Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ACSELRAD, Maria - Viva Pareia Capítulo 02
ACSELRAD, Maria - Viva Pareia Capítulo 02
r,
~ 57
I
n,rntc o inlcrcs '>C d a aud i ém ia, a')<-iirn corn cJ ;,i di'J)' .
) ,,(( (J ' ' '
11
br i1ic êl dorcs. ' ,· J,,
SuJ for ma J c orga ni zaça u pr ivilcgiacia ,~,1 n,cL.1 . ;.. lr;( _,, 1
1
,_
/ • r
_
co ntribu i para êl perm anência do pú bli co qu e, au lrm 1i,' ) eI· r,r J i 1'
1
• ',. · , '
,J
me com ida e, principalm ente, bebid a. O banco C( J<., ! tiin ·ri ,,( jJ ()' r ';,, ';
de (rente para uma ru a comprida, favo rece ndo a ch,,u,:1c.l ·i:.1 l ;-i •• ·1• ' ·j ' ' 11,
'--h'
fi guras . O chão con sid erado m ais adequ ado é o J c a~ta lL0 ,r1ir ,, rL,
. . ' I b. d · . <;u p,u,il( ·1,
pípedo, mas, quan do mev1tave , a rrn ca eJra acon tece 17 lJJiJ dld(_ ·' ! 1 1
.
terra batida, para desespero dos toadeiros, qu e depend em ci -:i rc<-.J\lu1 '
r. (-4
1
58 ~ VIVA PAREIA' 1 Maria Acselrad
I
1
1
.,,1
>
'1
Urna brincade ira de ca v alo-ma rinh o - recorrênc ias e singul aridad es ' 59
r-
ncntc ,,
)cr transm it id os ,eu,: .rl1d .
. , ~ e m cm ,1 1 i ,
. cos tum am , . té cn 1c as cr..,pccJ1Jcc1 . · , ,, ,
. presente s • • em prall ca .,
gos ,1 l 1 ·d de hi sl <J rj ca ) cs 1.,as rnfor .m~1r <,( 1(, , ,11 i
~ mes mo postas . . .
qut, co nt Jn UJ a
A m é11 or ia elo -, br rncdd()r c (_ ,·'- ,1. .
arant c!ll a suarelatJV . ( cil id ade. , ·m no me e Lo.r-r J'c' r 1,
a ª o pr ·r 1
op ,,, .
1
g
1
· ltc rílf co !l1 · sa be es• crev er 1
..
. , , n·
.se , . N max 1m. 0 ) , gera lmente se m rccon 1~cc.r graf1c1 iJ1 . (j'
.
VIVA PAREI A'. 1 M an a Acse!ra d
.
Esse co nce it o, "grac iosa m ent e con lracl itório", a rti c ul a f1n ,tudc C()m
_ ·t1 il id,.1de, im po tê ncia co m a o nip o tên cia, o se r com o n ~10 '.:>C r pél ra
~)OSS I _ . . .
.. . J -1 dimensc10 c ri a ti va d a vJ.da. Na rn es m a ob ra, o autor a fir m a que
1 l',l t,ll '
tigo quanto o prime iro u ten sílio d e tra balho é a m ásca ra . ísto e'.: '
t..iO a 11 .
tir do momento en1 q ue o h o m e m adqu iriu a co nsc iénc ia e.l a rc-
~1 pa r
aii dade na qual se en contrava, d e u-se co nta tam bém d a possibili dad e
de transfor m á- la ou p ercebê-la d e uma pe rsp ec tiva d ifere n te. Trabalh o,
brin cadeira , socied ad e seriam , p ortanto, fo rmas d e orga ni zação m ovi-
das por essa f atalidade móvel, mediante regras o u regul arid ad es criadas
e recriadas, num p rocesso de constante transfonna ção.
O cavalo-marinho é o resultado de uma interação entre diversos fa-
to res. Uma combinação particular e histórica que propicia, a cada n oite,
res ultados diferentes. A presença e a relação que se estabelece com a
brincadeira são condições fundamentais para a sua realização. Por isso,
uma transitoriedade estrutural, aqui, deve ser compreendida como ele-
mento altamente constitutivo e determinante de um tipo de prática cul-
tural que tanto depende dos sujeitos envolvidos.
A partir deste momento, proponho fazer uma relação dos elementos
que constituem as etapas que estruturam o ritmo 10 do cavalo-marinho.
Ritmo, e não estrutura, pois, apesar de ambas as noções compartilharem
a ideia de divisão, o fato de as etapas da brincadeira serem chamadas de
partes ou passagens e não implicarem necessarian1ente em uma sequên-
cia predetern1inada sugere que u1n dos elementos mais característicos
num cavalo-marinho é a forma como ele é repartido e interligado ou,
ainda, combinado e experimentado a cada noite.
Um cavalo-marinho se inicia com o acerto da brincadeira. Os brin -
cadores afirmam que já faz muito tempo que a brincadeira acontece
mediante pagamento. Sem dúvida, ele é sempre insuficiente, principal-
mente se levarmos em conta a quantidade de pessoas envolvidas e as
10
~or ritmo , entendemos aqui o qu e Jea n -Jacq ues Wü nenbu rg e r (19 96) c ha ma d e organ iza-
çao diferenciada e rep etitiva de um rno vimen to . O rit m o não é so m e nte u m objeto d e co -
nhe_cimento, mas o s ujeito mesmo do pen same nt o , na me dida em que, longe de se r um
ícnorneno na tural já constit u ído, so bre o qu a l é precis o estabel ece r a causa, a forma e os
efeitos ' e le é a ma t ri·z es pa ço-te mpo ral d o pe ns amento me s m o na sua a ut oa f ecçao- e au t or-
rep rese ntaçà º· N o ritm· o en co n tram -se qu e stões de es pa ço, d e t em po , d o e u e d o out ro, d e
0rd
em e desorden1. Se u e st udo é urn a re fl e xão so bre a vida do pensame nt o .
nu;11
O Ll na
-
. 0
a brinc
·
ar num deter minad o gr upo. D1fercnle da época l'.m
ljlll:',l :
brinc ava todo sábado, no terreiro de casa, sem perspecti va de pagar
n u,
to ou contando apenas com a contribuiç ão da audiên cia. Ou quand
()
antes ainda, 0 cavalo-marinho era mais uma brin cadeira do "temp
o d~
nego cativo", quando se costumava brincar «pelo amor da coisa".
Com dia e lugar marcados, o dono do caval o- marinho pod e come
-
çar a espalhar a notícia. Alguns brincadores merecem visita espec
ial.
Outros são avisados por recado enviado através de pessoas próxi
mali.
O papel desempenhado na brincadeira e a qualidade da relação
com 0
dono, assim como a dificuldade de acesso ao local de moradia
de um
brincador, são alguns dos motivos que podem tornar uma visita absol
u-
tamente necessária. Para aqueles que moram em outras cidades, o
reca-
do costuma chegar por telefone, geralmente um orelhão compartilh
ado
por toda a comunidade.
A visita também pode se dar de acordo com o orgulho do brincador,
que pode se mostrar magoado quando sabe de uma brincadeira por
ter-
ceiros. Relações mais longevas costumam revelar, frequentemente,
esse
tipo de melindre, que o dono do cavalo- marinho procura, com
todo o
cuidado, evitar. O cuidado, como vimos, faz parte da relação de confia
nça
que permeia a brincadeira e começa a se desenhar já na fase do seu
acerto.
Outro motivo que merece visita é no caso de doença ou estado
de
fragilidade decorrente do abuso da bebida por parte de um brinc
ador.
Muito comum na região é o alto consumo da cachaça. Parte consi
dera-
da mais suja da cana, retirada do caldo durante o cozimento (And
rade,
1986), a cachaça é muito barata e acessível. É a bebida, por
excelência,
que acompanha a brincadeira. No entanto, seu consumo exagerado
cos-
tuma trazer graves consequências, não apenas para a saúde dos
brin-
cadores, como também para a sua relação com a brincadeira.
A falta
de responsabilidade em relação às apresentações ou cenas de absol
uto
descaso com o próprio instrumento já resultaram em quebra defini
tiva
de laços de confiança entre um Mestre e um brincador, por exem
plo.
il
62
) VIVA PAREIA' 1 Maria Acse/rad
d
, ·te que não imped iu a vis ita do Mc~trc de ou lro gru po ao referido
[-ci ln es ..
. dor na espe rança de que ele parlJc1pas~e de ~ua pró pria brinca-
br1 nca
(e
. . E mais: qu e voltasse a tocar e parasse de beber, já qu e era Lâo bem
1 11 a.
cons1•tiera do en tre os demais tocado res.
•
Nessa visita, qu e pude prese nciar, mos trou-se evid ente o quanto a
ma ni festação de cuidado desse tipo pode desencadear o processo de re-
cuperação do vínculo do brincador com a brincadeira. Essa é uma atitu-
de esperada de um dono de cavalo -marinho, que tem o dever de cuidar
e conquistar seus brincadores. O contrário costuma gerar um a séri e de
desentendimentos que, se não forem desfeitos, criam fronteiras intrans-
poníveis nos relacionamentos, prejudicando, muitas vezes, a realização
da brincadeira.
Com os brincadores devidamente informados, já se pode começar a
pensar nos preparativos materiais. O traje dos galantes é lavado; os ins-
trumentos e as máscaras, reunidas; e as armações dos bichos, apruma-
das. Essas tarefas são de incumbência do dono do cavalo- marinho ou
do Mestre, quando este acumula a função de dono. Já o traje de Mateus
e Bastião; os elementos de cena, como bexigas e chapéus; e os instru-
mentos , como a rabeca, merecem o cuidado especial de seus próprios
brincadores.
O dia da brincadeira é um dia atípico. Parece nitidamente maior. É
um dia de poucos deslocamentos na casa de Biu Roque, que, no máxi-
mo, sai para acertar o horário do caminhão. As horas passam vagaro-
samente , enquanto os brincadores chegam, ao longo de todo o dia. Os
que moram mais longe e os que são mais íntimos chegam mais cedo,
juntando-se aos parentes de Biu Roque, dentre eles, alguns brincado-
res. Comem juntos, jogam dominó, fumam, conversam e trocam piadas.
É comum também acontecer uma roda de mergulhão durante a tarde.
Com o cair da noite, chegam os demais brincadores.
Quando Biu Roque ainda morava no Sítio Tabajara pertencente 11
,
à Usina Sta. Teresa, era num escuro quase absoluto, iluminados apenas
11
N~ deco rrer da pesquisa, Biu Roque se mudou do Sítio Tabajara , area rural do dist rito de
Cha do Escon so, em Aliança, onde permane ceu como último morador, e foi viver nas rua s
desse mesmo di strito . O termo rua é utilizado para designar as localidades ou aglomerado
s
mais urbanizados na regiã o.
. rf'"•11~1. '-.:
c1.d a de de lta qu iti ng a, vista ao lon ge - cid ad e on de ' \)d I; ,,
aco nL ecl '. a _, .
das br inc ad eiras desse cava lo- 11i a11 -- ,.
n1 ar in ho. 1
rt/{1, q (
uase toda par tida do cavalo -mann ho conflitu osa, mas I ncví tavc l.
0
Durante a pesquisa, pude presenciar inúmeras situações em que
Públ'ico expressava um profundo estranhamento relaciona dO ao fato de
que pessoas de iora
e · « coisa des-
VIessem de tão longe para estudar uma
sas': O que e fl . . d · a pode se
me iez re etir sobre até que ponto uma brinca eir
66 lf VIVA PAREIA'
· 1 .
Mana Acselrad
sus·tentar sobre in teresses e mo ti vaçõ es de pc~~oas ouc não a vivc ll ci<-1 m
I
110 cotidian o.
Antes mes mo de todos os bri ncadore s estare m reuni dos, 0 cav alo-
-rnarin ho começa . É a música que marca o seu início. Um o u ou tro brin -
cado r se senta no banco e começa a ch amar a atenção daque les qu e es tão
por perto através do toque do seu instrum ento. Co m o banco completo ,
isto é, um mineiro ( ou ganzá, cilindro metáli co carregad o de semen-
tes) , duas bages (espécie de reco -reco feito de mad eira de ta boca)i um
pandeiro (circunf erência de couro ou lona, com platin elas presas ao
aro) e uma rabeca (espécie de violino, feito de madei.ra de mulung u,
com afinação em quintas) , as toadas soltas podem começa r a acontecer.
Primeiro, apenas instrum entalme nte, depois encorpa das pelo canto. O
canto de início respeita mais ou menos o mesmo princípi o na maioria
dos cavalos- marinho s. Geralm ente, é uma saudaçã o às pessoas que ali
estão presentes e às que vão chegar, aos santos padroei ros e ao dono da
casa, aquele que contrata a brincad eira.
As toadas soltas são momen tos em que os brincad ores, mas também
o público, dançam . Todos de frente para o banco, individu almente , al-
ternam passos variado s, que são puxado s pelo brincad or mais experie n-
te. Essa configu ração vai se repetir em diversos momen tos da brincad ei-
ra, geralmente no seu início e também nos interval os, entre uma figura
e outra. Uma pequen a abertur a na parte do arco diametr almente oposta
ao banco, por onde vão chegar as figuras, é o que geralme nte vai deter-
minar a frente do banco. É necessá rio ter bastante espaço para a entrada
das figuras, que já se encontr am em cena a partir do momen to em que
saem da tóda. Por isso, o banco costum a ficar de frente para uma rua ou
. . . . l<nnpl t t· -
a brincadeira, deixando os bnncadores cantando e d anç d dnitn t<:
• .
tre si enquanto, em. outros momentos, invad em a roda d .
an ªPtn - ° a<i l n.
' , eixand(
vez menos espaço para a cena acontecer. A forma da rod a J cada
· - ·1 ,. t' l 'f ,enqu antod i..,
posiçao espacia propicia para o espe acu o, e ator primordi al a ·
_ d' , b]
tabelecimento d e uma re 1açao ireta com o pu ico que pod P ra o t <i
·
' e escolh
o ponto de vista mais interessante e o grau de intensidade de . er
, . . , sua parti-
cipação. Alem disso, funciona tambem como moldura para uma l _
re açarJ
fundamental no cavalo-marinho, que é a de dançadores e tocad ores.
Depois de algumas toadas soltas, a figura do Mestre chega e 5 eco-
loca ao lado do rabequeiro. Tocando um apito, o Mestre vai partilhar a
função de organizador da brinçadeira junto com o toadeiro/pandeirista
alguns outros tocadores, figureiros e o Mateus. Mas isso depende d~
cavalo-marinho. A figura do Mestre costuma ter um papel muito im-
portante e condensa funções bastante específicas, como puxar a dança
dos arcos, colocar a figura do Capitão, determinar quais as figuras que
vão "sair naquela noite", seu momento de chegada e de partida. Porém,
a dificuldade de encontrar alguém que reúna todo esse conhecimento,
hoje em dia, faz com que, ao menos no Cavalo-Marinho de Biu Roque,
as tarefas do Mestre tenham sido redistribuídas e incorporadas por ou-
tros brincadores.
Junto com alguns figureiros, o Mestre vai organizar o mergulho. Pe-
quena roda que se forma bem perto do banco, o tombo do maguio ou
mergulhão (DVD - track 1) é uma dança em forma de jogo, que tem rit-
mo binário, passo e toadas próprios, versos mais curtos e uma pequena
variação na acentuação de um para o outro.
11
~ Esta cate g · , .
ona sera discutid a mais adiant e .
li;; q;.
. lhão, .
enho coreogr áfico cio mergu CX I \ ll'. ui"rl• .
Quanto ao Cjcs , d l ll\t i
1
t
_ d e 1e
e ..1 •da por Mes tre Ma noel Sal ustiano ,, rn al', conbnc ·d
'- lu< ; ,-(J
•
. , . . . d para 0lin-
13 Mestre Salust1ano e natural da cidade de Aliança , mas muito Jovem se mu ou - do Gove
r·
JUn °
· t com sua famd1a
. . . M tre Salust1a
• no nasceu
terreiro llum1ara Zumbi, em Cidade Tabajara, periferia de Olinda . es
8
em 12 novembro de 1945 e veio a falecer em 31 de agosto de 20° -
cava , .
por função, alem de marc~r o ntm~ do pandeiro na propria perna, bater
naqueles que atravessam madvert1damente a roda, geralmente embria -
gados. São as famosas lapadas, expressão que, curiosamente) também
significa dose de cana.
(TOADA DO MATEUS)
doe - e:ª
Jurem a - culto indíg ena popu lariz ado por diver sas regiõ es Estado
, , l .d .fi brinc adore s
d e Pern am uco.b O que e passi ve 1 entI car entre os
entan to, é uma clara opos ição em relaç ão à dout rina evangélica , a raves
t ' n,o
e uívo~
das ridic ulari zaçõ es que assoc iam- na com fraqu eza, fresc ura ou
; brin -
co. Possí veis adesõ es à cham ada "Lei de Cren te" surge m entre 0
mina.
cado res quan do a vont ade de aban dona r o cava lo-m arinh o predo
-
Mest re Ináci o.Lu cindo , do Cava lo-M arinh o de Camu tanga , comen
ta a ligaç ão de seu filho com a relig ião evan gélic a:
2
7 ' VIVA PARE IA' 1 Maria Acsel rad
_ ir;ick J). Pareia sign ifi ca companhe iro. Aqu ele: cum qu em <,e e'ilab e-
-
1 ·, e u 113
I L
relaç,10 de pa rceria, afin id ade. Há toadas cJ c ca valo- marinho
eL~c .ilinnarn "não existir pareia igu al" a de Mateus e Basti ão e, por isso,
q ,do eles não se afinam , a brincad ei ra é desma ntelo ga rant ido · ·Ser
quar , , . . , .
to, tamb em e consi derad o neces sano para o succ <;so de
pare l·,,1, 11 0 entan
diversas relações dentr o de um cavalo-marinho: ent re os tocadores, en-
tre os dançadores, entre os figure iros. Para a brinc adei ra ser conso
nante,
"tem qu e ser pareia", afirma Mariano Telles, puxa dor de arco e figureiro
do Cavalo-Marinho de Biu Roque.
Mas essa relação tamb ém admite mom entos bastante violentos. Ma-
-
teus e Bastião, ao longo da brincadeira, protagonizam cenas de inten
sos conflitos, disputas e trocas de insultos. O que permite afirmar que,
quanto mais íntima, mais provocadora será a pareia.
Sq . d . 1gu 1J d
por pe bnnc a eira por qu c~Lôc:s nic
d
.
. . teri·a 51·do retirada da .. Jfa h. ;\ )r
J
Ca t1nna A • • •
d V
ez maior de muJheres. na aud1. enoa , in satisfeitat Unn é:\I , c.-.
1
sença ca a
. tação na brincadeira, tena susC1tado um a_espéc ie cle prts\àq ,LlcJ
1 eprese n
. t ·to de censurar o personagem. No entan to, talvez ~eJ·a o ca\o dr
no tn UI , .
em consideração que, nesse . caso, os propnos hom ens pod crn , ·
leva r . . ter
se privado, diante de uma crescente pres:nça femm ma na audién cia, dc>
74
1 ' VIVA PAREIA' 1 Maria Acse/rad
1
1
eu dese mpen ho, conside rado satisfa tório pelo público prese nle, os faz
. _dinheiro para guard ar ou beber. O hábito de "ped ir a so rte" era
5
g·in 11a1 hoje identifi cado em al-
' . com um no passado, podend o se_ r ainda . .
111a,s .
s brinca deira s por figuras que nao se limitam a Mate us e Ba~ti ão.
gutn a
Nã o é qu alqu er um que pode ser Mate us. Essa fig ura exige m ui ta
·i·dade> conce ntraç ão, criati vidad e, capac idade de im proviso e um
aaJ 1
e
d~mínio muito grand e da brinc adeir a como um todo. Algo que parec
ter sido mais frequ ente no passa do é o fato de os brincad ores que bri n-
cam de Mateus serem filhos de Mateus. Essa relação de heran ça direta
nos
com um deter mina do ofício nem semp re costu ma ser ident ificad a
tive
demais papéis da brinc adeir a, pelo meno s não nessa geraç ão a que
con-
acesso . Parece que ser filho de Mateus, mesm o quan do não se dá
e à
tinuidade ao ofício do pai, reper cute na mane ira de agir, que remet
o-
figura. Qualq uer que seja a funçã o do brinc ador dentr o de um caval
ia
-marinho, ele é extre mam ente afiado em seu humo r, tem muita energ
e guarda muitos segre dos sobre a brinc adeir a.
Já o Bastião não preci sa ser uma figura tão perspicaz. Pelo contr ário,
gar-
tendo uma postu ra mais passiva é que ele conse gue arran car boas
com
galhadas da audiê ncia, estab elece ndo uma tensã o comp leme ntar
a à
seu parceiro. Porém , quan do ele tem uma atitud e mais assem elhad
cena
do Mateus, a temp eratu ra da brinc adeir a esque nta e a tensã o da
esta-
se transfere da dupla , agora cúmp lice, para a relação que deve ser
s
belecida com o banco, com o Mestre, com o públi co ou com as figura
ar
que chegam. Talvez por isso ta1nbém seja de costu me na regiã o cham
a dupla de "os dois Mateus':
Ao longo de toda a noite, diversas figuras vão apare cer na roda. Exis-
s.
te uma estimativa de que o cavalo-ma rinho possu i seten ta e seis figura
não
Segundo Biu Roque, as figuras repre senta m etapa s da brinc adeir a, e
o de
apenas personagens. E não neces sariam ente possu em uma relaçã
pa-
interdependência entre si. Embo ra figuras que costu mam vir acom
e
n~adas ou seguidas de outra s, por vezes, deixa m de apare cer porqu
nmguém mais detém o conh ecim ento acerc a de como colocá-las.
Tudo isso faz com que não exista uma ordem prede termi nada ou um
-
encadeamento natur al, isto é, uma narra tiva prees tabele cida no desen
. . . ,
talvez seJa o caso da C at1nna, M es tre In ac io Lu cincim in. fiaJ t \ ta r, u,r,ir 1
o r1 1rn 1a
fi gura s ''sumiram porqu e tjJ1ham que sumir. O cavalr . <111 (.: Lti.
-i -rn ar 1nh r
porqu e preci sa mudar. Porque as coisas mud am". ) rnurh
De qualqu e r m an eira, elas mudam porque as pe< sc>·
-~- ª~ l:ílV< J d
com a brincadeir a també.m mudam. As figuras d epend em de . ) vi . a\
, , . que::m ,;,aiba
coloca- las. Do contrano, elas desaparece m, ficand o ap enas na , .
. . . memoria
coletiva dos bnncadore s que tiveram a oportunida de de co nh ,
ece-1as
O que pude identificar, no entanto, ao longo do período de real·· - ·
1zaçao
da pesquisa, é um processo de redução no número de figuras, além do
tempo de permanênc ia delas na roda. É comum os brincadores atri bu -
írem essa síntese ao fato de que, atualmente , não existiria mais tempo
para colocá-las. Mas, ao serem questionad os sobre o motivo da falta de
tempo, muitos respondem circularme nte afirmando que é pelo excesso
de figuras. Alguns brincadore s, porém, atribuem essa redução de figuras
e, consequen temente, da duração da brincadeir a ao fato de que os tem-
pos são outros e que ninguém mais se mostra tão disponível para um
tipo de brincadeir a de longa duração como o cavalo-mar inho. Porém,
foi consenso a opinião de que poucas pessoas atualmente sabem colocar
as figuras que costumava m aparecer no passado, porque "o saber está se
perdendo':
Uma hipótese sobre a responsabi lidade de tais mudanças na brinca-
deira é a de que um novo formato de cavalo-ma rinho, que tem come-
çado a se populariza r porque é mais curto e menos dispendioso , eS tªria
contribuin do para o desapareci mento das figuras. Por uma apresent~~
ção de apenas uma ou duas horas, e até mesmo de cinco minutos,}ª
e e · • d resentaçao
1oram 1echados contratos de cavalo-ma rinho. Esse tipo e ap
ocorre, geralmente , no Recife ou nas demais cap1ta1s . . d p , em rnos-
o ais,
. . e . . d d d.
t ras, circuitos e 1est1va1s, on e não se costuma e 1c tanto tempo a_ ar
tem garan
uma manifestaç ão cultural como essa. Esse novo formato ais
.d . d t físico e rn
t1 o mais contratos retorno financeiro menos esgas e
' , figura 5, e
popularida de à brincadeir a, no entanto, tem feito com que as
1
• 1
76
' VIVA PAREIA• 1 Maria Acselrad
. l)oa rnarlc da memória do cavalo-mari nho, c~lejam vivendo um
elas
1
CL) Il de transformação dentro da brincadeira.
rocesso d - .
P c omo resultado dessa a aptaçao aos novos contex tos de rea lização
. ade ira , um movimento de padroni zação pode se r obse
.
rvadcJ ,
i brinc . .
'ªno que_diz respeito às- toadas, danças e figuras
,
que devem ser colocad as,
.
o a uma reflexao acerca do que e essencial num cavalo- marinh o.
1cva nd .. _
. vos contextos de reahzaçao possuem como referênci a parãme-
Esses 110
téticos distintos, e, aos poucos, os grupos se veem em situação de
tros es
disputa por esses espaços, buscando negociar com outros referenciais
e, 30 mesmo tempo, tentando adequá-los aos padrões estéticos nativos.
Em outros tempos, quanto mais toadas, mais danças, mais figuras, me-
lhor a brincadeira. Atualmente, busca-se atingir a qualidade através de
um formato condensado, quase um desfile de figuras e de momentos
visualmente impactantes.
As figuras que pude conhecer são mais ou menos as mesmas em
toda a Zona da Mata Norte de Pernambuco. Dentre elas, encontram-
-se o Soldado da Gurita (DVD - track 4), o Mané do Baile, o Empata-
-Samba, os Bodes, o Valentão (DVD - track 6), o Cavalo (DVD - track
7), o Ambrósio (DVD - track 8), o Babau, o Veio Frio, o Mané Taião
(DVD - track 9), o Pisa Pilão, o Bebo (DVD - track 10); a Veia do Bam-
bu, o Veio, o Padre e o Cão (DVD - track 11 ), o Mané Chorão, o Vila
Nova (DVD - track 12), a Margarida, o Mané do Motor, o Bodegueiro,
o Mané da Burra e o Vaqueiro (DVD - track 13), o Boi (DVD - track
14), entre tantas outras 15 •
Apesar de versarem ao pé do banco, sempre com acompanhamento
do choro da rabeca e canto de resposta dos tocadores, as figuras não têm
como preocupação construir uma narrativa comum a todas elas. Elas
vêm basicamente dançar e cantar. A roda parece ser o meio do caminho
entre o lugar de onde vêm e pra onde vão. Dessa forma, ao chegarem à
roda, fazem sua apresentação e, ao saírem, a sua despedida. Algumas
~
5 O DVD anexo contém imagens de apenas algumas das figu ras aci ma mencionad as . Em bo-
• '
ra todas elas sej am representativas e enriquecedo ras para o entendim ento da brincadeira,
ª edição desse material teve como princípio um t ipo de reco rte que priv ileg iasse ª chegada,
0 desen d 1 · de
. vo 1vi·me nto coreografico e a part ida de algumas figu ras observa as pe ª equi pe
registro aud 10 1. . .
v sual, que acompanhou a real izaçã o da pesqui sa .
78 lf VIVA PAREIA' · 1 .
Mana Acselrad
As (1guras são tipos que fa lam do trabalho, do amor, do cotid iano e,
. s vezes, referem .-se à realidade canavieira. A cana-de -açúcar ainda
1nu 1t a .
. se nta um papel importan te na economia da regi ão e no cotidiano
rep te . , . .
brin cadores. Seus corpos e suas h1stonas de vida es tão marcadas pela
dos
toadas de cavalo- mari nho ·
cana, e isso pode ser identificado em muitas
(TOADA SOLTA)
(TOMBO DO MAGUIO)
80
~ VIVA PAREIA' 1 Maria Acselrad
1alo -marinho ·-... Apesa r de se con sid era rcm um , .
0 11
. •
gru po Jov em, a
1 ,11 1
_ eriê nc1a com a bnncad e1ra, par ticipand ocleo utr o~gr up ·d ·-
o.P .
, leva da em cons1d eraçao ao . coment
~
are m s ° 5
0 6re a qu ali dade d b •
a reg1 ao,
e . . aUng · a rin -
.. de ira. Musicalm ent e, os brincadores iram um grau d R . a-:.i
~ c·,as e singularidades J
'
81
. h _ recorren
nn °
Urna brin cad eira de cav alo -ma
ria çôes ton ai\, l,
arc os-, apresenta algum as va i1_ ur,, e , ! J
a da nça dos
l '
. n, ar i n ho para outro.
ALO DO AM AR A t\JT E)
(TOADA DE SÃO GONÇ
Sã o Gonçalo do Amaran te
São Gonçalo do Amaran te
Casamenteiro das moça
Casamenteiros das moça, eiááá
fl VIVA PAREI A! .
82 · 1 Mana Acse/rad
,\ dançl1 do~ a rco.s tc1n um drse nh (J C<J r(.: ogr(ífico ., _
. _- , ,
1 · ) CUJr ,' ,lJud, li(~é)
llc Jirc<r,JO, tra nçc1 do_ ~, é..t Vé.lll Ç () \, f('. C U(J I., , c.r u1.acc1 ,, gin , ·t
, r
) e Mülle r (lOOl ) .
17 So bre a Dança de São Gonç alo, ver Quei roz (1958
(TOADA DE DESPEDIDA)
1ªl como
'T'
a toa d a solta de abertura canta "Boa-no1·t e, meus senho-
• "V.iva s'"
· corres-
res.,,, pe d.1n do licença para dar início à brincadeira, os
(VIVAS)
Viva!
Viva Biu Roque, senhor!
Viva!
·gos senhor!
Viva todos os meus am1 '
Viva!
E viva Mané Roque, senhor!
Viva!
. laridades J 85
. - recorrências e s1ngu '
. alo-marinho
Uma brincadeira de cav
.. 't· l ,J )11 ,,
b,1, rt •r (l rn ir , 1 T1 ( 1 ,, ,, c
( h ,.1 .n 1
11
'-· • t Jc.d ,.JI ,
1
, li n r" <, d e r, li ; e l
,
1 r
f 1•1 ' t
b.ll id,1., (.(' p.trl, )f () tJ llC \, li d,· L.1tu (l T H dl (. uJ f d ( (J f
' J
c« ,n 10 d u ra nt e a v
tu, ,. 1\m ,1do ,, q uc 1n i , e n t re as m ú si cas cntor1da .. cr,u)
inclu
\e.., , <.' mo nwn to o ~amba já inc?-<~t,-
m o d;i hr
O can sa ço e o té rm
1 1