Você está na página 1de 28

1.

Gastei a sola dos sapatos! Sexta-feira ombros caídos de exaustão.

Lambo feridas. Um falso segredo dói, a sinceridade dói muito.

E eu autorizo-me a escrever num diário íntimo aberto ao público:

enceno dramas, desejos possíveis, inatingíveis e inevitáveis.

2.

Não sou poeta,

as minhas dores são concretas.

É uma vida natural, 

nem triste nem feliz, 

entre a sombra e a luz.

A maciez na voz, 

a timidez no rosto quadrado,

e os lugares esquecidos aonde ninguém vai.

Paro de pé em frente a uma ruína,

lá em baixo o silêncio

e os olhos a desenhar,

demasiado expostos.

No meio do caminho há uma pedra: o ciúme a corroer o coração.

Depois de todo o passado, já aconteceu tanta coisa... 

Ganhará a sabedoria da idade ou 

a verdadeira geometria do amor?

A hora muda e é nesse desacerto


que vive o que não se adapta.

Todos os dias aprendo,

escrevo a sobreposição de palavras

que não se repetem: esta sou eu 

o meu pé direito, 

o reflexo das pulseiras brilhando na parede, 

os cabelos sem vida caídos no tapete, 

um brinco perdido.

Nunca se perde por inteiro, perde-se sempre uma parte.

Somos nós o amor perdido?

Nem sempre tenho o que procuram: realce, nitidez. 

Evaporo-me 

e o olhar de alguém deixa de estar à altura.

Imperfeita e finita, 

roubo livros aos familiares e 

discos ao meu pai. 

É humana a falha e

a existência é misteriosa, 

assim. 

Provavelmente, a possibilidade de poesia

é todo este incómodo.

E há sempre o que dizer 

quando se está perdido.


3.

[ Amanhecer é noite que se torna visível]

e a gente sempre faz diários para esquecer, para não esquecer.

4.

... é tão difícil escrever o que se quer escrever...

Colecciono palavras de lá, arrastadas pelos ventos do mundo, e com as minhas mãos

componho frases para que fiques.

5.

Calada ___ a minha vocação é comunicar.

6.

Toda a minha noite é acordada ___ desbravando os dias onde me deito.

7.

Na infância eu já amava muito intensamente.

Cresci: o meu cabelo cresceu,

as unhas, as plantas.

E o sangue dum poema corria dentro de mim,

transparente. Não o ouvi.

Desregulei os meus horários e


fui roubando de mim mesma o trajeto

que hoje concilio com o trabalho.

É verdade que somos mãos que crescem

aprendendo nas curvas,

mas não tenho a voz que o mundo precisa.

A partilha é silenciosa e repousa

no tempo passado,

mas não menciono nomes.

Hoje, quando desapareço

é para desocupar o coração.

Desconfio que alguém me confundiu com o amor.

8.

Tenho um buraco dentro de mim ___ cheio ___ uma cratera onde cabe tudo dentro.

9.

Vim de Paterson,

o que as pessoas fazem é tão diferente do que produzo

e o que elas fazem dá-me vontade de fazer.

É bom ter cuidado__ a arte não anda separada da vida quotidiana.


10.

Paixão de fim de tarde

e a gente inaugura amizade

neste vento apocalíptico,

conversando sobre Paulo e Ana.

A poesia toda ali, reunida,

e entre nós o mar e os nossos desmoronamentos amorosos.

Aqui Lisboa, ponto de encontro entre nós duas.

Sexta-feira santa e a vida é tão real que parece abençoada:

eu voltando da arte de me relacionar

e encontro Toda a Poesia do Leminski numa montra do metro.

Estes chamamentos literários

dão-me conta da minha fé na linguagem.

*amanhã compro o livro e vou ao cinema, sábado sempre oferece bons planos a dois

para quem se encontra ao pé de alguma coisa.

11.

Leio para

transbordar

bordar

dar

ar

Respirar
12.

Não tenho lido,

não tenho feito esse movimento 

de te frequentar nos outros.

13.

A poesia está a cair,

perdi alguma coisa

que era preciso cuidar

e os sentidos vão-se escapando.

Fujo de ti como fujo de mim.

fujo do texto como fujo de ti,

como fujo de mim.

Se eu não fosse tão medrosa

não seríamos unidos como um amor,

e a escrita não seria vista como um romance.

Despedaçada adormeço

sem desistir, sem ir

mas hoje eu escrevo que

a poesia está a cair...


14.

Com todas as palavras,

quase sem palavras,

escrevo para não acabarmos.

Seja talvez uma embarcação, 

nunca sabemos o que vem adiante.

E realizados um no outro

quase corremos o risco de ficar.

... deixo passar as horas e

acrescento dias à nossa viagem:

invento possibilidades 

para começarmos a cada noite.

Mas voltando atrás: a memória 

da tua mão na minha,

do teu peito contra o meu.

De pé, de olhos fechados, 

deitados, adormecidos…

... e um desejo que nos aproxima.

E depois, depois do corpo a ausência...

15.

A literatura está cheia de nós


Passei horas a arranjar-me para aparecer

Estou nervosa

Estou cheia de nervos 

Nervos

Bocejo (bocejo sempre que estou nervosa)

Deito-me na manta nova alentejana que comprei em segunda mão

- as mantas são uma tradição de longos séculos no Alentejo-

mas as magníficas cores de lã irritam a minha pele

Mudo a posição do corpo

estico o braço e vou buscar um copo de água

Os vidros de casa estão sujos

mas consigo ver no parapeito as aranhas vermelhas indefesas que passeiam

Bichos (se soubesses a quantidade de bichos raros que há à porta deste prédio

Só que nunca chegaste a entrar e eu não forço

Força a gente precisa para aparafusar móveis)

Serás possível?

Sem que eu te fale será que sentes?

Eu queria que sim

Sim de sinto

Eu sou só uma leitora que não se conformou com a contemplação

E comecei a escrever

Tenho-te dentro da minha cabeça

Tu nunca páras de chegar

Tu 
Tu casa

Tu rua

Tu metade

Tu silêncio

Tu pedra

Mudo a posição do corpo outra vez

Estou de joelhos onde acabam as tuas costas

e sinto uma certeza que não percebo

uma coisa invisível quase imperceptível

Os gestos crescem aos poucos com as mãos

Passso pela tua boca

As entradas

As margens

Saio do mar e trago a água comigo

Adormeço às três da manhã

e penso em ti uma última vez.

16.

Anunciando o Amor ___ o Amor quase nascido.

17.

Começou tão bem a nossa vida

com aquele primeiro encontro.

Nunca me vi a andar de costas mas 


faço um esforço para entender a antiguidade e

ver alguma coisa que não coube no passado __

Rever-me contemporaneamente num futuro esquecido.

O passado está aberto

e no verso da fotografia uma dedicatória:

“O amor é forte, é frágil,

É fértil. Não quebra,

requer cuidado. Faz chorar.

O amor é vivo

há um milhão de anos.

Para ti: o amor

para depois do amor”

Tempos, temperamentos

e o meu reflexo invertido numa colher,

mais aquela prateleira que conheço de cor:

eu sou eu e o meu pensamento

e todos os poemas são para o outro.

Nunca me fui apresentada,

nunca me vi a dormir

nem devia deitar-me com o cabelo molhado,

só que isto é só um jogo de memória poética.

Vários tons de cinza,

chuva fina,

cores que não têm nome.

Junho e perdi-te de vista há meia dúzia de meses atrás,


é isto o fim? Só procuro perguntas! 

Banho-me no rio que passa na minha cidade,

e guardo no peito o que não aconteceu.

Apanho alguns pedaços de silêncio que estão quase a secar e escrevo este poema até

acabá-lo.

Não há síntese nem expansão,

tudo está contido, dito aqui.

Alguns lêem,

poucos escrevem

mas só nós temos a vida inteira.

Só uma.

18.

Ao fim ao cabo tenho pouco para dizer

de tanto que escrevi sobre o amor.

19.

Après-midi

dois corações são separados pela crueldade dos homens 

que envenenam gatos

Um amôr é prohibido

enquanto as banhistas vestem os fatos de banho

para fazer o seu verão


E uma ameixa prega nódoas de cor púrpura na camisa d'um turista 

que está de passagem pelo museu de belas artes

Après-midi

segui o conselho de uma amiga depois de dois anos 

e fomos festejar comer e beber 

Sentámo-nos em almofadas macias no roofTop

que é terraço em português

e uma pessoa mudou de lugar a mesa do aquário 

onde Tigre e Eufrates nadavam

como dois peixes que são

Après-midi

a dor dos músculos não foi embora

e sem querer querendo

anseio por notícias daquele

que é o nome do que não se esquece de mim

A blue afternoon com chuvas de fim de tarde

e um carro parado à espera de quinta-feira de manhã.

20.

Numa cidade de ir e permanecer

anuncia-se um dia difícil

para quem quer atravessar o Tejo

de barco
Depois de temperaturas instáveis o calor regressa

a tempo da Primavera

e alguns aproveitam para não trabalhar

Os comboios voltam a parar 

(e aquela miúda continua a atrasar-se todos os dias cinco minutos, pontualmente)

Meio ano já passou

não se vê nenhum olho, boca ou nariz

Todos estão de costas

e muitos pararam no facebook

Talvez seja de noite

é bem provável que o tempo não tenha passado por ali

Os relógios precisam de corda

e quanto às insónias

os acostumados com a madrugada o que costumam fazer?

Algumas das mulheres que estão de costas

aparentam ter quarenta anos

(observo-o pela falsificação da cor capilar

e isso não me seduz 

nem me deslumbram as estrelas de cinema)

Todos estes intelectuais se vestem da mesma maneira

O que é que será que a rapariga que serve às mesas pensa deste lugar?

Não sei, são só mulheres na fila

Somos mais mas nenhuma está no poder

Desde que o meu ex-namorado me disse 'Eu gostava de ser ditador' que nunca mais me
calei

Agora escrevo

Isto é só uma publicação

sobre notícias populares e o verso livre

Para a semana vou fazer um pudim

enquanto as equipas jogam no país dos soviéticos

(o saco das compras rompeu-se na rua

mas felizmente não comprei ovos).

21.

É uma generosidade difícil para quem vive sozinho, receber alguém.

Uma pessoa só conhece um universo só, e no movimento de um outro que se aproxima

os músculos contraem.

Do alto dos meus quase 31 ainda me escondo atrás das árvores quando alguém toca em

mim___

não nasci boémia, por isso interessam-me os tipos marginais e charmosos. Também eu

vivo na periferia, discretamente deslocada e bem no centro do avesso. Com o meu

coração dobrado, a vida (re)parte-me e o corte é fundo: levei dez pontos no hospital.

Saio diferente do que fui, transformada, igual a mim mesma num corpo com memória:

experiências arquivadas que um dia alguma coisa acende, o corpo reconhece e então os

músculos reconectam.

Preciso de praticar o apego, não serei mais turista no amor!


22.

Aprendi lendo Clarice que "ficção é real" e provisoriamente disfarço o meu interesse

por ti. 

[este é o meu manifesto __ revelar ocultando].

23.

Ela diz Sim,

ele fala Não.

Estamos Quites.

24.

Devagar, encontramo-nos rente aos laços do texto.

Quietos, procuramos algo que nos una.

25.

Não há vírgulas entre a vida e a arte,

nenhum hífen entre a vida selvagem e o amor.

26.

Não temos convivido

com coisas que demoram

porque nos perdemos a tentar

apressar o processo
e subitamente

a beleza e o caos 

de uma cidade 

são o resumo do mundo.

Também não nos lembramos 

como é fácil esquecer

que viver com o outro

é viver num país estrangeiro

e aprender a sua cultura.

É o princípio

o precipício entre

o feito e o não feito.

Até dentro de casa

o coração não é uma linha recta,

as janelas rompem a parede

e as árvores avançam 

as suas sombras.

Então os erros ficam a descoberto

e a paisagem é vista por alguém

que se encontra em exílio:

é o exterior de nós.
27.

É preciso morrer para existir.

Rasgar o peito,

abrir o céu,

também as veias.

Deixar o poeta desaparecer

para o poema ter vida.

28.

Acho difícil morar longe

Sabes o que é a ausência?

A ausência de quem se ama

Todos os meus poemas falam da ausência

O desejo de reencontrar quem se perdeu

O desejo o medo a falta

A solidão ______ aberta


29.

Faz calor e não deve

Durante este tempo que estive fora

pensei muito em nós

A minha casa está cheia de luz

a minha casa está vazia de tanta luz

O sol

O chão e os móveis

Ternuras

Enigmas

Alguns pequenos prazeres

e nós desmedidos destemidos

Talvez eu seja guiada por impulsos interiores descoordenados

Talvez tu gostes de mim por ser quieta

A minha escrita multiplica-se

A obra espera 

Os pés são para o corpo

e a saudade é o sentimento que me tem habitado

Então saímos outra vez

antes que seja impossível

voltarmos a saír

Faço o caminho entre o jantar e a cama

e amanhã de manhãzinha bem cedinho acordo

[Fingi que dormi]


Espero alguma coisa neste tempo

E tu,

recebeste as minhas palavras?

30.

Nada é simplesmente uma coisa:

os lugares onde se sente mais dor

são os lugares de maior prazer.

Estamos vivos muitas vezes

a fumar entre o passado e o futuro

com cinco dedos em cada mão, e mais nada.

Alguns desajustes de comportamento

alteram a agenda: acasos, escolhas, revelações.

E conduzimos o carro para lá e para cá, 

sem sair do mesmo lugar.

Nada é simplesmente uma coisa:

eu vivo com um coração de mulher

e tu vives uma vida tranquila.

O amor contrai-se.
31.

Foi aqui que começámos a escrever sobre isto

Eu fiz de conta que esta coisa era urgente como é

e tu deste-me licença para escrever sobre os teus livros

mas não contamos os princípios nem os fins.

Antes de tudo há o futuro.

32.

Os discos deixaram de tocar no último andar. 

Aproximo-me da janela e olho para as letras dos letreiros brilhantes: 'lifestyle'.

Os discos deixaram de tocar no último andar: nos quartos, na sala... Sem explicações, o

ar está parado.

Revejo-te, outra vez. 

Tu, com a tua t-shirt preta dos Joy Division, bastante tempo sentado na borda da cama.

Tu e eu não nos conhecemos na rua. Começou tudo no final de uma aula, eu dei o

primeiro passo e tu continuaste o resto do caminho, atrás de mim.

A literatura saltou os portões da escola. Os nossos pés cresceram, a alma cresceu, e as

mãos abertas muito bonitas. E o sabor doce de compota na boca e os beijos a servir para

abrir a boca. Longos fogos de ternura.

A literatura saltou os portões da escola mas tínhamos sido empurrados para fora da

frase. 

É horrível.
Uma maravilha.

'Ocupa-te de mim um bocadinho', choraste.

Este país não chega para todos nem o que eu sinto chega para te amar. Viveremos numa

aldeia desonstruída e abandonada, é horrível. 

Uma maravilha.

Pulamos como os gatos e olhamos a distância de perto.

Veremos a nossa vida como uma biografia. Uma biografia inacabada com imagens

inéditas e um arquivo de fotografias para lembrar toda a pesquisa de um trabalho

presente: o trabalho da memória.

A memória é agora.

33.

[handwriting]

reservei para ti a minha solidão de autora

e o meu silêncio dócil seguramente

intimamente inconscientemente 

é o modo como erguerei o que sou, um dia

estamos fechados na abertura desta trama

que é o amor
e eu não me canso para sempre

desta minha felicidade insistente

nunca estive tão próxima da verdade

mesmo quando passam milénios

sem a tua presença e o silêncio reina

o teu coração move o meu

e a minha pulsação dobra

há um excesso de coração

na minha poesia

mesmo tendo quase nada

por isso preciso fazer-me pequena

enquanto espero

só o amor acelera o silêncio

escrevo à mão antes de passar por aqui

[handwriting]

à mão cabe tudo 

até o que esperamos de um poema

e num poema encontramos o que amamos

aquilo que faz acelerar um coração

frágil, violento, doce


34.

Tenho estado a trabalhar

num poema para ti.

Não há nisso promessa

nem expectativa.

O livro dos encontros está aberto ao meio

e guardo nele dois bilhetes de cinema.

O meu casaco tem os bolsos largos

e guardo neles o tal livro.

Todos os dias saio à rua assim, com o casaco vestido.

O real inclui o amor e 

além desta possibilidade poética

existe sempre a probabilidade de nos cruzarmos

como da primeira vez, por acaso

(já te disse que não acredito em coincidências?).

As pessoas têm a mania de atravessar a estrada no meio dos carros, e tu também.

Eu atravesso os livros em várias direcções.

Às vezes, as pessoas dizem 

'Lá estás tu mantida em silêncio'

mas elas conhecem lá, a potência das palavras

no interior de uma pessoa!

'É o silêncio que me mantém', respondo para mim.

Tenho as mãos levemente avermelhadas.

Como posso expressar-me pela cor vermelha?

O sangue está quente e o vinho vai escorrendo.


Chove e eu sinto a pressão do desejo.

Passaram três semanas desde que tenho estado a trabalhar

num poema para ti.

Passou uma eternidade.

O meu coração acende

apaga.

Acende.

Apaga.

Começo!

E aqui, a palavra começo é uma continuação.

Aqui, conseguirás ver exactamente este instante,

o próprio lugar.

Isto é uma carta.

Uma carta de amor que fala

do dia-a-dia, da saudade, da ausência.

Como todas as cartas de amor.

Tu sabes o que é que se diz

num primeiro encontro?

Não importa, já passou muito tempo

e a importância das pessoas vem da criação.

Ontem eu filmei uma frase que escrevi

e que diz que 'o amor é um efeito especial'.

Acreditas no que eu escrevo?

O que vês quando os teus olhos estão fechados?

Olhas para mim em silêncio, sem te mexeres,


e voltas todas as noites.

O tempo passa e finalmente escrevo.

Tenho estado a trabalhar 

num poema para ti.

Mas o que é que eu sei sobre poesia?

Há poetas entre as pessoas que eu vejo na escola, nos transportes,no supermercado?

O homem que eu amo lê, escreve

e encontra poemas.

Ele é poesia?

Existe um lugar certo para a poesia?

Estou atrasada, tenho de ir.

Tenho estado a trabalhar

num poema para ti

e tu sabes o peso dum poema por escrever.

35.

Pelas ruas da cidade

anda o meu amor

Fiel ao desejo eu

desenho e escrevo

e retomo a nossa história

o nosso enigma.
[D E S E J O

DESENHO

E S C R E V O]

36.

Os homens gostam de se esconder do mundo, às vezes

e vão para lugares onde há portais para outras dimensões.

São selvagens e frágeis, e têm nos lábios a certeza firme de quem viu barcos ir ao fundo.

Os homens fazem diminuir distâncias e criam continuidades. Incendeiam-se a si

próprios e queimam a alma das mulheres. É o rasto que nos deixam...

Os homens constroem edifícios, histórias e biografias sem nunca confirmar o que virá

depois. Sorriem às fraquezas e devolvem beleza às nossas feridas.

37.

Sou uma mulher que perdeu a voz

A minha boca de língua viva não vive mais hoje

Dos exageros amorosos dos nossos beijos não sabe mais falar.

38.

Este caderno é terapêutico mas

o que será desta boca?


39.

Escreve como quem pede desculpa

por ser poeta

tentando retirar a escuridão

de dentro de si.

Quando chega a casa

entra no quarto escuro 

que as visitas não vêem no seu apartamento

(todas as casas têm um quarto a mais

que ninguém vê) 

e procura a caixa de primeiros socorros.

Temos de conversar sobre uma impressão

que não passa: a falta que eu sinto de ti.

A ausência é o espaço vazio ao meu lado

nas idas ao supermercado 

ou uma gata entre as pernas no chão frio

à meia-noite, à meia luz.

Há tanta sede nestas noites...

O tempo cura e o espaço?

Temos a Península Ibérica como testemunha

e 20 escritores que se beijam nas cidades

mas se um de nós falha

o que é que sobra?

Você também pode gostar