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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Curso de Artes Visuais - Licenciatura


Centro de Artes

GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS - LICENCIATURA


ARTE E CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Prof. Rosemar Gomes Lemos

Título: O Carnaval de Jaguarão, de uma brincadeira de amigos para a maior festa de rua
do sul do Estado do Rio Grande do Sul.

Acadêmico: Jerônimo Netto de Azambuja


O primeiro carnaval que eu tenho lembrança eu tinha acho que de cinco pra
seis anos de idade, isso seria então fevereiro de 1996, foi onde vi uma festa de rua de
perto pela primeira vez em Jaguarão - RS. Nesse ano a cidade já tinha vários blocos,
a maioria dos grupos customizavam reboques agrícolas, colocavam tonéis com gelo e
cerveja em cima, e ganhavam a avenida sendo puxados por tratores. Porém tinha
apenas um trio elétrico, o “Porre Elétrico” e foi de cima dele que eu conheci o
carnaval.
Lembro do meu pai me colocar em
cima do caminhão (foto 1) e me dar a ordem
de não descer. O caminhão tinha caixas de
som na frente e atrás, das laterais abertas
eu inclinava o corpo pra fora pra
acompanhar o que acontecia. Na frente e ao
redor do trio elétrico iam pessoas
mascaradas, fantasiadas e avulsas, já atrás
dele vinham os blocos alguns com reboques
que lembravam minicarros alegóricos. O
Porre Elétrico desfilava lentamente pela
avenida, no final dela voltava acelerado pela
rua de trás e retomava o desfile novamente.
Isso durava do anoitecer até a uma da
manhã quando começavam os bailes no
clube e encerrava o carnaval de rua.
Toda minha família paterna
participava da folia, tios, avós, primos, tios
avós... Sempre na volta do Porre Elétrico
desde 1981 quando o primeiro carro com
som desfilou na Avenida de Jaguarão.

Foto 1- Eu e meu pai em cima do Porre


Elétrico no carnaval de 1996, (arquivo pessoal)
O carnaval de rua em Jaguarão já era forte no inicio do século XX com a
participação de toda população. A Ricardo (2010) nos fala que os festejos não se
restringiam as famílias abastadas dos grandes clubes trazendo dados sobre o
surgimento do Clube 24 de Agosto e seu Cordão Carnavalesco:
Esse clube foi fundado em 1918 por um grupo de trabalhadores. No que se
refere aos cordões carnavalescos, o grande destaque ficava a caráter do Cordão
União da Classe, no qual faziam parte os sócios do Clube 24 de Agosto que, na sua
maioria, eram negros sapateiros, comerciários, mecânicos. Eles desfilavam ao som
de marchinhas carnavalescas que vinham do Rio de Janeiro e de algumas letras
compostas pelos próprios componentes (cf. RICARDO, 2010)

Porém em 1981 houve uma mudança importante que transformaria o festejo


popular da cidade. Na vontade de brincar de carnaval, fora dos horários programados
para os blocos, escolas e cortes de Rainhas dos clubes, a família Azambuja (meu pai,
tios e os primos) fantasiou um Jeep laranja com uma gravata borboleta, uma boca e
uma enorme cartola (foto 2). Equipou-o com caixas de som e passou a dar voltas na
avenida. A diversão ganhou força durante as noites daquele ano atraindo foliões e
curiosos pra brincadeira na rua.

Foto 2– Marcos Azambuja (de prata) e Antônio Azambuja (de smoking e cartola preta)
em cima do capo do Jeep no carnaval de 1981 em Jaguarão- RS. (arquivo de Antônio
Azambuja)
Animados com a boa aceitação do carro de som a ideia evoluiu para fazerem
algo parecido com os trios elétricos da Bahia. Em 1982 meu tio Marcos e meu pai
Antônio Azambuja, junto com Oscar Di Primio, primo deles e DJ na época, alugaram
um som, colocaram em cima do caminhão do meu avô e foram para avenida, (foto 3)
nascia então o Porre Elétrico.

Foto 3 – Carnaval de 1982, Porre Elétrico carnaval de Jaguarão.


(Arquivo de Antônio Azambuja)

Nos anos seguintes a festa na volta do primeiro trio elétrico da cidade já era
dada como certa no carnaval. O Porre Elétrico virou uma tradição e passou a ser
montado todos os anos, cada vez com mais estrutura, recebendo apoio de outras
famílias e até patrocínio de comércios locais. Mas a folia era só em fevereiro e a
turma passava o verão todo de férias em Jaguarão, então em 1985 se uniram em
uma causa pré-carnaval; convencer o Coronel Lima, pai de alguns do grupo, a
construir uma piscina no pátio da casa dele. Os amigos conseguiram, com uma
condição imposta pelo Coronel, eles mesmos tinham que cavar o buraco para
construção da piscina. O que isso tem haver com o assunto? É que eles acabaram
as vésperas do carnaval e para comemorar fizeram uma brincadeira que virou outra
tradição na folia da cidade.
Na sexta feira antes do carnaval de 1985 eles organizaram um desfile para
eleger a Rainha das Piscinas festejando o fim do trabalho deles. Porém todas as
candidatas deveriam ser homens fantasiados de mulher. Em uma produção de Miss
representando o Trio Elétrico a primeira campeã foi Marcos Azambuja (foto 4).

Foto 4 – Marcos Azambuja de vestido azul e faixa de Miss ao lado de amigos, Rainha
das Piscinas 1985 (Arquivo Antônio Azambuja)

Foto 5 – Marcos Azambuja, com camisa 10, caminhando em direção ao Porre Elétrico,
Carnaval de 1985 Jaguarão – RS (Arquivo de Antônio Azambuja)
Foto 6 - Carnaval de 1986, Jaguarão – RS de braços abertos Tio Zeca Di Primio e
sentado no capô do Trio, com uma toalha nos ombros, meu avô Carlos Eugenio Azambuja.
(Arquivo de Antônio Azambuja)

Depois desta contextualização


talvez fique mais fácil entender porque
eu conheci o carnaval de rua de
Jaguarão em cima do trio Porre
Elétrico, ainda quando criança. Depois
do primeiro ano peguei gosto pela
coisa, acho que tá no sangue né. Em
1997, com 9 anos, já inventei minha
fantasia sozinho, tive a ajuda da minha
vó apenas para costurar as penas de
uma peteca no meu camisetão,
fazendo assim o rabo do Franguinho
da Sadia (foto 7)

Foto 7 – Beto Lima fantasiado de Cruela Cruel, eu


de Franguinho da Sadia e meu pai de segurança da SAC.
O desfile de sextas feiras, Rainha das Piscinas, passou a ser conhecido como
“a sexta dos Lima” a organização se autodenominou SAC, Sociedade Amigos do
Coronel. Por ser antes do carnaval oficial nenhum bloco sai pra rua, não existe
segregação, é o dia de todo mundo usar fantasia e brincar livremente. As melhores
caracterizações são convidadas a participar do júri que ao final da brincadeira elege
quem fica com a faixa de Rainha da SAC naquele ano.
Até os doze anos de idade eu vi o carnaval de cima do Porre Elétrico, sempre
com a ordem de não descer de lá até o pai vir me pegar para me levar pra casa. Isso
era quando acabava o carnaval de rua, para começar os bailes nos clubes. Porém
dos treze anos pra frente eu passei a curtir no chão integrando um grupo chamado
OAB (Ordem dos Alcoólatras do Brasil). Não bem no chão, o grupo decorava um
reboque como os que citei antes, e desfilava atrás do trio elétrico tendo uma espécie
de QG ambulante (Foto 8).

Foto 8 – Reboque em forma de


quiosque no tema OAB no Havaí, eu sou que
esta dentro do reboque. Sentado num banco
da sacada, Andrezinho e no chão Renan e
Lucas. Carnaval de 2005 (arquivo pessoal)

A festa de rua foi crescendo, atraindo turistas e se tornando uma possibilidade


de lucro pra muitos. Com isso começaram a aparecer outros trios elétricos, alguns
com proposta de venda de abada e isolamento com cordas ao redor do caminhão
separando os integrantes do grupo dos demais foliões. E onde tem gente querendo
ganhar dinheiro tem divulgação... assim a festa de rua da cidade começou a ser
divulgada por toda zona sul do estado aumentando suas proporções ano após ano.
Alguns grupos que saiam de reboque acompanharam a evolução e se tornaram trios
elétricos, outros foram extintos quando em 2009 uma lei passou a proibir o transito de
tratores nas ruas da cidade.
O ápice da festa de rua de Jaguarão foi no carnaval de 2015 quando dezesseis
trios elétricos animaram a folia na cidade. Estimasse que nesse ano cerca de oitenta
mil pessoas de fora tenham passado por lá durante as festividades. O “blum”
repentino gerou um caos na cidade, faltou tudo nas prateleiras dos comércios, o valor
dos alugueis pra época ficaram extremamente caros. Em fim pra quem era apreciador
do carnaval das antigas ficou bem ruim, mudou completamente tudo.

Foto 9 – Carnaval de 2015, Eu de vermelho e máscara em cima do Trio Trem Bala


desfilando no retorno da avenida. ( Foto Mozart Del Pino)

Referencias:
Entrevista com Antônio José Moreira de Azambuja e Marcos Moreira de Azambuja.

RICARDO, Janice A. O clube negro 24 de agosto: lugares de história e memória.


2010. Trabalho de Conclusão de Curso, de PPC, Universidade Federal do Pampa. Jaguarão,
2010

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