutar
de presunção “iuris tantum” (relativa) de constitucionalidade. Assim
vejamos o dispositivo da Lei Maior: Art. 2º São Poderes da União, inde-
pendentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário
(grifo nosso).

Sobre a presunção de constitucionalidade das leis, temos os ensina-


mentos de Kelsen:

Também é controverso se uma lei declarada inconstitucional


pela Suprema Corte deve ser considerada como nula ab initio.
Uma interpretação nesse sentido da decisão da Suprema Corte
significaria que tal decisão anula a lei de maneira geral e com
força retroativa, abolindo-se assim todos os seus efeitos ante-
riores. Dentro de um sistema de direito positivo, porém, não
existe nulidade absoluta. Não é possível caracterizar como in-
válido a priori (nulo ab initio) um ato que se apresenta como
legal. Somente a anulação de tal ato é possível; ele não é nulo,
mas anulável, eis que não é possível afirmar que um ato é nulo
sem que se responda a questão sobre quem tem competência
para estabelecer tal nulidade. Uma vez que a ordem legal – a
fim de evitar a anarquia – dá a certas autoridades o poder de
definir se um ato é nulo, tal definição tem sempre um caráter
constitutivo, e não declaratório. (KELSEN, 2003, p. 308)

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
230
E os ensinamentos de Luís Roberto Barroso:

A presunção de constitucionalidade das leis encerra, natu-


ralmente, uma presunção iuris tantum, que pode ser infir-
mada pela declaração em sentido contrário do órgão jurisdi-
cional competente (...). Em sua dimensão prática, o princípio
se traduz em duas regras de observância necessária pelo
intérprete e aplicador do direito: (a) não sendo evidente a
inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a possibilidade
de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve
o órgão competente abster-se da declaração de inconstitu-
cionalidade; (b) havendo alguma interpretação possível que
permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Cons-
tituição, em meio a outras que carreavam para ela um juí-
zo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação
legitimadora, mantendo o preceito em vigor”. (BARROSO, p.
164 – 165.1998;

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado


mediante a garantia de:

I - Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos


17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua ofer-
ta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na ida-
de própria; (Redação da EC 59/2009) (Vide EC 59/2009).

Quando analisamos o inciso acima percebemos a ideia de universa-


lização do direito à educação. Ademais, realizando uma interpretação
sistemática podemos inferir que esse inciso corrobora com a ideia ado-
tada neste trabalho de ser o direito social à educação não apenas um
Direito Fundamental, mas também um Direito protegido pela imutabi-
lidade do artigo 60º§4, inclusive dotado de plena eficácia (art.5° § 2 da
CF./88). Percebe-se que a parte final do inciso amplia o direito em tela
para outros titulares que não se enquadrem na “idade comum” de es-
colarização. Nessa senda, ao estabelecer que “assegurada inclusive sua

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
231
oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade pró-
pria”, a CF./88 consagra o entendimento da Máxima Efetividade.

Salientamos que o dever de prestar educação não se restringe à edu-


cação básica, visto que a Lei Maior não fez tal restrição. Logo, não cabe
ao Poder Legislativo editar leis que restrinjam ou dificultem o acesso
à educação superior, pois como já vimos tal Direito Social é protegido
pelo Principio da Proibição do Retrocesso social e tem a máxima eficácia
e efetividade.

II - Progressiva universalização do ensino médio gratuito;


(Redação da EC 14/1996).]

O texto original continha o seguinte comando: “progressiva exten-


são da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio”. Mesmo diante
do novo comando da Lei Maior, a lei 9. 394 de 20 de dezembro de 1996
continuava com a disposição original, ou seja, sem consagrar o ensino
médio gratuito. Nesse caso, entendemos ter havido uma revogação tá-
cita, ou seja, aquela revogação em que uma lei de hierarquia superior
regula um direito de forma diferente da anteriormente prevista.

Nesse caso, o advento da Emenda Constitucional 14/1996 não tornou


o artigo 4 nos seus incisos I e IV inconstitucional, pois o STF não admite
a inconstitucionalidade superveniente64. Com isso, a lei 12.061/09 mo-
dificou a redação original da Lei de Diretrizes Básicas da educação para
compatibilizá-la com a CF./88. Nos dias atuais, a lei 12.061/09 já foi
revogada pela lei nº 12.796, de 2013 que estabeleceu a educação básica
como gênero e como espécies: pré-escola, ensino fundamental e médio
e também assegura acesso gratuito àqueles que não concluíram o en-
sino médio em idade própria. Vejamos o teor da atual redação da lei nº

64 Sobre o tema inconstitucionalidade superveniente leia o julgado


http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfJurispru-
dencia_pt_br&idConteudo=185148&modo=cms

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
232
12.796, de 2013: “IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamen-
tal e médio para todos os que não os concluíram na idade própria”.

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino


fundamental, de maneira a assegurar formação básica co-
mum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais
e regionais.

§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui-


rá disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental.

Esse dispositivo nos permitirá analisar uma das técnicas de interpre-


tação da constituição qual seja a interpretação conforme a constitui-
ção. Nela, a hermenêutica é utilizada para dar à lei uma interpretação
que se adeque à Lei Maior. Diante da existência de normas polissêmicas,
com sentido plurissignificativo, em que ao menos um se revele consti-
tucional, deve a Corte Constitucional declarar a sua constitucionalida-
de conforme aquele sentido que se revele compatível com a CF./88.

A Corte Constitucional ao estabelecer a interpretação compatível com


a constituição afasta qualquer outra interpretação que o dispositivo
contenha. Tal interpretação è prevista na lei 9.868/99, em seu artigo
28. Ademais, a interpretação adotada pelo STF terá efeito vinculante
em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pú-
blica. Vejamos o entendimento do STF realizado no controle de consti-
tucionalidade:

O Plenário (...) julgou improcedente pedido formulado em


ação direta na qual se discute o ensino religioso nas escolas
públicas do País. Conferiu interpretação conforme à Consti-
tuição ao art. 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei 9.394/1996 (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), e ao art.
11, § 1º, do acordo Brasil-Santa Sé aprovado por meio do DL
698/2009 e promulgado por meio do Decreto 7.107/2010,

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
233
para assentar que o ensino religioso em escolas públicas
pode ter natureza confessional. Entendeu que o poder
público, observado o binômio laicidade do Estado (...) e
consagração da liberdade religiosa no seu duplo aspecto (...),
deverá atuar na regulamentação integral do cumprimento
do preceito constitucional previsto no art. 210, § 1º, da CF,
autorizando, na rede pública, em igualdade de condições, o
oferecimento de ensino confessional das diversas crenças,
mediante requisitos formais de credenciamento, de prepa-
ro, previamente fixados pelo Ministério da Educação. Dessa
maneira, será permitido aos alunos se matricularem volun-
tariamente para que possam exercer o seu direito subjetivo
ao ensino religioso como disciplina dos horários normais
das escolas públicas. O ensino deve ser ministrado por in-
tegrantes, devidamente credenciados, da confissão religiosa
do próprio aluno, a partir de chamamento público já estabe-
lecido em lei para hipóteses semelhantes (...) e, preferencial-
mente, sem qualquer ônus para o poder público.[ADI 4.439,
rel. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes, j. 27-9-2017, P, Infor-
mativo 879.]

Art. 214 - A lei estabelecerá o plano nacional de educação,


de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema
nacional de educação em regime de colaboração e definir
diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação
para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino
em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de
ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas
federativas que conduzam a: (Redação da EC 59/2009).]

O dispositivo acima faz referência ao plano nacional de educação


(PNE) que foi aprovado em 26 de junho de 2014 e terá validade de 10
anos. Esse plano estabelece diretrizes, metas e estratégias que devem re-
ger as iniciativas na área da educação. Por isso, todos os Estados e Mu-
nicípios devem elaborar planejamentos específicos para fundamentar
o alcance dos objetivos previstos, levando-se em considerando a situa-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
234
ção, as demandas e necessidades locais. O dispositivo é de fácil com-
preensão sendo elucidativa a leitura de seus incisos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, podemos inferir do conceito de Constituição que ela é a


Lei Maior de um Estado e sua supremacia é assegurada por uma corte
constitucional, que em nosso caso é o Supremo Tribunal Federal. Essa
supremacia é assegurada pelo controle de constitucionalidade das leis
e atos normativos. A efetividade do direito à educação é um poder-de-
ver do Estado não podendo este eximir-se de sua responsabilidade sob a
alegação de falta de condições financeiras (Reserva do Possível).

Ocorre que o direito à Educação além de um Direito Fundamental é


uma garantia alcançada pelo regramento do artigo 60º§4. Nessa ins-
tância, percebemos que a efetividade do direito à educação depende de
políticas públicas do Estado, podendo ser efetivada tal garantia; ou ex-
cludente quando as elites políticas optam por não consagrar (efetivar)
esse privilégio. Essa opção excludente foi percebida por Paulo Freire que
afirmou: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes
desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes
dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”.

Percebemos que a interdisciplinaridade, entre a ciência jurídica e a


pedagogia, deve ser estreitada para que possamos consagrar o princípio
do Estado Democrático. Ora, todos os atores sociais devem ser intérpre-
tes da Lei. Esse encontro, entre os atores, deve ser instrumentalizado, e
tal instrumentalização há de ser efetivada pela análise hermenêutica-
-dialética interativa (AHDI) a qual reduz o grau de subjetividade das in-
terpretações, ou no caso em tela, da hermenêutica jurídica. Muito além
de consagrar a participação dos atores sociais, a AHDI facilita o diálogo

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
235
e o revolvimento da criticidade para uma educação problematizadora e
inclusiva.

Depreendemos, ainda, que a análise hermenêutico-jurídica e a análi-


se hermenêuticas dialética-interativa trabalhadas, segundo os disposi-
tivos constitucionais, com o auxilio dos julgados do STF, permite-nos
afirmar que o direito social à educação é um poder-dever do Estado e que
constitui em meio para a consagração da dignidade da pessoa humana
e para o progresso da sociedade.

REFERÊNCIAS
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Forense, 1984.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. Rev. São Paulo:
Saraiva, 2011.

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“objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. São Paulo: Ática, 2006.

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e a reserva do possível. Leituras complementares de direito constitucional:
direitos humanos e direitos fundamentais. 3. ed. Salvador: Editora Juspodivm,
2008.

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República Portuguesa Anotada. 3.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1992.

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ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
236
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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Ver. Porto
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OLIVEIRA, M. M.. Como fazer pesquisa qualitativa. 4. ed. Petrópolis (RJ):


Vozes, 2012

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 20. ed. rev. São Paulo:
Malheiros, 2009.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
237
Capítulo 12

O potencial da Sequência Didática Interativa para


construção do conceito de modelos
Cristiane Martins da Silva65
Rafael Santos de Aquino66
Ana Maria dos Anjos Carneiro Leão67

INTRODUÇÃO

Vygotsky (1999) defendia a construção dos conhecimentos prévios


dos alunos, enquanto elementos vinculados à história sociocultural
dos indivíduos, para promover uma aprendizagem significativa através
da mediação do professor. Para que este possa melhorar sua práxis me-
diadora, ele precisa considerar que o aluno também tem conhecimen-
tos a partir de sua experiência de vida, o que pode ser o elemento inicial
para a condução da aprendizagem de conceitos científicos.

Diante de diversas correntes teórico-metodológicas que são utilizadas


e, até mesmo, desenvolvidas nos tempos atuais em prol do acompanha-

65 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC/UFRPE). Mestre em


Educação (UFMG) e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco na Unidade Acadê-
mica de Serra Talhada (UFRPE/UAST).
E-mail: cristiane.martins@ufrpe.br
66 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC/UFRPE). Mestre
em Zootecnia (UFRPE) e professor do Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IF SERTÃO-PE),
Campus Salgueiro.
E-mail: rafael.aquino@ifsertao-pe.edu.br
67 Doutora em Bioquímica. Professora do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal e do
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(PPGEC/UFRPE).
E-mail: ana.acleao@gmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
238
mento do desenvolvimento social, tecnológico e científico, apresenta-
mos a Sequência Didática Interativa (SDI) que proporciona a construção
do conhecimento a partir da interação humana em sala de aula através
da comunicação e do conhecimento prévio. Com ela é possível alcan-
çar uma realidade mais efetiva expressada e internalizada sistemati-
camente através da hermenêutica e da dialogicidade que confluem do
conhecimento prévio dos indivíduos ao exporem seus pensamentos e
reconstruírem seus significados pela partilha de informações.

A SDI é uma proposta didático-metodológico que emergiu da Meto-


dologia Interativa, desenvolvida por Oliveira (2013) e das teorias que a
sustentam como o Círculo Hermenêutico-Dialético de Guba e Lincoln
(1989) e da Análise Hermenêutica Dialética de Minayo (1996).

O trabalho se justifica pelo fato de se construir um conceito prévio


coletivo sobre modelo a partir da SDI (que está completando 19 anos
neste exercício de 2019), baseado na dialogicidade e hermenêutica que
são base da metodologia interativa. Nosso objetivo é verificar a impor-
tância da consideração dos conhecimentos prévios através da SDI para
análise da aprendizagem sobre os conceitos básicos de Modelo traba-
lhados na disciplina de “Modelos e Modelagem no Ensino de Química”,
no oitavo período da Licenciatura Plena em Química da Universidade
Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), na Unidade Acadêmica de Serra
Talhada.

1. APORTES TEÓRICOS

Para a compreensão do objeto e dos objetivos propostos neste tra-


balho, são pertinentes a apresentação e o esclarecimento dos aportes
teóricos que fundamentam a metodologia aplicada no processo de pes-
quisa educacional particularmente no Ensino de Química em relação à
disciplina de “Modelos e Modelagem no Ensino de Química.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
239
1.1 Os conceitos de Modelo para o Ensino de Química

Na ciência, um modelo pode ser compreendido como uma represen-


tação parcial de um objeto, processo, evento ou ideia de um sistema,
que é produzido com o objetivo de facilitar a visualização; fundamen-
tar a elaboração e o teste de novas ideias; e possibilitar a elaboração de
explicações e previsões sobre o comportamento do sistema modelado
(GILBERT e BOUTLER 1995).

No ensino de ciências, os modelos têm como objetivo simplificar enti-


dades complexas de forma que seja mais fácil pensar sobre as mesmas;
favorecer a comunicação de ideias; facilitar a visualização de entidades
abstratas; fundamentar a proposição e a interpretação de experimen-
tos sobre a realidade e ser um medidador entre a realidade modelada e
a teoria sobre ela (JUSTI, 2010).

Dessa forma, o uso de modelos no ensino de Química é essencial para


explicar e visualizar situações abstratas como o comportamento de
átomos e moléculas, por exemplo. Por isso, Souza e Carvalho (2018) de-
fendem que os modelos são importantes na geração de saberes, mas que
dependendo do seu uso, pode prejudicar o processo de aprendizagem,
causando concepções errôneas nos estudantes quando o docente apre-
senta os modelos como fatos e/ou miniaturas da realidade ou quando
não são acompanhados de discussões e suas limitações.

Um exemplo é que muitos alunos acreditam plenamente que as re-


presentações gráficas apresentadas no livro didático são reais. Assim,
consideram que a figura da estrutura de um átomo é uma cópia real da
realidade. Isso promove, em consequência, limitações no processo de
aprendizagem de outros conteúdos da Química.

Partindo desse princípio, é necessário que os professores tenham co-


nhecimentos sobre o assunto, apresentando aos alunos os propósitos

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
240
e limitações sobre o uso de modelos. Entretanto, Justi (2010) verificou
que a maioria dos professores e futuros professores possuem concep-
ções inadequadas sobre o assunto, compreendendo modelos como uma
“reprodução” ou “cópia” de alguma coisa, enquanto que outros assumi-
ram nunca terem pensado nisso.

Nesse sentido, faz-se necessário discutir com os professores, de forma


mais abrangente, os estudos sobre modelos. A disciplina de “Modelo e
Modelagem no Ensino de Química” no curso de Licenciatura Plena em
Química é muito importante para a formação dos futuros professores
porque os apropriam de técnicas de uso dos modelos, conhecendo o po-
tencial dessa estratégia e também considerando suas limitações para
evitar os equívocos no processo de ensino-aprendizagem.

2. METODOLOGIA INTERATIVA E A SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA


(SDI)

Segundo Oliveira (2001), a metodologia interativa é um processo me-


todológico hermenêutico-dialético que está direcionado em duas ver-
tentes: a primeira, relacionada à metodologia de pesquisa e a outra, diz
respeito ao próprio objeto de pesquisa trabalhado em sala de aula. Con-
siderando a proposta deste trabalho, o objeto de pesquisa é o resulta-
do da aplicação da SDI para levantamento do conhecimento prévio na
construção conceitual em Química.

Oliveira (2001) apresenta a metodologia interativa como fruto do seu


trabalho de doutoramento em 1999 quando propôs a aplicação da técni-
ca do Círculo Hermenêutico-Dialético (CHD) de Guba e Lincoln (1989) e
da Análise Hermenêutica-Dialética de Minayo (1996). Essa proposta se
deu pela necessidade de ultrapassar as dificuldades ao longo da coleta
e análise de dados que a metodologia interativa conseguiu suprir pela
complementariedade entre o CHD e o método da análise hermenêuti-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
241
ca dialética. Dessa forma, é importante que conheçamos os elementos
fundamentais desses aportes técnicos e metodológicos.

2.1 Círculo Hermenêutico-Dialético (CHD)

O CHD é um processo de construção e de interpretação hermenêuti-


ca de um determinado grupo onde as interpretações e reinterpretações
seguem uma via simultânea de ida e vinda dialógica dentre os indiví-
duos como bem caracterizou Oliveira, 2013. Isto posto, evidencia-se a
capacidade de construção e reconstrução do conhecimento constante-
mente durante o processo metodológico, visto que tais métodos se fun-
damentam no paradigma da epistemologia construtivista.

Essa metodologia é representada circularmente (figura 1) devido ao


seu aspecto dialógico circular, onde um determinado grupo, ao discutir
um assunto, conflui para retratação o mais próximo possível da reali-
dade68.

Já Oliveira (2001) complementa a caracterização do CHD como uma


relação constante entre o pesquisador, os entrevistados e o comitê de
pilotagem (que para nós se constitui na representação grupal para aná-
lise e síntese conceitual) constituindo um processo dialético, que su-
põe constante diálogo, críticas, análises, construções e reconstruções
coletivas.

68 Para Guba e Lincoln (1989) a realidade é construída pela construção coletiva.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
242
Figura 1

Círculo Hermenêutico-Dialético

E = entrevistado; C = construção teórica

Fonte: Guba e Lincoln (1989, p. 152)

3. ANÁLISE HERMENÊUTICA-DIALÉTICA

Esse método foi desenvolvido por Minayo (1996) como sendo o mais
capaz de dar conta de uma interpretação aproximada da realidade, pois
ao contextualizar a fala se alcança melhor entendimento a partir do
cerne interior do indivíduo imerso na especificidade histórica em que
é produzida.

O método da análise hermenêutica-dialética consiste em dois níveis


de interpretação que são o das determinações fundamentais69 e o nível

69 o nível de interpretação das determinações fundamentais se constitui como fase exploratória


de investigação considerando o contexto sócio-histórico dos grupos sociais, sendo o marco teórico
fundamental para a análise (minayo, 1996).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
243
de encontro com os fatos empíricos70; tais níveis devem se constituir
por critérios metodológicos analíticos como o ordenamento de dados
(sistematização de todos os dados recolhidos: entrevistas, documentos,
anotações de observações e sínteses), classificação dos dados (classi-
ficá-los a partir das temáticas que embasam os questionamentos que
originam os dados) e a análise final (quando é estabelecido a articula-
ção entre os dados coletados e os referenciais teóricos da pesquisa para
encontrar os fundamentos às questões e objetivos formulados).

Dessa maneira, enquanto o CHD de Guba e Lincoln propõe o levan-


tamento de dados ao mesmo tempo que se realiza sistematicamente
durante o processo, a construção e reconstrução do conhecimento, a
análise hermenêutica-dialética de Minayo age metodologicamente no
processo de análise dos dados e, portanto, a metodologia interativa
apresenta uma consistência científica muito maior ancorada nesses
dois aportes teóricos.

A sequência didática interativa (SDI) é um aporte didático-metodoló-


gico centrada na Metodologia Interativa e que, portanto, é uma forma
de aplicação didática da Metodologia Interativa e as teorias que a supor-
tam (CHD e análise hermenêutica e dialética) e foi definida por Oliveira
(2013) como:

Uma proposta didático metodológica que desenvolve uma


série de atividades, tendo como ponto de partida a aplicação
do círculo hermenêutico e dialógico para identificação dos
conceitos/definições, que subsidiam os componentes cur-
riculares (temas), e que são associados de forma interativa
com teorias de aprendizagem e/ou propostas pedagógicas e
metodológicas, visando à construção de novos conhecimen-
tos (OLIVEIRA, 2013, p. 43).

70 o nível de encontro com os fatos empíricos se baseia no encontro com os fatos surgidos duran-
te a pesquisa de campo, se constituindo no estudo da realidade (minayo, 1996).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
244
Silva e Oliveira (2016) definem a SDI como uma série de atividades di-
dáticas sequenciadas que objetiva aprofundar e construir conhecimen-
to de um determinado conteúdo através de um processo interativo que
valoriza as concepções individuais dos participantes do grupo sobre a
temática estudada.

3.1 Conhecimentos prévios

Como diversos autores tratam sobre as concepções trazidas pelos


alunos antes do contato com o conhecimento científico, é importante
antes de tudo nos posicionarmos quanto à terminologia aqui adotada,
como conhecimentos prévios, conforme Pozo (1998).

Os estudos sobre a investigação dos conhecimentos prévios dos alu-


nos tiveram seu auge por volta do início da década de 1980, seguindo
uma linhagem construtivista do conhecimento (AMARAL et al., 2017),
já que conforme Souza e Carvalho (2018) apontam para que a apren-
dizagem significativa ocorra, o estudante deve encontrar sentido no
que está sendo estudado e conseguir relacionar seus conhecimentos
prévios com novas informações. Isso possibilita que o aluno use seus
conhecimentos obtidos por suas experiências prévias para que con-
juntamente ao conhecimento científico consiga explicar melhor o que
ocorre em sua volta (OLIVEIRA, 2005).

A consideração dos conhecimentos prévios dos alunos deve ser uma


busca básica por parte do professor, já que este utiliza o seu conheci-
mento prévio para ensinar e se fazer entender como apontam Castro et
al. (2016) ao afirmarem que:

O conhecimento atual dos alunos está vinculado à concep-


ção dos professores, geralmente voltada para a formação
geral deles, com reflexo na sua adaptação à sociedade ou
para sua profissionalização, mas que consideravam os seus

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
245
conhecimentos prévios como ponto de partida para o ensino
(CASTRO et. al., 2016, p. 79).

Castro et al. (2016) ao estudarem os conhecimentos prévios de Biolo-


gia no Ensino Médio verificaram que os alunos apresentam respostas
espontâneas pautadas no finalismo71, mas que têm referências concre-
tas (objeto sensível ou visível) como apoio às suas respostas, daí os alu-
nos se servem da imaginação para explicar os fenômenos/eventos os
quais são solicitados.

Para melhor fundamentação do conhecimento prévio demonstra-se


grande preocupação ao entendimento do que é conceito e o que é defini-
ção, já que os alunos assentam suas explicações sobre tais perspectivas.

A diferença entre conceito e definição é que o conceito cien-


tífico é construído mediante operações lógicas em que o
sujeito vai decompondo traços dos eventos/objetos na sua
totalidade, considerando atributos selecionados para todo
conceito. É um processo gradual e dialético baseado em des-
cobrimento, na busca de novas informações, na construção
individual ou coletiva de respostas para problemas trazi-
dos da vida cotidiana e/ou escolar. Já a definição envolve a
memorização das propriedades dos objetos/eventos; é uma
parte do conceito abordado em sua superfície, tanto para
as propriedades gerais, como para as específicas dos obje-
tos/eventos. É um produto final apresentado geralmente no
ensino escolar. Por isso que é comum o uso de frases vazias
pelos estudantes de diferentes faixas etárias (incluindo uni-
versitários) para definir o conceito antes de este ser denomi-
nado e expresso através da linguagem (CASTRO et al., 2016,
p. 82).

Por fim, Castro et al. (2016) e Amaral et al. (2017) concordam quanto
à importância do professor se munir de metodologias que possibilitem
71 Finalismo é uma forma de pensamento (raciocínio teleológico) voltada para atender às neces-
sidades próprias dos seres vivos e para dar aos objetos características visíveis e não visíveis (CAS-
TRO, 2014, p. 26).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
246
o levantamento e análise dos conhecimentos prévios dos alunos para
que se possa suprir parte de uma lacuna não preenchida e conhecer as
dificuldades e potencialidades dos alunos, bem como adquirir melhor
condição para adaptar didáticas que proporcionem uma evolução con-
ceitual e conduzir a uma aprendizagem significativa.

4. DESENHO METODOLÓGICO

A atividade foi aplicada a 23 licenciandos, na disciplina de Modelos e


Modelagem no Ensino de Química, no oitavo período do curso de Licen-
ciatura Plena em Química da Universidade Federal Rural de Pernambu-
co (UFRPE), na Unidade Acadêmica de Serra Talhada (UAST), no segun-
do semestre de 2018.

A Sequência Didática Interativa (SDI) foi aplicada no início da discipli-


na com o intuito de verificar os conhecimentos prévios dos licencian-
dos quanto ao significado conceitual de modelos. Foram utilizadas duas
aulas de cinquenta minutos para execução da SDI conforme as etapas
descritas no quadro a seguir:

Quadro 1

Etapas da SDI para levantamento de conhecimento prévio

Etapa Sistematização Ações Objetivo didático

Materialização do
conhecimento individual
Foram entregues dos licenciandos
pequenas fichas conduzindo-os na
1ª 30 minutos para que cada aluno concentração reflexiva
indicasse o que metacognitiva sobre os
entende por modelos. conceitos objetos.
Análise e avaliação.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
247
Primeira construção
Formaram-se três conceitual dialógica,
grupos primários hermenêutica e complexa
compostos por seis pela consideração da
e sete pessoas em diversidade conceitual
média, para construção individual e exercício
2ª 30 minutos da síntese através da
de um conceito por
síntese dos conceitos avaliação sinérgica e
apresentados por cada antagônica dentre os
estudante integrante conceitos comparados e
do grupo. discutidos.
Análise e avaliação.

Segunda construção
conceitual dialógica,
Formou-se um grupo hermenêutica e complexa
secundário composto pela consideração da
por um representante diversidade conceitual
líder de cada grupo dos grupos primários e
3ª 30 minutos exercício da síntese através
primário que deveriam
sintetizar os conceitos da avaliação sinérgica
construídos por cada e antagônica dentre os
grupo primário. conceitos comparados e
discutidos.
Análise e avaliação.

Após a aplicação da SDI, foi realizado o estudo teórico do conceito com


os licenciandos em sala de aula. Essas discussões tiveram duração de
quatro semanas, nas quais foram estudados os principais referenciais
teóricos sobre o assunto no ensino de Química, a partir da leitura e tex-
tos e a realização de atividades que abordavam discussões sobre a im-
portância dos modelos para a Química, as limitações dos modelos e as
aplicações de modelos no ensino. Foram explorados ao todo, três textos
e três atividades (realizadas em grupo) que foram utilizadas como su-
porte para que os licenciandos relacionassem o conteúdo discutido nos
textos com a parte prática do conceito de modelos.

Ao final das discussões teóricas, foi aplicado um questionário com 2


questões com o intuito de analisar se houve alguma mudança nas con-
cepções de modelos dos licenciandos e sobre a opinião dos mesmos so-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
248
bre a metodologia utilizada. A análise dos dados foi realizada qualitati-
vamente, considerando as anotações individuais, do grupo primário e
do grupo de líderes, bem como o questionário individual aplicado para
a análise final.

Para isso, foram construídas categorias de análise seguindo o padrão


de categorização utilizado por Silveira et al. (2017) na qual foram ela-
boradas subcategorias teóricas (SCT) através da definição do conceito
na literatura, além de subcategorias empíricas (SCE) que foram cons-
truídas a partir das definições elaboradas pelos licenciandos. Em nossa
análise, utilizamos a definição de modelos segundo Gilbert e Boutler
(1995) exposta anteriormente nos aportes teóricos que serviu como
base para a construção da subcategoria teoria (SCT) a qual se encontra
no quadro 2, a seguir.

Quadro 2

Descrição da subcategoria teórica (SCT)

SCT Descrição

A definição apresentada pelo licenciando condiz


Resposta Satisfatória RS adequadamente com a definição estabelecida por
Gilbert e Boutler.

A definição apresentada pelo licenciando relaciona-


Resposta Regular RR se em partes com a definição estabelecida por
Gilbert e Boutler.

A definição apresentada pelo licenciando não


Resposta Insatisfatória RI condiz com a definição estabelecida por Gilbert e
Boutler.

Sem Resposta SR Não houve resposta pelo licenciando.

A subcategoria empírica (SCE), que se encontra no quadro 3, foi elabo-


rada a partir das principais definições de modelos apresentadas pelos
licenciandos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
249
Quadro 3

Descrição da subcategoria teórica (SCE)

SCE Descrição

A definição indica modelo apenas como uma


Modelo como
MR representação sem especificar o propósito da sua
representação
construção.

A definição indica modelo apenas como um


Modelo como símbolo MS símbolo, sem considerar outros tipos de
representação.

Modelo como A definição indica modelo como uma


representação utilizada ME representação elaborada com o objetivo de
para explicar o sistema explicar uma ideia.

Modelo como A definição indica modelo como uma


simplificação de uma MI representação utilizada para simplificar uma ideia
ideia complexa ou abstrata.

Modelos como
A definição indica modelo como uma
representações que ML
representação parcial de um objeto modelado.
possuem limitações

Modelos como A definição indica modelo como uma


instrumento para MV representação de fatos submicroscópicos difíceis
facilitar a visualização de serem visualizados.

A definição indica modelo como uma


Modelos como suporte representação que possibilita sustentar previsões
MP
para sustentar previsões abstratas, difíceis de serem visualizadas sem
serem modeladas.

A definição indica modelo como uma ferramenta


Modelo como
MF utilizada no ensino de química para facilitar a
ferramenta de ensino
aprendizagem.

Não apresentou uma definição condizente com o


Definição confusa DF
conceito.

Acreditamos que a associação das duas categorias possibilitará a iden-


tificação dos significados apresentados pelos licenciandos, bem como a
evolução e reconstrução dos sentidos do conceito de modelagem pelos
mesmos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
250
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na fase inicial (etapa 1) da SDI identificou-se compreensões sobre o


conceito de modelos bastante similares entre os licenciandos. O quadro
4, constituindo as subcategorias propostas apresentam as concepções
iniciais elaboradas pelos licenciandos. Devido às similaridades nas res-
postas, a maioria das definições de modelos presentes no quadro cons-
tituem mais de um licenciando que serão identificados aqui com a letra
L se referindo aos licenciandos, juntamente com o número de 1 a 23,
indicando cada um dos licenciandos.

Quadro 4

Definições individuais do conceito (etapa 1)

Licenciandos Definição de modelos SCE SCT

L5, L3, L6 Simboliza algo. MS RI

Referência para os estudos de química como


L1 MF RI
ferramenta facilitadora.

L11, L12, L13,


L14, L15, L16,
Representação de alguma coisa. MR RI
L17, L18, L19,
L20

Objeto ou representação que serve de


L8, L2, L23, L21 ME RR
referência para explicar algo.

Representação incompleta de algo que se deseja


L10, L9 ME RR
explicar.

L7 Algo que você usa como guia. DC RI

L24 Representação de um átomo. DC RI

L4 Sem definição de modelo. ----- SR

Formas de representação que são usadas para


L22 ME RR
explicar algo abstrato.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
251
Analisando o quadro 4, podemos perceber que a maioria das defini-
ções sobre modelos são insatisfatórias, o que indica que os licenciandos
apresentavam, inicialmente, concepções bastante simplistas sobre o
conceito.

A maioria dos licenciandos identificaram modelos apenas como uma


representação. Entretanto, eles desconsideraram o propósito principal
do uso de modelos que são utilizados para expressar, simplificar ideias
e fundamentar explicações de situações complexas ou abstratas (GIL-
BERT e JUSTI 2016). Dessa forma, se uma representação não é elaborada
ou utilizada com esses objetivos, então, não são consideradas modelos.

Ao contrário dos licenciandos relacionados no parágrafo anterior


L22, L10; L9, L8, L2, L23 e L21 mencionaram ainda de forma sucinta,
modelos como uma representação para explicar algo. Nesse caso, consi-
deramos a resposta regular de acordo com a teoria, uma vez que um dos
objetivos dos modelos é explicar as propriedades de um sistema mode-
lado.

Muitas definições apresentaram conceitos errôneos como o de L5, L3


e L6 que conceituaram os modelos como símbolos. Por esse lado, sím-
bolos são tipos de representação e, portanto, pode, dependendo dos
propósitos serem considerados modelos. Contudo, se esses forem ana-
lisados apenas como símbolos, seriam desconsiderados outros tipos
de representação, como por exemplo os modelos bi e tridimensionais e
gestos, fato que limitaria o conceito teórico.

Foram identificadas outras definições errôneas e até mesmo confusas,


como foi o caso de L1 que identificou modelos como uma ferramenta
facilitadora para os estudos de química, além de L7 e L23 que conside-
raram modelos como guias e como representação de átomo, respectiva-
mente. Em ambos os casos, a definição apresentada não se adequavam
de nenhuma forma ao conceito.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
252
Finalizada a análise da etapa 1 da SDI, deu-se início a análise e discus-
são da etapa 2 da SDI que foi realizada com a organização dos licencian-
dos em três grupos a fim de construírem em conjunto novas definições
sobre modelos. O quadro 4 apresenta os novos conceitos elaborados pe-
los grupos.

Quadro 5

Construção conceitual dos 3 grupos (etapa 2)

Grupos Definição de modelos após a etapa 2 SCE SCT

Representação parcial de algo que auxilia na


explicação de ideias abstratas1, lançando mão ME1
1 RR
de analogias, imagens e gestos para simplificar o MS2
entendimento2 de um conceito.

Representação padronizada e universal de algo, por


2 meio de símbolos e imagens para a facilitar o estudo e MS1 RR
entendimento de ideias abstratas1.

Representação de uma “ideia” do indivíduo para ME1


3 explicar1 e simplificar uma situação2 difícil de ser RR
entendida. MS2

Pelo quadro 5, podemos verificar uma evolução do conceito de acordo


com as perspectivas teóricas nos três grupos. Os grupos 1 e 3 apresen-
taram conceitos mais desenvolvidos sobre modelos, quando identifica-
ram alguns objetivos da construção dos modelos, como o de explicar
e simplificar ideias ou situações abstratas. Além disso, o grupo 1 con-
seguiu identificar alguns tipos de modelos como analogias e gestos,
por exemplo. Nos dois casos, foram consideradas respostas regulares
de acordo com a teoria. Entretanto, percebemos que apesar de ter sido
classificada como regular, as definições foram muito mais completas
do que as classificações regulares da etapa 1, portanto podemos consi-
derar que houve um avanço de uma etapa para a outra.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
253
O grupo 2 utilizou a definição de modelos curriculares, que é uma
classificação de modelos utilizados em materiais didáticos, como os
modelos atômicos ou equações, por exemplo. Nesse caso, apesar de o
grupo não elaborar uma definição ampla sobre o conceito de modelos,
consideramos como uma resposta regular devido à definição englobar
aspectos do conceito de Gilbert e Boutler (1995), como a explicação de
ideias abstratas. Além disso, acreditamos que os modelos curriculares
foram os únicos que os licenciandos tiveram acesso antes da disciplina,
portanto a definição do conceito se torna relevante.

Em seguida, foi analisada a etapa 3, que contou com a elaboração de


um novo conceito sobre modelos a partir de três líderes, um eleito de
cada grupo. O quadro 5 apresenta o novo conceito elaborado.

Quadro 6

Construção conceitual do grupo de líderes (etapa 3)

Definição de modelos após a etapa 3 SCE SCT

Representação de algo que auxilia na explicação de ideias ME1


abstratas1, lançando mão de objetos simbologias e imagens para RR
facilitar o entendimento de um conceito2. MS2

Percebe-se que a definição do conceito de modelo na etapa 3 não se


modifica tanto dos conceitos apresentados pelos grupos na etapa 2.
Isso porque a nova construção conceitual conseguiu contemplar os três
grupos e possuir elementos de cada um, como a noção de modelo como
representação para explicar uma ideia (grupo 1 e 3) e modelo como for-
ma de simplificar o entendimento de uma situação abstrata (grupo 1,
2 e 3).

Por fim, os licenciandos concordaram com o conceito apresentado


pelos líderes de cada grupo, admitindo que a definição retratava o en-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
254
tendimento dos mesmos sobre modelos. Dessa forma, podemos cons-
tatar a evolução de pensamentos sobre o conceito elaborado individual
(etapa 1) até a construção conceitual do grupo de líderes (etapa 3). Isso
indica a relevância da SDI para a construção de significados.

Após a realização da SDI, deu-se início aos estudos teóricos sobre mo-
delos, conforme foi discutido na metodologia. Posteriormente, foram
investigadas as alterações nas concepções dos licenciandos após a SDI
e a discussão teórica. Para isso, foi apresentado novamente ao grupo as
respostas individuais elaboradas na etapa 1 da SDI para que eles veri-
ficassem quais as concepções que eles possuíam sobre o conceito e em
seguida foi aplicado um questionário, visando identificar as possíveis
mudanças nos conhecimentos sobre o conceito (questão 1). O quadro 7
apresenta as alterações dos aspectos conceituais elaborados individual-
mente. As definições apresentadas pelos licenciandos foram bastante
similares entre si, portanto, elas puderam ser classificadas em grupos.
Além disso, devido a todos os alunos utilizarem em suas respostas os
(SCE) presentes na etapa 3 da SDI, o quadro 7 apresenta apenas as carac-
terísticas que foram incluídas ao conceito.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
255
Quadro 7

Definições individuais do conceito (após a discussão teórica)

Categorias
Licenciandos Definição de modelos
identificadas

Mesmo possuindo limitações1, os modelos


L17, L10, L6 facilitam na comunicação e na previsão de uma ML1, MP2
ideia2.

L11, L3, L5, Os modelos são construções realizadas para


MP
L9, L14 prever o comportamento uma situação abstrata.

L22, L8, L16, Os modelos são ferramentas que permitem


MV
L18, visualizar uma ideia ou pensamento abstrato.

L19, L2, L1, Os modelos são utilizados para sustentar


L7, L12, L15 um pensamento, explicar e prever o
MP1, MV2
L23, L21, L4, comportamento1 de situações abstratas difíceis
L13, L20 de serem visualizadas2 sem o modelo.

Podemos observar que houve uma evolução no entendimento sobre o


conceito por parte dos licenciandos, visto que todos conseguiram ela-
borar conceitos que possuíam a menos um aspecto que se relacionava
ao conceito de modelos de Gilbert e Boutler (1995) e dos quais não esta-
vam presentes nas etapas anteriores.

Se compararmos as definições do conceito desde a etapa 1 da SDI,


acreditamos que houve um desenvolvimento nas concepções dos li-
cenciandos, uma vez que após a SDI e o estudo teórico, as respostas dos
mesmos foram satisfatórias e conciliaram melhor a definição presente
na literatura.

Analisando a segunda questão do questionário, que tinha o objetivo


de verificar se a estratégia utilizada (SDI e discussão teórica) favoreceu
o entendimento do conceito de modelos pelos licenciandos, percebe-
mos que a maioria deles admitiram que as estratégias utilizadas foram
válidas, como pode ser verificado no quadro 8.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
256
Quadro 8

validade da estratégia de acordo com os licenciandos

A estratégia utilizada foi válida para


% de alunos
o entendimento do conceito?

Sim 91%

Não 9%

Das respostas dos licenciandos, apenas 9% responderam que a par-


ticipação durante as estratégias não modificou o pensamento que eles
tinham anteriormente. Entretanto, a maioria reconheceu que as estra-
tégias favoreceram que eles aprimorassem os conhecimentos outrora
possídos. Isso pode ser identificado no exemplo a seguir.

Acredito que houve a construção de um novo conhecimento


depois de vivenciar as atividades. Nos primeiros dias de aula
eu tinha uma visão geral sobre o que seria modelos, pensava
que era apenas uma reprodução de algo. Após as aulas, notei
que cada modelo tem sua especificidade, podendo ser a re-
presentação de uma ideia, evento, objeto ou apenas ser usa-
do para fazer previsão ou até mesmo facilitar a visualização,
a comunicação ou a aprendizagem (L12).

As respostas dos licenciandos mostram que as estratégias foram im-


portantes para desenvolvimentos dos conhecimentos sobre o conceito
e, assim como foi dito por L12, as atividades possibilitaram a constru-
ção dos conceitos mais elaborados ao longo das atividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos considerar que a sequência de atividades aplicadas na dis-


ciplina proporcionou a construção e o desenvolvimento do conceito de
modelos pelos licenciandos. As concepções identificadas foram satisfa-
tórias com o conceito utilizado da literatura.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
257
A evolução das concepções na etapa da SDI não foi totalmente satis-
fatória se comparada aos conhecimentos identificados ao final das ati-
vidades após a discussão teórica. Entretanto, as etapas da SDI foram
fundamentais para que os licenciandos pudessem identificar e refletir
sobre as suas concepções iniciais e aprimorá-las ao longo do processo.

Foi a partir das etapas iniciais da SDI que o desenvolvimento do co-


nhecimento aconteceu, principalmente através das discussões dos co-
nhecimentos prévios entre os grupos. Por meio dessa construção cole-
tiva foi possível observar a evolução do conceito ao longo de cada etapa
da SDI que aconteceram quase sem nenhuma interferência do profes-
sor, possibilitando a autonomia dos licenciandos em sala de aula (SIL-
VEIRA et al., 2017).

Nesse sentido, acreditamos que a SDI contribuiu para a construção


de significados sobre o conceito, o que indica que essa técnica didático-
-metodológica se constitui como uma ótima estratégia a ser utilizada
junto com as discussões teóricas para o desenvolvimento dos conheci-
mentos de forma mais dinâmica.

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do resgate dos conhecimentos prévios e atividades práticas no ensino sobre
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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
259
DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE
ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
260
Capítulo 13

Dezoito anos da Sequência Didática Interativa: uma


análise sistemática
Maria do Carmo Maracajá Alves72
Rafael Santos de Aquino73
Ana Maria dos Anjos Carneiro Leão74

INTRODUÇÃO

A Sequência Didática Interativa (SDI) é um modelo didático-metodo-


lógico que possibilita a aplicação da Metodologia Interativa, desenvol-
vida por Oliveira (2001) e das teorias que a sustentam, como o Círculo
Hermenêutico-Dialético de Guba e Lincoln (1989) e da Análise Herme-
nêutica Dialética de Minayo (1996).

Ao longo de 18 anos, com a maioridade do desenvolvimento deste


estudo, surgem algumas indagações à utilização da SDI, por exemplo:
Como se dá a utilização e estudo dessa técnica didático-metodológica
no método no meio científico? Em que áreas a SDI tem sido aplicada?

72 Administradora, Mestre em Administração e Desenvolvimento Rural, Assistente em Adminis-


tração da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Unidade Acadêmica de Recife, Dou-
toranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da UFRPE.
E-mail: alvesmariacm@gmail.com
73 Zootecnista, Licenciado em Ciências Biológicas, Mestre em Zootecnia, Professor do Instituto
Federal do Sertão Pernambucano (IF SERTÃO-PE), Campus Salgueiro, Doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da UFRPE.
E-mail: rafael.aquino@ifsertao-pe.edu.br
74 Médica, Doutora em Ciências (Bioquímica), Professora da UFRPE Departamento de Morfologia
e Anatomia Animal (DMFA) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC).
E-mail: ana.acleao@gmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
261
Em quais níveis do ensino? Sob quais perspectivas a SDI é abordada nas
práticas de ensino? Quais os caminhos da produção científica ao lon-
go de 18 anos? Quais as instituições que se ocupam de estudá-la? Tais
questionamentos são a base justificável deste trabalho.

Conhecer o cerne da produção científica sobre a SDI nos permite anali-


sar as perspectivas dessa metodologia para diversos contextos e aplica-
ções. Em um mundo cada vez mais cartesiano, reducionista, ter a opor-
tunidade de conhecer e aplicar uma metodologia nos permite aprender
e ensinar numa perspectiva paradigmática complexa, sistêmica e, so-
bretudo, humana. Atuar pela democrática construção e reconstrução
do saber foi o que nos motivou a desenvolver esta pesquisa.

Para a construção deste trabalho, apresentamos os aportes teóricos


que sustentam a SDI; em seguida, trazemos o detalhadamente quanto
aos métodos aplicados na pesquisa, o relato e as análises conclusivas
sobre os resultados. Nosso objetivo foi o de identificar e analisar as pro-
duções científicas sobre a SDI, desde 2001 a fim de conhecer a tendên-
cia de uso dessa técnica didático-metodológica no Brasil e no mundo.

1. APORTES TEÓRICOS

Para conhecer a natureza desta investigação, faz-se necessário com-


preender a base teórica que a sustenta, tanto nos métodos sistemáticos
quanto na Sequência Didática Interativa (SDI). Desse modo abordamos
tais assuntos como subtópicos do aporte teórico que sustenta esta pro-
dução.

1.1 Análise sistemática de tendências sobre a Sequência Didática Interativa


(SDI)

Para compreender o andamento das produções científicas com a SDI


se faz necessário apurar como se projetam as pesquisas e trabalhos cien-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
262
tíficos que a utilizam. Para a ciência, há uma grande relevância acom-
panhar esse acervo e assim saber quais as áreas científicas de aplicação,
como essa sequência didática é utilizada e onde é aplicada conforme o
desenvolvimento temporal.

É julgada como relevante pela academia a realização de pesquisa


bibliográfica de análise de tendências em periódicos nacionais e
internacionais, eventos, trabalhos acadêmicos como dissertações,
monografias e livros que apontam a evolução e o entendimento da
ciência a determinados temas. Nesse sentido, este trabalho objetivou
conhecer a natureza das pesquisas quanto a sua aplicação, identificação
de autores e instituições, níveis de ensino que são objetos de estudo,
bem como aprofundar estatisticamente conhecendo o número de
publicações na área.

Esse tipo de pesquisa é considerada por Silva et al. (2013) como im-
portante pelo intuito de conhecer e compreender as tendências atuais
das pesquisas em cada [área estudada. Para o autor, é preciso fazer um
levantamento para conhecer a consolidação das pesquisas e os campos
emergentes que carecem de estudos, além das inovações de determina-
do campo de pesquisa e as contribuições para a comunidade acadêmi-
ca. Bittencourt et al. (2015) apontam que através desse tipo de estudo
é possível encontrar evidências sobre o crescimento de determinada
temática no tempo.

Kitchenham (2004) descreveu as fases de uma revisão sistemática


composta por planejamento, condução e elaboração de relatórios. De
acordo com o autor, o planejamento do trabalho deve ser realizado com
a identificação da necessidade da revisão e o seu desenvolvimento; a
condução da revisão deverá identificar a investigação, selecionar os es-
tudos, avaliá-los quanto à qualidade, extrair o monitoramento de da-
dos e sintetizá-los; e o relatório nada mais é do que o relato da revisão.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
263
Em consequência, isso pode ajudar os educadores de ciências a explo-
rar a situação atual e as tendências futuras da pesquisa já que a nature-
za e ênfase das pesquisas variam ao longo do tempo e representam um
conjunto de questões que traduzem o foco de interesse da comunidade
científica (SILVA et al. 2013).

Considerando que a Sequência Didática Interativa foi criada em 1999


por Maria Marly de Oliveira, fruto de sua tese de doutorado intitulada
“Formação em Associativismo e Desenvolvimento Local no Nordeste
do Brasil: a experiência de Camaragibe” toda a análise sistemática e a
tendência de uso e aplicação dessa metodologia inicia-se após esse mar-
co anual. E para compreensão da importância de tal pesquisa é preciso
apresentar a SDI e seus pressupostos.

1.2 Metodologia Interativa e a Sequência Didática Interativa (SDI)

A SDI nasceu de uma proposta metodológica que Oliveira (2001) cha-


mou de Metodologia Interativa e que a autora a definiu como,

[...] um processo metodológico hermenêutico-dialético que


está direcionado em duas vertentes: a primeira, relacionada
à metodologia de pesquisa e a outra, diz respeito ao próprio
resultado do objeto de pesquisa. (DE OLIVEIRA, 2001, p. 76-
77).

Dessa forma, para que possamos compreender a SDI, é necessário


conhecer os pressupostos teóricos da Metodologia Interativa, compos-
tos pelo Círculo Hermenêutico-Dialético de Guba e Lincoln (1989) e a
Análise Hermenêutica-Dialética de Minayo (1996) que foram aplicados
como meio de transpor as dificuldades durante a coleta de dados, além
de diminuir as inferências do pesquisador sobre a diversidade de res-
postas dos entrevistados. Em contrapartida, a metodologia interativa

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
264
promoveu maior aproximação à realidade pesquisada e a construção
gradativa das percepções individuais e coletivas.

O Círculo Hermenêutico-Dialético possibilita a relação constante de


construção e reconstrução do conhecimento durante a aplicação meto-
dológica. Oliveira (2013) o define como um processo de construção e de
interpretação hermenêutica de determinado grupo, onde as interpre-
tações e reinterpretações transcorrem em idas e vindas simultâneas,
dialógicas e circular entre os indivíduos. É exatamente o aspecto dia-
lógico circular que faz com que o Círculo Hermenêutico-Dialético seja
representado circularmente como apresentado na figura 1.

Figura 1
Círculo Hermenêutico-Dialético
(E = entrevistado; C = construção teórica).

Fonte: Guba e Lincoln (1989, p. 152).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
265
Ao analisar a figura acima, pode-se perceber a relação constante entre
o pesquisador, os entrevistados e o comitê de pilotagem, constituindo
e representando determinado grupo para análise e síntese conceitual
através do diálogo (OLIVEIRA, 2001).

Já a análise Hermenêutica-Dialética é um método proposto por Mina-


yo (1996) como método capaz de retratar melhor a realidade devido à
contextualização da fala, a partir da essência individual de cada pessoa
que é produto de uma história social singular.

A Análise Hermenêutica-Dialética consiste em dois níveis de inter-


pretação, sendo o primeiro chamado de Determinações Fundamentais,
que se constitui de investigações que consideram o contexto sócio his-
tórico dos grupos sociais; e, o segundo, chamado de Nível de Encontro
com os Fatos Empíricos que se constitui do estudo da realidade (MINA-
YO, 1996).

Após apresentação das duas bases teóricas que constituem a Metodo-


logia Interativa - a coleta de dados sistemática durante o processo de
construção e reconstrução do conhecimento do Círculo Hermenêutico-
-Dialético, de Guba e Lincoln, e a ação metodológica do processo ana-
lítico da Análise Hermenêutica-Dialética de Minayo, nos cabe centrar
a atenção à Sequência Didática Interativa como fruto da Metodologia
Interativa.

A SDI se constitui como um aporte didático-metodológico da Metodo-


logia Interativa e das teorias que a constituem, sendo definida por Silva
e Oliveira (2016) como uma série de atividades didáticas sequenciadas,
que objetiva aprofundar e construir conhecimento de um determinado
conteúdo, através de um processo interativo que valoriza as concepções
individuais dos participantes do grupo sobre determinada temática.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
266
Dessa maneira, destacamos que a nossa proposta visa identificar, co-
nhecer e analisar os trabalhos que abordaram a SDI ao longo do tempo,
a partir do ano de 2001, seja através de abordagens metodológicas ou
teóricas, identificando seus aspectos quantitativos e qualitativos, o es-
copo de pesquisadores que a utilizaram, as áreas em que foi aplicada, as
distinções de outras metodologias homônimas e descrever tais resulta-
dos como fruto de uma pesquisa em análise sistemática.

2. DESENHO METODOLÓGICO

Esta pesquisa faz parte das atividades da disciplina “Hermenêutica,


dialogicidade e complexidade na formação de professores” ofertada no
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPE-
GEC) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no segun-
do semestre de 2018.

Para o cumprimento dos objetivos propostos, foi realizada pesquisa


em acervo bibliográfico em livros e na Internet, nos portais de pesqui-
sa de trabalhos científicos e acadêmicos como, por exemplo, o Portal
de periódicos da Capes, através da Comunidade Acadêmica Federada
(CAFe), que permite acesso livre a todo o conteúdo do portal, bem como
a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e o site de
busca especializada em bibliografia acadêmica Google Scholar.

Na etapa seguinte, procedeu-se uma pesquisa sobre os autores do


acervo sobre a SDI, com base nas informações do Currículo Lattes, dis-
ponível na Internet. Essa análise permite identificar a titulação de cada
autor no ano da publicação de cada trabalho.

Todas as etapas de pesquisa foram feitas conforme Kitcheham (2004)


seguindo as fases indicadas para uma análise sistemática com o plane-
jamento, condução e elaboração de relatórios.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
267
No planejamento, foram delineadas as regras de pesquisa como a con-
sideração do título, das palavras-chaves e do resumo como elementos
meta-analíticos para identificação do tema que é a Sequência Didática
Interativa (SDI). Os arquivos dos trabalhos encontrados nessa primeira
etapa de pesquisa foram arquivados para posterior análise; foram elen-
cados os descritores que seriam considerados em nossa análise como as
informações sobre autores (gênero, instituição, titulação); informações
editoriais (anais do evento, ou volume da revista, ano de publicação, lo-
cal de origem do evento ou revista, o Qualis das revistas); informações
sobre o trabalho em si (título, se de natureza metodológica ou teórica, o
tipo de aplicação, o objetivo, a área científica em que foi aplicado, o nível
de ensino considerado e o local de estudo ou aplicação).

A condução se deu exatamente ao cumprimento dos planos de busca


e análise prévia dos trabalhos para seleção daqueles que utilizaram a
SDI, bem como a execução da organização dos dados para análises com
o uso de planilhas do Microsoft Excel® 2010 e do Google Drive para o
compartilhamento do arquivo.

E os relatórios foram realizados após a leitura e interpretação dos da-


dos tabulados nas planilhas o que favoreceu a identificação dos resulta-
dos da pesquisa.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foram identificados cinquenta e nove trabalhos sobre a Sequência Di-


dática Interativa encontrados em artigos publicados em periódicos, em
eventos, em livros, em dissertações e em monografia. Os dados estão
organizados de modo a analisarmos informações autorais, editoriais e
conteudistas conforme explicado na metodologia.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
268
3.1 Informações autorais

Os resultados gerais sobre as informações autorais estão expostos no


quadro 1 que contabiliza os tipos de produções bibliográficas e a parti-
cipação de cada modalidade no total de publicações que é de cinquenta
e nove produções.

Quadro 1
Quantidade numérica e percentual das publicações
identificadas por tipo de bibliografia

REVISTA EVENTO DISSERTAÇÃO MONOGRAFIA CAPÍTULO TOTAL

Nº 12 20 8 1 18 59

% 20,34 33,90 13,56 1,69 30,51 100,00

Nos cinquenta e nove trabalhos identificados, compõem o corpo auto-


ral um total de cento e trinta e três autores compostos por noventa e oito
mulheres e trinta e cinco homens que correspondem respectivamente
a 73,68% e 26,32% (figura 1). O número de autores foi computado con-
siderando o número total de trabalhos publicados, logo alguns autores
se repetem ao longo do tempo em publicações diferentes. Mais adiante
abordaremos a frequência com que os autores aparecem no universo
amostral de trabalhos como autores principais e como coautores.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
269
Figura 1

Relação percentual do gênero dos autores

Do total de cento e trinta e três autores, foi identificada a titulação de


cada um, excluindo dois autores dos quais não foi encontrado o lattes
dos mesmos. Desse modo, a descrição ficou assim demonstrada: dezoi-
to autores graduados, nove especialistas, um MBA, trinta e oito mestres
e sessenta e cinco doutores, onde treze apresentaram Pós-doutorado.
A proporção de titulação dos autores pode ser visualizada na figura 2.

Figura 2

Relação percentual da titulação dos autores

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
270
Dentre as publicações de artigos e capítulos de livro nos cabe desta-
car que Maria Marly de Oliveira, autora da Metodologia Interativa e da
Sequência Didática Interativa (SDI) é a principal autora com o maior
número de autorias, resultando um total de vinte e três participações,
sendo dezenove delas como coautora e quatro como autora principal. A
segunda maior incidência é a Ana Maria dos Anjos Carneiro Leão, com
coautoria em cinco trabalhos; Zenaide Correia Rocha com quatro parti-
cipações de coautoria; Giselle Palermo com três publicações; Nádja Pa-
trícia Gonçalves da Silva Almeida também com três obras em primeira
autoria. Os dados das produções por autores podem ser verificados no
quadro 2.

Quadro 2

Descrição de autoria dos dez principais autores em


número de artigos publicados sobre SDI

Nº DE TRABALHOS
Nº AUTORES 1º INSTITUIÇÃO
Coautoria Total
Autor

1 Maria Marly de Oliveira 4 19 23

Ana Maria dos Anjos


2 0 5 5
Carneiro Leão

Nádja Patrícia Gonçalves


3 3 0 3
da Silva Almeida
Universidade
Angélica Suelle França 1 1 2 Federal Rural de
Ana Paula Santos Pernambuco –
1 1 2 UFRPE
Conceição

Érica José Bezerra 0 2 2

Zélia Maria Soares Jófili 0 2 2

Fernanda Muniz Brayner


0 2 2
Lopes

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
271
Tereza Cristina
5 Cavalcante de 2 1 3
Albuquerque
Universidade
Wagner Renato dos
1 1 2 Federal de
Santos Pinheiro
Alagoas – UFAL
6 Itayllan Pereira da Silva 1 1 2

7 Emerson de Lima 0 2 2

8 Giselle Palermo Schurch 3 0 3 Universidade


Federal
Zenaide de Fátima Dante Tecnológica do
9 0 4 4
Correia Rocha Paraná – UFTPR

Universidade
Sandra Cristina Souza Estadual de
10 1 1 2
Reis Abreu Santa Cruz –
UESC/BA

Quanto às instituições dos autores, a Universidade Federal Rural de


Pernambuco (UFRPE) se destaca. Pode-se presumir que o fato de a autora
da metodologia ser do corpo docente dessa instituição, haja a possibili-
dade de uma maior inserção da Metodologia Interativa e da SDI. A UFR-
PE responde por setenta e dois autores do universo de cento e trinta e
um; em seguida apresenta-se a Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
com onze autores; seguida da Universidade Tecnológica do Paraná (UF-
TPR) com oito autores; a Universidade Estadual da Paraíba com cinco
autores, a Fundação Oswaldo Cruz com quatro autores; a Universidade
de São Paulo (USP) com três; a Universidade Federal de Goiás (UFGO);
e, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com dois autores cada
uma. As demais universidades (Universidade Estadual de Santa Cruz
na Bahia - UESC, o Instituto Federal do Espírito Santo – IFES, Universi-
dade Franciscana – UNIFRA e a Faculdade de Araraquara – FARA) apre-
sentou um autor cada.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
272
3.2 Informações editoriais

Foram encontradas desesseis publicações em revistas, porém quatro


foram descartadas, por tratarem de outras metodologias homônimas à
SDI com o uso de softwares educativos e de uma metodologia de ensino
prática na área de Engenharia Civil. Logo consideramos doze publica-
ções em periódicos sobre a SDI.

As doze publicações em periódicos estão distribuídas entre dez revis-


tas diferentes com Qualis Capes que variam de B3 até A1. As revistas
Interfaces Brasil/Canadá, Qualis B2 apresentaram duas publicações, in-
cluindo a primeira publicação sobre a SDI feita por Oliveira em 2001. A
revista espanhola Enseñanza de las Ciencias (A1) também contou com
duas publicações. As demais computaram apenas uma publicação so-
bre SDI: Revista Polyphonia (B2), Revista Exitus (B2), Revista Didática
Sistêmica (B3), Revista Idagatio Didactica (B2), Revista Eletrônica do
Mestrado em Educação Ambiental (B1), a revista mexicana Latin Ame-
rica Journal of Science Education (B3), Revista Lusófona de Educação
(A1) e a Revista Contexto & Educação (A2).

Quanto aos eventos, o maior número de publicações sobre a SDI foi o


Encontro Nacional de Ensino de Ciências (ENPEC), com quatro publi-
cações, seguido pelo Colóquio Internacional Educação e Contempora-
neidade, o Congresso Nacional de Educação (CONEDU) e a Jornada de
Pesquisa e Extensão (JEPEX) da UFRPE com duas publicações cada.

Mas puderam ser encontradas publicações em eventos de diversas


naturezas como no Congresso Brasileiro de Química (CBQ), Encontro
Nacional de Didática e Pesquisa em Ensino (ENDIPE), Colóquio Paulo
Freire, Congreso Iberoamericano de Estilos de Aprendizaje, Simpósio Na-
cional de Gêneros Textuais, Encontro de Pesquisa em Ensino de Física
da USP, Congresso Nacional de Formação de Professores, e a Semana de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
273
Produção Científica do Instituto Federal de Brasília. Essa variedade de
áreas de congressos exprime a versatilidade da SDI em ser aplicada em
diversas áreas.

A produção científica sobre SDI em eventos e periódicos ao longo dos


anos é apresentada na figura a seguir;

Figura 3

Número de publicações sobre a SDI de 2001 a 2018

No ano de 2015, Maria Marly de Oliveira publicou um capítulo de livro


intitulado “Círculo hermenêutico dialético como carro-chefe da meto-
dologia interativa e ferramenta para a sequência didática” publicado no
livro “Investigação qualitativa: inovação dilemas e desafios” que con-
tou com a organização de António Pedro da Costa, Dayse Neri de Souza
e Francislê Neri de Souza.

Em 2017, foram publicados os livros Experiências exitosas com Se-


quências Didáticas Interativas, Parte I e Parte II, da Série Formação de
Professores, Nº. 4, que teve como organizadora Maria Marly de Oliveira.
A primeira parte conta com nove capítulos e a segunda parte com dez
capítulos, dentre os quais dezesseis deles tratavam sobre a SDI.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
274
No ano seguinte, foi publicado um capítulo, de autoria de Ary Fi-
gueirêdo Pessôa de Vasconcelos e Charles Teruhico Turuda, intitulado
“A interação entre o ciclo da experiência de Kelly e a Sequência Didáti-
ca Interativa de Oliveira no estudo dos conceitos de ácido e de base no
ensino fundamental” no livro “A valorização do professor nas relações
estabelecidas no chão da escola” organizado por Kilma da Silva Lima
Viana e Erick Viana da Silva.

Dentre as produções acadêmicas, foram encontradas oito disserta-


ções de mestrado, distribuídas por diversas universidades brasileiras
onde destaca-se a Universidade Federal Tecnológica do Paraná com três
produções, e a UFRPE, Universidade Federal do Rio Grande (UFRG), USP,
UFTO, UNEB todas com uma produção. E uma monografia, resultado
de um trabalho de conclusão de curso (TCC) do curso de Licenciatura
Plena em Química da Universidade Estadual da Paraíba. A frequência
de trabalhos acadêmicos como monografia e dissertações é apresenta-
do na figura 4.

Figura 4

Número de publicações em dissertações e monografia

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
275
3.3 Análise de tendências do conteúdo

Para análise de tendências do conteúdo dos trabalhos foram consi-


derados os seguintes descritores: natureza do trabalho (metodológico
ou teórico), aplicação da SDI, Metodologia Interativa e análise crítica),
área de aplicação (Biologia, Química, Física, Ciências, Matemática, As-
sociativismo, Pedagogia e Multidisciplinar), o nível de ensino onde foi
aplicado (fundamental, médio, superior e pós-graduação), foco temáti-
co (formação de professores, formação de conceitos científicos, análise
metodológica, desenvolvimento de software e discussão teórica).

Quanto à natureza dos trabalhos 92,31% deles apresentaram-se me-


todológicos em que se verificou a aplicação e avaliação da SDI conforme
os objetivos propostos em cada artigo e apenas 7,69% apresentou na-
tureza exclusivamente teórica, foram trabalhos de discussão e análise
crítica.

Em relação à aplicação teórica, observou-se que alguns trabalhos


abordavam a metodologia interativa, mas não aplicavam a SDI, repre-
sentando apenas 10% de todas as publicações; em paralelo 90% delas
usaram a SDI e analisaram seus resultados em determinado contexto e
área.

A SDI foi aplicada em diversas áreas como Biologia, Química, Física,


Matemática, Ciências, Pedagogia, Associativismo, Multidisciplinar e
Bioquímica. Dentre as quais a área que mais se destaca na aplicação da
SDI são as áreas de Biologia que responde por 40,54% da aplicação da
SDI e a Química responsável pela aplicação da SDI em 18,92% dos tra-
balhos, conforme pode ser verificado na figura 5.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
276
Figura 5

Áreas em que a SDI foi aplicada

Outro dado interessante é que a SDI foi utilizada em todos os níveis


de ensino desde o ensino fundamental na disciplina de Ciências corres-
pondente a 21,62%, passando pelo ensino médio regular e profissiona-
lizante representando 27,03%, ensino superior 43,24% e a pós-gradua-
ção 8,11%.

Quanto ao foco temático dos trabalhos, foi possível identificar qua-


tro categorias: formação de professores, formação de conceitos, Análi-
se Metodológica e Desenvolvimento de Software. Desses, a formação de
conceitos concentrou maior número de trabalhos envolvendo 56,10%
de toda a produção pesquisada, em segundo a formação de professores
com 36,58%, as demais categorias foram representadas, cada uma por
2,44% de toda a produção.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
277
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme toda a análise realizada sobre a sequência didática intera-


tiva, é possível concluirmos que tal metodologia está em expansão de
pesquisa e aplicação, principalmente a partir do ano de 2015 quando
aumentou consideravelmente o número de publicações.

Nessa perspectiva, é possível perceber também que a SDI extrapola


a Universidade Federal Rural de Pernambuco, berço de sua criadora, a
professora Maria Marly de Oliveira e se fortalece na Universidade Fede-
ral de Alagoas, na Universidade Estadual da Paraíba e na Universidade
Federal Tecnológica do Paraná. Outras instituições como Universidade
Federal de Santa Maria no Rio Grande do Sul, Universidade de São Paulo
e Universidade Federal de São Carlos no Estado de São Paulo, Universi-
dade Federal de Goiás e do Tocantins, bem como a Universidade Esta-
dual de Santa Cruz na Bahia tem desenvolvido trabalhos com a SDI nos
mais variados contextos.

As áreas de aplicação são diversas assim como os níveis de ensino e


também fora do âmbito educacional de sala de aula, sendo aplicada em
contexto empresarial e para o desenvolvimento de software educacio-
nal.

Toda essa diversidade de contextos e aplicações é reflexo da visão ho-


lística que as teorias que a sustentam proporcionam a curiosidade de
testá-la e aplicá-la em contextos inovadores para que a SDI após alcan-
çar a maturidade dos dezoito anos se torne uma proposta cada vez mais
madura, consistente e versátil na educação e em outras áreas.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
278
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, I.M.; BRUNSTEIN, J.; MARTINS, A.A.; DESIDÉRIO,
P.H.M.; CARDOSO-SOBRINHO, C.A. Revisão sistemática da literatura de
empreendedorismo social e desenvolvimento de competências: uma análise
dos últimos 10 anos. 25ª Conferência ANPROTEC de Empreendedorismo e
ambientes de inovação, 19 a 23 de outubro de 2015, Cuiabá-MT, Brasil.

GUBA, E. G.; LINCOLN, Y. S. Fourth generation evaluation. Newbury: Sage,


1989.

KITCHENHAM, B. Procedures for performing systematic reviews, TR/SE-


0401, Department of Computer Science, Keele University, 2004, Keele, Staffs,
UK.

MINAYO, m. C. S. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em Saúde.


4 ed. São Paulo: Hecitec-Abrasco, 1996.

OLIVEIRA, M. M. Internacionalização de novas práticas de pesquisa em


contextos populares. In: VI Congresso Internacional da ABACAN, 2001.
Porto Alegre. Anais do VI Congresso Internacional da ABACAN. Imprensa
Universitária, 2001.

OLIVEIRA, M. M. Sequencia didática interativa no processo de formação de


professores. 1 edição. Petrópolis: editora Vozes, 213. 258p.

SILVA, S. C. G. M.; OLIVEIRA, M. M. Sequencia didática interativa trabalhada


como proposta CTS com a temática aquecimento global para a educação
básica. Revista eletrônica do mestrado em educação ambiental, v33. P. 345-
364, 2016.

SILVA, M.D.; RODRIGUES, F.A.; OLIVEIRA, A.A.A.; JÚLIO, J.M.; ZUIN, V.


Tendência de pesquisa em ensino de ciências: análise da nacionalidade nas
publicações em periódicos nacionais e internacionais. IX Encontro Nacional
de Pesquisa em Educação em Ciências – IX ENPEC, 2013.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
279
Capítulo 14

Mapeamento de concepções prévias sobre o


metabolismo de proteínas a partir da aplicação de
uma sequência didática interativa
Anne Caline Bezerra Ferreira da Silva75
Janaína de Albuquerque Couto76
Mariana Rayane da Silva Pontes77

INTRODUÇÃO

O Ensino de Ciências no Brasil, conforme Baptista (2006), apresenta


ainda um caráter cientificista, isto é, privilegia a abordagem dos conhe-
cimentos científicos em detrimento daqueles advindos das experiên-
cias sociais e culturais dos sujeitos que compõem a sala de aula. Pode-se
considerar que este cenário é, dentre outros fatores, decorrente do pa-
radigma cartesiano em que está alicerçada a formação dos professores,
uma vez que este prioriza a fragmentação, que além de dissociar os con-
teúdos científicos promove um afastamento entre estes e o contexto
em que os estudantes estão inseridos, em prol da busca da objetividade
e da racionalidade.

75 Estudante de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Universidade


Federal Rural de Pernambuco, Recife/PE, annecaline_@hotmail.com
76 Professora adjunta do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, na área de Bioquímica
e Biofísica, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife/PE, janaina.couto@ufrpe.br
77 Estudante de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Universidade
Federal Rural de Pernambuco, Recife/PE, marianapontes65@gmail.com

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
280
A esse respeito, Carneiro-Leão et al. (2013) ao olharem para a forma-
ção de licenciandos de Ciências Biológicas perceberam que estes

[...] estão chegando à escolarização básica para aplicar o que


aprenderam na universidade e, assim, reproduzir um ensino
fragmentado, o que leva a um ciclo vicioso. Ou seja: o estu-
dante sai da escolarização básica com a vivência do ensino
fragmentado da Biologia; inicia a graduação e se depara com
um ensino enciclopédico da Biologia, também fragmentado;
e termina a graduação retornando como profissional docen-
te ao ensino básico e reproduz mais uma vez este mesmo
padrão - o ensino fragmentado, desarticulado e descontex-
tualizado da Biologia! (p. 04).

Denota-se, a partir da fala das autoras, a urgência da adoção de prá-


ticas na formação de professores que se aproximem do paradigma da
complexidade, isto é, que busquem romper com “[...] a fragmentação,
a divisão, a compartimentalização do conhecimento; o que implica
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a
aprender, aprender a ser” (BEHRENS; MORAN; MASSETTO, 2000, p.92).

Tendo isso em vista, salientamos que se faz necessária uma aborda-


gem articulada e contextualizada da Bioquímica durante o curso de Li-
cenciatura em Ciências Biológicas, haja vista que esta configura uma
disciplina que integra processos biológicos e químicos que transitam
entre o universo micro e macroscópico, e estão intimamente atrelados
à hábitos cotidianos, tais como alimentação, musculação, sedentaris-
mo, entre outros.

Diante do exposto, pretendemos identificar, a partir da aplicação de


uma Sequência Didática Interativa, quais as concepções prévias apre-
sentadas por licenciandos em Ciências Biológicas a respeito do meta-
bolismo de proteínas. Tencionamos verificar se os professores em for-
mação conseguem mobilizar os conhecimentos, a respeito das demais

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
281
vias metabólicas para responder ao problema proposto sobre uma via
ainda não estudada e como o fazem considerando o caráter articulado e
simultâneo dos processos metabólicos.

1. OS PARADIGMAS DA CIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE


BIOLOGIA

Os conteúdos da Biologia transitam entre o universo micro e macros-


cópico, de maneira que, faz-se necessária uma abordagem que se dedi-
que ao estudo de todos estes níveis organizacionais, e para além disto,
das relações de interdependência existente entre eles, contudo, a estru-
turação curricular tanto das escolas como das universidades ainda so-
frem influência do paradigma cartesiano, de acordo com o qual:

Os conteúdos específicos são fragmentados e dispersados


em áreas conceituais distintas, de modo que estruturas e
processos não se relacionam. Assim, o ensino acaba por se
pautar na memorização de conteúdos e de nomenclaturas,
mas sem entendimento das relações envolvidas (CARNEI-
RO-LEÃO et al., 2010, p. 266).

Dessa forma, tem-se historicamente desarticulado os conteúdos com


o propósito de facilitar a compreensão dos mesmos, contudo, no que
se refere a isso, Morin (1996, p.8) alerta que ao mesmo passo em que
“o princípio de separação nos torna mais lúcidos quanto as pequenas
partes separadas do seu contexto, [ele] torna-nos cegos ou míopes sobre
a relação entre a parte e o seu contexto”, isto é, pode conduzir ao surgi-
mento de erros e distorções conceituais.

Nesse contexto, Almeida et al. (2006) assinalam que a percepção de


que a realidade não pode ser globalmente compreendida sob uma úni-
ca perspectiva, torna evidente a necessidade de reinventar a prática
docente, de modo a garantir a aproximação entre os diversos tipos de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
282
conhecimento, o que constitui um desafio, haja vista que, não há diá-
logo entre os responsáveis pelas diferentes disciplinas que compõem a
formação do futuro professor, fazendo com que não exista articulação
entre estas e consequentemente fragmentando o conhecimento.

Sobre isso, Tardif (2006) afirma que a prática docente é resultante da


interação entre os conhecimentos que ele obteve a partir das suas expe-
riências cotidianas e relações interpessoais, bem como entre estes e as
bases da sua formação, em outras palavras, se o professor ao longo de
sua formação inicial aprendeu os conteúdos de maneira fragmentada,
ele tenderá a lecionar esse conteúdo dessa mesma maneira porque não
lhe foi apresentada a possibilidade de articular os conceitos. Barzano
(2002) compartilha desse pensamento e diz que são raras as vezes em
que os licenciandos em ciências biológicas (re)pensam o currículo de
sua formação e, portanto, acabam aceitando o modelo tradicional de
ensino o qual já estão acostumados desde o contexto escolar de qual
vieram.

Terrazzan (2007) elucida que o posicionamento dos docentes atuan-


tes nos cursos de licenciatura é decisivo na construção do perfil do
professor que está sendo formado. Nessa direção, segundo Guimarães
(2011, p. 4) “é preciso entender a relevância do pensamento complexo
no sentido de formar o professor para interrogar, questionar, duvidar,
pensar e repensar a sua própria formação e o seu papel formador [...]”,
isto é, o autor defende que a adoção de metodologias pautadas na inter-
rogação e diálogo constitui uma alternativa na superação de uma for-
mação fragmentadora, uma vez que sua utilização implica no reconhe-
cimento de que o conhecimento científico é construído e estruturado a
partir de múltiplas perspectivas, coadunando com os pressupostos da
complexidade.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
283
Nesse contexto, o diálogo, enquanto promotor de reflexão e cons-
trução de realidade pelos sujeitos (FREIRE,2011), pode configurar um
importante aspecto na minimização das lacunas encontradas na for-
mação inicial de professores de biologia, inclusive daquelas que estão
atreladas à influência da linearidade, já que considera as vivências e o
contexto dos indivíduos, corroborando assim, para a aproximação des-
tes com os fenômenos e conteúdos estudados.

1.1 Construção de Conceitos Bioquímicos

Dentre os constituintes do organismo vivo encontram-se moléculas


inanimadas cuja interação, regida tão somente por leis físicas e quí-
micas do universo inanimado, assegura a manutenção e perpetuação
da vida, elucidar como estes processos e fenômenos ocorrem é um dos
propósitos da Bioquímica (NELSON & COX, 2014).

Relativamente ao estudo deste ramo das Ciências Biológicas é comum


que os conceitos sejam entendidos como uma coleção de estruturas e
reações químicas de difícil compreensão. Esta percepção pode ser cre-
ditada, em parte, “à sua característica interdisciplinar e à complexidade
dos conteúdos, uma vez que, trata de fenômenos micro e macromole-
culares, difíceis de serem abstraídos e compreendidos” (SCHOENMA-
KER, 2009, p.18).

Posto isso, direcionaremos nosso olhar para o metabolismo, conteúdo


da Bioquímica que foi definido por Alberts (2010) como sendo um aglo-
merado de reações de degradação do alimento em moléculas menores
(catabolismo) e de utilização da energia obtida a partir dessa degrada-
ção (anabolismo). Desse modo, notabiliza-se a relevância do estudo das
vias metabólicas, uma vez que é a partir delas que a energia utilizada no
funcionamento e manutenção do organismo será produzida. A glicose
é o principal combustível celular, contudo, a depender de fatores exter-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
284
nos e internos, as demais macromoléculas podem vir a desempenhar
esse papel. Em períodos de jejum prolongado, por exemplo, dá-se início
a um processo metabólico denominado gliconeogênese, o qual consis-
te, em linhas gerais, na geração de glicose a partir de compostos não
glicídicos a fim de manter a glicemia.

Relativamente a isso, apesar do consumo de proteínas não estar di-


retamente atrelado à produção de ATP, seus monômeros podem servir
para formação de precursores para o ciclo de Krebs em situações extre-
mas em que o nível glicêmico precisa ser restabelecido. Tendo em con-
ta esta articulação existente entre os componentes de um organismo,
vimos que ao nível molecular, a conversão de energia química é con-
duzida através de mais de uma via metabólica que culminará na bios-
síntese de Adenosina Trifosfato (ATP) nas diferentes células do ser vivo
(BOFF, PANSERA-ARAÚJO, 2011). Assim, entendemos que os caminhos
metabólicos das macromoléculas são integrados, e exercem, portanto,
influência mútua.

Destarte, evidencia-se a emergência de uma abordagem integrada e


articulada dos conceitos bioquímicos, uma vez que estes são interde-
pendentes, e que a fragmentação característica de um ensino tradicio-
nal não corrobora com a compreensão holística desses conceitos natu-
ralmente complexos. (BRAYNER-LOPES, 2015).

1.2 Conhecimentos Prévios

Denomina-se de conhecimento prévio aquele que antecede à abor-


dagem escolar ou acadêmica, isto é, aquele cuja origem está atrelada
às experiências do sujeito. Sobre isso Pozo et al. (1991) sinalizam que
a gênese de tais conhecimentos pode ser puramente empírica (senso-
rial); herdada do grupo social em que o indivíduo está inserto (social);

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
285
ou ainda resultante da comparação entre diferentes domínios do saber
(analógica).

Independentemente da fonte desses conhecimentos, há um consenso


na literatura de que esses constituem um aglomerado de ideias que in-
fluem diretamente na apropriação de novos conhecimentos. Braathen
(2003) compartilha desse pensamento e acrescenta que aquilo que o
estudante já conhece funciona como alicerce para a construção de no-
vas ideias. Relativamente a isso, Baptista e El-Hani (2006) apontam que
desconsiderar as concepções prévias dos estudantes pode gerar desmo-
tivação nos mesmos, uma vez que tal postura confere à falsa impressão
de que o cotidiano destes e os conhecimentos científicos são universos
distantes que não dialogam. Nesse contexto, o mapeamento e a consi-
deração das concepções prévias constituem uma alternativa para pro-
moção de aproximação entre os estudantes e o objeto de estudo.

Em continuidade, Zeni (2010) ao tratar de aprendizagem significati-


va sinaliza que Ausubel (1978) considera que essa ocorre quando pro-
move mudanças, sejam estas qualitativas ou quantitativas, no conhe-
cimento pré-existente na estrutura cognitiva do estudante. Destarte,
evidencia-se a necessidade de que as concepções prévias dos discentes
sejam consideradas pelos docentes ao abordar conteúdos novos a fim
de promover um ensino mais dialógico e significativo.

Assim, a adoção de uma postura dialógica em sala de aula pode cons-


tituir uma alternativa para facilitar a compreensão dos conceitos bio-
químicos, já que devido ao seu caráter interdisciplinar, esses deman-
dam conhecimentos acerca da biologia e da química, os quais por vezes
são defasados. Daí a relevância de mapeá-los tencionando adequar a
abordagem para atender às necessidades da turma.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
286
2. SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA

De acordo com Oliveira (2008), a Sequência Didática Interativa (SDI)


é um desdobramento da metodologia interativa que tem como funda-
mento os pressupostos teóricos do método pluralista e construtivista
(GUBA e LINCOLN, 1989), no método da análise de conteúdo (BARDIN,
1977) e no método hermenêutico-dialético (MINAYO, 2004). A SDI sen-
do uma técnico didático-metodológica tendo como base a construção
de conceitos/definições através de uma abordagem construtivista, que
tem como ponto de partida a realidade tal qual ela se apresenta, para
uma análise hermenêutica na construção do conhecimento, tendo
como principais pilares a razão (cognição) e a linguagem (OLIVEIRA,
2010).

Portanto, a SDI é “um processo interativo no ensino-aprendizagem


para facilitar a integração entre docentes e educandos, visando à cons-
trução e sistematização de um novo conhecimento” (OLIVEIRA, 2011,
p. 238). Nessa perspectiva, a SDI configura-se em uma ferramenta para
trabalhar conceitos e/ou definições em diferentes áreas do conheci-
mento, tendo o ensino de ciências algum destaque; trata-se de uma di-
nâmica que deverá ser usada, preferencialmente, em grupos de três a
cinco pessoas a partir dos seguintes passos (OLIVEIRA, 2010):

1. Cada participante do grupo recebe uma folha para escrever o que


entende sobre o conceito e/ou a definição escolhida pelo professor, após
esse momento, o grupo precisa realizar uma síntese daquele conceito e/
ou definição e formar uma única resposta.

2. Em um segundo momento, os grupos escolhem um líder e um novo


grupo é formado a partir dos líderes escolhidos em cada grupo, e es-
tes devem estar com as respostas sistematizadas que representam seus
grupos iniciais em mãos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
287
3. No momento final, é construído um só conceito ou definição como
resposta final das sínteses sistematizadas no grupo dos líderes, e des-
de então o professor discute, com todos os alunos, acerca da dinâmica,
dialogando com o conteúdo teórico e tema de estudo.

Adicionalmente, Oliveira (2010) ressalta que a SDI se constitui em


um processo dialético que pode e deve ser adaptada aos objetivos do
professor que a utiliza com o propósito de construir novos conceitos e/
ou definições ou sistematizar os saberes que já existem para a constru-
ção do conhecimento.

3. ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA INTERATIVA

Oliveira (2001) orienta que as respostas obtidas na aplicação da SDI


sejam exploradas com base no método da Análise Hermenêutica Dialé-
tica Interativa (AHDI), uma vez que este permite uma retratação mais
fiel da realidade estudada, pois “coloca a fala em seu contexto para en-
tendê-la a partir do seu interior e no campo da especificidade históri-
ca e totalizante, em que é produzida” (MINAYO, 1996 apud OLIVEIRA,
2001, p.72), isto é, permite uma compreensão mais aprofundada da
fala dos atores sociais, haja vista que situa o cenário e as condições em
que esta surge.

Ainda de acordo com Oliveira (2001), o método hermenêutico dialéti-


co de análise desenvolvido por Minayo (1996) compreende os seguintes
procedimentos: 1) Estabelecimento de determinações fundamentais;
2) Encontro com os fatos empíricos; 3) Ordenação dos dados; 4) Clas-
sificação dos dados; 5) Análise final. Assim sendo, elucidamos que o
primeiro consiste no estabelecimento de pré-categorias de análise com
base no contexto sócio histórico em que a pesquisa será desenvolvida.
Já o segundo equivale ao acréscimo de categorias que emergiram após a
inserção no campo. Nesse seguimento, a ordenação dos dados consiste

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
288
na organização de todas as informações coletadas, perpassando pelas
transcrições das respostas obtidas, e cruzamento destas com as leituras
de documentos e das anotações do caderno de campo. A posteriori, a
classificação dos dados deve ser estruturada com base nos aportes teó-
ricos utilizados, pois é com base na articulação entre estes que a análi-
se final será desenvolvida, a fim de responder ao problema de pesquisa
proposto.

4. METODOLOGIA

Este estudo enquadra-se em uma abordagem qualitativa, consideran-


do que nesta os dados são descritivos e respondem a questionamentos
dentro de uma perspectiva social, não podendo ser quantificados (MI-
NAYO, 2001) e caracteriza-se em uma pesquisa participante, baseada
em uma metodologia de observação participante na qual são estabele-
cidas relações comunicativas entre o pesquisador e a pessoa ou o grupo
investigado (THIOLLENT, 1986). Nesse sentido, buscou-se identificar,
a partir da aplicação de uma SDI, as concepções prévias de uma turma
de 33 alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFR-
PE, matriculados na disciplina do 2º período, Bioquímica dos Sistemas,
para o estudo do tema Metabolismo de Proteínas. Inicialmente, foi ela-
borado junto com a professora da turma o seguinte questionamento:
“Como se dá a obtenção de energia na forma de ATP a partir de proteínas
da dieta?” E a atividade didática, objeto deste estudo, aconteceu em três
momentos, seguindo os pressupostos da SDI:

1. Os estudantes foram orientados a responder individualmente


o questionamento inicial, e posteriormente foram divididos
em 6 grupos para sistematizar, a partir das respostas indivi-
duais, uma única resposta que representasse o grupo.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
289
2. Cada grupo escolheu um representante, tido como líder, e um
novo grupo foi formado a partir de todos os líderes escolhidos,
estes com as respostas sistematizadas, em seus grupos de ori-
gem, em mãos.

3. O grupo dos líderes construiu, a partir de todas as sínteses,


uma única resposta para o questionamento inicial, posterior-
mente esta resposta foi colocada no quadro branco e discutida
com a turma para possíveis alterações.

Destacamos que a formação dos grupos baseou-se na metodologia


já utilizada pela professora da turma, a qual trabalha com os mesmos
grupos durante todo o percurso da disciplina. Os dados coletados para
posterior análise se constituíram das respostas individuais, das respos-
tas sistematizadas pelos grupos e da resposta sistematizada pelo grupo
dos líderes. Esta última representando a resposta final para o questio-
namento inicial.

Adicionalmente, o momento final com a discussão coletiva foi grava-


do, constituindo-se o áudio, também, como dado para a análise. Salien-
tamos que a resposta final para o questionamento inicial se constituiu
em duas partes: uma escrita e um desenho (esquema conceitual), e, si-
nalizamos que a opção por um esquema também está associada à me-
todologia adotada pela professora da turma durante todo o percurso da
disciplina. As respostas dos grupos estão representadas por suas iden-
tificações (G1 a G6), e as respostas dos licenciandos estão representados
por LnGn, sendo o primeiro n o número correspondente do licenciando
dentro do grupo e o segundo n o número correspondente do grupo. Os
dados foram analisados a partir dos pressupostos da AHDI.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
290
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Almejando responder ao problema de pesquisa proposto, a lembrar:


Quais as concepções prévias apresentadas por licenciandos em Ciências
Biológicas a respeito do metabolismo de proteínas, e considerando o ca-
ráter simultâneo e articulado das vias metabólicas, assim como, a prá-
tica da docente de Bioquímica dos Sistemas que busca distanciar-se do
cartesianismo e da fragmentação por ele preconizada, elencamos a se-
guinte categoria teórica: resgate ao conhecimento acerca das demais vias
metabólicas.

Partindo desse princípio, retomemos ao questionamento inicial que


norteou a SDI aplicada: “Como se dá a obtenção de energia na forma de
ATP a partir de proteínas da dieta?”. Isto posto, salientamos que ao di-
recionar o olhar para as respostas obtidas na SDI, notamos que alguns
discentes recorreram à informações a respeito de apenas uma via me-
tabólica já estudada, enquanto outros associaram mais de uma dessas
vias para conseguir responder ao questionamento levantado, houve
ainda aqueles que recorreram a conteúdos trabalhados na disciplina de
Bioquímica Molecular, a qual é pré-requisito para a disciplina onde a
pesquisa foi desenvolvida. Dessa forma, salientamos que da categoria
elencada a priori, emergiram mais quatro categorias, as quais foram
estabelecidas de acordo com os níveis de articulação que os discentes
conseguiram demonstrar entre as vias metabólicas e entre estas e ou-
tros conceitos biológicos, são elas: Gliconeogênese, Integração Metabóli-
ca, Condicionamento Fisiológico e Conhecimento Molecular, representa-
das no Quadro 1, a seguir:

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
291
Quadro 1

Categorias empíricas e unidades de análise

Categorias
Unidades de Análise
Empíricas

L1G1: [...] Aminoácidos e sua relação com a gliconeogênese.

L2G1: [...] as proteínas serão metabolizadas para uma


forma que possa ser utilizada na Gliconeogênese e assim ser
transformada em piruvato e/ou Acetil-CoA.

G1: A gliconeogênese é uma via metabólica que é ativada


quando o corpo não tem mais reservas de glicose disponível
para utilização. O corpo vai utilizar outras substâncias de
origem não-glicídica: alanina, lactato e glicerol.

L2G2: [...] As proteínas depois de serem digeridas são


GLICONEOGÊNESE
quebradas em AA, que por sua vez, são precursores da
gliconeogênese.

L1G3: [...] A partir da lise de proteínas pode-se obter vários


aminoácidos, entre eles a alanina, que é um dos precursores
gliconeogênicos [...]

L2G6: O metabolismo das proteínas se dá a partir da


gliconeogênese [...]

L4G6: As proteínas são usadas na produção de glicose, na


gliconeogênese [...]

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
292
L4G3: As proteínas consumidas na dieta serão absorvidas
na forma de aminoácidos. Esses aminoácidos seguirão na
via da gliconeogênese para serem convertidos em glicose, e
assim, sofrerem glicólise e se tornarem piruvato, para futura
conversão em Acetil-CoA e obtenção de ATP. Caso ocorra um
excesso de ingestão de proteínas, acarretará em um excesso
de Acetil-CoA e ATP, desviando o Acetil-CoA para biossíntese de
ácidos graxos, que serão convertidos em triacilgliceróis (reserva
energética do organismo).

L1G6: [...] As proteínas não são reservas energéticas, sendo


degradadas para a produção Acetil-CoA e depois Ciclo de
Krebs. Caso ocorra um excesso de ingestão de proteínas, elas
vão formar Acetil-CoA e com esse excesso ocorre a biossíntese
de ácido graxo. Depois esse ácido graxo é esterificado a
INTEGRAÇÃO triacilglicerol que estarão nos tecidos adiposos.
METABÓLICA
L2G6: Após a ingestão da proteína, ela se quebra em
aminoácidos, que posteriormente se formam em Acetil-CoA que
serão utilizados no Ciclo de Krebs, que resultará na liberação
de energia na forma de ATP.

G1: [...] a alanina é convertida para piruvato, o qual segue para


a linha de conversão da glicólise: Acetil-CoA, Ciclo de Krebs,
Cadeia Transportadora de Elétrons, ATP disponível. [...]

G5: [...] O grupo amino é convertido à ureia e as vinte cadeias


carbônicas resultantes são convertidas a piruvato, Acetil-CoA e
intermediários do Ciclo de Krebs. [...]

G6: As proteínas são degradadas a aminoácidos, que vão


formar Acetil-CoA que irão para o Ciclo de Krebs para
produção de energia/ATP. [...]

L2G1: [...] A metabolização de proteínas para serem usadas


como ingredientes na síntese de ATP ocorre em momentos
de jejum muito prolongados ou em exercícios físicos muito
intensos e demorados. [...]

CONDICIONAMENTO L4G1: [...] Quando os níveis de glicose estiverem baixos e a


FISIOLÓGICO reserva de carboidratos já tiver acabado [...]

L1G6: [...] Isto quando o indivíduo está em jejum prolongado.


As proteínas não são reservas energéticas [...]

G1: [...] Obs.: A gliconeogênese é ativada em um período de


jejum prolongado.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
293
L1G2: [...] As proteínas ingeridas a partir da alimentação
são transformadas em aminoácidos através da digestão.
Esses aminoácidos são divididos em dois grupos: Essenciais
e não-essenciais, o primeiro grupo não é sintetizado pelo
CONHECIMENTO corpo, portanto, é necessário que haja a ingestão do mesmo,
MOLECULAR o segundo grupo é sintetizado pelo corpo e então não é tão
necessário o consumo do mesmo [...]
L3G4: As proteínas atuam nas enzimas onde tem função
fundamental nos processos metabólicos.

Conforme pode ser observado no Quadro 1, os licenciandos apresen-


tam diferentes níveis de articulação sobre a obtenção da molécula de
ATP, isto é, de energia, a partir da ingestão de proteínas na alimentação.
A esse respeito, elucidamos que agrupamos na categoria denominada
Gliconeogênese as respostas que fazem alusão apenas à obtenção de
glicose desde os precursores não glicídicos. No entanto, é notável que
mesmo pertencendo à uma única categoria, as respostas encontram-
se em distintos níveis de percepção a respeito da via metabólica em
questão, a exemplo tem-se a fala de L1G1: “[...] Aminoácidos e sua rela-
ção com a gliconeogênese.” e de L2G1: “[...] as proteínas serão metaboli-
zadas para uma forma que possa ser utilizada na Gliconeogênese e assim
ser transformada em piruvato e/ou Acetil-CoA.”. Enquanto o primeiro
licenciando menciona de maneira mais superficial que há uma relação
entre aminoácidos e gliconeogênese sem, no entanto, elucidar que tipo
de relação é esta, o segundo licenciando evidencia que a partir da de-
gradação das proteínas são obtidos precursores do Ciclo de Krebs e os
nomeia, notabilizando que mobilizou mais conhecimentos específicos
acerca do metabolismo de carboidratos para poder responder ao ques-
tionamento proposto.

Seguindo essa linha, na categoria nomeada Integração Metabólica, fo-


ram agrupadas respostas mais completas, que perpassam e articulam
de maneira evidente mais de uma das vias metabólicas estudadas an-
teriormente ao metabolismo das proteínas. A fim de ilustrar isso, pode-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
294
mos voltar o olhar para a fala de L1G6: “[...] As proteínas não são reservas
energéticas, sendo degradadas para a produção Acetil-CoA e depois Ciclo
de Krebs. Caso ocorra um excesso de ingestão de proteínas, elas vão formar
Acetil-CoA e com esse excesso ocorre a biossíntese de ácido graxo. Depois
esse ácido graxo é esterificado a triacilglicerol que estarão nos tecidos adi-
posos.”, aqui o licenciando apresenta um número maior de informações
e articulações dos possíveis caminhos metabólicos se comparado às fa-
las colocadas por L1G1 e L2G1, ainda acrescenta que as proteínas não
executam a função de reserva energética e cita o processo bioquímico
que ocorre quando há um consumo exacerbado dessa macromolécula,
agregando informações sobre a biossíntese de ácido graxo e a reserva
de triacilglicerol, ou seja, incorporando conceitos pertencentes ao me-
tabolismo de lipídios. Em síntese, é possível encontrar na fala em ques-
tão articulação entre o metabolismo das três grandes principais macro-
moléculas: carboidratos, lipídios e proteínas.

A respeito dos trechos enquadrados nas categorias Gliconeogênese e


Integração Metabólica, sinalizamos que estes coadunam com a catego-
ria teórica estabelecida a priori, em outras palavras, nessas falas nota-
biliza-se o resgate ao conhecimento acerca das demais vias metabólicas.
Nesse contexto, pode-se perceber que os licenciandos conseguem vi-
sualizar e explanar, ainda que de maneira incipiente, a interdepen-
dência entre os percursos metabólicos. Relativamente a isso, Mariotti
(2010) realça a urgência de alinharmos o estudo das partes sem perder
de vista o todo e vice-versa, nessa perspectiva, compreender as intera-
ções entre as diferentes vias metabólicas é tão importante quanto o co-
nhecimento isolado destas.

Já a categoria Condicionamento Fisiológico reúne fragmentos de fala


que esclarecem que a aquisição de energia na forma de ATP a partir do
consumo de proteínas restringe-se a situações específicas, no que se re-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
295
fere a isto, L2G1 esclarece: “[...] A metabolização de proteínas para serem
usadas como ingredientes na síntese de ATP ocorre em momentos de jejum
muito prolongados ou em exercícios físicos muito intensos e demorados.
[...]”, relativamente a isto, Nelson e Cox (2014) salientam que durante o
jejum prolongado, em que não há mais disponibilidade de glicose e de
reservas glicogênicas, a gliconeogênese torna-se crucial para manuten-
ção das funções vitais do organismo. Dessa forma, torna-se notória, na
fala do licenciando, a percepção da influência de fatores externos, tais
como, a alimentação e a prática de exercícios, no metabolismo huma-
no, no que se refere a isto, Morin (2015, p. 7) acrescenta “que é preciso
ensinar que as coisas não são apenas coisas, mas também sistemas que
constituem uma unidade a qual engloba diferentes partes”. Nesse con-
texto, o ser humano apresenta-se como fruto das interações presentes
entre seus próprios componentes e entre estes e fatores externos, se-
jam eles, ambientais, sociais, históricos ou culturais, daí a relevância de
uma prática docente que elucide a complexidade que é inerente à vida
humana.

Na categoria Conhecimento Molecular estão as falas em que os licen-


ciandos retomam conhecimentos estudados na disciplina de Bioquí-
mica Molecular para responder ao problema proposto, como pode ser
visto na colocação de L1G2: “As proteínas ingeridas a partir da alimen-
tação são transformadas em aminoácidos através da digestão. Esses ami-
noácidos são divididos em dois grupos: Essenciais e não-essenciais [...]”.
Evidencia-se nessa fala a utilização de concepções pertencentes a uma
disciplina distinta, configurando-se assim, em um processo de resgate
de conhecimentos prévios de origem analógica, apontada nos estudos
de Pozo et al. (1991).

• Resposta “consenso”:

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
296
“Após a ingestão de proteínas, essas poderão seguir três vias, dependen-
do do estado do indivíduo, a primeira via começa quando essa proteína
é degradada em aminoácidos, estes serão transformados em Acetil-CoA e
seguirão para o Ciclo de Krebs, gerando ATP. A segunda se inicia quando
tem-se o excesso dessas proteínas degradadas em aminoácidos que formam
o Acetil-CoA, porém não seguirão para o Ciclo de Ácido Cítrico, ocorrendo
assim, a biossíntese de ácidos graxos, que serão armazenados na forma de
triacilglicerol, que quando mobilizados geram ATP. A terceira via ocorre
quando o indivíduo está em jejum prolongado, a alanina que é um ami-
noácido precursor do piruvato irá para a via da gliconeogênese formando
a glicose, que quando degradada irá formar Acetil-CoA e irá para o Ciclo
do Ácido Cítrico gerando ATP.”.

Figura 1

Esquema conceitual construído como parte das resposta “consenso” da turma

Fonte: Acervo pessoal (produção da turma)

A respeito da resposta final para o questionamento inicial, configu-


rada como a resposta “consenso” da turma, destacamos a influência
que a prática da professora exerceu nos licenciandos que utilizaram
um desenho (esquema conceitual) para representar a resposta escri-
ta. Tais esquemas são comumente utilizados pela professora dentro da
disciplina, demonstrando que a forma a qual o docente atua durante

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
297
a formação dos professores direciona, de certa forma, à prática futura
destes, contribuindo para a construção do perfil do professor que está
sendo formado, como aponta Terrazzan (2007).

Notabiliza-se ainda que na resposta síntese da turma, há uma menção


a conceitos pertencentes ao metabolismo das três principais macromo-
léculas, perpassando pela ilustração de situações extremas, tais como
o jejum prolongado e consumo exacerbado de proteínas. Os discentes
conseguem ainda elucidar que não são todos os aminoácidos que irão
gerar precursores da gliconeogênese, apresentando a possibilidade des-
tes serem catabolizados, isto é, de seguirem um caminho distinto da-
queles por eles apresentados.

Nesse sentido, ao tratar da natureza dos conceitos biológicos, Macêdo


et al., 2015 (p.2) assinala que estes “tratam-se de conceitos Sistêmicos
e Complexos, cujo processo de ensino-aprendizagem requer o desen-
volvimento de metodologias diferenciadas, contemplando múltiplas
linguagens”, isto é, requerem a adoção de práticas metodológicas que
permitam ao licenciando em ciências biológicas compreender os con-
teúdos de forma recursiva, rompendo com a fragmentação e a lineari-
dade presente nos modelos de formação pautados no paradigma carte-
siano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o percurso traçado e os resultados obtidos na presente


pesquisa, assinalamos que a Sequência Didática Interativa configura
uma importante ferramenta metodológica no processo de mapeamen-
to de concepções prévias e promoção de diálogo entre estas e o novo
conteúdo a ser explorado. Em nosso contexto, a utilização da SDI possi-
bilitou o mapeamento dos conhecimentos prévios apresentados pelos
licenciandos em Ciências Biológicas acerca do conceito de Metabolismo

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
298
de Proteínas, bem como das correlações e articulações que estes con-
seguiam estabelecer com os conteúdos já estudados na disciplina em
questão, assim como com os demais conceitos biológicos.

A esse respeito, sinalizamos que o fato dos discentes conseguirem


responder com facilidade a um questionamento sobre uma via metabó-
lica ainda não estudada, deve-se em parte à prática docente que busca
dialogar com os preceitos da complexidade, e portanto, não fragmenta
e isola os conceitos bioquímicos. Posto isto, evidenciamos a importân-
cia do resgate aos conhecimentos prévios como ponto de partida para
a construção de novos conhecimentos, em uma proposta de ensino e
aprendizagem mais dialógicos e significativos.

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de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular, Santa Catarina, n. 1, p.1-14,
abr. 2010. Disponível em: <http://bioquimica.org.br/revista/ojs/index.php/
REB/article/view/39>. Acesso em 06 dez. 2018.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
302
Capítulo 15

Abordagem da Sequência Didática Interativa a


partir de mapas conceituais
Giana Raquel Rosa78
Maria de Lourdes Costa de Vasconcelos79
Tereza Evâny de Lima Renôr Ferreira80

INTRODUÇÃO

Nas pesquisas em Educação, a formação de professores como cam-


po de investigação já se estabeleceu como espaço fértil de produção
do pensamento científico. Pesquisas sobre a formação de professores
se constituem em relação às políticas públicas, à construção da identi-
dade docente, às necessidades formativas, às didáticas. Essas últimas
apontam para a necessidade de propostas de organização do ensino que
superem a fragmentação de saberes e prática do professor como um ser
de comunicados.

Nesse amalgama de possibilidades, surge a Sequência Didática Intera-


tiva – SDI, um desdobramento da Metodologia Interativa proposto por
Oliveira (2013), como um procedimento didático-metodológico assen-

78 Profa. da Univ. Federal de Alagoas – Mestre em Educação pela UFRJ – Doutoranda no Programa
de Pós-Graduação em Ensino das Ciências – PPGCEC/UFRPE. gianaraquel@gmail.com
79 Pedagoga na Univ. Federal Rural de Pernambuco – Mestre em Ensino de Ciências pela Universi-
dade Federal Rural de Pernambuco; Doutoranda em Ensino das Ciências e Matemática - PPGCEC/
UFRPE. vasconceloslourdes70@gmail.com
80 Profa. da Univ. Federal Rural de Pernambuco – UFRPE; Mestre em Ciências da Informação – pela
UFPB; Doutoranda em Ensino das Ciências e Matemática – PPGCEC/UFRPE.
terezarenor@yahoo.com.br

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
303
tado nas concepções de hermenêutica, complexidade e dialogicidade,
enquanto categorias teóricas que lhe dão sustentação.

Neste estudo, a SDI serviu como inspiração para uma atividade de


sequência didática realizada na disciplina Hermenêutica, dialogicida-
de e complexidade na formação de professores, ofertada no semestre
2018.2, no curso de doutorado do Programa de pós-graduação em Ensi-
no das Ciências da Universidade Federal Rural de Pernambuco, sob res-
ponsabilidade da professora Dra. Maria Marly de Oliveira e do professor
Dr. Thiago Araújo da Silveira.

A disciplina foi ofertada para o doutorado, mas também contou com


estudantes do mestrado do mesmo programa, possibilitando a riqueza
das discussões por conta da multiplicidade de formação dos discentes,
o que favoreceu a construção de conhecimentos de forma interdiscipli-
nar e complexa.

A escolha da SDI como proposta didática, inspiradora desse estudo,


foi motivada pelo perfil interdisciplinar da turma e pelo incentivo da
professora Marly, autora da SDI, para que os estudantes “reinventassem
sua proposta”. Essa abertura para a inovação pode contribuir para confi-
gurar a interdisciplinaridade didática pautada na utilização dos mapas
conceituais como instrumento didático de reconstrução de conceitos
a partir da identificação de significados e consequentemente a cons-
trução deles. Os conceitos trabalhados foram os termos compreensão
e racionalidade na perspectiva do significado de hermenêutica a partir
de dois textos lidos previamente: Hermenêutica e Educação, de Nadja
Herman, e Hermenêutica-dialética como caminho do pensamento so-
cial, de Cecília Minayo.

A sequência didática teve como primeiro momento uma dinâmica


cujo objetivo, além de proporcionar a interação e descontração, trouxe
o rompimento dos conceitos pré-estabelecidos sobre os temas propos-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
304
tos aos alunos. Após esse momento, foi aplicada a SDI, em que toda a
riqueza da roda de diálogo, inspirada no círculo de cultura freireano foi
vivenciada, e em seguida as discussões de cada grupo se concretizaram
na construção coletiva de dois mapas conceituais.

A proposta de SDI foi, a posteriori, retomada pelas pesquisadoras, para


reflexão e construção do presente estudo.

Nos aportes teóricos, abordamos temas que se relacionam com a SDI.


Nesse item, são apresentadas as categorias Hermenêuticas: diálogo/
dialogicidade e complexidade; teorias basilares na concepção teórica da
SDI e as contribuições pertinentes de Oliveira relativas para a compres-
são da proposta didático-metodológica, baseada na SDI. A reflexão so-
bre os mapas conceituais como possibilidade de enriquecimento da SDI
vem na sequência, para então, se apresentar os aportes metodológicos
adotados, na perspectiva da proposta didática dos mapas conceituais.

A aplicabilidade da SDI, com seu movimento dialógico, complexo, in-


terativo e em espiral é apresentada aqui, com cada movimento realiza-
do durante a atividade.

A sequência didática apontou para a viabilidade e riqueza da SDI como


estratégia de ensino e de construção de conceitos na pós-graduação,
dando pistas para o seu potencial enquanto ação didático-metodológi-
ca voltada para a docência vista como ação e reflexão, em seu caráter de
pesquisa sobre a prática de ensino.

1. HERMENÊUTICA

Gadamer (2002) entende a hermenêutica como a arte de compreen-


der. Hidegger, em vários momentos afirma que “hermenêutica é coisa
de Gadamer” (KAHLMEYER-MERTENS, 2017, p.54). Para Gadamer, a
compreensão, está interligada ao pensar e ao diálogo consigo e com o

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
305
outro, pois para o diálogo é preciso estar “além de si mesmo” e “pensar
com o outro e voltar sobre si mesmo como outro” (2002, p. 428).

A hermenêutica, de acordo com Minayo (2002), apoia-se nas catego-


rias de liberdade, necessidade, força, consciência histórica, todo e par-
tes como categorias filosóficas. Isso porque a hermenêutica tem como
função central a gênese da consciência histórica, cuja principal marca
é a alteridade. Para Minayo (2002, p.8), compreender implica a possi-
bilidade de interpretar, de estabelecer relações e extrair conclusões em
todas as direções. A autora destaca que, como também pensa Gadamer,
compreender acaba sempre sendo compreender-se.

2. DIÁLOGO E DIALOGICIDADE

Nos estudos sobre hermenêutica e SDI, a dialogicidade apresenta-se


como uma das categorias fundantes. O diálogo e a dialogicidade são
conceitos estudados por muitos estudiosos, com destaque no cenário
brasileiro; para o educador Paulo Freire, que ao longo de sua produção
intelectual desenvolveu e aprofundou sua conceituação.

Querette (2007) aponta quatro características do diálogo/dialogici-


dade no pensamento freireano: o aspecto antropológico, o diálogo em
situações de aprendizagem, seu caráter pragmático e sua capacidade de
produzir nos homens, a criticidade e a atitude reflexiva. A autora cha-
ma a atenção para a importância dessas características do diálogo na
humanização do der inconcluso.

Ao tomar o diálogo como aspecto primordial em situações de apren-


dizagens, Freire (2011) estabelece as bases para um pensamento pe-
dagógico inovador no sentido de se construir uma educação para a
liberdade, educação problematizadora, dialógica, democrática e cons-
cientizadora, educação para a responsabilidade social. A educação nes-
sa perspectiva contribui para o protagonismo dos estudantes na cons-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
306
trução do conhecimento. Trata-se, nesse contexto, da abordagem do
diálogo, tomado como categoria teórica e atitude pedagógica.

3. COMPLEXIDADE

Assim como a dialogicidade, a complexidade faz parte de um direcio-


namento pautado na busca da aprendizagem tendo como consequên-
cia a construção do conhecimento. Para Morin (1998), o pensamento
complexo vem romper com o pensamento simplificador, reducionista
e fragmentador e trazer novas formas de articular e vivenciar o conhe-
cimento.

Ora, o problema da complexidade não é o de estar comple-


to, mas sim do incompleto do conhecimento. Num sentido,
o pensamento complexo tenta ter em linha de conta aquilo
de que se desembaraçam, excluindo, os tipos mutiladores
de pensamento a que chamo simplificadores e, portanto,
ela luta não contra o incompleto, mas sim contra a mutila-
ção. Assim, por exemplo, se tentarmos pensar o fato de que
somos seres simultaneamente físicos, biológicos, sociais,
culturais, psíquicos e espirituais, é evidente que a comple-
xidade reside no fato de se tentar conceber a articulação, a
identidade e a diferença entre todos estes aspectos, enquan-
to o pensamento simplificador ou separa estes diferentes
aspectos ou os unifica através de uma redução mutiladora.
(MORIN, 1998, p.138)

Nesse sentido, a proposta da SDI é um convite a construir um estilo de


ensino e aprendizagem pautada na incerteza, na “totalidade”, no singu-
lar, no indivíduo e no concreto.

Ao propor a complexidade como aporte teórico à SDI, Oliveira (2013)


nos convida a considerar a necessidade de uma aprendizagem que rom-
pa com as barreiras da disciplinarização e da fragmentação em busca
da construção do pensamento em rede, pensamento esse que, propõe

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
307
estabelecer uma conexão entre os saberes, objetos e indivíduos, vi-
sando construir uma visão sistêmica ao considerar os saberes das di-
ferentes áreas e parâmetros estabelecidos pela interdisciplinaridade.
Segundo Petraglia (2001, p. 23), “o pensamento complexo, configurado
como rede, se opõe ao pensamento linear, reducionista e disjuntivo”, e
permite a promoção do diálogo entre as ciências e estabelecimento de
relações entre os vários tipos de pensamento.

4. SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA (SDI)

A tríade professor-saber-aluno tem permeado o processo de ensino e


aprendizagem no âmbito das configurações didáticas. E a ideia de con-
figuração remete a uma composição da sequência didática a ser ela-
borada pelo professor, que tende por sua vez, desenvolver o processo
de atividades pautadas na apreensão do conhecimento transposto aos
discentes em espaços de aprendizagem. Um expoente das teorias que
permeiam a sequência didática é Guy Brousseau que nos anos 1980 se
dedicou à construção de uma teoria a qual discute as interações do pro-
cesso de ensino e aprendizagem da matemática.

Nesse sentido, Brousseau afirma que:

Uma situação didática é um conjunto de relações estabele-


cidas explicitamente e ou implicitamente entre um aluno
ou um grupo de alunos, num certo meio, compreendendo
eventualmente instrumentos e objetos, e um sistema educa-
tivo (o professor) com a finalidade de possibilitar um saber
constituído ou em vias de constituição. (1986, p. 51)

Para ele, as condições atribuídas aos alunos levam o sujeito a refletir


e usar seus conhecimentos para tomar decisões ou estudar os motivos
pelos quais essas decisões são tomadas. Apesar dos estudos desenvolvi-
dos na didática francesa terem seu foco no ensino e aprendizagem da

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
308
matemática, outras áreas se apropriaram dos princípios didáticos para
estruturar os processos de ensino e aprendizagem. No caso do Ensino
das Ciências e Matemática, em especial nos estudos sobre hermenêu-
tica e dialética, a sequência didática foi estudada e conduzida ao dire-
cionamento de um olhar interativo, com base na complexibilidade de
Morin (1998) e na dialogicidade de Freire (1987). Essa nova maneira
de estruturar a sequência didática foi proposta por Oliveira e a autora
pauta a sequência didática no processo de interatividade. Nasce então,
a Sequência Didática Interativa (SDI). De acordo com Oliveira:

A sequência didática interativa é uma proposta didá-


tico-metodológicas que desenvolve uma série de ati-
vidades, tendo como ponto de partida a aplicação do
círculo hermenêutico-dialético, para identificação de
conceitos/definições, que subsidiam os componentes
curriculares (temas) e, que são associados de forma in-
terativa com teoria (s) de aprendizagem e/ou propos-
tas pedagógicas e metodologias, visando à construção
de novos conhecimentos e saberes. (2013, p. 58).

A sequência didática interativa (SDI) se apresenta como uma nova


perspectiva didática metodológica com a pretensão de promover o en-
sino e aprendizagem em sala de aula.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
309
Figura 1

Sequência Didática Interativa e elementos condicionantes

Fonte: adaptado de Oliveira (2014).

Diante da proposta didático-metodológica, visando contribuir com


as propostas de inovação no ensino e aprendizagem em sala de aula,
a SDI carrega elementos condicionantes que, interligados, apresentam
as condições para aplicar a metodologia interativa em realidades de co-
nhecimento distintas.

O método hermenêutico é configurado como um método que faz uso


da dialogicidade para estabelecer os critérios de análise. Esse método,
que compõe uma das bases para a SDI, permite junto com a análise de
conteúdo, uma melhor compreensão pautada no próprio movimento
do pensar e ponderar sobre o que se pensa, no compreender e fazer-se
compreensível (GADAMER, 2002, p. 563). Esse processo torna-se im-
prescindível na formação de conceitos e definições.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
310
Já a interpretação do conteúdo tem o pensamento complexo como
dispositivo cognitivo capaz de privilegiar o diálogo entre as áreas do
conhecimento e os vários tipos de modelos mentais dando margem a
construir a transdisciplinaridade que como afirma Morin, ao tratar do
princípio organizacional (2003, p.94), “é impossível conhecer as partes
sem conhecer o todo e vice-versa”.

No tocante à dialogicidade, faz-se necessário estabelecer vínculos com


base nas articulações e discussões sobre determinado conhecimento a
ser construído; no caso da SDI, a dialogicidade é um dos elementos pri-
mordiais para se chegar ao entendimento dos conceitos pré-estabeleci-
dos os quais sejam impostos para se estabelecer um novo olhar e a cons-
trução de um novo conhecimento. Para Freire (1987, p. 78), “O diálogo
é o encontro dos homens, midiatizado pelo mundo, para pronunciá-lo,
não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”.

A visão sistêmica na perspectiva da SDI é construída a partir da visão


estabelecida pelo olhar compreensivo da complexidade. Oliveira (2013)
entende que a visão sistêmica deve ser compreendida numa dimensão
de totalidade, de organização, de complexidade, de sistematização de
fatos, objetos e fenômenos. Parafraseando a autora, a complexidade,
instabilidade e intersubjetividade são trabalhadas na visão sistêmica
de forma integrada.

No elemento, análise de conteúdo, a SDI leva em consideração a in-


terpretação dos dados coletados nas falas dos atores envolvidos no pro-
cesso da sequência didática interativa, aplicada em um determinado
momento. Para Bardin (2009), a análise de conteúdo, enquanto método
torna-se um conjunto de técnicas de análise das comunicações que uti-
liza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens. As mensagens, no caso da SDI, correspondem à fala dos
pesquisados.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
311
5. MAPA CONCEITUAL

A construção de conceitos faz parte de um processo cognitivo e cons-


trutivo individual, em que o aprendiz agrega significado àquilo que
conseguiu reproduzir como certo e significativo em seu aprendizado.
Para tanto, alguns aprendizes fazem uso de diagramas e esquemas ca-
pazes de auxiliar o processo de construção de conceitos dando margem
à construção de significados e finalmente aprendizado.

Os Mapas são configurações que norteiam caminhos e no caso da


aprendizagem nos deparamos como os mapas conceituais, que é uma
ferramenta formulada por Joseph Novak (1977), que tem como objeti-
vo representar relações significativas entre conceitos na forma de pro-
posições. A construção de significados proposta pelo mapa conceitual é
fundamentada na teoria da aprendizagem significativa idealizada por
David Ausubel (1963).

Segundo Moreira (2010), a relação entre aprendizagem significativa


e mapas conceituais apresentou um potencial para facilitar a negocia-
ção, construção e aquisição de significados. Ausubel, Novak e Hanesian
(1978, p. 34) definem Aprendizagem Significativa como “[...] o processo
através do qual uma nova informação (um novo conhecimento) se rela-
ciona de maneira não arbitrária e substantiva à estrutura cognitiva do
estudante”.

Os mapas conceituais procuram seguir uma linha de raciocínio hie-


rárquica sem buscar uma classificação que reproduza significado e en-
tendimento do conceito atribuído ao aprendiz. Tavares (2007, p. 72)
define Mapa Conceitual como “uma estrutura esquemática para repre-
sentar um conjunto de conceitos imersos numa rede de proposições”.
Segundo o autor, “[...] existe uma grande variedade de tipos de mapas
disponíveis [...].

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
312
Nesse caso, os mapas conceituais foram concebidos para relacionar os
conceitos de hermenêutica, na perspectiva gráfica configurada a partir
de um entendimento não linear, mas de forma lógica sequencial de pa-
lavras e significados.

5. APORTE METODOLÓGICO

Os caminhos metodológicos trilhados foram percorridos a partir da


metodologia interativa, fruto da aplicação de uma Sequência Didática
Interativa (SDI), proposta por Oliveira (2013), tendo como tema de dis-
cussão o conceito de Hermenêutica, a partir do texto de Nadja Herman.
A SDI foi aplicada na disciplina, Hermenêutica, Dialogicidade e Com-
plexidade na Formação de Professores, na pós-graduação em Ensino
das Ciências e Matemática, da Universidade Federal Rural de Pernam-
buco/UFRPE, Turma 2018.2. As atividades desenvolvidas na SDI foram
aplicadas a catorze discentes presentes no dia da atividade.

5.1 APLICABILIDADE DA SDI

Visando estruturar o planejamento das ações e aplicabilidade da SDI,


as atividades foram estruturadas em momentos distintos:

O primeiro momento foi planejado com o intuito de descontrair e pro-


mover interação entre o grupo, além de deixar o momento mais lúdi-
co e mais leve para iniciar a reflexão sobre o papel da hermenêutica na
educação. Para tanto, foram distribuídos partes de ditados populares
desconstruídos. Ao todo foram distribuídos trinta e quatro fichas con-
tendo partes de ditados, cada discente com, no mínimo, duas fichas. O
início dos ditados era conhecido, mas o final, nem sempre, como por
exemplo: “Uma andorinha...” “... é um animal solitário”; “Cavalo dado...”
“... a gente recebe e agradece.”; “Devagar...” “... demora mais a chegar.”.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
313
Os integrantes deveriam encontrar os pares e dar sentido aos ditados,
para que ficassem compreensíveis.

Nessa atividade, logo percebemos que os discentes não queriam sair


de suas cadeiras e todos procuraram a sequência conhecida: “Uma an-
dorinha não faz verão”, “Cavalo dado não se olha os dentes”, “Devagar
se vai ao longe”. Quando perceberam que não foi possível solucionar
o problema com os amigos próximos, a turma se levantou e começou
a discutir e procurar o complemento do ditado. Alguns, inicialmente,
desistiram dizendo que faltavam fichas, mas afirmamos que não. Logo,
um colega conseguiu fazer um par lógico: “Devagar, demora muito a
chegar”. Desvendado o “mistério” dos ditados, passou-se à discussão da
situação, articulando com o texto. Foi o primeiro momento de diálogo
que pudemos fazer relação entre sentido e compreensão, pressupostos
para a hermenêutica.

A promoção desse momento proporcionou, também, o rompimento


com um pensamento estabelecido e permitiu que pudéssemos perce-
ber que a compreensão pode passar pelo sentido do “ato de educar e so-
bre seus vínculos com a tradição” (HERMANN, 2002, p. 29), através do
diálogo. Assim,

Nós nos aproximamos mais da linguagem quando pensa-


mos no diálogo. Para que um diálogo aconteça, tudo precisa
se afinar. Quando o companheiro de diálogo não nos acom-
panha e não vai além de sua resposta, mas só tem em vista,
por exemplo, com que meios de contra-argumentação ele
pode limitar o que foi dito ou mesmo com que argumenta-
ções lógicas ele pode estabelecer a refutação, não há diálogo
algum – um diálogo frutífero é um diálogo no qual oferecer
e acolher, acolher e oferecer conduz, por fim, a algo que se
mostram como sítio comum com o qual estamos familiari-
zados e no qual podemos movimentar uns com os outros.
(GADAMER, 2002, p. 46).

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
314
O diálogo, nesse momento da atividade, foi crucial, pois foi ele e a
curiosidade que permitiram que o grupo, aberto ao novo, se despisse
dos conceitos estabelecidos e reorganizassem o próprio pensar e com-
preender. Foi o diálogo que permitiu “desafiar o educando com quem
se comunica e a quem comunica produzir sua compreensão” (FREIRE,
2003, p.38), compreensão essa que Morin (2003) aponta como essen-
cial para que possamos ter uma “cabeça bem feita” na contramão de
uma “cabeça cheia” e fragmentada, tão comum nos nossos tempos.

No segundo momento, a atividade do grupo se deu a partir do tex-


to “Superando distâncias: a busca de significado da hermenêutica”, de
Nadja Hermann. Nessa etapa, contamos que todos teriam lido o texto,
com antecedência, como preconiza Severino (2000), quando fala das
etapas de um seminário. Ao confirmar a leitura prévia dos colegas, su-
gerimos a construção de mapa conceitual sobre a hermenêutica e sua
relação com a educação.

5.2 Mapas conceituais sobre compreensão e racionalidade

Na atividade, a turma naturalmente se dividiu em dois grupos e dis-


ponibilizamos diversos materiais: cartões coloridos, canetas, fita adesi-
va. Cada grupo teve trinta minutos para discutir os principais concei-
tos presentes no texto, construir um mapa conceitual com os mesmos
e relacioná-los, apresentando e debatendo com o outro grupo. Abaixo,
as representações dos trabalhos.

5.3 Mapa conceitual Compreensão

O grupo 01 construiu um mapa conceitual baseado no enten-


dimento do termo “compreensão”, na perspectiva do significado
de Hermenêutica. A construção do mapa conceitual recorreu ao

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
315
aporte teórico mediado pelas leituras prévias do texto Herme-
nêutica e Educação, de Nadja Hermann (2002).

Figura 2

Mapa conceitual a partir do termo Compreensão

Fonte: dados da sequência didática, 2018

O grupo apresentou dois caminhos que levam ao significado da “com-


preensão”, um a partir do significado original e da história mitológica
de Hermes, o mensageiro dos deuses e, outro que destaca a importância
do método para o trabalho a partir da hermenêutica. Logo em segui-
da, destacam a importância da linguagem e de como ela é usada para a
construção do sentido, das coisas, pautadas na historicidade e no diálo-
go, elemento essencial para os processos de compreensão.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
316
Por outro lado, o termo “compreensão” também se relaciona com pers-
pectiva do método configurado pela racionalidade, que por sua vez, dá
origem ao objeto com margem ao reducionismo. Nesse mapa conceitual,
observamos que foi construído um ponto de intercessão entre o diálogo
e a interpretação, no sentido de superação do reducionismo. Aqui, a in-
terpretação é considera um aspecto subjetivo que, mediada pela lingua-
gem, leva a mensagem que será compreendida articulando a história e
os sentidos que cada um dá à mensagem.

5.4 Mapa conceitual racionalidade

O grupo 2 construiu o significado de hermenêutica a partir do termo


racionalidade.
Figura 3

Mapa conceitual do termo Racionalidade

Fonte: dados da sequência didática, 2018

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
317
O grupo 2 construiu o mapa conceitual, e assim como o grupo 01,
apresentou dois caminhos para abordar os termos: um fazendo uma
crítica ao positivismo e outro, do processo de hermenêutica, propria-
mente dito.

A racionalidade, sob o olhar do positivismo, caracteriza-se por proce-


dimentos empírico-formais e por explicação causal. Quando relaciona o
conceito da racionalidade, a hermenêutica surge como um elemento que
leva em consideração a historicidade que apresenta um caráter interpre-
tativo para compreender o modo de estar no mundo, mediado pela lingua-
gem e pelo diálogo. Nesse contexto, a linguagem, o diálogo e o modo de
estar no mundo, perpassam os sentidos que influenciam o ato pedagó-
gico.

5.5 Resultados analisados a partir da aplicação da Sequência Didática


Interativa (SDI)

A riqueza da dinâmica se deu nas discussões entre os grupos e na com-


plementação dos conceitos existentes no texto. Conceitos e elementos
que não se destacaram em um grupo foram contemplados pelo outro.
Ambos destacaram a questão da linguagem, do diálogo, da interpreta-
ção e compreensão do texto como elementos essenciais para a herme-
nêutica. Assim como ambos destacaram a historicidade como forma de
estar no mundo, a historicidade que “corresponde a cada um de nós”
(GADAMER, 2002, p. 31) e, que ao mesmo tempo, tem sua “própria lin-
guagem” (idem, p. 71).

Enquanto um grupo apresenta a questão da objetividade e da subjeti-


vidade como elementos que interferem na interpretação, o outro grupo
trata do caráter interpretativo como elemento essencial do compreen-
der. Novamente aqui, conseguimos explicar os destaques pelo pensa-
mento de Gadamer (2002, p. 72) “o movimento da compreensão trans-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
318
corre sempre do todo para a parte e, desta, de volta para o todo. A tarefa
é ampliar, em círculos concêntricos, a unidade do sentido compreendi-
do”. Nessa esfera, Morin (2003, p. 93) afirma que a compreensão, sem-
pre intersubjetiva, relaciona-se do todo para as partes e das partes para
o todo, em um movimento complexo e não fragmentado.

O interessante foi perceber, na participação de todos, um exemplo que


a atividade permitiu os grupos vivenciassem tanto o processo dialógi-
co como o próprio processo hermenêutico previsto como elementos
centrais da SDI. Nos dizeres de Gadamer (2002, p. 563), a relação entre
compreensão e educação se apresenta como a “alma de todo ensino que
queira ensinar (...)”.

Aqui, deve-se destacar, novamente, a importância do diálogo que se


fez nos grupos e no grande grupo. Um diálogo que, como Freire (2003)
coloca, desafiador, que produz sentidos e se concretizou nos mapas
conceituais apresentados pelos grupos. Um diálogo entre docentes e
discentes, em busca da aprendizagem e na superação de um seminário
passivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atividade vivenciada buscou trabalhar um seminário de uma for-


ma diferente, participativa, não teria êxito se todos os discentes não
tivessem lido o texto com antecedência e buscado compreendê-lo, mes-
mo antes de chegar em sala de aula.

Enquanto produto, observamos que o mapa conceitual, mais do que


um recurso didático capaz de apresentar as ideias de um texto de forma
gráfica, também pode ser utilizado como elemento integrante de uma
sequência didática interativa (SDI) permitindo, justamente pela forma
gráfica, observar o destaques dos conceitos principais e o debate sobre

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
319
os conceitos que se repetem (ou mesmo os que se diferenciam) no mapa
e, como eles se integrarão na busca da compreensão do texto.

Mais do que tudo, estiveram presentes os conceitos básicos da dis-


ciplina, a hermenêutica que presume, “a necessidade de abandonar a
pretensão de controle do processo de conhecer e se entregar ao texto”
(HERMANN, 2002, p. 25), o diálogo, que “criticiza e promove os partici-
pantes” (FREIRE, 2011, p. 15), pois a participação, a relação e a interação
entre as pessoas foram elementos permanentes na SDI, e isso permitiu
a construção de mapas conceituais interpretados, compreendidos e
dialogados com “subjetividade criadora” (FREIRE, 2011, p. 24), a com-
plexidade, ao compreender que mesmo dentro de um texto acadêmico
pode-se perceber que o todo e as partes são indissociáveis, interdepen-
dentes, interativos e inter-retroativos, como afirma Morin (2003).

REFERÊNCIAS
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FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa.


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DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
321
Capítulo 16

Experiência com Sequência Didática Interativa (SDI)


com os estudantes do Curso de Licenciatura em
Pedagogia da UAG/UFRPE.
Edna Silva Barreto81
Glória Maria Duarte Cavalcanti82
Maria Marly de Oliveira83

INTRODUÇÃO

Pesquisas têm revelado a importância das concepções prévias dos es-


tudantes no processo de ensino-aprendizagem. Há evidências de que,
durante esse processo, um conceito já existente anteriormente serve de
sistema explicativo, eficaz e funcional para o estudante (ASTOLFI; DE-
VELAY, 1990 apud REBELLO, 2000). Assim, a aprendizagem significa-
tiva somente ocorre quando novos significados são adquiridos, através
de um processo de interação de novas ideias com conceitos relevantes
já existentes na sua estrutura cognitiva.

Uma aprendizagem é tanto mais significativa quanto mais relações


com sentido o estudante for capaz de estabelecer entre o que já conhe-

81 Doutoranda do Programa de Pós-graduação Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade


Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Email: dinha.portal@yahoo.com.br
82 Doutoranda do Programa de Pós-graduação Ensino de Ciências e Matemática, da Universida-
de Federal Rural de Pernambuco. Professora da Unidade Acadêmica de Garanhuns/UFRPE. Email:
gloriacavalcanti@yahoo.com.br
83 PhD em Educação. Profa. Sênior da UFRPE/PPGEC. Leciona a disciplina Hermenêutica, Dialo-
gicidade e complexidade no processo de Formação de Professores (HDC), no Doutorado em Ensino
das Ciências –UFRPE/PPGEC. Email: marly@academiadeprojetos.com.br

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
322
ce, seus conhecimentos prévios e o novo conteúdo que lhe é apresen-
tado como objeto de aprendizagem. A organização geral do ensino ou
o planejamento da sequência didática na qual é abordada a aprendiza-
gem dos novos conteúdos pode chegar a ser um impedimento para que
os estudantes percebam que é preciso mobilizar seus conhecimentos
prévios.

A Sequência Didática Interativa (SDI) possibilita um trabalho organi-


zado paulatinamente, o crescimento e o aprofundamento em conceitos
e em saberes, buscando despertar a curiosidade e motivação dos estu-
dantes, tendo em vista os conhecimentos a serem construídos. Permite
ao professor diagnosticar as dificuldades dos estudantes e ir sanando
as mesmas gradativamente, além de tornar o ensino mais prazeroso.
Além disso, quando trabalhamos a SDI, o educando se vê protagonis-
ta da sua própria aprendizagem, uma vez que visa apresentar desafios,
descobertas, e acima de tudo construir conhecimentos.

Justificamos esta pesquisa dada a importância que a SDI tem se tor-


nado no campo da pesquisa acadêmica, pois de acordo com Oliveira
(2013), a SDI é um procedimento metodológico que permite a constru-
ção e reconstruções dos mais variados conceitos. Diante disso, ao trazer
essa abordagem aos futuros professores da educação básica, desejamos
contribuir com sua formação inicial, para que, de posse desse procedi-
mento metodológico, possam utilizá-la nas mais variadas situações e
nos mais variados níveis de ensino, de forma segura e aproveitando o
máximo que a SDI pode lhes proporcionar.

Tendo em vista o papel fundamental dos futuros professores em sala


de aula e a necessidade de que estes reflitam sobre sua importância
e sua prática no processo de ensino-aprendizagem, foi tomado como
questão problema desta pesquisa investigar as concepções prévias de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
323
um grupo de estudantes do curso de Licenciatura em Pedagogia, sobre
o conceito de Método e Metodologia.

Com intuito de buscar resposta para problemática, delimitamos o


objetivo geral desta pesquisa: analisar a Sequência Didática Interativa
como metodologia para levantar as concepções de Método e Metodolo-
gia com os estudantes do curso de Licenciatura em Pedagogia da Uni-
dade Acadêmica de Garanhuns da Universidade Federal Rural de Per-
nambuco (UAG/UFRPE).

1. A IMPORTÂNCIA DO LEVANTAMENTO DAS CONCEPÇÕES PRÉVIAS


DOS ESTUDANTES

O enfoque dado às concepções prévias dos estudantes em diversas


atividades de aprendizagem em sala de aula pode se constituir como
um importante recurso didático para a construção de conceitos sobre
diferentes temas. As ideias prévias ou concepções prévias são os conhe-
cimentos ou as representações construídas pelos indivíduos de uma
sociedade. São os conhecimentos provenientes da primeira leitura de
mundo por parte dos indivíduos e da necessidade que eles têm de res-
ponder e resolver os problemas do cotidiano (FLORENTINO; REZNIK,
2004).

Os trabalhos voltados para o estudo das concepções prévias dos estu-


dantes datam da década de 1970 e foi introduzido por diversos autores
na busca de valorização das ideias levadas pelos estudantes para sala
de aula. As pesquisas sobre essa temática revelaram que a abordagem
de novos conceitos em sala de aula pode ser favorecida quando se toma
como ponto de partida as concepções prévias dos estudantes.

Dessa forma, é importante compreender que a exploração inicial para


a construção de um conceito por parte dos estudantes, a partir de co-
nhecimentos e/ou representações edificadas ao longo de suas experiên-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
324
cias de vida, além de facilitar a interação entre os pares no contexto da
sala de aula, também favorece a construção de um novo saber. (OLIVEI-
RA, 2013).

Assim, trabalhando a partir dos conhecimentos prévios dos estu-


dantes, o professor os entende como protagonistas em seu processo de
aprendizagem, bem como pensar nas estratégias de ensino que serão
adotadas durante as atividades realizadas em sala de aula. Dessa forma,
os estudantes entendem o que é explicado pelo professor, partindo de
suas próprias teorias implícitas (POZO, 1999).

2. MÉTODO E METODOLOGIA

Sabemos que existe diferença entre conceito e definição e que esta di-
ferença está na maneira como reconhecemos o sentido das coisas do
mundo. Para estabelecer uma definição de um objeto, como exemplo
“caneta”, parte-se do pressuposto que ela é constituída de uma substân-
cia com características únicas, a qual pode ser identificada e permite
estabelecer a diferença entre o objeto “caneta” e os demais objetos do
mundo. O objeto é, portanto, dotado de uma essência que, ao ser desco-
berta, possibilita estabelecer sua diferenciação com outros objetos do
mundo, afirmar universalmente que todo o objeto que contenha uma
essência de “caneta” será uma “caneta”.

No entanto, ao estabelecer um conceito do objeto “caneta”, parte-se da


hipótese que ela não é dotada de uma essência. O objeto é determinado
por sua relação com inúmeras variáveis de um dado contexto no qual
ele está inserido (usos, costumes etc.). Trata-se de um olhar contextual
de um determinado ambiente. (ARRABAL, 2013).

Segundo Oliveira (2010), conceito é um quadro mental que o ser hu-


mano vai formando desde a mais tenra idade, a partir do contato com a
realidade, onde começa a dar nome aos objetos. Definição é uma expli-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
325
cação precisa, uma significação do objeto de conhecimento; exprime a
essência de um conceito; ou seja, é uma operação mental que determi-
na os limites do objeto do pensamento.

O termo Método e Metodologia, conceitualmente, possuem determi-


nadas diferenças. O termo método está relacionado a caminho, manei-
ra, modos de proceder a fim de atingir um determinado objetivo. Já o
termo metodologia são os procedimentos e regras utilizadas por deter-
minado método. Representa uma ciência cujo objetivo está ligado ao es-
tudo do método. Metodologia faz parte de um campo de estudo que visa
buscar os melhores métodos a fim de se produzir conhecimento.

No entanto, alguns autores se dedicaram a escrever sobre esse assun-


to, mas não chegaram a um consenso. Às vezes são vistas pesquisas
onde o termo metodologia vem sendo utilizado como sinônimo de mé-
todo. Vejamos algumas definições:

• Richardson (1985) conceitua método, em se tratando de pesquisa


científica, como uma escolha de procedimentos sistemáticos para
a descrição e explicação de fenômenos.

• Barros (1986) destaca que a aplicação do termo metodologia está


ligada a estudar e avaliar os vários métodos disponíveis, identi-
ficando suas limitações ou não ao nível das implicações de suas
utilizações.

• Farias (2011) define metodologia com o estudo dos métodos e es-


pecialmente dos métodos da ciência, enquanto método é o modo
de proceder, a maneira de agir, o meio propriamente. Assim, me-
todologia é a ciência integrada dos métodos.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
326
2.1 METODOLOGIA

Metodologia é um processo que implica a “utilização de métodos e


técnicas” e visa contribuir para a construção de novos conhecimentos
e na análise da realidade estudada, que deve estar intrinsecamente li-
gada ao problema de pesquisa e a fundamentação teórica (OLIVEIRA,
2011, p. 18).

Com a finalidade de desenvolver o nosso objeto de estudo, analisar as


concepções de um grupo de estudantes do curso de Licenciatura em
Pedagogia sobre Método e Metodologia, optamos como campo de pes-
quisa a UAG/UFRPE. A Unidade Acadêmica de Garanhuns está vincu-
lada a Universidade Federal Rural de Pernambuco. A mesma foi criada
no dia 05 de setembro de 2005, com o intuito de interiorizar o ensino
superior, até então mais fortemente concentrado nas capitais brasilei-
ras; foi o primeiro campus da UFRPE, o primeiro a ser implantada como
expansão no Brasil, e tem ido muito além de ser um espaço de ensino,
pesquisa e extensão (UAG, 2017).

Quanto aos instrumentos de pesquisa, devem está visceralmente li-


gados aos objetivos de estudo já delineados (OLIVEIRA, 2011). Sendo
assim, para realização de nossa pesquisa de campo, optamos pela SDI
que é uma nova proposta didático-metodológica e pretende contribuir
com o docente na organização de uma atividade em sequência e/ou eta-
pas para aprofundar ou construir o conhecimento de uma determina-
da disciplina no contexto da sala de aula (OLIVEIRA, 2010).

A Sequência Didática Interativa constitui-se também como uma fer-


ramenta didática que se aplica no processo de ensino-aprendizagem,
podendo ser utilizada nos contextos formais ou informais da educação,
nos diversos níveis de ensino, contribuindo para a sistematização de

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
327
conteúdos e/ou elaboração de novos conhecimentos. Segundo Oliveira
(2013, p.58) a SDI:

É uma proposta didático-metodológica que desenvolve uma


série de atividades, tendo como ponto de partida a aplica-
ção do círculo hermenêutico-dialético para identificação de
conceitos/definições, que subsidiam os componentes cur-
riculares (temas), e, que são associados de forma interativa
com teoria (s) de aprendizagem e/ou propostas pedagógicas
e metodologias, visando à construção de novos conheci-
mentos e saberes.

A SDI é um procedimento metodológico para sistematização do en-


sino-aprendizagem, onde o elemento principal é a participação efetiva
dos estudantes. Dessa forma, os estudantes tornam-se os protagonistas
da sala de aula, são eles os responsáveis pela construção e reconstrução
do conhecimento, das decisões toamadas pelo grupo valorizando a opi-
nião do outro. Com isso, a SDI facilita o diálogo entre os professores e
seus estudantes, e dos estudantes entre si, tendo como resultado a pro-
dução de novos saberes (OLIVEIRA, 2013).

Os principais fundamentos teóricos que dão sustentabilidades à SDI


estão fundamentados na Metodologia Interativa, que segundo Oliveira
(2013, p. 14):

[...] é um processo hermenêutico-dialético e dialógico que


facilita entender e interpretar a fala e os depoimentos dos
atores sociais em seu contexto, na perspectiva de uma visão
sistêmica da temática em estudo.

Assim, de acordo com Oliveira (2013), a metodologia pode ser apli-


cada nas diferentes áreas de conhecimentos, com os mais variados e
complexos temas, estando aberta a possíveis adaptações. Os principais
aportes teóricos que dão base à SDI são: a diologicidade segundo Freire
(1987, 2004), no pensamento complexo de Morin (2008), na visão sis-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
328
têmica segundo Vasconcelos (2002), no método de análise de conteúdo
de Bardin (1977), na Hermenêutica de Gadamer (1997) e na Dialética
em Hegel e Marx (2009).

Na aplicação da Metodologia interativa, faz-se necessário uma con-


sistente fundamentação teórica para permitir a identificação das ca-
tegorias de análise. Assim, a categoria geral está relacionada ao tema
em estudo; as categorias teóricas são aquelas identificadas durante a
construção do quadro teórico do tema em estudo; as categorias empí-
ricas são formuladas a partir das categorias teóricas, como referenciais
para construção dos instrumentos de pesquisa, e as unidades de análise
representam as respostas dadas pelos atores sociais (OLIVEIRA, 2011).

A SDI é entendida como sendo um procedimento metodológico onde


o professor organiza uma série de atividades em etapas para aprofun-
dar e construir conhecimento de um determinado conteúdo. É um pro-
cesso interativo que valoriza as concepções individuais dos participan-
tes do grupo sobre a temática estudada. A seguir, apresentamos o passo
a passo da SDI (Figura 1):

2.2. Sequência de atividades

• Definir qual o tema a ser trabalhado. Uma vez definido entregar a


cada educando/participante uma pequena ficha; o professor soli-
citará que cada estudante escreva na ficha o que entende pela te-
mática que foi definida.

• O professor/coordenador irá dividir os estudantes em pequenos


grupos entre quatro e cinco pessoas. Uma vez formados os grupos,
o professor irá solicitar que este faça uma síntese dos conceitos
que foram construídos por cada um, na primeira etapa; ou seja,
irão construir a definição do grupo, mas é importante ressaltar
que cada membro deve se sentir contemplado na nova definição.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
329
• Nessa etapa, cada grupo deverá escolher uma pessoa para repre-
sentá-lo, e junto com os demais representantes irão forma o grupo
de líderes. Nesse grupo, o professor/coordenador solicitará que os
líderes façam uma síntese da frase construída com a síntese de to-
dos os pequenos grupos. Dessa forma, é construída uma síntese
geral, ou seja, a definição da realidade apresentada naquele mo-
mento e local.

Figura 1

Etapas da SDI

Fonte: Construção das autoras (2017)

A aplicação da SDI não tem tempo delimitado, cabe ao professor/coor-


denador definir junto com os estudantes o tempo de cada etapa, por
isso, ela é dialética-dialógica, pois todos os envolvidos têm vez e voz na
metodologia. Além disso, é importante que o resultado final seja socia-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
330
lizado no ambiente escolar, em seminários, ou até mesmo em redes so-
ciais.

2.3 Procedimento metodológico

A pesquisa foi realizada com um grupo de estudante da disciplina Me-


todologia do Ensino das Ciências I. No momento atual da pesquisa, os
licenciandos se encontram no quinto período do curso de Licenciatura
em Pedagogia da UAG/UFRPE. A turma contém trinta estudantes regu-
larmente matriculados, no segundo semestre de 2017. Participaram da
pesquisa vinte licenciandos de forma voluntária e com entusiasmo, os
demais estudantes não estavam presentes no dia da coleta de dados.

A versão da SDI para a construção deste trabalho consiste na realiza-


ção das seguintes etapas: primeiro cada estudante recebeu uma folha
de papel, onde individualmente deram seu conceito sobre Método e
Metodologia. No segundo momento, formaram-se quatro grupos, cada
um tinha cinco participantes. Nesse momento os grupos, a partir dos
conceitos que cada um elaborou sobre Método e Metodologia, juntos
produziram uma nova síntese, ou o conceito do grupo. Feita a síntese
de cada grupo, os líderes (que foram escolhidos para representar o gru-
po) formaram um novo grupo, onde as sínteses foram trabalhadas na
produção de uma nova síntese final ou a definição da turma.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para o processo de análise dos dados obtidos é recomendável que se


faça uma matriz geral das categorias de análise (Quadro 1). Após análi-
se dos dados coletados, realizamos a categorização, utilizando a análise
de conteúdo de Bardin (1977), categorias que, a propósito, compõem
da SDI. Destacamos suas principais categorias teóricas: Concepções
prévias dos estudantes sobre Método e Metodologia. As categorias em-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
331
píricas surgiram das perguntas realizadas no desenvolvimento da SDI,
quais sejam: O que é Método? O que é Metodologia? As unidades de
analise, por sua vez, surgiram das respostas às questões aqui enuncia-
das, quais sejam: Processo utilizado para alcançar determinado objetivo/
objeto e reunião de métodos (referente à primeira categoria empírica);
Conjunto de instrumentos e técnicas utilizadas (referente à segunda ca-
tegoria empírica).

Quadro 1

Matriz geral das categorias

Categorias teóricas Categorias empíricas Unidade de análise

• Processo utilizado
Concepções prévias para alcança
dos estudantes sobre O que é metodologia? determinado objetivo/
Metodologia objeto.
• Reunião de métodos.

• Conjunto de
Concepções prévias dos instrumentos.
O que é método?
estudantes sobre Método
• Técnicas utilizadas

Fonte: Construção das autoras (2017)

Para a primeira categoria empírica, o que é metodologia, surgiram


duas unidades de análises: processo utilizado para alcançar determina-
do objetivo/objeto e reunião de métodos.

Dos quatro grupos participantes, metodologia é o processo utilizado


para alcançar determinado objetivo/objeto, como podemos identificar
na síntese dos grupos 01 e 02:

Grupo 01 - É o processo que se utilizou, não só instrumentos, mas sim que


se envolve na pesquisa, o passo a passo de como vai aplicar [...] o processo
de como utilizar os recursos para alcançar determinado objetivo.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
332
Grupo 02 - São formas de aplicação dos métodos em determinado objeto,
ou processo de ensino e aprendizagem.

Segundo Oliveira (1997), a metodologia estuda os meios ou métodos


de investigação do pensamento concreto e do pensamento verdadeiro,
e procura estabelecer a diferença entre o que é verdadeiro e o que não
é, entre o que é real e o que é ficção, a fim de se chegar a determinado
objeto.

Sendo assim, a definição ora apresentada pelos estudantes corrobo-


ra com a da referida autora, quando esta argumenta que a metodolo-
gia nos proporciona, através das técnicas e métodos aplicados, chegar
ao objetivo desejado. Tal afirmação se reflete na resposta do grupo 02
quando diz que “Metodologia são as formas de aplicação dos métodos
em um determinado objeto, ou processo de ensino e aprendizagem”. Já
para o grupo 03 e 04 Metodologia teve outro significado:

Grupo 03 - É o processo de investigação acompanhado de coleta de dados.


Uma reunião de métodos utilizados para atingir determinado objetivo.

Grupo 04 - Seria a parte teórica, o planejamento de como será trabalha-


do um determinado conteúdo, ou seja, a parte da elaboração.

Para os grupos 03 e 04, portanto, Metodologia se apresenta como con-


junto de procedimentos que precisamos seguir a fim de alcançarmos
determinado objetivo. Tal afirmação, encontra sintonia com o pensa-
mento de Oliveira (2011), quando esta afirma que a Metodologia trata
de estudos e pesquisas através de utilização de métodos, técnicas e dis-
cursos, sendo um conjunto de operações sistematizadas e racionalmen-
te encadeadas. Ou seja, é a explicação minuciosa, detalhada, rigorosa e
exata de toda ação desenvolvida no método escolhido para o trabalho a
ser executado.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
333
Em nossa segunda categoria teórica, concepção prévia dos estudantes
sobre métodos, também identificamos duas unidades de análises: con-
junto de instrumentos e técnicas utilizadas.

De acordo com Libâneo (2013, p. 166), “o método vai em busca das


relações internas de um objeto, de um fenômeno, de um problema”. Ele
é o caminho escolhido para atingir os objetivos preestabelecidos. Nesse
sentido, para os grupos 01 e 02, método surge como conjunto de ins-
trumentos:

Grupo 01 - Método é o definir de ações que virão a ser realizadas; conjun-


to de instrumentos para realizar a pesquisa, as ações praticadas dentro de
uma metodologia, ou seja, como será praticado esse objetivo. É um ou mais
conjunto de instrumentos, a maneira como será realizado.

Grupo 02 - Método é aquilo que será aplicado em algo, como instrumentos


e técnicas, ou práticas que serão desenvolvidas em um determinado objeto.

A concepção dos licenciandos está de acordo com o que afirma segun-


do Libâneo (2013), ou seja, o pesquisador ao realizar sua pesquisa pode
utilizar-se de um ou vários instrumentos, bem como não deve usar ape-
nas um único método, mas uma variedade de métodos, a fim de alcan-
çar nossos objetivos. Já para os grupos 03 e 04, método é:

Grupo 03 - São os mecanismos utilizados para aplicar uma possível téc-


nica.

Grupo 04 - Seria a forma, mecanismo e técnicas utilizadas para alcançar


o objetivo, ou seja, a prática.

Método científico é o conjunto das normas básicas que devem ser segui-
das para a produção de conhecimentos que têm o rigor da ciência, ou seja,
é um método usado para a pesquisa e comprovação de um determinado
conteúdo (OLIVEIRA, 2010). A significação que os grupos 03 e 04 abor-

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
334
daram em sua fala sobre método, como reunião de técnica, foge com-
pletamente do sentido real da palavra método.

De acordo com Lakatos e Marconi (2010), na linguagem popular, mui-


tas vezes, técnica e método se confundem. Mas, a concepção de técnica
e método têm significados específicos. De fato, método é um conjunto
de etapas, ordenadamente dispostas, a serem vencidas na investigação
da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar determinado
fim (HEGENBERG; SILVA, 2005) e técnica é o modo de fazer de forma
mais hábil, mais segura, mais perfeita, algum tipo de atividade, arte ou
ofício (GIL, 2009).

O método, portanto, indica O QUE fazer e a técnica COMO fazer. O mé-


todo é o orientador geral da atividade, é a estratégia da ação. A técnica é
a tática, soluciona o modo especifico e mais adequado pelo qual a ação
se desenvolve em cada etapa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises das experiências vivenciadas pelos licenciandos em Pe-


dagogia demonstram que a SDI se apresenta como uma estratégia de
ensino-aprendizagem exitosa. A SDI revelou um potencial para uma
aprendizagem crítica e reflexiva, valorizando a opinião e a interação
dos estudantes. Fato este atestado por todos os licenciandos que parti-
ciparam da SDI, onde quase todos foram unânimes em relatar opiniões
positivas quanto à aplicação do procedimento metodológico; em con-
trapartida à constatação quase inexistente de dificuldades (pontos ne-
gativos) em sua aplicação.

Dentro as contribuições elencadas pelos licenciandos, quanto à SDI,


ressaltamos:

• Ajuda no levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos;

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
335
• Auxilia na socialização de entendimento para chegar a um con-
senso;

• Possibilita uma aula diferente e mais dinâmica;

• Facilita uma melhor compreensão dos temas estudados;

• Garante ao professor planejar etapas do trabalho, partindo do in-


dividual para o coletivo;

• Favorece a construção e reconstrução de conceitos;

• Possibilita uma visão das diferentes concepções existentes na sala


de aula com relação ao assunto estudado;

• Permite o compartilhamento dos conhecimentos entre os alunos;

• Facilita na construção coletiva de um conceito;

• Promove a interação entre os alunos facilitando a aprendizagem;

• Valoriza a fala dos alunos e promove a participação de todos;

• Possibilita trabalhar com diversos conteúdos em sala de aula;

• Favorece a construção de uma única definição ou síntese.

Com relação aos pontos negativos, aqui por nós entendidos com su-
gestões, uma vez que o tratamento dado pelos licenciandos a este as-
pecto se configuraram como tal, para futuras utilizações da SDI como
ferramenta didática. As sugestões foram as seguinte:

• A SDI deveria ter sido mais explicada no início da aula, porém no


final foi possível compreender melhor a metodologia;

• Faltou uma explicação de como utilizar a SDI na educação infantil;

• Favorecer uma maior divulgação da SDI nos cursos de licenciatu-


ras.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
336
Quanto à construção do conceito de Método e Metodologia que os es-
tudantes construíram ao participar da SDI, identificamos que no diá-
logo estabelecido no grupo de líderes, conseguiram fazer uma síntese
na qual ficou garantida a fala de todos os participantes. Além disso, a
SDI possibilitou a sistematização de conhecimentos preexistente, que
resultou na construção de um novo saber. Posto isso, apresentamos a
seguir o novo conceito de Método e Metodologia dos licenciando:

Metodologia é o processo de investigação acompanhado de coleta de da-


dos, formas de aplicação dos métodos de ensino-aprendizagem, não só
instrumentos, mas o que se envolve na pesquisa que seria a parte teórica,
enfim, a elaboração e a forma de como será trabalhado determinado con-
teúdo.

Método são mecanismos, práticas, instrumentos, técnicas utilizadas


para alcançar, ou desenvolver determinadas ações para atingir possíveis
objetivos.

Face ao que podemos obter da aplicação da SDI junto aos licencian-


dos, enquanto ferramenta didática, ela em muito possibilitou o avanço
das concepções sobre método e metodologia, guardadas as limitações
de tempo pedagógico utilizado. Ainda que diante de tais limitações, os
dados aqui analisados permitiram identificar alguns dos mais impor-
tantes efeitos da SDI: contribuir para o bom funcionamento da sala de
aula, promover o diálogo, a interação e um trabalho de grupo no qual é
possível garantir um pensamento síntese, na medida em que todos têm
oportunidade de expressar suas concepções, ideias e opiniões, onde o
coletivo é mais importante que o individual, finalmente, onde juntos se
pode construir aprendizagens.

DIALOGICIDADE E COMPLEXIDADE NO PROCESSO DE


ANÁLISE HERMENÊUTICA DIALÉTICA-INTERATIVA
337
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