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A Abordagem Cristã

à Esquizofrenia

Originalmente publicado em “A Construção da Loucura: Conceitos Emergentes e


Intervenções no Processo Psicótico”. Universidade do Maine, 1976.

Escrito por Jay E. Adams


Tradução livre por Clinton Ramachotte
A palavra “esquizofrenia” tornou-se um termo genérico abrangendo
uma multiplicidade de problemas (e muitas vezes, encobrindo uma
grande quantidade de ignorância) que têm apenas um denominador
comum: a incapacidade do aconselhado de funcionar de maneira
significativa na sociedade devido a comportamentos bizarros. Parece-
me que devemos abandonar a palavra como enganosa e confusa,
especialmente quando seu uso proporciona uma tentação
conveniente para o abuso diagnóstico. Acrescente a todos os outros
possíveis fatores que podem ser mencionados a falta de esperança
gerada por rótulos, a tendência de muitos aconselhados de
desempenharem o papel que acham que o rótulo implica, os danos
irreparáveis que o uso leviano desse rótulo por partes descuidadas,
irresponsáveis, sobrecarregadas ou até maliciosas pode causar ao
futuro de um cliente, e você terá um caso quase hermético para
rejeitar o termo. Sempre que a palavra “esquizofrenia” aparecer, estarei
me referindo não a nenhuma categoria diagnóstica definível que
represente uma doença ou comportamento específico. Em vez disso,
vou considerá-la apenas como um termo amplo e coletivo que não
tem um referente claro e definido, mas que aponta para
comportamentos bizarros que são resultado de qualquer causa, seja
ela concebida ou não, ou qualquer conjunto complexo de causas que
possam levar a uma incapacidade grave de funcionar na sociedade.

Descritivo versus Explicativo

Considero as palavras “nariz vermelho” estar precisamente no mesmo


nível de comunicação que a palavra “esquizofrenia”. Observar que
alguém tem um nariz vermelho não é dizer mais do que isso; a
declaração não carrega implicações causais necessárias. Ou seja, a
observação se refere a um efeito que pode ter qualquer número de
causas diferentes e amplamente diversas. Portanto, a afirmação
“Você tem um nariz vermelho” não carrega necessariamente a
insinuação de que a pessoa abordada esteve bebendo. Ela pode ter
adormecido sob uma lâmpada de sol, sua esposa pode tê-lo socado,
pode estar desenvolvendo uma espinha nele, etc. Da mesma forma,
dizer que alguém é esquizofrênico é apenas observar que seu
comportamento se tornou tão bizarro que ele é incapaz de funcionar
(ou não é permitido por outros a funcionar) na sociedade. Como
complicação adicional, deve-se lembrar que a linha entre o anormal e
o normal nem sempre é claramente definível em uma sociedade cujos
valores estão em fluxo. O que é tolerado (ou até mesmo valorizado)
em certas comunidades ou culturas pode ser rejeitado por outras.

Duas Fontes da Esquizofrenia

Para resumir, pode-se observar que todos os comportamentos


problemáticos geralmente identificados como esquizofrenia derivam
de duas fontes: (1) forças que distorcem a capacidade de perceber ou
avaliar o mundo como ele é na realidade, ou (2) forças auto induzidas
que levam alguém a interpretar erroneamente a si mesmo ou aos
outros. Dentro de cada uma dessas duas categorias muito amplas, as
variedades de situações e tipos são numerosas. Por exemplo, uma
entrada perceptual deficiente pode levar a um funcionamento
adequado do cérebro que acaba sendo prejudicial porque é baseado
em dados defeituosos; por outro lado, o comportamento pode
originar-se de um mau funcionamento do cérebro devido a um tumor,
enquanto as percepções estão intactas. Portanto, falar sobre
esquizofrenia como se o termo denotasse uma condição claramente
definível, distinguível de todas as outras, é um completo mal-
entendido.
Por conveniência, podemos classificar (de forma aproximada) as
causas da esquizofrenia como orgânicas/inorgânicas (ou, a partir de
uma perspectiva que enxergue atividades de leitura
incorreta/induzindo erro), sempre mantendo em mente o fato de que
até mesmo os limites entre essas categorias não são fixos e
intransponíveis. O que pode ter começado em grande parte como
atividade enganosa (ou seja, decepção) pode com o tempo se
transformar em atividade de leitura incorreta (autoenganço), ou ser
um pouco de ambos.

“Agentes narcóticos estão atrás de mim”, insistiu John.

A acusação - como sua “evidência” provou - era absurda. No entanto,


a construção da realidade pela qual ele justificou a alegação era
perfeitamente razoável para ele. Isso ocorreu porque a construção da
realidade na qual ele categorizou os dados tinha gradualmente surgido
ao longo do tempo como resultado de uma longa história de fuga. O
problema de John teve origem em uma construção de realidade que
estava de acordo com a vida. Houve um tempo em que ele era um
traficante de drogas. Naquela época, era realista para ele ser suspeito
e cauteloso. Mas os padrões de vida desenvolvidos naquela época
continuaram muito depois de ele ter abandonado as drogas. O padrão
de olhar por cima do ombro persistiu. A culpa do passado, os padrões
de vida, etc., todos continuaram até que ele chegou ao perdão e
adotou uma nova construção de realidade cristã. Como diz
Provérbios: “Os ímpios fogem, sem que ninguém os persiga”
(Provérbios 28:1).
Por outro lado, o que começou como uma atividade de interpretação
equivocada (falta de percepção) com o tempo pode se desenvolver em
uma vida de engano (enganar os outros ou a si mesmo). Uma
distorção perceptual visual pode levar alguém, por exemplo, a
interpretar incorretamente as formas dos rostos de entes queridos que
parecem (para a pessoa cujos processos químicos estão funcionando
de forma incorreta) estar franzindo a testa para ele quando na verdade
não estão. Sinais visuais que não se encaixam na comunicação auditiva
podem levá-lo a suspeitar das intenções dos outros e a responder com
cautela, etc., o que é apropriado para os dados defeituosos, mas não
para a situação real. Essa ação será interpretada como bizarra. Ele
pode desenvolver uma atitude suspeita em relação aos outros que,
com o tempo, pode se tornar uma construção de realidade para
interpretar falsamente toda a vida.
A Perspectiva Cristã

Como um conselheiro na tradição cristã começa a lidar com os muitos


problemas de comportamento esquizofrênico? O fato de que uma
pessoa que experimenta tais problemas pode estar sujeita a forças
internas e externas que podem prejudicar sua capacidade de
funcionar, que ela é capaz de estimular e simular intencionalmente e
involuntariamente tal comprometimento para enganar, e que ao longo
do tempo (ou de repente) ela pode desenvolver respostas defeituosas
a situações de estresse que a fazem perder o contato com a realidade
(ou seja, ela pode interpretá-la erroneamente) é retratá-la
imediatamente como um ser frágil, astuto, auto enganador e tolo. Isso
significa que, aos olhos dos cristãos, a pessoa é um pecador, que, de
acordo com a Bíblia, foi submetida por Deus à vaidade por causa de
sua rebelião contra seu Criador.
O pecado, a violação das leis de Deus, tem consequências diretas e
indiretas que explicam todo o comportamento bizarro dos
esquizofrênicos. É por isso que os cristãos devem recusar-se a ignorar
os dados bíblicos. A partir da perspectiva desses dados bíblicos, todo
comportamento defeituoso (que, para o cristão, é um comportamento
que não está de acordo com a lei de Deus) deriva em última instância
do comprometimento fundamental de cada ser humano no
nascimento, em consequência da corrupção da humanidade resultante
da queda. Não existem seres humanos perfeitos nascidos por geração
comum. Todos herdam a natureza caída de Adão, juntamente com
seus defeitos orgânicos e morais, que levam a todo comportamento
defeituoso (incluindo todo comportamento bizarro). Nenhum
aspecto de um ser humano, nenhuma função escapou dos efeitos
distorcidos do pecado. Até certo ponto, portanto, os mesmos
problemas vistos em esquizofrênicos são comuns a todos. As
diferenças residem em (1) quais funções corporais estão
comprometidas, (2) com que gravidade e (3) que respostas
pecaminosas de vida foram desenvolvidas pelo aconselhado.
Também é vital perguntar se o indivíduo foi redimido pela graça de
Deus, uma vez que a redenção envolve uma renovação gradual da
natureza humana (cf. Efésios 4:22-24; Colossenses 3:10).
A identificação do problema da esquizofrenia como uma dificuldade
teológica aponta para uma solução teológica. Da mesma forma, um
diagnóstico não teológico ("doença mental", etc.) leva a uma solução
não teológica. Rótulos errados apontam em direções erradas que, por
sua vez, terminam apenas em mais frustração. Esquizofrenia é um
rótulo psicológico ou psiquiátrico que leva a soluções psicológicas ou
psiquiátricas. Se, por outro lado, a investigação mostra que um tipo
específico de comportamento bizarro deve ser rotulado como uma
falha química (não resultante de pecado pessoal, como perda de sono,
mas exclusivamente resultado da queda), essa conclusão leva a uma
solução médica. Se indicar que o problema vem de uma vida
pecaminosa, o termo "pecado" aponta na direção de uma solução
teológica. É um erro grave sugerir, assim, que algo menos do que
Deus pode resolver um problema que fundamentalmente tem a ver
com a relação de alguém com Ele.
Portanto, a abordagem do conselheiro cristão começará com uma
tentativa de descobrir se o comportamento de qualquer aconselhado
é fundamentalmente resultado de defeitos orgânicos ou de
comportamento pecaminoso por sua parte. No caso de
comportamento bizarro, sempre que indicado, ele insistirá em exames
médicos cuidadosos para detectar qualquer mau funcionamento
glandular ou químico, danos cerebrais, problemas tóxicos, etc. Mas
quando ele estiver razoavelmente seguro de que (em essência) o
problema não é orgânico (ou que não é apenas orgânico), ele
aconselhará sob a suposição de que tal comportamento deve derivar
de padrões de vida pecaminosos. Ele estará ciente, é claro, do fato
vital de que o aconselhado é uma pessoa completa, cujos problemas
nem sempre podem ser divididos cuidadosamente nas categorias
orgânica e inorgânica (ou em categorias de interpretação errônea ou
enganosa). Muitas vezes, há elementos de ambos. E certamente o
orgânico afeta o não orgânico e vice-versa.
Quando Filipe quebrou uma cadeira no chão, atacou seu conselheiro,
chorou incontrolavelmente, lamentou-se em autocomiseração e falou
sobre ouvir vozes e fazer viagens em um disco voador, mais de um
problema estava por trás dessas dificuldades. Perda de sono, possível
mau funcionamento químico, doze anos de frustração com um
problema inexplicável, ressentimentos (e suspeitas) em relação a
médicos, psiquiatras e ministros, amargura por dezenas de
tratamentos de choque, uma construção de realidade severamente
distorcida, padrões pecaminosos de vida e institucionalização, tudo
influenciou e motivou pelo pecado, combinados para produzir o
comportamento bizarro.

A Conexão Coração-Corpo

O cristão sempre esteve ciente da natureza psicossomática (ou, como


ele poderia preferir chamar, hamartiagênica1) de muitas doenças
porque este fato é ensinado ao longo da Bíblia. Estudos em
biofeedbacks ampliaram nossa compreensão do grande alcance ao
qual o homem controla sua condição física. Parecem mostrar: (1) que
temos muito mais controle sobre nossas funções corporais (pressão
arterial, batimentos cardíacos, tono muscular, respostas galvânicas,
etc.) do que se percebia até então; (2) que somos, portanto, mais
responsáveis pela nossa condição orgânica do que suspeitávamos; (3)
que podemos controlar e somos responsáveis por muitas (se não
todas) as respostas glandulares e neurológicas que ocorrem em
algumas formas de comportamento bizarro. É inteiramente possível
que os processos químicos/elétricos que governam a percepção
possam ser controlados pela atitude, etc., de maneira que o homem
seja mais responsável por essas funções do que a maioria pensava.

1
*O autor parece utilizar o termo “hamartiagênica” afim de ser entendido como algo relacionado
à geração de pecado, causa do pecado ou algo relacionado à natureza pecaminosa.
Ou seja, crenças e atitudes (além de outros fatores) também podem
estar na raiz do mau funcionamento perceptual (interpretação
errônea da realidade).
O cristão, em harmonia com as promessas bíblicas (por exemplo,
Salmo 32:1,2; Provérbios 3:1,2,8,16; 4:10,20-22)2, afirmou que o
biofeedback fundamental necessário para problemas hamartiagênicos
são os próprios critérios bíblicos. A conformidade com padrões de
vida bíblicos, com os estados emocionais e atitudes que deles
decorrem, permite regular as funções corporais (embora
inconscientemente) de maneiras que promovem boa saúde. Por outro
lado, a falta de fazê-lo produz mau funcionamento. O princípio
bíblico de cuidar do corpo como “templo do Espírito Santo” significa
que ele não deve ingerir drogas alucinógenas que distorcerão a
percepção; isso também significa que ele não submeterá seu corpo
além de sua capacidade, expondo-o a uma perda significativa de sono
que poderia causar falta de percepção semelhante. O princípio “Não
deixe o sol se pôr sobre a sua ira” (Efésios 4:26) está cheio de
implicações relacionadas ao funcionamento saudável dos processos
glandulares e seus efeitos. Além disso, o princípio “Aquele que
encobre as suas transgressões não prosperará, mas o que as
confessa e deixa alcançará misericórdia” (Provérbios 28:13),
implica os benefícios fundamentais de uma consciência limpa de
maneira suficientemente clara para que não haja necessidade de se
expandir sobre isso. Essas e uma série de exortações e promessas
semelhantes, quando seguidas, promoviam uma vida saudável porque
o corpo era adequadamente regulado pelas atitudes que se
desenvolveram a partir da auto avaliação do comportamento. O
cristão pode ter conhecido pouco ou nada sobre o funcionamento do
corpo humano. No entanto, ele, não obstante, beneficiou-se vivendo
de maneiras que promoviam um funcionamento adequado. É justo
dizer que a vida cristã, por si só, preservará alguém daqueles processos
corporais prejudiciais que são controlados auto geneticamente e que
podem levar a comportamento bizarro. A vida cristã, é claro, não
impedirá ou contrabalançará tal comportamento quando ele for
2
O autor referenciou os textos bíblicos utilizando a “Tradução Berkeley”.
produzido indiretamente como resultado de defeitos ou colapsos
corporais devido a fatores puramente somáticos.
A grosso modo, então, podemos decompor a esquizofrenia em várias
categorias, como o ponto (1) visualiza. Tudo isso leva à convicção
cristã de que o homem é em grande parte (ou em muitos casos
totalmente) responsável por seu comportamento, mesmo quando
este tem natureza bizarra. Passagens como 1 Pedro 3.14 “Não vos
perturbeis por causa de suas ameaças” tornam-se ainda mais
significativos sob essas considerações. Não é impossível comandar o
controle das emoções. Por atitudes e ações adequadas, o cristão, sem
biofeedback, controla suas funções e estados corporais como Deus o
destinou. Exceto em casos relativamente infrequentes (como dano
cerebral) que são validamente orgânicos na base, o conselheiro cristão
busca lidar com a esquizofrenia da mesma maneira que lidaria com
aqueles que têm outros problemas resultantes de padrões
pecaminosos de vida. Nessa grande medida de responsabilidade
reside a esperança. O que é devido ao pecado pode ser mudado; não
há tal certeza se, como alguns pensam, a esquizofrenia é amplamente
devida a outros fatores.

Um Estudo de Caso

Quando Bárbara recebeu a desagradável notícia de que seu filho,


George, havia engravidado sua namorada, ela não estava preparada
para isso. Essa notícia veio após outros problemas não resolvidos que
haviam se acumulado na família, alguns dos quais eram devido ao
próprio pecado de Bárbara. John, o marido de Bárbara, telefonou para
um conselheiro noutético e descreveu a cena: ao ouvir a má notícia,
Bárbara havia ido para o quarto deles, sentada na cama e congelada
como uma pedra. Isso seria classicamente chamado de estado
catatônico. Ela havia permanecido na posição, olhando fixamente
para a parede, totalmente incomunicável, agindo como se estivesse
“desligada da realidade”, por sete horas. O conselheiro chegou e fez
três coisas:
A partir das informações coletadas com outros na casa, ele supôs que
não havia causa orgânica para esse comportamento.
Ele assumiu que Bárbara não estava desconectada da realidade e
poderia ouvir, entender e agir com base no que ele estava prestes a
dizer.
Ele então falou com Bárbara de maneira firme e amorosa, enfatizando
a esperança e emitindo um aviso. De maneira resumida, aqui está o
que ele disse:
“Bárbara, sei que você pode entender tudo o que estou dizendo, e quero que você
ouça atentamente. Primeiro, você está fugindo de seus problemas dessa maneira.
Isso está errado; não é a maneira de Deus lidar com as decepções e dilemas da
vida e criará apenas dificuldades maiores para você e seus entes queridos se você
persistir nisso. Não responder é pecado. Reconheço que seus problemas são sérios
e que você não sabe o que fazer com relação a eles. Não quero que você pense que
minimizo eles nem um pouco. Eles provavelmente são piores do que posso
perceber agora. No entanto, seu Senhor Jesus Cristo é maior, e se você me
permitir, ajudarei você a encontrar as respostas para eles em Sua Palavra.
Quanto mais cedo você começar a conversar, mais cedo poderemos traçar um
plano bíblico para resolver esses problemas. Mas, além de sua disposição para
enfrentar a situação da maneira de Deus, não há esperança.”

Bárbara mexeu-se um pouco, mas não respondeu. O conselheiro


prosseguiu descrevendo as alternativas:
“Se você não enfrentar seus problemas, você forçará John a tomar a única outra e
muito mais desagradável ação que está diante dele. Primeiro, será necessário que
ele a deixe sentada aqui por um dia como você está. Você perceberá que a falta
de comida e necessidades sanitárias tornará a situação extremamente
desconfortável. Se, mesmo sob essas circunstâncias, você ainda não se mover, John
só pode fazer mais uma coisa: ele terá que te enviar para uma clínica de doentes
mentais. Você tem ideia de como é viver em uma clínica de doentes mentais?
Deixe-me descrever...”
Não demorou muito para que Bárbara cedesse durante essa
descrição. Ela chorou aliviada e, em seguida, desabafou a história de
suas decepções, raiva e medos. Como resultado, o conselheiro
conseguiu ajudá-la a enfrentar esses problemas do modo de Deus.
Como se pode perceber neste caso resumido, grande parte do
comportamento aparentemente bizarro (se não a maioria) não é
bizarro para a própria pessoa. O comportamento faz sentido para
ela do seu ponto de vista. Até mesmo os conceitos originais de
esquizofrenia de uma separação entre afeto e comportamento (e/ou
discurso) são explicáveis com base nisso. Não há separação para o
aconselhado; o afeto e o comportamento parecem estar fora de
sincronia apenas para o conselheiro. Portanto, falar das evasões,
suspeitas, sorrisos bobos e risadinhas do esquizofrênico é falar
como alguém que está avaliando o comportamento de outro a partir
do ponto de vista que, em alguns momentos, pode ser dados
completamente diferentes. Aqui, Bárbara não sabia o que fazer,
então ela não fez nada. Ela tinha medo de que qualquer ação que ela
tomasse piorasse em vez de ajudar a situação, então ela não tomou
nenhuma ação. Ela estava com raiva, seu orgulho estava ferido, mas
em vez de revelar isso nos surtos que ela temia de que essas
emoções pudessem causar, ela reprimiu seus sentimentos ao ponto
de ficar imóvel. Foi um comportamento errado, mas não irracional;
a lógica por trás disso é clara.

A Perspectiva do Aconselhado

Para uma pessoa com dificuldade de percepção resultante de mau


funcionamento químico, o mundo pode parecer completamente
distorcido. As cadeiras podem parecer voar do chão em direção à
cabeça da pessoa, as luzes podem pulsar de maneira estranha, os
rostos podem parecer grotescamente distorcidos, etc. Dada tal falta
de percepção, as ações da pessoa, embora estranhas ou bizarras do
ponto de vista de um observador, para o aconselhado não são
estranhas, mas explicáveis. Proteger-se de uma cadeira voando ao
saltar do seu caminho é um comportamento racional, mas parece
absurdo e irracional para alguém que não percebe a cadeira como se
movendo de forma alguma. Na verdade, com o tempo, sua
racionalidade pode ser questionada pelo próprio aconselhado.
Afinal, a cadeira nunca chegou!
Claro, todo esse comportamento bizarro pode ser simulado para
parecer insano. Há uma convicção crescente de que grande parte do
comportamento bizarro deve ser interpretado como camuflagem
destinada a desviar a atenção do comportamento desviante. A
explicação de muito comportamento como encobrimento ou
camuflagem ocorre mais ou menos assim: um comportamento
bizarro em algum momento do passado (talvez muito no passado)
foi recompensado positivamente quando conseguiu desviar a
atenção do comportamento desviante. O comportamento bizarro
desse tipo deve ser visto (como todo outro comportamento
pecaminoso) como o produto de um “coração enganoso” (cf.
Jeremias 17:9). Portanto, em ocasiões subsequentes, a pessoa
novamente tentou se esconder por trás de ações bizarras e descobriu
que frequentemente esse truque funcionava. Se isso ocorresse com
bastante frequência, um padrão desse tipo de ação era estabelecido.
O comportamento bizarro então se tornava o meio natural
(habitual) ao qual ele recorria sempre que pecava.
No entanto, tal comportamento, embora frequentemente bem-
sucedido no início (com frequência suficiente para se tornar um
padrão profundamente gravado e, assim, o primeiro recurso quando
se faz algo errado), não continua a funcionar tão bem como no
passado. Conforme a pessoa cresce da infância para a adolescência,
por exemplo, ela encontra mais dificuldade em se esconder. Agora,
espera-se que ela dê explicações racionais para seu comportamento.
Em vez de mudar, a pessoa dominada pelo hábito tentará continuar
a recorrer ao comportamento bizarro como sua solução. Mas
repetidos fracassos em tentativas recentes, com o tempo, o forçarão
a fazer alguma mudança. No entanto, mesmo assim, ele não muda a
natureza de sua resposta, mas sua intensidade. Assim, para continuar
a encobrir seu comportamento, suas ações se tornam cada vez mais
bizarras. Se o padrão não for quebrado, seu comportamento
eventualmente se tornará tão desviante que, no final, a sociedade o
institucionalizará. Dessa forma, o comportamento pode se tornar
totalmente inaceitável em um período muito curto.
A longo prazo, o aconselhado percebe que tal comportamento,
mesmo quando o esconde da detecção, na verdade não é bem-
sucedido. À medida que suas ações se tornam mais bizarras, ele
percebe que seu comportamento tende a isolá-lo. Seus contatos
sociais são rompidos, e a sociedade de que ele precisa
desesperadamente se afasta dele enquanto ele se esconde dela. Ele
sabe que está vivendo uma mentira, e sua consciência provoca
respostas psicossomáticas dolorosas. Assim, finalmente, ele se torna
uma pessoa muito infeliz, externamente isolada e alienada dos
outros, e internamente dilacerada.

A Escolha do Aconselhado

Steve era um jovem universitário que o escritor conheceu em uma


instituição mental em Illinois. Steve havia sido diagnosticado por
psiquiatras como um esquizofrênico catatônico. Ele não falava,
exceto minimamente, e se movia como se estivesse em um estado de
estupor3. Ao sentar-se, ele ficava congelado em uma ou duas posições.
No início, a comunicação com Steve parecia impossível. Ele
simplesmente se recusava a responder a perguntas ou a qualquer tipo
de abordagem verbal. No entanto, os conselheiros disseram a Steve
que sabiam que ele entendia completamente o que estava

3
O “estupor mental” é um termo utilizado na área da psicologia e psiquiatria para descrever um estado de
diminuição da atividade mental e da capacidade de resposta emocional. Indica um estado em que a pessoa
parece estar em um estado de transe, com uma falta de reatividade a estímulos externos e uma aparência geral
de inércia mental e física. Pode ser caracterizado por uma falta de expressão facial, imobilidade, silêncio
prolongado e falta de envolvimento com o ambiente ao redor. No contexto descrito anteriormente, o
aconselhado Steve foi descrito como “catatônico” e em um "estupor mental", o que significa que ele estava
exibindo comportamentos consistentes com essa condição, como falta de resposta, movimentos lentos e falta
de expressividade emocional.
acontecendo, que embora pudesse ter enganado os outros - o
psiquiatra, seus pais, as autoridades escolares - ele não iria enganá-los.
Eles asseguraram a Steve que quanto mais cedo ele começasse a se
comunicar, mais cedo ele poderia sair da clínica. Steve permaneceu
em silêncio, mas foi permitido que ele continuasse como parte do
grupo, observando o aconselhamento dos outros. Na semana
seguinte, os conselheiros se voltaram para Steve, e por mais de uma
hora trabalharam com ele. Steve começou a se desmoronar. Suas
respostas hesitantes indicaram que ele entendia claramente tudo. Não
havia motivo para acreditar que ele tinha se afastado da realidade.
Conforme Steve começou a responder, os contornos gerais de seu
problema surgiram. Mas na terceira semana ele desmoronou
completamente. Steve não tinha distúrbios mentais nem problemas
emocionais. O problema de Steve era difícil, mas simples. Ele nos
contou que, porque havia passado todo o seu tempo como assistente
de palco de uma peça em vez de estudar na faculdade, estava prestes
a receber uma série de comunicados de reprovação na metade do
período letivo. Isso significava que Steve ia falhar. Em vez de
enfrentar seus pais e seus amigos como um fracasso, Steve camuflou
o problema real. Ele havia começado a agir de maneira bizarra e
descobriu que isso confundia a todos. Achavam que ele estava em um
estupor mental, desconectado da realidade - mentalmente doente.
Steve havia feito esse tipo de coisa muitas vezes antes, mas nunca de
forma tão radical. Ao longo dos anos, Steve desenvolveu
gradualmente um padrão de evasão para o qual recorria em situações
desagradáveis e estressantes. Quando a crise na faculdade surgiu, ele
naturalmente (habitualmente) recorreu ao seu padrão. O problema de
Steve não era doença mental, mas culpa, vergonha e medo.
Enquanto conversava com os conselheiros, Steve reconheceu que
eles estavam pedindo a ele para tomar a decisão básica que ele havia
buscado evitar anteriormente. Steve sabia que agora ele precisava
decidir se ia contar a verdade para seus pais e amigos e sair da
instituição mental, ou se ia continuar blefando. Quando saímos, na
quinta semana, Steve ainda estava trabalhando nessa decisão. Ele
estava realmente formulando a pergunta a si mesmo com estas
palavras: "Seria melhor continuar o resto da minha vida assim ou
voltar para casa e enfrentar as consequências?"
Ao trabalhar com Steve, ficou claro que quanto mais os outros
tratavam Steve como se ele estivesse doente, mais culpado ele se
sentia. Isso acontecia porque Steve sabia que estava mentindo. É
importante para os conselheiros lembrar que, sempre que os clientes
se camuflam, sempre que eles se escondem para evitar a detecção,
sempre que fingem estar doentes quando não estão, o tratamento
como se pudessem ser desculpados por sua condição é a coisa mais
cruel que se pode fazer. Tal abordagem apenas agrava o problema.
Quando Steve foi abordado por aqueles que o responsabilizaram, ele
respondeu. Pela primeira vez desde sua internação, ele ganhou algum
autorespeito. Ele começou a falar sobre sua condição.
Contrariamente ao pensamento contemporâneo, não é
misericordioso ser não-julgamental. Considerar tais aconselhados
como vítimas em vez de violadores, ou considerar seu
comportamento como neutro ou não censurável, apenas aumenta a
mentira deles e aumenta a carga de culpa. Tal tratamento, explicou
Steve, tinha sido para ele pura crueldade por causa da angústia mental
e do sofrimento que causava. Nada doía mais, ele disse, do que
quando seus pais o visitavam e o tratavam gentilmente, como uma
vítima inocente das circunstâncias.

Esperança em Meio ao Desespero

Muitas pessoas com problemas graves o suficiente para serem


rotuladas como esquizofrênicas são pessoas que (se seu
comportamento for autogênico4) estão desesperadas e que já
chegaram a um ponto em que estão dispostas a tomar medidas
radicais para resolver seus problemas. O próprio comportamento
4O termo “comportamento autogênico” não é comum no vocabulário da psicologia ou psiquiatria. No
contexto em que foi usado, parece se referir a comportamentos que surgem internamente, dentro da própria
pessoa, em contraste com comportamentos induzidos ou provocados por fatores externos.
delas é evidência desse fato. Aqui está a esperança para o conselheiro.
Uma pessoa em desespero pode estar idealmente preparada para uma
mudança dramática. Os casos aparentemente mais difíceis
frequentemente proporcionam oportunidades únicas. Mudanças
profundas na vida frequentemente são registradas. Isso não deve ser
considerado estranho: uma pessoa com um arranhão vai se contentar
com um curativo; alguém com câncer se submeterá a uma cirurgia
radical. Na providência de Deus, muitas vezes as pessoas que
chegaram ao fim da linha estão finalmente prontas para se agarrar a
Ele.
Ao reconhecer a racionalidade desse comportamento, o cristão
procura penetrar nos fatores envolvidos em cada caso
individualmente. A estes, ele traz soluções baseadas nas Escrituras.
Ele se recusa a agrupar todos os casos em uma categoria simplista. Ao
fazer isso, ele tenta a todo momento começar com a boa nova da
salvação e, em seguida, passa às implicações e aplicações específicas
dessa solução básica que são apropriadas para as circunstâncias de
cada caso. A pressuposição de que a salvação oferece a solução básica
para os problemas humanos também o levará a combinar
evangelismo e aconselhamento sempre que indicado e sempre exigirá
soluções de segundo nível que surjam e sejam totalmente consistentes
com os princípios bíblicos.
A esquizofrenia, para o conselheiro distintamente cristão, não
apresenta mais nem menos desafio do que qualquer outro problema
envolvendo o pecado original, o pecado pessoal e as consequências
de ambos. Ele acredita que os recursos fornecidos nas Escrituras,
combinados com o poder de Deus por meio de Seu Espírito, são mais
do que adequados. Como as Escrituras mesmas dizem: “Onde o
pecado aumentou, a graça superabundou” (Romanos 5:20b,
NVI).

– Jay E. Adams

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