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Curso de Capacitação: Interpretação do

Desenho Infantil

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1
Sumário
1.0 BREVE HISTÓRIA DO DESENHO ............................................................................. 4
2.0 DESENHO NA PESQUISA COM CRIANÇAS: ANÁLISE NA PERSPECTIVA
HISTÓRICO-CULTURAL .......................................................................................................... 9
2.1Considerações sobre o desenho e o processo de desenhar................................... 10
3.0 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA PELA CRIANÇA: DIALOGANDO
COM ALEXANDER ROMANOVICH LURIA ......................................................................... 16
3.1 A criança e o desenvolvimento da escrita, segundo Luria ...................................... 17
3.2 O papel da escola e do professor no processo do ensino e da aprendizagem da
escrita pela criança .............................................................................................................. 28
4.0 O DESENHO NA AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA E PSICOPEDAGÓGICA ................ 31
4.1 Estímulo e métodos de inserção à arte ...................................................................... 33
4.2 O desenho é espontâneo ou é fruto da cultura? ...................................................... 37
4.3 O desenho infantil .......................................................................................................... 38
4.4 Fases/ etapas do desenho infantil .............................................................................. 43
4.5 A importância do Psicopedagogo................................................................................ 49
4.6 O desenho como instrumento de diagnóstico ........................................................... 53
5.0 O OLHAR DO PROFESSOR SOBRE O DESENHO DA CRIANÇA PEQUENA..... 56
5.1 Educação Infantil no Brasil: breve histórico ............................................................... 58
5.3 DESENHO: riscando, rabiscando, das garatujas ao desenho ............................... 61
6.0 O DESENHO DA CRIANÇA: VALORIZAÇÕES DA EXPRESSÃO GRÁFICA ........ 66
6.1 A voz infantil: ultrapassando os muros da cultura imposta ..................................... 67
6.2 A criança desenha, se expressa e se constitui pelo desenho ................................ 76
6.3 O desenho como manifestação da voz infantil ......................................................... 84
7.0 O ESTUDO DO DESENHO ............................................................................................. 95
7.1 A desenho da criança: .................................................................................................. 95
7.2 O estudo do espaço ...................................................................................................... 95
7.3 Elementos do desenho ................................................................................................. 96
7.4 Os sinais da sexualidade .............................................................................................. 96
7.5 O desenho da família .................................................................................................... 96
7.6 O significado das cores................................................................................................. 97
7.7 Os elementos do desenho............................................................................................ 97
7.8 Etapas gráficas do desenho....................................................................................... 101
8.0 O DESENHO COMO INSTRUMENTO DE MEDIDA DE PROCESSOS
PSICOLÓGICOS EM CRIANÇAS HOSPITALIZADAS .................................................... 103
8.1 O desenho infantil ........................................................................................................ 105
8.2 O desenho como instrumento de medida de processos psicológicos ................ 107

2
8.3 O desenho no contexto hospitalar ............................................................................ 112
8.4 O desenho como medida de dificuldades emocionais em crianças com doenças
crônicas ................................................................................................................................ 116
8.5 O desenho como medida dos conceitos de saúde e doença para crianças ...... 118
9.0 DESENHOS E ABUSO SEXUAL .................................................................................. 120
9.1 Desenho 1 ..................................................................................................................... 121
9.2 Desenho 2 ..................................................................................................................... 122
9.3 Desenho 3 ..................................................................................................................... 123
9.4 Desenho 4 ..................................................................................................................... 124
9.5 Desenho 5 ..................................................................................................................... 124
9.6 Desenho 6 ..................................................................................................................... 125
9.7 Desenho 7 ..................................................................................................................... 126
9.8 Desenho 8 ..................................................................................................................... 126
9.9 Desenho 9 ..................................................................................................................... 127
9.10 Desenho 10 ................................................................................................................ 128
9.11 Desenho 11 ................................................................................................................ 128
10.0 O DESENHO DA FIGURA HUMANA NA AVALIAÇÃO DA AGRESSIVIDADE
INFANTIL ................................................................................................................................. 129
REFERÊNCIA: ........................................................................................................................ 134

3
1.0 BREVE HISTÓRIA DO DESENHO

A história do desenho (ou “pré-história”) começa quase que ao mesmo


tempo em que a do homem. Nas cavernas ficaram gravados, por meio de
desenhos, os hábitos e experiências dos primitivos “homens das cavernas” que
usavam as pinturas rupestres como forma de se expressar e comunicar antes
mesmo que se consolidasse uma linguagem verbal.

Ao longo dos séculos o desenho passou a ser utilizado cada vez de formas
mais diferentes. Sendo até mesmo, um precursor da linguagem escrita, da
fotografia e assim, do cinema, e até mesmo das representações cartográficas.

Ora ilustrando templos sagrados e tumbas, como dos egípcios onde se vê


relatada, praticamente, todas as histórias da vida cotidiana e mesmo da vida
após a morte, ora representando os deuses mitológicos gregos, ou ainda,
conduzindo navegantes por mares desconhecidos como durante os séculos XV
e XVI e nos séculos posteriores, a arte de desenhar acompanhou o homem
durante todo seu desenvolvimento fazendo parte de sua história e, ainda hoje, é
capaz de surpreender e encantar a qualquer um que se permita uma breve
contemplação.
4
Na pré-história o desenho surgiu como forma de as pessoas se comunicarem
facilitando o desenvolvimento de uma linguagem falada e escrita. Não que o
homem tenha aprendido a desenhar antes de falar, porque isso é praticamente
impossível de determinar uma vez que a linguagem falada não deixa marcas em
paredes como as pinturas rupestres. Mas é inegável que a expressão por meio
de pinturas facilitou a comunicação para aqueles povos.

Na antiguidade o desenho ganha status sagrado, principalmente no Egito,


onde é usado para decorar tumbas e templos. Tanto o é que, para os antigos
egípcios uma grave condenação para alguém após a morte é ter raspados todos
os desenhos e inscrições de sua tumba. Mesopotâmicos, Chineses e povos do
continente americano desenvolveram cada qual um sistema diferente de
desenhar, com significados próprios e que caracterizaram cada população. Da
mesma forma ocorreu na antiguidade clássica, quando gregos e romanos
utilizaram o desenho para representar seus deuses.

Já na mesopotâmia o desenho foi utilizado para criar representações da


terra e de rotas de forma bastante primitiva. O nascimento da representação
cartográfica de rotas comerciais e domínios ganha fôlego com a expansão do
Império Romano e a popularização de suas cartas.

Mas um acontecimento realmente importante para todas as formas de


desenho foi a invenção do papel pelos chineses há mais de três mil anos. Até
então eram usados diferentes materiais para as representações como blocos de
5
barro ou argila, couro, tecidos, folhas de palmeira, pedras, ossos de baleia,
papiro (uma espécie de papel mais fibroso muito usado pelos egípcios) e até
mesmo bambu. Estima-se que por volta do ano VI a.C. os chineses já utilizassem
um papel de seda branco próprio para desenho e escrita. Mas, o papel da forma
que conhecemos hoje surgiu em 105 d.C. tendo sido mantido em segredo pelos
chineses durante quase 600 anos. A técnica, embora tenha evoluído, ainda
mantém o princípio de extração de fibras vegetais, prensagem e secagem.

Os apetrechos utilizados para fazer o desenho também foram bem


diferentes até que se inventasse a tão comum caneta em esferográfica, em 1938.
O primeiro “utensílio” usado para desenhar foram os dedos com os quais os
homens da caverna fizeram suas pinturas rupestres, depois foram usados pelos
babilônicos pedaços de madeira ou osso em formato de cunha para desenhar
em tábuas de argila (daí o nome da escrita “cuneiforme”). Com a invenção do
papiro pelos egípcios foi necessário desenvolver outros materiais para escrita e
o desenho. Passaram então a ser utilizados madeira e ossos molhados em tinta
vegetal e, depois, as famosas penas ou ainda o carvão que já era utilizado pelo
homem das cavernas. As penas, no século XVIII, passaram a ser de metal e em
1884, Lewis E. Watterman patenteou a caneta tinteiro, precursora das
esferográficas.

Da mesma forma que os instrumentos utilizados para o desenho


evoluíam, o próprio desenho evoluía junto. No Japão, a época mais próspera dos
samurais (1192 a 1600) o desenho experimenta um grande crescimento. Os
6
samurais além de guerreiros se dedicavam às artes. É no Japão que foi
divulgada a tinta nanquim criada pelos chineses, ao contrário do que se costuma
pensar. Uma tinta preta bastante usada para desenhar e que era feita de um
pigmento negro extraído de compostos de carbono queimados (como o carvão).

Assim como praticamente todas as formas tradicionais de arte, o desenho


foi bastante difundido por religiosos seja no oriente ou no ocidente. Assim, a arte
mantém ainda uma ligação com o religioso, embora no Japão tenha se
popularizado a representação da natureza e na antiguidade já se fizessem
desenhos sobre a vida e as pessoas.

É no Renascimento que o desenho ganha perspectivas e passa a retratar


mais fielmente a realidade ao contrário do que ocorria, por exemplo, nas
ilustrações da Idade Média, quando a falta de perspectiva criava cenários
completamente impossíveis. Com o Renascimento surge também um
conhecimento mais aprofundado da anatomia humana e os desenhos ganham
em realidade. Mestres da pintura na época eram também exímios desenhistas
que usavam os conhecimentos da anatomia para dar mais realidade as imagens
através do uso de sombras, proporções, luz e cores.

Devido a Revolução Industrial surge uma nova modalidade de desenho


voltado para a projeção de máquinas e equipamentos: o desenho industrial.

7
Em 1890, outro marco para o desenho: surge a primeira revista em
quadrinhos semanal da história. No dia 17 de maio de 1890 foi lançada a Comic
Cuts pelo magnata londrino Alfred Harmsworth, mais tarde Lord Northcliffe. Mas,
outras fontes atribuem o feito a obras anteriores: uma destas obras seria o
desenho chamado “Yellow Kid” publicada em 1897 por Richard Outcalt. No
Brasil, as precursoras foram as tiras do ítalo-brasileiro Ângelo Agostini,
publicadas em 1869, no jornal “Vida Fluminense” com o título de “As Aventuras
de Nhô Quim”.

Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) as caricaturas e charges se


popularizam e sua utilização passa a ser cada vez mais frequente. Com a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) não só as caricaturas em periódicos de
grande circulação, mas também as animações passam a ser utilizadas por
ambos os lados numa verdadeira “guerra visual”, seja para fazer propaganda ou
para fazer críticas a um e outro sistema.

Da década de 90 para cá as evoluções foram enormes. Centenas de


periódicos no mundo todo tratam exclusivamente do assunto “desenho” em suas
mais diversas modalidades: cartuns, charges, desenhos técnicos, desenho
artístico, caricatura, animes, mangás, grafite e outros.

Técnicas cada vez mais apuradas de desenho, arte final, diagramação,


impressão e distribuição possibilitaram além da melhoria da técnica, a criação
de estilos tão variados quanto é a variedade de público. E que essa história
nunca termine...

8
2.0 DESENHO NA PESQUISA COM CRIANÇAS: ANÁLISE NA PERSPECTIVA
HISTÓRICO-CULTURAL

Os estudos sobre o mundo do trabalho1 habitualmente mantêm o seu foco


nos "adultos" ou nos jovens ao se inserirem no mercado de trabalho e/ou durante
o processo de escolha profissional. Porém, também é relevante a vinculação
desta temática com o chamado "universo infantil", uma vez que a criança,
mesmo quando não exerce uma atividade produtiva remunerada, relaciona-se
com o mundo do trabalho. Tal pressuposto decorre de uma concepção de sujeito
constituído nas e pelas relações sociais, na intrincada trama em que cognição,
afetos e vontade são historicamente produzidos no próprio movimento de
produção da realidade em suas múltiplas dimensões.

Mas por que e como dialogar com as crianças sobre a temática do


trabalho? Em consonância com que pontua Kramer (2002) e Sarmento e Pinto
(1997), considera-se que ouvir as crianças é buscar uma possibilidade de
compreender a sociedade, porque esta não é formada apenas por adultos, para
os quais se valoriza a expressão de suas ideias, mas também pelas crianças e
pelos sentidos atribuídos por elas à realidade. A linguagem utilizada pelas
crianças ao se comunicarem, no entanto, diferencia-se da dos adultos, na qual
a palavra, a frase, o enunciado articulado predominam. Na comunicação com
outros, a criança utiliza signos vários, como gestos, imagens, silêncios,
expressões, palavras não necessariamente compreensíveis para quem não
compartilha do seu universo de significações, o que requer a utilização de
9
recursos auxiliares quando da pesquisa com esse público. Ciente disso, utilizou-
se, em pesquisa que investigou os sentidos atribuídos por crianças ao trabalho
(Natividade, 2007), o desenho como procedimento complementar à entrevista no
processo de coleta de informações. Neste artigo, a utilização do desenho na
pesquisa referida é discutida, considerando o seu valor heurístico para
investigações com crianças.

2.1Considerações sobre o desenho e o processo de desenhar

O desenho infantil é aqui compreendido à luz da perspectiva histórico-


cultural em psicologia, para o qual o processo de desenhar em si é tão relevante
quanto o produto. Segundo Ferreira, a teoria de Vygotsky (2001, p. 40) traz um
avanço na compreensão sobre o desenho, pois considera que "[...] a) a figuração
reflete o conhecimento da criança; e b) seu conhecimento, refletido no desenho,
é o da sua realidade conceituada, constituída pelo significado da palavra".
Percebe-se, então, que a importância não incide sobre o produto, mas sim na
significação que o autor atribui ao próprio processo de desenhar e sobre o que
é possível compreender da realidade a partir da imagem produzida.

Ao prestar atenção às atividades das crianças, percebe-se que


habitualmente elas gostam de desenhar, sendo o desenho um canal privilegiado
de expressão de suas ideias, vontades, emoções, enfim, do modo como leem a
realidade (Derdyk, 1989; Ferreira, 2001; Gobbi, 2005; Pereira, 2005). O desenho
10
parece mesmo pertencente ao mundo infantil, parece coisa de criança. Pode-se
encontrar nos desenhos um mundo fantástico ou fantasioso onde a criança se
expressa. Mas será esta expressão somente fantasia ou uma expressão de sua
realidade? Como entender o desenho das crianças?

Através da revisão de literatura, pode-se compreender que o desenho, por


se tratar de uma forma de linguagem, tem papel importante tanto no
desenvolvimento da capacidade cognitiva e semiótica, como também na
criatividade e expressão das emoções. Por meio do desenho, o pensamento e a
emoção se objetivam (Souza et al., 2003), e a criança "libera seus repertórios de
memória" (Vygotski, 1991, p. 127). Vygotsky (1998) compreende o desenho
infantil como uma forma de expressão da imaginação criadora do homem. Na
criança, a arte enquanto capacidade criadora, segundo Leite (2004, s. p.), é o
principal meio de expressão, pois

Podemos perceber através da observação da criança a quem é


oferecida a liberdade de criar, que no fazer artístico ela conta o quê
e como sente, o que e como pensa e o quê e como vê/percebe o
mundo à sua volta.

Falar sobre desenho infantil requer também que se reflita sobre


linguagem, imaginação, percepção, memória, emoção, significação, ou seja,
compreender os processos psicológicos envolvidos/constituídos no processo de
desenhar e que não podem ser analisados de forma isolada, visto serem
interdependentes. Ademais, o modo como estes processos se desenvolvem e
11
se objetivam variam em razão das condições sociais e culturais, historicamente
produzidas e particularmente apropriadas em razão dos lugares sociais que cada
pessoa ocupa na trama das relações cotidianas das quais ativamente participa.

Silva (1998) afirma que a visão maturacionista é acentuada na literatura


sobre esta temática, sendo que, nesta visão, o desenho é considerado como
algo natural e espontâneo. Todavia, a autora esclarece que, na perspectiva
histórico-cultural, o desenho é visto como sendo constituído socialmente, pois,
sendo o sujeito um ser social em sua origem, toda sua produção é igualmente
constituída a partir das relações sociais. "Assim como uma pessoa só aprende a
expressar-se oralmente se conviver com falantes, a criança desenha porque vive
em uma cultura que tem na atividade gráfica uma de suas formas de expressão"
(Silva, 1998, s.p).

Vygotski (1998) deixa claro que compreende o desenho infantil a partir do


contexto histórico-cultural no qual a criança está inserida, sendo este marcado
pelas condições que lhe são disponibilizadas: "Não se trata agora de algo
massivo, natural, espontâneo, isto é, do surgimento por si mesmo da criação
artística infantil, mas sim que esta criação depende da habilidade, de hábitos
artísticos determinados, de dispor de materiais, etc." (1998, p. 102) 4. Seguindo
a mesma perspectiva, Ferreira afirma: "Os significados das figurações do
desenho da criança são culturais e produto das suas experiências com

12
os objetos reais mediadas pela palavra e pela interação com o 'outro'" (2001, p.
35).

Segundo Pereira (2005), a garatuja é a fase inicial do grafismo, já o termo


desenho passa a ser utilizado a partir do momento em que a criança reconhece
um objeto no traçado produzido por ela. Vygotski (1998) não trata sobre esta
fase da garatuja, mas, pautando-se nas experiências de Kersensteiner,
apresenta quatro etapas do desenho infantil5, mostrando como a criança
representa a sua realidade no desenho. A primeira etapa corresponde
aos esquemas, onde a criança representa esquematicamente os objetos,
desenhando o concreto através de traços essenciais. Na segunda etapa,
encontra-se o formalismo e o esquematismo na representação, começando a
surgir a forma e a linha, onde o desenho busca uma relação de forma entre as
partes. Esta segunda etapa se diferencia da primeira por apresentar mais
detalhes na representação dos objetos. A terceira etapa é denominada pelo autor
de representação veraz, na qual os esquemas desaparecem e dão lugar ao
contorno plano e os objetos desenhados parecem com o aspecto verdadeiro. Na
quarta etapa, surge a imagem plástica, onde o desenho reflete aspectos reais do
objeto e apresenta perspectiva.

13
Na primeira e segunda etapa, há a presença do desenho radiografado,
onde a criança desenha também o que não vê no objeto, mas sabe que existe
(Vygotski, 1998). Esta característica demonstra que, nas fases iniciais do
desenho, a memória se destaca, pois, a criança desenha o que lembra e
conhece do objeto (Ferreira, 2001). Desenhar a partir de um modelo presente,
isto é, copiar, é característica de um grau maior de desenvolvimento do desenho
infantil, ao qual, de acordo com Vygotski (1998), poucas crianças chegam.

No desenvolvimento do desenho infantil, primeiro a criança se fixa no todo


para realizar seus desenhos e somente depois passa a dar atenção às partes,
às peculiaridades do objeto que pretende desenhar (Vygotski, 1998). Isto pode
ser compreendido também em relação ao desenvolvimento da linguagem verbal,
pois "[...] o desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a
linguagem verbal. Nesse sentido, os esquemas que caracterizam os primeiros
desenhos infantis lembram conceitos verbais que comunicam somente os
aspectos essenciais dos objetos" (Vygotski, 1991, p. 127)

No processo de elaboração do desenho também está presente a


imaginação, pois a criança observa a realidade e registra desta aquilo que lhe é
significativo, sendo os diversos recortes dessa realidade combinados
imaginativamente e objetivados por meio do desenho. "O desenho configura um
campo minado de possibilidades, confrontando o real, o percebido e o
imaginário. A observação, a memória e a imaginação são as personagens que

14
flagram esta zona de incerteza: o território entre o visível e o invisível" (Derdyk,
1989, p. 115).

A imaginação requer objetivação por intermédio da atividade criadora; a


imaginação recria (reelabora, recombina, ressignifica) fragmentos da realidade,
do que já existe. Enquanto a memória registra o que é significativo para o sujeito,
a imaginação objetivada no desenho o projeta para o futuro, pois o sujeito faz
uma elaboração criadora desta realidade significada. Vygotski (1998)
compreende imaginação como sinônimo de fantasia e a atividade criadora como
a objetivação da imaginação; sendo assim, toda realização humana é criadora.
Partindo desta compreensão, entende-se que desde a infância já existem
atividades criadoras7, como nas brincadeiras e desenhos infantis.

Para Vygotski (1998), a atividade criadora compreende tanto os aspectos


cognitivo e volitivo quanto o emocional, pois é a significação da realidade que é
objetivada através do desenho e, por seu intermédio, transformada.
Considerando o desenhar como uma atividade criadora, pode-se pensar que
este expressa os sentimentos do autor e o modo como a realidade é por este
apropriada. Porém, ao desenhar, esses sentimentos e significações são
transformados, dado a inexorável vinculação entre objetivação e subjetivação
que caracterizam o movimento de constituição do sujeito 8. Ler um desenho, por
sua vez, não é tarefa simples, posto que os signos ali traçados não falam por si
só: é preciso interpretá-los, proceder à escuta do que dizem, o que não raro
somente pode ser feito com o auxílio da palavra.

15
3.0 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA PELA CRIANÇA:
DIALOGANDO COM ALEXANDER ROMANOVICH LURIA

O processo de aquisição da escrita pela criança é um assunto que vem


sendo discutido há alguns anos. No entanto, ainda muitas inquietações surgem
dos contextos contemporâneos em que a escrita ganha ainda mais significado
na vida dos sujeitos. A maior parte dos contextos sociais e culturais, de alguma
maneira, apresenta interação com a escrita, das mais simples como escrever um
bilhete até as mais sofisticadas como operar as diversas tecnologias digitais e
que exigem, de alguma maneira, o domínio da escrita. Assim, a aquisição de
habilidades da escrita ultrapassa o ensino e a aprendizagem no contexto escolar,
tornando-se uma necessidade dos sujeitos inseridos em uma sociedade letrada.

Entretanto, frente à necessidade de apropriação do processo de escrita


pela criança, salienta-se que esta não é uma habilidade inata, que já nasce com
a criança. A escrita é resultado da interação do sujeito humano com os membros
de sua espécie, os quais por necessidade de comunicação, ao longo de sua
trajetória, criam signos atribuindo-lhes significados culturais. Portanto, a escrita
é um dos elementos da cultura e aprendida, principalmente, na escola, enquanto
instituição com função social de trabalhar o conhecimento historicamente
produzido pela humanidade.
16
Ao pensar o processo de aquisição da escrita por parte das crianças,
surgem inquietações que motivam a teorizar sobre o tema a partir de alguns
estudiosos. Neste sentido, partindo-se de algumas situações problemas buscou-
se tecer, com base nos escritos de Alexander Romanovich Luria, alguns
elementos importantes para melhor compreender as seguintes questões:
Quando a criança começa a ter noção de escrita? Como se desenvolve o
processo de escrita na criança? Como ensinar, às crianças, o processo de
aquisição das habilidades da escrita? Qual o papel da escola e do professor no
processo de aquisição da escrita pela criança? E outras questões que nortearam
o diálogo com Luria neste artigo.

Estudar o processo de aquisição da escrita é necessário para a escola,


enquanto instituição que trabalha nos processos de ensino e aprendizagem, com
o objetivo de problematizar/responder aos desafios que se apresentam todos os
dias em suas salas de aula. Isto, principalmente no processo de aquisição da
escrita, em razão de que as crianças iniciam o processo de escolarização muito
antes de chegar à escola, cabendo ao professor conhecer e compreender como
a criança se desenvolve e como ocorre este processo.

3.1 A criança e o desenvolvimento da escrita, segundo Luria

Luria (1988) apresenta um estudo sobre a aquisição da escrita


desenvolvido com um grupo composto por algumas crianças russas, com idade
entre quatro e seis anos que nunca haviam tido contato ou sofrido qualquer
influência da escola. Integrava-se também ao grupo uma criança com nove anos
que já frequentara a escola, e outra que apresentava deficiência cognitiva. Este

17
estudo foi realizado em 1929, influenciado por Vygotsky, e teve por objetivo
pesquisar e analisar, juntamente com as funções de atenção e memória, o
desenvolvimento da escrita em crianças russas e camponeses iletrados
(GONTIJO, 2002).

A abordagem realizada nos estudos de Luria (1988) foi na perspectiva


histórico-cultural de Vygotsky, que concebe o desenvolvimento como um
processo marcado por descontinuidades e dependente da aprendizagem, e a
criança se desenvolve através de mediações de instrumentos e signos. Segundo
Vigotski (1998, p. 70) “todas as funções psíquicas superiores são processos
mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O
signo mediador é incorporado à sua estrutura como parte indispensável, do
processo como um todo”.

Para Luria o desenvolvimento da criança acontece a partir da necessidade


dela se relacionar com a sociedade. Assim, o desenvolvimento não deve ser
visto como resultado de adaptações, mas deve-se compreendera relação da
criança com a sociedade construída historicamente a partir das necessidades
dos homens (FACCI, 2004).

Segundo Vygotsky; Luria, (1996) foi a partir da necessidade de uma


relação mais complexa do homem com os objetos e com os outros homens, que
surgiu a linguagem,

[...] seria incorreto pensar que os sons, que assumiram


paulatinamente a função de transmitir certa informação,
eram “palavras” capazes de designar com independência os

18
objetos, suas qualidades, ação ou relações. Os sons, que
começavam a indicar determinados objetos, ainda não
tinham existência autônoma. Estavam entrelaçados na
atividade prática, eram acompanhados de gestos e
entonações expressivas, razão por que só era possível
interpretar o seu significado conhecendo a situação evidente
em que eles surgiam. Além do mais, nesse complexo de
meios de expressão parece que, a princípio, coube posição
determinante aos atos e gestos; estes, segundo muitos
autores, constituíram os fundamentos de uma original
linguagem ativa ou “linear” e só bem mais tarde o papel
determinante passou a ser desempenhado pelos sons, que
propiciaram a base para a evolução paulatina de uma
linguagem de sons independente. Durante muito tempo,
porém, essa linguagem manteve a mais estreita ligação com
o gesto e o ato e por isto o mesmo complexo de sons (ou
“protovocábulo”) podia designar o objeto para o qual a mão
apontava, a própria mão e ação produzida com esse objeto.
Só depois de muitos milênios a linguagem dos sons
começou a separar-se da ação prática e a adquirir
independência. É a essa época que pertence o surgimento
das primeiras palavras autônomas, que designavam objetos
e bem mais tarde passaram a servir para distinguir as ações
e qualidades dos objetos. Surgiu a língua como um sistema
de códigos independentes, que durante um longo período
histórico posterior de desenvolvimento assumiu a forma que
distingue as línguas atuais (Luria, 1979, p. 79).

A linguagem foi considerada por Luria como um dos fatores “decisivo que
determina a passagem da conduta animal à atividade consciente do homem”
(Luria, 1986, p.22).

Nesse sentido, a linguagem é entendida pelo autor como necessidade de


comunicação no processo de trabalho, que durante muito tempo esteve ligada à
atividade humana concreta. Somente após longo processo de complexificação
das formas de existência, foi gradativamente se separando da prática e se

19
tornando “um sistema de códigos suficientes para transmitir qualquer
informação, inclusive fora do contexto de uma ação prática” (Luria, 1986, p.25).

Luria (1988) contrariando muitos psicólogos desenvolvimentistas (que


procuravam estudar a escrita na criança no momento em que esta iniciava sua
vida escolar) entendia que havia a necessidade de compreender como se
desenvolve o processo de aquisição da escrita, antes de ser submetida ao
processo sistematizado de alfabetização, já que ao começar a escrever seus
primeiros registros no caderno, ela não se encontra no seu primeiro estágio do
desenvolvimento da escrita.

As origens deste processo estão localizadas na pré-história do


desenvolvimento das funções superiores do comportamento infantil; portanto,
quando a criança atinge a idade escolar, ela já se relacionou, exercitou, interagiu
e apropriou-se de habilidades e técnicas que possibilitarão a ela aprender a
escrever em um espaço muito pequeno de tempo (GONTIJO, 2002). Pois como
afirma (LURIA, 1988, p.143),

[...] se apenas pararmos para pensar na surpreendente


rapidez com que uma criança aprende esta técnica
extremamente complexa, que tem milhares de anos de
cultura por traz de si, ficará evidente que isto só pode
acontecer porque durante os primeiros anos de seu
desenvolvimento, antes de atingir a idade escolar, a criança

20
já aprendeu e assimilou um certo número de técnicas que
prepara o caminho para a escrita, técnicas que a capacitam
e que tornam incomensuravelmente mais fácil de aprender
o conceito e a técnica da escrita.

Ao entrar na escola, a criança passa a interagir com um sistema de signos


produzidos historicamente pela humanidade para sistematizar e padronizar a
escrita, signos que podem ser desconhecidos para ela, caso não tenha tido
contato com a escrita sistematizada, embora ela já houvesse adquirido
habilidades e técnicas que irão contribuir para a aquisição da escrita formal.
Seria importante para os professores “[...] desenterrar essa pré-história da escrita
[...] o conhecimento daquilo que a criança era capaz de fazer antes de entrar na
escola, conhecimentos a partir do qual eles poderão fazer deduções ao ensinar
seus alunos a escrever” (LURIA, 1988, p. 144).

Luria (1988) registra que em contraste com certo número de outras


funções psicológicas, a escrita pode ser definida como uma função culturalmente
mediada através da utilização de instrumentos e signos que possibilitam, via
interação social, a transformação do meio e dos sujeitos.

O autor esclarece ainda que existem algumas condições prévias que


devem estar presentes nas crianças para ela compreender o uso da escrita e
aprender que a língua escrita é um sistema de signos os quais não tem
significado em si, mas uma função instrumental, funcionando como suporte para
memória, registro de ideias e conceitos. A primeira condição remete às coisas
que apresentam um significado imediato para a criança ou representam um
21
significado funcional, enquanto auxílio para aquisição de um determinado objeto
ou atingir algum objetivo. A segunda refere-se à capacidade da criança em
controlar o seu comportamento e estabelecer relações com os objetos ou por
interesse ou por seu valor instrumental. A criança começa, neste momento, a
desenvolver suas formas complexas do comportamento humano (LURIA, 1988).

Isso remete a observar que o processo de apropriação da escrita não


acontece da mesma forma, tampouco ao mesmo tempo para toda criança. As
habilidades para a escrita e as condições que possibilitam a sua aquisição
devem ser compreendidas pelas pessoas que interagem com a criança, pois,
quando uma criança faz alguns rabiscos desordenados em uma folha de papel
e aponta dizendo que é o seu nome, isto já pode ser considerado como um
registro (GONTIJO, 2002).

Gontijo (2002) parafraseando Luria escreve que os rabiscos das crianças


são os primeiros indícios de escrita pela criança na tentativa de imitar a escrita
realizada pelos adultos com que esta interage. “Esses primeiros rabiscos ou
garatujas produzidos pela criança [...] dizem respeito às formas externas da
escrita, e a escrita é um conhecimento que não se reduz à sua externalidade”
(GONTIJO, 2002, p. 17). A escrita é muito mais que imitação de gestos ou riscos
ela é carregada de significados adquiridos nos contextos culturais. Assim, a
escrita é um meio para recordar, para representar algum significado (LURIA,
1988).

22
Durante as investigações acerca da escrita das crianças Luria observou
que por volta dos três a cinco anos de idade as crianças rabiscam como se fosse
uma brincadeira. Ou seja, “nesse estágio de desenvolvimento, na realidade
ainda não constituem uma escrita ou mesmo um auxílio gráfico, mas apenas
desenhos no papel” (LURIA, 1988, p.156). Assim, as crianças quando rabiscam
organizam de tal maneira os rabiscos para que possam lembrar com facilidade
o significado do que estaria representado pelos rabiscos (GONTIJO, 2002, p.
17).

No entanto, muitas vezes as crianças organizam os rabiscos, ao se


remeterem aos mesmos não lembravam mais o que significavam. Conforme
escreve Oliveira (2010, p. 71):

As crianças imitavam o formato da escrita do adulto,


produzindo apenas rabiscos mecânicos, sem nenhuma
função instrumental, isto é, sem nenhuma relação com os
conteúdos a serem representados. Obviamente este tipo de
grafismo não ajudava a criança em seu processo de
memorização. Ela não era capaz de utilizar sua produção
escrita como suporte para a recuperação da informação a
ser lembrada.

Para Luria (1988) esta fase do grafismo se apresenta como sinais


primários da escrita, porém ainda não podem ser chamados de signo simbólico,
porque nem sempre a criança recorda os seus significados. Nesta fase a escrita
23
é imitativa, o grafismo realizado pela criança não a ajuda a lembrar do que ela
fez em razão de a criança não ter desenvolvido a função mnemônica. Ou seja, a
criança não é capaz de “utilizar sua produção escrita como suporte para
recuperação da informação a ser lembrada” (OLIVEIRA, 2010, p. 71).

Pode-se inferir que Luria faz uma comparação da pré-escrita (rabiscos)


realizada pela criança com as primeiras tentativas de escrita realizadas pelos
primórdios. Assim, evidenciasse que a escrita é uma criação cultural e por meio
da qual o sujeito vai estabelecendo relações sociais. A criança ao estabelecer
relações externas com a escrita por meio das vivências, faz com que a escrita
vá ganhando significação e passa a ser internalizada por meio das mediações
que vão ocorrendo. À medida que estes processos ocorrem às funções
psicológicas superiores se desenvolvem e os conceitos do uso social da escrita
na cultura, vão sendo apropriados, muitas vezes, mesmo sem a criança
conhecer o sistema de escrita alfabética.

24
A criança desde que nasce estabelece relação com o mundo que a
circunda seja ele de natureza física ou humana. É nas relações e interações com
os sujeitos humanos que a criança desde que nasce vai se comunicando,
primeiramente por meio de uma linguagem rudimentar (choro, resmungos,
gestos, entre outros) que vai ganhando significado cultural e, nestes contextos,
se apropria de aprendizagens e desenvolve a fala. Também, nestes espaços vai
interagindo com signos e os significados destes na e pela cultura.

Prosseguindo o processo de desenvolvimento da aquisição da escrita, a


criança também apresenta a fase topográfica em que distribui registros, rabiscos
como manchas, linhas no “espaço de papel” “sem relação com o conteúdo das
sentenças faladas, produzindo o que Luria chama de ‘marcas topográficas’: “[...]
essas marcas ainda não são signos, mas fornecem pistas rudimentares que
poderão auxiliar na recuperação da informação” (OLIVEIRA, 2010, p. 73).

Na fase topográfica da escrita as crianças começam a fazer relação da


escrita com as sentenças faladas. Assim, para as frases curtas são registradas
marcas curtas, frases longas identificadas por marcas longas. As marcas
realizadas pela criança no papel são os primeiros rudimentos que mais tarde se
tornarão a escrita (LURIA, 1988).

Paralela à fase topográfica se desenvolve a fase pictórica, em que os


desenhos têm a função simbólica, do que a criança deseja supostamente
representar. “A fase pictográfica do desenvolvimento da escrita baseia-se na rica

25
experiência dos desenhos infantis, os quais, em si mesmos, não precisam
desempenhar a função de signos mediadores em qualquer processo intelectual”
(DEMENECH, 2012, p. 88).

Nesse sentido, o desenho ocupa o lugar da palavra e alguns elementos


gráficos passam a ser incorporados nos registros da criança. Nesta fase a
criança começa a utilizar outras marcas para representar a sua escrita. Passa a
desenhar dizendo que está escrevendo e os desenhos passam a serem signos
mediadores e representam determinado conteúdo, ou algo que a criança diz que
escreveu. “O desenho transforma-se, passando de simples representação para
um meio, e o intelecto adquire um instrumento novo e poderoso na forma da
primeira escrita diferenciada” (LURIA, 1988, p. 166).

Assim, a escrita passa a ter para a criança valor simbólico. E outros


elementos começam a aparecer nos registros de escrita como “número, forma,
cor, são introduzidos e influenciam a escrita que se torna diferenciada e permite
que a criança, pela primeira vez, leia o que escreveu” (COELHO, 2012, p. 67).
Quando a criança chega a esta fase dá um salto significativo no processo de
aquisição da escrita enquanto elemento da cultura passando a representar em
seus escritos signos como números, letras e sinais que observa nas interações
sociais e culturais letradas.

Dessa forma, à medida que a criança vai se desenvolvendo vai


assimilando alguns conceitos referentes à relação da fala com a escrita e, assim,
a escrita da criança começa a ter representação simbólica. Assim, a escrita
realizada pela criança” sai do nível da imitação mecânica para o status de
instrumento funcionalmente empregado. Pode ocorrer que a criança utilize a
escrita pictográfica como recurso, se ela não conhece as letras ainda” (COELHO,
26
2012, p. 68). No entanto, quando a criança consegue perceber a diferença entre
desenhar e escrever passa a rejeitar a escrita pictográfica e busca grafar letras
mesmo sem o domínio propriamente dito da escrita convencional (OLIVEIRA,
2010, p. 74).

Porém, ao acompanhar o desenvolvimento de crianças, observa-se que


nem todas as crianças passam, prioritariamente pelas fases acima descritas.
Atualmente, a maioria das crianças desde muito cedo está em contato com o
mundo letrado, o que lhes permite construir memórias e percepções acerca do
processo de aquisição da escrita sem que, muitas vezes, passem pelo processo
descrito, conforme estudos realizados por Luria por volta dos anos de 1920. Isto
ocorre porque atualmente as crianças ingressam mais cedo na escola, são
alfabetizadas mais cedo e vivem em um meio que a presença da língua escrita
é muito marcante. “Assim sendo, o sistema simbólico da escrita interfere antes
e mais fortemente no processo de desenvolvimento da criança” (OLIVEIRA,
2010, p. 74).

Desse modo, a criança vai se desenvolvendo biológico e culturalmente,


assimilando aspectos simbólicos e passando a compreender que a escrita
enquanto representação da fala apresenta algumas especificidades de signos
que tornam o processo de escrita mais bem compreendido.

27
3.2 O papel da escola e do professor no processo do ensino e da aprendizagem
da escrita pela criança

Quando a criança inicia a escolarização é colocada em contato mais direto


com o sistema de escrita que circula na sociedade. Assim, muitas informações
acerca da elaboração e apropriação da escrita começam a fazer parte das
atividades escolares. Desta forma, a criança vai se apropriando de alguns
conceitos e regras que estruturam a escrita e passa a assimilar aspectos
simbólicos e compreender que a escrita é a representação da fala e que para
isso existem algumas especificidades de signos que tornam o processo de
escrita mais bem compreendido.

É comum as crianças desenharem em diferentes suportes ao iniciarem o


processo de escrita. Luria (1986, p. 173) ressalta que “o período de escrita por
imagens apresenta-se plenamente desenvolvido quando a criança atinge a idade
de cinco, seis anos; se ele não está claro e completamente desenvolvido nessa
época é apenas porque já começou a ceder lugar à escrita alfabética simbólica,
que a criança aprende na escola e às vezes mesmo antes”. Ainda, referindo-se
ao desenvolvimento da escrita pela criança Luria (1986) enfatiza,

[...] que o desenvolvimento da escrita na criança prossegue


ao longo de um caminho que podemos descrever como a
transformação de um rabisco não diferenciado para um
signo diferenciado. Linhas e rabiscos são substituídos por
figuras e imagens, e estas dão lugar a signos. Nesta
sequência de acontecimentos está todo o caminho do

28
desenvolvimento da escrita, tanto na história da civilização
como no desenvolvimento da criança (LURIA, 1986, p. 161).

Sendo assim, acredita-se ser relevante a criança conhecer a história da


escrita para as civilizações, enquanto marco evolutivo nas comunicações entre
os povos, se apropriando assim de conhecimentos históricos, culturais e sociais
que marcam a relação do homem com a natureza, entendendo natureza como
tudo o que envolve os sujeitos nas mais diversas relações que este estabelece.
O processo de ensino da escrita para as crianças exige que o professor conheça
como ela se desenvolve, para assim, realizar mediações significativas para que
a criança se aproprie do sistema de escrita alfabética considerando as
experiências de letramento que esta vivência em seus contextos. Neste sentido,
Oliveira (1998) ressalta que,

É de fundamental importância que, desde o início, a


alfabetização se dê num contexto de interação pela escrita.
Por razões idênticas, deveria ser banido da prática
alfabetizadora todo e qualquer discurso (texto, frase,
palavra, “exercício”) que não esteja relacionado com a vida
real ou o imaginário das crianças, ou em outras palavras,
que não esteja por elas carregado de sentido (OLIVEIRA,
1998, p. 70‐71).

29
Com base nos autores abordados, identifica-se que a escrita enquanto
produção cultural do sujeito humano é construída a partir de necessidades
destes de se comunicar com seus pares. “A escrita não é algo natural no
desenvolvimento do ser humano, mas algo que se aprende dentro da cultura e,
por isso, necessita do esforço de quem aprende e de quem ensina” (DUARTE,
2014, p. 4).

Portanto, a escrita não é algo inato, mas apreendida e significada pelos


sujeitos nas relações sociais que este vai estabelecendo ao longo de seu
desenvolvimento. Neste sentido, entende-se como fundamental que a escola, no
seu fazer pedagógico, no tocante a aquisição dos processos da escrita, reveja
seu fazer pedagógico. Pois,

Até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na


prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela
desempenha no desenvolvimento cultural da criança.
Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras
com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-
se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que se
acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal
(VYGOTSKY, 1998, p. 139).

Vygotsky (1998) observa que existe diferença entre a apropriação da


escrita e a linguagem escrita, uma vez que o ensino da linguagem escrita
depende de um treinamento artificial. Tal treinamento requer atenção e esforços
enormes, por parte do professor e do aluno, podendo-se, dessa forma, tornar
30
fechado em si mesmo, relegando a linguagem escrita para segundo plano
(VYGOTSKY, 1998).

Nessa perspectiva, o processo de aquisição da escrita pela criança


necessita ser compreendido a partir de contextos culturais e históricos de
desenvolvimento e inserção dos sujeitos humanos. Assim, como o sujeito não
nasce pronto, mas se constrói humano nas relações que estabelece com os
membros de sua espécie, também a escrita não é um processo nato no sujeito,
mas construída nas relações dos sujeitos humanos em situações concretas que
envolvem a escrita.

4.0 O DESENHO NA AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA E PSICOPEDAGÓGICA

A criança, desde muito pequena até a fase adulta, geralmente é proposta


o desejo em ler e desenhar e com isto postergar suas habilidades, reflexos,
aptidões, compreensões etc. Qualquer cantinho vazio de papel, qualquer lugar
que possa ser rabiscado, lá será impresso os sentimentos intrínsecos de uma
pessoa, que seja bem nova em idade ou até bem avançada em dias.

O estimulo à arte é muito importante, pois o ato de desenhar deve ser


considerado um fator essencial no processo do desenvolvimento da linguagem,
bem como uma espécie de documento que registra a evolução da criança, ao
desenhar, a criança desenvolve a auto expressão e atua de forma afetiva com o
mundo, opinando, criticando, sugerindo, através da utilização das cores, formas,

31
tamanhos, símbolos, entre outros, exprimindo assim seus medos, anseios,
descontentamentos e demonstrando amor, amizade, ingenuidade.

Desenho é uma forma de manifestação da arte, o artista transfere para o


papel imagens e criações da sua imaginação. É basicamente uma composição
bidimensional (algo que tem duas dimensões) constituída por linhas, pontos e
forma. É diferente da pintura e da gravura em relação à técnica e o objetivo para
o qual é criado. O desenho é utilizado nos mais diversos segmentos
profissionais, tornando a arte diversificada a diferentes contextos, com isto, a
riqueza do grafismo infantil possibilita à criança não só o prazer em desenhar,
mas também todos esses aspectos da educação infantil. Ao desenhar ela
constrói um espaço ao seu redor. Observá-la é fundamental para que possamos
entendê-la, pois para este pequeno ser, o desenho é a sua linguagem e sua
primeira escrita.

O desenho é para a criança um modo muito significativo e prazeroso de


expressão e de representação e que transita entre o real e o imaginário.
Desenhar e rabiscar são formas de comunicação e expressão desde os
primórdios da humanidade, mas para a criança nem sempre o importante é
atribuir significados aos seus rabiscos, pois quando descobre as propriedades
do giz, do lápis e da tinta os explora e diverte-se com as novas descobertas,
quando rabisca está desenvolvendo sua criatividade e ampliando sua
capacidade de expressar-se.

32
Com o passar do tempo, esses rabiscos e desenhos passam a ser feitos
intencionalmente e a criança começa a usar o desenho para comunicar seus
pensamentos, desejos, emoções, exteriorizar seus sentimentos e brincar com a
realidade, seu desenho ganha simbologia e significação potencializando sua
capacidade de criar. O primeiro desenho simbólico em sua maioria é o da figura
humana. Com isso, desenvolveram-se as fases do desenho que são: Garatuja
desordenada; Garatuja ordenada (longitudinal); Garatuja ordenada (circular);
Garatuja nominada (mescla); Pré esquema (1º fase); Pré esquema (2º fase); Pré
esquema (3º fase); Esquema; Início do Realismo. (LUQUET, 1969)

Cabe ao educador e psicopedagogo durante o desenhar de uma criança


estimular o desenvolvimento emocional e afetivo. Durante esse breve momento
de desenhar a criança cria uma comunicação gráfica ela vai retratar o seu ser,
seus sonhos, conflitos, medos. O educador pode traçar com ajuda de um
psicopedagogo as correções necessárias para ajudar na formação desse futuro
adulto.

4.1 Estímulo e métodos de inserção à arte

O desenho tem papel fundamental na formação do conhecimento e requer


grande consideração no sentido de valorizar desde o início da vida da criança,
considerando a bagagem que trás de casa, assim como seu próprio dia-a-dia.

O ato de desenhar deve ser considerado um fator essencial no processo


do desenvolvimento da linguagem, bem como uma espécie de documento que
registra a evolução da criança.

33
A criança ao desenhar desenvolve a auto expressão e atua de forma
afetiva com o mundo, opinando, criticando, sugerindo, através da utilização das
cores, formas, tamanhos, símbolos, entre outros.

São de ressaltar que o professor deve oferecer para seu aluno a maior
diversificação possível de materiais, fornecendo suportes, técnicas, bem como
desafios que venham favorecer o crescimento de seu aluno, além de ter
consciência de que um ambiente estimulante depende desses fatores colocados,
permitindo a exploração de novos conhecimentos. “O ensino de arte constituirá
componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de
forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” (MACHADO, 2008,
p.30).

Partindo do pressuposto de que não são oferecidos tais suportes, a


tendência é que o aluno bloqueie sua criatividade, visto que não lhe foram
oferecidas tais condições.

A importância de valorizar o desenho desde o início da vida da criança se


dá pelo fato da necessidade que o universo infantil tem em ser estimulado,
desafiado, confrontado de forma que venha enriquecer as próprias experiências
da criança.

Valorizando a arte, ou seja, o desenho na escola, o professor levará o


aluno a se interessar pelas produções que são realizadas por ele mesmo e por
seus colegas, bem como por diversas obras consideradas artísticas a nível
regional, nacional e internacional.

34
A história da arte no Brasil teve início na primeira metade do século XX
com a disciplina de desenho, trabalhos manuais, música e conto orfeônico,
fazendo parte do currículo das escolas primárias e secundárias. Entre os anos
20 e 70 o ensino de arte volta-se para o desenvolvimento natural da criança, no
período que vai dos anos 20 aos dias de hoje vive-se um crescimento cultural
tanto dentro quanto fora das escolas (BRASIL, 1998).

Enquanto mediador do conhecimento, o professor é essencial para


incentivar o aluno, seja ele pelo caminho da arte ou por outra área do
conhecimento, oferecendo os melhores suportes, de forma que venha a somar
no crescimento e formação dele.

Estes desenhos, no entanto, apresentam através das interpretações,


atitudes negativas e/ou positivas, pois a criança desenha situações e/ou objetos
da maneira que os interpreta, de acordo com a realidade em que vive, da
maneira que enfrentam o desafio de viver dia após dia e da capacidade de ver e
explorar o mundo em que vive.

O Psicopedagogo assim como o Psicólogo, tem habilidades para trabalhar


com a criança através do desenho infantil, pois é através de um processo
avaliativo e não só do desenho isolado, que estes profissionais podem detectar
algo importante que a criança esteja tentando nos transmitir.

Através deste processo, pode-se detectar, por exemplo, problemas


emocionais, comportamentais, escolares, no âmbito familiar, depressão, entre
outros. Verificado o problema, encaminha-se então a criança ao profissional
habilitado para realização da terapia adequada.

A arte é uma disposição natural do homem, cultivada desde a infância.


Nas escolas, deveria aparecer em todas as matérias, de forma diversificada e
está até ligada com a religião, com o eterno (FROEBEL 1864, p. 44 – 47).

Por meio do desenho infantil é possível fazer uma avaliação intelectual na


criança e um excelente diagnóstico, se for realizado testes tipo projetivos, que
avalia os vínculos relacionais que podem interferir no processo de
aprendizagem, tais como, Alegoria Animais, Par Educativo, Os quatro momentos
do dia, Desenho livre, Família Educativa, Plano de minha casa, Desenhos em
episódios e o Dia do meu aniversário.

35
O que demonstrou que falar sobre o desenho infantil é falar em
desenvolvimento, aquisição de conhecimentos, construção de conceitos,
organização de ideias, formulação de opiniões, capacidade intelectual e de
comunicação. A riqueza do grafismo infantil possibilita à criança não só o prazer
em desenhar, mas também todos esses aspectos da educação infantil.

Ao desenhar ela constrói um espaço ao seu redor. Observá-la é


fundamental para que possamos entendê-la, pois para este pequeno ser, o
desenho é a sua linguagem e sua primeira escrita. Nele são mostrados seus
medos, inseguranças, ansiedades, alegrias e descobertas. A criança não nasce
sabendo desenhar, que este conhecimento é construído a partir da sua relação
direta com o objeto, assim são suas estruturas mentais é que definem as suas
possibilidades quanto à representação e interpretação do objeto. Assim a criança
é o sujeito de seu processo, ela aprende a desenhar a partir de sua interação
com o meio. (PILLAR, 1996, p. 21)

36
4.2 O desenho é espontâneo ou é fruto da cultura?

Entre os principais estudiosos, há uma cizânia. Há os que defendem que


o desenho é espontâneo e o contato com a cultura visual empobrece as
produções, até que a criança se convence de que não sabe desenhar e para de
fazê-lo. E há aqueles que depositam justamente no seu repertório visual o
desenvolvimento do desenho. Nas discussões atuais, domina a segunda
posição. “A única coisa que sabemos ser universal no desenho infantil é a
garatuja. Todo o resto depende do contexto cultural” (LAVELBERG, 2001, p.56)

Detalhes da figura humana, noções de perspectiva e realismo visual são


elementos da evolução do desenho. Essa perspectiva não admite o
empobrecimento do desenho infantil, mas entende que a criança reconhece a
forma de representar graficamente sua cultura e deseja aprendê-la. Assim, cai
por terra o mito de que ela se afasta dessa prática quando se alfabetiza.

O desenho é uma forma de linguagem que tem seus próprios códigos e


para se aproximar do que ele expressa, é preciso fazer uma escuta atenta
enquanto ele é produzido e a relação entre a aquisição da escrita e a diminuição
do desenho ocorre porque a escola dá pouco espaço a este quando a criança
se alfabetiza. (MARTINS, 2012, P.50)

37
4.3 O desenho infantil

O desenho é para a criança um modo muito significativo e prazeroso de


expressão e de representação e que transita entre o real e o imaginário.
Desenhar e rabiscar são formas de comunicação e expressão desde os
primórdios da humanidade, mas para a criança nem sempre o importante é
atribuir significados aos seus rabiscos, pois quando descobre as propriedades
do giz, do lápis e da tinta os explora e diverte-se com as novas descobertas,
quando rabisca está desenvolvendo sua criatividade e ampliando sua
capacidade de expressar-se. Com o passar do tempo, esses rabiscos e
desenhos passam a ser feitos intencionalmente e a criança começa a usar o
desenho para comunicar seus pensamentos, desejos, emoções, exteriorizar
seus sentimentos e brincar com a realidade, seu desenho ganha simbologia e
significação potencializando sua capacidade de criar. O primeiro desenho
simbólico em sua maioria é o da figura humana. “O desenho relaciona-se
intimamente com o psiquismo e moral. Ele é uma representação mental que vem
da intenção de desenhar os objetos e isto prepondera no espírito desenhador.”
(LUQUET, apud MERLEAU-PONTY, 1990, p.130).

38
O desenho é uma representação gráfica de um objeto real ou de uma ideia
abstrata. O desenho é uma das formas de expressão mais antigas da
humanidade. Utiliza-se o desenho como uma forma de comunicação desde a
pré-história, quando os primeiros homens, através de pequenas figuras
desenhadas nas rochas e nas paredes das cavernas, manifestavam suas ideias
e pensamentos entre si. (DESENHO INFANTIL. GUIA DA CRIANÇA, 2010)

Através do desenho as crianças brincam, experimentam ideias, emoções


e pensamentos, representam o mundo a partir das relações que estabelecem
com o outro e com o meio em que vivem.

As etapas e os estágios do desenho infantil definidos e estudados por


Lowenfeld nos ajuda a compreender e observar o desenvolvimento da criança,
embora ele mesmo afirma que não é fácil perceber a transição dessas etapas,
além de não ocorrerem na mesma fase e da mesma maneira para todas as
crianças.

Segundo ele, a primeira etapa é o “Estágio das Garatujas” que acontece


por volta dos dois anos de idade. Nessa fase a criança rabisca sem intenção e
sem controle de forma desordenada e que aos poucos vai percebendo seus
movimentos e controlando e organizando mais seus traçados. Explora e
experimenta os movimentos de seu corpo e o espaço.

39
A etapa do rabisco (garatujas) - dos 3 aos 6 anos de idade; a etapa do
realismo fortuito - dos 6 aos 9 anos de idade; a etapa do realismo falhado - dos
9 aos 12 anos de idade; a etapa do realismo intelectual - dos 12 aos 14 anos de
idade; a etapa do realismo virtual - a partir dos 14 anos de idade. (DESENHO
INFANTIL. GUIA DA CRIANÇA, 2010)

Investigar as diferenças existentes entre os tipos de abordagem que


sistematizam a questão da interpretação e avaliação do desenho.

A evolução dos seus desenhos se faz por etapas e pode variar conforme
o estado da criança. Uma criança com raiva, por exemplo, irá rabiscar com
energia e ininterruptamente; a triste ou angustiada expressará seus desenhos
com traços negros ou barras riscando o que acabou de produzir, com tons fortes
e riscos grosseiros e contínuos.

Isso é apenas um indício, pois nunca se deve interpretar um desenho


isoladamente ou por suposições, intuições é necessário uma profunda analise
para que este diagnóstico seja certo e sem erros, para que os psicopedagogos
e os profissionais de ensino-aprendizagem consigam realizar seus trabalhos de
forma simples e sucinta, acarretando nas crianças/pacientes um crescimento
com grandes progressos e surpreendentes ascensões intelectuais.

As crianças privilegiam uma folha de papel branca e lápis de cera para


exprimir as suas opiniões, sentimentos e medos – muito mais do que a
comunicação verbal. É esta a forma que a criançada encontra para contar uma
história que terá, invariavelmente, representações de cenas e de pessoas da sua
vida real. Um desenho encerra um sem número de significados, presentes em
pequenos pormenores que podem não ser imediatamente evidentes, mas que
com um olhar mais atento podem revelar algo que possa estar a afetar a criança
de forma negativa. (BETHANIA, 2012, P.30)

É de extrema importância que o educador tenha um “olhar pensante” em


relação aos seus alunos, principalmente no que se refere ao desenho infantil.
Infelizmente a escola se preocupa mais com a linguagem ensinada do que com
a linguagem natural dos pequeninos, que é o desenho. Daí a necessidade de se
investir primeiro na educação do educador, pois sem isso as crianças perderão
o seu dom natural mais belo de se comunicar e expressar.

40
O papel do educador deve ser o de orientar, levar, mediar, encaminhar o
aluno às descobertas que o mundo lhe oferece, ampliando suas capacidades e
potencialidades e estabelecendo princípios que nortearão estas conquistas.
Respeitar suas individualidades e seu processo de desenvolvimento, incentivar
a estética e motivar são meios de auxiliar as relações que a criança vai
estabelecer entre as suas conquistas e descobertas. Enfim o desenho dever ser
visualizado como possibilidade de brincar, o de falar de registrar, marca o
desenvolvimento da infância, porém em cada estágio, o desenho assume um
caráter próprio. Estes estágios definem maneiras de desenhar que são bastante
similares em todas as crianças, apesar das diferenças individuais de
temperamento e sensibilidade.

Uma área específica e alvo de estudo intensivo, os desenhos infantis são


matéria privilegiada no campo da psicologia, o que significa que nem os
professores ou educadores de infância estão completamente treinados para
decifrar desenhos. Porém, existem sinais de alerta, presentes nos desenhos das
crianças, que podem despertar pais e professores para situações anormais.

Os terapeutas especialistas afirmam que a interpretação dos desenhos


deve ser feita consoante a idade da criança, ou seja, um desenho todo preto feito
por uma criança de 2 anos pode não ter nenhuma conotação negativa, uma vez

41
que esta ainda não tem uma consciência clara da escolha das cores, ao invés
de uma criança mais velha, com 4 ou 5 anos.

O especialista deve levar em conta a condição biográfica e familiar da


pessoa que desenhou, bem como sua história pessoal, que servirá como marco
de referência de quem está fazendo o desenho. Além disso, é necessário levar
em conta que um desenho é importante, mas não define tudo. É uma expressão
de sentimentos e de desejos que podem ajudar, a saber, por exemplo, como se
sente a criança a respeito da sua família, sua escola etc. (INTERPRETAR O
DESENHO DE UMA CRIANÇA. GUIA INFANTIL. 2013, p.62)

No entanto, os psicólogos vão mais longe nesta matéria e defendem ainda


a importância de não avaliar o desenho isoladamente, mas de considerar, para
além da idade da criança, a sua personalidade, o seu desenvolvimento cognitivo
e ainda o seu histórico de desenhos. Em adição, há, naturalmente, o contexto do
desenho, ou seja, sugere-se que o adulto fale frequentemente com a criança
sobre aquilo que desenha.

Deve estar atento a: Cores utilizadas e vivacidade das mesmas; Força ou


interrupção do traço; Existência de sombras; Isolamento de determinadas figuras
(fechadas dentro de um quadrado ou de um círculo, por exemplo); Ausência de
determinadas figuras ou representação das mesmas numa escala muito
reduzida; Agressividade de determinadas figuras; A criança passa a desenhar,
continuadamente, cenários de violência; Desenha repetidamente a mesma
42
figura; Se alguma figura é riscada ou apagada, depois de desenhada; Desenha
figuras sem cabeça ou sem rosto; Não consegue desenhar-se a si próprio, numa
imagem de família; Desenha cenários que não são adequados à sua idade.

Um distúrbio que além do seu comportamento também é diagnosticado


por meio dos desenhos e grafismos é o autismo que é uma disfunção global do
desenvolvimento. É uma alteração que afeta a capacidade de comunicação do
indivíduo, de socialização (estabelecer relacionamentos) e de comportamento
(responder apropriadamente ao ambiente — segundo as normas que regulam
essas respostas).

Esta desordem faz parte de um grupo de síndromes chamado transtorno


global do desenvolvimento (TGD), também conhecido como transtorno invasivo
do desenvolvimento (TID), do inglês pervasive developmental disorder (PDD).
Entretanto, neste contexto, a tradução correta de “pervasive” é “abrangente” ou
“global”, e não “penetrante” ou “invasivo”. Mais recentemente cunhou-se o termo
Transtorno do Espectro Autista (TEA) para englobar o Autismo, a Síndrome de
Asperger e o Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação.

Os transtornos do Espectro do Autismo (TEA) constituem um grupo de


condições que, por um lado, tem sido mais frequentemente identificada e, por
outro, tem atraído interesse de profissionais de várias áreas do conhecimento.
(SCHWARTZMAN & ARAÚJO, 2011, p. 15)

4.4 Fases/ etapas do desenho infantil

Com a realização deste artigo busca-se facilitar aos educadores e


profissionais psicopedagogos a compreensão das etapas do desenvolvimento
do desenho infantil, visando melhores resultados no desenvolvimento da criança
na educação infantil.

Desse modo, o presente trabalho procurará refletir sobre as


características das fases de desenvolvimento, bem como as mudanças geradas
pelas intervenções e consequentemente, a influência destas no desenvolvimento
do grafismo na criança, contribuindo para uma compreensão mais ampla do
desenvolvimento do desenho infantil, além de reflexões importantes sobre as
implicações educacionais da atividade gráfica.

43
Deixar que o desenho fluísse normalmente é deixar que ela se
desenvolvesse harmoniosamente com o seu meio. Na medida em que a criança
cresce, seu desenho sofre modificações. Muitas vezes o educador não tem
compreensão das fases do grafismo por que passa a criança, e são dados
desenhos para colorir, perdendo o prazer de desenhar para o dever de fazer o
que é imposto. Mas, as personalidades são distintas, distintos estilos, as
motivações e o valor das coisas (BRAGA, 1974, p. 99).

Existem várias teorias que tentam desvendar o processo de


desenvolvimento da criança e cada uma delas têm práticas educacionais
diferenciadas. A proposta aqui presente é a de observar e perceber como a
criança encontra significações enquanto desenha, em quais fases de
desenvolvimento ela se encontra e como passa de um estágio para outro.
Quando a criança começa a utilizar elementos tais como os gráficos universais,
ela percebe que pode comunicar-se, entrar em contato com os outros. É um
processo de comunicação, de função social.

Em determinadas fases, a criança ainda não possui uma compreensão


intelectual que lhe permita expressar-se adequadamente, mas através do seu
desenho, isto lhe é possível. Ela se modifica e é modificada ao desenhar, sofre
transformações que lhe propiciam o seu desenvolvimento cognitivo e a
percepção do mundo que a rodeia de forma criativa.

44
Tendo a escola a função de fazer com que a criança melhore a cada dia
sua forma de lidar com nosso meio e entender que esse não é só físico, mas
constantemente influenciado pela emoção, sentimentos e pensamentos,
integramos um trabalho de reflexão e ação.

Quando um pai ou uma mãe, sedentos pelo sucesso escolar de seus


filhos, depositam nos profissionais do processo ensino–aprendizagem, elevada
carga de esperança na prosperidade intelectual de seus filhos, então, todo e
qualquer recurso que auxilie na descoberta das causas dos problemas da
aprendizagem tornam–se como que peças preciosas de um processo, cuja
recompensa vem em forma de lágrimas nos olhos, arrepios e abraços pela
felicidade do obstáculo vencido e dos limites superados por seus pequenos
prodígios. “O ato de desenhar envolve a atividade criadora; é através de
atividades criadoras que a criança desenvolve sua própria liberdade e iniciativa
e outros o que permitirá.” (LOWERNFELD, 1970 p. 16).

Mas para que haja tal sucesso na intelectualidade destas


crianças/pacientes é necessário que estes profissionais sofram uma atualização
temática, no tocante ao estudo do construto infantil e na aplicação prática da
leitura dos desenhos para potencializar os processos de ensino-aprendizagem e
intervenções psicopedagógicos.

Não se trata de técnica psicodiagnóstico cujas prerrogativas de estudo e


aplicação são restritas a médicos e psicólogos. A abordagem é meramente
psicopedagógicos e de inspiração psicanalítica.
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A criança rabisca pelo prazer de rabiscar, de gesticular, de se aprimorar.
O grafismo que daí surge é essencialmente motor, orgânico, biológico, rítmico.
Quando o lápis escorrega pelo papel, as linhas surgem. Quando a mão para, as
linhas não acontecem. Aparecem, desaparecem. A permanência da linha no
papel se investe de magia e esta estimula sensorialmente a vontade de prolongar
este prazer (DERDYK, 2004, p.56).

Aprofundar as questões referentes à avaliação e a interpretação do


desenho por parte dos profissionais envoltos no ambiente escolar, tais como
professores, orientadores, psicopedagogos. Tanto no ambiente de sala de aula
quanto em consultórios e como essa interpretação e avaliação auxiliam no
desenvolvimento cognitivo, emocional e psicomotor do aluno/paciente.

Segundo Piaget (1976) a capacidade de criação e inovação supõe


construções efetivas e não simples representações fiéis da realidade e classifica
as etapas do desenho como:

46
47
48
4.5 A importância do Psicopedagogo

No complexo processo que envolve a aprendizagem, revela-se


significante a atuação preventiva do psicopedagogo no contexto escolar, onde
muitas informações e vários aspectos têm que ser observados e analisados.

Ter conhecimento de como o aluno constrói o seu saber, compreender as


dimensões das relações com a escola, com os professores, com o conteúdo e
relacioná-los aos aspectos afetivos e cognitivos, permite um fazer mais fidedigno
ao psicopedagogo. Deve-se considerar que o desenvolvimento do aprendente
se dá de forma harmoniosa e equilibrada nas diferentes condições orgânica,
emocional, cognitiva e social.

O desenvolvimento do desenho requer duas condições, primeiramente o


domínio motor. Assim a criança começa a perceber que pode representar
graficamente um objeto e a relação desenvolvida com a fala existente ao
desenhar e a linguagem verbal é a base da linguagem gráfica. (VYGOTSKY.
2007, p.141)

O desenho pode ser na infância, um canal de comunicação da criança


com o seu mundo exterior, segundo os psicólogos da UDPE de San Salvador,
por ética, só uma pessoa especializada, como alguns psicopedagogos, pode
interpretar os desenhos, seguindo protocolos estabelecidos para esse fim. O
49
especialista deve levar em consideração a condição biográfica e familiar da
criança/paciente (sentimentos e emoções), bem como sua história pessoal, que
servirá como marco de referência de quem desenhou. O desenho não é tudo,
mas é um grande contribuinte para a realização dói diagnostico emocional e
intelectual da criança/paciente.

Uma das principais ferramentas utilizadas no Diagnóstico


Psicopedagógico é a análise de testes projetivos, cuja finalidade é a projeção de
conteúdos presentes no inconsciente da criança de forma concreta, ou seja, por
meio da utilização de figuras prontas ou de desenhos feitos por ela. A partir
dessa análise é possível verificar e levantar hipótese sobre a modalidade de
aprendizagem, o vínculo com o ser que ensina e com a família.

A criança, ao desenhar, tem uma intenção realista. O realismo evolui nas


diferentes fases do desenho infantil até chegar ao realismo visual, que é o
realismo do adulto. Para o adulto, o desenho tem que ser idêntico ao objeto. Já
para a criança, o desenho, para ser parecido com o objeto, deve conter todos os
elementos reais do objeto, mesmo invisíveis para os outros. Assim, a criança
desenha de acordo com um modelo interno: a imagem que sabe do objeto que
vê. (PIAGET. 1971, p.126)

É isso que difere os testes projetivos utilizados na Psicopedagogia dos


testes utilizados na Psicologia, pois os últimos são voltados para a investigação
da personalidade e comportamento, dentro do âmbito emocional. Testes como
50
o par educativo, o desenho da família, da figura humana e outros, são muito
utilizados em consultório; no entanto a aplicação do desenho livre com o objetivo
de avaliar o desenvolvimento cognitivo é pouco utilizado e conhecido. Este teste
pode ser uma ferramenta importantíssima para avaliar e detectar um possível
atraso no desenvolvimento cognitivo da criança, tanto na clínica como em sala
de aula.

Aprender a questionar os desenhos infantis é essencial para o


acompanhamento dos avanços em relação à construção do pensamento infantil,
é mediante aos questionamentos que aprendemos a compreender muitas coisas
que as crianças representam através de seus desenhos e que muitas vezes
podem ser interpretadas erroneamente

Toda criança desenha. Tendo um instrumento que deixa uma marca: A


varinha na areia, a pedra na terra, o caco de tijolo no cimento, o carvão nos
muros e calçada, o lápis, o pincel com tinta no papel, a criança brincando vai
deixando sua marca, criando jogos, contando histórias. Desenhando, cria em
torno de si um espaço de jogo, silencioso e concentrado ou ruidoso seguido de
comentários e canções, mas sempre um espaço de criação. A criança desenha
para brincar (MOREIRA, 2008, p.15).

O desenho permite ao professor uma série de pistas sobre a criança que


encontra no mesmo a sua maneira de ler o mundo. Os professores, muitas das
vezes, não acreditam que o desenho desempenha um papel tão importante na

51
construção do pensamento da criança não dispensando a ele a sua devida
importância em sala de aula.

Mas o que foi observado durante o estudo sobre o desenho infantil e suas
contribuições no processo da aprendizagem é que o conhecimento das etapas
evolutivas do desenho infantil fornece ao professor mais um instrumento para
compreender as crianças, somando esse conhecimento à análise constante dos
seus trabalhos e considerando sempre o significado mais profundo do ato de
desenhar como expressão de ideias e sentimentos, o professor poderá orientar
suas ações pedagógicas.

Ao observar o desenho de uma criança, pode aprender muito sobre o seu


modo de pensar e sobre as habilidades que possui. Quando, em um desenho,
os braços de uma figura humana saem da cabeça e não do tronco, por exemplo,
significa que a criança ainda não tem construído interiormente, em seu
pensamento, o esquema corporal de uma figura humana. (PILLAR, 1996).

Isso nada tem a ver com o fato de ela não estar enxergando direito, de
estar com problemas de motricidade fina, ou ainda, de não estar apta a desenhar
com destreza. Desenhar figuras humanas possibilita à criança estruturar suas
ideias sobre elas.

É importante que a criança tenha oportunidade de desenhar livremente,


em papéis e em tamanhos e texturas diferentes, em posições variadas, com
materiais diversos. Quando a criança vai dominando seus movimentos e gestos,

52
as propostas devem ser diferentes: desenhar em vários tempos e ritmos, fazer
passeios e expressar o que observou no papel, incentivar o desenho coletivo,
desenhar as etapas percorridas após uma brincadeira ou jogo e muitas outras
podem ser feitas com a criança para ajudá-la a aprimorar suas capacidades de
desenhar.

Os educadores que vivem diariamente com essas crianças devem


também respeitar o ritmo de cada criança, a maneira como sua obra está
evoluindo, porque cada criança tem um tempo e uma maneira de internalizar
suas experiências. “A princípio, para a criança, o desenho não é um traçado
executado para fazer uma imagem, mas um traçado executado simplesmente
para fazer linhas”. (LUQUET, 1969, p.145)

4.6 O desenho como instrumento de diagnóstico

Vale ressaltar que a interpretação do desenho não se dá de maneira


isolada e simplista, mas sobretudo deve estar dentro de um contexto e
relacionada a outros dados coletados durante o processo diagnóstico. “O
simbólico é a eleição, e isso é o que vamos interpretar, mas somente poderemos
fazê-lo quando o integremos ao conjunto; do contrário, estaremos interpretando
a nós mesmos. (FERNÁNDEZ, 1990 p. 225). Ainda neste aspecto, Dercy (1990,
p.116) nos aponta um olhar
importante:
Sob a ótica lógica do adulto, a interpretação, teoricamente bem
equipada, intenta justificar uma ‘anomalia’ gráfica, compreender
uma não correspondência anatômica, captar algum índice de
inteligência, decifrar a estrutura mental e perceptiva que a criança
carrega em sua visão de mundo. Serão sempre interpretações,
serão sempre projeções, serão sempre valorizações.
(DERDYK,1990, p.116).

Colocada esta observação, volta-se o olhar para alguns exemplos do uso


do grafismo no processo diagnóstico em Psicopedagogia. Weiss (2000, p.120)
cita a técnica do “Par ou dupla educativa”, sistematizado por Malvina Oris e
Pichona Ocampo, onde é solicitado à criança que desenhe uma pessoa
que aprende e uma pessoa que ensina e pede-se que crie uma história com as

53
personagens que desenhou. Nesta situação é possível observar aspectos de
que como a criança se vê na situação de “aprendente”, como se coloca na
relação “aprendente-ensinante” na escola, como vê a figura do professor, etc.

Ainda sobre outra técnica, a do desenho família, a autora diz que é


possível perceber pistas das relações do paciente/criança no núcleo familiar,
dificuldades na separação, crescimento e cita: “Paulo (9 anos) se desenhou
como a irmã de 3 anos no colo da mãe colocou a caçula de bicicleta do lado de
fora da casa” (WEISS, 2000, p.121).

Uma das provas (ou técnicas) bastante solicitada é o desenho da figura


humana. Diversos autores refletem sobre o processo de construção gráfica da
figura humana. Mesmo em culturas diferentes a estrutura gráfica da figura
humana nos desenhos infantis é muito semelhante. Pode-se dizer que esta
semelhança se dá porque partem do mesmo ponto: o próprio corpo. E sendo o
corpo “um instrumento de ação sobre o mundo”, é este que a criança representa
quando desenha a figura humana. É a si que desenha. (DERDYK, 1990; PAÍN,
1985).

Durante seu desenvolvimento a criança vai construindo aos poucos sua


percepção corporal e a diferenciação entre o eu e o outro, entre o que é “meu
corpo” e o “corpo do outro”. Assim também no desenho, aos poucos vai
distinguindo uma forma de outra forma. (DERDYK, 1990).

Ao desenhar a criança coloca a totalidade de si. Em determinado


momento a criança está graficamente na fase do realismo visual, onde busca
representar em seus desenhos os objetos e figuras tal qual se apresentam na
realidade. Assim, partindo do pressuposto de que a criança já esteja nessa fase,
Paín nos exemplifica a possibilidade de interpretação de uma criança que
desenha a figura humana com uma perna mais comprida que a outra.

Sendo os membros do corpo humano, agrupados em pares, as grafias


destes elementos no desenho da figura humana constituem noções de equilíbrio
e simetria. Dessa maneira, “vamos preferir a hipótese de que a criança não
assumiu a dimensão e simetria, que tais fatores equilibrantes não entram na sua
construção de imagens, e que, portanto, estas resultam incongruentes e

54
empobrecidas.” Estaria, assim, representado o seu desequilíbrio ao desenhar
uma perna mais comprida que a outra. (Paim, 1985 p.63)

Ainda sobre o desenho da figura humana, levando em conta as


contribuições da Psicanálise:

A imagem do corpo não é a imagem desenhada ou representada no


modelado; há de ser revelada pelo diálogo analítico com a criança. A isso
se deve que, contrariamente ao que se costuma acreditar, o analista não
possa interpretar de saída o material gráfico, plástico, que a criança traz;
é esta quem, associando seu trabalho, proporciona elementos de uma
interpretação psicanalítica de seus sintomas. (DOLTO apud
FERNÁNDEZ, 1990, p. 226).

Além dos aspectos cognitivos que podem ser observados no desenho,


outros aspectos também se colocam em evidência como o aspecto psicomotor,
emocional e o simbólico. Outro aspecto importante a observar é a maneira como
a criança realiza a atividade gráfica proposta: se demonstra insegurança, usa
muito a borracha, demonstra envolvimento, concentração etc.

Sobre este aspecto, Fernández (1990, p. 225) nos diz: “Nos gráficos
vamos dar atenção, também, mais ao processo de execução do que ao produto
[...] Observaremos o método que a criança utiliza, os comentários que faz
enquanto desenha, a atitude corporal”.

55
5.0 O OLHAR DO PROFESSOR SOBRE O DESENHO DA CRIANÇA
PEQUENA

O desenho infantil se apresenta de diversas formas, seja com lápis grafite


para fazer traçados e contornos, lápis de cera para colorir, grãos de arroz, feijão
e barbante para explorar texturas, trabalhando o tato, dando mais vida as ações
educativas, colocando as mãos na massa. Expressando de maneira prazerosa
experiências para expor seus desejos e conflitos, mas para isso acontecer é
preciso que na sala de aula o professor tenha um olhar de sutileza, atenção,
observação e sensibilidade para promover ações educacionais que valorize o
desenho da criança. Como tudo na vida têm um determinado tempo para ser
desenvolvido, com a arte de desenhar não é diferente.

Para Rabello (2014) o professor é aquele que busca diferentes recursos


para ajudar cada aluno a desenvolver sua personalidade dentro e fora da sala
de aula. O professor é aquele que ajuda a criança a dar seus primeiros passos
na educação formal com suas regras e normas culturais de um mundo adulto,
ajuda a criança a entender o ambiente em que está inserida, suas
transformações no seu desenvolvimento, sua forma de assimilação a partir de
suas necessidades e como ultrapassar certas dificuldades cotidianas.

Para que isso aconteça é preciso algo a mais para o professor entender
certos conflitos que surgem durante o desenvolvimento do processo de
aprendizagem ou nas dificuldades em aprender. Neste sentido, através do
56
desenho a criança apresenta um novo caminho de descobertas reais e irreais,
buscando encontrar soluções diferenciadas para a construção e expressão de
novos conhecimentos. Deste modo é importante que o psicopedagogo a partir
de observações e acompanhamentos em sua ação auxilie professores,
coordenadores e pais a perceberem que através do desenho a criança
demonstra sua forma de pensa, de agir, de interagir em grupo e idealizar seus
desejos.

Diante disso, nos questionamos: como o professor ver o processo de


elaboração do desenho da criança pequena? Partindo desse ponto observamos
que o desenho na educação infantil se destaca como elemento essencial para o
processo de aprendizagem e o entendimento das relações sociais pelas
crianças.

Nessa perspectiva o desenho se apresenta para a criança de diversas


formas e uma delas é a linguagem expressiva, na qual são usados os
conhecimentos construídos no cotidiano em suas interrelações e aprimorados
na escola, onde podem com autonomia em suas criações através do desenho
exteriorizar suas leituras de mundo, seus anseios, medos, etc. no papel, nos
muros e paredes, na areia, ou em qualquer outro suporte, os sentimentos,
desejos e os traçados demonstram o desenvolvimento de sua personalidade,
nas cores, nas formas e trabalhando a imaginação de maneira prazerosa.

57
Segundo Loque (1979) a criança deposita seus sentimentos, desejos e
idealizações, emoções positivas ou negativas a partir do momento que faz o
primeiro traçado no papel trazendo esse turbilhão de sensações do interior
psíquico para o exterior.

A partir do momento em que a criança inicia o desenho, faz


o primeiro traço no papel, já está a iniciar o jogo, transpondo
os seus sentimentos, desejos e emoções, positivas ou
negativas, “tirando-as” do interior para o exterior, sendo um
meio de comunicação para a criança (LUQUET, 1979,p.60).

Neste sentido o ato de desenhar para a criança na educação infantil é o


momento único de entrega, de conversas informais e de relatos das produções
individuais, das emoções, das sensibilidades e das trocas de vivências. É
projetar sobre o papel seus desejos, anseios, vontades e a idealização de algo
que sai do comum para o imaginário com o toque de realidade

5.1 Educação Infantil no Brasil: breve histórico

Segundo Oliveira (2002), a educação das crianças pequenas era de tarefa


da família em particular das mulheres e das mães, sendo que ao serem
desmamadas tendo condições de se alimentarem sozinhas e controlar suas
necessidades fisiologias eram tidas como adulto em miniatura.

Ao longo de muitos séculos, o cuidado e a educação das crianças


pequenas foram entendidos com tarefas de responsabilidade
familiar, particularmente da mãe e de outras mulheres. Logo após

58
o desmame a criança pequena era vista como um pequeno adulto
e, quando atravessava o período de dependência de outros para
ter atendidas suas necessidades físicas, passavam a ajudar aos
adultos nas atividades cotidianas, em que aprendia o básico para
sua integração no meio social.

Destaca ainda o autor que:

Nas classes sociais mais privilegiadas as crianças eram


geralmente vistas como objeto divino, misterioso, cuja
transformação em adultos também se fazia pela direta imersão no
ambiente doméstico. Nesses casos, paparicos superficiais eram
reservados à criança, mas sem considerar a existência de uma
identidade pessoal (OLIVEIRA; 2002; p. 58).

Vale salientar que se fizermos uma ponte entre a história passada da


Educação infantil e os dias atuais, ainda se encontram crianças que não vivem
como crianças, mas que trabalham para ajudar a família muitas vezes com a
responsabilidade de colocar comida em casa. O direito a educação de um modo
geral é para todas as crianças, porém observamos que ainda são poucas que
desfrutam desse direito, em virtude da pobreza ou por falta de vagas nas creches
ou escolas em sua comunidade.

Oliveira (2002) nos diz que a história da educação infantil no Brasil


acompanhou a história dessa área no mundo. Até meados do século XIX, o
acesso de crianças a creches ou jardins de infância praticamente não existia
quando ela não estava com a mãe. As crianças órfãs ou abandonadas por mães
que foram exploradas pelos senhores de engenho eram resgatadas pelos
agricultores e família, por outro lado filho de mulheres de família de renome tinha
certo favorecimento sendo recolhidos nas “rodas de exposto”.

Lembrando que nesse período a mulher era tida como objeto sexual,
criança não tinha vez, era como se não tivesse existência, ou melhor, um objetivo
em está ali. A família só era família se houvesse um homem inserido em um lar.
Era uma forma grosseira de pensar que a mulher não tinha capacidade física e
mental para construir ou reconstruir uma família.

Oliveira (2002), fala da necessidade de criar um local para amparar filhos


de ex-escravos e trabalhadores rurais que eram abandonados, aumentando
59
cada vez mais a taxa de mortalidade na época, essas possíveis instituições
surgiriam como forma de diminuir os “problemas políticos nesse período” e
tinham como objetivo apenas tirar das ruas as crianças e calar rumores de muitos
setores sociais sobre o aumento da classe desfavorecida, ou melhor, da pobreza
que estava por toda parte e deveria se fazer algo para contê-la.

No período precedente à proclamação da república, observam-se


iniciativas isoladas de proteção à infância, muitas delas orientadas
ao combate das altas taxas de mortalidade infantil da época, com
a criação de entidades de amparo. Ademais, a abolição da
escravatura no Brasil suscitou, de um lado, novos problemas
concernentes ao destino dos filhos dos escravos, que já não iriam
assumir a condição de seus pais, e, de outro, concorreu para o
aumento do abandono de crianças e para a busca de novas
soluções para o problema da infância, as quais, na verdade,
representavam apenas uma “arte de varrer o problema para
debaixo de tapete”: criação de creches, asilos internatos, vistos na
época como instituições assemelhadas e destinadas a cuidar das
crianças pobres (OLIVEIRA; 2002; p. 92).

É evidente que a Educação Infantil ainda tem muito que avançar para
romper as barreiras do assistencialismo que caracterizou sua implantação no
período citado por Oliveira (2002) e cumprir seu papel na dupla função de cuidar
e educar. Para tanto. é necessária muita atenção, principalmente do poder
público, já que é dever do Estado manter esse direito para todas as crianças.

60
5.3 DESENHO: riscando, rabiscando, das garatujas ao desenho

Conforme Crotti, Magni (2011) a existência do homem primitivo e suas


contribuições que deixaram marcas para a história ao pressionar suas mãos nas
paredes das cavernas, sendo seu meio de comunicação em situações diárias
conforme suas necessidades.

O homem primitivo deixou mostras da sua presença em várias


regiões através do desenho feito friccionando os dedos sobre o
barro ou traçando o contorno da mão apoiada nas paredes da sua
caverna. Esses desenhos, todavia, hoje nos surpreendem. Maior,
porém, deve ter sido a surpresa que o ser humano experimentou
ao descobrir o que era capaz de fazer com suas próprias mãos
(CROTTI; MAGNI;2011; p. 15).

Vale ressaltar que o desenho usado pelo homem primitivo em diferentes


momentos em seu cotidiano era uma forma de se comunicar com os demais ao
seu redor, ditar regras e registrar suas 7 passagens por determinados lugares
para não se perderem, firmando assim o registro de sua história contada
atualmente. Deste modo com a evolução humana também evoluiu o desenho
que é utilizado por diversas culturas cada uma com suas características, sem ser
confundida com outras culturas, assim é a criança descobrindo o sentido da mão,
da imaginação e da aprendizagem com seus traçados específicos e
inconfundíveis.
61
Segundo Pillar (1996) a criança desde pequena deixa marcas no papel
gerando um prazer em utilizar materiais até então desconhecidos, descobrindo
um novo mundo, onde, começa se firmar e criar seus próprios traçados iniciando
sua autonomia. Vale salientar que nesse início das marcas as crianças as
deixam também nas paredes e pisos, registrando sua passagem por ali, de forma
não verbal, mas com toda simbologia que a permita se inserirem no mundo real,
alguns adultos com mais sensibilidade às incentivam, já para outros adultos os
rabiscos ou desenhos passam despercebidos e por muitas vezes sem sentido.

Segundo Lowenfeld, Brittain (1977) a construção do desenho é algo


complexo com experiências diversas de mundos imaginários conectados com a
realidade interpretados, selecionados, melhorando o desenvolvimento humano
e a evolução do desenho.

A arte desempenha um papel potencialmente vital na educação das


crianças. Desenhar, pintar ou construir constitui um processo
complexo em que a criança reúne diversos elementos de sua
experiência, para formar um novo e significativo todo. No processo
de selecionar, interpretar e reformar esses elementos, a criança
proporciona mais do que um quadro ou uma escultura; proporciona
parte de si própria: como pensa, como sente e como vê. Para ela,
a arte é atividade dinâmica e unificadora (LOWENFELD,
BRITTAIN, 1977, p. 13).

62
Desta forma é preciso que o desenho das crianças sejam respeitados e
livres pelas pessoas adultas que muitas vezes reprimi e diminui a autonomia de
criação dos pequenos, já os professores passam a maior parte do tempo com as
crianças, dessa forma começam a perceber e registrar o início da história social,
familiar e educacional dos pequenos a partir dos rabiscos com pouca
desenvoltura. Neste sentido os professores refletem uma comunicação informal
dessas crianças de forma não verbal, ao dar liberdade para desenhar
proporcionando-lhes ambientes agradáveis para suas criações únicas e
anônimas.

Segundo Lowenfeld (1977), o objeto mais adequado para as atividades


criadoras da criança será uma mesa baixa e não muito grande, cuja superfície
esteja recoberta por uma capa de tecido plástico lavável para que a criança não
se iniba em meio a tantas regras e etiquetas do mundo adulto. A mesa não deve
ser muito grande para que a criança não se sinta pequena e incapaz.

Vale salientar que o professor não pode pedir para a criança desenhar
apenas para o tempo passar, mas com objetivos para as atividades
educacionais. Pois o professor não deve reformular o 8 desenho da criança
corrigindo seus traçados e formas para fica mais apresentável, pois desta
maneira deixa de ser uma produção individual, inata e única da criança para ser
algo reinventado sem autonomia, o professor ainda deve evitar críticas e
comparações com outros desenhos de crianças da mesma sala de aula,
deixando ao alcance das crianças materiais que ativem sua curiosidade e
estimulem outras partes do corpo se desenvolver também.
63
Segundo Lowenfeld (1977), a arte de desenhar traz o equilíbrio entre o
pensar e o sentir sensações, emoções, desejos e conflitos que de maneira
inconsciente, mas de forma natural projeta sobre o papel algo que lhe possa
aborrecer.

Vale salientar que poucos adultos dão importância aos desenhos da


criança quando a mesma começa a rabiscar paredes, sujar mãos, roupas e
objetos são mal interpretadas e até mesmo punidas, essa punição diminui a
criação própria e deixa certa dependência da criança para com o adulto, como
por exemplo, na escola a criança não consegue criar a partir do que o professor
pede, sempre busca ser direcionado por uma palavra chave do professor ou
busca um desenho pronto por causa da dependência que se criou ao redor do
adulto em sempre trazer algo.

Segundo Castelbianco, Vichi (1997), a análise dos


processos permite focalizar a atenção na construção do
traçado gráfico, ao momento criativo no qual o adulto está
no espaço da criança, aos momentos significativos que
levaram aquele produto e às motivações que induzem a
desenhar aquelas formas específicas preferencialmente a
outras (RENSO, CASTELBIANCO, VICHI, 1997, p. 57).

Deste modo para se compreender o desenho infantil, é preciso


acompanhar a elaboração do mesmo em sala de aula e em casa. Sabendo-se
que o desenho está repleto de emoções e aspectos do consciente que retratam

64
sua realidade a partir do lugar que a criança está inserida representando sua
realidade em muitas vezes de forma intencional.

Destaca-se ainda que na maioria das vezes as crianças passam para o


papel o que elas tem em casa, muitas não reconhecem alguns objetos ou frutas
em desenhos pré-prontos por causa do seu contexto social e familiar, depende
assim da sua condição financeira, como por exemplo: se uma criança em casa
apenas tem como fruta laranja e banana, ao participar de um aula de desenho,
a mesma passara para o papel aquilo que conhece no caso a laranja e a banana.
Por tal motivo é necessário incentivar esses pequenos a criar e a perceber o
mundo fora da sua realidade, para que possam aumentar seus conhecimentos
e ter acesso as novidades que o cercam.

Neste sentido o professor é uma ferramenta importante quando estimula


a criança a novas experiências trazendo objetos novos que não existam no
convívio de seus alunos. Os professores por estarem tão próximos e por ganhar
a confiança dos pequenos percebem o ritmo deles, podendo inovar em suas
atividades educacionais diariamente com eles, mas respeitando o tempo de cada
um de acordo com suas necessidades, nesse sentido o desenho evolui da
mesma maneira que a criança em seus estágios humanos.

65
Segundo Ferreira (1998), para que o professor tenha uma visão
enriquecedora na construção do desenho é preciso estudar a elaboração do
desenho que sugere desenhar para elaborar o conceito dos objetos, que ajudará
o mesmo a perceber o desenvolvimento da criança em sala de aula.

Estudar o processo de elaboração do desenho sugere


desenhar para elaborar o conceito dos objetos, neste
sentido, a visão do professor poderá ser bastante
enriquecedora nessa construção do desenvolvimento da
criança em sala de aula (FERREIRA, 1998, P. 105).

Neste sentido, o professor por sua vez deverá dar uma atenção maior
para essa atividade artística, nas práticas pedagógicas atuais, professores que
usam desenhos pré-prontos, xerocados, e não deixam com que as crianças
utilizem se de sua autonomia imaginaria nas criações que permitem a análise
individual de cada um. O desenho apresenta como a criança se desenvolve e
constrói sua aprendizagem.

6.0 O DESENHO DA CRIANÇA: VALORIZAÇÕES DA EXPRESSÃO GRÁFICA

66
Ao desenhar, a criança reage de diferentes maneiras, estabelece novas
compreensões e revela seus desejos, medos, interpretações e expectativas.
Apresenta sua capacidade de reflexão e de participação nas elaborações de
culturas, estruturas físicas, organizacionais, e tantas outras ações normalmente
estipuladas como pertencente ao “mundo” adulto.

Considerando esta capacidade infantil de participação no meio adulto,


suas manifestações, raciocínios e desenvolvimentos, é evidente a necessidade
de olhares atentos para suas produções gráficas, sendo o professor um dos
responsáveis em acompanhar e incentivar o desenho da criança. Dessa forma,
o desenho se apresenta nesta pesquisa como um elemento de vinculação entre
criança e adulto/professor.

6.1 A voz infantil: ultrapassando os muros da cultura imposta

A criança, principalmente na sociedade contemporânea, é alvo de olhares


diversos, que procuram por definições para este período da vida humana que se
diferencia dos demais em variados aspectos, desde sua formação biológica até
sua forma de inserção na sociedade.

As concepções de criança partem de reflexões, na maioria das vezes,


referentes ao passado ou a atualidade, isso porque, é possível a partir destes

67
realizar uma análise do que é ou não significativo, assim como, aparentemente
verdadeiro. Estas análises contam com experiências já ocorridas e observadas,
facilitando a compreensão e/ou reformulação de ideias.

Este processo de buscar a validação ou a reestruturação daquilo que se


tem conhecimento é de extrema importância para a evolução das mediações
humanas, pois é este processo que possibilita ultrapassar o limite já
estabelecido, partindo para uma nova, e talvez, melhor forma de pensar e agir
perante a sociedade ou determinado grupo social.

Seguindo este pensamento, serão apresentadas a seguir, diferentes


concepções e reflexões referentes à criança.

No Brasil, a LEI Nº 8.069, de 13 de Julho de 1990 (Estatuto da Criança e


do Adolescente – ECA), apresenta em seu Artigo 2º, a criança como sendo o
sujeito que possui até doze anos incompletos, esta Lei, garante também os
direitos da criança - destacando formas de viabilizá-los, sempre pautados no
princípio da cidadania.

Os direitos referidos acima também estão destacados nas Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a qual, ao conceituar criança a
define como:

68
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e
práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e
coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa,
experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza
e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2010, p.12)

Ao produzir cultura, a criança prova sua capacidade de se inserir e de se


manter no meio social de forma atuante, estabelecendo novos padrões de
comportamento e ideias que se diferem ou complementam aquilo que já existe.
Essa participação infantil raras vezes é valorizada pelos adultos, sendo ignorada
e consequentemente não aproveitada naquilo que por direito é também da
criança, tendo como exemplo, as instituições escolares e as organizações
municipais, que designam aos adultos a missão de elaborar as estruturas físicas,
leis e projetos, sem dar voz ao sujeito infantil, o qual tem muito a dizer e a
contribuir

Diante do olhar das crianças, as definições de quem elas são, partem de


um modo particular de cada uma diante de suas experiências de vida e análises
realizadas em função destas concepções.

Na pretensão de refletir acerca de tais definições, estão expressas a


seguir falas infantis, as quais foram explicitadas em conversas realizadas com
três crianças a partir de algumas literaturas. Ao contar para elas as histórias fui
69
instigando-as a realizarem comentários. Surgindo assim, as três primeiras falas
referentes às definições de criança e as duas últimas às definições de adulto:

“– Tira foto no aniversário, come bolo. Eu compro comida no mercado”(Kaio,


3anos).

“– Vai na pracinha, pega livrinhos, “i” na rampa. Eu compro comida na


Cotri(Cotrijui supermercados), compro coelhinho (de chocolate) pra mim
comer”(Augusto, 3 anos).

“ – Olha filme”. (Mônica, 3 anos).

“ – O adulto trabalha no serviço”(Augusto). “ – O adulto trabalha na Cotri (Cotrijui


supermercados)”(Kaio).

É importante destacar que essas falas são resultado de uma conversa


informal, não marcada por questões estruturadas, embora houvesse, em minha
intenção, conduzir o processo de interlocução de maneira que as crianças
explicitassem o seu entendimento do o que é ser criança; o que criança gosta e
não gosta de fazer; quais os lugares preferidos das crianças; o que os adultos
fazem e, se as crianças podem fazer as mesmas coisas.

É visível nas falas das crianças, que estas entendem o lugar do adulto
como trabalhador, estando as respostas pautadas nas realidades das mesmas,
sendo inclusive, citado o local de trabalho de um de seus pais (supermercado
Cotrijuí). Quanto ao conceito de criança, aponto a colocação de espaços, ações
e materiais que para elas parecem apropriados para uma infância feliz. Deste
modo, é viável destacar ambientes de brincadeiras e ludicidade como foco para
a construção e organização de locais destinados às crianças.

A criança, apesar da pouca idade, não é desprendida de inteligência, em


razão disso, vai conquistando seu espaço dentro do grupo seja ele familiar,
escolar ou de outro segmento social. Ela aprende com as mediações que
estabelece em seu cotidiano e pelas reflexões e intervenções que realiza sobre
ele, utilizando-se destas aprendizagens para benefício próprio. É dessa forma
que vai desenvolvendo um conjunto de conhecimentos que a constituirão em sua
subjetividade e no seu modo de ser e agir como sujeito na sociedade. Os
conhecimentos são construídos num processo de trocas culturais entre os pares,
o qual permite estabelecer formas de avaliar o que considera certo e errado, o

70
que gostaria de tomar para si ou não, assim como, divulgar as suas experiências
e reconstruir conceitos antigos.

No que diz respeito à cultura de pares William Corsaro destaca:

Verifiquei em meus estudos que a produção da cultura de pares


pelas crianças não é uma questão de simples imitação. As crianças
apreendem criativamente informações do mundo adulto para
produzir suas culturas próprias e singulares. Defino cultura de
pares como um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos,
valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na
interação com seus pares (2009, p.31/32).

A criança, em interação com outros sujeitos, através do imaginário e da


criatividade, estabelece novas formas de pensar e agir, sendo que elas
ultrapassam os limites padronizados pela sociedade, estipulando novas regras
e deixando de lado o medo de errar normalmente presente na visão dos adultos.

Um bom exemplo para tal afirmação pode ser constatado na facilidade


que a criança apresenta ao trabalhar com recursos tecnológicos, como é o caso
do computador e do aparelho celular, os quais são eletrônicos que diante do
adulto são tratados inicialmente com o maior zelo para que não estraguem e
causem, dessa forma, prejuízos. Por estar desprendida deste cuidado excessivo,
a criança aprende a lidar com tais aparelhos com maior destreza e em menor
tempo precisando muitas vezes ensinar o próprio adulto a manuseá-los.

71
Mencionadas as tecnologias, já é possível pensar na nova estrutura em
que o mundo contemporâneo se encontra e nas diferentes relações que o
mesmo apresenta em comparação ao passado, sendo que em função dessa
nova realidade, a criança ao nascer já está inserida em um universo de novas
tecnologias, moderno, munido de exigências e novidades. E é de acordo com
essas mudanças que Haetinger comenta:

Das crianças que reproduziam pequenos adultos como nos anos


50, estamos hoje em frente a crianças ativas, opiniáticas e críticas.
Estas crianças, devido aos veículos de comunicação e a tecnologia
disponível, acumulam desde os tenros anos uma quantidade de
informação nunca sonhada pelas gerações anteriores (2005, p.14).

Estas crianças munidas de saberes, desejos e expectativas estão, e, sua


maioria, inseridas nas escolas de Educação Infantil, espaço-tempo que acolhe
crianças de 0 a 5 anos, idade referência para o desenvolvimento deste estudo.

O entendimento sobre o que é ser criança (tanto por parte delas, quanto
pela dos adultos) se modifica de acordo com a cultura, contexto histórico e social,
assim como, através de estudos que se destinam a esse sujeito que
culturalmente faz parte de um período chamado infância.

Criança e infância não são conceituadas da mesma forma, Clarice Cohn


aponta infância como sendo “... um modo particular, e não universal, de pensar
a criança...”(2005, p. 21/22). Sendo que dentro desta mesma temática Demartini
deixa claro que:

...Os estudiosos chamam a atenção para categorias distintas de


crianças: as que vão se constituir como crianças que têm infância
e outras que vão se constituir como crianças sem infância. E “sem
72
infância” no sentido de que não passaram por uma experiência que
é entendida como experiência de vida que configuraria essa etapa
inicial do processo de socialização (2002, p.8/9).

Clarice Cohn contribui também com a seguinte colocação:

...O estudo histórico de Philippe Ariès sobre a criança e a vida


familiar no Antigo Regime mostra que a ideia de infância é uma
construção social do Ocidente. Ela não existe desde sempre, e o
que hoje entendemos por infância foi sendo elaborado ao longo do
tempo na Europa, simultaneamente com mudanças na composição
familiar, nas noções de maternidade e paternidade, e no cotidiano
e na vida das crianças, inclusive por sua institucionalização pela
educação escolar. O que Ariès nos mostra é a construção histórica
do que domina um sentimento da infância. Este não deve ser
entendido, vale dizer, como uma sensibilidade maior à infância,
mas como uma formulação sobre a particularidade da infância em
relação ao mundo dos adultos, como o estabelecimento de uma
cisão entre essas duas experiências sociais. Portanto,
contemporaneamente, os direitos das crianças e a própria ideia de
menoridade não podem ser entendidos senão a partir dessa
formação de um sentimento e de uma concepção de infância (2005,
p.21/22).

Compreender a criança e a infância, não é apenas uma forma de buscar


parâmetros para a sua vivência digna como sujeito social, mas querer que esta
tenha voz para dar suporte àquilo que a ela é destinado.

As pesquisas são significativas em relação às crianças, deixando evidente


a importância de considerá-las sujeitos de direito, produtoras de cultura e da
emergência de uma nova escola pautada nestes princípios. Por outro lado, é
importante destacar, de que nada adianta evidenciar isso num discurso bonito e
numa estrutura física esteticamente bonita, se na prática, as crianças não se
sentem pertencentes deste universo. Quando regras sociais e institucionais
conduzem a forma de aproveitamento do mesmo e, dizem o que deve ser feito,
ou não, sem o protagonismo da criança, é destruída toda a potencialidade nele
existente.

73
Tal afirmação não significa ignorar a importância, ou necessidade da
criança aprender a conviver com as normativas estabelecidas para uma boa
articulação social, até por que é na primeira infância que o sujeito tem contato
com aquilo que o torna pertencente ao grupo humano, diferenciando-o dos
animais que se organizam de forma distinta do homem. O que está em defesa,
neste contexto, é a capacidade da criança lidar com aquilo que aprendeu e
deseja até o momento e, poder participar na organização das estratégias e
espaços para aprender mais.

Assim como os adultos, a criança tem formas de expressar o que almeja,


cabendo ao adulto se dispor a aprender estas formas e, através da participação
interativa, criar condições ideais de interlocução.

A criança ao dizer e demonstrar seus desejos e sentimentos apresenta


também, sua capacidade e vontade de se expressar e interagir com outros. A
escola, como sendo um espaço privilegiado no qual são possíveis variadas
possibilidades de desenvolvimento da expressão infantil e ao convívio grupal,
permite que a criança aprenda a se colocar como um sujeito atuante, pertencente
a um espaço e grupo, recorrer a formas de não sair prejudicado na luta pelos
direitos iguais e no reconhecimento diante dos demais colegas. Na escola, as
atividades e intervenções quando bem desenvolvidas, contribuem não somente
na construção de competências expressivas, como também na própria
constituição da criança, pois este espaço, independentemente de sua
organização possibilita aprendizagens que se diferem de todos outros espaços
que se dizem educativos.

74
Essa diferenciação ocorre devido a singularidade, na organização e
intencionalidade das escolas, ou seja, por mais que sejam oferecidos meios de
imitar os processos educacionais fora desta instituição, isso não será possível
em função de que não haverá as mesmas mesclas culturais, as socializações
entre os sujeitos infantis e outros fatores que potencializam a escola como
espaço privilegiado de aprendizagens e interações. Entre as atividades
normalmente aí desenvolvidas, está a elaboração do grafismo, o qual está
estreitamente interligado a expressão do sujeito e é o foco deste estudo.

O grafismo tem seu início no período em que o sujeito ainda é criança e


vai ganhando formas de acordo com o desenvolvimento do próprio, com suas
experiências vivenciadas e com sua maneira de “ver” o mundo.

Aprender a se expressar através do desenho e manter essa


aprendizagem, contribui nas reflexões e escolhas do sujeito, podendo até
mesmo determinar estilos de vida. Dentro destes estilos é possível destacar
pessoas, as quais se utilizam desta iniciação infantil inclusive na vida adulta, em
suas profissões ou na manutenção de um hobby, assim como fazem os pintores,
professores de arte e tatuadores. Sendo que alguns destes encontram na
expressão artística a felicidade e/ou a exposição de suas ideias, críticas e
sentimentos.

Tais reflexões não buscam tomar o grafismo infantil, como fonte de


preparação para o futuro, mas sim, apontá-lo como um meio saudável de

75
expressão, que por sua vez é importante para a constituição da criança e permite
sua interação de forma a romper com culturas impostas pelo adulto, estando o
próximo capitulo pautado neste viés de reflexões, o qual apresenta o desenho
como uma manifestação artística e busca através desta a compreensão de
teorias e falas infantis que permeiam o assunto.

6.2 A criança desenha, se expressa e se constitui pelo desenho

O ato de desenhar exige poder de decisão. O desenho é


possessão, é revelação. Ao desenhar nos apropriamos do objeto
desenhado, revelando-o. O desenho responde a toda forma de
estagnação criativa, deixando que a linha flua entre os sins e os
nãos da sociedade (DERDYK,1989, p.46).

A arte envolve processos de criação que integram vivências, saberes,


expressões, observações, intencionalidades e até mesmo casualidades. Além
disso, contemplam variados artefatos e instrumentos, tais como, tinta,
fotografias, elementos naturais, meios tecnológicos, dança, teatro, esculturas,
modelagens, entre tantos outros, os quais são fontes significativas para a
interação do sujeito com a criação, ressignificação de saberes e o
desenvolvimento de novas relações.

76
A experiência artística imprime singularidades do sujeito criador e estas,
envolvem referências constitutivas deste, que possui experiências próprias e
está inserido em um contexto repleto de informações, historicidade e cultura,
sendo que tais, mesmo que implicitamente aparecem em sua criação.

A interação e a experiência com as diferentes linguagens expressivas são


oportunizadas para as crianças desde pequenas e integram o currículo da
educação básica, ocupando um lugar especial na Educação Infantil e nos Anos
Iniciais. A inserção da arte na escola é legitimada pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil, as quais objetivam que as instituições
“promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas
manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança,
teatro, poesia e literatura” (BRASIL: 2010, p.26).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais vol.6 (2001:19-21) para os Anos


Iniciais do Ensino Fundamental, também abordam a necessidade e a
importância das artes no currículo escolar, destacando que a educação em arte
favorece o pensamento artístico e a percepção estética, desenvolvendo
sensibilidade e imaginação. Contribui para que o educando estabeleça relações,
desenvolva estratégias, conheça arte de outras culturas, reconheça objetos e
formas 20 presentes no ambiente em que está inserido, compreenda o mundo
77
em um foco poético, percebendo a possibilidade de transformações e
flexibilidade.

Uma função igualmente importante que o ensino da arte tem a


cumprir diz respeito à dimensão social das manifestações
artísticas. A arte de cada cultura revela o modo de perceber, sentir
e articular significados e valores que governam os diferentes tipos
de relações entre os indivíduos na sociedade. A arte solicita a
visão, a escuta e os demais sentidos como portas de entrada para
a compreensão mais significativa das questões sociais. Essa forma
de comunicação é rápida e eficaz, pois atinge o interlocutor por
meio de uma síntese ausente na explicação dos fatos (BRASIL,
2001, p.19/20).

Todas as manifestações artísticas possuem suas especificidades, trazem


contribuições importantes e revelam diferentes concepções. No entanto, como o
desenho gráfico é o “fio condutor” das reflexões presentes neste estudo, busco
validar sua significância na constituição da criança com certo destaque, já que o
mesmo, assim como outras formas de expressões artísticas, também possui sua
importância singular.

Compreendendo o grafismo como meio de expressão, é viável que este


se torne um mediador na investigação das “vozes infantis”. Não significa dizer
que o mesmo deva ser desenvolvido através deste intuito e muito menos
banalizar o grafismo com meras suposições, mas identificá-lo como um meio de
diálogo entre a criança consigo mesma, com seus pares e com a sociedade. “O
desenho é a manifestação de uma necessidade da criança: agir sobre o mundo
que a cerca; intercambiar, comunicar” (DERDYK, 1989, p.51).

Dessa forma, o desenho como sendo também uma produção da criança,


ganha espaço como interlocutor da voz infantil. Expressa através das ações e
reflexões a ele destinadas, um emaranhado de detalhes, os quais revelam
significados e intencionalidades.

78
Ao desenhar, a criança utiliza seu corpo, conhecimentos, sentimentos,
vivências, reflexões, comparações e outros elementos que a constituem e que
se sobressaem no ato de desenhar. Ela interage com o material de forma
subjetiva e momentânea, revela o que pretende para aquele momento e mesmo
quando não há pretensões, realiza ações que naquele instante foram possíveis.

O desenho se materializa a partir de elementos concretizados pelo sujeito,


como é o caso do ponto, da linha, das cores e de outros fatores que constituem
a arte gráfica.

A linha, elemento essencial da linguagem gráfica, não se subordina


a uma forma que neutraliza suas possibilidades expressivas. A
linha pode ser uniforme, precisa e instrumentalizada, mas também
pode ser ágil, densa, trepidante, redonda, firme, reta, espessa, fina,
permitindo infindáveis possibilidades expressivas. A linha revela a
nossa percepção gráfica. Quanto maior for o nosso campo
perceptivo, mais revelações gráficas iremos obter. A agilidade e a
transitoriedade natural do desenho acompanham a flexibilidade e a
rapidez mental, numa integração entre os sentidos, a percepção e
o pensamento (DERDYK, 1989, p.24).

79
Seguindo o raciocínio de Derdyk (1989,p.20) o desenho se manifesta de
diversas formas, podendo ser representado também através de sinais como
impressões de membros humanos em superfícies.

Apesar de significativos e constituidores do desenho, os elementos que o


compõem não são os únicos merecedores de atenção. A forma como eles é
desenvolvida e toda a ação que a criança envolve neste processo também são
consideráveis. A relevância do que a criança expressa é constituída através da
valorização/atenção que ela recebe. O que representa uma necessidade de
observação diante daquilo que é por ela pensado e constituído. “Desenhando,
cria em torno de si um espaço de jogo, silencioso e concentrado ou ruidoso e
seguido de comentários e canções, mas sempre um espaço de criação. Lúdico.
A criança desenha para brincar” (MOREIRA,2002, p.15).

Assim como no brincar, ao desenhar o sujeito também utiliza artefatos que


fazem parte do seu cotidiano. Ou seja, ele recria situações, expõe o que vivencia
e o que considera atraente ou repulsivo. Além disso, o grafismo é realizado
também apenas pelo prazer motor, ou até mesmo pela apreciação da interação
com o material, ou ainda, pode ser definido por semelhanças involuntárias entre
o traçado e a realidade.

O que vale destacar é o fato de a criança desenhar por quê/o que/como


lhe interessa, pois é dessa maneira que expressará o que realmente deseja,

80
sendo que “... o desenho é para a criança uma linguagem como o gesto ou a
fala” (MOREIRA,2002, p.20).

Além da brincadeira, o ato de desenhar também pode promover a


socialização quando realizado de forma não individual. Vejamos o exemplo:

Três crianças sentadas uma ao lado da outra desenhavam e dialogavam.


Os desenhos estavam sendo desenvolvidos de acordo com a livre escolha de
cada um. Em determinado momento, uma delas olhou para a sua colega ao lado
e informou que a desenharia desencadeando a seguinte fala:

“- Eu vou desenhar a Mônica! O que você tem Mônica?” (Augusto, 3 anos).

A resposta foi antecipada por um breve momento de silêncio e após apresentada


com tom de sabedoria:

“- Eu tenho cabelo” (Mônica, 3 anos).

No pequeno diálogo exposto acima é possível perceber que no ato desse


desenho, a criança precisou refletir e até mesmo fazer uma interrogação para o
desenvolvimento dele. Ao receber sua resposta houve uma troca de informações
81
abrangente do conhecimento que uma das crianças tem sobre sua estrutura
corporal.

A interação entre a dupla pode ter uma significância muito maior do que
inicialmente apresenta, já que é considerável a idade das crianças e a ideia de
que ainda estão construindo seus saberes quanto ao esquema corporal. Ou seja,
a análise realizada pelos dois ao conversarem possivelmente terá repercussões
em seus próximos desenhos e até mesmo na constituição subjetiva e intelectual
de ambos

Experiências com modalidades artísticas nos primeiros anos de vida,


normalmente representam grande significância no modo como o sujeito vai
acolher as artes em seu cotidiano. E considerando que o desenho é um meio de
comunicação, expressão e ludicidade é preciso ter certos cuidados com o
incentivo de padronizações também conhecidas como estereótipos que tolhem
não só a criatividade e imaginação da criança, mas também seu potencial
comunicativo disposto no desenho. Tratam de modelos, cópias realizadas
desprovidamente da imaginação e produções próprias, extinguem a criatividade
e são facilmente encontrados nos meios de comunicação, instituições, livros
infantis e em outros elementos/localidades que utilizam a imagem.

O ensino fundamentado na cópia inibe toda e qualquer


manifestação expressiva e original. A criança, autorizada a agir
dessa forma, certamente irá repetir fórmulas conhecidas diante do
qualquer problema ou situação que exige respostas. Ela, com todo
o seu potencial aventureiro, deixa de se arriscar, de se projetar.
Seu desenho enfraquece, tal como o seu próprio ser.
(DERDYK,1989, p.107).

Diante da defesa da ideia de conhecer as crianças e reconhecer seu


potencial, fica evidenciada a reprovação ao incentivo de estereótipos, pois os
mesmos como explicitado são empecilho que barram a intervenção da criança
no meio social, ou seja, inibem a marca própria da criança a qual tem muito a
dizer.

82
O desenho quando criado pelo próprio sujeito divulga revelações, as quais
nem sempre são percebidas no cotidiano. Isso ocorre principalmente quando seu
processo é acompanhado de diálogo, o qual incita reflexões reveladas ao sujeito
que observa a criança desenhando, sendo que, estas observações podem gerar
resultados significativos para o processo de inclusão da criança na sociedade.

Esta inclusão, por sua vez, é a garantia do exercício dos direitos da


criança, a qual tem perante o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)
expresso em seu Art. 16, inciso II o direito a opinião e a expressão, o que
equivale ao direito de participação perante a sociedade.

Contudo, não basta a criança ter direitos limitados ao papel, é preciso que
a sociedade abra espaços para estes direitos se materializem, respeitando a
criança em sua integralidade e não a prive de opinar e criticar os espaços,
decisões e estruturas das quais ela também faz parte.
83
Diante de todas as afirmações apresentadas até o momento, é possível
afirmar que o desenho é também constituidor, apoderando-se de elementos
fundamentais na formação dos sujeitos: expressão, relações, socialização,
reflexão, apropriação, imaginação, noção espacial, motricidade, oralidade,
observação etc.

O desenho, enquanto linguagem, requisita uma postura global.


Desenhar não é copiar formas, figuras, não é simplesmente
proporção, escala. A visão parcial de um objeto nos revelará um
conhecimento parcial desse mesmo objeto. Desenhar objetos,
pessoas, situações, animais, emoções, ideias são tentativas de
aproximação com o mundo. Desenhar é conhecer, é apropriar-se
(DERDYK,1989, p.24).

A ideia de Derdyk revela o desenho em sua forma mais pura, isso porque,
visualizar as artes gráficas como algo relativo de conhecimento e apropriação,
representa colocar-lhe em um patamar de singularidade. Não há pessoa que
conheça exatamente as mesmas coisas que 24 outro sujeito, nem mesmo que
interaja com esse conhecimento sempre da mesma maneira, sendo assim, o
desenho é algo único revelado por um sujeito único.

6.3 O desenho como manifestação da voz infantil

84
Tendo como base as reflexões realizadas até este instante e
compreendendo o desenho como articulador de relações infantis, apresento a
seguir observações provenientes de algumas interações com crianças
pertencentes a faixa etária compatível a Educação Infantil.

Estas crianças foram envolvidas em situações realizadas com o objetivo


de relacionar questões teóricas a prática, de estabelecer comparações entre
estudos e a realidade, tendo os desenhos e as falas infantis como mediadoras
das intervenções.

As vidas cotidianas das mesmas serão citadas de forma a preservar a


privacidade de cada uma delas, assim como, para a manutenção de um
processo ético, que busca reconstruir/validar conhecimentos, mantendo uma
visão relativista e humilde, distanciando-se de preconceitos e desvalorizações.

A primeira criança será reconhecida como Amanda, tem 3 anos e 1 mês


de idade, não frequenta instituição escolar, sendo suas vivências cotidianas
realizadas entre a casa da mãe em um bairro e a casa dos avós no interior do
município de Ijuí.

Esta, apesar de não frequentar a escola, possui convívio constante com


outras crianças de sua faixa etária, gosta de conversar e de expor sua opinião.
Ao receber a proposta de realizar desenhos demonstrou-se entusiasmada,
tratando os materiais como brinquedos que envolviam um momento mágico,
novo e cheio de ludicidade.

85
Outro participante desta pesquisa será denominado por Francisco
(2anos), o qual assim como os demais é frequentador de uma escola de
Educação Infantil e reside com seus pais. Bruno (4anos), o mais velho do grupo,
é integrante de uma turma de pré-escola, e contribuiu não com desenhos, mas
com a definição referente ao que é desenhar em sua concepção: “Desenhar é
fazer bichos, dinossauros, eu e um monte de coisas.” Por fim, as outras três
crianças serão apresentadas como Mônica (3anos), Augusto (3anos) e Kaio (3
anos), colegas da mesma turma, os quais convivem diariamente em sala de aula
e passam por processos de mediações semelhantes neste espaço

Os relatos a seguir foram desencadeados em diferentes momentos,


porém estão aqui aproximados por possibilidades de reflexões as quais por sua
vez, estão pautadas em embasamentos teóricos que apresento na pretensão de
validar minhas ideias.

Para a Amanda, foram oferecidos como materiais, folhas de ofício


coloridas e brancas, folha A3 branca, papel pardo, canetões, giz de cera, lápis
de cor e tinta. Ao ser questionada com quais destes materiais queria desenvolver
seu desenho, escolheu, sem nenhuma dúvida, a folha de ofício azul e o giz de
cera rosa.

Amanda estava faceira e ao mesmo tempo concentrada ao desenhar. Sua


fala era intercalada por instantes de silêncio. A única cor reconhecida por ela é
86
a rosa, sendo que com as demais não estabelece relação entre a cor e a
nomenclatura.

Esta constatação de que a rosa está culturalmente colocada como sendo


uma cor referente as meninas e o azul aos meninos, ficou evidenciada de forma
bem clara nas falas de Augusto e Mônica:

“- Eu quero o azul” (Mônica falando ao pegar o canetão no estojo).

“-Azul é de menino, rosa é de menina” (comenta Augusto).

Mônica não destina atenção ao comentário do amigo e desenha com o canetão


azul.

A fala de Augusto implica pré-conceitos presentes em seu meio de


convivência e que passam de geração a geração por anos. Este raciocínio não
é algo estabelecido pelo próprio Augusto, mas sim, um conhecimento
impregnado na sociedade que cobra das crianças o reconhecimento das cores
destinadas ao gênero feminino e masculino. As propagandas por sua vez
fortalecem esta ideia, fazendo com que cada vez mais, este conceito se
estabeleça como algo relevante.

Retornando a Amanda, está ao desenhar com o giz rosa, começa a batê-


lo na folha. Pergunto o porquê desta ação e recebo como resposta:

“-Para sair o riscado” (Amanda).

É visível que Amanda ainda esteja em processo de descoberta dos


materiais artísticos. Explora-os à sua maneira na busca por resultados em
algumas vezes inesperados e em outras, planejados. Esta experimentação é
frequente, podendo ser destacado o momento em que coloca a tampa dos
canetões no lápis.

Os relatos que Amanda desenvolve ao desenhar deixam a impressão de


que ela é transportada da realidade para outro lugar, talvez possamos chamar
este lugar de “mundinho da imaginação”. As falas são rápidas e nem sempre
seguem o ritmo do desenho, misturam informações e ocupam juntamente com
os traços parte da folha, a qual é virada para a continuação do processo no verso.

87
Estas falas estão repletas de informações que permitem conhecer a
criança, tendo como exemplo: o conhecimento de que a Amanda gosta de comer
doce de leite (Mumu), aparentemente relaciona a escrita à lapiseira e um homem
(pela sequência de sua fala). Reconhece que o nome e os números podem ser
grafados, assim como, utiliza o verbo riscar e borrar para desenvolver seus
desenhos, representando não ser a primeira vez que se envolve com o grafismo,
envolvimento este que pode estar vinculado tanto no ato de observação quanto
de interação.

De todas estas informações, é cabível destacar a relação do desenho com


a escrita que a Amanda traz. Diante da amplitude de informações letradas que
permeiam o contexto da criança, ela visualiza, ouve a leitura e se depara em
diferentes situações com a grafia das letras, o que serve de estímulo para a
vontade da criança em interagir com estas.

88
Emilia Ferreiro, respeitável especialista em alfabetização, a convite da
Revista Nova Escola se reúne a Telma Weisz (doutora em psicologia) para um
debate sobre o ensino da leitura e da escrita. Apresento a seguir um pequeno
trecho deste diálogo, acreditando ser este importante para a reflexão das
relações de desenho e escrita que Amanda traz, assim como muitas outras
crianças também apresentam.

...Estamos acostumados a oferecer cadernos, lápis e canetas e


estimulá-las a desenhar. E quando fazem uma coisa redonda, com
alguns pontos dentro e umas linhas retas que saem dessa bola
dizemos: “Já começou a desenhar. É uma figura humana!”. Vemos
com olhos positivos essa produção que, de outro ponto, poderia ser
considerada feia, ruim. Quando dessas linhas retas saem outras,
dizemos: “Já colocou dedos, olhos, cabelos”, ficamos fascinados
diante da produção e não pensamos que ela pode começar a
escrever. Se as letras não são convencionais, dizemos: “Melhor
que não escreva”. Aprender a escrever não é um processo idêntico,
mas é parecido com aprender a falar. Se nos dissessem para não
falar até pronunciarmos corretamente todos os sons, seriamos
todos mudos. Faz sentido dizer que se aprende a ler lendo e que
se aprende a escrever escrevendo, na medida em que enxergamos
isso como um processo. Há uma maneira de escrever aos 3,4 e 5
anos como há uma maneira de falar aos 3,4 e 5 anos. Para a fala,

89
não exigimos perfeição desde o início, mas fazemos isso com a
escrita (FERREIRO, 2013, p.29).

As palavras de Emília Ferreiro partem de um olhar crítico, reflexivo e


diferenciado. Dispõe de argumentos relevantes que nos remetem a retomada da
escrita como formatada por símbolos gráficos criados pelo próprio homem para
a representação de vivências, visualizações, imaginações e oralidade. Dessa
forma, a escrita nada mais é do que desenho. A criança diante de sua inteligência
consegue captar essa conceitualização de escrita e por não ter praticado ainda
um processo mais aprofundado com sua formatação padrão acaba escrevendo
à sua maneira. Neste contexto, Amanda desenvolve numa só atividade duas
linguagens: ora desenha, ora escreve.

Esta escrita inicial pode não ser compreendida pelo sujeito que visualiza
a grafia, porém para a criança, esta possui significado e carrega consigo um
sentido de representação, mesmo que momentâneo. A própria fala da Amanda
comprova essa ideia: “Eu vou fazer o nominho”.

Existem diferentes pontos de vistas referentes ao incentivo da


alfabetização da criança ainda na Educação Infantil, ou pelo menos a
inicialização desse processo. Acredito ser importante o contato da criança com
o meio letrado, porém discordo da ideia de alfabetizar - no seu sentido restrito -
neste período da vida, isso porque considero desnecessário o ensino sistemático
deste conhecimento, até porque acelerar este processo irá interferir na vida do
sujeito quando mais velho, sendo que será possível que esteja saturado das
ações que competem ao meio educacional. Estas, quando forçadas, roubam o
tempo da ludicidade, da brincadeira e da imaginação, afinal, escrever é uma
forma de -se social e para tanto é preciso se ter cuidado com a forma que ela é
incentivada.

Para Amanda a questão da contagem também se manifestou durante as


suas intervenções com os desenhos. Ao guardar os canetões no estojo, pegava
um por vez e pronunciava as seguintes palavras: “É duas e dois” (Amanda)
repetindo-as para cada canetão guardado. Suas falas são interessantes de
serem analisadas, comprovam que apesar de não frequentar a escola, convive
com experiências que dela também fazem parte. É evidenciado os vínculos entre
a instituição de educação e a sociedade em geral, mesmo quando o sujeito não

90
a frequenta, isso porque a escola existe em prol da sociedade e por ela é
formada.

Esta relação de proximidade entre sociedade e escola também é visível


nas falas de Augusto, o qual ao realizar um desenho utilizou-se da oralidade,
trazendo para o ambiente escolar, conhecimentos e interesses advindos de fora
deste espaço:

“– Eu vou desenhar o Homem Aranha. Eu não tenho medo do Homem


Aranha. A Mônica tem. Não precisa ter medo Mônica, eu o mato.” (Augusto)

Na escola em que Augusto frequenta o filme do Homem Aranha não foi


disponibilizado para as crianças, desta forma, é possível afirmar que seus
comentários são derivados de relações que se constituem fora da instituição e
que são trazidas para esta a partir do próprio sujeito que a frequenta, no caso,
Augusto.

É importante considerar que aquela criança que permanece durante horas


do seu dia dentro do ambiente escolar, possui vivências, saberes, expectativas
e convivências extraescolares, as quais são diferentes daquelas que ocorrem na
instituição educacional, mas que também refletem no desenho, já que a criança
é constituída por formações de todos os ambientes em que convive e o desenho
é uma expressão destas vivências. O desenho é uma ótima fonte para se
conhecer o sujeito em sua integralidade, o que envolve seus medos, desejos,
curiosidades, saberes e tudo aquilo que dele faz parte.

91
Retornando mais uma vez as intervenções realizadas com Amanda, sua
última opção de escolha de material para o desenvolvimento do desenho foi a
tinta. Sendo que ao perceber seu estranhamento com relação a este material,
questionei se já havia desenhado com ele, recebendo a seguinte resposta:

“-Não. Ainda não!” (Amanda)

Sua afirmação, além do “Não. Ainda não”, era complementada com olhar
de surpresa e curiosidade, linguagem que tornava visível que até aquele
momento este contato ainda não tivera sido possível, mas que esta experiência
naquele instante iria acontecer. Durante o processo, Amanda colocou seu rosto
bem próximo da folha, diminuiu a quantidade de comentários, aparentemente se
preocupou mais com os efeitos do pincel e da tinta no papel do que com o
resultado do desenho em si. Pintava em cima do mesmo espaço várias vezes e
todas as vezes que pretendia colocar mais tinta no pincel, passava-o em todas
as cores. Suas pinceladas eram realizadas através de batidas na folha, sendo
que somente após terem se passado alguns minutos ela resolveu arrastar o
material no papel formando linhas

A experiência foi tão importante para Amanda, que ela resolveu convidar
todos que estavam no local para que visualizassem seus “pisentinhos” (forma
como tratava seus desenhos). Ao denominar suas produções de “pisentinhos”,
imagino a significância que estes tiveram para ela, já que toda criança adora
receber presentes e estes são sempre alvos de alegria.

Francisco (2 anos), outra criança da pesquisa também interagiu com a


tinta. Este embora não ter realizado comentários verbais, reagiu, ou seja, “falou”
através das expressões de alegria e surpresa ao mesmo tempo. Olhava para

92
suas mãos lambuzadas pela tinta, e as esfregava na folha, repetindo este
processo por várias vezes.

Kaio por sua vez, recebeu como material canetões e folha branca, assim
como os outros que desenhavam com ele. Este em seu processo de desenhar
quase não interagiu com seus colegas que estavam ao lado. Permaneceu
concentrado em sua produção utilizando-se da oralidade apenas para nomear
seu grafismo e para pedir emprestados outros canetões.

Na primeira folha Kaio desenhou um dinossauro. Já na segunda


apresentou elementos que possuem ralações entre si, sendo nomeados por ele
como:

“- Barco, minhoca e peixe.” (Kaio)

O barco, a minhoca e o peixe citados por Kaio, logo me remeteram a uma


cena de pescaria, já que os três elementos fazem parte de tal situação. Isso não
significa que as reflexões dele tenham passado diretamente por esta cena,
contudo é considerável pensar que o mesmo tenha desenvolvido relações entre
os elementos e que talvez em suas intenções houvesse permeado algum
cenário.

Representar cenas e espaços (mesmo que só intencionalmente)


necessita certos raciocínios por parte da criança, já que ela vincula elementos e
os coloca no papel de forma a retomar seus conhecimentos e vivências. Estes

93
raciocínios vão se tornando mais complexos de acordo com o seu
desenvolvimento e o envolvimento com a ação de representar, o que torna estas
representações cada vez mais detalhadas e identificáveis pelo outro que
visualiza o desenho.

Por volta dos dois anos de idade, aproximadamente, manifesta-se


na criança a função simbólica: ela substitui uma ação ou objeto por
um símbolo, que pode ser uma imagem ou uma palavra. Com o
aparecimento da função simbólica, começa a se construir na
criança o espaço representativo. É a época em que ela já consegue
interiorizar as ações executadas e tem condições de representar o
espaço: sabe falar sobre os espaços, desenhá-los e descrevê-los
(ANTUNES; MENANDRO; PAGANELLI, 1993, p.47)

Além das noções espaciais e de representações citadas acima, o desenho


também possibilita reflexões referentes as diferentes medidas. Sendo que, para
finalizar as análises das intervenções realizadas com as crianças, destaco o
grafismo de Mônica, o qual nos remete a observação de tal concepção
matemática. Ela começou desenhando o que denominou de “bola” a qual aos
poucos foi aumentando de tamanho sendo referida por ela da seguinte forma:

“-Eu fiz uma bolona!” (Mônica)

94
A imagem foi constituída inicialmente por círculos, os quais foram se
sobrepondo à medida que ficavam maiores. A colocação de Mônica evidencia
sua diferenciação entre o menor e o maior, o que tem grande significância para
sua compreensão matemática e de inúmeros outros conhecimentos que
amparam a intervenção do sujeito em seu meio de convívio. As reflexões e
mediações realizadas a partir deste conhecimento vão se tornando mais
complexas na medida em que as compreensões ocorrem, possibilitando, por
exemplo, que o raciocínio realizado por Mônica ao fazer seu desenho faça parte
da formação de novos conhecimentos que se ampliam ou se desconstroem
diante de novas informações e vivências, mas que são fundamentais para aquilo
que se conhece.

Independente dos materiais utilizados as experiências se tornam


significativas pelas condições e respeito. A visão do adulto quanto ao processo
desenvolvido do desenho a criança independente de estágio, precisa estar
pautada em uma postura de apoio e incentivo, sem exigir da criança aquilo que
ela não consegue ou não quer desenhar. Enfim, os processos gráficos devem
ser permeados por momentos de prazer e satisfação e não de cobranças e
expectativas.

7.0 O ESTUDO DO DESENHO


7.1 A desenho da criança:

 É feito por prazer;


 Para encontrar seu equilíbrio afetivo;
 Exprime o que ela está sentindo;
 Cada detalhe é importante para interpretar a personalidade e eventuais
problemas da criança;
 Mas é importante verificar as constantes (não se deve fixar num só
desenho).
 Obedece às mesmas leis básicas que servem para interpretar a escrita.

7.2 O estudo do espaço

Começa com a divulgação imaginária da página em quatro direções:

95
7.3 Elementos do desenho
 Traço firme: Exprime vitalidade, audácia e a raiva.
 Traço leve: Traduz sensibilidade, delicadeza e timidez.
 Traço pontilhado: Demonstra uma certa inibição.
 O ângulo: Exprime força, combatividade e virilidade.
 As curvas: Lembram gentileza e feminilidade.
 Formas redondas e angulares: Reflete o equilíbrio da criança que se
adapta e se afirma.
 Traços bem definidos e contornos sombreados: Sinal de grande
ansiedade.

7.4 Os sinais da sexualidade


 Os signos que marcam a busca de uma identidade sexual aparecem pelos
quatro ou cinco anos.
 Os objetos ocos, como um saco vazio ou um vaso, simbolizam o útero.
 Há uma certa insistência do lápis sobre as partes genitais.
 Paisagens iluminadas pela lua: símbolo do sonho e do inconsciente,
indica que a criança se coloca dúvidas sobre sexualidade.
 Supressão da parte baixa do corpo: preocupações sexuais mal
veiculadas.

7.5 O desenho da família


 Cena contendo animais: criança muito fechada;
 Personagem em destaque: mostra sua identificação, porque admira o
personagem escolhido ou quer ser amada por ele.

96
 Um homem vestido de modo ridículo, usando uma bengala, um chapéu
ou carregando um cachimbo (atributos de virilidade – o pai);
 Uma mulher usando um vestido, bijuterias ou um penteado com coroa
(ornamentos da feminilidade – a mãe);
 Um irmão mais jovem e inoportuno pode ser eliminado do desenho porque
“não tinha mais lugar”, ou então ser colocado no verso da folha.

7.6 O significado das cores


 VERMELHO: Uma série de desenhos com dominante em vermelho pode
ser reflexo de uma certa excitação, de uma necessidade de movimento
ou então agressividade.
 AZUL: Demonstra que a criança tem uma vida interior bem desenvolvida.
Simboliza também paz e tranquilidade. Em certos casos, poderá significar
passividade e mesmo resignação.
 VIOLETA: Representa a fusão dos contrários. A criança provavelmente
se ressente das tensões que a tornam ansiosa.
 VERDE: A criança dá sinais de um certo narcisismo e necessidade de ser
reconhecida pelos outros. Tem um caráter voluntarioso, quer ação e é
perseverante.
 AMARELO: Muito luminosa, essa cor demonstra grande alegria de viver.
A criança é de temperamento aberto e ama as descobertas que o futuro
lhe reserva. Em excesso, pode significar angústia.
 LARANJA: A criança escolhe essa mistura de amarelo e vermelho quando
sente grande desejo de se sobressais. Cor da alegria, revela um caráter
extrovertido.
 MARROM: Muito usado antes de seis anos. Cor da terra, representa as
necessidades primitivas e certa procura de segurança. As crianças a
veem como símbolo das tintas saídas das matérias fecais. É porque, no
momento de aprendizagem da propriedade, a criança, a quem proibiram
de brincar com seus excrementos, encontra um prazer compensatório em
encher sua folha de cores castanhas.
 PRETO: É a negação da cor. Pode servir para dar valor a outras cores.
Mas em grande quantidade significa angústia e desespero.

7.7 Os elementos do desenho

97
CASA

 Desenhada com frequência, reflete o eu interior e o lar da criança.


 As janelas (tristes ou alegres) indicam o otimismo ou o pessimismo com
qual a criança vê a vida.
 A porta (única ou várias) nos deixa prever a amplitude da necessidade de
comunicação.
 A chaminé é a manifestação do inconsciente da criança: reflete seu
estado de espírito e representa o ambiente de sua casa.

ÁGUA

 A quantidade ou extensão de água contida num desenho pode nos fazer


pensar no interior feminino.
 Símbolo mais forte e mais usado que a lua, ou sob a forma de nuvem,
também simboliza a presença materna. A nuvem mais carregada revela
temor quando a mãe é um pouco severa.
 Uma grande quantidade de riachos ou lagos sugere grande emotividade.

AVIÃO

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 Reflete desejo de posse e de conquista do mundo, exatamente como o
desenho de um barco.
 A criança tem pressa de crescer, de ter êxito.
 Quando o avião é bombardeado, a criança está querendo exprimir um
conflito interior ou o medo de assistir a uma cena de violência em casa,
como uma briga entre o pai e a mãe.

CAMINHO

 É a rota da vida. Pode ser representada por caminhos floridos ou áridos.


 É a forma da criança manifestar sua alegria de viver ou suas dificuldades.
Se ela enfrenta um problema que julga sem solução, fará um beco sem
saída.
 Os caminhos de múltiplas ramificações refletem um temperamento
agitado, instável.
 Também pode ser usado como meio de comunicação entres os diversos
elementos do desenho.

ASTROS

 A presença do sol representa o pai, a autoridade.


 A lua é o símbolo da mãe, da noite com seus medos e mistérios, e das
perguntas que a criança faz sobre a vida e a sexualidade.
 As estrelas revelam o desejo de brilhar e ser admirada

BARCO

 A aparência escolhida dá sentido diferente aos sentimentos


representados.

99
 Se o barco está no centro da página, como o elemento principal, simboliza
a criança.
 A vela traduz desejo de partir, a evasão pelo sonho.
 Os canhões e chaminés permitem ao menino revelar a agressividade
ligada à virilidade.

MONTANHAS

 Cadeias desoladas com picos angulosos são a maneira da criança


demonstrar que se encontra em dificuldades.
 As montanhas são a forma de dizer que está enfrentando obstáculos
intransponíveis.
 As doces colinas de formas bem arredondadas, cobertas por uma
vegetação viva, sugerem os seios da mão muito terna à qual ainda
estamos muito ligados.

ANIMAIS

 É um desvio astucioso usado pelas crianças que desejam mascarar um


sentimento.
 Os impulsos mais variados inspiram o lobo mau, o gentil carneiro ou o
temível dragão.

ÁRVORE

 Extremamente forte, esse tema contém tantos ou mais símbolos que uma
paisagem rica em detalhes.
 O comprimento das raízes, a força do tronco, a direção dos galhos
compor.... (falta uma frase)

100
7.8 Etapas gráficas do desenho

GARATUJAS: 2 a 4 anos

 Garatujas desordenadas: traços acidentais, prazer pelo movimento.


 Garatujas controladas: linhas horizontais, verticais, círculos.
 Garatujas com atribuição de nomes: a criança passa do pensamento
cinestésico para o imaginativo. Inicia o desenho com intenção.
 A cor tem um papel secundário.

FASE PRÉ-ESQUEMÁTICA: 4 a 7 anos

 4 anos: formas reconhecíveis. Coordenação visomotora estabelecida.


 5 anos: relaciona os desenhos com casas, árvores ou pessoas. Cabeça-
pés.
 6 anos: desenho organizado do homem. Muda constantemente de
símbolos pela mudança de conceitos.
 7 anos: repetem seus desenhos. Retratam partes do corpo. A roupa passa
a substituir o corpo, que é representado por figuras geométricas.
 A cor raramente tem relação com o objeto representado, mas tem sentido
emocional.
 Os objetos e seus tamanhos estão relacionados com o juízo de valor da
criança.

FASE ESQUEMÁTICA: 7 a 9 anos

 A criança gradualmente alcança pela percepção um conceito da forma. O


símbolo que é repetido muda quando mudar seu conceito sobre o objeto.
 Espaço: linha de base, linha do horizonte, dobragem e raio-x.
 Desvios: exagero de partes importantes, omissão de partes e mudança
de símbolos.
 Cor: existe cor definida para cada objeto e elas repetem-se. A criança já
consegue categorizar, classificar e generalizar. É muito ligada a emoção

FASE DO REALISMO: 9 a 12 anos

101
 Captação maior do mundo real.
 Rigidez no desenho.
 Busca do pormenor.
 Não utiliza mais os exageros, omissões, raio-x, dobragem e outros
desvios por conta da emoção.
 Há uma relação rígida entre a cor e o objeto.
 Espaço: Ainda não há profundidade. Percebe a sobreposição. Várias
linhas de base e espaço preenchido entre elas;

102
8.0 O DESENHO COMO INSTRUMENTO DE MEDIDA DE PROCESSOS
PSICOLÓGICOS EM CRIANÇAS HOSPITALIZADAS

103
O desenho como representação gráfica de pensamentos e sentimentos é
uma das formas de comunicação humana mais primitiva (Klepsch & Logie, 1984;
Di Leo, 1985; Fávero & Salim, 1995; Weschsler & Schelini, 2002; Weschsler,
2003; Greig, 2004). Os estudos sobre o desenho, de um modo geral, o
relacionam à investigação do desenvolvimento da inteligência, cognição,
motricidade e afetividade, bem como dos aspectos sociais e culturais do meio
ambiente das crianças (Grubits, 2003).

Zannon (1991) ao estudar o desenvolvimento psicológico da criança,


ressalta a importância das pesquisas sobre a relação entre ambiente e
organismo. Em especial, assinala que as pessoas apresentam respostas diante
do desconhecido não só em decorrência das circunstâncias ou do processo de
maturação, mas pela combinação de um conjunto de oportunidades físicas e
sociais de estímulos que são familiares ou não. Especificamente, no processo
de hospitalização, muitas crianças vivenciam a necessidade de adaptarem-se a
um ambiente desconhecido. Nesse contexto, a criança passa a conviver com
novas regras, recebe ordens para permanecer num local determinado, veste
roupas da instituição e vivencia relações com a equipe de saúde que suscitam
sentimentos e pensamentos variados.

Em consequência da importância atribuída primordialmente aos cuidados


físicos, há a necessidade de espaços, nos hospitais, que propiciem à criança
expressar-se diante do processo pelo qual está passando. Por sua vez, de
acordo com Hackbarth (2000), Martins, Ribeiro, Borba e Silva (2001) e Crepaldi
e Hackbarth (2002) quando é permitido às crianças manifestarem seus
104
sentimentos e ideias acerca da hospitalização e do adoecer, muitas revelam
culpa e a fantasia de estarem sendo castigadas ou punidas através da doença
ou dos procedimentos dolorosos, .como tomar injeções, fazer curativos e outros.

8.1 O desenho infantil

O desenho tem sido compreendido como um meio que permite a criança


organizar informações, processar experiências vividas e pensadas, estimulando-
a a desenvolver um estilo de representação singular do mundo. Portanto, as
experiências gráficas fazem parte do crescimento psicológico e são
indispensáveis para o desenvolvimento e para a formação de indivíduos
sensíveis e criativos, capazes de transpor e transformar a realidade (Goldberg,
Yunes & Freitas, 2005).

Zannon (1991) sinaliza que a relação entre ambiente e organismo, nos


diversos contextos, deve possibilitar a busca das melhores oportunidades de
desenvolvimento para cada indivíduo. Essa perspectiva pode ser compreendida
sob a ótica do modelo ecológico do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner
(1996), que afirma que os indivíduos estão em constante crescimento
psicológico decorrente das diferentes relações estabelecidas entre pessoas e
entre pessoas e seus ambientes. A observação desse crescimento pode ser
exteriorizada por meio das manifestações da linguagem, seja ela gráfica, escrita
105
ou falada, na medida em que eventos ou pessoas provoquem a sua expressão.
Para Goldberg e colaboradores (2005) o desenho infantil pode emergir como um
elo de representação dessas relações e de outras vivências significativas para o
desenvolvimento social, afetivo e cognitivo dos indivíduos.

O desenvolvimento evolutivo do desenho infantil ocorre paralelamente ao


desenvolvimento geral da criança, pois, ao produzir imagens, esta se
re(conhece) como um agente de si mesma sendo capaz através do desenho, de
construir seu mundo físico (sensório motor), mental (cognitivo), emocional, o
mundo das ideias, da imaginação, dos sonhos e da memória (Valladares, 2003).

Para Di Leo (1985) crianças pré-escolares podem iniciar um desenho


verbalizando ser algo, mas à medida que a figura vai sendo feita, esta recebe
novas designações. Já para as crianças em idade escolar, espera-se maior
consistência entre a produção gráfica e a palavra falada. “Qualquer comentário
que a criança faça, quando mostra um desenho, pode ser um indício de uma
atitude, pensamento ou sentimento” (p.13).

Di Leo (1985), com base nos pressupostos de Piaget (1964/2003)


estabelece critérios para a compreensão do processo de desenvolvimento do
desenho na criança apoiado nos estágios de desenvolvimento cognitivo infantil.
No Estágio Sensório-Motor (dos 0 a 04 anos) surge a garatuja e até os 02 anos
de idade o desenho é inicialmente uma resposta reflexa e faz parte da atividade
motora (desenho cinestésico). A partir dos 02 anos, surgem os círculos como
indícios da comunicação simbólica que fica mais evidente a partir dos 03 e 04

106
anos. No Estágio Pré-Operacional (dos 04 a 07 anos) ocorre o realismo
intelectual e a criança desenha a partir de um modelo interno, evidenciando as
transparências e a presença de expressionismo e subjetivismo. No Estágio das
Operações Concretas (dos 07 a 12 anos) há a diminuição da subjetividade e a
criança passa a desenhar a realidade visível. As figuras humanas tornam-se
mais proporcionais, sem transparências e as cores são mais convencionais em
virtude do realismo visual. No Estágio das Operações Formais (dos 12 anos em
diante) os desenhos são submetidos à própria crítica e em decorrência disso, a
atividade do desenho diminui, porém, as crianças com habilidades para
desenhar, mantém essa atividade. Observa-se, assim, que o desenho é um
importante meio de comunicação e representação da criança sobre a qualidade
do ambiente em que vive e interage, apresentando-se como uma atividade
fundamental para compartilhar experiências infantis (Derdyk, 1989).

Dentre a temática utilizada pela criança para se expressar graficamente,


está o desenho da figura humana (Klepsch & Logie, 1984; Di Leo, 1985;
Weschsler & Schelini, 2002; Weschsler, 2003; Greig, 2004; Flores-Mendoza,
Abad & Lelé, 2005). Cabe salientar, ainda, que as figuras humanas, em
particular, são consideradas como valiosos indicadores de crescimento cognitivo
e servem como base de medida em procedimentos de diagnóstico.

8.2 O desenho como instrumento de medida de processos psicológicos

107
O processo de medir pode ser compreendido como a forma de avaliação
que permite a comparação entre um e outro objeto, caracterizando-se como um
meio de mensuração que deve representar a validade entre o fenômeno e os
pressupostos do uso da linguagem matemática. As ciências lançam mão de
formas de análise e representação de idéias através do uso de representações
matemáticas dos fenômenos. No campo da Psicologia, os fenômenos ou
processos psicológicos referem-se às condutas dos indivíduos em diferentes
situações e contextos, originando a necessidade de explicar e construir
conhecimentos sobre tais fenômenos ou processos através da realidade
percebida, comunicada, observada e representada no comportamento (Cruz,
2002). Assim, uma das maneiras mais objetivas de observar e avaliar os
fenômenos e processos psicológicos é através da medida (Alchieri & Cruz,
2004).

O desenho tem sido utilizado em larga escala como uma medida de vários
processos e fenômenos psicológicos, entre eles, a inteligência e o
desenvolvimento cognitivo (Hutz & Bandeira, 2000). O uso do desenho da figura
humana como medida de inteligência pauta-se na premissa de que a mesma é
familiar a todas as culturas, independente das experiências acadêmicas
anteriores e até mesmo da coordenação motora (Wechsler, 2003; Sisto, 2005).
Outro dado relevante é o fato dessa medida ter sido popularizada pela sua
utilidade e brevidade e por não apresentar caráter invasivo, sendo aceita pela
criança, independente da sua faixa etária. A relação entre o desenho da figura
humana e o desempenho em testes de inteligência, tem sido objeto de estudos
cujos resultados apontam para a eficácia do desenho como um instrumento de
medida de funções cognitivas (Wechsler, 2003). Cabe salientar que um
instrumento de medida, segundo Alchieri e Cruz (2004), representa
conceitualmente uma forma de estender-se uma ação em direção ao objeto de
investigação, a fim de minimizar limitações do processo de observação,
potencializando a eficácia na obtenção de dados e resultados.

108
Historicamente, dentre os principais pesquisadores que desenvolveram
instrumentos, a partir do desenho, para avaliar a inteligência, estão:
Goodenough, em 1926, 1964; Machover, em 1949 e Harris, em 1963. Koppitz,
em 1968, ampliou a escala de Harris-Goodenough, através de um sistema
quantitativo, com o objetivo de avaliar problemas de aprendizagem e distúrbios
emocionais (Hutz & Bandeira, 2000). No Brasil, figuram os trabalhos de Van
Kolck, em 1966 e 1984, Alves, em 1981 e 1998, Hutz e Antoniazzi, em 1995,
Wechsler, em 2003, e Sisto, em 2005 (Wechsler, 2003; Sisto, 2005).

Klepsch e Logie (1984) ressaltam que o desenho da figura humana


também tem sido utilizado na avaliação psicológica com características
projetivas. Para Silva e VillemorAmaral (2006) as técnicas projetivas objetivam a
compreensão de aspectos encobertos, latentes ou inconscientes da
personalidade, através da análise do modo como o indivíduo percebe e interpreta
o material do teste ou produz uma determinada tarefa, refletindo aspectos
fundamentais de seu funcionamento psicológico. Por sua vez, Anastasi e Urbina
(2000) afirmam que as técnicas projetivas apresentam como característica a
realização de tarefas com relativa não-estruturação, permitindo ao sujeito uma
grande variedade de respostas possíveis, além da liberdade para utilizar a
fantasia.

109
A utilização projetiva do desenho da figura humana como medida
psicológica é descrita por Klepsch e Logie (1984) para medir vários aspectos
como a personalidade, o self em relação aos outros, os valores grupais e as
atitudes. Sua contribuição tem sido demonstrada em diferentes estudos que
utilizam escores e sistemas variados de interpretação, constantemente
submetidos a revisões de validade e fidedignidade (Klepsch & Logie, 1984).
Compreendem esses autores que o desenho, utilizado como medida da
personalidade, permite investigar aspectos relacionados à identificação sexual,
doença física, neurose, psicose, depressão, ansiedade, estresse, detecção
precoce de problemas escolares, timidez, agressividade, comportamento de
atuação (acting out), ajustamento entre diferentes grupos raciais, diferenças
sócio-econômicas, autoestima, dificuldades de aprendizagem, dificuldades
auditivas, obesidade, incapacidade física, doença mental, dificuldades
emocionais, entre outros.

Klepsch e Logie (1984) descrevem, ainda, que o desenho como medida


do self em relação aos outros, foi utilizado em pesquisas sobre a percepção das
crianças em relação aos seguintes temas: identificação de conflitos e dinâmica
familiar; diagnóstico de transtornos de conduta, situações de maus tratos infantis
e detecção de relações parentais perturbadas; avaliação do autoconceito escolar
e acadêmico e da percepção infantil acerca do ambiente escolar.

110
Na utilização do desenho como medida de valores grupais, Klepsch e
Logie (1984) relatam avaliações de valores culturais e religiosos, hostilidade,
expressões infantis de cooperação e dominância de gênero. Já como medida de
atitudes, o desenho infantil foi utilizado para investigar predisposições afetivas e
comportamentais das crianças em relação a professores, médicos, enfermeiras
e dentistas.

No campo da Pediatria, Quiles, van-der Hofstad e Quiles (2004)


descrevem a utilização dos desenhos infantis como um método projetivo para
avaliar a experiência dolorosa, pela possibilidade de representação do
sofrimento associado à dor, inferidas por meio de determinadas características,
tais como, a densidade das linhas, o número e tipo de figuras desenhadas, a
inclusão de partes do corpo e/ou lesões nas zonas representadas. A
interpretação do desenho também pode se basear na seleção das cores, como
o vermelho e o preto, que são muito utilizados para representar a dor,
independentemente da situação, idade ou sexo da criança.

O desenho também tem sido utilizado associado a estórias, como técnica


de investigação clínica (Trinca, W.,1997). Este procedimento tem servido como
uma diretriz metodológica básica de pesquisas qualitativas na área da saúde,
sendo utilizado para levantar características comuns em grupos específicos
(Trinca, A.M.T. 1997).

111
A esse respeito, Fávero e Salim (1995) chamam a atenção para a questão
teórico-conceitual e metodológica do uso do desenho no campo da pesquisa
psicológica, pois se faz necessária a admissão de que o desenho pode ser
tomado como um veículo simbólico que externaliza o fenômeno psicológico
internalizado. Para tanto, ressaltam a necessidade da utilização de um sistema
de transcrição do desenho de tal modo que “(...) a descrição das características
de seus traços, a utilização de cores, a escolha desta ou sua ausência, e assim
por diante, se transformem em dados que possam dar conta do conteúdo
veiculado, através da forma” (Fávero & Salim, 1995, p.183).

8.3 O desenho no contexto hospitalar

A hospitalização na infância constitui-se em um evento cujas proporções


são observadas através das manifestações comportamentais (Motta & Enumo,
2004a). A presença de comportamentos que surgem comumente em um
processo de hospitalização, como a modificação na dinâmica familiar, a
interrupção da frequência à escola, as a privações emocionais e sociais entre
outros, são descritas em estudos como os de Lindquist (1993); Baldini e Krebs,
(1999); Crepaldi (1999); Castro Neto (2000); Barros (2003); Chiattone (2003);
Correia, Oliveira e Vieira (2003); Soares e Zamberlan (2003), entre outros.

O desenho e a brincadeira representam importantes meios de


compreensão acerca dos aspectos emocionais das crianças hospitalizadas, pois
mesmo doentes, elas têm necessidade de brincar e movimentar-se para adaptar-
se e elaborar as exigências e restrições da situação de hospitalização (Baldini e
Krebs, 1999; Mello, Goulart, Ew, Moreira & Sperb, 1999; Oliveira, Dias & Roazzi,
2003; Soares & Zamberlan, 2003; Mitre & Gomes, 2004; Motta & Enumo, 2004a
e 2004b).

112
A utilização do desenho durante a hospitalização, segundo Baldini e Krebs
(1999), pode caracterizar-se como um recurso denominado brinquedo
terapêutico, que propicia a expressão segura de sentimentos que podem ser
transferidos a personagens ou aos profissionais da equipe de saúde, além de
auxiliar no manejo de situações que desencadeiam o estresse. O desenho, no
contexto hospitalar, também facilita a expressão infantil em situações de inibição,
quando se solicita à criança, por exemplo, que desenhe o que gosta e o que não
gosta no hospital, a fim de captar possíveis conflitos projetados nos desenhos, o
que auxilia no esclarecimento e elaboração de tais situações (Baldini & Krebs,
1999).

Crepaldi e Hackbarth (2002) investigaram os sentimentos e


comportamentos de 35 crianças hospitalizadas, de ambos os sexos e com
idades entre 05 a 07 anos, que aguardavam intervenções cirúrgicas eletivas. O
desenho, solicitado à criança, após uma história contada por uma das
pesquisadoras e seguido de uma entrevista sobre o mesmo, foi utilizado como
um dos instrumentos de coleta de informações, com base nos critérios de
interpretação de forma, traços e cores, indicados por Fávero e Salim (1995). O
agrupamento do conteúdo dos desenhos e das respostas das crianças originou
as categorias de análise: medo, culpa, fuga, tristeza e desconfiança na equipe,
indicando que a situação de cirurgia provocou a experiência de sentimentos
negativos, associados à punição de comportamentos inadequados, além da
percepção da falta de acolhimento por parte da equipe, sugerindo a necessidade

113
da preparação da criança para a hospitalização e procedimentos cirúrgicos como
uma medida de proteção ao desenvolvimento infantil.

Sobre a mesma temática, Trinca, A. M. T. (2003), através do procedimento


dos desenhos estórias, realizou um estudo qualitativo de intervenção clínica em
uma unidade de pediatria hospitalar. A autora estudou como os desenhos
estórias servem na intermediação terapêutica da situação de atendimento
psicológico de crianças em período pré-cirúrgico de cirurgias eletivas. Para
Trinca, A. M. T. (2003) o desenho-estória, utilizado como elemento intermediário
para encontros terapêuticos de crianças que aguardavam cirurgia, mostrou-se
clinicamente válido, funcionando com propriedade para os sujeitos em situação
précirúrgica (considerada como de crise) na diminuição de ansiedades e
fantasias.

Já no estudo de Oliveira, Cariola e Pimentel (2001), foi utilizado o desenho


da figura humana com 30 crianças de ambos os sexos, com idades entre 05 a
10 anos, portadores de fissura de lábio e/ou palato que aguardavam cirurgia
eletiva de pequeno porte com fim reparador. O objetivo era utilizar o desenho da
figura humana como medida de ansiedade após preparo pré-cirúrgico verbal e
lúdico, durante o pós-operatório. Para tanto, as autoras dividiram os sujeitos em
dois grupos de 15 crianças (experimental e controle) e utilizaram, além do
desenho, observação e um questionário informativo com os acompanhantes das
crianças. O grupo controle recebeu preparo pré-cirúrgico verbal e o grupo
experimental recebeu preparo précirúrgico através de uma atividade lúdica
específica com brinquedos temáticos (centro cirúrgico miniatura). Os resultados
indicaram que durante o pós-operatório não se constataram diferenças
estatisticamente significativas nos níveis de ansiedade entre os grupos, sendo o
desenho um recurso eficaz para avaliar a ansiedade através dos indicadores
emocionais.

114
Marrach e Kahhle (2003) realizaram um estudo objetivando identificar o
que pensam e sentem as crianças internadas e suas mães acompanhantes em
relação às suas experiências com saúde e doença e o significado das mesmas
em enfermaria pediátrica. Participaram da pesquisa 66 sujeitos, 33 crianças
hospitalizadas, com idades entre 06 a 12 anos, e 33 mães acompanhantes da
enfermaria pediátrica de um hospital geral. O instrumento utilizado foi o desenho
de três elementos: flor, animal e pessoa em duas situações (saúde e doença).
Os resultados indicaram uma associação de saúde e doença às condições
físicas (possibilidades e restrições) com ênfase na forma e nos sentimentos
decorrentes destas experiências pelos participantes. Neste estudo, cabe
destacar que a experiência da criança hospitalizada não foi somente vinculada
ao caráter negativo atribuído à internação infantil, dado que, para algumas
crianças o processo de hospitalização também pode ser percebido como uma
experiência agradável e positiva.

Outro estudo com o desenho no contexto hospitalar foi realizado por


Gabarra (2005) com crianças de 05 a 13 anos, hospitalizadas em decorrência de
doenças crônicas. Seu objetivo foi investigar a compreensão das crianças sobre
a origem das doenças, tratamentos, hospitalização, prevenção, bem como os
sentimentos relacionados ao adoecimento e os fatores que influenciam a
compreensão das doenças. Para tanto, utilizou uma entrevista que abordava as
concepções infantis sobre as doenças e a aplicação de desenhos sobre a
115
doença que as crianças apresentavam. A pesquisadora identificou, através das
informações coletadas (desenhos e entrevistas), que as crianças utilizavam a
sua própria experiência com a doença, a hospitalização e os fatos da vida para
compreender as doenças em geral e sua própria doença.

Valladares e Carvalho (2006) avaliaram o desenvolvimento e a qualidade


da produção gráfica de crianças de 07 a 10 anos, hospitalizadas devido a
doenças infecciosas antes e após a intervenção em arteterapia2 , que representa
um método que combina arte e outras formas de expressão a um objetivo
educacional ou terapêutico (Cárdia, Cariola & Palamin, 2001). Essa técnica teve
uma temática padronizada e as avaliações (inicial e final) propunham um
desenho com a representação do próprio hospital em uma contextualização livre.
Os itens avaliados na qualidade do desenho foram: variedade de elementos, cor,
configuração das imagens, criatividade, simetria, regularidade, complexidade,
unidade, equilíbrio, atividade, exatidão e profundidade. Os resultados
demonstraram que as intervenções em arteterapia foram eficazes em promover
a qualidade das produções gráficas das crianças, sugerindo que os hospitais
também podem ser ambientes estimulantes para a mesma, ampliando a prática
assistencial para além da doença.

8.4 O desenho como medida de dificuldades emocionais em crianças com


doenças crônicas

Outra linha de estudos utilizando o desenho infantil como medida, refere-


se à avaliação de dificuldades emocionais com crianças portadoras de doenças
crônicas não hospitalizadas, ou seja, em atendimentos ambulatoriais, conforme
Cárdia, Cariola e Palamin (2001) em seu estudo com 09 crianças de ambos os
sexos, com idade entre 09 e 12 anos, portadoras de deficiência auditiva em
tratamento. Neste estudo utilizou-se o desenho da figura humana para
acompanhar a evolução clínica da arteterapia através da presença de
indicadores emocionais e realizou-se em 03 etapas, sendo que as
representações gráficas foram comparadas e analisadas antes e depois de 15
sessões de arteterapia, a fim de obterem-se elementos sobre possíveis
alterações geradas pela intervenção (arteterapia). Os resultados demonstraram
que mais da metade das crianças apresentou redução da ansiedade e melhora
do estado emocional e que o desenho da figura humana se mostrou adequado
116
como instrumento para medir as alterações possivelmente promovidas pelas
atividades artísticas durante a arteterapia.

Em outra experiência, Cariola e Martins (2001) utilizaram o desenho da


figura humana para identificar dificuldades emocionais em 54 crianças de ambos
os sexos, entre 05 a 12 anos de idade, 2 Arteterapia: representa um método que
combina arte e outras formas de expressão a um objetivo educacional ou
terapêutico (Cárdia, Cariola e Palamin, 2001). com visão subnormal3 , que
representa o comprometimento do funcionamento visual mesmo após
tratamentos (Lucas, Leal, Tavares, Barros & Aranha, 2003), a fim de comparar
seus desenhos com os de crianças com visão sem alterações. Os resultados
obtidos indicaram que as crianças com visão subnormal apresentam
características de autoimagem deficiente, instabilidade emocional e sentimentos
de retraimento social e inadequação, quando comparadas às crianças sem
alterações visuais.

Maldonado, Cariola, Yamada e Bevilacqua (2002) investigaram o uso do


desenho da figura humana na identificação de dificuldades emocionais em 10
crianças de ambos os sexos, com idades entre 07 e 12 anos com deficiência
auditiva e usuárias de implante coclear4 , que se constitui em uma prótese
computadorizada inserida no ouvido interno que substitui parcialmente as
funções da cóclea (Maldonado e colaboradores, 2002). Os indicadores
emocionais foram comparados ao desempenho escolar das crianças
pesquisadas, considerando-se desempenho satisfatório as médias entre as
notas 5,0 a 7,0 ou quando 50% a 70% dos objetivos da escola fossem atingidos.
Os resultados indicaram equivalência entre o número de crianças que
apresentou dificuldades emocionais e o número de crianças que não apresentou
tais dificuldades. Além disso, o desempenho escolar das crianças pesquisadas
foi satisfatório, portanto, esse estudo sugere que as dificuldades emocionais dos
sujeitos analisados não influenciaram no desempenho escolar e que o desenho
da figura humana mostrou-se um instrumento adequado para avaliar os índices
de dificuldades emocionais em crianças com deficiência auditiva, visto que se
trata de uma técnica que não utiliza a expressão verbal.

Ribeiro e Oliveira (1998) analisaram por meio de técnicas projetivas


(desenho livre) e entrevistas abertas, os efeitos da cianose no desenvolvimento
psicológico infantil feminino de 08 portadoras de cardiopatia congênita do tipo
117
cianogênica5 , que se constitui em uma malformação cardíaca cujas
repercussões são: dificuldade no ganho de peso e crescimento, infecções
respiratórias de repetição, pele roxa e insuficiência cardíaca (Kobinger, 2003).
De acordo com os resultados, as crianças utilizaram a cor roxa como a principal
em seus desenhos e em relação às entrevistas, observou-se que todas as
crianças demonstraram sentimentos de desagrado por serem cianóticas,
apresentando características de introversão, autoestima e autoconfiança
rebaixadas, autoimagem distorcida, sentimento de insegurança e inferioridade,
além de comportamento agressivo. Os resultados desse estudo relacionam os
efeitos da cianose como fatores que interferem no desenvolvimento emocional
da criança.

8.5 O desenho como medida dos conceitos de saúde e doença para crianças

A utilização do desenho como medida de conceitos sobre saúde e doença


também tem ocorrido em populações de crianças sem doenças crônicas ou
agudas e fora do contexto hospitalar, como no estudo de Fávero e Salim (1995)
que investigaram a utilização do desenho como instrumento de coleta de dados
para obter os conceitos de saúde, doença e morte com 71 escolares de 06 a 15
anos. As autoras consideraram necessário avaliar tais conceitos em relação à

118
planta (flor), ao animal e ao ser humano, solicitando-se às crianças que
desenhassem as diferentes espécies nas três situações (sadia, doente e morta).
Os critérios para a análise dos desenhos foram: cor, tipo e forma do traçado,
presença ou ausência de elementos constitutivos, traços nas expressões faciais
e tamanho, agrupados para cada desenho, situação e faixa etária. Os resultados
indicaram que o conhecimento do contexto funcional dos conceitos de saúde,
doença e morte são necessários para respaldar as intervenções com pacientes
infantis e destacam ainda, que os critérios utilizados para a interpretação dos
desenhos dos participantes, mostrou a viabilidade do desenho enquanto
instrumento de coleta de dados.

Outro estudo nessa linha de pesquisa foi desenvolvido por Imianowski


(2001) que objetivou 5Cardiopatia congênita do tipo cianogênica: refere-se a
uma malformação cardíaca que se caracteriza pela dificuldade no ganho de peso
e crescimento, infecções respiratórias de repetição, pele roxa e insuficiência
cardíaca (Kobinger, 2003). verificar as percepções sobre saúde de crianças em
idade escolar em uma instituição assistencial. Para tanto, foram coletados 68
desenhos sobre a temática saúde, produzidos por crianças na faixa etária de 08
a 12 anos. Para a interpretação e análise dos desenhos infantis, foram utilizados
os conceitoschave das produções gráficas como: higiene bucal, condições
ambientais, alimentação e saúde. Os resultados demonstraram que a percepção
de saúde ocorre de forma diferenciada e observou-se que a presença de fatores
sociais como família, escola e meio ambiente influenciam os conceitos formados
pelas crianças.

Marcon (2003) realizou um estudo qualitativo para identificar as principais


características do processo de comunicação durante atendimento médico
pediátrico entre residentes de Pediatria, crianças e suas mães, durante consulta
ambulatorial. Utilizou para a coleta de dados a observação da consulta
pediátrica, entrevistas com as mães, crianças e os profissionais que prestaram
o atendimento e o desenho infantil sobre a consulta, seguido de inquérito. Os
resultados indicaram a predominância da comunicação verbal polarizada entre
a mãe e o médico, sendo a criança pouco incluída no processo comunicacional.
Neste estudo, o desenho mostrou-se como um importante instrumento de
expressão infantil e uma adequada técnica de coleta de dados em pesquisas
com crianças, confirmando os dados de Fávero e Salim (1995). Para Marcon

119
(2003) houve maior expressão acerca dos significados da consulta pediátrica
nos desenhos do que nas falas das crianças.

Ao resgatar o uso do desenho no contexto hospitalar ou fora dele,


observa-se, através do conjunto dos estudos apresentados, tanto sobre
desenhos relacionados à hospitalização e a diferentes tipos de doenças
crônicas, quanto no contexto não hospitalar, que estes se mostram como um
instrumento valioso de acesso aos processos psicológicos. A expressão infantil
por meio do desenho representa uma possibilidade de favorecer as relações
interpessoais da criança, sua família e a equipe de saúde, pois enquanto
atividade expressiva, o desenho propicia a objetivação de aspectos mais
internos e profundos do pensamento.

9.0 DESENHOS E ABUSO SEXUAL

Os desenhos são uma das brincadeiras favoritas das crianças durante


boa parte da infância. Muitas delas se divertem e esquecem-se do tempo
enquanto deixam a imaginação ganhar forma através do papel e do lápis.

Coloridos ou não, os desenhos por mais simples e singelos que possam


parecer ajudam no desenvolvimento da criança durante os primeiros anos de
suas vidas.

Mas, além das vantagens e benefícios do ato de desenhar já conhecidas,


os desenhos podem ser uma grande fonte de informações sobre a criança.

Os traços desconjuntados ou os bonecos disformes podem trazer


revelações chocantes sobre experiências das crianças.

Em uma exposição comovente, psicólogos e psiquiatras revelaram a triste


realidade de crianças que foram abusadas através dos relatos feitos por elas
mesmas através de desenhos.

120
Muitas delas tinham vergonha de contar o que haviam sofrido nas mãos
dos abusadores, por isso os profissionais usaram o método dos desenhos para
identificar verdadeiramente os traumas sofridos pelos pequenos.

9.1 Desenho 1

Este desenho é o retrato de um pai na visão do Fernando, um menino que


foi abusado desde muito pequeno.

Na visão do menino o pai era como um demônio alcoolizado e viciado em


jogos caça-níqueis.

121
9.2 Desenho 2

Este é o desenho do Andreu, um menino de 8 anos que foi abusado


desde os seus 4 anos pelo padrasto. No desenho ele se retrata em pânico diante
do abusador.

Segundo o psicólogo um fator marcante no desenho são os botões da


camisa e o zíper da calça, no autorretrato a criança destaca os dois detalhes das
roupas que eram o alvo do abusador.

122
9.3 Desenho 3

Elena, de 6 anos faz um relato comovente. Ela desenhou a mãe e a avó


em tamanhos bem grandes.

Segundo o psicólogo, este detalhe mostra que a menina se sente


protegida e segura ao lado das duas. Enquanto o pai ela desenha em tamanho
bem menor abusando dela (canto esquerdo da folha).

123
9.4 Desenho 4

Victor, de 7 anos mostra como era brigado pelo pai a fazer sexo oral.

No vídeo abaixo você acompanha um documentário que mostra todos


esses casos e um debate sobre o assunto.

9.5 Desenho 5

124
David, de 8 anos foi abusado sexualmente e destacou em seu desenho
os olhos vermelhos do estuprador e seu órgão genital.

O menino ainda escreveu as palavras chulas que o agressor dizia


enquanto abusava dele.

9.6 Desenho 6

Isabel, de 8 anos foi abusada sexualmente pelo pai, ela desenhou o que
ocorreu durante o momento do abuso.

Colocada sobre uma cadeira para ser abusada enquanto seu irmão mais
novo assistia tudo junto à porta.

125
9.7 Desenho 7

Marina, uma menina de 5 anos, era abusada pelo pai sendo obrigada a
assistir a filmes pornográficos. No desenho ela retrata um trecho de um dos
filmes que foi obrigada a assistir.

9.8 Desenho 8

126
Ester, de 9 anos desenhou a posição que era obrigada a ficar durante os
momentos de abusos feitos pelo pai.

9.9 Desenho 9

Toni, de 6 anos desenhou o abusador como um monstro dando destaque


ao seu órgão sexual.

127
9.10 Desenho 10

Andrea, de 10 anos representou em seu desenho os momentos do abuso


em que era obrigada a tocar o abusador e ser tocada por ele.

9.11 Desenho 11

Às vezes o abuso identificado não é sexual, mas não deixa de ser abuso
e deixar marcas também, veja o caso dessa pequena.

Miriam, uma menina de 9 anos, sofreu abuso moral e psicológico. Sua


mãe foi vítima de preconceito por ter engravidado aos 15 anos.

128
Já a menina sofria preconceito racial dos colegas de classe. No desenho
a criança desenhou a si mesma em tamanho menor e envolvida por uma
barreira.

10.0 O DESENHO DA FIGURA HUMANA NA AVALIAÇÃO DA


AGRESSIVIDADE INFANTIL

O Desenho da Figura Humana (DFH) é uma técnica antiga e que vem


sendo utilizada na avaliação do desenvolvimento cognitivo, das características
emocionais e dos aspectos da personalidade dos indivíduos (Segabinazi &
Bandeira, 2012). Econômico, de fácil e rápida aplicação, o DFH tem sido um dos
instrumentos mais utilizados pelos psicólogos brasileiros (Bandeira & Arteche,
2008). Sua aplicabilidade se dá, sobretudo, em crianças (pois se trata de uma

129
tarefa não-verbal) e em contexto clínico (como uma técnica livre de expressão
gráfica).

A técnica do DFH propõe a realização do desenho de uma (Koppitz, 1966,


1984) ou duas figuras humanas (Machover, 1967) e, conforme os objetivos da
avaliação, pode ser analisada a partir de três perspectivas: cognitiva, projetiva e
emocional. A perspectiva cognitiva entende o desenho como uma medida de
avaliação do desenvolvimento cognitivo da criança, por meio da pontuação da
presença e qualidade de itens apresentados (Goodenough, 1974). Já a
avaliação projetiva propõe que o desenho é uma forma de manifestação dos
aspectos inconscientes e expressivos da personalidade (Hammer, 1991,
Machover, 1967).

Uma terceira perspectiva, denominada avaliação dos aspectos


emocionais, considera o DFH como uma técnica capaz de revelar aspectos das
relações interpessoais e de interação com o ambiente (Koppitz, 1966, 1984). Tal
proposta não apresenta uma teoria a priori para explicar o significado de cada
item. A ideia é oferecer uma avaliação empiricamente baseada, tendo como
premissa os dados que emergem da aplicação do instrumento em um número
significativo de crianças. Nessa vertente, merece destaque o estudo brasileiro

130
de Arteche (2006) e os estudos de Segabinazi e Bandeira (2012), este último
apresentando evidências de validade das escalas globais de avaliação do DFH.

No contexto da avaliação psicológica clínica, o DFH vem se mostrando


um instrumento sensível para avaliar problemas emocionais (Arteche, 2006) e,
neste sentido, seu uso parece adequado em processos de triagem ou de
avaliação inicial (Bandeira & Arteche, 2008). Dentre os aspectos emocionais
avaliados pelo DFH está a agressividade infantil (Van Hutton, 1994). A
agressividade é entendida como a conduta que visa a causar algum dano a
alguém (Dodge & Coie, 1987). Trata-se de um problema frequente na infância e
comumente associado a outras dificuldades, como intolerância à frustração,
ansiedade e impulsividade (Borsa, 2012).

Van Hutton (1994) desenvolveu um sistema de escore objetivo, com a


finalidade de avaliar principalmente crianças com suspeita de abuso sexual.
Dentre as escalas criadas pela autora, uma delas corresponde aos construtos
‘Agressão’ e ‘Hostilidade’. Seriam indicadores de agressividade alguns critérios
como: linha pesada, desenhos grandes, grande assimetria entre membros,
presença de dentes, dedos em forma de garra, ênfase em caracteres faciais,
dedos sem mãos e ombros quadrados. Olhos estrábicos e dentes também
emergiram como indicadores de agressividade na pesquisa de Koppitz (1966),
131
realizada com diferentes grupos de crianças. Além desses indicadores, nos
desenhos de crianças diagnosticadas como ‘agressivas’, foram encontrados com
maior frequência itens como braços longos, mãos grandes e genitais

De acordo com Hammer (1991), estudos de Precker e de Zimmerman e


Garfinkle verificaram que o tamanho exagerado dos desenhos pode ser
considerado um indicador de agressividade. Outra pesquisa destacada pelo
mesmo autor é a de Alschuler e Hattwick, que identificou uma tendência a menor
controle de impulsos nas crianças cujos desenhos não eram centralizados na
página. Nesse sentido, Machover (1949) aponta que o desenho grande e à
esquerda é característico de indivíduos agressivos.

No Brasil, estudos vêm apresentando evidências de que o DFH é um


instrumento sensível para avaliar agressividade em crianças. Na pesquisa de
Bauermann (2012), que buscou detecção de indicadores de agressividade no
desenho, os seguintes itens emergiram com maior frequência no grupo de
crianças agressivas: figura humana grotesca, presença de figuras de fundo,
localização esquerda da página, braços juntos ao tronco, pernas unidas e
presença de bolsos. Ressalta-se que, nesse estudo, o critério utilizado para a
distinção entre grupos de crianças agressivas e não-agressivas foi o

132
Questionário de Comportamentos Agressivos e Reativos entre Pares (Q-CARP),
um inventário de autor relato empiricamente baseado, destinado a avaliar os
comportamentos agressivos de crianças de 7 a 11 anos bem como diferentes
reações frente à agressão dos pares (Borsa, 2012). Esses, contudo, são
resultados iniciais, e novos estudos estão sendo realizados pelo Grupo de
Estudo, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica (GEAPAP), da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenado pela Professora Denise
Ruschel Bandeira.

É importante mencionar a relevância de avaliar precocemente a


agressividade na infância, uma vez que a mesma pode contribuir para a
prevenção de problemas futuros, tais como desajustamento social, abuso de
substâncias, evasão escolar, comportamentos delinquentes e antissociais, entre
outros (Borsa, 2012). Contudo, ainda são escassos os instrumentos disponíveis
para esse fim e, dentre os existentes, predominam as escalas e os checklists
(Borsa & Bandeira, 2011). Esses, por sua vez, apresentam vieses, tais como a
desejabilidade social (instrumentos de autor relato) e a avaliação comparativa ou
com base em valores morais (instrumentos respondidos por pais e professores)
(Borsa, 2012).

Entende-se que a avaliação deveria contar com diferentes técnicas e


instrumentos, além dos testes padronizados. A inclusão de técnicas menos
estruturadas, como as gráficas, permitiria uma avaliação mais completa da
criança e menos enviesada por expectativas pessoais, estereótipos sociais e
valores morais (Andreou & Bonoti, 2010). Nesse sentido, o DFH pode contribuir
de forma significativa, permitindo à criança a expressão livre e não controlada
das emoções que permeiam seus comportamentos. Especificamente, o DFH
pode ser útil par avaliar a agressividade em pré-escolares por meio de um
recurso lúdico e não-verbal (Bosacki, Marini, & Dane, 2006).

133
REFERÊNCIA:

- https://www.infoescola.com/artes/historia-do-desenho/

- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
34822008000100002

- https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/21008_9578.pdf

- http://inseer.ibict.br/cafsj/index.php/cafsj/article/viewFile/150/131

-
https://bibliodigital.unijui.edu.br:8443/xmlui/bitstream/handle/123456789/1756/C
amila%20Korb%20Guth.pdf?sequence=1&isAllowed=y

- https://lapsiudesc.files.wordpress.com/2017/03/o-que-estc3a1-escrito-no-
desenho.pdf

- http://fics.edu.br/index.php/rpgm/article/view/768/696

- https://www.redalyc.org/pdf/3350/335027184010.pdf

- https://www.quartodebebe.net/extra/noticias/desenhos-de-criancas-abusadas-
sexualmente/

- https://www.redalyc.org/pdf/3350/335027505018.pdf

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