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A ARTE DE VER

SEM SER VISTO

no ano da minha morte no vermelho da sua camisa


sobrará de mim na boca e na brisa
apenas o poema respira
papel impresso a plenos pulmões
como os livros velhos vendidos na calçada
o poema páginas virando
já frio em dia de vento
fósforo depois do fogo
um dia será memória vaga (o verão é agora
hoje queima em toda parte a qualquer momento)
na rua na minha casa e na sua
ao mesmo tempo pois o poema
muda
no quarto o tempo e o lugar
de porta fechada sempre agora
para que ninguém ouça nada urgentemente
o poema grita não há letra morta
mesmo dobrado na página o coração
no lugar onde você deixá-lo bate um pouco
pela última vez o meu e o seu também
antes do poema o dia é um
na cama depois já é outro
o poema sussurra
assim machuca na minha gaveta fechada
e na manhã seguinte uma fruta morre
se desculpa dentro da casca
estava escuro demais mas o poema
quando você me disse vive
aquelas coisas debaixo das unhas
agarrado como mas o cinema me ensinou
pó na sola dos pés mais que a vida
grãos de areia a arte de ver
perdidos sem ser visto
no seu cabelo
depois de escrito e lido e o nome
o poema não tem idade
é nem pomo de adão
como nem joelhos
o nosso corpo inteiro um nome nunca está nu
nem pelo espelho
o meu um nome não apaga cigarros
e o da menina na sola do sapato
vestido preto não tira o meu sono
com paletó por cima o meu sangue a minha paz
as ombreiras e na manhã seguinte
só elas põe brincos e prende o cabelo
eram um acontecimento para me ver
no metrô um nome não mora sozinho
vazio com um gato
e não tem onze tatuagens
eu nem se veste
pensando em coisas da vida como todo mundo
como uma perna depois a outra
preciso comprar um pano de prato um nome não é alto nem baixo
estava e não estava não anda descalço
naquele vagão não dorme
em cama desconhecida
passavam as estações no subterrâneo nem sonha cavalos
como passam também correndo em chão de saibro
os nossos vinte anos e acorda
queria ter dito a ela sem reconhecer o teto
naquela noite mesmo
o meu nome
um nome não pensa mas o trem parou de súbito
deitado: antes que eu tivesse oferecido a ela
quem dorme nesse quadrado? qualquer coisa
um nome não caminhou sozinho qualquer cura
em maio meus olhos e meus ossos
entre os pés do cafezal porque ainda somos jovens
não tomou água com gosto de cobre
na argentina rural quem a viu
um nome não vive tão frágil
um ano sem eventos no trem em movimento
nem sabe seu número de telefone não poderia imaginar
um nome que é possível
é apenas um nome morrer
no ar quando dito antes do trinta anos
ou também é possível
quando escrito viver
na primeira página de um livro mais forte
depois da dor
um nome é
só um pedaço de um homem o que teria acontecido
se nós dois
então eu fui tirando o casaco tivéssemos descido
depois a camisa no mesmo
a pele toda ponto?
deixando pelo chão
peça por peça
para ter onde guardá-la
no meu tórax
ao lado do coração
minhas costelas abertas
para a menina
morar aqui
se quiser
é mais quente e mais perto do metrô

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