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UMA BRINCADEIRA DE CAVALO-MA RINHO


RECORRÊN CIAS ESINGULARIDADES

tum a ser rea liza da dur an te as ft<i -


A bri nca dei ra do cavalo - ma rin ho cos
Las de cid ade , nas rua s, em cel ebr
açã o aos san tos católi cos o u em dat a.s
o-s e ent re os meses de dezem bro
cívicas com e mo rati vas . Co nce ntr and
is num ero sos e gar ant ido s pelas
e janeiro, qua ndo os con tra tos são ma
No rte de Per nam bu co, as bri nca-
prefeituras locais da Zo na da Ma ta
jun to de ativ ida des que envolvem
deiras aco nte cem em me io a um con
ida s típicas, par que s de div ers ão e
missas, pro ciss ões , jog os de azar, com
o cha ma do ciclo natalino.
trios elétricos, int egr and o des sa for ma
sid era do ma is apr opr iad o par a
De ntr o dos eng enh os, o per íod o con
iro sáb ado de jul ho até me ado s do
a sua realização se est end ia do pri me
da can a-d e-a çúc ar e da est iag em
mês de março, épo ca da ent res saf ra
chu vas , o que fac ilita va sua rea liza ção, um a vez que a bri nca dei ra
das
acontece ao ar livre (M urp hy, 1994).
com o afir ma m alg uns bri n-
Nu m pas sad o rem oto , no ent ant o, tal
-m arin ho tod o sáb ado , dur ant e o
cadores, era com um bri nca r cav alo
se con tex to, cad a bri nca dor tin ha
ano inteiro, nos terr eiro s de casa . Nes
dos ensaios, que, ao con trár io das
direito a um a bri nca dei ra, os cha ma
ese nta çõe s con trat ada s, não era m rem une rad os, ma s aco mp anh a-
apr
rec ida s pel o don o da casa. Mais
dos de com ida e beb ida , ger alm ent e ofe
aci ma me nci ona do, a bri nca dei ra
recentemente, já res pei tan do o ciclo
ian tes locais, bic hei ros e peq uen os
costumava ser con tra tad a por com erc
proprietários da região.
no me io da rua , num esp aço
O cav alo -ma rin ho cos tum a aco nte cer
dia s de festa. Nã o pos sui dur açã o
de circulação inte nsa , sob ret udo em
lug ar fixo par a aco nte cer . É um aco rdo ent re os bri nca dor es e o
nem
de dono da casa, que vai de-
organizador da festa, cha ma do tam bém
cas o da dur açã o, é fator determi-
cidir a sua localização e dur açã o. No

r,

~ 57

I
n,rntc o inlcrcs '>C d a aud i ém ia, a')<-iirn corn cJ ;,i di'J)' .
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11
br i1ic êl dorcs. ' ,· J,,

SuJ for ma J c orga ni zaça u pr ivilcgiacia ,~,1 n,cL.1 . ;.. lr;( _,, 1
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ma levar cm co nl a a proximidad e de alg uma c.">p<'·r ic cJr.· ( il l J' [ 1


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co ntribu i para êl perm anência do pú bli co qu e, au lrm 1i,' ) eI· r,r J i 1'
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me com ida e, principalm ente, bebid a. O banco C( J<., ! tiin ·ri ,,( jJ ()' r ';,, ';
de (rente para uma ru a comprida, favo rece ndo a ch,,u,:1c.l ·i:.1 l ;-i •• ·1• ' ·j ' ' 11,
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fi guras . O chão con sid erado m ais adequ ado é o J c a~ta lL0 ,r1ir ,, rL,
. . ' I b. d · . <;u p,u,il( ·1,
pípedo, mas, quan do mev1tave , a rrn ca eJra acon tece 17 lJJiJ dld(_ ·' ! 1 1
.
terra batida, para desespero dos toadeiros, qu e depend em ci -:i rc<-.J\lu1 '
r. (-4

da sua voz. Num tipo de brincadeira extens a como essa "com. _· 1


"

' lr prie: ir·,


prejudica muito o desempenho vocal ao longo da noite. ,1

A brincadeira raramente ocupa o centro da fes ta. Não por eiaJ ta de


vontade dos seus brincadores, mas por conta de uma determjnaça~o que
parte da própria organização da festa, indicando o lugar qu e cada bri.n-
cadeira terá dentro dela. Esse aspecto possibilita a compreensão sobre 0
lugar simbólico que o cavalo-marinho vem ocupando nas festividades
das quais ele participa. Seu caráter periférico só costuma perder para a
ciranda. Ao menos foi isso que pude observar nas festas nas quais estive
presente. A diferença é que a ciranda costuma contar com amplificação,
através de carro de som e microfone, o que contribui para reunir bastan-
te gente em rodas que variam de tamanho, mas quase sempre dificultam
o acompanhamento sonoro da brincadeira vizinha, contribuindo para a
diminuição da resistência física dos brincadores de cavalo-marinho ao
longo da noite.
O número de grupos de cavalo-marinho em atividade na Zona da
Mata Norte de Pernambuco varia de acordo com diversos fatores: inte-
resse dos seus integrantes pela sua manutenção, condições de contrato,
relações entre os brincadores, entre outros aspectos. No período de re-
alização desta pesquisa, foram identificados dez grupos em atividade,
dos quais foram contactados apenas cinco. Um de Itaquitinga, um de
Aliança, um de Condado, um de Camutanga e um de Olinda , Região
Metropolitana do Recife. Esses grupos são formados por quinzeª. vinte
integrantes, ligados por relações de parentesco, vizinhança ou amizade.

1
58 ~ VIVA PAREIA' 1 Maria Acselrad
I
1
1

.,,1
>

A manutenção dos trajes, das máscaras, das armações de bichos


mas também da relação entre os brin ca dores são de responsa biJidad~
do dono, que às vezes acumula a função de Mestre da brincadeira. A
diferença entre essas duas funções é que o dono costuma cuidar das
questões mais administrativas, como fechamento de contratos e reali-
zação de pagamentos, enquanto o Mestre atua dentro da brincadeira,
como organizador da chegada das figuras, na interlocução com elas e
com os músicos do banco. Embora sejam atribuições muito distintas, é
comum encontrá-las centralizadas numa mesma pessoa, o que costuma
sobrecarregá-la, uma vez que a manutenção de uma brincadeira como
essa é tarefa bastante difícil. As mudanças, no que diz respeito ao tempo
e ao espaço de realização do cavalo-marinho, assim como no seu re-
conhecimento, nas festas de cidade, seriam responsáveis pelo aumento
na dificuldade dessa manutenção, sempre destacada pelos brincadores
como verdadeiro obstáculo para sua realização.
Cada brincadeira é única. A ordem das figuras, as loas declamadas,
as toadas que vão se sucedendo e anunciando a evolução das danças, a
participação da audiência, o ambiente festivo são alguns dos fatores que
determinam a dinâmica de uma brincadeira de cavalo-marinho que,
mesmo respeitando regularidades, é tecida com as linhas do improviso,
o que contribui para produção de inesperados. O cavalo-marinho se
estrutura a partir de uma constante troca de informações, afinidades e
diferenças veiculadas, principalmente pelo trânsito de brincadores. O
vínculo de um brincador com um grupo deve durar ao menos uma tem-
porada, ou seja, um conjunto de festas previamente acordada naquele
ano. Mas, como esses compromissos são suscetíveis a mudanças inespe-
radas, por alterações no contrato por parte das prefeituras, por exemplo,
os brincadores também podem deixar de brincar por motivos variados,
que podem incluir desentendimento pessoal com o dono ou Mestre, re-
muneração insuficiente ou períodos de maior ou menor envolvimento
com a bebida.
A participação da audiência, interferindo, incentivando, reclarnan ~
do, provocando, tainbém altera o desenvolvimento da brincadeira. E
importante destacar igualmente que as danças, as músicas e os diálo-

'1

Urna brincade ira de ca v alo-ma rinh o - recorrênc ias e singul aridad es ' 59
r-
ncntc ,,
)cr transm it id os ,eu,: .rl1d .
. , ~ e m cm ,1 1 i ,
. cos tum am , . té cn 1c as cr..,pccJ1Jcc1 . · , ,, ,
. presente s • • em prall ca .,
gos ,1 l 1 ·d de hi sl <J rj ca ) cs 1.,as rnfor .m~1r <,( 1(, , ,11 i
~ mes mo postas . . .
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A m é11 or ia elo -, br rncdd()r c (_ ,·'- ,1. .
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op era çoes a m 1 . d e <iac> u 1 i l ,_.
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. d ·, encontram-seia du rante o processo de aprcndiz adu fa 1.c, iur, J
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de e impo 1 anto e domm10 da es cn ta e da Je1 a1~
dos g conhec un . O _)
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com que O e l d e um a 1·d ent1.dad t ciu.
1a ar
secundário. valo-mar in h o p arec e
é
te s dr a
A estr utura do erid ª ad e. A pe rm ea bi lid ade constituti va da s ar
,. lte )
se co ns tro 1co m a
que elas de pe nd em da presença do s su;·eito
, . se de ve ao fato de co nt~x to no qu al se en-
mat1cas tecer, as si m co m o d
_ o
que a integr am para acon se r 1n flu en oa da s. O surgim en-
qual costum am
cont ra m inseridas e pelo e o lugar que o cavalo -mar
inho
ve rs ão na re gi ão
to de no vas formas de di ca is ta mbém coloca a brincad
ei-
to da s fest as lo
vem ocupando no contex a es tr ut ura, assim , en contra -se
tante ne go ci aç ão . Su
ra num lugar de cons
a mudanças.
co mo sempre suscetível pe ri m en ta çã o, de tran sp osição de
pa ço de ex
A brincadeira é um es lo re s estéticos que recon-
e de re af irn 1a çã o de va
limites, de reordenação fa ta lid ad e m óvel, discutido por
o co nc ei to de
figuram o todo. Por isso, ar in ho um a possível representa -
ra no ca va lo -m
Ortega y Gasset, encont
de que:
ção. Essa noção dá conta

itu de co ns tit ut iv a do homem nã o se pa-


A limitação ou fin
m ai s fin itu de s qu e existem no Unive rso,
rece em nada com as de a finitude
o pa ra do xa l e in qu ieto caráter de ser um
mas que tem so lut o,
gu ém po de di ze r do que o homem é, em ab
n
~ <lefinida. N in so men-
rr el at iv am en te do que será capaz. Cabe
incapaz nem co sua
d · a fr on te ir a m om entânea entre
te delinear e m ca a instante
ip ot ên ci a qu e im ag in a (Ortega Y Gasse t,
impotência real e a on ·
1991 , p.87 ).

.
VIVA PAREI A'. 1 M an a Acse!ra d
.
Esse co nce it o, "grac iosa m ent e con lracl itório", a rti c ul a f1n ,tudc C()m
_ ·t1 il id,.1de, im po tê ncia co m a o nip o tên cia, o se r com o n ~10 '.:>C r pél ra
~)OSS I _ . . .
.. . J -1 dimensc10 c ri a ti va d a vJ.da. Na rn es m a ob ra, o autor a fir m a que
1 l',l t,ll '
tigo quanto o prime iro u ten sílio d e tra balho é a m ásca ra . ísto e'.: '
t..iO a 11 .
tir do momento en1 q ue o h o m e m adqu iriu a co nsc iénc ia e.l a rc-
~1 pa r
aii dade na qual se en contrava, d e u-se co nta tam bém d a possibili dad e
de transfor m á- la ou p ercebê-la d e uma pe rsp ec tiva d ifere n te. Trabalh o,
brin cadeira , socied ad e seriam , p ortanto, fo rmas d e orga ni zação m ovi-
das por essa f atalidade móvel, mediante regras o u regul arid ad es criadas
e recriadas, num p rocesso de constante transfonna ção.
O cavalo-marinho é o resultado de uma interação entre diversos fa-
to res. Uma combinação particular e histórica que propicia, a cada n oite,
res ultados diferentes. A presença e a relação que se estabelece com a
brincadeira são condições fundamentais para a sua realização. Por isso,
uma transitoriedade estrutural, aqui, deve ser compreendida como ele-
mento altamente constitutivo e determinante de um tipo de prática cul-
tural que tanto depende dos sujeitos envolvidos.
A partir deste momento, proponho fazer uma relação dos elementos
que constituem as etapas que estruturam o ritmo 10 do cavalo-marinho.
Ritmo, e não estrutura, pois, apesar de ambas as noções compartilharem
a ideia de divisão, o fato de as etapas da brincadeira serem chamadas de
partes ou passagens e não implicarem necessarian1ente em uma sequên-
cia predetern1inada sugere que u1n dos elementos mais característicos
num cavalo-marinho é a forma como ele é repartido e interligado ou,
ainda, combinado e experimentado a cada noite.
Um cavalo-marinho se inicia com o acerto da brincadeira. Os brin -
cadores afirmam que já faz muito tempo que a brincadeira acontece
mediante pagamento. Sem dúvida, ele é sempre insuficiente, principal-
mente se levarmos em conta a quantidade de pessoas envolvidas e as
10
~or ritmo , entendemos aqui o qu e Jea n -Jacq ues Wü nenbu rg e r (19 96) c ha ma d e organ iza-
çao diferenciada e rep etitiva de um rno vimen to . O rit m o não é so m e nte u m objeto d e co -
nhe_cimento, mas o s ujeito mesmo do pen same nt o , na me dida em que, longe de se r um
ícnorneno na tural já constit u ído, so bre o qu a l é precis o estabel ece r a causa, a forma e os
efeitos ' e le é a ma t ri·z es pa ço-te mpo ral d o pe ns amento me s m o na sua a ut oa f ecçao- e au t or-
rep rese ntaçà º· N o ritm· o en co n tram -se qu e stões de es pa ço, d e t em po , d o e u e d o out ro, d e
0rd
em e desorden1. Se u e st udo é urn a re fl e xão so bre a vida do pensame nt o .

Uma brincadeira d e ca v alo - marinh o - reco rr ên cia s e singularida d es ~ 61


[.rcq uen tes disc ussõe
, s decorrentes d. e ~c u atra ~o ou val(i r· () ,1irrJ lJl CJ n-
do reco nh ecim ento atribuí do ao brinqu .edo semp re foi ll'.méi d(: r
nas relaçõ es entre brincadores, reperc utindo _na dcc1.sao \obrl: C(JJ1li ri n 11 t t.cJ

nu;11
O Ll na
-
. 0
a brinc
·
ar num deter minad o gr upo. D1fercnle da época l'.m
ljlll:',l :
brinc ava todo sábado, no terreiro de casa, sem perspecti va de pagar
n u,
to ou contando apenas com a contribuiç ão da audiên cia. Ou quand
()
antes ainda, 0 cavalo-marinho era mais uma brin cadeira do "temp
o d~
nego cativo", quando se costumava brincar «pelo amor da coisa".
Com dia e lugar marcados, o dono do caval o- marinho pod e come
-
çar a espalhar a notícia. Alguns brincadores merecem visita espec
ial.
Outros são avisados por recado enviado através de pessoas próxi
mali.
O papel desempenhado na brincadeira e a qualidade da relação
com 0
dono, assim como a dificuldade de acesso ao local de moradia
de um
brincador, são alguns dos motivos que podem tornar uma visita absol
u-
tamente necessária. Para aqueles que moram em outras cidades, o
reca-
do costuma chegar por telefone, geralmente um orelhão compartilh
ado
por toda a comunidade.
A visita também pode se dar de acordo com o orgulho do brincador,
que pode se mostrar magoado quando sabe de uma brincadeira por
ter-
ceiros. Relações mais longevas costumam revelar, frequentemente,
esse
tipo de melindre, que o dono do cavalo- marinho procura, com
todo o
cuidado, evitar. O cuidado, como vimos, faz parte da relação de confia
nça
que permeia a brincadeira e começa a se desenhar já na fase do seu
acerto.
Outro motivo que merece visita é no caso de doença ou estado
de
fragilidade decorrente do abuso da bebida por parte de um brinc
ador.
Muito comum na região é o alto consumo da cachaça. Parte consi
dera-
da mais suja da cana, retirada do caldo durante o cozimento (And
rade,
1986), a cachaça é muito barata e acessível. É a bebida, por
excelência,
que acompanha a brincadeira. No entanto, seu consumo exagerado
cos-
tuma trazer graves consequências, não apenas para a saúde dos
brin-
cadores, como também para a sua relação com a brincadeira.
A falta
de responsabilidade em relação às apresentações ou cenas de absol
uto
descaso com o próprio instrumento já resultaram em quebra defini
tiva
de laços de confiança entre um Mestre e um brincador, por exem
plo.

il
62
) VIVA PAREIA' 1 Maria Acse/rad

d
, ·te que não imped iu a vis ita do Mc~trc de ou lro gru po ao referido
[-ci ln es ..
. dor na espe rança de que ele parlJc1pas~e de ~ua pró pria brinca-
br1 nca
(e
. . E mais: qu e voltasse a tocar e parasse de beber, já qu e era Lâo bem
1 11 a.
cons1•tiera do en tre os demais tocado res.

Nessa visita, qu e pude prese nciar, mos trou-se evid ente o quanto a
ma ni festação de cuidado desse tipo pode desencadear o processo de re-
cuperação do vínculo do brincador com a brincadeira. Essa é uma atitu-
de esperada de um dono de cavalo -marinho, que tem o dever de cuidar
e conquistar seus brincadores. O contrário costuma gerar um a séri e de
desentendimentos que, se não forem desfeitos, criam fronteiras intrans-
poníveis nos relacionamentos, prejudicando, muitas vezes, a realização
da brincadeira.
Com os brincadores devidamente informados, já se pode começar a
pensar nos preparativos materiais. O traje dos galantes é lavado; os ins-
trumentos e as máscaras, reunidas; e as armações dos bichos, apruma-
das. Essas tarefas são de incumbência do dono do cavalo- marinho ou
do Mestre, quando este acumula a função de dono. Já o traje de Mateus
e Bastião; os elementos de cena, como bexigas e chapéus; e os instru-
mentos , como a rabeca, merecem o cuidado especial de seus próprios
brincadores.
O dia da brincadeira é um dia atípico. Parece nitidamente maior. É
um dia de poucos deslocamentos na casa de Biu Roque, que, no máxi-
mo, sai para acertar o horário do caminhão. As horas passam vagaro-
samente , enquanto os brincadores chegam, ao longo de todo o dia. Os
que moram mais longe e os que são mais íntimos chegam mais cedo,
juntando-se aos parentes de Biu Roque, dentre eles, alguns brincado-
res. Comem juntos, jogam dominó, fumam, conversam e trocam piadas.
É comum também acontecer uma roda de mergulhão durante a tarde.
Com o cair da noite, chegam os demais brincadores.
Quando Biu Roque ainda morava no Sítio Tabajara pertencente 11
,

à Usina Sta. Teresa, era num escuro quase absoluto, iluminados apenas
11
N~ deco rrer da pesquisa, Biu Roque se mudou do Sítio Tabajara , area rural do dist rito de
Cha do Escon so, em Aliança, onde permane ceu como último morador, e foi viver nas rua s
desse mesmo di strito . O termo rua é utilizado para designar as localidades ou aglomerado
s
mais urbanizados na regiã o.

Uma brincadeira de cavalo-m arinho - recorrências e singularidades ~ 63


pe1a 1uz d a Lu a e de alg u ns po uc os ca nd eeiro~, qu e os
h rii C' ,
peravarn O CªIn inh ão ' se. nt ad os do lad o d e for a da Cêi '-i a ele <.tu cir i_:,f....
1

. rf'"•11~1. '-.:
c1.d a de de lta qu iti ng a, vista ao lon ge - cid ad e on de ' \)d I; ,,
aco nL ecl '. a _, .
das br inc ad eiras desse cava lo- 11i a11 -- ,.
n1 ar in ho. 1

im pr essão de tem po d ist en d id o , 'u


A qu e se pe rc ebe nts se -i d.
br inc adeir a tem alg un s mo tiv , . ,
la'-, Ot..:
os. Um d eles e qu e o dia nu
co mo Ch ã do Es co ns o, co me m ba irr o rural
ça realm en te b em m ais ce do
da de . Os ne tos de Biu Ro qu e, do que na ci '.
po r ex em pl o, ac or da m po r
e me ia da ma dr ug ad a pa ra volta da s dua'->
tra ba lh ar no ca navial, en q
mo rad or es da casa co me ça m ua nto os outro -,
a se lev an tar p or vo lta da s tré
pr ep ara r O café, ali me nt ar os s e me ia par a
bi ch os , lav ar ro up a, va rre r o
da lav ou ra, en tre ou tra s tar efa qu int al, cuidar
s. Po r isso, me sm o qu e ne m
pa rti lh em de to da s essas ati tod os com-
vid ad es , o há bi to de ac or da
são co mu ns na região, e o sil r e do rm ir ced o
ên cio do ca ir da no ite co stu
a um pr of un do ca ns aç o pe lo ma est ar ligad o
qu e se fez du ra nt e o di a e à ex
qu e a no ite ain da res erv a. pectativa pel o
Em bo ra o ca mi nh ão atr as e,
in va ria ve lm en te , co m o pa ssa
po, o cli ma de ex pe cta tiv a va r do tem-
i se ad en sa nd o. Os ma is ve
pe cia lm en te qu iet os , en qu an lho s fic am es-
to as cr ian ça s e os ad ol es ce
vez ma is im pa cie nte s. Essa sit nt es ficam cad a
ua çã o re nd eu bo as co nv ers
as su nto s ge ral me nte lig ad os as , envolvend o
ao s se nt id os da br in ca de ira
A ch eg ad a do ca mi nh ão de se .
nc ad eia to da um a mo vi me nt
tiva e cu id ad os a, tan to co m ação obje-
os ele n1 en tos cê ni co s qu an
as, as qu e vã o e as qu e ficam to con1 as pes so-
. M ar ia José An tô ni o, ma is
D. M ar ia, a mu lh er de Biu Ro co nh ecid a co mo
qu e, ac o1 np an ha da de um a
às br in ca de ira s, e isso co stu filha , nunc a vai
m a ge ra r di sc us sõ es ac alo ra
in se gu ra nç a qu e re pr es en ta da s po r cau sa da
fic ar em ca sa se m um a figur
qu e ni ng ué m se di sp õe a tan a ma sculin a, já
to , mu ito m en os Bi u Ro qu e,
ma s ten tat iva s sen1pre di ss ua apesar de algu-
di da s pe la ma io r pa rte do gr
O sít io de Bi u Ro qu e, de on up o.
de o ca va lo -m ar in ho sa iu mu
é O ma is afa sta do do ce nt ro itas vezes,
de Ch ã do Es co ns o, di str ito
in un icí pi o de Al ian ça . Fi ca pe rte ncente ~o
pr ati ca me nt e ce rc ad o po r
tem ele t nc . i. d d ca naviais e na~
a e, o qu e di.fic ul ta n1uito l - de possíve is
o ac es s o e a so uçao

64 ) VIVA PARE.I A'


Maria Acse lrad
. -~,jstos. Esses fa tores é que torn avam, antes da sua mudança para a
1n1p1 e\ . . . . . ,

rt/{1, q (
uase toda par tida do cavalo -mann ho conflitu osa, mas I ncví tavc l.

A subida no caminhão, com a disputa peJos melhores lugares, rc-


ve l,,,, Lim a dis tribuição espaciaJ que quase sempre é a mesma: mulh eres
na boleia, crianças e homens mais velhos em pé na parte da frente e
os, homens mais jovens nos cantos e amontoados na parte trase ira. Jn i-
ciahnente belo e impactante, debaixo de um céu estrelado por entre os
canaviais, o deslocamento em direção à festa vai se transform ando. A
maioria dos motoristas corre muito nas estradas, provocando frio, além
de sobressaltos causados pelo impacto dos buracos no chão. Tudo isso
é amenizado quando o samba começa, de forma entusiasmada, ainda
dentro do caminhão.
Depois de passar por muitos bairros e municípios próximos para
buscar os demais brincadores, o fim da viagem se dá na entrada prin-
cipal da cidade ou perto da rua onde vai acontecer a brincadeira. Uma
dispersão do grupo acontece nesse momento. Alguns vão reunir o mate-
rial de cena na tóda - espécie de coxia onde se troca de roupa, de traje
e de máscara - e escolher o lugar do banco junto com os brincadores
da própria cidade, que se reúnem ao grupo nesse momento, enquanto
outros vão beber e comer. As crianças mais novas distraem-se por perto,
enquanto os adolescentes, atraídos pela festa da cidade e pelo comércio,
desprendem-se mais rapidamente e, às vezes, nem retornam a tempo de
participar da brincadeira.
Nos últimos anos, uma verdadeira invasão de trios elétricos tomou
conta da Zona da Mata Norte de Pernambuco nos períodos de festa.
Com uma potência de som estrondosa e um apelo comercial fortíssimo,
esse tipo de divertimento tem dificultado bastante a realização das brin-
cadeiras, tanto no seu prosseguimento ao longo da noite quanto na hora
da partida do caminhão. Diversas vezes, Biu Roque teve que abandonar
0 banco ou deixar o caminhão esperando para buscar os jovens rapazes

e as moças do grupo que desapareciam na multidão formada em torno


dos trios. Com uma potência e amplificação sonora muito menor, mui-
tos cavalos-marinhos têm reduzido o seu tempo de duração, acabando
quando os trios começam a tocar, de forma a evitar esse conflito.

Uma brincadeira de cavalo -marinho - recorrências e singularidades


. , roporcionad o um ti po de :,ociabiltJ ,tdl 1) .
Os tnos tem P - . . <1 • i., 1

. ns da região, e 1sso tem rep ercut ido na rLl,icr ,1),


dutora para os Jove . - ir >1 ,
. transmissao de saberes que ela en vo lve. f\ tr adir·'J uc eir <.J.
brincadelfa e na · . I

- indica encontra-se vincul ada a um a e<-, pec.i :i ] _ .


como a expressa 0 , . º C<tp; 1,_ 1_
dade de fala e escuta. Se essa forma part1cu l~r de ~ransmi'->~âo ll:111 ~1clcJ
abalada pela presença dos ensurdecedores trios eletricos, a que::, tào ~uc-
se coloca é de que modo a cultura oral, já ~ubjugada pela cultu ra escr it a,
pode sobreviver a um contexto que tem dificultado, cad a vez mais, a sua
expressão? _ _
o interesse de pessoas vindas da odade do Recife com o objetivo
de estudar ou conhecer a brincadeira é um fator que, atualm ente, tem
colaborado para estimular a curiosidade desses jovens e até a do públi co
local, que muitas vezes acompanha um cavalo-marinho «só para assistir
0 povo de fora dançar': Essa atitude não costuma ser desmerecida pelos
velhos brincadores, como talvez pudéssemos imaginar, já que, em torno
da sociabilidade, constitui-se também a vontade de brincar. Além do
que, como já foi dito, essas trocas culturais integram a própria dinâmica
da brincadeira. Mas, se a dança possui uma habilidade especial para
sobreviver a determinadas circunstâncias limítrofes, será que o mesmo
se pode dizer dos sentidos que a motivam? Segundo Câmara Cascudo:

As danças, num modo geral, nunca desaparecem. Mudam


de nome. Há uma corrente de interdependência, de troca de ele-
mentos rítmicos, de posições. [... ] A permanência rítmica é um
dos mais assombrosos fenômenos de persistência na coreografia
popular. [... ] Cada dançarino, inconscientemente, leva urna cé-
lula motora de modificação imperceptível, mas poderosa, como
processo evolutivo, ou dispersível, verificável no futuro (Cascu-
do, 1998, p.339-340).

0
Durante a pesquisa, pude presenciar inúmeras situações em que
Públ'ico expressava um profundo estranhamento relaciona dO ao fato de
que pessoas de iora
e · « coisa des-
VIessem de tão longe para estudar uma
sas': O que e fl . . d · a pode se
me iez re etir sobre até que ponto uma brinca eir

66 lf VIVA PAREIA'
· 1 .
Mana Acselrad
sus·tentar sobre in teresses e mo ti vaçõ es de pc~~oas ouc não a vivc ll ci<-1 m
I

110 cotidian o.
Antes mes mo de todos os bri ncadore s estare m reuni dos, 0 cav alo-
-rnarin ho começa . É a música que marca o seu início. Um o u ou tro brin -
cado r se senta no banco e começa a ch amar a atenção daque les qu e es tão
por perto através do toque do seu instrum ento. Co m o banco completo ,
isto é, um mineiro ( ou ganzá, cilindro metáli co carregad o de semen-
tes) , duas bages (espécie de reco -reco feito de mad eira de ta boca)i um
pandeiro (circunf erência de couro ou lona, com platin elas presas ao
aro) e uma rabeca (espécie de violino, feito de madei.ra de mulung u,
com afinação em quintas) , as toadas soltas podem começa r a acontecer.
Primeiro, apenas instrum entalme nte, depois encorpa das pelo canto. O
canto de início respeita mais ou menos o mesmo princípi o na maioria
dos cavalos- marinho s. Geralm ente, é uma saudaçã o às pessoas que ali
estão presentes e às que vão chegar, aos santos padroei ros e ao dono da
casa, aquele que contrata a brincad eira.

(TOADA SOLTA DE ABERTUR A)

Boa noite, meus senhores


Boa noite, lhe dê Deus
Cadê o dono da casa
Por ele, pergunto eu, meu mano

As toadas soltas são momen tos em que os brincad ores, mas também
o público, dançam . Todos de frente para o banco, individu almente , al-
ternam passos variado s, que são puxado s pelo brincad or mais experie n-
te. Essa configu ração vai se repetir em diversos momen tos da brincad ei-
ra, geralmente no seu início e também nos interval os, entre uma figura
e outra. Uma pequen a abertur a na parte do arco diametr almente oposta
ao banco, por onde vão chegar as figuras, é o que geralme nte vai deter-
minar a frente do banco. É necessá rio ter bastante espaço para a entrada
das figuras, que já se encontr am em cena a partir do momen to em que
saem da tóda. Por isso, o banco costum a ficar de frente para uma rua ou

Uma brincade ira de cavalo-m arinho- recorrênc ias e singularidades ~ 67


·vi·e]apara que as fig uras possarn chegar d e muito l(
' · Jn gc ",. l 0· rn l ,
que, ao saíre 1n, percam-se d e vista. ) l1,1 JJcq-L

A forma da roda se transform a bas tan te ao lonrro d · .


, o anuitc.fy1,
-se e concentra-se dependen d o d o num ero e .do intere:-.i" . . , •fJ<:r·,é;-
• e u<J c;, e·1
dores, que, em alguns mo1nentos, c h egam a aband onar Pt: _t~J-
1

. . . . l<nnpl t t· -
a brincadeira, deixando os bnncadores cantando e d anç d dnitn t<:
• .
tre si enquanto, em. outros momentos, invad em a roda d .
an ªPtn - ° a<i l n.
' , eixand(
vez menos espaço para a cena acontecer. A forma da rod a J cada
· - ·1 ,. t' l 'f ,enqu antod i..,
posiçao espacia propicia para o espe acu o, e ator primordi al a ·
_ d' , b]
tabelecimento d e uma re 1açao ireta com o pu ico que pod P ra o t <i
·
' e escolh
o ponto de vista mais interessante e o grau de intensidade de . er
, . . , sua parti-
cipação. Alem disso, funciona tambem como moldura para uma l _
re açarJ
fundamental no cavalo-marinho, que é a de dançadores e tocad ores.
Depois de algumas toadas soltas, a figura do Mestre chega e 5 eco-
loca ao lado do rabequeiro. Tocando um apito, o Mestre vai partilhar a
função de organizador da brinçadeira junto com o toadeiro/pandeirista
alguns outros tocadores, figureiros e o Mateus. Mas isso depende d~
cavalo-marinho. A figura do Mestre costuma ter um papel muito im-
portante e condensa funções bastante específicas, como puxar a dança
dos arcos, colocar a figura do Capitão, determinar quais as figuras que
vão "sair naquela noite", seu momento de chegada e de partida. Porém,
a dificuldade de encontrar alguém que reúna todo esse conhecimento,
hoje em dia, faz com que, ao menos no Cavalo-Marinho de Biu Roque,
as tarefas do Mestre tenham sido redistribuídas e incorporadas por ou-
tros brincadores.
Junto com alguns figureiros, o Mestre vai organizar o mergulho. Pe-
quena roda que se forma bem perto do banco, o tombo do maguio ou
mergulhão (DVD - track 1) é uma dança em forma de jogo, que tem rit-
mo binário, passo e toadas próprios, versos mais curtos e uma pequena
variação na acentuação de um para o outro.

11

68 ~ VIVA PAREIA• f Maria Acse/rad


(TOMB O D O M AG U IO)

Oie o tombo do m ag uio


Na zaré Pitimbu
Tô chamando por maguio
Na zaré Pitimbu

A dança envolve um jogo de olhares e ges tos bastante express ivos,


que segue o princípio de pergunta e resp osta, cham ad a e rec usa, e per-
cute co m os pés um ri tmo que n ão é tocado por nenhu m in strum en to
do banco. O tombo do maguio é dança que serve como aqu eci m ento
para a noite. É ali que os brincadores "acordam as pernas e o juízo". A
complexidade da dança se encontra no fato de que, quando se é puxa-
do por alguém para dentro da roda, deve se responder ao convite com
0 corpo, enquanto o olhar já deve estar direcionado para outra pessoa
que, por sua vez, repete a mesma movimentação em relação à outra.
Mas nem sempre.
Uma série de variações expressas na negação de uma puxada e nas
idas e vindas com um só parceiro - geralmente, como demonstração
de afeição ou proposta de desafio - fazem do mergulhão uma dança
bastante vigorosa e provocadora. Talvez por isso, mas também por seu
caráter de jogo, o mergulhão faz muito sucesso entre os jovens do Recife
que já tiveram a oportunidade de ver um cavalo-marinho. Dominando
minimamente a ideia de que o passo e o jogo de olhar são importantes,
cada um que entra na roda, por mais rápido que seja, encontra-se em
total evidência e com a possibilidade de fazer uma provocação, graça
ou pantinho 12 que, dependendo da ousadia, tem a capacidade de gerar
momentos de grande entusiasmo coletivo. É nesse momento que a roda
começa a se formar de maneira mais expressiva por parte da audiência,
em torno da brincadeira.

~ Esta cate g · , .
ona sera discutid a mais adiant e .

Urna brincadeira de cavalo-marinho - recorrências e singularidades ~ 69

li;; q;.
. lhão, .
enho coreogr áfico cio mergu CX I \ ll'. ui"rl• .
Quanto ao Cjcs , d l ll\t i
1
t

_ d e 1e
e ..1 •da por Mes tre Ma noel Sal ustiano ,, rn al', conbnc ·d
'- lu< ; ,-(J

t3Ç 'l0 J1(JI


' , , 1 do Cavalo-Marinho Boi Matulo de Olind a, de (JU t• .c.1 dan,
'" .i ' J
.
Ma ne 5a u, _ ,
a im agem de um a estrela no chao. E que, portanto )tri a _ '·
sugere . ' 1ir•1xJ r-
·t no intuito de respeitar, esse desen ho, dançar ._
\ernp n: crn nuu1c.rr,
t an e, . .
,
1mpar de brincadores ' no max1mo onze, e evitar puxar os pare '- lrfJ'i 1

terais. Em todas as bdncadeiras que pude presenciar, a maiori a dc:!a , ;.


Zona da Mata Norte de Pernambuco~ não percebi essa preocup açà,J P<J:
parte dos brincadores. As interrupçoes da dança) devido à fal ta de dc; -
mínio do passo ou perda do ritmo, estas, sim, eram considerad as fat(m::,
de desorganização ou desmantelo da pisada do mergulh ão.
Esse comentário de Mané Salu expressa mais um movim ento de au-
toafirmação do estilo de um grupo perante outros do que uma ideia que
se compartilha coletivamente pelos cavalos-marinhos da região. O dis-
curso autorreferido, por um lado, e profundamente humilde, por outro,
é recorrente em muitos grupos. E aponta algumas características que
possibilitam a identificação de elementos que, conjuntamente, podem
contribuir para a configuração de uma estética do cavalo-marinho, ca-
racterizada por uma assimilação e elaboração constante de elemento s
externos, mesmo que nem sempre tão evidentes. No caso de Mané Salu,
bastante influenciado pela cultura urbana do Recife e pelos discursos
em defesa de uma autenticidade cultural, a necessidade de se demarcar
fronteiras claras, através de uma produçã o de intensas "verdades" sobre
cavalo-marinho, no entanto, parece mais recorrente do que no interior
da Zona da Mata Norte. Embora , nessa região, também seja possível
localizar critérios de julgame nto que expressam escolhas estéticas muito
daras e decisivas para a realização de uma brincadeira.

. , . . . d para 0lin-
13 Mestre Salust1ano e natural da cidade de Aliança , mas muito Jovem se mu ou - do Gove

da, onde desenvolveu um trabalho a convite do Governo do Estado, na geS ªº


t corn
. · suassuna.
na dar Miguel Arraes, quando o Secretário de Cultura da época era Ariano d·ções
- . -o das tra i
base numa proposta de "resgate da cultura popular:' ' açoes de- valonzaça • cipais
É I um dos pr1n
populares do Estado foram implementadas com sua participaç ao. e e •fe 0 nde
, . . - ·- 1·t1 nad0Rec1'
responsave1s pela d1vulgaçao do cavalo-marinho na Reg1ao Metropotodo ª de ano, no
·
, · organizava um encontro de cavalos-m ann os, h o fina 1

JUn °
· t com sua famd1a
. . . M tre Salust1a
• no nasceu
terreiro llum1ara Zumbi, em Cidade Tabajara, periferia de Olinda . es
8
em 12 novembro de 1945 e veio a falecer em 31 de agosto de 20° -

70 ~ VIVA PAREIA! 1 Maria Acse!rad


/
.,, da do Mateus é a etapa segui nte ao mergulh ão (DVD - lrack
A entJº
vel pela ordem e desord em
[. teus é o palhaço da festa, o responsá
?).J\ld ·-
~ . da )·unto com Bastiao, que chega logo em seguida. Dupla de pa-
d il I O ' _ A •

bastante comum em encenaçoes. com1cas .populares_' no caso do


!h:iÇO-S ( . /
. lo-marinho, ambos possuem bexigas de. 601 nas, maos, qu e têm
1
'•

cava , .
por função, alem de marc~r o ntm~ do pandeiro na propria perna, bater
naqueles que atravessam madvert1damente a roda, geralmente embria -
gados. São as famosas lapadas, expressão que, curiosamente) também
significa dose de cana.

(TOADA DO MATEUS)

Oi, cadê o nego Mateus, adeus mana


Chega de amolação, leleô, adeus mana iaiá
Leleô, adeus mana laiá

A chegada do Mateus costuma evocar a imagem de um nascimento.


Nesse cavalo-marinho, o Mateus sempre chega por debaixo das pernas
dos músicos do banco. Produz sempre muita surpresa e contribui para
o sucesso do início da noite. Depois de muito pantinho, alcançando a
posição vertical, tem início um diálogo bem abusado entre Mateus e o
Mestre. Nesse momento, o Mestre já se apresenta como Capitão e lhe
pergunta sobre o desejo e a disponibilidade para trabalhar em sua fa-
zenda, assim como para cuidar da roda enquanto ele resolve alguns pro-
blemas particulares.
Mateus, espantado pela quantidade de gente ao seu redor, pergunta-
-lhe sobre os motivos da festa, ao que o Capitão/Mestre responde que
é por conta da celebração aos Santos Reis do Oriente. Essa referência
surge algumas vezes durante a noite e é um dos principais motivos para
14 O processo de preparação da bexiga é bastante curioso. Segundo Martelo, Mateus de cava -
lo -marinho há mais de quarenta anos : "A bexiga, a gente vai pro matador, fala com o cabra
que abre O bo i e traz a bexi ga pra casa . O cabra pega um canudo e deixa aqui . Tira aquela
ca rne dela, aquela gordura . O mijo do boi trabalha ali dentro. E bota pra secar no sol. A
gente bota de molho quando ela seca e ela amolece . Agora aqui a gente sopra e ela cresce .
• eu passo a noite com uma . Agora, tem Mateus que duas, tres
Oua ndo é nova assim, • nao ·
- da.
É
porque tenn a nnão amaldiçoada" (depoimento concedido à autora, 2001)

Urna brincadeira de cavalo-m arinho - recorrências e singularidades ~ 71


8 rea li zação d a br incad eira ci o cava_ lo - m ar in he J. .1())_11,J ', t
na d a nça dos galan les e n as lo. uvaç o es , n1as , dai r, d iant<.: i ii;1 , , <.: i i,d'1~ci
..
. . ~n1
desap arece co mo ass unto prin c ip al ou Just ifi caLiv-a )J clréJ _ · 1, r,_.1,<-., 1,,
é.l 1 ~1.1,.
r e ferên cias se rão lºJ •· Jflnc...~r l, '"
No d .iá logo co m. o Mest re, essas . . u J l /,a(I a~ . ~ i,'"'
' P<>r '1h,:,_ ..
se mpre no in tu ito de fazer piad as de dup lo se ntid o-,,
roda, Cap1• tao.- 1" R · d ·
e "V·1va os San t os eis o cu cmze nLc),, \ao
· Me . ac-c:: it ,- 1:111 . , l;J.
alg
E mbor a a maio ria dos brinc ador es seja neJ à . ,urn,i,, dr-lé,
1grc3a Ca t<'JI ic- , ,_
. d - . . 1
1nu1tos os euses que. comp oem , v1s1ve men te O pan e)fam a cJ e: _d ,, ·,ar,
._ , '
local. O que pred omin a na reg1a o e uma relig iosid ade b . ci e:nsd·,
. . . . , . asead a nu
tol.tc1smo popu lar poltte 1sta que se mistu ra ainda a out ros cu lto<.,rnr ca ,
. ,. _ .
11
o pern ambu cana do Cand omb l, e
g1osos como o Xang o - versa
·

doe - e:ª
Jurem a - culto indíg ena popu lariz ado por diver sas regiõ es Estado
, , l .d .fi brinc adore s
d e Pern am uco.b O que e passi ve 1 entI car entre os
entan to, é uma clara opos ição em relaç ão à dout rina evangélica , a raves
t ' n,o
e uívo~
das ridic ulari zaçõ es que assoc iam- na com fraqu eza, fresc ura ou
; brin -
co. Possí veis adesõ es à cham ada "Lei de Cren te" surge m entre 0
mina.
cado res quan do a vont ade de aban dona r o cava lo-m arinh o predo
-
Mest re Ináci o.Lu cindo , do Cava lo-M arinh o de Camu tanga , comen
ta a ligaç ão de seu filho com a relig ião evan gélic a:

Eu penso que ele não sai da Lei de Crent e pra cavalo-mari-


nho, não. Só se a coisa muda r. Agor a, eu não. No que eu nasci,
eu me crio. No que eu me crio, eu me conve nho. No que eu me
conve nho, aquil o que eu quero bem, eu estim o e eu não troco. A
Lei de Cren te é uma lei bonit a, é uma lei de Deus. Mas aquela lei
de Deus tamb ém eu vivo. Se Deus é do crente , Deus é meu, é teu,
é de todos nós. Eeu vivo na lei de Deus , acom panha ndo a lei da
cultu ra, do pago de, do nasci ment o do folclore de Jesus! (Inácio
Lucin da, 2001, depo imen to conce dido à autor a).
. d . a se estabe-
de debo che, carac terís tico da bnnc a eir ' u-
Quan do o tom d roda em sua a
.d
.
lece, Mate us aceit a a prop osta do Capi tão de, cu1 ar" Eª por isso,
recisa
P
,. ' .- (DVD
send a, dizen do que "tom a conta , mas não da cont a· eia Bast1ao
de um ajuda nte. Mate us anda no mun do com seu par

2
7 ' VIVA PARE IA' 1 Maria Acsel rad
_ ir;ick J). Pareia sign ifi ca companhe iro. Aqu ele: cum qu em <,e e'ilab e-
-
1 ·, e u 113
I L
relaç,10 de pa rceria, afin id ade. Há toadas cJ c ca valo- marinho
eL~c .ilinnarn "não existir pareia igu al" a de Mateus e Basti ão e, por isso,
q ,do eles não se afinam , a brincad ei ra é desma ntelo ga rant ido · ·Ser
quar , , . . , .
to, tamb em e consi derad o neces sano para o succ <;so de
pare l·,,1, 11 0 entan
diversas relações dentr o de um cavalo-marinho: ent re os tocadores, en-
tre os dançadores, entre os figure iros. Para a brinc adei ra ser conso
nante,
"tem qu e ser pareia", afirma Mariano Telles, puxa dor de arco e figureiro
do Cavalo-Marinho de Biu Roque.
Mas essa relação tamb ém admite mom entos bastante violentos. Ma-
-
teus e Bastião, ao longo da brincadeira, protagonizam cenas de inten
sos conflitos, disputas e trocas de insultos. O que permite afirmar que,
quanto mais íntima, mais provocadora será a pareia.

Pareia é andar em dois. Um home m e uma mulhe r dá pareia .


É muito impor tante, um casal bem unido . Onde tem uma pareia
tem uma amizade, mas onde tem amiza de també m tem ciúme.
Acontece essas coisas. Porqu e a pessoa não vai deixar outra pes-
soa tomar conta. Ali se cham a pareia. É por isso que tem tanta
violência. É por causa do ciúme (Mari ano Telles, 2001, depoi -
mento conce dido à autora).

Ao longo de toda a noite, essa relação será enaltecida através dos


gritos de "Viva pareia!': entoados por Mateus e Bastião. Esses gritos cos-
tumam pontuar a brincadeira inteira. Tal como um grito de guerra ou
interjeição festiva, funciona como estímulo e sinal de aprovação do an-
damento da brincadeira.
Não faz muito tempo, a dupla costumava vir acom panh ada da Cati-
rina, mulher de Mateus, "amigada" de Bastião. Duas explicações tenta m
s
dar conta do desaparecimento da figura. Uma delas, segundo algun
brincadores, diz que a Catir ina era uma figura muito demorada, que
est endia muito as etapas. O fato de ser representada por um home m ves-
o
tido de mulher, com a cara pinta da de preto, de comp ortam ento lasciv
e libidinoso, gerava situações muito engraçadas, o que devia realmen-

Uma brincadeira de cavalo -mari nho~ recorrências e singularidade


s ~ 73
_b tante tempo da brin cadeira. Üulra exµ lic aç .i-: o, dd lllt' .
te oc upar as e
uisadores (Marinho, I 984; Murp h y, 1998) , di;, CJuc , f' l, Í j "

Sq . d . 1gu 1J d
por pe bnnc a eira por qu c~Lôc:s nic
d
.
. . teri·a 51·do retirada da .. Jfa h. ;\ )r
J

Ca t1nna A • • •

d V
ez maior de muJheres. na aud1. enoa , in satisfeitat Unn é:\I , c.-.
1
sença ca a
. tação na brincadeira, tena susC1tado um a_espéc ie cle prts\àq ,LlcJ
1 eprese n
. t ·to de censurar o personagem. No entan to, talvez ~eJ·a o ca\o dr
no tn UI , .
em consideração que, nesse . caso, os propnos hom ens pod crn , ·
leva r . . ter
se privado, diante de uma crescente pres:nça femm ma na audién cia, dc>

prazer de fazer graça com a represe~taçao grotesca dessa personagem,


uma vez que não se encontravam mais apenas na presença de hom ens
Sobre os motivos da presença em número muito maior ou absolut~)
de homens na brincadeira, assim como entre as figuras que chegam a
roda, existem algumas hipóteses. Alguns brincadores afirmam que as
mulheres, no passado, não gostavam de participar da brincadeira e só
recentemente teriam passado a se interessar por ela. Outro s dizem que,
nos primórdios do cavalo-marinho, as mulheres não só estavam presen-
tes, como também colocavam figuras. O senhor de engenho é que teria
proibido sua participação, de forma a protegê-las moralmente desse tipo
de brincadeira, assim como no intuito de aumentar a sua carga de traba-
lho dentro da casa-grande.
Juntos, Mateus e Bastião armam muitas confusões ao longo da noi-
te. São eles que recebem as figuras que surgem durante a brincadeira,
na beira da roda. Dançando, trazem -nas até perto do banco, onde se
desenvolve a maior parte da cena. Acompanhados do Mestre, ou apenas
do banco , que responde ou completa os versos puxados pela figura, Ma-
teus e Bastião dançam do início ao fim da noite. São eles que, durante
as toadas soltas, momento que também tem por resultado uma certa
dispersão e descanso dos figureiros, são responsáveis por animar a roda:
girando, fazendo graça, distribuindo lapadas e chamando as pessoas
para dançar.
É um papel que exige bastante energia e conhecimento da
brinca-
· Mas parece ser bem recompensado na medida em que, ª1'em do
deua.
deS taque cênico, em alguns momentos, eles interrompem o samba dpara 0
arrecadar dinheiro. "Benza a sorte, pareia !" é o que dizem quau º

74
1 ' VIVA PAREIA' 1 Maria Acse/rad
1
1
eu dese mpen ho, conside rado satisfa tório pelo público prese nle, os faz
. _dinheiro para guard ar ou beber. O hábito de "ped ir a so rte" era
5
g·in 11a1 hoje identifi cado em al-
' . com um no passado, podend o se_ r ainda . .
111a,s .
s brinca deira s por figuras que nao se limitam a Mate us e Ba~ti ão.
gutn a
Nã o é qu alqu er um que pode ser Mate us. Essa fig ura exige m ui ta
·i·dade> conce ntraç ão, criati vidad e, capac idade de im proviso e um
aaJ 1
e
d~mínio muito grand e da brinc adeir a como um todo. Algo que parec
ter sido mais frequ ente no passa do é o fato de os brincad ores que bri n-
cam de Mateus serem filhos de Mateus. Essa relação de heran ça direta
nos
com um deter mina do ofício nem semp re costu ma ser ident ificad a
tive
demais papéis da brinc adeir a, pelo meno s não nessa geraç ão a que
con-
acesso . Parece que ser filho de Mateus, mesm o quan do não se dá
e à
tinuidade ao ofício do pai, reper cute na mane ira de agir, que remet
o-
figura. Qualq uer que seja a funçã o do brinc ador dentr o de um caval
ia
-marinho, ele é extre mam ente afiado em seu humo r, tem muita energ
e guarda muitos segre dos sobre a brinc adeir a.
Já o Bastião não preci sa ser uma figura tão perspicaz. Pelo contr ário,
gar-
tendo uma postu ra mais passiva é que ele conse gue arran car boas
com
galhadas da audiê ncia, estab elece ndo uma tensã o comp leme ntar
a à
seu parceiro. Porém , quan do ele tem uma atitud e mais assem elhad
cena
do Mateus, a temp eratu ra da brinc adeir a esque nta e a tensã o da
esta-
se transfere da dupla , agora cúmp lice, para a relação que deve ser
s
belecida com o banco, com o Mestre, com o públi co ou com as figura
ar
que chegam. Talvez por isso ta1nbém seja de costu me na regiã o cham
a dupla de "os dois Mateus':
Ao longo de toda a noite, diversas figuras vão apare cer na roda. Exis-
s.
te uma estimativa de que o cavalo-ma rinho possu i seten ta e seis figura
não
Segundo Biu Roque, as figuras repre senta m etapa s da brinc adeir a, e
o de
apenas personagens. E não neces sariam ente possu em uma relaçã
pa-
interdependência entre si. Embo ra figuras que costu mam vir acom
e
n~adas ou seguidas de outra s, por vezes, deixa m de apare cer porqu
nmguém mais detém o conh ecim ento acerc a de como colocá-las.
Tudo isso faz com que não exista uma ordem prede termi nada ou um
-
encadeamento natur al, isto é, uma narra tiva prees tabele cida no desen

Urna brincadeira de caval o-mar inho~ recorrências e singularidad


es ~ 75
vo lvirn e nl o d a brin ca d eira. O q ue ex is lc é u m a tcnd én ..
no iní cio e no ·f-in a,l na co l o caçao -
d e algum as fl gura\ u,1l '
rn ·u .
' ', l't Jd,.:nt, .
.d . .
de qu e as figur as pre te n as es tivessem ca usa ndo algu . J(_J lne: .
él l . . -
1J ,1 ,1,, e
1

. . . ,
talvez seJa o caso da C at1nna, M es tre In ac io Lu cincim in. fiaJ t \ ta r, u,r,ir 1
o r1 1rn 1a
fi gura s ''sumiram porqu e tjJ1ham que sumir. O cavalr . <111 (.: Lti.
-i -rn ar 1nh r
porqu e preci sa mudar. Porque as coisas mud am". ) rnurh
De qualqu e r m an eira, elas mudam porque as pe< sc>·
-~- ª~ l:ílV< J d
com a brincadeir a també.m mudam. As figuras d epend em de . ) vi . a\
, , . que::m ,;,aiba
coloca- las. Do contrano, elas desaparece m, ficand o ap enas na , .
. . . memoria
coletiva dos bnncadore s que tiveram a oportunida de de co nh ,
ece-1as
O que pude identificar, no entanto, ao longo do período de real·· - ·
1zaçao
da pesquisa, é um processo de redução no número de figuras, além do
tempo de permanênc ia delas na roda. É comum os brincadores atri bu -
írem essa síntese ao fato de que, atualmente , não existiria mais tempo
para colocá-las. Mas, ao serem questionad os sobre o motivo da falta de
tempo, muitos respondem circularme nte afirmando que é pelo excesso
de figuras. Alguns brincadore s, porém, atribuem essa redução de figuras
e, consequen temente, da duração da brincadeir a ao fato de que os tem-
pos são outros e que ninguém mais se mostra tão disponível para um
tipo de brincadeir a de longa duração como o cavalo-mar inho. Porém,
foi consenso a opinião de que poucas pessoas atualmente sabem colocar
as figuras que costumava m aparecer no passado, porque "o saber está se
perdendo':
Uma hipótese sobre a responsabi lidade de tais mudanças na brinca-
deira é a de que um novo formato de cavalo-ma rinho, que tem come-
çado a se populariza r porque é mais curto e menos dispendioso , eS tªria
contribuin do para o desapareci mento das figuras. Por uma apresent~~
ção de apenas uma ou duas horas, e até mesmo de cinco minutos,}ª
e e · • d resentaçao
1oram 1echados contratos de cavalo-ma rinho. Esse tipo e ap
ocorre, geralmente , no Recife ou nas demais cap1ta1s . . d p , em rnos-
o ais,
. . e . . d d d.
t ras, circuitos e 1est1va1s, on e não se costuma e 1c tanto tempo a_ ar
tem garan
uma manifestaç ão cultural como essa. Esse novo formato ais
.d . d t físico e rn
t1 o mais contratos retorno financeiro menos esgas e
' , figura 5, e
popularida de à brincadeir a, no entanto, tem feito com que as

1
• 1

76
' VIVA PAREIA• 1 Maria Acselrad
. l)oa rnarlc da memória do cavalo-mari nho, c~lejam vivendo um
elas
1
CL) Il de transformação dentro da brincadeira.
rocesso d - .
P c omo resultado dessa a aptaçao aos novos contex tos de rea lização
. ade ira , um movimento de padroni zação pode se r obse
.
rvadcJ ,
i brinc . .
'ªno que_diz respeito às- toadas, danças e figuras
,
que devem ser colocad as,
.
o a uma reflexao acerca do que e essencial num cavalo- marinh o.
1cva nd .. _
. vos contextos de reahzaçao possuem como referênci a parãme-
Esses 110
téticos distintos, e, aos poucos, os grupos se veem em situação de
tros es
disputa por esses espaços, buscando negociar com outros referenciais
e, 30 mesmo tempo, tentando adequá-los aos padrões estéticos nativos.
Em outros tempos, quanto mais toadas, mais danças, mais figuras, me-
lhor a brincadeira. Atualmente, busca-se atingir a qualidade através de
um formato condensado, quase um desfile de figuras e de momentos
visualmente impactantes.
As figuras que pude conhecer são mais ou menos as mesmas em
toda a Zona da Mata Norte de Pernambuco. Dentre elas, encontram-
-se o Soldado da Gurita (DVD - track 4), o Mané do Baile, o Empata-
-Samba, os Bodes, o Valentão (DVD - track 6), o Cavalo (DVD - track
7), o Ambrósio (DVD - track 8), o Babau, o Veio Frio, o Mané Taião
(DVD - track 9), o Pisa Pilão, o Bebo (DVD - track 10); a Veia do Bam-
bu, o Veio, o Padre e o Cão (DVD - track 11 ), o Mané Chorão, o Vila
Nova (DVD - track 12), a Margarida, o Mané do Motor, o Bodegueiro,
o Mané da Burra e o Vaqueiro (DVD - track 13), o Boi (DVD - track
14), entre tantas outras 15 •
Apesar de versarem ao pé do banco, sempre com acompanhamento
do choro da rabeca e canto de resposta dos tocadores, as figuras não têm
como preocupação construir uma narrativa comum a todas elas. Elas
vêm basicamente dançar e cantar. A roda parece ser o meio do caminho
entre o lugar de onde vêm e pra onde vão. Dessa forma, ao chegarem à
roda, fazem sua apresentação e, ao saírem, a sua despedida. Algumas

~
5 O DVD anexo contém imagens de apenas algumas das figu ras aci ma mencionad as . Em bo-
• '

ra todas elas sej am representativas e enriquecedo ras para o entendim ento da brincadeira,
ª edição desse material teve como princípio um t ipo de reco rte que priv ileg iasse ª chegada,
0 desen d 1 · de
. vo 1vi·me nto coreografico e a part ida de algumas figu ras observa as pe ª equi pe
registro aud 10 1. . .
v sual, que acompanhou a real izaçã o da pesqui sa .

Urna brincadeira de cavalo-marinho~ recorrências e singularidades ~ 77


.
o direta com Mate us e .Bas ti ão e, na maioria u·' a,.) vc.zc~
en t ra rn e,). 1 l·elaçã
saem debaixo de lapadas. Outra s se aproximam do banco e do Mest re ~
ali permanecem durante o tempo todo de sua apre.scntaçào. Oulra 'i ain-
da desenvolvem sua atuação em interação com o pú bli co O tempo de.
permanência na roda é determinado pelo figureiro, ma.s também pelo
toadeiro e pelo Mestre, que podem limitar a atuação da fi gura ~e ela por
acaso não estiver sendo bem colocada. São as toada s qu e vão expressar
esse desejo, chamando-as e mandando-as embora.
Segundo Hermilo Borba Filho (1966), assim como no Auto do Boi )
as figuras do cavalo-marinho podem ser divididas em três tipos: os seres
humanos, os seres fantásticos e os animais. No entanto, outras forma s
de classificação poderiam ser identificadas com base em minha obser-
vação. Algumas figuras vêm trazendo um mote que será desenvolvido
pelas figuras seguintes, formando-se uma grande cena. Outras são mai s
episódicas. Algumas figuras estabelecem relação direta com Mateu s e
Bastião, enquanto outras privilegiam o banco, o Mestre ou o públic o.
Outras ainda, mesmo sem trocar de máscara ou figureiro, assumem ou-
tra atitude, que pode ser entendida como outra figura - o cobrador, por
exemplo, que aparece em meio à figura do Ambrósio.
Não chega a existir uma ordem predeterminada de figuras. As va-
riações se concentram, principalmente, entre o Soldado da Gurita e o
Vaqueiro. Embora existam grupos que nem sempre costumam colocar
o Vaqueiro, figura considerada necessária para a colocação do Boi. Tal-
vez seja esse um dos motivos, inclusive, para que o Boi tenha perdido
o papel de figura central ou mote principal da brincadeira se, eventual-
mente, considerarmos que o cavalo-marinho seria uma variante do Boi.
Todas essas combinações são baseadas nas escolhas dos figureiros,
na sua afinidade com um determinado papel dentro da brincadeira e
no seu conhecimento acerca da figura. Mas dependem também da ideia
que se tem de cada figura e do que ela pode desenvolver na roda. Essa
st
partitura dramática encontra-se relativamente em aberto, e é ju amente
por isso que cada figureiro tem um estilo muito próprio na sua maneira
de colocar uma figura.

78 lf VIVA PAREIA' · 1 .
Mana Acselrad
As (1guras são tipos que fa lam do trabalho, do amor, do cotid iano e,
. s vezes, referem .-se à realidade canavieira. A cana-de -açúcar ainda
1nu 1t a .
. se nta um papel importan te na economia da regi ão e no cotidiano
rep te . , . .
brin cadores. Seus corpos e suas h1stonas de vida es tão marcadas pela
dos
toadas de cavalo- mari nho ·
cana, e isso pode ser identificado em muitas

(TOADA SOLTA)

ô, Biu Roque, meu camarada


ô, vamos correr meu roçado
Vam' tacar fogo no mato
Deixa tudo encarvoado, mamãe
Baiana é hoje, mamãe
Baiana é hoje, mamãe

(TOMBO DO MAGUIO)

Quero ver queimar carvão


Quero ver carvão queimar
Quero ver levantar poeira
Quero ver poeira voar

(TOADA DO MANÉ DO MOTOR)

Senhor de Engenho vai pro inferno


E lavrador vai pras profundas
E o cambiteiro vai atrás
Com os cambito nas cacunda
Fogo meu, Fogo!

Uma bri ncadeira de cavalo-ma rinho ~ recorrências e si ngularidades ~ 79


(SAMBA DE CAVALO - MA RI NH O )

Corto cana, amarro cana


Deixo tudo amarradinho
Foi você quem me ensinou
Namorar, que eu não sabia

Um bom banco é condição fundamental para a re alização de um a


boa brincadeira. O banco do Cavalo-Marinho de Biu Roque é conh e-
cido na região por ter se formado, quase que integralmente, a partir
dos tocadores do banco do Cavalo- Marinho de Mestre Batista. Seve rin o
Lourenço da Silva, nascido em 1932, em Aliança, foi um grande Mestre
e figureiro de Cavalo-Marinho de Chã de Camará, distrito vizinho de
Chã do Esconso, Aliança. Reconhecido pela maioria dos brincadores
como sendo o melhor Mestre do melhor grupo de cavalo-marinho que
já existiu, ele veio a falecer em 1991, deixando muitos herdeiros da sua
tradição e uma memória viva na região.
A qualidade do samba desse banco é o resultado da afinidade mu-
sical e afetiva existente entre Biu Roque (bage e canto), Mané Deodato
(pandeiro e canto), Luís Paixão (rabeca) e Mané Roque (mineiro e can-
to). E foi, recentemente, acrescido pela presença de Maria de Lurdes
Soares da Silva, a Lurdinha (bage e canto), filha mais nova de Biu Roque,
que divide essa função com sua irmã mais velha, Maria Soares da Silva,
a Maíca, um dos poucos cavalos-marinhos que contam com a partici-
pação de mulheres no banco. Ainda tímido como movimento, pode-se
dizer que há um aumento da presença das mulheres na brincadeira, seja
na audiência, seja na composição dos grupos da região, embora o cava-
lo-marinho ainda seja composto e assistido massivamente por homens.
Apesar de se conhecerem a bastante tempo e terem participa · · do de
muitas brincadeiras juntos, os integrantes desse cavalo-marinho en-
contram-se sob essa formação desde o ano 2000, quando Biu Roque e
Inácio João da Silva, conhecido como Inácio Nobreza, resolveram botar

80
~ VIVA PAREIA' 1 Maria Acselrad
1alo -marinho ·-... Apesa r de se con sid era rcm um , .
0 11
. •
gru po Jov em, a
1 ,11 1
_ eriê nc1a com a bnncad e1ra, par ticipand ocleo utr o~gr up ·d ·-
o.P .
, leva da em cons1d eraçao ao . coment
~
are m s ° 5
0 6re a qu ali dade d b •
a reg1 ao,
e . . aUng · a rin -
.. de ira. Musicalm ent e, os brincadores iram um grau d R . a-:.i

ca em um lugar de referênc 1ap · . e ª n1d


de 11 articular e assum era nte mu ito s o t
r ·~ -
«qu ebrar" ou "f u ros
brincadores da regiao. E raro o samba
»
ura r' com o diz em
. . pre se seg ue t . . ·
Isto sig nif ica qu e a um a toa da sem O u ra, im edi ata me nte
roda por part e dos dançad o-'
. ~ .
.
10r es 1n ter rup çoe s ou dis per são da
sem ma . ,
, . , .
res. Sig mf ica tam be m que o rabequeiro tem um bom repertono, qu e a
. ple me nta m e que , de 11c0 rma gera l, exi.ste
e a seg un da voz se com
Prímetra adores.
uma boa escuta po r par te dos cinco toc
alo -marinho que ainda sofre
Em relação à cena, no entanto, é um cav
, por serem poucos, ficam sobre-
com a instabilidade dos figureiros que
de botar as figuras que precisam
carregados e, assim, impossibilitados
a situação, além de fragilizar 0
da presença de ou tra s par a brincar. Ess
o a concentração e a dispersão
encadeamento de figuras, tem promovid
ncadores timidamente começan-
do saber. É possível perceber alguns bri
dos mais reconhecidos figureiros
do a botar figura, enq uan to o trânsito
cav alo s-m ari nh os da reg ião se mo stra cada vez mais intenso.
entre os
ure iro s, atu alm ent e, rep res ent am um a categoria de brincador que
Os fig
sita po r vár ios gru po s, de aco rdo com o convite do Mestre e com a
tran
sua disponibilidade.
também é muito comum na
Um trânsito ent re melodias e versos
nca dei ra. U1 na toa da po de apa rec er com um verso numa noite e, em
bri
ra, já apr ese nt~ r mo dif ica çõe s. Ess e fenômeno ocorre mais entre as
out
tam versos de trabalho e amor,
toadas soltas, que, em sua maioria, can
res ent and o o des can so da cen a, ma s não o do banco, que nesse mo-
rep
nto se vê ma is liv re pa ra im pro vis ar. As toadas de figura, ta~bém
me
hec ida s com o toa das am arr ada s, po r sua vez, possuem mai~r re-
con d um mes mo cavalo-mannho.
. den tro e
gu iandade melódica e poética e executa durante
Mas mesmo o São Gonçalo do Amarante, toa ª que
d s

ntre os brincadores para id,entificar o


, - .. a com pra
16 - - -- - ao utili zada e - de pessoas ate
Botar um cava lo-marinho e a exp ress 1ao
desde a reunb'ch os.
p que abra nge _ d
rocesso de form açã o do brin que do,
. , e arm açoe s e
1

- de inst rum ento s, traJeS, mas cara s


ou pro d uçao

~ c·,as e singularidades J
'
81
. h _ recorren
nn °
Urna brin cad eira de cav alo -ma
ria çôes ton ai\, l,
arc os-, apresenta algum as va i1_ ur,, e , ! J

a da nça dos
l '

. n, ar i n ho para outro.

ALO DO AM AR A t\JT E)
(TOADA DE SÃO GONÇ

Sã o Gonçalo do Amaran te
São Gonçalo do Amaran te
Casamenteiro das moça
Casamenteiros das moça, eiááá

Oi, casa-me a mim premera


o,~ casa-me a mim premera
Pra poder casar as outras
Pra poder casar, eiááá

Quem não tem cama nem rede


Quem não tem cama nem rede
Dorme no couro da vaca
Dorme no couro da vaca, eiááá

Pra dançar o São Gonçalo


Pra dançar o São Gonçalo
Tem que ter o pé ligeiro
Tem que ter o pé ligeiro, eiááá

O que noite tão bonita


O que noite tão bonita

Com vontade de chover


Com vontade de chover, eiááá

fl VIVA PAREI A! .
82 · 1 Mana Acse/rad
,\ dançl1 do~ a rco.s tc1n um drse nh (J C<J r(.: ogr(ífico ., _
. _- , ,
1 · ) CUJr ,' ,lJud, li(~é)
llc Jirc<r,JO, tra nçc1 do_ ~, é..t Vé.lll Ç () \, f('. C U(J I., , c.r u1.acc1 ,, gin , ·t
, r

. ;, c.: fíJCa \ d~ Jadu


entre os ej OJ \ (Ord oc ~ sã o prop o.l.,lo.s p. e,Jo M C\ lrc '
p ux· d j
e ,
d o e n o r m e n a t, , eJf e r J'> ar C<J ">
(D\' l) - l r a C k _.., ) . C a U S a 11 é C d

- .~ . n a m e n to' e',', a ua n r , )-iama ,


,itc n ÇJO da é:1ud1enc1a tam bérn por cont a
d· b ,J ,. rc1 e é;
a e e za (J u e eJ d<.i t < j, , fr.. .
. - - J < d, i ld)
coloridas, prcsas nos arco s el e inad eira cn verga d o~, dese nr · ,
ia n<; e ,Pª'/J.
A Jificu ldad e de da nçar é gra nde , pois, 11 ao - _
sao raro <
,, os esb arrêj cr.,, t f( J
- -- . ,
. -
peços, emp u1 roes d evid o as tro cas abru ptas d. e ireçao prop o stas pc:l<J d
e . d .
Mes tre. O 1ato e cad a vez se r realizad a de for- m a um pou co dJfc:. rt: nte
. . , ~ .
en cia dos p asso s e t d
110 que d iz res p eito a sequ . rança os torn a essa ta refa
, . t
ta mbem um pou co mai s com plic ada , tant o para os gala nt es quan o para
0 olha r da pesq u~s ado ra, enc anta da com a bele
za da dança.
se ela terja sido
Ace rca da ong em dess a dan ça, não se sabe ao cert o
se ema nc ipad o a
inse rida no cav alo- mar inho ou se, ao cont rário , teria
ça de São Gonçal o
pon to de se torn ar o que hoje se con hece com o Dan
os, ond e tam bém
(Benj ami n, 1989), com um em algu ns esta dos bras ileir
inúm eros pad rões
se danç a com arco s, mas cuja ênfa se enco ntra -se nos
ça é mui to apre-
de pé e salto s • O fato é que , no cava lo-m arin ho, a dan
17

da brin cade ira, de -


ciada, a pon to de reto rnar , em algu ns casos, ao final
pois do Boi e ante s dos sam bas.
as até cheg ar o
Ao long o da noit e, figu ras segu em- se uma s às outr
jam in, 1989; Bor ba
Boi. Seg und o algu ns auto res (An drad e, 1982; Ben
açõe s brasileiras.
Filho, 1966), o Boi é tem a cen tral de dive rsas dram atiz
ão e no País com o
Devido à sua imp ortâ ncia soci oeco nôm ica, na regi
que o rela cion am à
um todo , e tam bém por seus aspe ctos sim bóli cos
sificação do cava-
fertilidade e à festa . É freq uen te, com o vim os, a clas
ou mes mo com o
lo- mar inho com o uma "var iant e autô nom a do Boi"
defe nde rem a sua
"o Boi de Pern amb uco ': ape sar de os brin cado res
especificidade.
·d eraç ao, ~ no enta nto ' é
Uma que stão que dev e ser leva d a em cons 1
que pud e pres en-
que no cav alo- mar inho , ao men os nas brin cade iras
ceu e ' qua ndo o
. ao long o dest a pesq uisa , nem sem pre o B01· apar e
ciar
fiez, assu mia mui to mai s a funç ão de fi na1·1zar a b nn · cade ira ' acor dand o

) e Mülle r (lOOl ) .
17 So bre a Dança de São Gonç alo, ver Quei roz (1958

. rrênc ias e singu larid ades ) 83


o- reco '
ri o r;::iv;:ilo -ma nnh
a audi ência com sua bela e vio lenta d ança, do que ~c r via d _
e: Dl c1Lc.: <
entrecho dramático ao qual se Iigava1n as suas partes. Tal e )LJ
om u tant
outras figuras, o Boi vem sendo ress ignificado n a bri ncadeira t· 1
, a Vt z d .
ª"'
vido às mudanças experin1entadas nas condições de vida do~ traba! ~
dores rurais da região, que não detém mais o acesso à terra. o fa t , ha-
. - o e que
0 B01, 1nesmo nao representando uma figura central, ainda contribui

para a beleza do cavalo-marinho, pois é considerado "um a das graças


da brincadeira':
A roda grande, onde se cantam as toadas de despedida, propõe uma
nova configuração espacial e rítmica. O banco encontra -se de pé, no lu-
gar onde foi o centro da roda ou mais adiante, formando um semicírculo
completado pelo Mestre, pelos galantes Mateus e Bastião e circundado
pelo público presente. O andamento das músicas é bem mais acelerado,
e a dança consiste, para aqueles que formam o círculo principal, em se
mover em fila indiana, um atrás do outro, parando sempre que para a
música. Essa formação se antecipa ao momento do Boi e o transcende.
Quando o Boi dança, ressuscitado pela música, a roda se desfaz por um
momento, para se refazer quando ele vai embora.

(TOADA DE DESPEDIDA)

Senhor dono da casa


Adeus, adeus
Até outro dia, assim queremos
Deus analisou nosso brinquedo
Analisou com alegria
Dando viva ao nosso Mestre e à nossa companhia
Analisou nosso brinquedo
Analisou com atenção
Dando viva ao nosso grupo, Catirina e Bastião

1ªl como
'T'
a toa d a solta de abertura canta "Boa-no1·t e, meus senho-
• "V.iva s'"
· corres-
res.,,, pe d.1n do licença para dar início à brincadeira, os

84 ~ VIVA PAREIA' I Maria Acse/rad


.i , a urna despedida qut reverencia a todo< < • .
po nuc 11 1 . .. , >"i cnvo 1VI< 1r) -.., e ex-
pi c,s..."' 0 fina l do cavalo
.
- marrnho . Ce lebram O \ brin c 1 • •
. _,\( ore:), a aud1cnc1a,

rídadcs da cid ade, o dono ela bnncadc:i ra <.: rc< p .• 1 • .


as ali to . . ~ u am éJ "icguinlc
cstn' l, Lra· uni ou doi s bnncadorcs assum em O pai)cl de p uxa
l-- • • •
, d ore\, cn-
guJJ1 to to dos os outros respond en1 em coro grit ado o) "V ·iv· 1"
_. ,. · ª"· con(, ..
interessante n1ate1 ial de analise para a compree · de riu""
n<:ião
.
til ue111 . . '1 1..-m,
:ih_nal, fiz
e.
parte d essa colet1v1dade representada pela brin cadeira t qu'·'--
~ ]ui ran1 bé1n as pessoas que estiveram ali presentes ass ist indo ou de
111C ,
fonna colaboraram para isso. E um mom ento de saudação e
algu ma(, . . . ,
c1legria, princ1paltnente porque, quando realizado por Mane Roqu e,
este O faz com bastante entusiasmo. Depois que ele mesmo é saudado
por alguin outro brincador do coro, costuma-se bater palmas, e acaba a
brincadeira.

(VIVAS)

Viva o dono da casa, senhor!


Viva!
Viva O dono da cidade, senhor!
Viva!
E viva o prefeito também, senhor!
Viva!
Viva os meus meninos, senhor!
Viva!
Viva Mané Deodato, senhor!

Viva!
Viva Biu Roque, senhor!
Viva!
·gos senhor!
Viva todos os meus am1 '
Viva!
E viva Mané Roque, senhor!

Viva!

. laridades J 85
. - recorrências e s1ngu '
. alo-marinho
Uma brincadeira de cav
.. 't· l ,J )11 ,,

b,1, rt •r (l rn ir , 1 T1 ( 1 ,, ,, c
( h ,.1 .n 1
11
'-· • t Jc.d ,.JI ,
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, li n r" <, d e r, li ; e l
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b.ll id,1., (.(' p.trl, )f () tJ llC \, li d,· L.1tu (l T H dl (. uJ f d ( (J f
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, np.u e < m es sa s fu n ço c s a() lr >n gr , da nr,,
,., •. , ,11 ,c c ih c1 rnr1r,1 .
d a n< J cr1rn1nhac1
d _r,
.lC/ IH ( riaf e a .'iu b1
e ) rc< o lh í n w
n t o d o mc1 tc
cm n1 c ío à ca n to rí a d o . . h ri ncadr,í
;n n da
m.i 10 1,a d. 1, vc ;c <,, ia g em d e vol ta sustentd rr, c 1
,

c« ,n 10 d u ra nt e a v
tu, ,. 1\m ,1do ,, q uc 1n i , e n t re as m ú si cas cntor1da .. cr,u)
inclu
\e.., , <.' mo nwn to o ~amba já inc?-<~t,-
m o d;i hr
O can sa ço e o té rm
1 1

d1 a \ , bt1 1o c<.. e sa mba s anti gos. onte ceu durr1nte 1


m ar
d e tu d o o qu e ac
zer a sensação
nii o chega 111 a d esfa e ce m ai n d a es ta r prc~entt:s nc~
f: c u rio so co m o muitas figura s p ar o ainda melado ele
no it e.
m e ta d e, d o ro st
pela
!-, C m o rncnto
, a través do s trajes p u n h o e d o s co rp o , exaus
s em
o r, dos in st ru m e n to
ti n ia d c rr cl jd a de su
o res q u e en ca m in h am -se para casa e,
d esses brincad
tos e e mbriagados
e ta m e n te p ar a o tr ab al h o .
às vezes, d al i d ir
ti o d e B iu R o q u e, p u d e p resen ci ar repe
do ao sí
Pela n1anhâ, chegan ex p re ss ar um tanto da condiçã o
na que me parec eu
rida s vezes um a ce õ es , se m p re in te m p estivas, en-
v al o-marinho. Discuss
do b ri n ca d o r d e ca
am o lu g ar d a b ri ncad eira na vida, o
aria questionav
tre Biu Roque e D. M er g ia d es p en d id a : "O seu co rp o
e a q u an ti d ad e de en
reto rn o fi n an ce ir o
d iz ia ela. N es sa s situações, Biu Ro-
deira continua!':
se aca ba e a brinca fa ze r d if er en te , p orque sem pre
e co s tu m av a re sp o n d er que n ã o p o d ia brincar. O temp o
qu p o d ia d ei x ar d e
velho e fraco n ão
fora assin1 e 1nesmo s pel o co rp o , q u e experimenta
ca d ei ra são ap ro p ri ad o
e o es p a ço n a b ri n
d o s se u s p ró p ri o s co~tornos. Po r
se nsações qu e amp
liam a d im e n sã o d o r. "T er uma brin -
u m b ri n ca
a b ri n ca d ei ra é o p ra ze r d a vida d e Uma est ratégi a
isso, d iz ia B iu R o q u e.
de ira é te r u m a al egria na vida': já na imaginação de
ca d e q u e m vi u , se ja
ja na m e m ó ri a
d e permanência, se
quem não viu.

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