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A Revolta dos “Azuis e Branco”

Adilson Júlio Kwijikwenyi


O dia 3 de Junho começou tão inocente, não parecia prometer grandes
feitos de herói. Os estudantes iam como sempre à escola, longe ou perto; os
funcionários públicos e privados corriam para seu local de trabalho em V8 ou
Ip; a mamã zungueira com sua mercadoria na cabeça não calava seus gritos na
cidade: “Bom dia amika, tem batata rena, cenoura e lombi, não vai?”; “os
azuis e brancos” circulavam a cidade, sua música alta e os convites ainda se
podiam ouvir: “Mutundo... Praça Nova...Bate-Chapa...Chioco. Vai, boss?
Vai dar volta? Depois deixa”. Parecia ser um dia normal para todos, apenas
uma notícia furtiva deve ter escapado de todos no dia 2: “Estamos em greve”.
Quando todos estavam em seus postos e dedicados em suas actividades do
dia, simplesmente os táxis sumiram como se por um arrebatamento, os taxistas
se tornaram ninjas, o alvoroço tomou a cidade: a aflição daqueles que desejavam
ir à suas casas ou dos que queriam ir à escola de tarde e só dependiam do táxi
para auxiliá-los na jornada se tornou evidente. Nunca o Lubango ou o
Huambo havia conhecido tal necessidade e aprendido o valor do táxi, pois, tudo
estava parado.
O pânico se espalhou em toda a cidade como se fosse verme. Nos gritos
dos taxistas reclamando os cartões de licença, a brutalidade se revestiu da ira e
do desespero destes, que os conduziu a parar qualquer um dos seus colegas que
estivesse na via, removendo os passageiros e até mesmo atirando objectos nos
automóveis.
Esses actos teceram a arena dos gladiadores, ganharam novo sentido e
direcção. Os taxistas e os polícias entraram em confronto. A humanidade se
escondeu em meio às atitudes que os dois lados tomaram. De repente, a fumaça
pintava o céu, a feiura embelezou as infraestruturas e os automóveis, as pedras
desfilavam as estradas, as armas voltaram a chorar num país democrático, o gás
lacrimogêneo dançava no ar e nos olhos daqueles que estavam desprevenidos, os
cães pareciam demônios tentando possuir as almas, as botas, os porretes e os
escudos eram bocas famintas escancaradas, que enquanto se deliciavam nos
golpes desferidos aos manifestantes, limpavam os vestígios, mas não se
satisfaziam, queriam sempre mais; as cadeias qual cemitério receberam mais
convidados para seus aposentos, os corpos das vítimas pavimentavam as ruas da
cidade. A situação ia de mal a pior.
Mas...os taxistas estavam reclamando apenas por um simples cartão de
licença, o qual representava para eles um número gigante de repercussões ligadas
à vida. Por outro lado, a polícia queria em sua intenção, manter a ordem e a
tranquilidade na cidade, mas a verdade é que ninguém pode controlar mesmo a
vontade humana.
Por causa de tudo isso, vozes de protestos se levantaram ainda mais. A
Oposição em defesa dos taxistas protestantes declarou:
“A subida não gradual dos preços da gasolina representa uma falta de
respeito, de seriedade e de sensibilidade humana para com as famílias e com as
empresas”. Além da medida, a desumanidade foi intensificada “com a
instrumentalização das forças de defesa e segurança, o uso de armas de fogo com
propósitos anti-democráticos, ao disparar balas reais contra as populações
indefesas que o Estado tem o dever de proteger”.
A Polícia em sua defesa, parece ter declarado, não sei se com pesar ou
forças renovadas da maldade que “tempos difíceis exigem medidas difíceis”.
Uma das testemunhas da manifestação gritava em soluços: “Aqui é
guerra, a polícia está a disparar a queima roupa. O custo de vida subiu com
esta medida do governo. O povo está cansado, há mais de 5 mortos”.
E eu fiquei cogitando o que os mortos desse protesto deviam estar
pensando, enquanto seus corpos permaneciam jogados no chão. Duro ou não, se
é quase impossível ouvir os vivos, não temos tempo para ouvir “o recado dos
mortos”. Então me esforcei ainda mais, e isso foi o que ouvi dos seus
pensamentos:
“Angola é um país dos extremos impossíveis, na balança não se mantém
no centro, dista de um lado quanto do outro. Um país de duras contradições:
Implementa-se uma medida, para depois se criar as condições sobre as quais se
efetivará. Mata-se para depois dar os cartões de licença”.
“Nos deram voz para avultar os motivos pelos quais nos silenciariam.
Nosso único pecado foi começar a pensar, nossa mais polida virtude era a
ignorância, nossa bem-aventurança era estar coberto de trapos e miséria,
possuídos pelo medo, esquentando o nosso sofrimento na infame frase “isso é
Angola”, enquanto em nossa torpe esperança descansávamos que o acaso
mudasse a nossa terrível sorte”.
“Numa era dourada de Cientificismo e Tecnologia, o analfabetismo
provou ser mais inteligente que a gente instruída. Tantos meios de comunicação,
e ainda somos tão solitários, os assuntos de vida e morte são transmitidos como
as últimas mensagens na lápide dos sepulcros, o absurdo é o nosso normal”.
“A política partidária angolana provou ser funcional com terror, ela se
alimenta do sangue de inocentes, que nem as vacas magras do Egito, mas ainda
que dessas almas formosas se alimente por mil anos jamais poderá absorver as
virtudes desses Mwangolés”. Suas últimas palavras foram: “Lembrai-vos de
nós e da nossa causa!”.

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