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MARGINAL
Don Marcos
Direitos autorais do texto original © 2018 Don Marcos
O ASSALTANTE
A NOVINHA
A TRAVESTI
O VENDEDOR
SOBRE O AUTOR
CONTATOS
O ASSALTANTE
“Passa logo aí, mano.” pediu um dos seus dois amigos, compa-
nheiros desde a infância vivida em centros comunitários.
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podemos citar o fato dos patrões que exploram e humilham ao
máximo as necessidades de sobrevivência dos funcionários para
manterem o emprego através de uma demanda exaustiva e qua-
se escravista. É como se o homem precisasse subir os degraus
do sucesso sentados nas costas daqueles os quais a sociedade
veste como eternos necessitados. Talvez esse homem, sentado
nas costas de um necessitado, nem tenha a consciência de que
ele é peça fundamental para a roda gigante da desigualdade so-
cial se manter girando, pois foi modelado dessa forma pela pró-
pria família, acreditando que o que faz também pode ser chamado
de altruísmo, já que paga mensalmente um mísero salário para o
funcionário sanar parte das dívidas acumuladas pela necessidade
de se manter vivo. Ou seja, gerando energia para a roda gigante,
que sempre volta para o mesmo ponto, desfavorecendo os que
servem como assentos.
“Como assim, cara? Dei a você ontem após você ter me dito que
o vale dado pelo governo tinha acabado. Sua mãe passou a noite
em casa?”
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“Sim, ela dormiu em casa ontem.”
“Tá explicado então. Não pode sentir nada com cheiro de dinheiro
que a buceta coça logo. Vou resolver isso!”
“Oi, filho… Veio trazer algum dinheiro pra sua mãe?” A pergunta
saiu em tom irônico.
“Dinheiro você já tem, roubou do seu filho mais novo para gastar
com bebida. Não perdeu a mania de tirar dos filhos para sustentar
o álcool que te faz ficar cada vez mais desprezível.”
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A raiva descontada nos móveis que nada tem a ver com a situa-
ção é resultado de algo que vem se acumulando desde muito pe-
queno. A vida dele sempre foi difícil, não tinha nem sapatos para ir
à escola. Os colegas perturbavam com ele devido a isso; lancha-
va a péssima comida oferecida pela escola para saciar a fome;
o pai nunca apareceu diante dele para dizer: “Filho, eu te amo”.
O assaltante nunca chegou nem a saber como era o formato do
rosto do pai. A mãe gastava o dinheiro com jogos de azar e com
bebidas, pois eram o escape da realidade sofrida na qual vivia.
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calçada do outro lado.
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e fingindo serem ladras destemidas, como nos filmes norte-ame-
ricanos. O status adquirido pelo trio deixava tudo mais fácil para
eles dentro da comunidade, até mesmo levar para cama as me-
nores de idade que ficavam loucas e rebolavam mais que o nor-
mal quando os viam na frente da escola. Eles escolhiam a dedo,
pareciam estar escolhendo as melhores carnes no açougue. Para
as rejeitadas, só restavam sentir inveja das que subiam nas motos
dos conhecidos ladrões.
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novo. Não queria que ele visse a mãe naquele estado deplorável.
O irmão é a figura inocente que ele tenta salvar da realidade cruel
do mundo como se fosse a parte bondosa sobrevivente na sua
alma.
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ma objetiva o assaltante ao frear a moto centímetros de distância
do carro. Essa frase foi o suficiente para acalmar o coração da
mulher. Respirou aliviada ao ter a certeza que o celular sairia ile-
so.
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“Estamos aqui já fazem horas e nada de sermos chamados.”
“Toda vez é isso. Vem esses que não querem nada com a vida,
nem trabalham, mais fodidos que a buceta de uma puta, e pas-
sam na frente da gente.”
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“O que você vai dizer ao seu irmão?”
“Não sei, ele não merece se preocupar com a mulher que rouba o
dinheiro dele ir para a escola.”
Foi embora sem dizer mais nada. A sua tia ficou olhando até ele
virar a esquina e sumir.
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não irá existir, já que no dia seguinte a bêbada foi encontrada pelo
sobrinho de 10 anos com os pulsos cortados por uma faca de pão
no quarto que estava dormindo nos dias em recuperação. Com o
sangue perdido, já não era possível socorrê-la. O funeral foi no
dia seguinte. O seu filho mais velho não foi.
O filho mais novo da falecida foi morar com a tia. Ela recebeu uma
boa quantia de dinheiro do irmão dele para ajudar-lhe no susten-
to. Aceitou porque não concorda em ver uma criança tendo como
influência um irmão criminoso. Pegou o valor alto entregue por
ele, apesar do discurso moralista que dava quando tinha encon-
tros litúrgicos em sua casa. O dinheiro até ajudaria a pagar umas
dívidas atrasadas. Apesar da hipocrisia, gostava do garoto e que-
ria ajudá-lo a seguir uma estrada diferente da mãe e do irmão.
Salvar ele seria a sua redenção por não ter conseguido libertar a
irmã do vício que a matou.
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indicam a superlotação dos presídios no país, o inferno dos ban-
didos vivos.
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tigados. Espancariam alguém até a morte só por pura diversão.
Tinham bebido metade de um whisky puro e o sangue fervia; as
mãos pediam para serem usadas contra o rosto de alguém indefe-
so. Até as armas brilhavam mais, como se dissessem aos donos
que estavam prontas para serem usadas a qualquer momento,
e que não iriam deixá-los na mão. As armas têm a prerrogativa
de deixar o homem que as empunha com um poder ilusória de
imortalidade. Guardaram as armas dentro do calção e foram ca-
minhando pelas ruas da comunidade.
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“Vamos, meu camarada! Não me faça gastar uma bala com uma
pessoa inútil como você. Já paguei cadeia, acha que tenho algo
a perder aqui? Não vai ser novidade para mim não, pai!” gritou o
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assaltante para o cobrador, encostando a ponta da arma contra o
rosto dele.
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andar do trânsito.
“Faz esse menino parar de chorar, pelo amor de Deus! Que infer-
no!” gritou um dos assaltantes, irritado, fazendo a mãe ficar mais
trêmula, orando internamente, firmando o pensamento em Deus.
O bandido pensou até em dar um tiro na criança e na mãe de tão
extasiado que estava, mas a ideia logo foi rejeitada pela sua men-
te. Nunca matou uma criança, e não seria agora que mataria. Não
chegou a esse ponto de desprezo pela vida humana, ainda mais
de um ser inocente como um bebê. E logo esse, que nada mais
fazia do que tentar alertar a mãe da tragédia que estava prestes
a acontecer.
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pegar a arma da cintura, a deixou cair. De forma a trapalhada, e
até cômica, foi engatinhando até recuperar a arma e voltar a atirar
em direção ao policial, que mostrou destreza no manejo da arma.
Os passageiros se jogaram no chão, assustados, segurando a
cabeça e apertando as palmas das mãos contra os ouvidos, como
se isso fosse salvá-los das balas que sobrevoam rapidamente so-
bre suas cabeças. Estilhaços de vidros caem por cima deles. O
susto é tão grande que a cada pedaço de vidro que vai contra a
pele os fazem pensar que é uma bala perdida que encontrou uma
vítima inocente durante o tiroteio.
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as últimas lágrimas que não tiveram forças para cair.
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O futuro assassinado não tinha mais o que fazer, sentia que não
passaria mais do que 5 minutos vivo. 6 policiais o rodearam, todos
apontando as pistolas em direção da cabeça do homem ajoelha-
do.
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o fato. Não acreditou no que estava escutando. Não admitia ser
cúmplice na morte de um ser inocente. Tentou perguntar: “Como
assi…?”, mas foi logo interrompido:
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deixando trincar a nossa alma, que já não suporta mais ver nos
meios de comunicação uma violência banalizada. Não só a vio-
lência física, mas a violência moral contra os mais indefesos da
cadeia social.
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missão ao vivo.
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“Só basta esperar o pior, mano” se rende ao destino o jovem que
disparou a bala assassina de inocentes. “Ou vamos morrer, ou
vamos preso.”
Pensava cada vez mais em seu irmão, pedia perdão a ele, pois
não merecia ter perdido a mãe e nunca ter conhecido o pai. Ago-
ra perderá a pessoa que mais o amava e fazia de tudo para não
faltar nada pra ele. Ora internamente, pedindo aos espíritos nos
quais acredita que o irmão tenha uma vida digna e não se renda
aos efeitos colaterais de uma sociedade higienizadora. No meio
da oração, se imaginava tendo o futuro e a vida que sonhava
quando era criança. Lembrou quando a professora do ensino in-
fantil perguntou o que ele queria ser quando crescer. Disse que
queria ser médico, para ganhar muito dinheiro e um dia poder se
encontrar com o pai que nunca conheceu. A lembrança da respos-
ta veio acompanhada das risadas dos colegas. A lágrima desceu
ao se imaginar em um consultório de alguma clínica famosa, aten-
dendo várias pessoas, até que o dia em que o seu pai aparece e
finalmente se apresentam e se abraçam. Talvez essa teria sido a
história de mais uma alma perdida se não fosse uma injusta estru-
tura social em que estamos obrigados a viver sob.
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liciais tocou o pulso da refém liberta e confirmou que estava viva.
Os alvejados estavam mortos, com os olhos abertos. As caças
foram alcançadas. Os caçadores olham para os corpos com ar
de conquista. Se sentiam aliviados pela vingança da morte dos
dois inocentes durante o assalto cometido pelos dois bandidos
estirados no chão.
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A NOVINHA
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tela, se via a foto dela usando apenas calcinha e sutiã diante do
espelho do quarto. Logo abaixo da mesma foto, o comentário do
professor da escola: “Uma pena ser minha aluna”.
“Coitado. Não deve transar há anos, com essa cara de otário que
tem”. A adolescente da tatuagem comentou, rindo. A outra conti-
nuava a ler as mensagens privadas relacionadas a foto de calci-
nha e sutiã que publicou.
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Essa situação era a testemunha da hipocrisia a qual ele vivia,
pois ministrava palestras em várias escolas e instituições sobre
abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Sempre
que falava sobre o fato de que uma mulher estar vestindo roupas
curtas não é um convite ao sexo, lembrava da adolescente e seus
shorts curtos, que dividiam perfeitamente as duas nádegas duras
e salientes. Engolia seco, e seu pênis sofria ereção durante os
discursos moralistas.
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a livrasse de todas as malícias e maldades do mundo. São evan-
gélicos comprometidos, todos os meses dão os dízimos, acredi-
tando que Deus os recebiam e um dia devolverá em dobro. Colo-
cam as notas dentro do envelope e o depositam na urna da igreja,
firmando o pensamento em Deus e na melhora de condições de
vida. O pastor recebia os valores dados, ficava feliz a cada fiel que
se levantava e depositava na urna os 10% do salário suado do
mês. É uma troca. A igreja recebe o valor mensal e o pastor lança
palavras de consolo para a vida sofrida das suas ovelhas.
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para a dona da tatuagem, inclinando o celular para ela. Na foto,
se via um homem na casa dos 30, com roupa social, encostado
numa moto que custou mais de 12 salários mínimos.
“Ganhou o cara!”
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racterísticas: maduro, financeiramente estável, boa aparência e
solteiro. Via nele a figura do homem que a fez gozar várias ve-
zes e a apresentou os prazeres que uma mulher pode ter dentro
de quatro paredes. Sentia o desejo de se casar, ter filhos, morar
numa casa boa e ter uma vida de estabilidade, diferente da vida
de dificuldade na qual vivia.
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pois de algumas doses a mais de bebida e a influência das ami-
gas, entravam na brincadeira. As peças de roupas eram jogadas
em cima dos anfitriões, que cheiravam com avidez, deixando-as
com uma vontade imensa de tirar o resto.
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ninguém irá duvidar de quem fala a verdade: claro que sempre
será ele o beneficiado se houvesse algum julgamento sobre os
abusos sexuais que cometeu e que ainda irá cometer durante sua
longa vida. A adolescente do coração no pescoço foi uma das
suas vítimas.
“Ele vai fazer uma festinha, vai chamar uns amigos dele. Pergun-
tou se eu tinha alguma amiga para levar. E aí, tá a fim? Vai ser
próximo sábado, começando no início da tarde. Qualquer coisa,
a gente diz a tua mãe que vamos fazer um trabalho da escola e
você vai precisar dormir lá em casa.”
“Não sei, amiga. Não conheço ninguém lá, vou ficar voando. Você
estará com ele. E eu?”
“Vai, mulher… Por favor. Ele insistiu em levar uma amiga minha,
porque vai ter outros amigos dele lá. Aí fazemos companhia um
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ao outro, entendesse? Não vai rolar nada de mais não. Ele vai
comprar umas bebidas e fazer churrasco. Não precisa nem tu
beber. Eu também quero que você vá para eu não ir só, enten-
desse? Aí tenho a conversa perfeita para os meus pais, digo que
estou na tua casa.”
“Isso não vai acontecer. Vamos pra festinha e curtir. Nada demais
irá acontecer. Todos parecem ser gente boa demais. Precisamos
expandir nosso círculo de amizades.” finalizou a iludida.
Era uma brincadeira de mal gosto causada por uns alunos contra
um outro aluno homossexual, que caminhava apressado com o
objetivo de sair o mais rápido possível da prisão insuportável que
a escola se tornou por conta da discriminação sofrida após se
assumir homossexual e começar a usar roupas femininas. Sofria
perseguição a cada dia em que ia para escola, por isso aparecia
uma vez por semana ou até mesmo nem ia para aula durante um
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bom tempo. Essa história e o motivo da gritaria conheceremos no
ensaio a seguir. Peço-te um pouco de paciência caso tenha se
interessado ou se interessada pela vida desse aluno.
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A da tatuagem de coração teve dificuldades ao ajeitar o vestido
escolhido. De início, devido ao tamanho e o seu corpo cada vez
mais opulento, abriu uma pequena fenda na costura ao lado. Re-
tirou, costurou e vestiu de volta. Quando foi fechar o zíper, ele
travou várias vezes. Sua amiga teve que ajudar e usar a força,
faltando pouco para quebrá-lo. Caso tivessem sensibilidade ou
algum tipo de dom de adivinhação, saberiam que essas dificulda-
des foram o meio que o universo encontrou para tentar impedi-las
de irem à festa. Como as forças divinas, entretanto, não se comu-
nicam de forma clara e nem com sinais de fácil entendimento para
os humanos, as amigas finalmente conseguiram ajeitar o vestido
rebelde. Em seguida, deram os últimos retoques na maquiagem.
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Um deles, tentando ser gentil e criar um clima amigável com a
mais tímida, perguntou:
“Então vem comer algo para te dar sede.” A pegou pela mão e a
levou para o quintal, onde uma mesa estava à disposição com
pratos, copos, garrafas já consumidas da cerveja importada, ta-
lheres e, ao lado, uma churrasqueira em atividade.
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Recém raspada e muito cheirosa, o convidava para um sexo oral.
Deitou-a na cama, abriu as pernas dela, se inclinou e começou
a chupá-la. A cada toque no clítoris dela, fazia-a tremer e gemer.
Ela, finalmente, tinha reencontrado o prazer na cama. Gozou. A
retribuição do prazer não demorou. Ela recebeu o sêmen no ros-
to, embriagada pelo prazer e álcool consumidos. Continuaram a
transar por longos minutos. Gozaram mais uma vez. Para des-
cansar e, depois, enfrentar o terceiro round, resolveram se deitar,
abraçados um ao outro.
Ela dormiu. O sono durará por horas, até o dia amanhecer. En-
quanto seu corpo e mente relaxam, a amiga da tatuagem está no
outro quarto com os três homens, contra a vontade dela, choran-
do de arrependimento por ter aceito o convite para a festa. Cha-
mando, inutilmente, pelos pais. Já não é mais virgem.
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“Não” respondeu a vítima.
“Ele não liga. Ele vai continuar bebendo e comento. E aí, vamos?”
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A adolescente se calou um pouco. Respondeu de forma positiva e
seguiram para um dos quartos. Os passos dela eram cambalean-
tes, não tinham firmeza e equilíbrio o suficiente para andar em
linha reta. Os objetos enxergados por ela começaram a se dividir
em dois. Sabendo que, com mais um pouco de bebida ela iria ce-
der qualquer coisa, o ladrão de beijos ofereceu mais uma garrafa
pra ela, que aceitou e bebeu uns goles.
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o dedo inserido no ânus da adormecida.
“Olha pra isso, que lindeza! Aquela que eu fodi ainda agora é linda,
mas essa é mais ainda, cara! Que perfeição!” afirmou o anfitrião.
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O outro dia foi um silêncio na casa. A amiga da estuprada acor-
dou, procurando pelo homem que a fez gozar na noite anterior.
Ele dormia ao seu lado, um sono sereno, que foi quebrado pelo
sexo oral da companheira. O chupou até sentir o sêmen em sua
boca e o engolir por completo.
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“Amiga, sou eu. Abre, por favor. Você está bem?”
O medo foi substituído pela vergonha. Ela não podia deixar nin-
guém saber o que aconteceu, a humilhação seria maior, podendo
acarretar uma rejeição por parte dos amigos, amigas e a família
evangélica. A família é que não poderia saber nunca, senão a
expulsaria de casa. Mesmo ela sendo a vítima do estupro, iriam
apontar o dedo contra o rosto dela, dizendo que uma mulher dig-
na não aceitaria um convite para uma festa onde só teriam ho-
mens e bebidas.
“Não.”
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“Ish… tá bom então…”
As duas se calaram.
“Tá certo. Vou pegar minhas coisas e falar com ele. Vai se despe-
dir dele?”
“Não. Pode ir. Quando tiver pronta, me avisa. Mas vai logo, por
favor.”
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preocupada, correu para o banheiro e perguntou se estava tudo
bem. Não houve resposta, apenas um pedido para irem embora.
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adolescente no ensino médio. Reclamava todos os dias da rotina,
mas hoje em dia sente falta. É como os sábios afirmam: quando
perdemos algo é que descobrimos o real valor.
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casa belíssima construída por ela e o marido. Em certo momento
do sonho, a casa era invadida por três homens. Ignorou os so-
nhos.
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diram. A sua melhor amiga continuou o caminho com ela, pois a
casa das duas ficavam próximas. Em alguns quarteirões adiante
se despediram.
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perguntando se estava tudo bem, se precisavam de ajuda com
algo. Ouviu apenas que a filha estava doente e estavam orando
pela recuperação. Ela voltaria normalmente à escola quando me-
lhorasse.
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em uma batalha interna sobre a atitude a ser tomada em relação à
gravidez. Se demorasse a tomar coragem, a barriga começaria a
aparecer e os sintomas iriam ficar cada vez mais evidentes e sua
mãe desconfiaria.
Em poucos dias ela fará parte das estimativas que apontam que,
entre cinco mulheres até 40 anos, uma faz aborto. Optam por esse
caminho devido a vários motivos. Alguns deles são: vida financei-
ra instável, uma relação mal resolvida e abuso sexual.
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distração. Procurou por uns minutos o objeto, revirou caixas, abriu
e fechou gavetas, vasculhos armários e cômodas. Desistiu por
um momento. Era o anjo da guarda do bebê, que já se encontra-
va presente e acompanhando a gestação, tampando os olhos da
grávida para não achar o objeto. Quando houve uma desatenção
do anjo da guarda, a mãe achou a agulha.
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A adolescente estava desmaiada no chão do chuveiro, com san-
gue escorrendo por entre as pernas. Antes de desmaiar, conse-
guiu jogar a agulha de crochê fora, com o objetivo de omitir o ato
cometido para a mãe, que poderia chegar a qualquer momento.
Quando viu a quantidade de sangue saindo da sua vagina, per-
deu os sentidos e tudo se apagou.
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“Filha?”
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ves, encontrou e voltou à porta do banheiro. Abriu, gritando ao ver
a filha desmaiada no chão, rodeada de sangue. De início, procu-
rou por alguma faca ou outro objeto cortante, pois pensou que o
sangue estava minando dos pulsos da filha. Desconfiava que ela
estava tentando se matar devido às feridas mal explicadas nos
braços. Tocou-lhe os pulsos, mas estavam intactos.
“O que você fez, filha, o que você fez?” pergunta sob soluços e
lágrimas, procurando a origem do sangue.
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“Deve haver algum engano”.
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lhor amiga; mentido para os pais; bebido; cair na conquista do
homem que a levou para o quarto; ter tirado a vida de um ser que
nada tinha a ver com o seu sofrimento.
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com uma criança nunca vista, brincando em um parque e olhando
para ela, sorridente. No sonho, ela olha para os lados, mas não
vê ninguém. Apenas ela e a criança estão no parque. A criança dá
tchau e desaparece. Na outra noite, tinha o mesmo sonho.
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A TRAVESTI
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Em uma de suas noitadas, reencontrou com uma antiga gerente,
que tem o dobro da sua idade. Ela começou a pagar bebidas para
ele e o seu amigo. Sempre sentiu uma atração forte pelo ex-fun-
cionário. Era uma mulher na faixa dos 40 anos, mas era de uma
elegância e sensualidade que deixava qualquer homem com os
olhos fixos nela.
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a dormir. Pegou as chaves das portas da entrada, abriu apressa-
do cada fechadura e fugiu. Nos dias seguintes, não chegou nem
perto do bar onde reencontrou a mulher.
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“Vou pegar dinheiro emprestado com o cara que vai comigo.
Quando me fixar em algum emprego lá, devolvo a ele.”
“Isso é por pouco tempo. Assim que eu puder, irei mandar bus-
cá-los. Tenho fé em Deus que lá terei mais sorte. O que não dá
é viver da forma que estamos vivendo, sem dinheiro fixo, sem
planejamento e nos sustentando com a mixaria que você ganha
quando pega serviços na casa de alguém. Estou de saco cheio.”
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Ele tentará a sorte nesta viagem. Quando chegar lá, passará por
muitas dificuldades, mas irá se organizar e conseguir sobreviver
com o pouco que começará a ganhar. Lá, irá refletir sobre a anti-
ga vida e as responsabilidades que tinha: “Se eu vivesse só, não
gastaria tanto dinheiro e ficaria livre de qualquer obrigação.”
Anos mais tarde, quando ele estiver assistindo ao jornal diário, irá
se comover com a história de uma travesti que foi violentamente
espancada e encontrada morta, boiando no rio da cidade em que
morava anos atrás. Nunca saberá que seu instinto o fez se lamen-
tar porque estava assistindo a notícia da morte do próprio filho.
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Essa perseguição era constante. Às vezes a criança fingia algu-
ma doença para não precisar enfrentar os inimigos conquistados
na escola. A mãe dele mudou-o de escola duas vezes em um
único ano, mas sempre tinha algum grupo de colegas que o usa-
va como mira das brincadeiras e piadas sobre sua feminilidade.
Ela sabia o motivo das perseguições, mas tentava ajudar o filho a
superar isso. Dizia que era normal, que todas as crianças passam
por isso, e, quando fosse mais velho, ninguém iria brincar assim.
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do filho. Aconteceu, infelizmente, ao contrário. Ele se aproximou
com muita facilidade da criança, presenteando-o constantemente.
Levava-o para comprar guloseimas, ir ao parque e outras progra-
mações que as crianças adoram. Quando tinha algum problema
na escola relacionado a alguma brincadeira de mal gosto para
com o enteado, ele fazia questão de estar presente. A mãe, iludi-
da, pensava que tinha encontrado o homem ideal. Na sua mente,
tudo estava ocorrendo perfeitamente bem.
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Infelizmente, achamos que, por uma pessoa ser próximo à família,
morar na casa, e mostrar-se um ser de muita gentileza e honesti-
dade, podemos confiar nela 100%. As estatísticas indicam que a
maioria dos abusos sexuais são cometidos por pessoas próximas
às vítimas, pois a confiança e acessibilidade facilitam o ato. O
padrasto e o enteado entrarão em breve nos gráficos das esta-
tísticas, mas serão números anônimos, silenciados, como muitos
casos que acontecem. Casos que desaparecem com o tapar de
bocas e a vergonha de tornar público um ato de abuso sexual que
vem acontecendo debaixo dos narizes.
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adultos sabiam o que é certo e o que é errado. Os toques íntimos
continuaram. O pênis do abusador estava ereto. Ele o esfregava
lentamente com a mão livre, aumentando o tesão. Imaginou a
mão do menino entrando por dentro do calção e puxando o seu
membro sexual para fora. No momento, a cena ficou apenas na
imaginação do homem.
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mais estranha, negou até um convite de um dos tios para ir à
um parque de diversões junto com os primos. A mãe dele, sem
entender, procurava pelos motivos que poderiam ser os respon-
sáveis pelo estranhamento do filho. Não encontrou nenhum. Se
não fosse pelas ameaças feitas durante os abusos, a criança já
teria falado, explicado o que estava realmente acontecendo, que
o homem que ela levou para morar em casa estava o tratando de
uma forma que ninguém nunca o tratou.
“Não fale para sua mãe, ou senão ela vai morrer. Isso é segredo
meu e seu. Se alguém ficar sabendo disso, sua mãe morre. Vai
querer perder a sua mãe pra sempre?” Eram as palavras que a
criança escutava quando estava a sós com o padrasto.
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se sair bem, já que passou anos como professor de artes-marciais
em uma escola infantil. Escola em que fez duas vítimas de abuso.
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“Por que logo ele? Por que, meu Deus?” gritava em prantos no
ombro de uma das amigas durante o funeral.
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clientes. Os clientes poderiam não gostar e deixar de frequentar
o local. Para o entrevistado, disseram que iria ligar caso fosse se-
lecionado para não deixar transparecer a verdade do porquê não
foi aceito. A ligação nunca foi feita. E nunca foi feita por nenhuma
das empresas que tentou uma vaga de emprego.
“Você vai conseguir, filho. Tenha mais calma. Emprego está difícil
para todos. Você verá, logo mais alguém liga pra você. Você é
muito inteligente e aprende as coisas fácil.” tentava amenizar o
sofrimento do filho.
“Do que adianta isso, se, para todos, eu sou uma aberração?”
chorava.
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Após semanas trocando mensagens em redes sociais, fazendo
trabalhos juntos, o homossexual se sentiu confortável para dizer
alguns desejos íntimos. Em uma conversa online, contou um se-
gredo. Segredo que viralizou nos celulares da escola em que fre-
quentava:
“Oi, amiga. Pode falar. Estou fazendo umas coisas aqui, mas dá
pra conversar tranquilamente.”
“Sei sim. O que tem ele? Ele falou algo pra você?” perguntou a jo-
vem popular, preocupada com as brincadeiras rotineiras por parte
de alguns colegas para com ele.
“Não, falou nada não… É que eu sou super a fim dele, sabe? Há
meses que o olho. Aquele sorriso dele, o jeito de homem, o corpo
forte dele… Aquela tatuagem. Ai meu Deus! Tudo isso me deixa
louca demais…” revelou o homossexual.
Continuaram a conversar.
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pessoas riam dele. Quando passava por um grupo de pessoas,
alguém pronunciava baixinho o nome do seu objeto de desejo,
nome que falou em segredo para a amiga na noite anterior. Não
estava entendo nada. Ao esbarrar em um outro grupo de amigos,
percebeu, na mão de um, o celular que mostrava no display o
print de alguma conversa. Enquanto liam, riam. Olharam para o
homossexual, motivo das risadas constrangedoras, e continua-
ram a rir cada vez mais alto.
O jovem pegou suas coisas dentro da sala de aula, sob uma gri-
taria intensa. A frase que mais se escutava era: “Olha o teu boy
aqui, vai falar com ele não?”. O alvo da perseguição constrange-
dora andou rapidamente em direção à saída da escola. Celulares
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filmavam a cena.
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Quando a mãe não estava em casa, comprava bebidas e se em-
briagava durante a madrugada, isolado pelas paredes do quarto.
Era o único momento em que se sentia leve e se escondia por
algumas horas dos problemas. Acumulava as garrafas de bebi-
das debaixo da cama, jogando-as fora quando o caminhão coletor
de lixo estava prestes a passar. À medida que ia se envolvendo
com as bebidas alcoólicas, a transição para se tornar uma tra-
vesti acontecia paralelamente. Embriagado, se vestia como uma
mulher e tinha coragem de sair às ruas e encarar as pessoas
nos olhos, deixando alguns intimidados. Parecia uma fantasia de
super-herói, que, ao ser colocada, transformava um simples ser
humano num dos seres mais fortes do universo. Ele se sentia as-
sim, poderoso, inabalável, inatingível. Era algo maior do que uma
mulher, era algo maior do que um homem. Era uma travesti.
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***
Ao leitor e leitora:
Você deve ter notado que utilizei termos femininos para me referir
ao protagonista. Não foi erro de digitação causado por desaten-
ção, isso foi proposital. A partir de agora irei me referir a ele com
substantivos e adjetivos femininos, já que houve a transição com-
pleta e se revelou ao mundo como uma travesti.
***
Por dias e noites, utilizando o celular dado pela mãe com muito
esforço, pesquisou por sites de relacionamentos, fez cadastros
em várias redes, usou as suas melhores fotos para estampar as
páginas criadas, inseriu informações básicas sobre a personali-
dade dela e começou a participar dos grupos de bate papo. Não
demorou muito para um homem, numa idade entre 40 e 50, entrar
em contato, chamando-a para uma conversa privada.
92
com vodca barata misturada com refrigerante. O efeito do álcool
a deixou solta para dialogar com fluência e sem pudor algum. As
conversações online sempre nos deixam mais soltos. As redes
sociais têm a prerrogativa de nos deixar à vontade.
93
Dormiu embriagada e com a roupa que tinha saído.
12
94
gastos orçamentários da família.
“Mãe, o que importa é que estamos bem, com saúde. Vamos co-
mer o que tem. Quando não tiver mais nada para comer, vamos
nos abraçar e orar a Deus para que no dia seguinte nos mande
algo.” consolou a travesti, segurando as lágrimas diante da mãe.
95
13
Tinha que tomar uma atitude sobre isso. A travesti precisava fa-
zer algo, não podia deixar a mãe carregando a sobrevivência das
duas. Lembrou das travestis que ficavam nas esquinas no centro
da cidade, vendendo horas de prazer aos homens que aparecem
de carro ou moto. Tinha consciência que era linda e conseguiria
facilmente um cliente em questão de minutos.
96
ria tinha usado drogas mais pesadas. Esses são os anestésicos
para a dor da vida medíocre e desumana a qual foram escolhidas
pelo destino para viver. Muitas entraram nisso pelo mesmo motivo
da travesti principal desse ensaio com personagens: necessidade
e falta de uma oportunidade de trabalho que as aceitassem como
elas são, as empurrando em direção às margens da sociedade.
97
ram donas das ruas. Carros e motos param, conversam por uns
segundos com as travestis que entram no carro ou sobem na moto,
dependendo do transporte em que o cliente se encontra. Antes
disso, alguns pediam para verificar o material que iriam consumir.
Eram verdadeiras mercadorias do sexo. As travestis, em muitas
ocasiões, levantam as minissaias, ficam de costas para o motoris-
ta e se inclinam, facilitando a visão dos compradores do produto
a ser adquirida.
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“Vai querer ou não? Tenho clientes esperando, se não quiser,
pode ir procurar as outras do outro lado”.
“Vai. Entra aí. Te dou a grana após a transa”. Abriu a porta do car-
ro e a travesti entrou. Foram em direção do motel mais próximo. O
motorista sabia o caminho e os trâmites para entrar no local, pois
costumava sair com travestis enquanto a mulher estava em casa,
cuidando dos filhos e achando que o marido estava a fazer horas
extras na função de motorista particular que exercia há anos.
99
Esse momento pareceu uma eternidade para a travesti, não sabia
o que fazer. Uma vontade de chorar veio à garganta, mas esse
choro voltou junto com o pênis inserido dentro da sua boca. Não
sabia fazer um sexo oral na prática. Tinha treinado por muitas
vezes em casa, utilizando uma banana e vendo dicas em vídeo,
mas não era a mesma coisa. Sentiu medo do homem não gostar
e fazer algo contra ela. Chupou. Sentia o forte gosto na boca,
uma ânsia de vômito surgiu, mas se concentrou e continuou a
chupar, até se acostumar com o forte gosto do pênis que não é
lavado há horas. O homem continuava a dirigir, de forma mais
lenta, apreciando o prazer proporcionado pelo sexo oral. Quando
dobrou a esquina da rua do motel, bateu de leve na cabeça da
travesti, avisando-a que tinham chegado. Ele mesmo colocou o
pênis de volta para dentro da calça. A travesti limpou a boca, res-
pirando profundamente, tentando recuperar o ar perdido. Entra-
ram no motel. Foram em direção ao quarto indicado.
14
100
ereção desejada.
101
Transaram novamente e com mais intensidade. Quando finaliza-
ram, tomaram um banho e vestiram as roupas para irem embora.
Antes de sair do quarto, o homem tirou da carteira uma nota de
100 e entregou para a contratada.
“Agradecida…”
102
Só dependia dela. Subiu na moto e foram para o mesmo motel.
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103
16
“Dá uma cheirada nisso antes. Você vai precisar, ajuda a inibir os
odores e te instiga.”
“Entendi…”
No bilhete, sempre dizia que “a ama muito, que não podia voltar
para casa de uma mulher digna e honesta e continuar a viver do
jeito que vive, vendendo o corpo em troca de notas de dinheiro.”
A mãe, quando chegava, lia as palavras escritas cuidadosamente
pela filha e as lágrimas escorriam pela face. Guardava em uma
gaveta todos os bilhetes deixados pela filha.
17
105
suir a quantia pedida, mas, na hora do pagamento, falavam que
estavam com menos. Não podia correr o risco, pois cada nota a
perdida seria prejudicar ainda mais a sua receita.
106
lágrimas dolorosas. Tinha pena, queria poder abrir a boca de bar-
ro e gesticular umas palavras para consolá-la, parabenizá-la pelo
amor e determinação pela filha, mesmo ela sendo uma travesti
que ganha a vida vendendo sexo. Gostaria, também, de ter per-
missão para poder dizer que em poucas semanas ela receberá a
notícia da trágica morte da filha, preparando-a para o impacto que
será ver na televisão a imagem do corpo boiando no rio. Irá logo
reconhecer a filha, mesmo com o rosto inchado devido ao tempo
debaixo da água e o espancamento sofrido após tentar roubar um
cliente. A santa continuou a observar a mulher rogando misericór-
dia. Se não fosse de barro, os olhos já estariam a lacrimejar.
18
107
sangue contaminado para ameaçar o oponente.
108
De dentro do ônibus saiu dois corpos ensacados. Um foi carrega-
do por dois homens, o outro bastava ser carregado apenas por
um, pois se tratava de um bebê. A travesti ficou lá até levarem os
corpos foram levados.
19
109
quando ia tomar banho. Sempre estava recheada com notas al-
tas, dinheiro da aposentadoria recebido como promotor de justiça.
110
tivesse morrido e entregue o corpo a outro ser.
20
111
ticamente, à sua primeira noite naquelas ruas. Via o seu rosto
no lugar do rosto da novata, a roupa usada pela novata tinha se
transformado na roupa usada por ela pela primeira vez em que foi
para às ruas se prostituir. Estava diante da roda gigante social,
que continua girando. Ficou olhando o carro que a novata entrou
se distanciar cada vez mais, refletindo sobre tudo que passou na
vida até que uma buzina forte a trouxe de volta à realidade. Era o
primeiro e único cliente da noite. Pela estrutura interna do carro,
era um homem de vida estável. Iria roubá-lo, obviamente, a noite
não estava sendo lucrativa.
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112
muito menos que se torna passivo durante a transa.
Ele gozou pela terceira vez. Foi ao banheiro após dar um beijo
demorado na bunda da travesti.
113
veiro ser ligado. Pronto, era a hora que esperava. Se levantou e
começou a vasculhar gavetas e recipientes que encontrava pela
frente, sempre olhando por debaixo da porta do banheiro para ver
algum sinal que apontaria a saída do cliente. Para cada objeto ti-
rado do lugar, tinha o cuidado de deixar exatamente de onde tirou.
Escutou o chuveiro sendo desligado. Falta olhar a última gaveta
da cômoda, estava começando a ficar nervosa. Não acreditava
que sairia dali apenas com o dinheiro do programa, mesmo este
merecendo até ser feito de graça pelo prazer proporcionado por
ele. Não seria possível que, depois de horas esperando algum
cliente, saísse com uns trocados que não daria nem pra pagar a
droga consumida na noite.
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“Imagino…” sorriu o dono da casa.
115
pontapé desferido contra a travesti caída.
116
será jogado em um canal próximo. Os sacos não foram tão bem
apertados e logo irão se abrir, deixando partes do corpo expostos.
O homem voltará para casa e continuará a vida normal, mesmo
sendo bombardeado pela notícia dada pelo jornal televisivo dias
após o assassinato: “Corpo da travesti desaparecida encontrado
boiando no rio”. Não estava preocupado, pois era um sargento
reformado do exército e ninguém irá investigar com dedicação a
morte de uma travesti.
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117
“Agora, acompanhem a retirada de um corpo encontrado boiando
embaixo do viaduto principal da cidade.”
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O VENDEDOR
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2
122
interpessoais até relações entre nações.
“Olá, irmão! Que cara é essa? Trouxe a cama contigo foi?” Sorriu,
criando um clima amigável. Tinha um talento para isso. Talento
que o ajudou a conquistar facilmente a admiração de motoristas,
cobradores e passageiros dos ônibus quando começou a vender
mercadorias nas ruas.
123
fosse um escravizado, que não recebe nada no final do traba-
lho. Não sei mais o que fazer. A mulher preocupada porque não
temos como comprar a alimentação dos nossos filhos. O leite irá
durar só por mais dois dias. Ninguém quer mais nos emprestar
cartão de crédito pois ainda não pagamos as parcelas dos meses
anteriores. A situação tá complicada demais… E ainda tenho que
aturar aquele chefe miserável, gritando e humilhando o cara. Faz
isso porque sabe que estamos ali por necessidade e precisamos
aguentar calados. Mas não falta vontade de enfiar na cara dele
um murro com todas as minhas forças.”
“Lá em casa também está apertado. Após minha mãe sair do em-
prego, estamos levando a vida com o que ganho nesse trabalho.
Pedindo a Deus todos os dias que me mantenha nele por muito
tempo, pois o momento o qual estamos vivendo não está bom
para deixar de mão um salário. É pouco se formos comparar com
o cansaço que nos dá, mas, infelizmente, temos que ir junto com
o balançar do barco. Ou, senão, seria pior se não tivéssemos a
certeza de que aquele valor estará em nossa conta todo o dia pri-
meiro. Fico pensando naqueles que perdem o emprego do nada,
cara. Têm que se virar com o que podem para ter o que comer
todos os dias. Vejo direto na televisão a enorme quantidade de
pessoas que estão sendo demitidas. Está um caos…”
“Eu sei, cara, eu sei… Mas nem ânimo para trabalhar tenho mais.
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Gostaria até de receber a grana da demissão para ver se me or-
ganizo e abro algum negócio próprio. Não tá dando mais pra me
foder todinho e dar dinheiro aos outros.”
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teria acontecido algo no turno da noite.
“Era com vocês mesmo que estava precisando falar! Venham até
a minha sala, por favor.”
126
“Entendemos, senhor.” falaram os dois funcionários, olhando fixa-
mente para o interlocutor.
127
5
“Não se preocupe, meu filho. Logo mais aparecerá algo. Deus vai
iluminar sua cabeça, vai te mostrar o caminho que você tem que
seguir. Tenha fé, tudo vai dar certo. Se isso aconteceu agora, é
porque foi da vontade Dele, pois nenhuma folha é separada dos
galhos sem a sua permissão.” Foram essas as palavras de con-
solo ditas pela a avó do recém desempregado.
***
***
“Disso eu sei, meu filho. Mas tenha paciência, você teve a notícia
hoje. Amanhã é outro dia. São com os novos dias que a esperan-
128
ça se mantém viva. Então, enquanto houver o dia de amanhã, a
esperança existirá.”
Ele não dormiu direito por um bom tempo. A cada semana que
passava, era uma semana a menos para acabar o seguro-desem-
prego. O dinheiro da rescisão tinha acabado em menos de um
mês. Precisou comprar as feiras, pagar as contas e se livrar das
dívidas. Todos os dias sentava-se com o celular na mão, procu-
rando por vagas de empregos nos mais variados sites disponíveis
e mandava o currículo para as poucas vagas que sua escassa
experiência permitia.
129
não tinham o ensino médio completo, já estavam dispensados”.
10% dos candidatos se levantaram e foram embora, envergonha-
dos pela exposição. O recém-desempregado foi um deles. Ficou
do lado de fora esperando o amigo sair da seleção, pois quem es-
tava com a passagem do ônibus para voltar para casa era o que
tinha ficado lá dentro. Estava longe demais de casa para poder
ir andando, sem falar que nessa época tinha vergonha de pedir
carona ou entrar num ônibus sem avisar, esperando um vacilo do
motorista.
130
produtos durante o dia.
131
sa pra mim.” concordou o amigo.
“Já pensei também, mas nem dinheiro pra isso tenho. O que me
resta é pegar a grana que vou tirar amanhã e separar uma par-
te pra comprar umas mercadorias e repassar nas ruas. A única
chance que tenho, cara. Não vou mentir, tenho vergonha, mas as
contas não deixarão de vir por conta disso.”
E foi exatamente isso que fez ao sair do banco com a última par-
cela do seguro-desemprego no dia seguinte. Fez uma cotação
rápida no centro da cidade, andou por horas pesquisando preços
dos produtos que pretendia comercializar. Os estabelecimentos
cheios, com jovens da mesma idade comprando com o mesmo
objetivo: vender para conseguir uma margem de lucro para garan-
tir o pão quando chegassem em casa.
132
precisava de um tempo para se recompor. Pegou o celular e olhou
as notificações nas redes sociais. Sua mãe saiu da cozinha e viu
os sacos.
“O que houve? Vai dar festa do dia das crianças fora da data?”
brincou a senhora.
133
8
“Se esse trabalho fosse tão fácil, filho, todos iriam abandonar seus
empregos para fazer o que você está fazendo. Seja forte, pois é
com as dificuldades e esforço que vem o sucesso. Se manter a
135
cabeça erguida, irá visualizar de longe as oportunidades que a
vida quer te dar. Se manter a cabeça abaixada, só enxergará por
onde os seus pés estão caminhando no momento.”
A porta principal foi aberta e logo fechada. A luta diária pela sobre-
vivência iniciou mais uma vez.
136
Devido à experiência infernal dentro de uma cela, eles decidiram
tomar outro rumo, mesmo sem a possibilidade de ter uma renda
que os permitissem curtir as festas nos finais de semana e gastar
dinheiro para impressionar as adolescentes que desejam transar.
Coisas que costumavam fazer com frequência quando estavam
na vida criminosa. Muitos deles, sem paciência e se deparando
com os antigos amigos andando de moto, trocando de celular com
facilidade e conquistando as mais belas e atraentes da comuni-
dade, não demoraram para ter uma recaída e voltar a praticar
crimes. Devemos reconhecer que tentaram, como outros tentam
e tentarão, mas a batalha de um ser contra a força da sociedade é
desleal. Na maioria das vezes, o indivíduo acaba perdendo a luta
e se rendendo aos vícios e caprichos do mundo externo.
137
“Aí é foda…” falou baixinho, pra si mesmo. Sabia que não po-
dia mais vacilar, ali não tinham leis para quem estava iniciando.
Também não podia arrumar desavença. Começou a levar tudo na
brincadeira, sorrindo junto em algumas situações. Era preciso se
mostrar amigável ou daria a eles motivo para praticar coisa pior.
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138
Um deles odiava os chamados pejorativamente de marginais. Era
de uma família conservadora, defensora da meritocracia. Para
esse policial, os pretos e pobres estavam naquela situação por-
que não tinham condições intelectuais para conseguir coisa me-
lhor. Ele, por pura maldade, ao passar a mão no bolso do nosso
protagonista, percebeu um celular e o pegou. Celular dado pela
mãe com muita dificuldade.
“Isso não quer dizer nada, cara. Tem como provar agora?”
“Isso não é prova. Por via das dúvidas, vou ficar com ele.”
“Por favor, senhor. Foi dado pela minha mãe. Ela ainda nem pa-
gou todo. Eu ligo para ela e você fala com ela. Por favor, não faz
isso não.” As lágrimas estavam a descer. Os outros dois amigos
permaneceram calados, olhando para baixo, com as mãos na ca-
beça e a testa contra a parede.
“Deixa eu ligar para ela. Ela vai confirmar… Por favor, senhor.”
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um deles falou:
11
140
preendedorismo, muito menos de gestão administrativa. O que
fazia era no instinto e com a ajuda da mãe, que já tinha trabalhado
em mercadinhos. Para muitas situações, usavam a lógica. Se-
paravam parte do dinheiro arrecadado para adquirir os produtos
que seriam oferecidos, tomando cuidado para não gastar o valor
líquido além das necessidades de dentro de casa.
Esse modo de pensar foi modelado após passar meses sem ter
o que comer dentro de casa, se alimentando na casa dos paren-
tes na época em que sua mãe ficou desempregada anos atrás.
Aprendeu cedo a dar valor às pequenas coisas da vida e começar
a gerar dinheiro da forma que podia. Quando largava da escola, ia
para os mercadinhos da comunidade ajudar os clientes a guardar
as compras nas sacolas plásticas ou ajudar a carregar as feiras
que as donas de casas fazem mensalmente. Em troca, ganhava
umas moedas. Às vezes as usava para jogar videogame, em ou-
tras juntava para lanchar algo na intenção de matar a fome cau-
sada pela falta do almoço.
12
141
Apesar das proibições, muitos ambulantes foram às ruas comercia-
lizar. Desviavam como podiam quando se deparavam com algum
grupo dos funcionários municipais responsáveis pela apreensão
das mercadorias caso flagrassem a atividade. Há quem concor-
dava com a lei, dizendo que muitos marginais se aproveitavam e
fingiam ser vendedores para praticar assaltos. Há também quem
discordava do modo que está sendo feito, como se quisessem de-
detizar esses pobres seres humanos que apenas estão tentando
ganhar a sua parcela de lucro da economia nacional.
142
para as outras. Fora da moldura, ninguém sabe o que realmente
está se passando. Uma selfie nada mais é do que o espelho da
farsa que é a nossa vida.
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143
sorriem, felizes. Ele passou um tempo olhando a cena. Quando
passou por eles, falou algo que não deu pra entender. Apenas
posso dizer que foi algo na intenção de brincar com o bebê, que
sorriu de volta. A mãe comprou uma cartela de chicletes e guar-
dou na bolsa.
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Nem dormi direito de ontem para hoje. Quando fechava os olhos,
o sorriso daquele bebê olhando para mim aparecia na escuridão.”
“Tô até morgado com isso. Vim trabalhar hoje a pulso, precisando
levantar o dinheiro para completar a fatura do cartão do meu tio.
Compramos uma geladeira e fogão novos, e tô na correria para
me livrar logo.”
“Mas você trabalha com algo a mais sem ser isso, né?” perguntou
um dos vendedores, bastante curioso.
145
vendem a preços baixíssimos.
Seu sucesso nas vendas começou a ser alvo das conversas entre
os outros colegas, que também germinaram a inveja dentro de si.
Se soubesse que esses comentários fosse acarretar o sofrimento
que hoje passa em cima da cama do hospital, manteria a boca
fechada e guardaria para si as vitórias com que a vida tinha lhe
presenteado, proporcionando o sustento da casa como vendedor
ambulante. Tinha mês que ganhava quase o dobro do que ga-
nhava na época do emprego fixo. Isso o fez ficar cada vez mais
animado e sair às vendas diariamente.
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146
sem do campo de visão deles. Quando se distanciaram conside-
ravelmente, os dois amigos pegaram de volta as sacolas e foram
em direção à saída da estação.
“Vamos embora logo, antes que voltem para esse lado.” disse um
deles, jogando a sacola por cima do ombro direito e andando rá-
pido, quase correndo.
“Amigo, como eu vou trabalhar agora? Tenho dois filhos para dar
pensão. Tiro o alimento deles disso…”
147
perior em relação aqueles dois seres. O único que os encaravam
era o vigilante à paisana, o responsável pela situação. Se não
fosse por ele, estariam do lado de fora com as mercadorias em
mãos. Os dois vendedores o olharam por um bom tempo, falando
com os olhos o que a boca não podia dizer. Memorizaram bem o
rosto do vigilante à paisana. Por infelicidade deste, após alguns
dias, os três irão se reencontrar na saída de um bar. Farão contra
ele o que desejaram quando tiveram os produtos apreendidos.
Irão espancá-lo com um pedaço de madeira. A raiva criada pelos
vigilantes será de onde tirarão as forças e a impiedade com que
o deixarão jogado, ensanguentado, com boa parte das costelas
quebradas, estirado na rua. Será encontrado por um parente que,
devido à demora em voltar para casa, irá procurar por ele, preo-
cupado com tempo violento o qual vivemos. No dia seguinte, o ato
violento será matéria principal no jornal local.
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a medicação necessária para amenizar as dores enquanto repou-
sava. Em relação ao dinheiro perdido sem um dia de trabalho, não
se preocupou. Estava com dinheiro guardado.
149
za tão divina que não existem adjetivos o suficiente para elogiar o
tratamento entre eles.
“Só de lembrar que ele não poderia estar aqui… um ser tão cheio
de luz.” pensou, ao trazer à memória o momento difícil que pas-
sou com a filha quando esta engravidou do primeiro namorado.
“Deus foi misericordioso e me mostrou. Agradeço a Ele todos os
dias, com as forças que ainda me restam.” continuou falando con-
sigo mesma, enquanto o jovem colocava o copo vazio na lateral
do sofá e deitava. Fez uma expressão de dor quando se inclinou
de mal jeito.
150
“Verdade, mãe... “
“É, foram eles... Tudo bate” afirmou para si, de forma inaudível.
A mãe achou que tinha falado com ela e perguntou: “o que foi, fi-
lho?”. Ele balançou a cabeça negativamente e continuou a refletir
sobre a situação.
151
Isso não poderia ter sido evitado se houvesse uma logística espe-
cífica para cuidar dos assuntos relacionados aos vendedores am-
bulantes, já que eles desejam ter o dinheiro ganho com o próprio
suor, sem tirar de ninguém à força? É mais fácil afastá-los das
ruas do que sentar e criar um plano de ação para amenizar a
marginalização desses batalhadores? As respostas não sou eu
quem as dará, não tenho as soluções para os problemas sociais.
Só posso dizer que o ser humano é complicado, a maioria só olha
para os próprios pés e não se preocupa com o local em que os
pés alheios estão a pisar.
16
152
mídia). Outros fizeram a mesma coisa, colocaram seus produtos
em bolsas tradicionais de estudante para enfrentar a guerra.
153
17
“tá valendo tudo, cara. O que não dá é voltar sem grana no final
da tarde para casa. A mulher consumindo a mente, dizendo que
tá faltando isso, aquilo… Eu vou é roubar mesmo. Se ver algum
otário vacilando com algum celular, eu vou é pegar sem pena. O
governo tá tirando o que é nosso, então vou começar a tirar o que
é dos outros também. Já cansei de viver assim. Quando eu era
do tráfico, não faltava nada em casa, sempre tinha o que comer.
Sobrava dinheiro para ir às pizzarias quase todas as noites… E
hoje em dia? Só faço me foder. Essa porra de mundo não deixa
nem o cara trabalhar de forma honesta. Se o cara não arrumar
um trabalho de carteira assinada, tem que continuar procurando e
continuar desempregado, mas pegar suas mercadorias e vender
numa boa não pode. Quem sustenta meus filhos sou eu, não é
nenhum político que só vem na casa do cara em quatro e quatro
anos.” desabafou um dos vendedores ambulantes. Ele falava so-
zinho.
154
preocupação de conhecer a situação emocional das suas vítimas.
18
“Pelo que escutei, você não está num barco, está num navio, e
dos grandes! Comprasse outro celular como? Não troco o meu,
que é de segunda mão, há um ano.”
155
assuntos. Os colegas de trabalho começaram a criar uma raiva
para com ele. Coisas da vida social. Precisamos amadurecer mui-
to como humanos para não sentirmos ameaçados pelo sucesso
alheio e, sim, comemorar junto, felicitando e desejando que pros-
pere mais. Infelizmente, as pessoas ainda nutrem em seus cora-
ções o pensamento de que, para serem bem-sucedidas na vida,
precisam passar por cima de alguém. Isso nada mais é do que
um modo asqueroso de chegar no objetivo. O ser humano tem o
instinto de querer as coisas só para si. Se o outro tem, então, ele
não poderá ter. E, para este conseguir, o outro precisa deixar de
possuir. Um raciocínio medíocre.
19
156
O vendedor sentiu confiança em deixá-la sozinha já que ela tinha
melhorado consideravelmente. Ele pegou a bolsa, organizou as
mercadorias e foi cumprimentar a mãe antes de sair. Deu um bei-
jo na testa dela. O toque dos lábios em sua pele foi diferenciado,
tinha gosto de despedida. Lembrou que sentiu o mesmo gosto
quando a filha decidiu morar com outros parentes em outra região
do país, na sorte de tentar construir uma vida financeira estável e
retornar para buscar o filho. Nunca retornou e formou outra famí-
lia, até esqueceu da vida que tinha deixado na cidade de origem.
A senhora convalescente nem sequer comentava com o filho so-
bre a sua mãe verdadeira. Ele sabia apenas que ela morava em
outro estado, mas a ignorava. Se o abandonou, então não mere-
cia a preocupação dele após anos sem entrar em contato.
“Calma, mãe. Você está sentindo isso por saber que os vigilantes
e os policiais estão em observação redobrada. Pode ficar tranqui-
la, eu estou fingindo muito bem. Olhe para mim, você diria que eu
sou um vendedor ambulante? Então, não fique preocupada, tá?
Precisamos de dinheiro, já passei dias sem ir trabalhar. Vou apro-
veitar que a senhora está melhor e vou atrás de algo para deixar
guardado, em caso de emergência. Vou levar o celular. Qualquer
coisa, ligue para mim.”
157
ciente para impedi-lo. Apenas disse, quando percebeu que ele
não cederia: “Cuidado, filho. Eu te amo!”
20
“Tá bom da gente fazer uma malícia com ele, para ele aprender a
ser mais humilde. Vive dizendo por aí que comprou isso e aquilo
com as vendas. Ouvi até dizer que deu entrada numa moto.”
“Esse cara precisa de uma lição... Tive uma ideia. O negócio é ele
deixar essa bolsa fora da vista, coisa que é difícil…”
“Só se acontecer algo que o obrigue a ficar longe. Mas e aí, qual
158
a tua ideia, mano? Não vejo a hora de ver esse bicho se fodendo.
Paga de gatão demais.”
“Eu tô nem aí” falou o idealizador. “Se ele vir pro meu lado, eu
meto a mão na cara dele. Já tô de saco cheio desse carinha. Se
acha demais.”
“Que nada, cara. A gente vai fazer. Se tu não for de acordo e de-
fender ele, vai levar porrada junto.”
159
va a rua para cumprimentá-los. Fazia isso todos os dias. Sempre
gostou de ter um bom relacionamento com aqueles que frequen-
tavam o mesmo local que ele.
“Entre a gente?”
160
frida. Sabia o que tal pessoa precisava, e a presenteava com as
palavras necessárias naquele momento. Dom natural herdado da
avó.
21
“Porra, cara! Olha por onde anda. Tais com o olho enfiado com a
rola no cu da tua mãe é?”
161
situação. O nosso protagonista deixou a bolsa de lado e tentou
acalmar a briga. Infelizmente, não percebeu que os golpes desfe-
ridos não tinham o propósito de machucar alguém. Pelo menos,
não aqueles que faziam parte da armação. O idealizador da briga,
ao ver a oportunidade, chutou as costas do alvo da brincadeira,
fazendo-o cair no chão e ralar os cotovelos. Ainda no chão, outro
aproveitou e pisou em uma de suas pernas. Ali estava a oportu-
nidade para descontar a raiva sem lógica que tinham contra o
jovem.
De longe, se ouviu uma sirene que ficava cada vez mais alta a
cada segundo que passava. Alguém tinha ligado para a polícia.
Imediatamente, os vendedores pegaram suas mercadorias e saí-
ram correndo. O vendedor enganado não ficou para contar a his-
tória, pegou a sua bolsa e também saiu correndo, sentindo a dor
causada pela pisada na perna. Devido à adrenalina, não sentiu o
volume diferenciado da bolsa. Depois de se distanciar considera-
velmente do local, ele sentou-se no banco de uma praça, recupe-
rando o fôlego após a sequência da briga e fuga.
162
uma faca esquentada, já para não haver confusões e pegar a
bolsa de alguém enganado.
163
na mesma hora, tentando pensar em qual local os colegas ma-
liciosos estavam. Foi em dois locais diferentes, mas ele não os
encontrou em nenhum destes. Não conseguia raciocinar direito,
tinha esquecido até quem era, queria apenas tirar satisfação. Não
podia deixar que fizessem isso e deixar para lá, ou as brincadeiras
iriam piorar. Precisava mostrar que não era otário.
Após quase uma hora andando, viu alguns dos vendedores en-
costados na parede de um ponto de ônibus, esperando a vez de
cada um. De imediato, enxergou o idealizador da brincadeira. Não
tinha provas de que tinha sido ele, mas algo falava no seu ouvido
de que estava certo. Os cúmplices o viram andando em direção
deles, bufando que nem um touro quando se prepara para gol-
pear a bandeira vermelha do seu assassino. Eles riram, gritando:
164
pelo corpo. Após perceberem que o espancado não tinha mais
forças para dificultar os golpes recebidos, o soltaram no chão.
Ainda estava lúcido, com os olhos abertos fitando o rosto de satis-
fação dos colegas de trabalho ao vê-lo naquela situação. Perdeu
os sentidos aos poucos até ficar tudo escuro.
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166
… e essas histórias continuam a repetir...
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SOBRE O AUTOR
E-mail: mpbarbosa3@gmail.com
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