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HISTORIA DA REVOLUGKO DE 17 POR MUNIZ TAVARES NA PARTE RELATIVA AO (EARA 0 rapido progresso da revolugao nos lugares ja in- (licados nfo era suficiente a apagar o fervor dos patriotas fle Pernambuco; suas vistas extendiam-se ao em ser de todo o Brazil. Elles ajuizavam, que as provincias do norte mais distantes do sopro empestado da cérte seriam as jnais solicitas em responder ao grito da liberdade, e que as do sul seguiriam em tempo o mesmissimo destino; ¢ si or defeito de energia ou por outro motivo persistissem famoveis, as do norte confederadas nada tinham que tamer, Tal era a baze do plano, para cuja’ execugio con- vinha apressar o movimento na Bahia e Ceard, dois pontos da maior importancia. Dois ecleziasticos foram enviados como. agentes secre- tog a essas duas provincias: para 0 Ceard ofereceo-se um joven subdiacono chamado José Martiniano de Alencar, que principiava a frequentar no seminariy de Olinda o curso de rhetorica. A sua oferta foi aceita por ser elle natural 2a REVISTA TRIMENSAL da villa do Crate, e extremozamente amado pelo paroco dessa villa: os parocos do sertio tinkam grande influencia. Capitio-mér da mesma villa era um certo Filgneiras malfeitor cruel, a quem os supersticiozos sertancjos re- verenciay: dando-the o irrizorie titulo de mandinzneiro, titalo devido & impunidade da sua vida infame: a sua caza era um sovil de cubras facinorozas, lestos cin commetor toto © yenere de atentados ao mais leve aceno do analogo chefe, que os alimentaya e protegia, Os patriotas gover- nadores de Pernambuco tiveram a simplicidade de erér, que, ganhando-se um (ul individuo, wanhava-se a provincia inteiva do oars; e que para ganluil-o bastaria a vontade daquelle paroeo, o qual nao podia deixar de ceder aos conselhos ou rogativas do seo predilecto. Para coadjuval-o ne governo provizorio agreyou-the wa certo Miguel Jua- quim Cezar, moco que parceia prudente, ¢ que dizia Ler algumas relacies nos sertées n'aquelia provincia. A ambos foram dadas per escrito as instrng que copidmos: « [rio os patriotas fazendo 2 sua viagem com toda a paz, politica e cautela obrando por este modo quando tratarem com poves por onde passarem; e si os acharent dispostos para a boa canza, procurarfio acender ainda mais 0 seo patriotismo, mostrando-ines as antigas opres- 8603 @ os bens que nas virdo de nde sermos mais governa- dos por ladracs, que vém de féra xupar-a.nossa substancia. E si acharem os povos em uma total ignorancia e abati- mento, procuraréo ¢lar-Ihes algumas idéas a favor da eanza ¢ inflammal-os, porém si acharem algum tonaz partidista da tirania, iio .entrardo com elle em discus- shes; basta, que os fiquem conheeendo. Assim irfio em di- reitura até se avistarem com o vigario do Pombai, do qual haverio noticias do estado da comarea do Ceard, tanto do seo interior, como -beira-mar, ¢ torio noticia do padra Luiz Jozé. Si este se tiver declarado pela boa cauza, iréo ter com elle e dali partira o patriota B. pelas cabcceiras io rio do Peixe ao sen destino, ficando com o padre Luiz José o patriota A. para dahi escrever cartas ¢ mandar papel aos seos amigos do Icé, Estas cartas deyem ser per- suasivas gem darem a entender, que as pessoas para quem \ bo INSTITUTO DO CHARS 257 foram dirigidas, querem a liberdade. para as nao compro- meter. Chegando ao Pombal, si houver certeza de quo 0’ padre Luiz José nio é pela Patria, dahi seguirio o mesmo destino; ¢ si parecer melhor, ambos irio para o Crato por cima, Revolucionados 0 Crato ¢ o Icé, mandar§o logo a Per- nambuco avizo para lhe ir soccorro, ¢ estas villas podem von eartas ¢ proclamacdes fazer que se lovantem Aracat e Sobral, e mesino sem socorro de Pernambueo potterfio atacar_a villa da Fortaleza, ¢ desiruir o tiranno. O padre Jute Ribeiro Pessoa, Domingos José Martins. Munidos tamhem de cartas de recommendagio, pu- zeram-se todos dois em caminho. O teatro, onde o Alencar podia reprezentar, cra a sua villa natal; para ahi preseguio, separando-se loge do seo companheiro, que ficou inerte na fazenda do padre Luiz Jozé. Chegando 4. caza-paterna, elle contou misteriozamente os factos das provineias revoltadas, cxaltando-o8 e yalendo-se dos meios adcqaados para induzir 9 bom pacre a faverecel-o no tra- bulho de catechizar o temivei capitao-mér. Foi porém tudo em yao; a pusillanimidade excedia a predilegdo, Anuelle paroco, que mal entendia o seo breviario, e nado conhecia outro objecto de eulto sindo 0 seos Deos © 0 seo rei, tremeo ouvindo a narracio, e pensando unicamente na salvagio do amige, que j& cria perdido, o suplicou a dezistir da empreza. A sna yor nio foi escutada; o emis- sario rezolveo tentar a fortuna por si sé, e foi procurar o homem, do qual parecia depender o destino do Ceara. Por acazo 0 encontrou com um carmelita, Frei Fran- eisco de Santa Mariana Pessoa, a quem vinha recom- mendado, @ assestou 2 sua fraca bateria contra a grossa muralha. Bem que reforgado pelo frade, que tomou parte activa no combate, nfio péde fazcr a menor brexa; re correo ao poderozo encaato das honras-e recompensas destinadas aos libertadores da Patria; na dura orelha do Filgueiras néo penctrava o doce son do vocabulo libertador ; velho mando, julgava, que as dislingdes ho- norifieas cram 0 apanagio excluzivo da prostitni¢io. Depois de longo silencio originado do desprezo ¢ nao da meditagio dignou-se responder, que a empreza era pousg 258 REVISTA TRIMENSAL segura, e que por conscquencia nio a apdiaria. Si nio apoia (replicou o emissaria), 40 menos queira ter a bon: dade de ndo obstar a livre manifestagio do povo. Ndo.me oporei: (certifivou o lobo esfaimado para saciar-se no sangue da taior quantidade dc innocentes ovelhas ). Um homem atilado procederia em circunstancias taes com a ulaxima cautela; a repugnaneia vizivel do repatade arbitro da prov , 0 seo perverse caracter, ensinavam a desconfianga; mas um collegial é ordinaria- monte credulo; aquelle néo sahia da regra commun; faciimente persuadio-se, que com a promessa dada era sethor do campo de batalha; contente a participou a um sco irmdo e a outros amigos, com os quacs cousertou © modo de revolucionar a villa. Gemia 0 paroco com © presentimento de futura ruina. © proximo dia sants, em que elle ilevia celebrar, foi o dia marcado para a solemuidade da festa patriotica, Congregaram-se na Igreja os fieis: no fim da missa 0 Alencar, revestido da batina e roquete, subio ao pulpito, e leo o j4 mencionado Piccizo do Mendonga. Os que tomavam parte no conserto, responderam em altas yozes aos viras cou que rematava aquelle escrito; 08 demais hateram palmas, todos retiraram-se ao adro da Igreja, arvoraram wma bandeira branca, e em signal de alegria disparavam as clavinas que traziam. Continuavam & tripudiar, quando unt annuacio intempestivo veio pertur- pal-os; 0 Filgueiras nao cstava leuge da villa com nu merozo sequito dos seos apaniguados, Ninguem esporava a importuna vizita daquelle indi- viduo; a memoria dos soos iniquos feitos fundamentaya os receios. A mér parte dos improvizados patriotas comegou. aretirar-se cabisbaixo aos escondrijos das suas habitagdes. Debalde procurava o Alenear dissipar-Ihes a timidez, assegarando que, si fosse verdadeira a vinda do homem annunciado, seria para testimunhar a publica alegria, que por sna oxprossa tolerancia manifestava-se: poncos deixaram-se persuadir, ¢ com simplicidade pueril entoaram yivas 4 Patria, apenas comparecco o famozo chefe da qpadeitha, que nfo tardow a provar a reGmacio da sua DO [NSTITUTU DO CEARL 259 malicia. Com wn simples aceno elle: impoz silencio, fez arrancar a bandeira arvorada, e mandou, qne 60 gritasse: View Ei-&ei, Todos humildemente obedeceram, e nilo obstante os facinorozos agarraram o Alencar, e trex dos geos principaes adherentes, os conduziram 4 cadeia, donde com pezada corrente ao pescogo foram arras- dados de prizio em prizéio até a capital, sofrendo triba- lagdes ¢ injurias por toda a viagem. O bom vigario, o frade carmelita, a pobre mile do mesmo Alencar e outros nao escaparam ao furor do monstro pouco tempo depois. Assim finalizou o movimento do Crato; as demais villas ndo derum signal de vida. Governava o Ceard Manoel Ignacio de Sampaio; a sua actividade redobrou-se com a noticia da visinka conflagracdo. Apezar de conhe- cor cvidentemente, yue nada tinha a receiar dos infelizes Cearenses, se espirito era sempre agitado, como s&o os que nio obram rectamente. Um pequeno traficante da capital, s6 por ser Pernambucano, era na sua epinido um subdito tio perigezo, quante o onvidor da comarea Joio Antonio Rodrigues de Carvalho, por ter tido relacdes de amizade com Domingos José Martins: a ambos fez prender e transportar aos earceres de Lisboa. Nao tendo a sua dispozicko forca suficiente para marchar contra as pro- vincias insurgidas, contentou-se de segurar a que gover- nava, exorcitando os seas poucog soldados, preserevendo ordens severas a todos os capities-mdéres, ¢ ttesfigurando com as mais negras cores os actos praticades em Per~ uambaco. ¢ CAPLYTLO VIEL) eee

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