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CAPÍTULO XXX

SOBRE A TRINDADE

…não se deve convencer o adversário com razões, mas resolver as razões que ele tem contra a
verdade21…
Santo Tomás de Aquino

Aproveitamos qualquer momento em família para praticar o verdadeiro sentido da palavra


catequese - do grego κατήχησις - que signi ca explicar. Outro dia estava na la de supermercado
com meu lho adolescente e perguntei-lhe: É possível compreender Deus? Ele respondeu: Sim e
não. Então explique, retruquei. Ele seguiu: “Podemos compreender algumas coisas, como as que
Cristo revelou, mas não todas as coisas, pois nossa compreensão é nita e Deus é in nito. Algo
ini nito não pode “caber” em algo nito”. A explicação do garoto me lembrou da experiência
que Santo Agostinho teve na praia enquanto fazia uma pausa para meditar e descansar. Durante
a caminhada encontrou um garotinho que estava brincando à beira mar e perguntou o que
estava fazendo. Foi lhe dito que estava tentando colocar a àgua do mar com a concha no buraco
que havia cavado na areia. Agostinho então disse: Meu lho, você não poderá encaixar o oceano
neste pequeno burado. O garoto respondeu: E você nunca poderia entender a Trindade. Depois
do que, o garoto desapareceu. De fato, no que tange a Trindade, há mistérios inalcançáveis,
todavia, podemos e devemos compreender algo do que ela não é e não só o que plenamente é.
Mesmo envoltos pelo mistério e tangenciando o todo através do que fora revelado, veremos
como a compreensão mórmon da Trindade não se sustém a despeito da verdadeira doutrina
cristã.
Tudo que existe, todo ente, todo ser, possui quatro causas: material, formal, eficiente e
final. Pense numa garrafa d’água. Para descobrir as causas, basta fazer as seguintes perguntas: Do
que ela é feita? De plástico - embora possa ser de outras matérias como vidro ou alumínio. Qual
a forma dela? Tem forma de garrafa. Quem a fez? João da empresa XYZ embalagens. Para que
serve? ou Qual a nalidade? Para armazenar água. Se alguém lhe apontar uma garrafa d´agua e
disser: pegue o recipiente de plástico, ou pegue o objeto que o João fez, ou pegue o artefato de
beber água, não lhe pareceria estranho? Embora você possa inferir que o outro deseja que você
pegue a garrafa, seria melhor a pessoa dizer o nome da coisa em si, ou seja, sua forma. Dito isso,
para os mórmons, Deus Pai possui matéria e forma, para os católicos Deus Pai não possui
matéria, somente forma. Ora, se Deus possuísse matéria, como poderia estar em todos os
lugares? Outro elemento importante sobre os seres é o conceito de ato e potência. No caso da
garrafa d’água, sua matéria é plástica e sua forma é de garrafa. O que aconteceria se levássemos a
garrafa ao fogo? A matéria permaneceria, mas não a forma. O plástico ainda seria plástico, mas a

21
AQUINO, Santo Tomás. Suma Contra os Gentios. Editora Loyola. 2ª edição: 2021. pág 50.

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forma não seria mais de garrafa, logo, não seria mais garrafa, mas um amontoado de plático
desforme. A matéria não possui movimento, pois não deixa de ser plástico, apenas a forma se
move. Portanto, ao movimento da forma dá-se o nome de ato. A matéria do plástico amontoado
possui potência para ser uma garrafa novamente, mas também para ser um copo, um prato, uma
colher. De modo semelhante, uma semente é uma árvore em potência, assim como uma criança é
um homem em potência. Dito isso, para os mórmons, os homens são deuses em potência, uma
vez que Deus é um homem exaltado. Ora, isso é impossível, porque Deus, sendo eterno, é
necessariamente algo que existe somente em ato e de nenhuma maneira em potência22. Deus é
ato puro.
Quando Joseph Smith, aos 14 anos, “recebera” a visita de Deus e Jesus Cristo em
resposta a sua oração - evento denominado A Primeira Visão - trouxe uma nova doutrina: Deus
possui um corpo (matéria e forma). Em Doutrina e Convênios, livro de revelações de Smith que é
considerado escritura para os membros da igreja, está descrito:

O Pai tem um corpo de carne e ossos tão tangível como o do homem; o Filho também; mas o Espírito Santo
não tem um corpo de carne e ossos, mas é um personagem de Espírito. Se assim não fora, o Espírito Santo
não poderia habitar em nós. (D&C 130:22)

É possível que Smith tivera uma visão? Sim, uma vez que a experiência mística pode
manifestar-se de inúmeras maneiras, mas improvável e incerto que tenha sido o Deus da tradição
cristã quem o visitara presencialmente, sicamente. Ora, vimos que Deus é ato puro, sem
potência, e que necessariamente não possui matéria, pois é o único ser que é (Êxodo 3:14), que
não foi criado. Se Smith tivesse recebido em visão a orientação de que dois mais dois é igual a
cinco, qual seria a sua conclusão? Ainda acreditaria? Pode essa “visão” romper com os princípios
universais criados pelo próprio Deus? O ocorrido está mais para um delírio do que uma
experiência sobrenatural, uma vez que recebe algo impossível, improvável e incerto, algo que está
no campo da imaginação, não da realidade, nem da verdade. A seguir, apresentarei os equívocos
que saem das bocas de Joseph e alguns de seus sucessores mais proeminentes, isto é, apóstolos e
presidentes, que tentam justi car o injusti cável, lançando confusão sobre o tema. Joseph Smith
disse:

“Os mestres de hoje dizem que o Pai é Deus, que o Filho é Deus e que o Espírito Santo é Deus e que os três
estão dentro de um só corpo e são um Deus23.”

Observe a falta de clareza e lógica. Primeiro, não se diz quem são os mestres, qual a fonte,
de quem é a doutrina. Segundo, diz-se que cada um deles é Deus, somando o total de três
Deuses, mas conclui dizendo que se trata de um. Terceiro, usa-se uma premissa inválida - de que
Deus tem corpo - para concluir a impossibilidade material de que sejam um, a nal “dois
22
AQUINO, Santo Tomás. Suma Contra os Gentios. Editora Loyola. 2ª edição: 2021. pág 50.
23
SMITH, Joseph Fielding. Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, p. 303

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corpos” não podem ocupar o mesmo espaço. Não lhe parece curioso uma explicação deste tipo
enquanto no Depoimento das Três Testemunhas, registrado no início de O Livro de Mórmon,
esteja relatado assim: “E honra seja ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo, que são um Deus?
Confuso, não? Mas antes de seguirmos a baralhada doutrina, relembro que nenhuma das três
testemunhas, Oliver Cowndery, Peter Witmer e Martin Harris24, perseverou na fé mórmon.
Joseph Fielding Smith tentará justi car essa frase nos próximos parágrafos, mas antes, vamos
ouvir um pensador antecessor a este.
James E. Talmage (1862-1933), proeminente apóstolo e escritor mórmon, era bom
orador, e alguns de seus discursos e lições tornaram-se a base para muitos dos livros que o
deixaram famoso, como Regras de Fé. Antes de seu chamado para o Quórum dos Doze
Apóstolos, em 1911, a Primeira Presidência pediu-lhe que escrevesse um livro sobre a vida e o
ministério do Salvador. Mais tarde, uma sala foi reservada no Templo de Salt Lake, onde o Élder
Talmage poderia se concentrar em seus escritos. Seu livro de 700 páginas - Jesus, O Cristo - foi
publicado em 1915 e reimpresso muitas vezes desde aquela época25. Eu o li a primeira vez aos 19
anos de idade, enquanto servia como missionário. Vale ressaltar que, para os mórmons, toda
palavra escrita ou dita por apóstolo ou profeta é escritura conforme relatado no livro Sempre
Fiéis26: Quando homens santos de Deus escrevem ou falam pelo poder do Espírito Santo, o que
escreverem ou disserem “será escritura, será a vontade do Senhor, será a mente do Senhor, será a
palavra do Senhor, será a voz do Senhor e o poder de Deus para a salvação27”. Por esse motivo,
partiremos da premissa que os autores descritos aqui, possuem legitimidade para falar em nome
da doutrina de sua fé. Essa é a compreensão de Talmage sobre a Trindade:
Os anais aceitos das revelações entre a divindade e o homem demonstram que esses três são indivíduos
distintos, fisicamente separados um do outro28.

A palavra física provém do grego physis (φύσις) e signi ca "natureza", no sentido terreno
da coisa. Existem seres naturais e sobrenaturais, físicos e metafísicos. Deus é um ser
sobrenatural, estudado - loso camente falando - no campo da metafísica. Para a rmar que Pai,
Filho e Espírito Santo são sicamente separados é necessário presumir que os três estejam no
campo natural ou material. A primeira visão a rma que Deus e Cristo possuem um corpo, mas a
doutrina mórmon a rma que o Espírito Santo não, logo, dizer que os três são fisicamente
separados é ilógico, pois só poderiam ser caso os três pertencessem ao campo físico, natural,
material, o que não se aplica ao Espírito Santo. Nós humanos possuímos duas naturezas: o corpo
físico (natural) e o espírito (sobrenatural). A doutrina tradicional cristã ensina que a Trindade é
formada por três pessoas distintas que possuem a mesma sobrenatureza, a mesma divinidade.
Três pessoas, um Deus. Detalharei isso mais tarde, continuemos com a visão mórmon.

24
Há um vídeo o cial da Igreja sugerindo que Martin Harris voltou a fé na velhice, mas não de forma substancial, conforme retrata o vídeo.
25
A LIAHONA, Revista. Lembrar a Vida das Grandes Pessoas. Março de 2010.
26
SEMPRE FIÉIS. Tópicos do Evangelho, pág. 67
27
DOUTRINA E CONVÊNIOS. Seção 68:4.
28
TALMAGE, James E. Regras de Fé, p. 33

28
Para Talmage, “a Trindade é um tipo de união nos atributos, poderes e propósitos de
seus membros, mas isso não signi ca que o Pai, o Filho e o Espírito Santo sejam um em
substância e pessoa, pois as escrituras não dão a entender nenhuma união mística de substância,
nem anormal e consequentemente impossível fusão de personalidade, pois são tão distintos em
sua pessoa e individualidade como o são quaisquer três pessoas mortais”. Essa interpretação é
justi cada pela descrição em João 14:9-11:
9. Respondeu Jesus: “Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu viu
também o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai...
10. Não credes que estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim
mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras.
11. Crede-me: estou no Pai, e o Pai em mim. Crede-o ao menos por causa dessas obras."

Para o intelectual e apóstolo mórmon, não é possível que sejam um em pessoa e


substância, pois são tão distintos quanto quaisquer três pessoas mortais. Ora, joguemos luz aos
versículos através do entendimento da tradição cristã católica. Leia novamente os versículos,
focando nos negritos com isso em mente: a Trindade é formada por três pessoas distintas, mas
consubstânciais, possuindo a mesma natureza divina (ou sobrenatureza). Quando Cristo diz que
quem o viu viu o Pai, que Ele está no Pai e o Pai Nele e que o Pai permanece Nele, está dizendo:
somos consubstâncias porque temos a mesma natureza, embora sejamos três pessoas distintas.
Percebe como a premissa errada pode levar a conclusões falsas? Mas se tiver a premissa correta, a
escritura retoma o sentido. Alguém poderia alegar: mas isso é impossível! Como podem ser
consubstânciais? Ora, Deus é onipotente ou não é?
Talmage agrava ainda mais a compreensão. Para o autor:

“... o Pai é um ser pessoal, de forma determinada, com partes corporais e paixões espirituais”.29

O argumento de Talmage parece repousar no seguinte: se Cristo foi a imagem expressa


do Pai, então o Pai também possui um corpo tangível e ressurreto, e a Primeira Visão corrobora
ao revelar isso. Peraí, se a forma de Deus é determinada, também é limitada, mas sabemos que
Deus é in nito, ilimitado em sua forma, do contrário, não seria Deus. Já vimos que Deus não é
matéria, logo não pode ter corpo, muito menos em partes, do contrário, não seria onipresente.
Agora, note que os pensadores mórmons estão sempre tentando humanizar Deus e a expressão
“paixões espiriturais” revela isso. Deus têm paixão? O que é paixão para que ele a tenha ou não?
Paixão é uma palavra que modernamente signi ca “desejar” - como quando um jovem se diz
apaixonado por uma garota - mas no sentido clássico não é assim. Paixão derivado do latim
passio que signi ca ato de suportar, ou sofrimento. Do grego pathe - sentir. Daí o termo Paixão
de Cristo, uma vez que Ele padeceu por nós. Além disso, toda paixão afetiva se faz com alguma
transformação do corpo: por exemplo, contração ou dilatação do coração, ou algo semelhante.

29
TALMAGE, James E. Regras de Fé, p. 35

29
Ora, nada disso pode acontecer em Deus, porque não tem corpo, nem potência corpórea. Logo,
em Deus não há paixão afetiva. Paixão é mudança, alteração de um estado, mas Deus é imutável,
logo, não pode ter paixão. Ainda, toda paixão é própria de algo que existe em potência e já vimos
que Deus é livre de potência, uma vez que é ato puro, é somente agente, nunca paciente, por
isso, de modo algum, a paixão tem nEle lugar. Existem duas espécies de paixões: a tristeza e a dor.
Uma da alma, a outra do corpo. Essas são objeto de algum mal atuante, assim como a alegria é o
bem presente e possuído. Logo, a tristeza e a dor, em razão de suas mesmas naturezas, não
podem existir em Deus, porque Ele há pura bondade, puro amor, e nada de mal há nEle. Por
outro lado, Cristo padeceu porque o Verbo se fez carne, tornou-se homem, possuindo assim
nossas potencialidades e fraquezas; Deus Pai, por outro lado, conhece o m desde o princípio,
porque haveria de ter alguma paixão, alguma dor ou tristeza? Ah! você pode pensar: mas Deus
sofreu ao ver seu Filho cruci cado! Como você sabe disso? Deus é amor puro, ato puro, já as
paixões são para homens, e o Homem Deus foi quem padeceu por nós. Paixão espiritual é um
quadrado redondo, não faz sentido algum.
Bem, vejamos os três atributos de Deus - onipresença, onisciência e onipotência -
conforme interpretação do autor30:

1. Onipresença: “é por meio do Espírito Santo que Deus têm uma comunicação direta com todas
as coisas. Deus está presente em toda parte, porém isto não quer dizer que qualquer dos membros da
Trindade possa em pessoa estar fisicamente presente em mais de um lugar por vez. É evidente que sua
pessoa não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Vemo-nos obrigados a aceitar o fato de
sua materialidade, pois não pode existir um ser imaterial. Se Deus tem forma, esta forma forçosamente
deve ter proporções determinadas e extensão limitada quanto ao espaço, logo, é impossível ocupar mais
de um local ao mesmo tempo”.

Essa descrição de onipresença é absurda. O tempo só existe por conta da matéria, do


espaço ou lugar, ou seja, se você sai do local A para o local B. O tempo só existe devido ao
deslocamento material no espaço. Deus não é material e por isso pode ser atemporal. Para Ele
tudo está presente o tempo todo como a posse plena e simultânea de todos os seus momentos31.
Observe quantas premissas equivocas existem na explicação de Talmage. Já vimos que Deus não
é matéria. Depois ele alega que não pode existir um ser imaterial, como se o próprio mundo dos
espíritos também fosse material32. Se a forma de Deus é determinada e limitada, esse Deus não
pode ser Deus. Conclusão: o Deus mórmon não pode ser onipresente, logo, não é Deus. Ah!
você pode pensar: “mas Ele faz isso através do Espírito Santo”. Veja o próximo tópico.

2. Onisciência: “é por meio de anjos, servos ministradores e do Espírito Santo que Deus mantém
comunicação com toda sua criação. Seu poder e sabedoria são incompreensíveis porque são in nitos.

30
TALMAGE, James E. Regras de Fé, p. 36
31
BOÉCIO, Consolação da Filosofia, Editora Fundação Calouste Gulbenkian. 2ª edição: 2016, p. 190
32
D&C 131:7-8, Não existe algo como matéria imaterial. Todo espírito é matéria, mas é mais re nado ou puro e só pode ser discernido por olhos
mais puros; Não podemos vê-lo; mas quando nosso corpo for puri cado, veremos que ele é todo matéria.

30
Sendo Ele eterno e perfeito, seu conhecimento só pode ser in nito, e somente uma mente in nita pode
compreender um ser in nito”.

Ora, nota-se claramente o método de onisciência divina na doutrina mórmon ao receber


instruções em qualquer um dos Templos em que, pedagogicamente através de um vídeo,
aprende-se que Deus sempre “recebe um relato” de tudo que foi feito, algo muito semelhante ao
que ocorre em uma corporação, isto é, como um presidente de empresa recebe a descrição do que
foi feito por seus subordinados. Bem, se o Deus mórmon possui matéria e não pode estar em
todos os lugares ao mesmo tempo, só pode ter ciência de algo através deste método de prestação
de contas. Se Deus precisa terceirizar o trabalho, ele não é onisciente, mas está onisciente.

3. Onipotência: o que Sua sabedoria indica que é necessário fazer, Deus pode fazer e faz. Os meios
utilizados para agir, apesar de não serem em si mesmos de capacidade in nita, são regidos por um poder
in nito.

Essa frase não tem sentido. Ele infere que Deus não possui capacidade in nita em si
mesmo, mas é regido por um poder in nito. Esse poder in nito é de quem senão Dele mesmo?
Se a capacidade não for in nita, não pode ser onipotente, pode? Mas ele diz ser muito claro em
sua interpretação das coisas, pois encerra suas considerações sobre a Trindade alegando “...
elevado número de contradições e falta de concordância expressas em tão poucas palavras…33” ao
se referir ao Concílio de Nicea em que a Igreja Católica exprime sua doutrina da Trindade. O
curioso é que ele não diz quais são as contradições, nem quantas são, e infere apenas que não
corresponde as escrituras. Eis a conclusão derradeira:

“Nós a rmamos que negar a materialidade da pessoa de Deus é negar a Deus; porque uma coisa sem
partes não tem o todo e um corpo imaterial não pode existir. A Igreja de Jesus Cristo proclama que o
Deus incompreensível, “sem corpo, partes ou paixões”, não pode existir, e a rma sua crença e delidade
ao Deus vivo e verdadeiro das escrituras e das revelações”.34

Talmage erra. A rmar a materialidade de Deus é negar Deus. Negar a existência do


imaterial é negar o reino dos céus. Deus é incompreensível porque não podemos abarcá-lo
completamente com nossa nita compreensão. “Se o compreendêssemos, ele não seria Deus”35.
Se Deus tiver um corpo, partes ou paixões, então não é Deus, é outra coisa, a qual é ensinada
como o Deus cristão para os membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e
são poucos que conseguem sair dessa miríade de confusão.
Essa é a declaração de um Profeta da Igreja, Lorenzo Snow, sobre a natureza divina:

33
TALMAGE, James E. Regras de Fé, p. 40
34
TALMAGE, James E. Regras de Fé, p. 41
35
AGOSTINHO, Santo. CIC 232, p. 70

31
“Como o homem é hoje, Deus já foi. Como Deus é, o homem poderá ser”36.

Essa frase é completamente equivocada. Se nós somos deuses em embrião e Deus já foi
homem, logo, ele também foi criado, mas por outro ser (outro Deus? Nosso avô Celestial?),
portanto, teve um início como nós. Ora, Deus é o único ser que é, não foi criado, não possui
início nem m. Se Deus já foi como nós, foi criado; e se foi criado, teve início, e se teve início,
não pode ser Deus.
Orson Pratt, um dos primeiros líderes da “restauração” ensinou que:

“O imaterialista é um ateu religioso, pois crê que nada é Deus e o adora como tal37”.

Esse homem diz o seguinte: algo material existe; algo imaterial não existe. Adorar um
Deus imaterial é adorar o nada. A alma humana é imaterial e existe. Fim da questão.
Gordon B. Hinckley (1910-2008), décimo quinto presidente e profeta da Igreja, quando
questionado sobre a possibilidade do homem se tornar deus, disse o seguinte a um repórter em
1997:
“É uma questão teológica bem profunda sobre a qual não sabemos muito”. Ele ainda completa: “Bem,
como Deus é o homem pode se tornar. Acreditamos no progresso eterno. Muito rmemente38.”

Como o homem pode ser tornar Deus se o homem teve início e Deus não? Só por esse
motivo o homem não pode se tornar Deus. Bem, nem mesmo o profeta vivo na plenitude dos
tempos sabe muito a respeito, e isso é compreensível, pois essa doutrina também não pode ser de
progresso eterno. Progresso só ocorre na escala temporal, é necessário tempo. Nos céus, não há
tempo, por isso fala-se em eternidade. Progresso eterno não existe.
No livro Answers To Gospel Questions, Joseph Fielding Smith, décimo Presidente e
profeta, e lho de Joseph F. Smith - que também foi Presidente e profeta e era sobrinho do
fundador Joseph Smith, responde uma pergunta sobre a Trindade:

“...no depoimento das três testemunhas do Livro de Mormon lemos: ‘E honra ao Pai, ao Filho, e ao
Espírito Santo, que são um Deus’. Eu quei confuso por um momento… pois sabia que as três
testemunhas sabiam sobre a primeira visão, que revelou que são três personagens distintos…

Joseph Fielding Smith explica que “a a rmação de que eles são "um Deus" deve se referir
a algo diferente de que eles são “uma essência” e “sem partes do corpo e paixões” como muitos
cristãos acreditam39. Cita I Coríntios 8:4-6 para justi car:

36
WILLIAMS, Clyde J. The Teachings of Lorenzo Snow, pág. 1-9
37
PRATT, Orson. Absurdities of Immaterialism, pág. 11
38
LATTIN, Don. Musings of the Main Mormon, San Francisco Chronicle, 13 de abril de 1997;
39
SMITH, Joseph Fielding. Answer to Gospel Questions, Deseret Book, p. 02

32
4. Assim, pois, quanto ao comer das carnes imoladas aos ídolos, sabemos que não existem realmente ídolos
no mundo e que não há outro Deus, senão um só.
5. Pretende-se, é verdade, que existam outros deuses, quer no céu quer na terra (e há um bom número desses
deuses e senhores).
6. Mas, para nós, há um só Deus, o Pai, do qual procedem todas as coisas e para o qual existimos, e um
só Senhor, Jesus Cristo, por quem todas as coisas existem e nós também.

A impressão que tenho é que esses homens forçam a interpretação para que caibam nos
moldes da revelação de Joseph Smith. Observe que na escritura acima o apóstolo Paulo diz que
há um só Deus (v. 4), e depois explana que há um só Deus, o Pai, e um só Senhor, Jesus Ccristo
(v. 6). Por que podemos inferir que os termos Deus e Senhor se referem a mesma natureza?
Porque no mesmo verso diz que do Pai procedem todas as coisas e que do Filho todas as coisas
existem. Os termos usados, Deus e Senhor, remetem a pessoas diferentes, mas os predicados
procedem e existem, ou seja, revelam a mesma natureza, do contrário, João não relataria “Eu e o
Pai somos um” (João 10:30), nem “Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (João 14:11) e muito
menos descreveria Cristo da seguinte forma: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus” (João 1:1). Perceba mais uma vez a verdade nas escrituras: a Trindade é
composta de três pessoas distintas, mas de uma só natureza. Usar apenas um verso para
determinar uma doutrina é uma artimanha de protesto. Vejamos a explicação de Santo
Agostinho de Hiponna:
“Aqueles que a rmaram que nosso Senhor Jesus Cristo não é Deus, ou que não é
verdadeiro Deus, ou que não é um só Deus com o Pai, ou que não é imortal por ser mutável
sejam convencidos de seu erro pelo claríssimo testemunho e pela a rmação unânime dos Livros
santos, dos quais são estas palavras: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo
era Deus. Está claro que nós reconhecemos o Verbo de Deus como o Filho único do Pai, do qual
se diz depois: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 1-14), em referência ao nascimento
pela sua encarnação, ocorrida no tempo, tendo a Virgem como mãe. Nessa passagem, o
evangelista declara que o Verbo não é somente Deus, mas consubstancial ao Pai, pois, após dizer:
E o Verbo era Deus, acrescenta: No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele
nada foi feito do que existe (Jo 1, 2-3). Toda substância que não é Deus, é criatura, e a que não é
criatura, é Deus. E se o Filho não é consubstancial ao Pai, é uma substância criada; e se é uma
substância criada, todas as coisas não foram feitas por ele. Ora, está escrito: Tudo feito por ele;
portanto, é consubstâncial ao Pai. Assim, não é somente Deus, mas verdadeiro Deus”40.
Veja a manobra que Bruce R. McConkie (1915-1985), apóstolo mórmon, teve que fazer
para explicar que Deus não é um ente espiritual, mas material:

"Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade” (João 4:24). O fato é que essa
passagem é mal traduzida; em vez disso, a correta versão, citada no contexto segue-se assim:“Porque a
tais Deus prometeu seu espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade”.
40
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. São Paulo: Paulus - 1994, pág. 34

33
McConkie continua:

“é verdade que podemos dizer que Deus é um Espírito, mas essa declaração deve ser entendida que ele é
um Espírito no mesmo sentido que um homem ressurreto é um Espírito”41.

Que malabarismo é esse? Primeiro, é mal traduzido por quem? O novo testamento foi
escrito em grego. Ele apresenta as referências? Não, mas por quê? Bem, Joseph Smith também
tinha a própria “versão inspirada” da Bíblia. Mas ele sabia grego? Não, era tudo revelação. A
verdade é que ele reescreveu a Bíblia de modo a caber em sua doutrina. Frase tal como “deve ser
entendida” é um recurso valioso na boca dos líderes.
Por m, temos o próprio ensinamento de Joseph Smith sobre a Trindade em Lectures On
Faith:
Há dois personagens que constituem a grandeza, correspondência, governo, supremacia, e poder sobre
todas as coisas, por quem todas as coisas foram criadas e feitas, seja visível ou invisível, seja nos céus ou na
terra, seja no subsolo ou na imensidadão do espaço. Eles são o Pai e o Filho… … que possui a mesma mente
do Pai, sendo essa mente o Espírito Santo, que presta testemunho do Pai e do Filho, e estes três são um.

Precisaremos fazer uma pausa aqui para descrever quem é o terceiro membro da
Trindade à luz da doutrina mórmon: “é um personagem em forma de homem42”, não possui
carne e ossos, e é por meio deste que o Pai e o Filho se comunicam com tudo e todos. Como ele
pode ser a mente do Pai e do Filho? Esse “homem” espiritual entra na mente de ambos? Não lhe
parece estranho?

Ademais, em Lectures on Faith, Joseph Smith ensina:

Existem dois personagens[*] que constituem o grande, incomparável, governante e poder supremo sobre
todas as coisas - por quem todas as coisas foram criadas e feitos, que são criados e feitos, sejam visíveis ou
invisíveis: seja em céu, na terra, ou sobre a terra, debaixo da terra, ou em toda a imensidão do espaço - eles
são o Pai e o Filho: sendo o Pai um personagem de espírito,[*] glória e poder: possuindo toda a perfeição
e plenitude: o Filho, que estava no seio do Pai, um personagem do tabernáculo, feito ou modelado
semelhante ao homem, ou tendo a forma e semelhança do homem, ou melhor, o homem foi formado à sua
semelhança e à sua imagem; - ele também é a imagem expressa e semelhança da pessoa do Pai: possuindo
toda a plenitude do Pai, ou, a mesma plenitude com o Pai; sendo gerado por ele, e foi ordenado desde antes
da fundação do mundo para propiciação pelos pecados de todos os que hão de crer no seu nome, e é
chamado Filho por causa da carne - e desceu em sofrimento abaixo do que o homem pode sofrer, ou, em
outras palavras, sofreu maiores sofrimentos e foi exposto a mais poderosas contradições do que qualquer
homem pode ser. Mas não obstante tudo isso, ele manteve o lei de Deus, e permaneceu sem pecado:
Mostrando assim que está no poder do homem para guardar a lei e permanecer também sem pecado. E
também, que por ele um julgamento justo venha sobre toda a carne, e que todos os que não andam na lei

41
MCcONKIE, Bruce R. Mormon Doctrine, p. 318-319
42
1 Ne 11:11

34
de Deus, podem ser justamente condenados pela lei, e não têm desculpa para sua pecados. E sendo ele o
unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade, e tendo vencido, recebeu a plenitude da glória do Pai,
possuindo o mesma mente com o Pai, cuja mente é o Espírito Santo, que dá testemunho do Pai e do
Filho, e estes três são um, ou em outras palavras, estes três constituem o grande, incomparável, governante
e supremo poder sobre todas as coisas: por quem todas as coisas foram criadas e feitas, que foram criadas e
feitas: e estas três constituem a Divindade e são um: o Pai e o Filho possuindo a mesma mente, a mesma
sabedoria, glória, poder e plenitude: Preenchendo tudo em todos - o Filho sendo preenchido com a
plenitude da Mente, glória e poder, ou, em outro palavras, o Espírito, a glória e o poder do Pai - possuindo
todo o conhecimento e glória, e o mesmo reino: sentado à direita do poder, no expresso imagem e
semelhança do Pai - um Mediador para o homem - sendo cheio do plenitude da Mente do Pai, ou, em
outras palavras, o Espírito do Pai: cujo Espírito é derramado sobre todos os que crêem em seu nome e
guardam seus mandamentos: e todos aqueles que guardam os seus mandamentos crescerão de graça em
graça, e tornar-se herdeiros do reino celestial, e co-herdeiros com Jesus Cristo; possuindo a mesma mente,
sendo transformado na mesma imagem ou semelhança, mesmo a imagem expressa daquele que preenche
tudo em todos: sendo preenchido com o plenitude da sua glória, e tornamo-nos um nele, como o Pai, o
Filho e o Santo Espírito são um43.

Essa obra de Smith foi publica em 1835, cinco anos após a fundação da igreja e fez parte
do livro Doutrina e Convênios, mas retirada em 1921. Seria porque o ensinamento não bate
com suas visões anteriores? Ele a rma que Deus é um personagem de espírito e depois diz que o
Espírito Santo é a mente de Deus e de Cristo, e por esse “mecanismo” é que são um, logo,
entende-se que num fututo poderemos receber a mesma mente e ser um com eles.
Ele continua:

“Sempre declarei que Deus é um personagem distinto, Jesus Cristo um personagem separado e distinto de
Deus Pai, e o Espírito Santo era um personagem distinto e um Espírito: e estes constituem três
personagens distintos e três deuses44”

Agora ele ensina que trata-se de três personagens e três deuses, mas ca evidente que são
deuses cada um a seu próprio modo. Politeísta é aquele que adora mais de um Deus. Voltaremos
neste ponto mais tarde.
Outro elemento relevante para entender a doutrina mórmon é a questão de tradução.
Não encontrei nas obras dos líderes o termo “Trinity”, que literalmente é traduzido como
Trindade, mas “Godhead”, que ao pé da letra signi ca Deidade. Observe a sequência de
perguntas e respostas na Lição 5 de Lectures on Faith:

Q. How many personages are there in the Godhead?


Pergunta: Quantos personagens existem na Deidade?
A. Two: the Father and the Son.
Resposta: Dois: O Pai e o Filho.

43
SMITH, Joseph. Lectures On Faith, p. 62
44
SMITH, Joseph. Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, Salt Lake City: Deseret Book, 1976, p. 370

35
O problema da resposta acima está na palavra personagem, pois para Joseph, isso signi ca
um ser com corpo e espírito, como já vimos. Por esse motivo ele conta dois. Talvez seja esse o
motivo de não usar o termo “Trinity”. O verdadeiro signi cado de Trindade é a união de três
pessoas divinas, Pai, Filho e Espírito Santo, em uma Deidade, um Deus: Trinity = Tri (três) +
Unity (União).
Adiante algumas justi cações descritas no próprio Lectures on Faith, seguidos por meus
comentários:

Alguns argumentaram que a frase na Lecture 5 (capítulo de onde tiramos os parágrafos anteriores) de que
Deus é um “personagem de Espírito” indica que Joseph Smith não compreendia completamente a
natureza a Divindade neste ponto (1835) em seu ministério. No entanto, as evidências apontam ao
contrário. Sidney Rigdon pode ter escrito e feito as palestras, e Joseph os editou e preparou para
publicação, mas a forma como a Aula 5 é registrada pode não re etir necessariamente tudo o que Joseph
sabia e entendia, por várias razões.

Quais evidências? Não se apresenta nenhuma. Apenas uma possibilidade: “pode ter
escrito”. Continuemos:

Primeiro, as Lectures on Faith foram escritas depois que Joseph Smith traduziu o Livro de Mórmon e
passou três anos completando a versão inspirada da Bíblia. Como resultado da versão inspirada, a
teologia de Joseph sobre Deus cou extremamente avançada em 1835, e os ensinamentos subseqüentes em
Nauvoo sobre Deus, como o Sermão King Follett e o Sermão de Joseph no Bosque, indicam a
profundidade do entendimento do Profeta.

Se Joseph apresenta, como vimos até agora, um novo Deus e uma nova Bíblia, a versão
inspirada, poderia ele ainda chamar sua fé de cristã? Os protestantes em geral protestam em
relação a alguns pontos da doutrina católica, mas mantém sua maioria. Joseph faz mais que isso,
ele não protesta, não reforma, mas faz revolução, embora dê o nome de restauração. Se fosse
restauração voltaria ao que era e não apresentaria novidades tão atrapalhadas como sua ideia de
Trindade. Continuemos:

Em segundo lugar, a frase “personagem de espírito” significa simplesmente que Deus tem um corpo
ressuscitado de carne e osso, vivificado pelo Espírito. Amuleque explicou que um corpo ressuscitado é
físico, mas imortal, e vivi cado pelo Espírito e não pelo sangue: “Ora, eis que vos falei sobre a morte do
corpo mortal e também sobre a ressurreição do corpo mortal. Digo-vos que este corpo mortal será
levantado num corpo imortal, isto é, passará da morte, da primeira morte, à vida, para não mais morrer; e
o espírito unir-se-á a seu corpo para não mais serem divididos; o todo tornando-se, assim, espiritual e
imortal, de modo que já não possa experimentar corrupção. (Alma 11:45).

36
Citar o livro de Mórmon não valida a tese, não acha? Joseph prega uma Trindade que
não é cristã, uma bíblia que não mais a cristã e um novo livro que não é aceito por nenhuma
outra fé cristã, o livro de mórmon. Podemos então chamar o mormonismo de uma fé cristã?

Em terceiro lugar, a Lição 5:2 simplesmente estabelece a relação entre o Pai e o Filho como sendo iguais
um ao outro, enquanto o Espírito Santo é subserviente a ambos. Há uma ordem hierárquica na
Divindade, como o Élder Bruce R. McConkie explicou…

*Hierarquia signi ca “ordem do sagrado”. Como explicar que eles são um? Uma coisa
não elimina outra? Deixemos McConkie explicar:

“Usando as sagradas escrituras como a fonte registrada do conhecimento de Deus, sabendo o que o Senhor
revelou-lhes antigamente em visões e pelo poder do Espírito, e escrevendo conforme guiado por esse
mesmo Espírito, Joseph Smith e os primeiros irmãos desta dispensação prepararam um credo declarativo
sobre a Divindade. É sem dúvida o mais excelente sumário das revelações e verdades eternas relativas
à Divindade que agora existe na linguagem mortal. Nele está estabelecido o mistério da Divindade;
isto é, apresenta as personalidades, missões e ministérios desses santos seres que compõem a presidência
suprema do universo. Para pessoas analfabetas espiritualmente, pode parecer difícil e confuso; para
aqueles cujas almas estão em chamas com a luz celestial, é um quase perfeito resumo daquelas coisas
que devem ser cridas para ganhar a salvação.

Analfabetos espirituais? Pode “parecer” confuso? Meu caro leitor, eu não sei você, mas
me parece que o analfabetismo funcional associado a dissonância cognitiva é o que se pode
concluir dessas explicações. Mas tem mais:

Existem dois personagens [de tabernáculo] que constituem o grande, incomparável, governante e poder
supremo sobre todas as coisas, por quem todas as coisas foram criadas e feitas, que são criadas e feitas, seja
visível ou invisível; seja no céu, sobre a terra ou na terra; sob a terra, ou através da imensidão do espaço
(Lição 5:2).
Esses dois, sozinhos, não são a Divindade. Mas eles são Deus o primeiro e Deus o segundo. São
personagens, indivíduos, pessoas, homens santos. Eles criaram e têm poder sobre todos coisas. Seu poder
é supremo e sua sabedoria in nita; não há poder que eles não possuam, nem verdade que eles não
conhecem. De eternidade em eternidade eles são os mesmos; são onipotentes, oniscientes e
onipresentes.

Homens santos? Como um homem pode ser onisciente, onipotente e onipresente?


Espero que até aqui o leitor não esteja exaurido de ver tantas incongruências quanto eu estou
cansado de revelá-las.

Eles são o Pai e o Filho - sendo o Pai um personagem de espírito, glória e poder, possuindo toda a perfeição
e plenitude, o Filho, que estava no seio do Pai, um personagem de tabernáculo (Lição 5:2).
Eles são os dois personagens que vieram a Joseph Smith na primavera de 1820 em um bosque no oeste de
Nova York. Eles são homens exaltados. Cada um é um personagem de espírito; cada um é um
personagem de tabernáculo. Ambos têm corpos, corpos tangíveis de carne e ossos. Eles são seres

37
ressuscitados. Palavras, com suas conotações finitas, não podem descrevê-los completamente. Um
personagem de tabernáculo, como aqui usado, é aquele cujo corpo e espírito estão inseparavelmente
conectados e para quem há não pode haver morte. Um personagem de espírito, como aqui usado e distinto
dos lhos espirituais de o Pai, é um personagem ressuscitado. Os corpos ressurretos, em contraste com os
corpos mortais, estão em corpos espirituais de fato. Com referência à mudança de nossos corpos da
mortalidade para a imortalidade, Paulo diz: “É semeado um corpo natural; é ressuscitado um corpo
espiritual. Existe um corpo natural e existe um corpo espiritual” (1 Coríntios 15:44). “Pois não obstante
eles [os santos] morrerem, eles também ressurgirá, um corpo espiritual” (D&C 88:27)45.

É verdade, “palavras, com conotações nitas, não podem descrevê-los completamente”,


porém, como vimos desde o início do capítulo, podemos entender com nossa razão o que eles
não são e não podem ser à luz da pura imaginação. Por m, ele completa que: “aprendemos” que
existem “corpos espirituais de fato”. Ou é corpo ou é espírito, ou a união de ambos. Depois eu é
que sou o analfabeto. Mais um quadrado redondo.
No que tange a doutrina da Trindade, vemos que não houve uma restauração do que
corresponde a Igreja primitiva, muito menos o que está nos versículos originais da Bíblia, mas
uma revolução. Me parece óbvio que se Joseph tivesse ido até uma paróquia próxima de casa,
teria suas dúvidas sanadas com muita nitidez com um Padre, com o catecismo de sua época ou
com os livros que lhe seriam sugeridos. Minha intensão não é fazer um esboço completo da
doutrina da Trindade, mas uma introdução, que acredito ser o su ciente, por ora, para que o
leitor tenha a clareza e a informação que Joseph não buscou ou ignorou. Qual a verdade que nos
foi revelada e conseguimos abarcar sobre a Trindade?

A TRINDADE MÓRMON NÃO PODE SER CRISTÃ

Eu e minha esposa tivemos a oportunidade de ser batizados durante nossa infância


enquanto nossos pais eram católicos e supus que não seria necessário batizar meus lhos
novamente, que respectivamente tinham na época 14 e 10 anos, a nal, eu mesmo os havia
batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e já tinha estudado que alguns batismos
de algumas igrejas protestantes eram válidos para a Igreja Católica, desde que seguido o rito
conforme eu realizara, isto é, evocando a Trindade. Durante minha transição de Salt Lake à
Roma, z a descoberta de que o batismo mórmon não tem validade no catolicismo, e a razão é o
que tentei apresentar até aqui: a Trindade Mórmon não é a Trindade Cristã, ainda que no rito
seja declarada as mesmas palavras, o sentido é diferente. Usa-se o mesmo signo, o mesmo sinal,
mas o signi cado, a doutrina e crença é outra. Por esse motivo, meus lhos iniciaram a catequese
rumo ao verdadeiro batismo cristão. Apenas acreditar em Cristo não é o su ciente para ser

45
McCONKIE, Bruce R, A New Witness for the Articles of Faith. Salt Lake City: Deseret Book, 1985, p. 75

38
cristão, é necessário nascer de novo46. Sei que os membros da igreja mórmon podem ser muito
sinceros em sua fé, mas isso não basta para ser cristão.
A fé cristã acredita num só Deus, a Trindade, sendo o Pai, o Filho e o Espírito Santo,
pessoas distintas de uma mesma natureza, portanto, é monoteísta. A fé mórmon acredita que há
vários deuses, como já explicados pelos próprios líderes, e que nós poderemos ser deuses
inclusive em nosso “progresso eterno”, logo, é uma fé politeísta. O batismo católico se dá “em
nome” do Pai e do Filho e do Espírito Santo e não “nos nomes” destes três, pois só existe um
Deus47. Dessa forma, o rito no mormonimo deveria ser “nos nomes” do Pai e do Filho e do
Espírito Santo, uma vez que é politeísta.
Outra peculiaridade no mormonismo é que Deus Pai é um homem, e sendo um homem
ressurreto, também tem esposa, ou seja, Deus tem sexo. A doutrina de uma Mãe Celestial é uma
crença apreciada e distinta entre os santos dos últimos dias48. No hino “Ó Meu Pai” está escrito
assim: “Há somente um Pai Celeste? Não, pois temos mãe também; essa verdade tão sublime nós
recebemos do além”49. No catecismo aprendemos que “Deus transcende a distinção humana dos
sexos. Ele não é nem homem nem mulher, é Deus. Transcende também a paternidade e a
maternidade humanas, embora o tendo como origem e modelo: ninguém é pai como Deus o
é”50.

DOGMA DA SANTÍSSIMA TRINDADE CRISTÃ

253. A Trindade é Una. Nós não confessamos três deuses, mas um só Deus em três
pessoas: “a Trindade consubstancial”. As pessoas divinas não dividem entre Si a divindade única:
cada uma delas é Deus por inteiro: “O Pai é aquilo mesmo que o Filho, o Filho aquilo mesmo que
o Pai, o Pai e o Filho aquilo mesmo que o Espírito Santo, ou seja, um único Deus por natureza”.
“Cada uma das três pessoas é esta realidade, quer dizer, a substância, a essência ou a natureza
divina”.
254. As pessoas divinas são realmente distintas entre Si. “Deus é um só, mas não
solitário”. “Pai”, “Filho”, “Espírito Santo” não são meros nomes que designam modalidades do ser
divino, porque são realmente distintos entre Si. “Aquele que é o Filho não é o Pai e Aquele que é o
Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo é Aquele que é o Pai ou o Filho”. São distintos entre Si
pelas suas relações de origem: “O Pai gera, o Filho é gerado, o Espírito Santo procede”. A unidade
divina é trina.

46
João 3:5
47
CATECISMO da Igreja Católica, Editora Loyola, p. 71
48
“Tornar-se como Deus”; ver também Elaine Anderson Cannon, “Mother in Heaven”, em Encyclopedia of Mormonism, ed. Daniel H. Ludlow, 5
vols., Nova York: Macmillan, 1992, volume 2, p. 961.
49
Ó Meu Pai. Hino nº177
50
CATECISMO da Igreja Católica, Editora Loyola, p. 72

39
255. As pessoas divinas são relativas umas às outras. Uma vez que não divide a
unidade divina, a distinção real das pessoas entre Si reside unicamente nas relações que as
referenciam umas às outras: “Nos nomes relativos das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o Filho ao
Pai, o Espírito Santo a ambos. Quando falamos destas três pessoas, considerando as relações
respectivas, cremos, todavia, numa só natureza ou substância”. Com efeito, “n'Eles tudo é um,
onde não há a oposição da relação”. “Por causa desta unidade, o Pai está todo no Filho e todo no
Espírito Santo: o Filho está todo no Pai e todo no Espírito Santo: o Espírito Santo está todo no Pai
e todo no Filho51”.

Não se preocupe se até aqui o assunto lhe pareceu muito profundo, um pouco difícil de
entender. São mais de 2000 anos de tradição e magistério para que possamos apreender tudo
num relance. Tomás de Aquino explica: “Pois, a substância de Deus é isenta de matéria e de
movimento. Portanto, será preciso tratar raciocinativamente no que é natural,
disciplinativamente no que é matemático e intelectivamente no que é divino, sem estender-se a
imaginações, mas antes inspecionar a própria forma”52. Deus nos deu a razão e devemos usá-la ao
máximo de nossa capacidade. Agostinho támbém joga luz na compreensão da Trindade: “Não
são, portanto, três deuses, mas um só Deus, embora o Pai tenha gerado (não criado) o Filho, e
assim, o Filho não é o que é o Pai. O Filho foi gerado pelo Pai, e assim, o Pai não é o que o Filho
é. E o Espírito Santo não é o Pai nem o Filho, mas somente o Espírito do Pai e do Filho, igual ao
Pai e ao Filho e pertencente à unidade da Trindade”53.
Meu convite é que você possa continuar seus estudos54, uma vez que estou lhe
apresentando apenas a ponta do iceberg. É preciso mergulhar, do contrário, podemos ser
enganados. Me coloco diante do leitor como um amigo que discorre as primeiras e principais
descobertas que z em minha trajetória de estudos, as quais que me levaram a encontrar a
verdadeira fé cristã. Se você está incentivado a estudar mais sobre a Trindade, cumpri minha
missão. Na medida em que percebi que o Deus mórmon, além de ser impossível, não
correspondia a doutrina cristã, pensei: Se a primeira visão não procede, então tudo mais também
não procede. A trindade é o primeiro dominó a cair numa sucessão de outros conceitos
inapropriados, como veremos nos capítulos subsequentes.

51
CATECISMO da Igreja Católica, Editora Loyola, p. 76
52
AQUINO, Tomás de, Comentário ao Tratado da Trindade de Boécio. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 93
53
HIPONA, Agostinho de, A Trindade. São Paulo: Editora Paulus, 1994, p. 31
54
Sugestão de leitura obrigatória para ampliar o entendimento da Trindade: A Santíssima Trindade Nos Escritos Patrísticos dos Primeiros Séculos de
John N. D. Kelly; A Trindade de Santo Agostinho da coleção Patrística e Suma Contra os Gentios de Santo Tomas de Aquino volume IV (2-26) e
naturalmente, o Catecismo da Igreja Católica.

40

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