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CONDENADO

A MORTE
AOS 24 ANOS
CAPA: Fotocrom Artes Gráficas Ltda
COMPOSIÇÃO: Fabricio G. Dillenburg
EDIÇÃO: Siegfried Ellwanger
REVISÃO: Georges A. Laperche

ISBN: 85-7246-003-9

CATALOGAÇÃO NA FONTE

L311c Laperche, Georges Auguste


Condenado à morte aos 24 anos. Porto Alegre,
Revisão, 1991.
23cm.

1. Autobiografia. 2. Literatura francesa - Ro


mance autobiográfico. I. Título.

CDU 920.91
840-312.6

Catalogação na fonte elaborada por Ma Elisabete Garcia


CRB 10/213

de Georges Auguste Laperche

Todos os direitos desta edição reservados à


P.pnmp<; Anniist.e I anernhe.
INTRODUÇÃO

T^sVL^l^Zo com as tropas invasoras alemãs Para


os geímaS, concrstizava-se a vingança por Verdun. Para os france
ses, una desonra nacional incomparável na sua História
Embora Pètain houvesse garantido a paz, o general De Gaulle, re
fugiado na Inglaterra, expedia mensagens conclamando a população fran-

"" Smen^a^ ££1™*. por facões civis poderiam realizar


algum enfrentamento concreto aos alemães, pois o exército ranc*> m-
bora valoroso, não mais dispunha de recursos para repelir os invasores
Assim os chamados de De Gaulle surtiram resultados. A partir de
W2> o. maior intensidade, grupos de guerrilha passara, a atacar s
trocas qemânicas, conseguindo vitórias que causariam forte impacto ao
ra S o. Surgia, desse modo, a Resistência Francesa composta e
homens que ficariam famosos através dos tempos, como símbolos da luta
íSTfHÍtST™ conta episódios de grande coragem e valor,
realizado^ nomens e mulheres que souberam dizer não à dominação ex
Mas será que a Resistência foi mesmo um movimento de heróis lu-
tando 3a liberdade de seu Povo7 Ou ela envolve mais do que isso em
seu secreto e obscuro meio? Foi sua época um tempo de coragem, ou de

Georges Laperche viveu essa época, . sentiu os efeitos dos servi


ços da Resistência. Ele nos conta como ela agia, e nos mostra uma face
oculta, de um movimento repleto de assassinos e ladrões, capazes de £
negrir o esforço dos verdadeiros resistentes. Avançando sem medo por
nfr as linhas de uma História disfarçaoa . matizada de sangue o au
tor nos mostra o que uma turba de interesseiros pode «"«J
povo já temeroso, assolado pela guerra. Com as suas ^dasHbas
teradas, os franceses ainda tiveram que suportar o maior dos
a tortura pelo medo de seus próprios compatriotas, que traziam à popu-
lação o terror e a morte.
Laperche empunha o estandarte dos oprimidos, e traz em seus rela
tos fatos reveladores, provenientes de suas duras experiências e das
suas buscas aos falsos resistentes. Enriquecendo a leitura, narra co
mo foi a sua vinda para a Guiana e, posteriormente, para o Brasil for
necendo-nos um sólido embasamento para concluirmos que a sua persona^
lidade não poderia aceitar as injustiças que presenciou.
A narrativa contém os elementos de denúncia e de luta para desven
dar um outro lado da História, que não pode ser ignorado: o lado do7
mártires da violência de um movimento corrompido por interesses mesqui
nhos e desvirtuados. —
Um livro de um homem simples, escrito para quem deseja saber um
pouco mais do que acontece nos bastidores da nossa História, direciona
da e iconólatra. —
Um trabalho honesto, que a Editoía Revisão orgulha-se de trazer à
luz do grande público.

Os Editores.
algozes continuam na glória, co
bertos de medalhas.
Tudo isso foi o que me deci
diu e ajudou á escrever este li

E
vra, como um alerta, um testemu
•screvo este livro pensando, nho para a história, contra estes
sobretudo, nos jovens da França e criminosos que, depois de têr im
na ignorância em que foram manti posto à França sua ditadura tingi_
dos por mais de quarenta anos. da de sangue, querem obrigar ■ aos
Ignorância esta que consta mais moços, do presente e do futy_
tei pessoalmente, nas diversas vi ro, a escutar apenas as suas fal
agens que fiz a meu pais durante sidades.
os últimos anos e, também, pelas Espero que a juventude me er±
visitas que tivemos a satisfação, tenda e, comigo, exclame:
sempre imensa, de receber aqui no -Nunca mais!
Brasil.
Grande parte desta juventude
"Atrás dos verdadeiros resis
sequer havia nascido na época dos
tentes, infiltram-se os falsos.
acontecimentos que aqui narrarei.
Vimos os F.F.S. (Força Fran
Nada sabem de todos os crimes que
cesa de Setembro) fazerem leilão
sujaram a França, naqueles negros
barato do seu patriotismo.
anos. Tudo foi deles escondido.
Vimos os oportunistas, os a-
Foi por causa deste desconhe
proveitadores, virarem a casaca.
cimento que decidi escrever este
Os exploradores do patriotis
livro, como um protesto contra os
mo são confundidos com os que só
criminosos que, depois de impor à
viveram, só sofreram, pela pá
França sua ditadura sangrenta,que_
tria."
rem obrigar aos franceses, nasci
dos e ainda por nascer, a ouvir Valdimir d'Omerson,

unicamente seus falsos pontos de Le Figaro de 22/02/1945.


vista, povoados de mentiras. (Publicado por André Figueras em
Escrevo este livro quarenta seu livro "Escândalo da Resistên
e cinco anos depois de um triste cia").

período na história da França... §


Assassinatos e incríveis bar_
RESPOSTA A d'OHERSON
baridades foram cometidos, e até
hoje os criminosos não param de Sofrer? Sim.

iludir e adulterar a verdade.Por Roubando, pilhando,massacrar^


tanto, dedico estas páginas aos do sem piedade seus compatriotas,
jovens que não conheceram os fa que cometeram o monstruoso crime
tos reais. Enquanto as vítimas fo de terem ficado fiéis ao marechal
ram completamente esquecidas,seus Pètain, e o de não terem seguido,
sem pestanejar, os ensinamentos tidos M.P.R. - Socialista e Comu

do seu sublime chefão De Gaulle. nista. Cada um querendo se atribu_


Os exploradores do patriotis ir mais recompensas por seu falso

mo são confundidos com aqueles S£ patriotismo.


E, em seguida, continuaram a
fredores da pátria, que só por um
propósito viveram: ver sua nação sua obra de destruição. Todos ju£

forte!
tos, defendendo seus privilégios,
Confundidos! E por quê? sem falar nos seus bolsos.

Estando sempre juntos, forma


ram um grupo único. Pretensiosos
homens, verdadeiros ou falsos,de
AGOSTO E SETEMBRO, 1939.
ram-se sempre as mãos, tanto para
combater quanto para defender os
Venceremos, porque somos os
seus crimes.
Por quê? Por quê querer, ag£ mais fortes1
E todos estávamos convenci
ra, dividir esta turba em dois?De
um lado, os bons, sendo que você dos disso.
Em todos os lugares da Fran
e seus amigos fazem parte destes.
Do outro lado, os ruins, os maus,
ça, mesmo no tapume mais retirado

que vocês descrevem sempre como


do menor lugarejo do interior do

exploradores, falsos, criminosos,


país, mostravam-nos tal afirmati
va, em grandes cartazes, afixados
que cometeram assassinatos sob as
por todos os lados. Neles, apare
bandeiras do Gaullismo e da falsa
resistência. cia um mapa.

Exploradores do patriotismo, O mapa do mundo.

todos vocês são, pelos abusos que


No centro da Europa, a Alemã

cometeram, e pela sua impunidade, nha, representada por um pequeno,

frente à verdadeira lei. mas vivo, ponto preto.


A metade do mundo em verme
Frente à esta lei, que vocês
lho, representando os Impérios in
ridicularizaram...
Todos vocês reuniram-se em glês e francês, que englobavam a

volta do seu chefe De Gaulle, que quase totalidade da Africa,o'sul

tendo a necessidade do maior núm£ da Ásia, incluindo a índia, a Aus_


ro possível de pessoas servis pa trália, o Canadá e todas as ilhas
ra cantar suas glórias, tudo acei_ perdidas nos oceanos, além da Po
tou, tendo como única condição a lônia e outros países do centro
chefia dessa máfia. europeu.

Quarenta anos de mentiras pu Cem contra um.


blicadas pela imprensa escrita e A Alemanha, o pequeno ponto,
falada, que vocês roubaram em qua bem no meio da imensidão européia
renta e quatro dos seus proprietá tingida de vermelho, não fazia p£
rios, distribuindo-a entre os par_ so para uma luta final.
E todos estávamos convenci— como embaixador, fazendo um apelo
dos disso... a seu patriotismo, para reparar a
Que coisa dolorosa,qua dece£ besteira e as imprevidências que
ção, quando em julho de 1940, com eles haviam espalhado pela França,
algumas semanas de luta, as tro deixava Paris. Pressionado pelas
pas desse pequeno ponto preto che_ tropas alemãs, dirigiu-se para os
garam às portas de Paris. E os i£ lados de Bordeaux.
gleses e franceses fugindo, indo, A planície de Baud a Rennes,
vindo, correndo de todos os lados onde estavam localizadas as ofici^
sem saber para onde ir. nas da SNEF (Sociedade Nacional
E, no meio destas tropas,mi da Estrada de Ferro Francesa) e
lhões de civis fugindo dos inimi serviço de formação de trens, foi
gos, depois de abandonarem casas bombardeada. Houve muitas vítimas
e tudo o mais que, até então, ti no ataque. Quantas? Nunca o sou
nha sido a sua vida. bemos. Mas nenhuma bomba caiu na
0 caos era tão grande que as estação de passageiros; nem na ci_
tropas francesas nem sequer dispjj dade
nham de uniformes suficientes pa A noite, chegaram a Campei,
ra os seus recrutas. lugarejo a trinta quilômetros de
Quem são os responsáveis? Rennes, onde eu morava, famílias,
Estes mesmos que, em 1944, que apavoradas fugiam da cidade.
formaram com seu chefe De Gaulle, Ninguém havia pensado que a guer
os "esquadrões da morte" do Gaul- ra poderia chegar até lá.
lismo, da falsa resistência. Du Rennes, contudo, não sabia,
rante meses massacraram e tortura ainda, o que era um bombardeio.Só
ram seus compatriotas que não com mais tarde iria aprender, cruel e
pactuaram com sua política de im- violentamente, o que significava
providência, para não dizer trai- esta palavra, com centenas de mo£
çSo a França. tos civis, todos franceses.
Na cidade, a histeria. Pes
soas correndo e gritando:
- 0 armistício! 0 que o go
verno espera para assinar o armis
JUNHO, 1940.
tício?...
Era isso o que os primeiros
As tropas alemãs estão che
gando à Paris. refugiados nos contavam. Dormiam,
abrigados na casa de uma viúva,de
0 governo do marechal Pètain nome Bouchet, e, na manhã seguin
que nossos políticos haviam cha te, pegavam novamente a estrada.
mado da Espanha,' onde eles mesmos Não, não era possível que as
o tinham mandado há alguns meses tropas germânicas chegassem à p£
derosa Bretanha. Ninguém, nunca, no campo, com suas famílias. Aca
pensara que isto viesse a aconte baram levando imensos sustos, ao
cer. verem bombas caindo ao seu redor;
Somente se um milagre aconte assinavam, desse modo, o armistí
cesse o mundo se livraria do des cio, antes mesmo do marechal, pra
potismo, da barbárie que ameaçava ticando, pelo menos, uma meia per
tomá-lo. fídia.
Notícias que chegavam nos a- Isso me lembra um julgamento
visavam que a aviação de Mussoli- que ocorreu em Paris, também em
ni metralhava civis na Costa Azul. 1944, quando um inspetor de polí
Em geral, a população estava cia foi condenado à morte por ha
furiosa com os italianos, que nos ver prendido, alguns anos antes ,
declaravam guerra quando já está um pretenso "resistente", que na
vamos derrotados, mais que contra da mais era do que um traficante
os alemães; que até aquele momen do submundo do mercado negro.
to só tinham atacado aos milita Durante o julgamento, o con
res. denado levantou-se, foi ao juiz e
Nos dias seguintes, comboios
disse:
de tropas, recuando dos campos de
- "Senhor juiz, condene-me à
batalha do Norte e do Leste, após
morte; porém, eu só executei a ot_
terem atravessado a Normandia,de£
dem de mandado de prisão, que Vojs
ciam à toda velocidade a estrad a
sa Senhoria entregou-me em mãos."
de Mascent, vindo da direção de
- "Neste caso"- retrucou o
Faugere, via Reden e Nantes, para
juiz - "não deveria tê-la executa
continuar na direção de Bordeaux,
do."
antes que as pontes do Loire voas^
E o infeliz inspetor foi mes
sem pelos ares.
mo fuzilado...
Isto era o que discutíamos à
Oh! Que belos são caminhões,
luz das conversas, eu e alguns de
todos pintados com as cores do e-
meus amigos. Formidável como sou
xército francês!
bemos tudo assim, tão clara e ra
Os Renaults, os Berliets,de£
pidamente I
ciam na direção sul, a cem ou ma
Grande parte dessa gente que
is quilômetros por hora.
pedia o armistício, empurrados pe_
Uma semana mais tarde, quan
Io medo e pela covardia, mais tar_
do as primeiras tropas alemãs che_
de, por volta de 1944, passou úes_
garam a Campei, após o armistício
caradamente a insultar e pedir a
ter sido assinado e os combates ,
condenação do marechal Pètain,que
antes tão presentes, terem termi
fizera apenas o que lhe havia si
nado, eu não podia deixar de com
do pedido por esse mesmo povo.
parar os belos caminhões france
Enquanto isto acontecia, ou
ses aos veículos alemães. Em mi
tros, abandonando seus postos de
nha pobre ignorância de vinte a-
serviço, fundamentais para a con
nos, via-os fazendo triste figura
tinuação da guerra, refugiavam-se
perto dos nossos, tão novos e fui pedado na casa de um amigo germâ
gurantes, embora se fizesse pre nico, indicado pela Universidade
sente o fato de que a "triste fi de Rennes.
gura" nos houvesse derrotado em Contou-me que, naquela época
poquíssimo tempo. este seu colega alemão fazia par
Estavam preparados para a es_ te de associações de jovens nazis
trada da guerra, podendo rodar em tas. Sem dúvida, tinha se acostu
qualquer terreno. Os nossos, pelo mado com o gesto quando, em compíi
contrário, eram incapazes disso nhia do amigo, assistira a alguma
por terem sido requisitados de ei manifestação.
vis. Só eram realmente formidáve Na época da anexação dos Su-
is em boas estradas, onde certa detos, antes de sua ida para Muni^
mente ganhariam todos os campeona^ que, à casa do amigo, perante meu
tos. medo de uma guerra, respondia:
Estávamos lá, reunidos, uma - "Neste caso, estando eu na
turma de seis ou oito amigos, que Alemanha, serei considerado um re
naquele momento ignorava se eram les prisioneiro."
falsos ou verdadeiros, olhando a Este episódio foi um simples
caravana passar. incidente que nunca mais voltou a
De repente, levantou-se de acontecer. Os caminhSes iam se fa
um dos caminhões um jovem soldado zendo mais escassos na estrada, e
mostrando os punhos em nossa dire_ nós permanecíamos lá, discutindo
ção e gritando: tudo e nada.
- "Porcos! Sujos!" 0 tempo passava rápido; eram
0 ódio estava estampado em já quatro horas da tarde, e nin
seu rosto. Apesar do barulho dos guém pensava no trabalho.
caminhSes em movimento, foi-nos o - "Ei, Georges!"
grito extremamente claro Era o pai Bourgoi que me
Atônito, tomei conta da si chamava.
tuação somente quando os veículos - "Teu pai está furioso. 0
já haviam passado. Surpreso,olhei feno está seco nas pradarias de
à direita e à esquerda, procuran baixo; mandou dizer-te para rec£
do uma explicação plausível para lhê-lo. Eu vou te ajudar, mas a£
o fato. tes vamos tomar uns 'bolees" (co
Um de meus amigos, ao meu Ia pos de louça muito usados para
do, estava visivelmente incompda- tomar a sidra nas zonas de produ^
do. Vendo que o meu olhar procura ção).
va um esclarecimento, disse-me: - "é isso, pai Bourgoi. Va
- "Fui eu o responsável. Fiz mos primeiro tomar alguns bolees
sem querer a saudação nazista." para ajudar a levantar a moral;
Em 1938 este meu amigo estu está muito baixa".
dava a língua alemã e estava hos Nós tínhamos sempre as me-
lhores sidras do município,e nos nuavam a viver ao lado do mare
dirigimos para a adega "au eu du chal Pètain, que, por solicita—
fut" (expressão que significa be_ ção (e também pelo debandar) de
ber em frente aos toneis, na ade_ todos os políticos, chegou a to
ga). mar as rédeas do governo nas
Era um desses dias de junho mãos. Tentava, assim, evitar de
em que o forte sol de verão se sastres ainda maiores.
cava em apenas um dia o feno,que Ao final do verão de 1940,
deixava no ar um agradável perfu bem como princípios de 1941,pas
me, penetrando em nussàs narinas sei a aprovar o posicionamento,
e deliciando-nos bastante corajoso, de continuar
Contudo, mesmo com o perfu a luta. De Gaulle insistia que,
me do feno no ar, o dia era mui junto com os que quisessem acom
to triste; a coragem, não pare panhá-lo na aventura, poderia e^
cia grande. Tudo caíra por terra. pulsar os alemães. Justo não era
As tropas alemãs iriam até sua atitude de levar, nos mares
a Bretanha, onde ninguém pensara da guerra, quarenta milhões de
em vê-las... franceses que não queriam mais
Nosso feno, porém, estava a ouvir sobre combates e mortes. A
secar, e precisava ser recolhido. decepção por que tinham passado,
Toda essa situação era, sem esta sim, havia sido grande, ir
dúvida, ainda mais dolorosa para reparável.
meu pai, que durante quatro anos E deveras interessante ver
tinha sofrido nas trincheiras da um povo sacrificando-se pelo que
I Guerra, e agora, vinte anos de_ lhe foi insuflado a acreditar, e
pois, assistia as tropas germâni ainda mais sob o jargão de ser o
cas chegarem às portas da nossa "interesse da pátria". Em um ro
casa. mance isto teria um efeito sensa
Ele, juntamente com os seus cional, sem sombra de dúvida. Só
camaradas de guerra, tinha dado que, na realidade, tomava um as
a todos nós belas lições de hon pecto terrível.
ra, honestidade e patriotismo;só Antes de seguir para a In
que, infelizmente, no futuro que glaterra, De Gaulle havia nos d£
se delineava, os pretensos comba do mostras de sua capacidade su
tentes Gaullistas e os falsos ho perior de estratégia, ao querer,
mens de resistência não iriam ma sem avaliar as conseqüências, fa_
is respeitar tais lições. Sujari zer da Bretanha uma ilha de "re
am o país de crimes. 0 sangue de sistência" .
inocentes iria cobrir a França.
Mesmo com uma catástrofe d£ Pobre' Bretagne! Em pou
lineando-se à nossa frente, qua cos dias a ilha poderia ser des
renta milhões de franceses conti truída com seus habitantes, mes-

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mo com seus milhares de combaten_ esta era a melhor política a se
tes. guir.
É decepcionante ver que um
aventureiro, um senhor dono de Assistimos a algo interessar!
grande cinismo, achando-se supe te alguns meses mais tarde.Chega
rior, com sua propaganda lançada ram de Inglaterra centenas de mi
aos quatro ventos, conseguiu le lhares de soldados e marujos,sen
var milhares de homens a pensar do que estes últimos haviam aban
que ele era o salvador. donado seus navios nos portos in
Sinistro, de Londres De Gau^ gleses, onde tinham se refugiado,
lie mandava-nos ordens absurdas: não tendo mais a posibilidade de
- "Agricultores! - dizia - sair de lá. Todo o corpo expedi
Deixai vosso trigo no campo. Não cionário de NARWIK ao norte da No
deveis trazê-lo a sede da fazen ruega foi chamado com urgência de
da, pois os alemães apoderar-se- volta para a França no começo da
ão dele!" ofensiva alemã, mas foram obriga
Uma política no estilo quan dos a desembarcar em solo britâ
to pior, melhor. Para quem esta nico, pois a França já estava in
va longe, distante das consequên_ vadida.
cias, parecia bastante razoável. Todo este contingente negou-
Ninguém seguiu tais ordens, se a continuar combatendo, inclu
criminosas. Os agricultores dig sive os milhares de soldados que,
nos não poderiam aprová-las,pois saindo de Dunkerque, seguiram as

seriam os franceses os primeiros tropas inglesas rumo à Inglater


a morrer de fome, e não os ale— ra.

mães. Todos eles negaram-se a es


Aos poucos, até os que eram cutar os apelos freqüentes que De
Gaullistas abandonaram esta ordem Gaulle lhes transmitia nos campos
irracional. 0 prejuízo que a to ingleses, onde estavam refugia
dos caberia será grande demais e dos. Eles voltaram para França só
a população não poderia ser dei para ficar com as suas famílias e
xada sem alimentos. não mais para combater.
Tamanho absurdo jamais foi Nesta época, os políticos
repetido durante os anos de ocu que circulavam ao redor de De Gaij
pação. lie, eram a escória desta catego
A enorme maioria dos france ria, e aqui no Brasil, encontran
ses não era a favor de colaborar, do, por um acaso, o filho de um
em hipótese alguma, com os germâ deles, fiquei sabendo que seu pai
nicos. Também não estavam do la antes, da guerra, era pobre, e o
do da resistência,ficaram neutros ano de 1944 o encontrou rico. 0
esperando os acontecimentos,inclu filho dizia isso com o maior or
sive eu, e fui persuadido de que gulho.

11
Os patriotas seguidores fié A rádio Gaullista de Londres
is do lema "antes de mais nada, d espalhava insultos e mentiras dia
meu bolso" eram muitos. De Gaulle riamente. Eram feitas em conjunto
e seus parceiros mostraram-nos co_ por ingleses e franceses simpati
mo pode-se usar meios inimaginá— zantes de De Gaulle. Ao que pare
veis para alcançar este ponto. ce, rapidamente eles esqueceram o
Minha consciência revolta-se ocorrido em Mers-el-Kelir, o por
por isso, mas as deles recusam-se to militar na Argélia onde a fro
a reconhecer tal postura. Por fim ta francesa havia sido escondida,
isto acabou causando a morte de mi_ a fim de evitar sua tomada pelos
lhares de compatriotas. alemães.

12
As bombas inglesas caíam - "Neste caso, todo o contin^
sobre os navios antes mesmo de al_ gente do exército francês seria o
guém emitir qualquer sinal de ata traidor da pátria, o "vendido", e
que, matando mais de dois mil ma não só o da África do Norte. Uma
rinheiros franceses, indefesos ao lástima..."
fator surpresa de nossos próprios Em Campei, havia um estudan
"aliados". Apesar do fato ser he te super-dotado, a quem chamava—
diondo e de extrema traição, a re_ mos "Tras-Bourg". Após ter deixa
conciliação foi bastante rápida.. do a escola, seu único trabalho a
Nessa época, não havia mui realizar era descer a estrada de
tos aparelhos de rádio na pequena Mascens e parar na casa de seus
cidade, e todos os dias nos encoj2 primos, na praça da igreja, con
travamos, seis ou sete amigos, na tinuar até o armazém Pariot, com
casa da viúva Bouchet. Parisiense prar o necessário e subir novameri
aposentada há muitos anos, a viu te a rua. Isso foi o que lhe va—
va ligava seu rádio e deixava-nos leu o apelido de "Tras-Bourg". Fa
ouvir o que nos era proibido pe lando a respeito da colocação da
los alemães: Londres, com suas in_ rádio Gaullista, saiu-se com esta
findáveis notícias, repletas de resposta formidável:
verdades, mas também salpicadas e - "Os soldados passaram por
sujas de mentiras. uma lavagem cerebral".
Pouco a pouco, ia ficando ir_ Olhando-o de frente, disse —
ritado com os insultos que os fo lhe:

ragidos Gaullistas faziam, invari - "Talvez. Mas eu acho que o


avelmente, ao marechal Pètain. que esta gente quer mesmo é fazer
Certo dia atacaram violenta uma lavagem cerebral em nós".
mente o exército francês da Áfri Depois deste episódio, a rá
ca do Norte, que estava sendo re dio Gaullista, pelo menos para o
novado pelo general Weygand, sob que me dizia respeito, não mais e
as ordens de Pètain. Somente esta xistia. Raramente ouvia o que di
renovação das forças permitiu que ziam seus responsáveis, poupando-
este exército recomeçasse o comba_ me das mentiras pregadas.
te, como mais tarde se viu. Contjj Contudo, a turba que a compij
do, para a rádio Gaullista, todos nha continuou a divulgar falsida
os oficiais e soldados franceses, des, prosseguindo 1944 adentro...
conforme as. notícias que divulga Chegou ao extremo do abuso e
va, eram traidores, homens vendi desumanidade no dia em que acusou
dos aos alemães, postos a seus de seus compatriotas que não tinham
sejos e articulações mil. fugido, mas escolhido a França co_
Quando retirei-me da casa da mo lugar acima de todos os outros,
viúva, senti a obrigação de fazer ficando ao lado de Pètain. o país
uma observação aos meus colegas: invadido, todos sem defesa. 0 que

13
poderíamos nós fazer? Fugir em es^ uma medida tão nobre.
cala total, em massa? As autoridades da ocupação a_

Não! Noventa e nove por cen lema também não se opunham ao en

to dos franceses permaneceram.Foi vio dos pacotes. Não se perdia um


o que impediu a destruição do pa sequer. Funcionários das P.T.T -

ís. Foi o que o manteve em pé. correio e estradas de ferro - aji£


Pouco importava isso aos e- davam. Todos devotavam-se a aju
nergúmenos que, em Londres, esta dar os mais infelizes.

vam protegidos de todos os peri— Conhecemos belos exemplos de

gos. Para eles a glória, e só a fraternidade durante estes anos.

glória importava, edificada sobre Para que o ódio levantado pe_

milhares de cadáveres franceses. los sinistros de londres fizesse


A ocupação estava presente e seu efeito, tivemos que esperar o

perpetuava-se, trazendo miséria e ano de 1944. A França, não mais


privações para muitos. se reconhecendo, tornara-se um pa_

Nas cidades grandes, faltava ís de primatas, pois os Gaullis


muita coisa: quem não tinha famí tas, com armas nas mãos, massacr§_

lia no campo, passava fome muitas ram sem piedade seus próprios ir
vezes. As pequenas regalias, o su_ mãos.

pérfluo, não mais existiam. Os traficantes do mercado ne_

Para ajudar estas pessoas,oj_ gro, exploradores de seus compa

ganizou-se um serviço de pacotes, triotas, e que causavam tanta a-

enviados via postal. preensão, reapareceram em 1944,

A Bretanha era uma região de quando, com metralhadoras, fazen

policulturas, em que não faltou a do parte da resistência Gaullista,

limentação durante toda a guerra. vingaram-se das pessoas que, ante_

Esta região muito contribuiu riormente, haviam se negado a for.

para aliviar a fome dos franceses necer mercadorias para seus negó
e das centenas de milhares de pri_ cios fraudulentos com os alemães.

sioneiros de guerra na Alemanha. Para ilustrar, citarei um de_

VagSes inteiros de pacotes à les, o "mal penteado", do lugare

Paris e outras capitais da Fran jo de Brangalo. No fim de 1940, jl


ça saíam da estação de Maure de nício de 1941, veio muitas vezes

Bretagne, e de outras, várias ve à minha casa, para tentar conse—

zes por semana, destinados também guir alimentos que sustentassem o

aos prisioneiros nos campos ale seu tráfico com as tropas nazis—

mães. tas. Como nunca recebeu uma grama

As autoridades francesas en de "mercadoria, desistiu.


corajavam estas encomendas, toman
do cuidado para que os numerosos, Contudo, em junho de 1944, a_

e sempre presentes traficantes do pareceu novamente, mas desta vez

mercado negro, não desvirtuassem com uma metralhadora na mão, acom

14
panhado de seus amigos da resis— ticos, antes que o pós-guerra nos
tência falsa. trouxesse esfregões de aço e piás
tico.
Depois da chegada das tropas Enfim, após algumas ameaças,
americanas começaram os bailes e "le fil de Ia buchoniere" colocou
as festas populares que, durante seu revólver no meu nariz, amea-
a ocupação alemã, eram praticameri çando-me de morte, chamando-me
te proibidos. Pètainiste e colaboracionista.
Em um desses bailes, que te Amigos se interpuseram e ele
ve lugar numa antiga escola muni se acalmou.
cipal no centro da vila, fui pro Pouco depois, fui com um gru_
vocado por um F.F.I. (Força Fran po de amigos beber uns copos de
cesa do Interior, composta de jo sidra em nossa adega, situada pojj
vens que, após a retirada dos ger^ cos metros da escola. Bebemos al
mânicos, sentiam-se cheios de "co guns bolees tranqüilamente e vol
ragem" para lutar). Não havendo o tamos para o baile.
inimigo, lançavam seu ódio contra Ao entrar no salão, vi o ca
os próprios compatriotas. Este j£ bo sentado num banco, do outro la_
vem, que me provocou, era de Mas- do da sala. Ao seu redor, alguns
cent, município próximo a Campei. conhecidos meus. Um estava com a
Corajoso, fantasiado de cabo com mão sobre o ombro dele; como que
uma farda conseguida sabe Deus on_ o recriminando, a outra mão, li
de, d revólver bem à vista, pare vre, erguia um dedo em riste so
cia um cowboy americano. bre a face do jovem. Em seguida o
Apesar de conhecê-lo, de vis_ rapaz levantou-se e saiu,cabisbai_
ta, há vários anos, não lembrava, xo, para não mais aparecer.
e não lembro, seu nome. Apenas re_ Posteriormente, vim a saber,

cordo que o identificávamos como por intermédio de um vizinho, que


"le fil de Ia buchoniere", porque após minha saída do salão, o cabo
era filho de uma coitada que, pa havia parado no meio do local e
ra viver, fazia manualmente o que declarado em voz alta que, quando
nós chamávamos de bouchons, esfre_ eu voltasse, ia me estourar a ca
g5es muito usados no meio rural e beça. Isto provocou a intervenção

feitos com arbustos, pequenos ga de alguns amigos meus, que acaba


lhos fortes e resistentes, denorrú ram por ensinar-lhe onde deveria
nados buis, com folhas muito pe ficar. E, como bom resistente, o
quenas, que não se perdiam duran bravo mostrou toda sua coragem fu
te o trabalho. gindo da sala, e do baile, que se_
Estes esfregões eram um pou guiu sem mais incidentes.
co menores do que uma bola de fu Como já havia dito, na nossa
tebol, e serviam para limpeza de região nada faltava. Nunca come—
panelas e outros utensílios domés^ mos tanta carne e pão tão branco,

15
como nos quatro anos de guerra. nal do racionamento, depois que a
Os açougueiros matavam à noi_ guerra acabou.
te; comprávamos, então, mais car Tivemos poucos soldados ale
ne do que o necessário, já que o mães alojados em Campei. Um ou d£
futuro era incerto, e não sabía is dias apenas, em toda a guerra.
mos se a teríamos no dia seguinte Mas, em Mascent, Maure de Bretag-
Também devíamos comê-la sem muita ne e no campo de Coetquidan, eles
demora, pois as geladeiras eram u_ estavam em grande número.
ma raridade. Muitos deles procuravam che
Os agricultores, como ocor gar às fazendas, no campo, a fim
ria antes da guerra, continuavam, de encontrar alimentos. Não só pa
sem oposição, a levar uma certa ra levar aos seus colegas, mas pa_
quantia de trigo para o moinho, a ra enviar às suas famílias, na A-
fim de produzir uma farinha como lemanha. E, geralmente, encontra
jamais- houve, branquíssima. Antes vam muito mais do que poderiam es_
da guerra a farinha não era assim perar.

tão bonita, apesar da mistura uti Havia muitos compatriotas a-


lizada ser a mesma: setenta por proveitadores, que pretendiam adjD
cento de farinha pura, trinta po£ rar De Gaulle e sua resistência ,
cento de farelo. 0 porquê desta mas só em palavras, pois quando o
diferença, eu ignoro. Apenas cito exército alemão chegava às suas
que possuíamos pão bem melhor que fazendas ou casas comerciais, e-
antes da guerra. ram sempre muito bem recebidos, e
A gendarmerie fechava olhos recebiam tudo o que procuravam:de
a quem ultrapassava a cota de leite a manteiga, ovos, carne, e
moagem, e até se aproveitava dis muitos outros produtos.
so, íamos à noite, em carretas pjj Em Campei e nos arredores,co
xadas por cavalos, que praticamer^ mo em outros lugares, podíamos a-
te eram os únicos veículos a cir té contar nos dedos as fazendas e
cular. casas comerciais que, como aconte_
Os moinhos trabalhavam a ncd cia em nossa casa, nunca venderam
te inteira, evitando, assim, fis nada, nenhum centavo, às tropas
cais, que circulavam quase só du alemãs.
rante o dia. Recordo-me de nossa emprega
Nós íamos sempre ao moinho da, Marie Jasser, quando dizíamos
de Livaudre, instalado no pequeno para que ela nada vendesse aos a-
rio L'aff, fazendo a divisa entre lemães. Respondia ela:
os departamentos do Ille-e-Vilai- - "Quando vocês estiverem em
ne e do Morbihan, perto do campo casa, tudo bem. Mas, e quando eu
militar de Coetquidan, a oito qui_ estiver sozinha? Não sei, não...O
lômetros de Campei. Assim conti que poderei responder quando para
nuamos até 1947 ou 1948, até o fi rem para comprar?"

16
- "Diga a eles que não tem"- migos! Que carnificina!
nós lhe avisávamos. 0 lugarejo em que vivíamos a
- "Mas eles sabem que temos." tanto tempo iria conhecer, no £
- "E você deve continuar di no de 1944, crueldades piores que
zendo que não temos!" Monterfil e outros lugares, de eu
As tropas alemãs, sempre, jos acontecimentos falarei mais ja
mostraram-se corretas com a popjj diante.
lação e, dificilmente, procura Havia na cidadezinha algumas
riam intimidar a uma mulher. Fa mulheres que, em lembrança à rev£
lo, é claro, da população civil, lução de 1789, chamávamos "as tri
e só dela, não dos falsos resis cotenses".
tentes, que quando estavam cer Fomos, porém, demasiados ge
tos da não existência do perigo, nerosos com a denominação que de
atiravam nos soldados alemães co_ mos a elas. Eram da pior espécie,
vardemente, pelas costas. com suas agulhas, e também suas £
Durante toda a guerra, eu es_ diadas línguas, ferinas. Enlamea
condi armas de combate: dois fu ram mais de uma pessoa honesta, ejn
zis Mauser, herdados do conflito tregando-as por qualquer motivo,
anterior, bem engraxados e em bom qualquer coisa, que as importunas
estado. Um dos fuzis pertenceu a se.

meu pai; o outro, a um amigo Gaul_ Simpáticos ao marechal Pèta-


lista, que para livrar-se da arma, in, aos olhos dos patriotas Gaul
jogou-a num açude, a algumas cen listas éramos colaboracionistas.
tenas de metros da pequena cidade, Sinto-me orgulhoso, como me
onde o recuperei após vários mer sentia, na época, de seguir ao rre
gulhos. rechal, apesar de saber que era
Se eu tivesse sido denuncia considerado um crime horrível não
do pelos Gaullistas que comigo se ser adepto de De Gaulle.
relacionavam, certamente estas a.r Já os falsos resistentes, a£
mas teriam trazido, para mim e pei sassinos, vendiam-se por qualquer
ra toda a minha família, os cam preço, enchendo os bolsos inclusi^
pos de concentração. ve com marcos alemães.
Um denunciante entregou meus Refiro-me apenas a una mino
amigos, por uma espécie de ciúme. ria, que tornou-se Gaullista quan
Foi o mesmo que, em princípios de do chegou o final de quarenta e
1941, denunciou dois prisioneiros três, princípios de quarenta e
evadidos: Alexis Wester e Ooseph quatro, quando a vitória dos alia
Bauerre. dos não mais deixava dúvidas.
Dá para sentir medo, só lem Senhores heróis! Bem sabiam,
brando que os dois homens entre que sendo crápulas, falsos, bandi_
gues- poderiam ter sido seus compíj dos, e estando lutando na resis
nheiros, gaullistas. Meus a- tência, não seriam denunciados lá

17
de dentro, como tais. Isso foi me seus crimes.
dito por um de seus amigos, muito Eram muito corajosos quando,
falador. Se bem que nem foi necej; armados, atacavam fazendinhas is£
sário, pois suas açSes provaram o ladas, pilhando, torturando, ma

que vocês eram. tando os moradores. 0 que não le


As tropas aliadas desembarca vavam com eles, queimavam.
ram na Normandia, local onde con Para mim, só se compara a es_
seguiram fixar-se após violentos tes crimes sua covardia. Pox que

combates. As forças alemãs foram, iriam arriscar as vidas para pôr


aos poucos, recuando, sob o inte£ as tropas invasoras em fuga? Ha
so fogo das aviações inglesa e a- via gente mais fácil de matar.

mericana. E, de repente, nossos Os americanos e os canaden—

famosos heróis da resistência fa^L ses atravessaram o oceano Atlânti


sa, acharam-se fortes e corajosos cq para derrotar os alemães;os in.

o suficiente para combater.Os ale gleses, o Canal da Mancha. Os re


mães? Não! Eram muito perigosos, sistentes Gaullistas, ao invés de
devolviam o fogo, defendendo-se.0 fazerem o mesmo, atacar os germâ
exército germânico podia fazer de_ nicos, deixaram para os estrangei_
masiados estragos nesse bando de ros tais honras. Seu "dever" era

covardes. outro: limpar a casa, acertar as

Atacavam, então, na caída da contas com os franceses que não e_


noite, armados até os dentes, ce£ ram de sua laia. Ciúmes, vingança
tos de não encontrar resistência. e ódio...
Sabiam que os alemães estavam pre_ "Deixemos para os aliados a
parados para este tipo de coisa.E tarefa de libertar nosso país. Es_
resolveram atacar os próprios corn te não é nosso serviço. Estaremos

patriotas, os franceses não simpa presentes apenas para desfilarmos


tizantes de De Gaüllé, desarmados nos Campos Elíseos. Agora, temos,
e indefesos, nem sequer pensando, antes de mais nada, que ajustar a
pois jamais esperariam um ataque, conta com os franceses. É contra

em se defender com armas. eles que dirigimos nosso ódio. Em


Era uma brincadeira, infini suas fazendas, um verdadeiro te
tamente menos perigosa do que ata souro nos espera."

car as tropas germânicas. - "Vamos já."


Pessoalmente, jamais vi se As dez da noite, fui desper
quer um membro dessa falsa resis tado em sobressalto:
tência que tivesse coragem. Só ao - "Georges! Georges!"

terem certeza de poder atingir um Meu pai me chamava.

soldado (ou, de preferência, um £ - "Tem alguém lá fora chamar^


ficial) pelas costas e fugir, co* do por ti!" - me disse.
mo coelhos no mato, o faziam. De.- Meio dormindo, levantei-me,e

pois, deixavam outros pagarem por desconfiado fui verificar. Todos,

18
sem exceção, vivíamos sob tensão, migo completamente desarmado, ain
sob o terror. da deu a ordem de levantar os bra_
- "Quem está aí?"- perguntei ços! Será que ele tinha medo que
-"O que quer?" eu fosse um grande campeão de ka-
- "Polícia! Abra a porta!" - ratê?
responderam-me. Como poderia eu pensar, que
Não era hora para a polícia, se dirá querer, que canalhas des
e minhas dúvidas se dissiparam: £ se tipo lutassem contra nossos in
ram os terroristas da falsa resis vasores? Como essa gente,desse ti
tência. po, poderia defender nosso país?
Todos os dias os jornais nos Eu o olhei por alguns segun
davam notícias das visitas notur dos e, sem pensar em nada, fechei
nas e dos ataques dos terroristas a porta de novo, jogando-me para
da resistência."Atacaram a fazen o lado, atrás da coluna que sepa
da de X, massacrando três pessoas rava a porta da janela.
Em Y, queimaram os pés de duas mu Uma fração de segundo depois
lheres, para obrigá-las a mostrar a metralhadora crepitava. Não é a
onde estavam as economias da casa mais agradável das experiências,
e roubá-las. Depois, atearam fogo afirmo, servir de alvo à uma me
aos galpSes da fazenda." tralhadora.
Era um verdadeiro horror nos Sabia que o dedo dele estava
campos. no gatilho, no instante em que fe
Eu adivinhei, sem muito es— chei a porta. Tê-la fechado, in-
forço, frente a quem me encontra continenti, foi o que me salvou.
va. Cinqüenta ou mais projéteis,
Mesmo assim, com a consciên lançados contra a casa, perfura
cia tranqüila, pensando que gran ram portas e janelas, transformar^
des desgraças são reservadas para do tudo numa verdadeira peneira.
os outros, resolvi abrir a porta. Pensando que eu havia ficado
Um grande herói estava lá, a estendido, morto, atrás da porta,
metralhadora debaixo do braço, a- o "herói" foi juntar-se ao restar^
pontada para mim. te da turba, que ficara no centro
Mesmo esperando algo, não i- da pequena vila.
maginei esta cena. Certamente voltariam,mais ce_
Ele tinha os olhos pequenos, do ou mais tarde, para acabar seu
meio fechados, fazendo-me lembrar trabalho, sua ocupação patriótica
um mongol. Nada tranqülilizador,o de roubar e pilhar.
homem era, sem dúvida, um terro— Aproveitei sua saída para fu
rista. gir.pelo jardim que ficava atrás
- "Mãos ao alto!" - ordenou- da casa.
me. Meu pai, meu irmão, nossa ern
Armado, em minha frente, co pregada, fizeram a mesma coisa,di.

19
rigindo-se à casa de Manuel, nos policiais. Ao contrário, aconse—
so amigo. Contudo, naquele momen lháva-nos a Jião fazê-lo.
to, eu nada sabia deste fato. - "Já passou".- dizia - "Es
Cheguei ao centro da vila e tá terminado, e não falemos mais
procurei por um telefone, para a- nisso".
visar à delegacia de polícia, que Estava ao lado dos terroris
ficava em Maure de Bretagne, cin tas, ajudando-os a encobrir seus
co quilômetros distante de minha crimes. Comentavam em Campei, que
casa. Porém, logo dei-me conta do ele teria pago muito dinheiro aos
erro que cometia. Primeiro, a po terroristas para ser deixado em
lícia não viria; que poderiam e- paz. Ele podia pagar bem, já que
les fazer contra as metralhadoras nos anos de ocupação tinha enchi
dessa gente? Não tinham vocação do os bolsos. Pagou caro, podia
para a morte. E mais: o telefone, esquecer.

a que eu procurava, ficava na ca Não era meu caso.

sa de algumas pessoas que afirma Para Chamery, tudo era defi

vam constantemente serem nossos a^ nido por dinheiro; para mim, por
migos, mas que, na realidade, mari consciência. Não era fácil esque
davam os assassinos à nossa casa, cer o que estava acontecendo.
no meio da noite. Dizia a mim mesmo que jamais
Tive claramente essa impres deveria tomar esse caminho.
são, que mais tarde veio a se con_ Dirigí-me, então, à estrada
firmar. Isso, então, devo à famí de Mascent. Não havia percorrido
lia dos falsos "barões", que rece_ trinta metros," quando ouvi o baru_
biam os alemães de braços abertos lho de uma pequena tropa que se a_

quando eles apareciam para contro proximava.


lar os prisioneiros franceses mari Não tive dúvida: era a turba
dados às fazendas que possuíam,pa_ de assassinos. Ninguém teria cora
ra ajudar nas colheitas. Assim o- gem de passear pelas ruas àquela
correu por mais de um ano. Os sol^ hora da noite.
dados germânicos chegavam e eram, Peguei uma estradinha de ter_
invariavelmente, recebidos pelas ra que, saindo da cidadezinha, ia
"baronesas", com caixas de cerve para o campo.

ja- Fui caminhando pelas redond£

A uns vinte metros do local zas, que conhecia muito bem, sem

onde eu estava, novamente crepita_ saber o que fazer ou para onde me


ram metralhadoras. Os vidros dos dirigir. De vez em quando, ouvia,
quartos de cima, no açougue Chame ao longe, o pipocar das metralha
ry, caíram em pedaços sobre a cal^ doras.
cada. A meia-noite, foi um baru— £ triste saber que esses co
lho bastante estranho. Chamery, o vardes não estivessem usando sua

dono do estabelecimento, nunca se munição contra os alemães.Que tra_

juntou à nós, para dar queixa aos balho eles teriam realizado! Mas,

20
isto, era muito perigoso! fazenda que, meses, mais tarde,eu
Estava ansioso, pensando em quase fui morto, asfixiado por um
minha família, sem saber que eles gás.
também tinham conseguido ficar em Mareei, o filho de Augusto,
um lugar seguro, à salvo. veio pedir-me ajuda para dinami
Após um certo tempo, resolvi tar uma camada de pedras, que ele
voltar para casa, para saber como tinha encontrado a doze metros de
ficaram as coisas após minha saí profundidade, quando cavava um p£
da precipitada. ço na sua fazenda.
Procurei chegar pela frente. Resolvi ajudá-lo e, dias de
Sendo uma noite muito escura, pu pois, fui à sua casa para fazer o
de salvar minha vida novamente. serviço.
Encontrava-me a uma distân— Após ter preparado tudo, des.
cia de trinta metros da casa,quafi ei na cisterna e coloquei alguns
do ouvi passos. cartuchos de dinamite no furo an
Parei no canto de uma parede teriormente feito. Acendi o pavio
e esperei. e procurei sair rapidamente do l£
Alguns segundos depois, ouvi cal.
baterem na casa de Jules Bouvet.A Após a explosão, seria nece£
sua esposa, Lea, veio abrir, e pju sário evacuar um gás mortal, que
de ouvir a conversação. 0 terro sempre ficava nesses buracos.
rista queria saber se eu não estja Usávamos, para isso, um meio
va refugiado na sua casa. A dis rudimentar, o único existente na
tância de uns dez metros de onde época: um feixe de trigo,para ser
eu estava, tudo foi muito claro. mais exato a palha do trigo, era
Quando todos os assassinos e amarrado no extremo de uma compri_
bandidos chegaram à minha casa.es^ da corda, com a qual, fazendo mo
perando encontrar-me estendido a- vimentos de vai-e-vem, tentávamos
trás da porta, tiveram uma decep ventilar o poço, para tirarmos t£
ção. do o gás formado no fundo.
Agora, procuravam-me, para ja Após uma hora, resolvi des
cabar a caçada. cer para ver o resultado do servi_
Além de simpatizante de Petji ço. Para isso, usávamos um cabo,
in, eu era presidente do sindica de aço, com um gancho na ponta.Ne
to agrícola do município,cargo es_ le colocávamos um pé e, com o ou
te bastante visado pelos crápulas tro livre, nos protegíamos das pe_
da falsa resistência. dras pontudas. Segurando-nos fir
Vendo o perigo que eu corria, me, com as mãos, descíamos na ve
se ficasse por perto, resolvi fu locidade que o sarilho permitia,
gir para a casa de um amigo, que vestidos apenas com bermudas.
morava no campo. Chamava-se Breil Uma vez no fundo do poço, eu
de Augusto Pilpré, e foi em sua acendi um fósforo, que queimou a-

21
té a ponta de meus dedos. Deixei- Pedi novamente para descer.
o cair, inadvertidamente,sobre al^ Lembro-me, depois disso que,
gumas palhas que haviam se solta- deitado no fundo do poço, via uma
to do feixe. Acendeu-se, então,um névoa, cada vez mais densa; o ca
pequeno fogo, que apaguei de ime bo, estava perto do meu rosto. Eu
diato com a sola da bota que usa~ tentei pegá-lo várias vezes , sem
va. conseguir sequer tocá-lo. Então,a
0 gás, que tanto nos preocu escuridão absoluta sobreveio.
pava, era extremamente mortífero, Quando recobrei os sentidos,
e em poucos segundos podia matar estava deitado na grama, perto da
uma pessoa. Por sorte, não era e^ boca do poço, com umas oito pess£
plosivo. Pelo contrário. Portanto, as à minha volta, mais apavoradas
quando queríamos nos certificar a do que eu.
respeito da não mais existência Mareei, ao ver o que aconte
da substância, usávamos o "teste" cera, tinha chamado todos os vizi^
do fósforo: acendia-mos um, e se nhos, que, juntos, puxaram-me pe
houvesse gás, a pequena chama apa_ lo pé, de cabeça para baixo mesmo
garia de imediato. Por sorte, o cabo e a bota
Não foi esse o caso. resistiram ao esforço. Do contrá
Tranqüilizado, tirei o pé do rio, eu estaria morto.
gancho e comecei a mexer em alg^j Meu corpo estava cheio de ar
mas pedras soltas. Sob elas, co- ranhões; pelo atrito com as pare
vim a saber, havia ainda gás. des do buraco. Contudo, se tives
Senti como que uma pancada à se permanecido mais alguns segun
nuca, e de imediato coloquei o pé dos lá embaixo, certamente não es_
no laço, segurando firme. Gritei: taria escrevendo este livro.
- "Sobe!" Pouco a pouco, a fisionomia
Mareei começou a enrolar o das pessoas à minha volta começa
sarilho. Entretanto, meu corpo já ram a ficar mais claras. Sorrisos
não respondia ao esforço necessá amarelos apareciam.
rio para suportar a subida. Levantei-me sozinho, com di
0 cabo puxando a perna,eu no ficuldade. A cabeça pesada, o pei^
fundo do poço, caído. to doendo. Ao meu lado, Mareei e
- "Desce! Desce!" -berrei ojj sua esposa, Auguste, com a mãe e
tra vez. De imediato minha perna a viúva Gasset, que havia perdido
desceu novamente ao cascalho. o marido na guerra. Também reco
Ergui-me, segurei o cabo de nheci a família Goubaire, comple
aço com força e, de novo, chamei: ta, e alguns amigos.
- "Sobe!" Um pouco tonto, dirigí-me a
Foi uma repetição da primei Mareei:
ra tentativa: a perna subiu, en - "Traga uma jarra de sldra,
quanto eu caí sentado no chão. para festejarmos! Vai fazer bem a

22
todos, pois não foi desta vez, a- nhamos sido perdoados.
inda, que me fui!" Esqueceu, porém, de duas cqi^
Mais uma vez, posso creditar sas importantes, que deveriam ser
este milagre à Nossa Senhora, que esclarecidas:
jamais negou-me a proteção. De que estávamos sendo per
Foram difíceis alguns momen doados?
tos que passei na casa do amigo, E porque estávamos sendo pe^r
lembro-me bem. doados?

Recordo-me, ainda, o modo co Nunca o soubemos

mo fui bem recebido por Pilpré ao Também, logo eu, que não ti
chegar. Expliquei o problema e de nha nenhuma razão para pedir per
imediato convidou-me a entrar,ofe dão!

recendo-me licor, sidra, café, e


tudo o mais para confortar-me. Cheguei à minha casa e pene
Depois, sentamos e conversa trei no pátio, devagar, não que
mos sobre os tristes acontecimen rendo ser surpreendido por nada.

tos que ocorriam por todos os la A luz do dia já começava a


dos, ele concordando com meus pori se mostrar.

tos de vista. Quando resolvi vol Não havia mais ninguém.

tar, sua esposa, Armandine, insis_ Os "heróis" desapareceram na

tiu para que esperasse, pelo me noite, para continuar suas ações
nos, o dia clarear. "patrióticas" e perpetuar o mais
Pilpré recomendou-me muito a horrendo dos crimes que a França
fim de que eu não falasse a nin veio a conhecer.
guém que ele me recebera em sua Ao entrar na casa, vi que

casa. Os terroristas poderiam fa- estava toda revirada. Não havia,

zer-lhe mal por causa disso. inteiro, nenhum vidro nas portas

Entretanto, o terror estava, ou janelas. Os armários estavam,

invariavelmente, em todos os luga_ todos, quebrados. Buracos de ba

res. Como descobri mais tarde, a- la apareciam por todos os lados.

té entre os amigos. Todavia, nenhum cadáver,nem


Uma semana depois de ter par^ rastros de sangue, o que tranqLU
tido, descobri que Pilpré estava lizou-me em relação à minha famí^

metido com os mesmos homens que a liá.


mim tinham perseguido. Contudo, £ Curioso foi o retrato do Ma
le não participava de seus crimi rechal Pétain.Ficou em seu lugar,
nosos atos. Mandou-me, mais tarde, intacto. Até hoje não entendi o
um recado, através de uma amiga, porque de não o terem destruído.
bem avisada para não dizer quem e_
ra o remetente, que dizia para e- Dinheiro, havia sido total
vitar-mos temer qualquer coisa de mente roubado. Títulos ao porta
origem dos terroristas, pois tí dor, levaram alguns. Outros esta_

23
vam sobre a mesa. Também roubaram Quero aproveitar, antes de
roupas, uma bicicleta. De valor, prosseguir a narrativa, para me
o que não puderam levar, queima apresentar corretamente.
ram na praça da Fontaine. 0 fogo Filho de um agricultor pe
ardia ainda. Um valor aproximado queno, igual à maioria da região,
de cem mil francos... meu pai era dono de mais ou menos
vinte hectares de terra.
Numa das minhas viagens en Desde a mais tenra infância,
contrei-me, na França, por acaso, tive o desejo de conhecer o mundo
com um dos falsos "barões", pa percorrendo grandes espaços.
deiro à época em Maure de Bretaçj Terminados meus estudos bási
ne. cos em minha cidade, não tive pos^
Dirigindo-se a mim quis, co sibilidade de continuar o curso
sempre o fazem, mostrar-se ino— superior na capital, apesar de um
cente diante -do que havia aconte professor, Le Gracier, encorajar-
cido em minha casa, em 1944. Es me a isso.
tava com um sobrinho, que não a- Sentimental demais, não fui
briu a boca. capaz de abandonar meus pais, que
Tentava provar sua inocên— já não eram muito jovens. Quando
cia dizendo que não poderia ter falava me partir, meus pais dizi
mandado fazer algo assim com um am-me :

grande amigo como eu tinha sido. - "Quando teu irmão for ma


Só isto respondi a ele: ior de idade e fôr chamado pelo e_
- "Você sabe que quatro ba xército, o que vamos fazer nós dp_
las atingiram a cama em que meu is?"
pai dormia. Escute bem o que vou Nessa época feliz, as famíli
lhe dizer: caso meu pai tivesse as eram muito unidas, e os filhos
sido atingido, você e meia dúzia ouviam seus pais, o que não acon
de seus horríveis amigos esta tece atualmente.
riam mortos e enterrados a muito Tenho uma amiga, mãe de duas
tempo! Eu teria esperado o tempo moças.

necessário, mas meu pai seria, Um dia, esta minha amiga viu
de qualquer jeito, vingado!Seria ser necessário dar alguns conse
meu direito, meu dever, e não i- lhos a elas, de que muito preci
ria me furtar disso!" savam. Recebeu de volta gritos
horríveis. Quanto me contou a ce_
- "Ah, sim! - respondeu-me, na, tinha lágrimas nos olhos
espantado - "Tu matarias inocen - "Queremos nossa liberdade!
tes!" Queremos nossa liberdade!"- grite
Durante os meses de verão a vam.

corja matara milhares, muitos ma E tinham apenas dezesseis a-


is inocentes que eles! nos. Eram capazes apenas de lavar
suas roupas! te, na sua unidade, em todas re-
Não me arrependo de não ter giBes da França.
deixado meus pais. Sem sombra de De repente, tudo mudava: pa
dúvida, se eu tivesse saído de ca ra o trabalho do campo, iriam fal_
sa naquela época, teria mudado nú tar braços. As mulheres campone—
nha vida. Mas não o fiz.Fiquei ao sas iriam passar anos bem duros a
lado deles. Meus pais o mereciam. fim de manter as fazendas com sua
Eu acho que uma família bem capacidade de produção normal. E
unida vale muito. Infelizmente, a_ as que não agüentaram este perio-
gora querem nos convencer do con do duro foram muito poucas.
trário; por isso estamos vendo re_ Podemos nos perguntar, dian
sultados tão desastrosos por to te da coragem e tenacidade destas
dos os lados. mulheres, como uma minoria de ho
Nunca ouvi uma discussão en mens, enlouquecidos por falsas,su
tre meus pais e, neste ponto, conn jas propagandas, puderam, sem en
parando-nos com as outras famíli vergonhar-se, formar, em volta do
as, éramos favorecidos. sinistro Oe Gaulle, um ninho de
Meus pais sacrificavam-se pe_ serpentes...
Ia gente. Pensavam tão somente em Eu tinha uma vontade tremen
aumentar seus hectares de terra,a da de alistar-me na aviação. Era
fim de deixá-los para nós. meu sonho. Mas afinal, quem nunca
Todos trabalhávamos duro,não sonhou assim aos dezenove anos ?
deixando faltar nada de essencial Meus pais não permitiram.
pm casa. Havia um perfeito enten Sentia-me muito chateado por
dimento. Nossas ambições não eram não ter um irmão ou irmã mais no
enormes, mas satisfatórias. va. Isso teria me libertado de nú
Em meio a essa harmonia, che_ nhas obrigações filiais.
gou a guerra, trazendo todo o seu No princípio de 1940, minha
contágio de crueldade e covardia. mãe morreu, de repente. A sua mojr
Quando explodiu a declaração te natural evitou que ela tivesse
bélica, meu irmão estava cumprin maiores sofrimentos.
do serviço militar. Logo, estava Com vinte e dois anos, fui e_
metido nas hostilidades. leito presidente do sindicato a-
Qs sinos tocaram, anunciando grícola do município. 0 preceden
a calamidade da guerra. Neste mo te tinha se demitido, após os fis_
mento, eu me encontrava, com mui cais terem feito uma visita à sua
tos outros, na Fazenda da Porta, fazenda.
fazendo triagem de cereais:trigo, Neste cargo, fiquei até o fi
aveia, etc. nal de 1944, quando os novos pa-
0 trabalho parou: mais da me trSes, ainda mais porcos que os
tade dos homens presentes deve anteriores, dissolveram as corpo
riam apresentar-se no dia seguin rações agrícolas, sem consultar a

25
ninguém, nem mesmo aos agriculto Joseph Wester foi um bode ex_

res, que eram os mais interessa piatório. Junto com a mulher do

dos. sacristão e do meu amigo Herronet


A vida, depois da libertação Wester foi acusado de tocar os si^
aliada, ficava cada vez mais difí nos da igreja, para chamar a aten_

cil. ção do povo para uma manifestação


0 racionamento continuou c£ que ocorreria. Mas só ele pagou o
mo era durante o período de ocup^ preço, cumprindo diversos meses a_
ção. Os franceses, a cada dia que trás de grades.
passava, ficavam mais desconten Desta vez, felizmente, eu me

tes e incomodados. encontrava em uma reunião sindi


Isto estourou certo dia, em cal em Rennes. Ví-me livre,não me
Campei, porque dois fiscais foram tido nessa história,
mandados para examinar duas pada Tínhamos no poder as pessoas
rias da vila, que até então nunca mais incompetentes que existiam à
tinham sido verificadas. época. Bastava se dizer ex-resis
Depois de levarem numerosos tente para obter todos os direi
pontapés nos traseiros, os dois tos; quanto às condecorações, e-
fiscais tiveram as bundas bem pi ram encontradas em todos os luga
cadas por agulhões, que serviam res, mesmo nos montes de estéreo.
para guiar os bois no trabalho de Apesar de tudo, o governo do

campo. Pensando que sua hora ti marechal Pètain, malgrado a derro


nha chegado, saíram correndo, di ta sofrida em 1940 e dos quatro £
rigindo-se, primeiro, ao médico,e nos de ocupação, deixou as finan
depois à delegacia de polícia de ças da França em bom estado.
Maure. Apesar das enormes indeniza-
Isto foi uma pequena revolu ç5es que devíamos pagar para as
ção em Campei, que criou uma nu tropas de ocupação, tínhamos cer
vem de ódio, persistente por mui teza de uma coisa:os três milhões
to tempo. de prisioneiros na Alemanha e os
milhões de refugiados recebiam,re
0 senhor Joseph Wester, anti ligiosamente, seu pagamento men
go prisioneiro, passara quatro a- sal.

nos nos campos de prisioneiros de Durante quatro anos, a infla


guerra na Alemanha, e estava ago ção foi nula. Só isso já teve um
ra trancafiado nas prisões Gaul- grande valor. Tanto foi assim que
listas, graças às intrigas causa os grandes homens das finanças e^
das pelas famílias de falsos "ba- clamavam, anos mais tarde:
rons", que na verdade não passa - "Como esses diabos de ho
vam de meros delatores. Aliás, e^ mens conseguiram isso?"
tavam sempre presentes quando ha Simplesmente sendo honestos,
via sujeiras a fazer. capazes, o que faltou,justamente,

26
aos seus sucessores. ções, não tive outra opção, a não
Mais tarde, isso fez com que ser aceitar o cargo; e fiquei na
grande número de pessoas dissesse presidência até minha partida pa
que "a grande derrota da França e ra a Guiana Francesa, em 1951.
seu desmoronamento não foi em qua Neste ano, a propósito, Jean
renta, mas em quatrenta e quatro, Bouhon, presidente regional do

e nos anos seguintes". Departamento D'ille e Villaine,um


E, infelizmente,a derrota a dos raros promotores do sindica
que me refiro continua até hoje,e lismo "Paysano" ao oeste da Fran
quando tive em mãos a revista "Le ça, foi jogado nas prisões gaul-
Point" de 28 de junho de 1987,ce£ listas.
tifiquei-me que os franceses esta Passou lá meses. Soltaram-no
vam se inteirando da verdade. depois, na Praça des Lices, em
Vários meses mais tarde, fui Rennes, sem qualquer julgamento
eleito, contra minha vontade, pre_ digno ou explicação plausível. Os
sidente do círculo dos jovens da "heróis" da resistência nada en
CG.A.(ODnfederação Geral da Agri contraram para incriminá-lo.
cultura), fundada alguns meses an^ Mais tarde, encontrei-o, ca
tes. sualmente no mesmo local onde ha
Mesmo recebendo um convite via sido solto, onde estavam loca
pessoal do prefeito da cidade pa lizadas as sedes dos sindicatos .
ra estar presente à reunião, não Estava bem mais magro do que an
fui. Não estava querendo saber de tes do aprisionamento, e quase
mais nada a respeito de sindica não o reconheci.
lismo, pois os atos que presenci - "Foi a primeira vez que
ei e vivi deixaram marcas mais ou fui preso" - disse-me - " e não
menos profundas. foi nada agradável."
Meus camaradas vieram busca_r
me em casa, levando-me quase que Suspirava fundo enquanto fa
à força. Assim fui eleito presi lava, lembrando o fato.
dente do círculo dos jovens da C. -E tu?-disse ele.
G.A. do município de Campei. -Eu, algumas rajadas de me
Quinze dias depois, em mais tralhadora, que passaram bem per
uma eleição,desta vez em Maure de to de mim. Foi só, e ao mesmo tem
Bretagne, fui eleito mais uma vez po é muito.
por unanimidade,presidente da As -Que porcos sujos!-respondeu
sociação Cantonal, que agrupa no -me ele.
ve municípios da região, para re Após algum tempo, acabou por
presentá-los no Círculo Departa ser reeleito presidente da C.G.A.
mental, na capital, Rennes. da região.
Em toda França, muitos agri
Sendo eleito em tais condi cultores foram jogados nas pri-

27
soes, torturados e massacrados, e locado nessa cidade foi planejado
a desculpa que davam para tais ca^ por um ex-nazista).
sos era meramente pertencerem aos Tratando-se da glória do che
sindicatos. Em 1944 isto bastava. fão, seus seguidores aceitam tudo
A Jean Bouhon, os agriculto que lhes apresentam; deitam-se no
res do oeste da França devem sua chão e ronronam como gatos; e, se
organização atual. o "patrão" passa a mão nas costas
Ele sim merecia um busto co deles, levantam o rabo de satisfa
mo homenagem, colocado na praça ção.
de Lices, e não o sinistro crimi Lembro-me de um caso que me
noso De Gaulle, que recebeu um em atingiu no campo sentimental vio
Colombery. (Ainda mais quando sa lentamente.
be-se que o busto de De Gaulle co

28
Esse episódio mostrou, de ma bom Gaullista que era.
neira clara, a que ponto as pes Não se deve esquecer,também,
soas podem chegar, em baixeza, c£ que trinta milhões de franceses u_
vardia, em determinados momentos, nicamente dependiam dos agricult£
turvos, da história. res para comer. Mesmo as tropas a
Só Deus sabe tudo o que co lemas recebiam parte da produção,
nhecemos no período desses anos.. embora a maior parte se destinas
Tratava-se de um agricultor se ao povo francês.
amigo. Apesar de toda a sujeira e Entretanto, muitas pessoas u_
crimes, ficou na França." savam "fazer de conta" não saber,
Pergunto: para encobrir sua ganância.
- "Temos que esquecer?" - "Isso é para os boches!" -
Não é possível. Não se pode berravam, sobre a produção.
mais passar por cima das coisas à Infelizmente, uma parte da a
nossa volta. Para isso,precisaria gricultura geralmente era para e-
mos de um paraíso escondido, ain les dirigida.
da por ser criado; um espaço que Mas, e o resto? Os milhões a
se opusesse à camada de nulidade, viver nas grandes cidades?
de inutilidade, tão presente. Se nos campos houvesse só os
Durante a ocupação, como já Gaullistas, todos teriam passado,
citei, eu era presidente do sinol sem duvida, muito mal.
cato agrícola. Isso, talvez, tivesse servi
Este agricultor veio até mim do às ambições de De Gaulle e de
para pedir cinco atestados de a- seus amigos; para eles o pior era
borto para suas vacas. Se, por a- o melhor. Embora este tipo de corn
caso, não fornecesse terneiros pa portamento não fosse, absolutameji
ra a comissão de abastecimento,s£ te, o melhor para a França.
ria multado pesadamente. Os ates
tados que eu podia fornecer-lhe e_
vitariam a multa. Contudo, preci
sava da constatação de tais abor
tos, o que não havia.
Absolutamente, o agricultor,
homem comum, nã.o era o que cha
mávamos de traficante do mercado
negro. Vendia seus animais,no me£
cado intermediário, sendo que os
seus preços,embora acima dos esta
belecidos oficialmente, eram acei_
tos por todos, pois estavam abai
xo do mercado negro.
Procurava apenas lucro, como

29
Mas, voltando ao problema do dias atribulados, achando-se inc£
agricultor e seus atestados,achei modado por alguma coisa,esse com
que, mesmo sem poder comprovar os portamento fosse um "descarrega-
abortos, o amigo tinha direito a mento" dos problemas. Soltou so
eles. Concedí-os, então. bre mim o seu mau humor, as suas
frustraç3es, como agradecimento à
minha ingenuidade.
Ele mostrou-se muito satis—
Tudo isso exemplifica perfei^
feito, dizendo que eu tirara"um
tamente a que ponto pode chegar ^j
grosso espinho de seu pé", agrade,
ma pessoa num período assim.
cendo muito.
Talvez o medo da polícia fojs
Éramos amigos e nos encontrji
se latente. Serviria isto como ex
vamos sempre na pequena cidade,in
plicação?
do ou vindo do trabalho.
Semanas' após a libertação, co Acho que o que vimos nesse ca
so foi como o homem pode nhegar a
meçou, sem que eu saiba o porquê,
encarnar um lobo!
a reprovar-me, por ter lhe faciU
Ressalto que o agricultor fa
tado conseguir os atestados fal
zia parte das pessoas mais concei
sos para os abortos. Dizia que eu
tuadas da cidade.
nSo tinha direito de âg£f assim
Apesar de tudo, não dei maior
Isso é realmente veraadernão
importância ao caso. Éramos amigos
tinha este direito. Mas, como im
e continuamos amigos. Só imagino o
becil que era, eu o fiz, com o iji
que poderia ter acontecido se não
tuito de ajudar-lhe, para receber
tivesse lhe fornecido os atestados
depois um agradecimento desse ti
naquele dia...
po.
Não vendo mais muito futuro,
na década de cinqüenta comecei a
Chegou ao extremo ao afirmar procurar uma terra para imigrar.
que, em determinado momento, qua Durante esse tempo,apesar do
se me denunciou, e que se arreper^ trabalho duro, era boa e bela a
dia de não tê-lo feito. vida em Campei.
Que bicho o havia picado? 0 Éramos um grupo de rapazes e
que tinha na cabeça? moças, unido. As festas eram mui
É o que me pergunto até hoje. to alegres e, de vez em quando,be
Creio que, quanto às denúnci bíamos um pouco demais...
as, seriam feitas às autoridades, Os anos se passaram. Meu ir
apesar de crer que ele o faria di_ mão se casou e a época do bandi
reto aos franceses, e não aos ale tismo Gaullista perdeu-se no tem
mães. po.

Quase não posso acreditar no Eu me senti mais livre para,


procedimento que ele adotou em re_ finalmente, deixar meu pai e via
lação a mim. Talvez até, naqueles jar de encontro à aventura, cor-

30
rer o mundo. tasma. Aqueles que experimentam _a
Um amigo, "petit Louis", que tos de banditismo desse tipo demo
pesava cento e trinta quilos,iria ram a esquecer.

me acompanhar. Mas, um pouco antes da minha


Conseguimos nossos vistos p_a partida para a Guiana, resolvemos
ra a Austrália. Contudo, no últi fazer uma festa, com banquete e,
mo momento, Louis mudou de idéia, depois, baile, só para celibatá-
resolvendo ficar na França. rios.
Não me surpreendi em demasia Chamamos de "a festa dos,P.A"
porque eu e meus amigos já esperá^ (Privados de Amor).
vamos um pouco por isso. E,depois, Para os que não pertenciam à
eu também resolvi deixar a Austr<á P.A., o banquete e o baile deve
lia de lado. riam ser pagos, através da entra
Mas a idéia de viajar ficou. da.
Falando de minha vontade de Foi um sucesso formidável!
conhecer o mundo com um senhor de Uma numerosa turma comprimia
Quenetain, que era secretário ge se na porta, chegando de todos os
ral da CG.A. em Rennes, fiz uma municípios em volta.
nova escolha: depois de termos fa Para os rapazes, o limite de
lado bastante na América do Norte, idade era de vinte e cinco anos.
optei pela América do Sul. Já para as moças, que eram menos
Decidi iniciar a nova vida a_ numerosas, o limite de idade míni_
través da Guiana Francesa. mo foi fixado em dezoito anos,e o
Não podia ter escolhido pior. máximo, em cem!
Nesse interím, entretanto, a A festa foi muito bonita, ob^
nossa turma sofria modificações . tendo todo o sucesso desejado.Ta£
Algumas moças foram se casando, e to os rapazes como as moças eram

geralmente, eram substituídas por membros do Patronage ( Associação


suas irmãs mais novas no grupo. da Juventude Católica).
Muitas vezes, apesar das re Era muito bom assim, com har_
comendações de meu pai, voltava à monia por toda a cidade. Isso va
casa pelas duas horas da manhã.Ty_ le realmente muito num pequeno Ilj
do ia bem, até eu entrar no pátio. garejo com quinhentos habitantes.
Lá eu sentia um calafrio a perco^ A convivência, desse modo, era fa
rer minhas costas: tinha a impre£ cilitada.
são de*que balas cortavam a minha Porém, alguns anos antes, is
carne. so não ocorria, graças a um pro
Era uma sensação iricontrolá- fessor, chamado Boulons, que fa
vel! zia o máximo possível para criar
Desde que as rajadas Gaulli§_ divisão e ódio entre os moradores
tas haviam passado perto de mim, da cidade.
custei a libartar-me de seu fan Bastava que o Patronage anuji

31
ciasse um teatro-quermesse, mesmo quele momento, eu não estava pre
com antecedência longa, para que parado para isso. Preferi a terra
esse professor escolhesse a mesma ao céu.
data para realizar um baile. Sem Como fato curioso, os anti
pre com o propósito de criar desu^ bióticos eram pouco conhecidos du_
nião, seguindo a linha política rante este período.
de um certo partido da época. Entrei numa "boutique", onde
Determinado ano, no dia tra comprei um pincel para barba, que
dicional da quermesse na cidade,o ainda possuo quarenta anos depois,
professor chegou ao cúmulo de or em bom estado.
ganizar uma peregrinação ao san Boas lembranças...
tuário de Santa-Anna de Auray! 0 A hora do meu trem chegou;t£
que, vindo de sua parte, era o cú_ mei meu lugar e, algum tempo mais
mulo da hipocrisia. tarde, após uma corrida em grande
Mas, na pequena cidade, sem velocidade, atravessando a planí
pre havia alguém para segui-lo... cie normanda, chegamos a Havres.
0 prefeito, após algumas dis Desci e peguei um táxi para
cussSes, conseguiu da administra o porto, pois estava em cima da
ção a transferência do instigador hora.
de intrigas, e sua substituta mo£ No cais, o Gascogne esperava
trou-se bem mais moderna e cornpr^ o momento de lançar-se ao oceano,
ensiva. em viagem. Era um navio antigo,ca
A harmonia acabou por retor nadense, comprado pela Transat de
nar ao lugarejo. pois da guerra.
Transcorrida uma semana, to À sua volta, todo mundo ti
mei o trem em Rennes, iniciando a nha pressa: corriam de um lado pa_
minha viagem. Quem levou-me até a ra outro, voltando, sempre, à pojn
estação foi Fernando, um bom ami te de saída.
go. Fui empurrado para uma cabi-
Cinco horas após eu cheguei ne de três passageiros. Um era de
na estação de Monparnasse, em Pa Porto Rico; o outro, era do sul
ris. Depois, foi a vez da estação da Ásia. Ninguém entendia uma só
de Saint Lázaro, de onde saíam os palavra do que o outro dizia.
trens para o Havre, porto de onde Que companhias eu tinha ar
sairia o navio que me levaria até ranjado!
a Guiana. Mais tarde, os passageiros a
Em Saint Lázaro, esperando a bordo fizeram suas últimas despe
hora da saída do trem, fiz um pe didas às suas famílias que esta
queno passeio pelas ruas próximas. vam no cais. Eu não tinha ninguém
Não demorou muito, moças evangéli para me despedir...
cas me cercaram,, propondo o cami 0 navio se distanciou do per
nho do sétimo céu; entretanto, na to, em direção a Southampton, In-

32
glaterra, a única parada na Euro mitávamos. E ninguém sentia-se eri
pa. Como a travessia foi curta,em vergonhado na frente dos outros.
pouco tempo estávamos lá, ancora Estávamos todos na mesma situação
dos. inesperada. Todos éramos iguais.E
Era tempo de embarcar passa os que não comiam ficavam doentes
geiros ingleses. Logo, ficamos em em pouco tempo.
condições de continuar a viagem.E Tivemos, inclusive, um morto
em meio a bruma da madrugada,o na^ no navio: um martiniquês que, teri
vio lentamente distanciou-se, em do terminado seus estudos de medi^
direção ao alto-mar. cina em Paris, voltava para a sua

Começava o caminho rumo às família na terra natal.


Antilhas. A tempestade persistia. 0 c£

Foi um percurso horrível. Es_ missário desce por uma escada, a


távamos em janeiro, princípio do cabeça vindo primeiro. Duas toma
inverno no hemisfério Norte.A pr_i das de ar a cinco ou mais metros
meira semana foi péssima. da ponte de passeio, foram danifi_

Como companheiros de mesa,eu cadas, sendo uma arrancada e ou


tinha uma família de Poitou (Frari tra achatada como um envelope de
ça), que também ia para a Guiana. papel. Também parte da amurada de
A comida era excelente e havia v_i proteção foi arrancada; cinco ou
nhos brancos e tintos, servidos à seis janelas, na ponte principal,
vontade. 0 chefe dessa família,c£ saíram completamente quebradas.
mo eu, era apreciador de uma boa Tudo isso numa só noite. As
garrafa; e, neste ponto,fomos bem luzes se apagaram e o navio parou
servidos. em meio ao caos. Os gritos das mu
Com a tempestade que chegou, lheres, histéricas, eram ouvidos
no segundo dia, o apetite e o de por todo o barco. Algumas dispara_
sejo de boas garrafas fugiram. C£ vam pelo convés metidas em camis£
mo marujos de primeira viagem,não Ias; outras sem nada.
estávamos acostumados a velejar.E A água entrava nas cabinas §_
ainda mais com o oceano em fúria! bertas, pelas janelas quebradas,e
As vezes, durante o temporal causava pavor pelos corredores.
alguns passageiros conseguiam che_ Mas, em pouco tempo,a luz r£
gar à ponte de passeio; agarrados tornou e, com ela, veio a calma.0
às amuradas do navio, eles alimerj navio retomou sua rota.
tavam os peixes que sempre seguem No dia seguinte o capitão ma_

os barcos. Contudo, a maioria se nifestou-se dizendo que esta ti


quer pensava em executar tal faç§_ nha sido uma das piores travessi
nha. as de sua vida.

E o vento! Devíamos tomar e.x Imagine para nós!


termo cuidado. Durante os dias de tempesta

Quanto mais comíamos,mais v£ de, no restaurante, as mesas eram


parafusadas no parquet. Sobre elas' Neste turbilhão tempestuoso,
eram presos tampos com furos para as hélices chegavam a sair sobre
os pratos, talheres, garrafas de a água, ocasionando um tremor que
vinho. As cadeiras também foram repercutia em todo o navio.
fixadas no parquet. Se assim não Justamente nessa hora,corria
fosse, tudo viraria um grande jo a bordo a notícia de que Gascogne
go de boliche. era um antigo navio construído pa_
Muitos passageiros não vi ra navegar em grandes lagos ameri^
nham ao restaurante, pois estavam canos, não sendo muito seguro no
sempre doentes, enjoados. No mar oceano.

aprendi que sempre devemos estar Atualmente,os passageiros de


bem alimentados, para evitar a pa viagens marítimas desconhecem as
vorosa sensação de termos o estô emoções fortes. Agora os navios
mago arrancado para fora. saS dotados de estabilizadores mo
Os garçons das cabines corri demos, que não deixam mais balajn
am para todos os lados.Os dias de çar nas tempestades.
tempestade não são dias de descan^ Apesar de todos estes impre
so para eles. Limpavam pias entu vistos, a viagem foi agradável e
pidas, corredores, escadas, a po£ todos os passageiros foram bem a-
te de passeio. Tudo estava em es tendidos. Guardamos boas recorda
tado tão lamentável. ções dela.
E não era bonito de se ver A tempestade durou entre cir^
setecentos passageiros vomitando, co e seis dias, até a proximidade
juntos. Nunca eu imaginei que ve do Equador. Então, tudo ficou cal^
ria de perto tantos estômagos re mo. Meu Deus, que alívio!
voltados de uma só vez. Depois de uns doze dias, che
Na ponte de passeio as cadei^ gamos às Antilhas.
ras de descanso também foram pre 0 navio fazia o trajeto de
gadas ao chão, para não serem vaj: quase todas as ilhas: Martinica,
ridas para o oceano. Não era fá Guadaloupe, Santa Lúcia, Antigua,
cil chegar até elas para sentar;o Barbados, Granada e outras.
balanço do navio tornava impossí Todas estas ilhas possuem um
vel ficar de pé sem um bom apoio. clima maravilhoso. São como peque
Movimentar-se, então, era dificí nos paraísos na Terra.
limo. A vegetação é meio tropical,
Perto de nós, peixes voado e as belas Bougainvilles [espécie
res aterrisavam,ajudados pelas ojn de flor] fazem do ambiente um en
das. Estas deixavam no mar bura canto. Além do eterno sol,uma do
cos capazes de receber uma cate— ce brisa do mar anima e amolece
dral. os coraçSes.
Era um espetáculo bonito, em Talvez seja esta a razão pa
bora penoso. ra tantas pessoas procurarem-naa

34
para viver. lhas Royal, Saint Joseph e Ilha do
Mas, pena, passamos por es Diabo, onde condenados cumpriam se
sas ilhas rapidamente. Em algumas veras penas determinadas pela jus
não era permitido descer ao cais. tiça francesa.

Em outras, sequer havia cais:o d£ Para o desembarque, utiliza


sembarque das pessoas fazia-se a- mos o barco de um pescador de tu-
través de barcos pequenos. barSes, o único da Guiana.Este ho_
Logo após a tempestade a que mem, amigo do prefeito Vignon, da

me referi antes, tivemos uma bri Guiana, também governador do ter


ga no navio. ritório de Inini, era quem fazia,

De um lado, ingleses; do ou sempre, o roteiro de desembarque,

tro, marujos porto-riquenhos, ar quando passava o Gascogne.

mados com facas. Os ingleses est§_ Visitamos as ilhas Royal,bem

vam de mãos vazias na luta, mas £ como a do Diabo,para onde eram e£

ram protegidos pelo comandante e viados os bandidos mais perigosos


por alguns marinheiros,armados de do lugar. Não era nada fácil esca
revólveres. par de lá. Se alguém conseguisse

A briga acabou com os porto- tal proeza, não escaparia do mar:

riquenhos nos porões do navio,pr£ os tubarões encarregavam-se da fy_

sos, e os ingleses e aliados to ga, pois estavam constantemente a_

mando whiskey no bar. li, de guarda, à espera.


Desde a saída de Southampton Quando passamos nas ilhas,tu

eu havia reparado em algumas be do estava abandonado. Mas ainda £

las inglesas, que se diziam atri ra possível ler, nas paredes das
zes, e que bebiam mais whiskey do celas, mensagens que os prisionei_

que dois homens juntos. ros tinham deixado como lembrança

O Gascogne era um navio com de sua estadia.

classe única. Isso permitiu-me an_ Ao redor das ilhas, os tuba

dar circulando entre a pretensa rões passeavam, e era possível as_


classe privilegiada. Nestes conta_ sistir a seus dorsos singrando as

tos, eu nâ"o notei muita diferença ondas, deixando sinais de seus ru_

entre nós. mos nas águas turvas do oceano.


Após dezoito dias de viagem, É o rio Amazonas que,com sua
e da fina flor da sociedade ter enorme quantidade de água, desem
deixado o navio, nas ilhas maravi_ bocando no mar, vai deixando a á-

lhosas, chegamos à Guiana. gua suja, por milhares de quilôme_


Em Cayenne não havia porto e tros desde o norte até o sul.
só havia um cais de madeira podre Depois da visita a esses lu

que não permitia ao Gascogne en gares, pegamos novamente o barco,

costar para ancorar. Os desembar para irmos à cidade de Cayennes.

ques faziam-se ao largo, perto de Éramos umas vinte pessoas a


ilhas do Salus, compostas pelas i_ bordo. 0 mar estava calmo, o que

35
não impediu que, depois de quinze instalava-se o governador.Como eu
minutos, diversos passageiros jo não fazia parte desses eleitos de
gassem ao oceano o que tinham no Deus, hospedei-me no Hotel dos Pal_
estômago. mitos, em uma praça, que recebia,
Como já disse, o cais de ma coincidentemente, o mesmo nome.
deira estava completamente podre, Neste tempo, Cayennes era u-
e toda a atenção era pouca, para ma pequena cidade, sem muita im
evitar os buracos. portância, com poucos moradores:
Constatei, ao chegar às dis uns duzentos brancos,incluindo as
tantes ilhas,que nada parecia ten^ famílias.
tar-me ali. Nenhuma possibilidade Após alguns dias,deixei o h£
de cultura parecia apresentar-se. tel, trocando-o .pela casa hospit§_
Contudo, com o tempo,descobri coi_ leira de São Paulo, na mesma pra
sas muito importantes e melhores. ça, porém em direção oposta.Era jj
Essa época era.a dos grandes ma casa;de repouso e também espé
administradores que a França teve cie de hospital, dirigido por ir
logo após a libertação: Vincent mãs. A diretora, madre Hortência,
Aurioul,como Presidente da Repúbü estava há trinta anos ali,sem nun
ca; os senhores Mosch e Le Tro- ca ter retornado à França.
quer, respectivamente primeiro-nú A devoção das irmãs era adnú
nistro e ministro da fazenda. rável. Todos os pacientes e pen
Os três faziam parte do que, sionistas adoravam-nas. Ali, o re
durante meses, foi chamado de "as lacionamento era muito melhor que
bailadas brancas", quando tais se_ no hotel.
nhores divertiam-se com meninas Havia alguns jovens,oriundos
de quinze anos, no Palácio do Eli da floresta, que estavam em.trata
seu, em Paris. Na ocasião foi um mento. Outros, ali estavam em des_
belíssimo escândalo., porém não ma canso.. Também havia duas profess£
nifestaram-se maiores conseqüência ras, das escolas da cidade, sendo
as. Toda a máfia estava unida> que uma viera recuperar o marido
Vignon, o prefeito da Guiana, que fugira dela para vir traba
era um dos protegidos desta máfia, lhar na produção de bauxita,no M§_
e como prefeito e governador de _I_ roni.
nini, não facilitava em nada para A guiana era, e ainda é, ad
quem quisesse trabalhar e não fos^ ministrativamente dividida em du
se parte do seu grupo. as partes. Uma chama-se departa
Um passageiro, nosso colega mento da Guiana, na beira do mar.
de viagem, de nome Ma.llet,mostrojj A sua legislação tem as mesmas le_
nos uma carta de Le troquer, apre_ is da França. A outra é batizada
sentando-o ao prefeito Vignon. Ao de Território de Inini. Suas leis
chegar, .: pegou suas malas e diri são mais liberais, para facilitar
giu-se direto para o palácio onde a exploração. Contudo, as duas es
tavam sob a autoridade dos mesmos também, diversos outros utensíli
indivíduos. os úteis.
Alguns dias mais tarde, após Quinze minutos depois, está
a transferência de local, fui ver vamos no ancoradouro do rio Con
o prefeito Vignon. Ele mandou-me te; esperava-nos uma barca.com p£
ao escritório de Biro Mineiro, d_i tente motor.
zendo que este queria montar, tm Na leve cerração da madruga
Saul, um centro agrícola. Este lu da, a barca subiu o rio e, logo a
gar ficava no centro da Guiana, ojn seguir, estávamos em plena flores^
de se fazia extração de ouro. ta, que chegava quase às ruas de
No mesmo dia encontrei-me ao Cayenne.
lado de seu diretor, o senhor La- O diretor do controle econô
ballerie. Era um jovem engenheiro mico da Guiana acompanhava-nos,c£
da Escola de Minas. Fui muito bem mo turista.
recebido e expus meu caso. A correnteza era suave, e na
Ouviu-me atentamente e disse: brisa matinal continuávamos o ca
- "Vou a Saul na quinta-fei minho, navegando.
ra." O sol começava a se mostrar,
Era terça, ainda. acima da copa das árvores,que ain
Continuou: da nos protegiam do calor de seus
- "Eu o convido a vir comigo. raios. Aos poucos, o sol foi in-
Assim, poderá ter uma idéia de ttj filtrando-se entre os galhos, viri
do que-pretendemos fazer." do incomodar-nos com seu ardor.
Eu aceitei, satisfeito em fa Mais tarde, nuvens formaram-
zer uma viagem que iria durar um se e a chuva não demorou a cair,£
mês. Mesmo que o resultado fosse companhando-nos durante boa parte
negativo, isto permitiria que eu do percurso.
travasse conhecimento com as al De cada lado das margens, o
tas florestas, o que seduzia-me. mato era baixo, mas impenetrável.
0 senhor Laballerie deu-me a De vez em quando, árvores enormes
lista do que eu precisaria levar, erguiam-se acima do cerrado, como
marcando a salda para quinta-fei cogumelos crescendo na verde reti
ra. dão das pradarias.
Cedo deste dia,esperei em um Isso porém, acontecia só nas
local pré-estabelecido, em frente margens do rio. A grande floresta
à casa hospitaleira. Deixei meus não é impenetrável. Pelo contrá
pertences à guarda das irmãs. . rio, era bem acessível.
0 carro chegou logo e eu em O rio, sendo calmo e bastan
barquei com minhas compras: leite te previsível, sem corredeiras e
condensado, pão, chapéu, biscoi cascatas por onde passamos, pernú
tos e uma rede, indispensável pa tiu que avançássemos bastante rá
ra se dormir na floresta. Levei, pido.

37
Fizemos um pequeno lanche, u_ cos e outros profissionais.
sando o pão e o leite condensado. Comemos com esta turma e, p£

Não foi ruim. E, quanto à bebida, ia primeira vez, dormi numa rede,
bastava abaixar-se o braço, pois que guardei até poucos anos atrás.
o rio corria abaixo de nós. Para se descansar bem, é preciso
Eu olhava meus companheiros, dormir meio atravessado nela, não
que não se privavam do líquido;só deixando o corpo afundar demais.
que demorei um pouco a segui-los, Na manhã seguinte, nós em
pois pensava na boa cidra da Bre barcamos em um caminhão G.M.C. pe_
tanha. Gostaria de usá-la substi sado, com tração nas seis rodas,
tuindo a água. Entretanto, depois indo em direção a Saul.
de meio dia de sol e chuva alter Era época de chuvas, que não
nados, fui obrigado a aderir a e- paravam de cair torrencialmente.O
les. Uma vez acostumado, a água veículo, com o qual seguimos por
valia por qualquer aperitivo ima dois dias, ia devagar, atolando a
ginável. todo instante. Para soltá-lo da Ia
A tarde do mesmo dia chega ma, era necessário utilizarmos un
mos a Dieu-Vá; ultrapassamos rapi_ cabo de aço com guincho.
damente Edmundo-Grand-Bassin, de 0 caminho, com árvores corta

pois de cruzar por Degrado-Brigrt das em uma largura de trinta me

te, e finalmente chegamos a Beli- tros, deixavam na floresta um ras_

zon. Ali começava a pista que, em tro igual ao que segue o navio du_
plena floresta, se abria, liberan_ rante a calmaria.
do a travessia para Saul, no cen De vez em quando, a estrada

tro da Guiana. fazia uma pequena curva. E logo à


Todo o material foi transpor^ frente, ocasionalmente, deparáva
tado desmontado. Uma multiplicidja mos com um desses gigantes da Anra
de de pequenas peças espalhava-se zônia, com quatro metros de base;

pelas barcas. Eram tratores de e£ As raízes iam a três metros de al^


teiras, os mais possantes que po tura, abrindo-se em leque e for
deriam existir àquela época, cand mando, no nível do solo, verdadei^
nhBes e material para escavações, ras grutas, onde podíamos nos a-
para o pessoal que trabalhava nas brigar.

diversas frentes de mineração. Os tratores de esteira evita,


No meio do mato, oficinas es^ vam derrubá-las; era mais fácil o
pecializadas encarregavam-se espe_ desvio.

cificamente da montagem desses e- Enfim, chegou o ponto onde

quipamentos. não era possível continuar transi_


Era surpreendente a ativida tando naquele mar de lama, em que

de que se desenvolvia nesses peda_ homens e veículos afogavam-se. Fi_

ços de floresta virgem, onde tra cou impraticável qualquer tentati


balhavam cerca de trinta mecâni va de avanço, pois o caminhão ato

38
lava-se cada vez mais freqüente sorrateiros como a noite. Em Cay-
mente, e era proporcionalmente di^ enne, falava-se muito deles, cau
fícil tirá-lo do barro. sando estremecimento até à pele.
Resolvemos então abandonar o Era a primeira noite que eu
veículo, que fez meia volta levaji dormia na floresta. Já havia doj:
do o chofer e o diretor do BirÔ £ mido em barracos, mas em melhores
conômico, que aí encerrou sua ex condições e habitados. Reconheço
cursão. que, apesar do cansaço, o repouso
Nós terminamos por continuar, não foi perfeito.
sentados em toneis de óleo diesel Falando dos "vampiros", lem
que um trator Latil quatro rodas, brei-me que eu tinha feito amiza
com tração total, levava,numa pe de com uma de suas vítimas.Os mo£
quena plataforma, para manter al cegos vampiros atacam sem que se
guns tratores de esteira, que es sinta.
tavam trabalhando na abertura de 0 jovem atacado era um mecâ
uma outra estrada, mais à frente. nico, que trabalhava em uma : mina
Depois de.viajar um dia as de ouro em Guiana; Um filão muito
sim, posso assegurar que ficamos rico, pelo que me consta. Inclus_i
contentissimos com o final da tra ve, em vista dos excelentes resul
vessia, um verdadeiro passeio so tados, o valor das ações subia na
bre um cavalo chucro. bolsa de Paris. Os diretores apro
Laballerie inspecionou o ma veitavam e vendiam uma parte das
terial, viu o estado físico e mo ações que lhes pertencia, e em s£
ral dos trabalhadores, e as condi, guida mandavam parar a produção.E
ções dos tratores, que quase desja passavam a fazer a lavagem da ter
pareciam sob o barro. ra que :produzia pouco, provocando
Como restavam ainda algumas uma queda brusca na produção.Isso
horas de claridade, resolvemos a- assim ia até o dia em que os no
proveitá-las, e fomos em frente,a vos acionistas, cansados de espe
pé. rar um resultado que não aparecia,

Duas horas depois, chegamos revendiam as ações que haviam corn


a uma cabana abandonada, há muito prado no momento de euforia, por
tempo, por um garimpeiro. E rescl qualquer preço. Estas eram, então,
vemos dormir ali, onde a chuva ejn compradas de imediato pelos dire
trava por todos os cantos. tores. Dava mais lucro do que as
A grande floresta é barulheri minas trabalhando!
ta à noite. Animais selvagens pas^ Mas, voltando aos morcegos,
seiam, os galhos podres das árvo o mecânico foi atacado enquanto
res caem, o menor barulho parece, dormia. Não despertou com a mordjL.
quando menos se espera, enorme. da. 0 vampiro, satisfeito, foi-se
Os morcegos, tão famosos pe-: embora, enquanto o sangue conti
los vampiros, apareciam, negros e nuava a correr da ferida, sem que

39
esta cicatrizasse. Pela manhã, a- A chuva caía já a vários di
cordou anêmico. Quando o conheci, as, deixando o terreno escorrega

já estava se tratando a dois me dio. Para se ficar em pé não era,


ses no hospital. absolutamente, fácil.
Um outro convalescente con- No fundo pantanoso, encontra

tou-jme do tigre da Amazônia, .me mos campos de bambu tão densos e

nos forte e menos perigoso que o fechados que era impossível, mes
da África, mas suficientemente pe mo para um coelho, atravessá-los.
rigoso para apavorar,em meio à es^ Sob a massa de bambu, encon
curidão da mata. tramos túneis que tinham sido fei_
Uma noite, um desses tigres tos a facSo por garimpeiros.0 que
entrou na barraca onde este conv£ eles conseguem fazer, e o que ain
lescente descansava. Pegou na bo da fazem, é fantástico. Chegam a
ca seu cachorro, que se refugiara revirar áreas inteiras que, mui
sob a cama, arrastou para fora e tas vezes, ficam inúteis para as
o devorou. 0 cão sequer latiu. criações e culturas. E tudo no de_
0 homem, deitado em sua rede sejo de obterem mais e mais vil
nSo esboçou qualquer reação, embo_ metal.
ra tivesse uma arma na mão. Esses túneis tinham mais ou
Nas baixadas pantanosas, nas menos um metro e vinte, tanto em
encostas das pequenas colinas,não largura como em altura. Era neces^
era raro encontrar-se serpentes sário ajoelhar-se para passar por
de seis metros ou mais. Eu mesmo, eles. As vezes, percorriam cente
certo dia, vi uma que media mais nas de metros.
que isso. Que trabalho isso dava! Mes
De madrugada, antes do sol jj mo as cobras deveriam ter dificid
parecer, começamos a jornada que dades para atravessar esses tú
seria a parte mais dura da viagem neis. Dentro destas difíceis pa£
até Saul. sagens, uma boa bole de cidra da
Cinqüenta quilômetros, a pé, Bretanha iria nos fazer um grande
na floresta cerrada, onde o cimo bem.
das árvores enormes não deixavam Esses cinqüenta quilômetros
o sol penetrar, onde gotas conW estavam sendo uma dura prova para
nuavam a cair em nossas costas Uo_ nós.
ras depois de terminadas as chu Laballerie estava preparado.
vas. Já se acostumara a essas viagens.
0 terreno era acidentado,com Em Saul, no centro, estavam
pequenas colinas, não muito altas nos esperando. Após duas horas de
mas com inclinação bastante forte marcha à noite, o caminho sendo _i
Para subi-las, só se agarrando na luminado por tochas, encontramos,
vegetação rasteira. Para descer,o enfim, o primeiro grupo que vinha
sistema era o mesmo. à nossa procura. Alcançaram^-nos
quilômetros antes de chegarmos ao Passei lá alguns dias tran
acampamento. qüilos descansando. Estava preci
Eu estava morto de cansado. sando, pois no primeiro dia nem
Laballerie, já acostumado, encon sequer pude sair do Carbet, onde
trava-se em bem melhor forma. eu tinha meu quarto, pois os pés
Tendo saído de tênis e sem mantinham-se extremamente dolori
meias, passando cinco dias embai dos, e o corpo não ficava atrás.
xo de uma forte chuva que insis Carbet é uma espécie de hajn
tia em cair, não. me sobrou um pe gar construído de madeira da flo
daço de pele nos pés. Os cinqüen resta, cortada e depois, rachada
ta quilômetros de marcha, acresci. em lâminas finas, para formar as
dos da chuva incessante e dos pés paredes. 0 teto era de folhas de
sacrificados foram demais para coqueiro; o soalho, levantado um
mim. metro acima do nível do chão,para
Em Saul, não faltava nada pa_ defesa contra as serpentes, bas
ra nós: whiskey, Champagne, vinho tante numerosas.
e cerveja. Em um porão havia mui A noite, usávamos um mosqui-
tas provisões, bem como grande nú teiro para defendermo-nos dos in
mero de enlatados. setos.
Quanto à carne fresca, os Cja Mal podia ir ao refeitório a
çadores encarregavam-se. A flore^ pé, que era bem perto de Carbet.
ta era rica em tatus, veados, ma No primeiro dia, fui até lá arrajs
cacos. Rabos de jacaré e serpente tando-me.
também eram pratos procurados. Depois de alguns dias, com o
No centro de Saul encontra corpo bastante descansado e meus
vam-se umas vinte pessoas, todas pés curados,eu estava pronto pa
Jovens. Alguns eram casados e es ra uma nova jornada. Fazia peque
peravam suas mulheres. No momento nos passeios ao redor do acampa
não havia nenhuma ali. Eram geól£ mento, gostando muito da floresta
gos operadores de sondas, mecâni que nos cercava.

cos, e outros especialistas. Laballerie e os outros obri-


Duas famílias de indo-chine- gaçSes tinham a cumprir. Nós nos
ses cultivavam verduras para a pe_ encontrávamos ao meio dia e à noj^
quena turma. te em volta da mesa e das boas be_
0 prefeito Vignon tinha dei bidas, que todos apreciavam.
xado que eu entrevesse a hipótese Birb Mineiro procurava fi
de fazer, eu mesmo, esta cultura. lões de quartz, onde se localiza
De certa maneira, nisto consistia va o ouro. Apesar de grandes espe_
o propósito da minha viagem. ranças, os filões eram poucos.
Naquele lugar, eu constatava Chegou, então, o dia de uma
que seríamos tanto produtores de nova jornada. Parti com Laballe
verduras como seus consumidores. rie para uma nova marcha, em dire

41
ção do oeste e da Serra dos Tumu- aparecia ocasionalmente, tornando

cs Hunacs, local onde desaparece a viagem mais fácil e agradável.


ra, um mês antes de minha chegada Na primeira noite fomos aco

às Suianas, o jornalista Maufrais lhidos numa pequena aglomeração. E_

que, apesar de todas as tentati ram cinco ou seis cabanas, habitja


vas feitas, jamais foi encontrado das por negros. Apesar da pobre
Durante muitos anos seu pai conti za, eram felizes, vivendo de pe
nuou a procurá-lo, sem obter re quenas plantações, que não davam
sultado. Ele esperava encontrá-lo muito trabalho, embora tivessem a
em alguma das tribos índias da A- produção bastante boa.Eu mesmo vi
mazônia, porém todas as buscas fo_ raízes de mandioca com quinze qui^
ram infrutíferas. los; ignames, bananas e fruta-pão
Na época, pudemos ler em al (que aqui deve se chamar jaca), e
guns jornais repórteres acosaodo outros produtos da própria flores_
seu pai de ter arquitetado um de ta, que permitiam a toda essa gen
saparecimento fictício, para mqn te viver folgadamente com a natu
tar depois uma operação lucrativa reza. E havia ainda os rios, mui
de alguma espécie. to ricos em peixes, além da quan
Infelizmente, os anos se pa^ tidade enorme de caça na floresta
saram mostrando ■ que não era nada que nos cercava.

disso. Maufrais teria sido,um poij 0 que nós chamamos "civiliza


co, vítima de sua própria impru ção", não resta dúvidas, seria in
dência, não escutando os avisos e capaz de trazer melhorias a essas
conselhos dados por pessoas mais pessoas.

experientes, que o advertiram que Andávamos pelo pequeno Inini


a Floresta Amazônica era terrível para visitar a exploração de ouro
e que nela não se morre de sede, de um mestiço, comerciante na lo
mas de fome e de febre. calidade de Saint Laurent do Maro

De qualquer maneira,mais uma ni, à beira do mar. Seu nome era


vez tínhamos uns cinqüenta quilô Gaujis.
metros para percorrer a pé, ehvol_ Ele nos esperava com sua bar

tos nas mesmas condições anterio ca no pequeno rio, aonde chegamos

res. Desta vez, a jornada foi di no segundo' dia, antes do anoite


vidida em duas etapas iguais, de cer.

vinte e cinco quilômetros por dia. Do outro lado, às margens do


Deixando os companheiros de rio, encontramos uma aglomeração.

Saul, eu ia: com Laballerie em di_ Havia uma cabana à nossa disposi
reção ao pequeno Inini. ção, e um verdadeiro banquete nos
Os dias de marcha passaram- esperava: peixes, tatu, veado, tu
se muito bem. 0 terreno era contai do acompanhado de um vinho conse
nuação de pequenas cochilhas, e a guido por Gaujis para festejar o
floresta não se modificara. 0 sol encontro.
A beira do rio, de quinze me Tendo conseguido, no princí
tros de largura, estava a zona de pio da seca, um trator de estei
exploração de sua propriedade. Nte ras, para retirar as camadas supe
Ia só se podia trabalhar em época riores do local de exploração, ha
de seca. No período chuvoso, tudo veria mais tempo para Gaujis ded_i
ficava inundado e a exploração re_ car-se à lavagem dos aluviSes, em
duzia-se a nada. busca de mais minério.
Gaujis solicitou do Birô Mi Ao voltarmos, Gaujis espera
neiro um trator de esteiras, para va-nos com uma piroga de quinze
quando a estrada chegasse em Saul. metros, mais longa que a largura
Para que isto acontecesse falta do próprio Inini. Esta piroga fo
vam ainda uns cem quilômetros ain ra cavada num tronco de árvore,ba
da. Por isso havia muitas coisas seada em uma técnica que os índi-
por fazer; "projetos", como disse genas da Amazônia dominam com fa
Gaujis para Laballerie. cilidade.
Na manhã seguinte à chegada, Dormimos por lá mais uma rio_i
fomos visitar sua exploração. Era te, e de manhã bem cedo, embarca
toda construída sobre as águas, e mos no transporte. Éramos oito na
só se podia trabalhar quando a á- piroga, além do produto das plan
gua estava baixa, nas secas. tações, que Gaujis levava a Saint
Fazia-se escavações de oito Laurent do Maroni. 0 rio era es
por vinte metros de comprimento. treito e entulhado no meio com
Primeiro retirava-se a camada su galhos de árvores. Muitas vezes e_
perficial de detritos, de vinte ra necessário utilizar machados,a
centímetros de espessura. Depois, fim de conseguir abrir passagens.
uma camada de dois metros de argi Uma vez no grande Inini,alar.
Ia. gava-se o rio e ficávamos livres
Por baixo disso tudo, encon dessas barreiras flutuantes.
trava-se o gravilhão, onde exis Puxada pela correnteza e em
tia pó de ouro em quantidade sufi. purrada pelo motor, a piroga ia a
ciente para justificar a explora uma belíssima velocidade, na dire_
ção. Toda a riqueza que se achava ção do Maroni, na divisa da Guia
concentrada neste trecho, talvez na Holandesa.

tivesse sido depositada pela pas-^


sagem de antigas águas, desviadas Nas duas margens, a floresta
pela natureza a milhares de anos. desfilava, sem igual, em sua imeri
Só se podia cavar onde a ,á- sidão.
gua não avançara. Quando termina Chegamos a Mariposaula,no Ma^
va a exploração, restava pouquís roni,de tardezinha.
simo tempo para a lavagem do gra Voltamos à civilização. En-
vilhão, antes que viessem as pri contráva-se lá um destacamento da
meiras chuvas. 'Gendannerie nacional francesa.

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No outro lado do rio, também circunstâncias, mudaram constante
havia a policia holandesa. mente, de uma margem para outra,e
A água, neste lugar, corria para fazê-los voltar ao seu lugar
devagar, assemelhando-se aos ca ofereciam-lhes presentes: cigarro
nais dos pantanais de Poitou; só e rum.

que o rio era bem mais largo. Cl§_ Os índios viam os brancos só
ra e limpa, a água atraia-nos,mes_ como seres que ofereciam gulodi-
mo sabendo da ameaça das piranhas, ces e bugigangas. E,desse modo,os

que são numerosas na Alta Guiana. funcionários dos dois lados pro
Descansamos o corpo no rio Maroni tegiam as raças indígenas que fo
sob os olhares dos moradores de ram a eles confiadas.
Maripasoula. Estavam lá índios,p£ E interessante notar que nes_

liciais, funcionários do serviço tes lugares, mesmo mais distantes


de proteção ao índio e o povo do não falta nada para se levar uma

local. Todos estavam presentes, ej vida agradável. Assim era em Marj,

final, não era todo dia que apare posaula. Além de nos dar o neces

cia uma piroga naquele lugar. Era sário, o belo rio nos atraía. Foi
mos uma distração, todos nos olhari um lugar onde pudemos descansar à
do, tendo isso como único traba vontade.
lho naquele momento; que vida boa Dois dias mais tarde, reembaj_

alguns tem-nos trópicos. camos na piroga para seguir nos


Na margem oposta do rio, era sa viagem, em direção ao oceano e

idêntica a situação, com a polí Saint Laurent do Maroni.


cia e o Serviço de Proteção obser;
vando-nos. Antes de chegar a esta cida
Monsieur Gaujis contou que es_ de, o rio possuía trechos com nu
ses dois serviços, francês e ho merosas corredeiras, que não eram
landês, faziam entre si uma pequ£ fáceis de atravessar. Gaujis esta
na guerra. Não da maneira que os va acostumado a fazer o percurso,
Gaullistas tinham nos acostumado, tendo a experiência necessária. E
na França, em 1944. Era uma guer era: ajudado por três negros bas
ra sem metralhadoras ou massacres. tante fortes, que muitas vezes,j£
Tanto de um lado como de ou gavam-se na água para impedir que
tro, era necessário para o Servi o barco, carregado com quase dois
ço de Proteção ter índios relaci£ mil quilos, incluindo passageiros,
nados ao recenseamento, regular virasse, arremessando tudo contra
mente feito para Paris e Amsterdã. os rochedos, que freqüentemente o
Se não fosse assim, o Serviço de rio fechavam, deixando só alguma
Proteção perdia a razão de ser. estreita e tortuosa passagem, on

Os índios, que não eram mais de a água atirava-se em fúria, e


burros, pois "a malandragem apreji também para onde a piroga deveria
de-se ligeiro",aproveitando-se de se dirigir e passar.

44
Gaujis trazia consigo uma pe que fora condenado. Isto fazia de
quena fortuna: mais ou menos três le um preso perpétuo.
quilos de ouro em pó, num saqui Não havia nenhuma estrada na
nho de tela grossa. Guiana, e nós embarcamos num pe
Antes de chegar às corredei queno navio que fazia ligação cqs
ras, atou ao saco uma corda com o teira, sendo que, desta vez, con-
comprimento de dez metros,tendo à . seguimos entrar direito em Cayen
extremidade uma bóia grande.No ca ne, sem passar pelas ilhas do Sa-
so de o barco virar, o que não e- lut.
ra impossível de acontecer,graças Esta viagem, no ponto de vis
à bóia ele recuperaria, com a nm ta de trabalho, foi negativa, mas
or facilidade, sua pequena fortu muito interessante pelo que permi
na. tiu-me ver e descobrir. Enfim,foi
Durante o percurso,Netuno es_ muito instrutiva. Chegando a tal
tava do nosso lado. Tudo foi bem, conclusão, fiquei satisfeito por
sem perigo. Assim atravessamos os ter realizado uma viagem diferer^
lugares mais difíceis. te das normais.
Depois de termos dormido nra A vida passa mas as lembran
is uma noite na margem do rio,e a ças ficam sempre dentro de nós.
medida que o oceano ficava mais e Em Cayenne, dirigí-me nova
mais próximo a nós, as corredei mente à Casa de Repouso Saint Pa
ras iam desaparecendo. A corrente^ ul, na praça dos Palmitos. Nesta
za era mais suave,e Saint laurent praça, em meio a vários outros,ha^
aproximava-se. Chegamos à tardezi^ via um palmito "gêmeo", cora dois
nha. troncos. "0 único no mundo" dizi
Saint Laurent era bem menor am os cayennes. E toda a popula
que Cayenne. Também tinha pouco ção mostrava-se orgulhosa disso.
movimento Na minha volta, eu tive poj;
Na penitenciária encontrava^ sibilidade de entrar no birô mi
se alguns condenados esperando o neiro, para trabalhar. Mas eu não
fim de suas penas. Como em Cayen- saíra da França para ser funcioná_
nes, encontramos antigos condena rio público ou privado.
dos que eram verdadeiros farrapos Bem que o trabalho na florej;
humanos. Alguns deles, após a pe ta não me era desagradável.Ao cqn
na, haviam conseguido reerguer-se trário. Porém, trabalhando no in
abrindo pequenos negócios: comér terior dá Guiana,eu me acharia em
cios, restaurantes, etc. uma situação quase fora da possi
Em geral, estavam em "doubla bilidade de me corresponder com o
ge", isto é, depois de cumprida a exterior, e minha intenção era de
pena, o condenado não podia vol continuar com meu propósito ini
tar à França, devendo passar ali cial: plantaçSes. Isso me atraía.
na Guiana um período igual àquele Tinha vontade de seguir meu cami-

45
nho, por outros países da América um antigo funcionário das colôni
do Sul, mas sem me apressar. as da África, cheirando a cachaça
Esperando, eu comprei um po£ por todos os poros.
to comercial, um café-bar, que es^ Depois de uma pequena discujs
tava fechado, desejando fazer sua são a conversa tornou-se amigável.
reabertura, já que eu tinha a sua Quando soube que eu era bretão, a
licença nas mãos. Isso não me foi sua fisionomia transformou-se:
permitido. "0 estabelecimento estja - "Vem comigo" -disse- "que
va situado perto demais de uma i- eu vou te apresentar a um grande
greja",foi o aviso que me trouxe amigo que é breton também."
o comissário de polícia,porta-voz Pegamos seu carro e, atravejs
dos grandes donos da Guiana. sando as ruas de Cayenne, dirigi-
Eu não estava do lado dos pa_ mo-nos ao tribunal.
trões que mandavam no lugar. Eram 0 tal de bretão era Procura
os protegidos de Auriol,que naqu£ dor Geral da República, para o De
le momento, era Presidente da Re partamento da Guiana e território
pública, e de Mosch e Le Troquer, de Inini.
que formavam a máfia em Paris. Meu Deus, que figura eu iria
Vignon. prefeito da Guiana e encontrar.Chegando ao tribunal,fi
governador do Inini,era também um zemo-nos anunciar,e em seguida,fo
protegido deles. mos introduzidos ao seu gabinete.
Eu estava muito perto à igrjs Após as apresentações forma
ja, na qual eu assistia missa to is, o Procurador da República di§_
dos os domingos, enquanto os che- se estar muito contente por conhe
fões nunca punham os pés lá. cer-me. Contudo, ele não iria re
Meu comércio estava situado petir amabilidades parecidas com
a cem metros da porta da igreja,o esta, alguns minutos depois.
que serviu de motivo para os que - "Fiquei contente de encon
mantinham o poder justificarem a trar"- disse -"um compatriota." E
sua oposição. falou também ter vindo de Redon
0 melhor bar de Cayenne, cu no Departamento de Ille e Vilaine
jo dono era um chinês, estava dis_ e que se chamava "Cuscus".
tante trinta metros da igreja. E Ohl! ti! Pa...! Não era possí^
era lá que, com os amigos, ia to vel! Como o mundo é pequeno e a
mar meu ponche. vida, bizarra!
Não há nada mais vil do que Eu não o reconheci, quando eri
se dizer "defensores dos peque trei no escritório. Mas tive a im_
nos", quando se tem o poder nas pressão de não encontrar um estra
mãos. nho à minha frente. A roupa muda
0 comissário de polícia veio ra! Vestia uma jaqueta branca com
em pessoa entregar-me a interdi manga curta, o que, certamente,em
ção. Um tal de Baurgoin, era ele, Redon, não usava. Embaixo da radi

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ante brancura, existia uma cons do para levar uma boa reprimenda
ciência escura como a noite. de seu amigo, advertindo-o a não
Era o pequeno juiz de Redon, trazer mais fantasmas que quebras^
que depois da guerra, fez-se' retirar sem sua quietude.
car, por ter tão bem protegido os Que vergonha!Mas naqueles a-
assassinos da falsa resistência e nos estávamos acostumados a isso.
condenado, em diversos casos, su Todavia, o pequeno, juiz deve
as vítimas. ter pago suas infâmias. Não creio
Que recompensa! que sua bela recompensa, sua for
De pequeno juiz de uma peque midável promoção o ajudaram a ser
na cidade da Bretanha, nomeado um feliz em Cayenne.
Procurador Geral da República. Ele era motivo de deboche djj
Que promoção! E que surpresa ra todos na Guiana, desde os frari
para mim! ceses até os antigos condenados,
Eu lhe falei do meu caso,dos chamados de "velhos brancos", pa£
bandidos da falsa resistência, do sando pelos negros e mestiços.
processo que ele tivera em mãos Aqui não vou contar a razão,
quando era juiz em Redon. pois seria obrigado a falar de um
Não lhe escondi minha estra membro de sua família,e eu não de_
nheza de ver que tudo tinha fica sejo fazê-lo.
do no mesmo ponto e concluí: Felizmente, para tranqüilida^
- "No fim, bandidos são ban de de meus nervos, nunca mais o
didos, mesmo que se intitulem re vi.
sistentes." Esta equipe de pretensos re
- "Sim, sim"- respondeu-me - sistentes comandava com poder ab
"mas você sabe, em vista das cir soluto a Guiana, não facilitando
cunstâncias " o trabalho daqueles que não per
Começava a gaguejar; de ver tenciam à sua turba.
gonha, não havia dúvida. Impossibilitado de levar em
Eu lembrei-lhe também, avivar^ frente o meu plano.de abrir o ca
do sua memória, do caso da famí fé e de fazer dele umn ponto "chi_
lia Testerel, massacrada, inclus_i que" da cidade, pus o local à ven
ve as crianças pequenas, pela mes^ da.
ma laia que veio à minha casa, na Esperando, comecei a trab§_
mesma noite. lhar i na E.M.C. (Empresa Metropo
- "Sim, sim, eu me lembro" - litana e Colonial).
dizia ele, e desviava a conversa, Rapidamente, passei a Chefe
que ficou fria e sem interesse. de Turma. Não foi uma promoção in
Eu me retirei, voltando para teressante, sob o ponto de vista
casa a pé. Não era longe. 0 comis da equipe que eu tinha comigo. Eq
sário ficou retido para assinar trei como mecânico nas oficinas.
alguns papéis. Creio ter ele ficja Depois, descarregando navios de

47
ferro e cimento que a empresa re rante numa das ruas principais da
cebia para o novo porto de Cayen- cidade.
ne, que logo iria começar a ser Na inauguração, todo o ninho

construído. de vespas estava presente. 0 pr£

Pouco depois revendia meu pojn feito na frente, com a gravata ao

to comercial para uns amigos, corn nó paillon, e todos os seus cole

panheiros de viagem no Gascogne e gas reunidos à volta.


com três crianças pequenas, todas Nesta mesma época, chegava a

cobertas de furúnculos, quase na nós a notícia que o Primeiro Se

miséria. cretário da Prefeitura, o diretor


A mulher, que na França ti do Hospital (não do Saint Paul, e
nha um salão de beleza,queria rran sim do oficial) e um terceiro in
tar outro ali. Isso foi um pouco divíduo, diretor de uma firma, e-
antes da minha saída. Espero que ram presos no Rio de Janeiro,des
tenham conseguido autorização pa cendo de um avião militar brasi
ra tal. A menos que os grandes pa: leiro que fazia a rota a Cayenne:

trões argumentassem que os tesou suas malas transbordavam de perfu

ros da dama fariam barulho demais mes franceses trazidos como con

e iriam incomodar as estátuas dos trabando.

santos no interior da igreja. Isso foi o que mais tarde im


Tudo o que vem desta espé pediu o Cônsul brasileiro de dar-
cie de gente não causa espanto al_ me a passagem para o Rio.Eu devia
gum. Meus amigos não eram "resis contentar-me em viajar até Belém.
tentes", e sim simpáticos do mare_ 0 caso foi abafado. Os prote_
chal Pètain. gidos passam em todos os lugares,
Foram atraídos para a Guiana principalmente os podres...
pela propaganda de um condenado £ Vignon, mais tarde, abandona_
graciado por ter feito resistên ria a carreira e seria eleito Se

cia. Para mim, duas vezes bandido. nador. Desde muito ele preparava

Eu nunca pude entender como tal eleição.

essa família, pètainista como eu, Eu tinha alguns amigos.Um de_


deixou-se enganar por aquela espé^ les conheci no navio, era diretor
cie de indivíduo. do seguro social, I.N.P.S. Ele me
dizia que esta gente não tinha na
0 ex-condenado conseguiu a- da a ver, e não podiam fazer nada
trair diversas famílias, para ex- contra ele.
poliá-las; inclusive uma ex-atriz Sua mulher gentilmente convi_
e seu marido, economista. Os dois dou-me diversas vezes para comer
encontravam-se em sérias dificul junto a eles. Os dois eram jovens
dades . e petainistas, e por termos part_i
Com o dinheiro roubado des lhado das mesmas idéias, e muitas
ses incautos, ele abriu um restajj vezes das mesmas dificuldades,sen^

48
tiamos próximos uns dos outros. Elas nunca tinham visto luz
Outro bom amigo, Kaujjman, o do dia, nem sabiam o que era a á-
chefe das oficinas do E.M.C., dis gua, mas adivinhavam que era seu
se-me ter sido membro do Comitê elemento.
Central do Partido Comunista Fra£ De vez em quando eu, que sem
cês, após a guerra. pre gostei muito de nadar e mergtj
Chembery "pied noir",que tejn lhar, entrava na água, apesar de
do previsto o que iria se passar sua sujeira e de meu receio de tjj
alguns anos depois na Algéria,pa£ barões. E nadando mantinha minha
tiu para fazer sua vida, sob ou cabeça o mais alto possível acima
tros céus. Um judeu polonês natu do nível da água, como o periscó-
ralizado francês, que tinha fugi pio de um submarino, vendo se oi
do da Polônia depois da guerra,em nimigo não se aproximava.
c,ue sofrerá muito. Minha mulher sempre se quei
Um bom amigo que tive duran xa sobre eu ter um pescoço muito
te minha estadia na Guiana foi Nü curto, e minha barba estragar as
cios.A tarde, após o trabalho,que golas de minhas camisas. Ficando
ia das sete às quatorze horas, fa -nas Guianas e freqüentando as su
ziamos pequenos passeios fora da as praias, eu conseguiria alongá-
cidade, no carro dele. Alguns qui lo um pouco.
lômetros de estradas era o que a 0 amigo Miclos era do norte
Guiana possuía. Outras vezes, fa da França, e tinha mais idade que
zíamos o percurso a pé. Também ia eu. Nos anos trinta, comprou uma
mos nos sentar nos rochedos atrás criação de porcos em Marrocos. M£
do palácio do prefeito, à beira- is tarde, na crise dos anos trin
mar. ta e dois e trinta e três, perde
Na água, bem suja, olhávamos ria tudo.
os tubarões passando em grupos de Após o primeiro tombo,partiu
cinco ou seis, a quinze metros de para as Guianas, em companhia de
nós. alguns jovens, onde todos pensa
Outras vezes ainda, íamos a vam que, com um pouco de coragem,
pequenas praias, com águas igual o ouro acumular-se-ia nas suas
mente sujas, admirar o nascimento mãos.
das pequenas tartarugas. A areia Pessoalmente, nunca tive ilu
toda se mexia quando os bichinhos soes parecidas.
duzentos a trezentos, saíam de n_i
nhos escondidos sob a areia. Chegando à Guiana como garim
Corriam em todas as direções peiro, comprou um barco e lançou-
não sabendo de início para onde se na subida do Maroni, em dire
se dirigir e, em seguida, iam ru ção dos Tumucs Humacs.i evavam com
mo ao mar. Lá estavam salvas, pe eles provisSes e mercúrio,que se^r
lo menos do homem. viria para aglomerar o pó de ouro

49
que pensavam encontrar em grande do este dia, fez amizade com uma
quantidade. pequena negra. E o inevitável che_
Nunca chegaram ao fim da via^ gou! 0 nascimento de uma menina!
gem. O Maroni é duro de descer e Mãe e filha foram viver em Cayen-
mais duro ainda para subir. Todos ne. Miclos continuou a trabalhar
inexperientes diante dos barcos a em Saint Laurent. Depois apertou
motor, e mais ainda na floresta. o cinto o mais possível até a ho
Muitos dias passaram-se na tenta ra da volta. Mas lembrou-se da me
tiva de se subir o rio com todas nina e resolveu visitá-la, antes
as suas corredeiras, com vários de ir para sempre. Vendo a peque
mergulhos contra a vontade.Alguns na, sentiu umas batidas mais for
já não queriam mais ir adiante,ao tes no coração e pensou: "que vai
encontro do desconhecido. acontecer com esta pequena, se eu
Depois de diversas discus me for? Tornar-se-á igual a to
sões, esconderam o mercúrio no pé das as que encontro pelas ruas de
de um árvore, bem visível e fácil Cayenne e do mundo inteiro? Mui
de encontrar numa possível volta tas vezes pela irresponsabilidade
ao lugar. de quem as gerou?"
Desceram em direção ao ocea E, por causa disso abandonou
no e de Saint Laurent do Maroni. a idéia de voltar à França, ficaji
Os que ainda tinham dinheiro para do para cuidar da menina. Eu não
a passagem voltaram à França. Os conheci sua filha, que se encon
outros, desmunidos, ficaram em Sa trava num pensionato de irmãs na
int Laurent, onde procuraram tra ilha de Guadaloupe.
balho, o que não era nada fácil. Depois de ter decidido ficar
Os condenados, que naquela época definitivamente, começou a ser o
eram numerosos, forneciam o gros representante do comércio ataca
so da mão-de-obra, e a baixo pre dista francês. 0 negócio ia bem,
ço. mas com o início da guerra e da £
é menos fácil de se expatri cupação, cortado de seus fornece
ar do que muitos pensam. Fácil,se dores, ficou sem meio de sustento.
vocês chegam com um contrato,mui Refugiou-se então nos arred£
to dinheiro, ou alguém que o espe_ res de Cayénne, numa cabana velha
ra. Caso contrário, é necessário que forrou com sacos de cimento.E
uma certa coragem e não se deixar para viver ia todos os dias, pela
levar por ilusões. manhã, em velhas plantações de Ia
Miclos ficou em Saint Lau ranja e limão, abandonadas depois
rent procurando trabalho e o en do fechamento da prisões, onde ro
controu numa serraria, apesar do lhia cestos de frutas, que vendia
salário não ser dos melhores. Tra em Cayenne.
balhava, economizava, só pensando Depois da guerra, quando as
na volta para a França. E, esperar^ comunicações recomeçaram a funci£

50
nar com a França, sua situação me Alguns dias antes de minha
lhorou, e quando eu cheguei à Gui^ saída para Belém, recebia uma ca£
ana, já tinha uma ótima casa, com ta de um amigo de Montevidéu.
ar condicionado, o que era bastajn Ele tinha um amigo, diretor
te raro naquela época. E ele bem de uma criação de cavalos de cor
o tinha merecido. rida, perto da cidade, e ele pode
Fora E.M.C. e o birô minei_ ria me empregar como chefe de cuj^
ro, não havia possibilidade de se tura. Tal criação ficava em pleno
encontrar emprego para as pessoas mato, dizia-me ele. Nunca tinha
do país. Era o "funcionalismo", a saído da cidade, e mais tarde,teri
viver por toda uma cidade. Um mem do atravessado o país diversas v£
bro de cada família trabalhava a zes, vi que este não tinha nem ma
fim de sustentá-la. E, os outros, to, nem nada parecido, só o Pampa.
não queriam trabalhar. Deixando o Peru de lado, re
Os franceses burros eram quem solvi ir para o Uruguai.
pagava. Neste meio tempo,recebi a Saí de Cayenne num avião mi
notícia da morte de meu pai. Sen litar brasileiro, com passagem re
ti-me mais livre para continuar o cebida do Cônsul, em troca de me
meu caminho. ia caixa de champagne. Como não e_
Foi quando avisei MonsieurBo xistia nenhuma estrada nem na Gui_
nuas, um bretão de Saint Brienc, ana, nem na parte brasileira, via_
diretor da E.M.C, de minha interi jar, só por via aérea.
ção de seguir adiante. Ele ofere Belém, bela cidade no desem-
ceu-me um bom posto, com contrato bocadouro do Amazonas, naquela é-
e um ótimo salário, o que não fa poca contava com mais de trezen
zia para ninguém fichado no local. tos mil habitantes.
Eu tinha resolvido viajar de Belém tem igrejas muito boni^
novo, e sua oferta não me inte tas, ricamente decoradas,altares
ressava mais. Vendo-jne resoluto, revestidos de ouro, uma riqueza.
não insistiu, mas me disse: Isso vinha do tempo da borracha,
- "Você vai se aventurar,vai que era explorada no interior do
gastar o que seus pais lhe deixa Amazonas. Época próspera
ram. Lembre-se disso: caso alguma 0 porto era bastante movimejn
coisa não der certo, não esqueça, tado, com seus navios a roda, pa
sempre haverá um lugar aqui, para ra subir o rio. Eu assisti ao que
você." chamavam "Pororoca": nas altas ma_
Emocionado, agradeci, e fui rés, as ondas do oceano, não po
seguindo meu destino. dendo deter a enorme massa d*água
Primeiro, pensei em subir o que desce do Amazonas,adiantam-se
Amazonas para chegar ao Peru,que sobre ela, com diversos metros de
me atraía.Seis mil quilômetros de altura, e a água continua a cor
rio antes de chegar lá... rer na direção do mar. É um espe-

51
táculo único e muito interessante à embaixada francesa, onde eu er-a

Fiquei nesta cidade uns oito sempre bem recebido. Mas no fundo

dias, tempo suficiente para tirar estes senhores desejavam uma coi
minha carteira de estrangeiro, mo sa só: livrar-se de mim. "Deve ir
delo dezenove, e continuar meu ru para o Uruguai; é muito melhor."

mo para o sul, apesar de o Cônsul - diziam para mim.


da França, representado por um 0 problema não é um pais ser

brasileiro, tentar reter-me dizeri melhor ou pior que outro. 0 negó


do haver para mim maiores possibi cio é saber escolher e não se dei_
lidades em Belém; eu, porém, estja xar enganar sobre o que se quer

va pensando nas grandes planta fazer. Tudo se resume em escolher


ções de trigo do Rio Grande do certo.

Sul, Uruguai e Argentina. Uma ver Eu tinha escolhido plantar o

dadeira miragem, que me seduzia. trigo, e mais tarde, tive que pa


Eu plantei trigo, e bastante, mas gar o pato.
após diversos anos, o resultado, Se eu fosse para o Uruguai,
não foi formidável,muito pelo cojn possivelmente representaria um in
trário. cômodo a menos para eles. Falarann
Deixando Belém, segui na di me de um plantador de batatas,nos
reção do sul; primeiro Rio de Ja arredores do Rio, que às vezes i£
neiro, atravessando o Pará, três comodadava. Penso que o encontrei
vezes a França, em tamanho, Goiás dez anos mais tarde, em Goiás.
o dobro, dois mil quilômetros de Oito dias depois, embarquei
comprimento, Minas Gerais e, fi para Montevidéu, desta vez no "La
voisier", navio das "Chargeurs Re_
nalmente, cheguei ao Rio. unis".
"Ver o Rio é morrer" é o que Depois de Santos, o navio fi_
dizíamos na Guiana. E, de fato, o cou vazio. Os imigrantes italia
Rio de Janeiro é uma bela cidade. nos e portugueses, que nessa épo
Seu cartão de visitas, é o ca eram numerosos, tinham deixado
Corcovado, com o Cristo Redentor. o barco: os portugueses no Rio, e
Com tempo claro, tem-se uma vista os italianos em Santos e São Pau

fantástica de toda a cidade e da lo.


maravilhosa Baía da Guanabara, de Na primeira refeição em alto
Copacabana, cujas praias são co£ mar, fui colocado na mesa junta
sideradas as mais belas do mundo. mente com dois casais: um, fran
Além dos bairros do Flamengo, Bo cês, com três crianças, que diri
tafogo e outros, que aparecem em gia-se a Buenos Aires, onde ele e_
meio a favelas e serras verdejan- ra contratado como diretor de uma

tes. fábrica de queijo ( desnecessário


Fiquei visitando a cidade dizer que ele era normando );o ou^

uns dez dias, indo diversas vezes tro casal era belga, com um filho

52
de dezessete anos, que, como eu, eu tinha deixado a querida provín
partia para a primeira aventura. cia.
0 destino deles era Montevidéu, e Lembrava-me a canção de Theo
tinham muitos projetos; mas só os doro Batrel, "Comme est belle ma
projetos. Bretagne, sur son ciei gris il fa
Os normandos pareciam satis ut Ia voir". De longe, ela me pa
feitos, recebendo um bom salário. recia ainda mais bela, com suas
Aparentemente não tinham preocupa_ boas, e malgrado,suas más-lembrajn
ç3es, porém, uma semana depois, de_ ças.

ram-nos uma bela surpresa. 0 hotel ficava a uns trinta


Os belgas, pelo que mostra metros da praia de Pocitos, quase
vam possuir, tinham possibilida no centro da cidade.
des bem maiores que as minhas. 0 No dia seguinte, fui visitar
pastor alemão deles os acompanha monsieur Faucard, amigo de Maure
va, e seu "Cadillac" também.É ve£ de Bretagne, que alguns meses ma
dade também que, nesta época, os is tarde, afogou-se nessa mesma
belgas tinham, na França, a repu praia. Eu já tinha voltado para o
tação de serem muito ricos. Brasil, quando um amigo "pied no-
0 mar continuava calmo, e o ir" voltando da França, trouxe-me
navio navegava perto da costa do essa triste notícia.
Brasil que, de vez em quando, di Dirigia-me à casa dele a pé,
visávamos ao longe; era a tranqüi_ seguindo a cerca dos jardins, em
lidade. 0 comissário nos levava a grande parte formados por gerâ-
participar de alguns jogos na pojn nios de quase dois metros de altçj
te; isso ajudava a passar o tempo. ra e bem floridos. Eram bonitos e
A viagem foi bastante curta, cheiravam bem.
com tudo transcorrendo normalmen . Monsieur Foucard possuía uma
te; nenhum doente a bordo.Dois di. pequena loja de eletrodoméesticos.
as depois, entrávamos no estuário Seu negócio andava bem.
do Rio da Prata. Montevidéu era Em sua casa, encontrei um ve
perto, e chegamos lá algumas ho terinário, diretor da criação de
ras mais tarde. cavalos de corridas, encarregado
Em companhia dos belgas, dei^ de me empregar como capataz, nas
xei o navio e despedi-me dos nor plantações da fazenda.
mandos, que continuaram a viagem Ele também era francês.
para Buenos Aires. Alguns dias após nossa chegja
Ainda com os belgas, hospe da, o "Lavoisier" fazia sua via
dei-me, no hotel Bretagne: eles já gem de volta.
tinham esse endereço. Juntamente com meus amigos
"Hotel Bretagne"... Isto caiu belgas, resolvi ir ao porto para
sava uma pequena batida a mais no subir a bordo e tomar uma cerveja
meu coração. Já fazia um ano que para matar a saudade, pois era um

53
pouco da França que ali estava. E ra ir ao interior do estado para
isso, trinta anos depois, não te ver e conhecer um pouco mais do
ria a menor importância. país.
Qual não foi nossa surpresa, Indo duas vezes por semana a

em encontrar de novo, no navio,os Porto Alegre, passando sempre em


nossos companheiros normandos,que frente do hotel, eu os via apoia
voltavam; de cabeças baixas, sem dos na parede, perto da porta,não
ânimo algum. se mexendo nem para conhecer o
Como tal mudança pôde ocor centro da cidade.
rer em três ou quatro dias? Mas, Tornaram., a partir do mesmo
apesar de tudo, eles estavam vol modo que chegaram. Deviam ter um
tando para sua Normandia, e, cer parafuso que não era bem apertado.
tamente, nunca mais sairiam de lá. Eu biquei no hotel Bretagne,
Eu acho que nem tiraram as e todos os dias ia à praia, visi
malas do navio. Não tiveram tempo tando em seguida monsieur Fancard.
de fazer uma idéia do país,nem do Quanto ao trabalho prometido
modo de viver nele. Tinham tudo à por seu amigo, a decisão demora-,
mão: viagem paga, trabalho garan va: "mafiana, mapana". No Uruguai,
tido e bom salário. tudo era para o dia seguinte.
É verdade que, um mês depois Ele mesmo tinha dificuldade
disso, na passagem seguinte do em se manter por lá. Este haras e_
"Lavoisier",meus amigos belgas em ra uma sociedade e os sócios não
barcaram também, tendo perdido a se entendiam, e mesmo ele não se
coragem diante de algumas peque dava bem com alguns deles. Assim,
nas dificuldades encontradas para não pensei mais nisso.Resolvi voJL_
iniciar o trabalho,para o qual ti. tar ao Brasil a fim de plantar o
nham feito a viagem. trigo.
Na Bélgica, eles faziam im Esperando, eu visitava a ci
portação e exportação. Além disso dade, a praia de Ramirez, bem ceri
tinham, nos arredores da capital, trai; nela, numa imensa churras
um dos maiores "boiles" da noite queira, assavam-se, em volta- de
de Bruxelas. Podiam voltar tran um potente fogo, sem parar, dois
qüilos. ou mais bois cortados em quatro.
Isso me faz lembrar do caso Eu fazia o reconhecimento de
de uma família francesa, composta praias como Carrasco Atlântida e
de cinco pessoas. Chegando ao sul Punta Dei Este, mundialmente co-
do Brasil, em Porto Alegre, alug£ nheeida. As vilas escondidas en
ram quartos de segunda categoria, tre os pinheiros eram bem bonitas,
num hotel do centro da cidade, na proporcionando às praias um ar a-
rua Voluntários da Pátria, rua de legre e aconchegante.
comércio e bastante suja. Em Punta Dei Este, um dos me.
Vinham para fazer agricultu lhores hotéis-restaurantes era de
propriedade de uma família france na França antes da guerra, Jean

sa, que se mostrava muito amável Tranchant, que nesse momento fa


conosco. Digo conosco, porque me zia decorações nas boates da capi^
encontrava na companhia do Conde tal, além de um grande número de
De Bois e seu primo, cujo nome es^ outros artistas, quase todos na
queci. Eles possuíam uma granja merda.
de verduras nas redondezas. Eicontrei igualmente diver

Na cidade, eu encontrei mui sos condenados à pena de morte pe_


tos franceses, de todo tipo,entre los falsos resistentes, muito ma
eles um antigo advogado do Bureau is bandidos que eles!
de Paris. Este francês abriu uma A turma era muito> agradável,
casa de câmbio no centro da cida e os dias passavam rapidamente.
de, depois de ter sido gerente de Também encontrei o senhor e
um Café, o que, segundo ele, pre a senhora M que, junto com o seu
judicou seu futuro trabalho. Ad pequeno filho, tinham abandonado
vogado, gerente de Café, banquei a França. Haviam sofrido todas as
ro: situações que não se ajusta espécies de torturas, física e mo
vam muito bem. ral, de terroristas Gaullistas, e
No hotel, serviam-nos bifes, sendo normandos, foram, como mui

que saíam pelos dois lados do pra^ tos outros, principalmente normarn

to. Foi nesse hotel que conheci o dos e bretoes, instalar-se no su


Conde De Bois e seu primo. 0 Con doeste da França, que nessa época
de teve um irmão massacrado pela era ainda meio abandonado,sem ser
F.T.P. de Tlllan,a serviço de Mos_ cultivado. Começavam de novo, com
cou. Dirigia no centro da França um comércio de relojoaria e bijoij
uma empresa pequena, pertencente terias.
a seu pai, um coronel do exército Ao chegar a libertação,foram

francês. perseguidos por concorrentes ciu


Este coronel ficou tSo revol_ mento e invejosos. A mulher, que
tado com tal horror, que ordenou já nSo era tão jovem, teve os ca
a seu mais Jovem filho que deixas, belos cortados,e todos da família,
se a França, afirmando que,a ela, inclusive o menino de doze anos,
ele nada mais devia. foram levados numa charrete pelas
Duas filhas do general D,que ruas da cidade, sob gritos de ó-
foi condenado à morte pelos Gaul- dio da turba que ia seguindo o es_

listas, estavam refugiadas com a túpido cortejo, e da população,


família na Argentina. Passavam.um que nada fez para defendê-los.Ha
período de férias em Montevidéu, via o medo de ser colocado ao Ia
no hotel Bretagne. do da família ultrajada, e a fal
Em alguns Cafés do centro da ta de coragem para protestar.
cidade encontrávamos de tudo: ;um - "São nestes momentos que
ex-cantor popular bem conhecido se vê melhor a covardia do ser hu

55
mano." - me dizia essa dama. "Cônsul" da região, como era con^-
Em Montevidéu, foram bem sut- siderado pelas pessoas. Ele tinha
cedidos. 0 filho, mais tarde, ca ajudado a levantar e manter o no
sou-se muito bem. A senhora M,que me da França. Teria gostado, di
passou alguns meses no Brasil, me zia ele, de ter recebido uma pe
contou haver conhecido o presiderj quena condecoração qualquer, por
te dos Franceses Livres de SãoPay_ serviços prestados a seu país. Te
Io. ria sido uma felicidade. Ele a me
Quando, em 1938, na época de recia, bem mais que as distribuí
Munique, quando a ameaça de guer das a granel aos falsos resisten
ra era grande, esse presidente a- tes, criminosos comuns que, nos a_
pressou-se em naturalizar seu fir- nos depois da guerra, fizeram das
lho brasileiro, evitando que o ra_ condecorações um negócio lucrati
paz servisse no exército francês, vo.

sendo fatalmente convocado para a Eu aluguei uma terra virgem,


guerra. Como fã de De Gaulle e para plantar, e o material para o
seu futuro chefe, era convincente serviço também foi conseguido por
como patriota, só que com a pele aluguel. Começava assim minha vi
de outros. da de plantador de trigo no Bra
A vida em Montevidéu conti sil.
nuava alegre e despreocupada.Mas A terra que eu alugara, não
como minhas possibilidades finan possuía um grande mato. Só o que
ceiras não me permitiam ficar tetn era chamado de chirque. Em terra
po passeando, Eesolvi voltar para de primeira qualidade, preta e
o Brasil, para trabalhar, apesar granulada, o chirque podia atin
de só Deus saber como é agradável gir três metros de altura e, com
não se fazer nada. a maior facilidade, se quebrar,ao
Peguei o .ônibus, e através^ passarem por cima tratores e ara
sando o Uruguay,cheguei em Aceguá: dos.
e Bagé, onde resolvi parar, tendo Usavam-se somente arados com
ouvido falar de suas boas terras, discos, que facilitavam muito cul_
além do próspero cultivo de trigo tivar as terras virgens, aradas a
Era meu sonho plantar trigo. primeira vez.
Encontrei alguns, franceses A fazenda ficava perto da es^
"piéds; noir" (são franceses refu tação de ferro de Seival, que por
giados da Algéria), um já instala_ sua vez, avizinhava-se de Candio-
do, outro procurando conhecer a ta, onde uma companhia francesa
região. Mais tarde, dariam-me uma montava uma usina elétrica, que
mão, para começar. deveria trabalhar diretamente so
Encontrei também um velho pa_ bre as minas de carvão.
trício, com mais de setenta anos, Seival é uma pequena estação
e com cinqüenta de Brasil. Era o na linha que liga Pelotas a Bagé,

56
a cinqüenta quilômetros desta úl Sentado no vagão restaurante
tima cidade. tomando minha cerveja, olhava pe

Cinqüenta quilômetros que, a las janelas, ao longe as coxilhas


propósito, não eram fáceis de fa admirando como meu trigo era boni_

zer. Consistiam em uma simples es. to. Eu estava feliz e quase ti


trada de terra preta, que na est£ nha vontade de dançar.

ção das chuvas, era muito escorre_ Mas, infelizmente, esse dia

gadia, muitas vezes levando-nos a não foi muito feliz, pois a loco

barrancos. No verão, com poeira, motiva era nova, diesel, que não
era muito mais perigosa. tinha a necessidade de abastecer,
Em todo o Rio grande do Sul, como as antigas, com água. Brusca_
só havia estradas de terra. Nesta mente ela movimentou-se, sua saí
região o asfalto não era conheci da surpreendendo-me, pegando-me a

do. A única estrada onde havia as^ tomar, devagar, minha cerveja...

falto era a que ligava Caxias do Eu podia esperar pela próxi


Sul a Porto Alegre. ma parada, a uns dez quilômetros,
Nos últimos trinta anos, co£ e voltar, de um modo ou de outro.

tudo, a mudança tem sido grande. í\ Optei por saltar do trem em

tualmente é raro encontrar-se al movimento segundos depois, eu es


gum município que não seja servi tava estendido sobre os trilhos,

do por estradas de primeira quaH com a perna quebrada.

dade. Os empregados da estação,que

No meu primeiro ano semeei a já me conheciam, rodeavam-me,pres


quantia de quase cem hectares de dondo-me socorro.

trigo. Este desenvolv1 ia-se muito Meia hora depois, chegava da


bem, e eu esperava uma boa íolhei_ fazenda uma camionete para condu
ta. zir-me à Bagé. Em seguida, a chu
Nessa época, eu fumava, e ia va começou a cair, continuando a-

adquirir provisBes do trem de pas^ té chegarmos à cidade. A viagem


sageiros na parada de Sei vai, a ajL não foi fácil, e como a camionete
guns quilômetros da sede da fazeri era descoberta, cheguei completa

da. mente ensopado em Bagé.

As locomotivas, ainda a car Fui levado para o hospital


vão, faziam ali o seu abastecimeri do doutor Araújo,cujo genro, dou

to de água. Isso permitia-me fa tor Guidaux, era francês. Por ter


zer tranqüilamente minhas compras nascido no Brasil, possuías as djj
e tomar cerveja no vagSo restau^ as nacionalidades. Ele tinha saí
rante. do de nosso país em 1944, enojado
Seival é um pequeno ponto de por toda a sujeira a que foi obri

parada no meio dos campos, e fora gado a assistir.

alguns funcionários da estação,c£ 0 pai dele, engenheiro,tinha


mércio algum existia ali. participado na construção da es-

57
trada de ferro Pelotas-Bagé. Como de um animal deste tamanho, o ca
a companhia era paga por quilôme chorro policial da fazenda acompa
tro construído, tinham alongado o nhava-me, mas chegava a recuar.
mais possível esta linha. Pelo me De vez em quando eu descia à
nos, era isso que os brasileiros Bagé, onde encontrei amigos da mi_
me contavam. nha idade. Isso sim me ajudava um
Oito meses se passaram desde pouco no estudo da língua portu
minha volta ao Brasil. Em certa £ guesa.

casião, estava sozinho na fazenda Mas essas saídas não eram de


em companhia de um casal alemão, modo algum freqüentes. E, quando
nascido no Cáucaso, na Rússia. On eu entrei no hospital, não sabia
de se encontravam, segundo Peter, quase nada da língua portuguesa e
o chefe da família, as melhores dificilmente podia me fazer enteji
terras do mundo. Pensavam voltar der.
para lá, no dia em que o comunis Alguns dias após a minha ch£
mo fosse enxotado. gada ao hospital, tive uma pneumo
Eram menonitas (tipo de sei nia, com uma recaída, uma semana
ta religiosa) e formavam, em Bagé, mais tarde,.
uma comunidade importante. Milh£ Tudo isso, não havia dúvida,
res deles fugiram, à pé, da :Rós- devido às horas passadas na camio
sia, atravessando toda a China,fu nete, sob chuva, depois do acideri
gindo do comunismo para chegar em te.Recebi numerosas visitas de be_
Bagé. Uma parte foi para o estado Ias e espirituosas gaúchas, que
do Paraná; a maior parte,entretar^ muitas vezes traziam-me gulodices.
to, deslocou-se para o Canadá. No princípio era difícil nos
Ele falava um pouco de porty_ entendermos, e foram essas gentis
guês; sua mulher, nada: falava s£ pequenas gaúchas que me ajudaram
mente o alemão. a pôr em prática o português. Pa
0 meu relacionamento com e-? ra o essencial, chegamos a nos en_
les não facilitava em nada o dontí tender muito bem.
nuio da lingua portuguesa. Apesar Nesta ocasião, .meus amigos
disso, comia com eles, que por si_ "pied noir" estavam na França, de_
nal, não fumavam ou bebiam. vendo voltar meses mais tarde.
Mas a prece em comum era sa Um jovem amigo não esquecia,
grada tanto antes como' depois da nunca, de me visitar. Era de ori
refeição, e isso era para todos gem libanesa e secretário da cél£
que à mesa chegassem. Ia comunista de Bagé. Sempre tra
Por sempre ter gostado do zia-me revistas e jornais, o que
campo, eu não me aborrecia na fa também me auxiliava no domínio da
zenda. De vez em quando,caçava.--le língua. Nunca o esqueci.
bres, perdizes ou lagartos, que a Eu não sou, nunca fui e nun
quinze quilos chegavam. Na frente ca serei comunista. Mas não posso

58
negar que um dos meus melhores a- víduos que o pais conheceu. 0 que
migos em Cayenna era, dizia-me e_ na minha consciência, é uma infâ
le, membro do comitê central do mia e uma vergonha para a França1.'
Partido Comunista da França, de - "Sim, é uma grande vergo
pois da guerra. nha!" - disse ele.
Naquela ocasião ele me dizia - "Mas, apesar de tudo, foi
apertando os dentes: condenado à morte em nome do país.
- "Eu não sou mais comunista Nome que seus torturadores usaram
e sim anarquista!" e abusaram para esconder a sua pe_
Era bom rapaz, e como ele a quenêz, sujando a França com cri
minha opinião não pedia, eu nada mes horríveis que cometeram."
tinha a ver com as suas. Sequer os larápios tiveram a
No restaurante, na Cripte, coragem de executar a sentença!
propriedade de dois antigos conde_ Mas: logo em seguida o mare
nados, onde fazíamos nossas refe.i chal foi agraciado, sem ter pedi
ções, o terceiro na mesa era bas-r do. 0 marechal Pètain tinha os a-
co, e monarquista. Isto dava be visado: um marechal francês nunca
las discussSes, com todos rindo. pede perdão. E ele tinha razão. A
Era formidável. sua glória, presente e passada, a
Muitas das pessoas que a mim ele não permitia curvar-se diante
vinham visitar tinham alguém in de tais nulidades.
ternado, da família. Mas este não Pètain, depois de um proces
era o caso das jovens, que me e^ so simulado foi preso na ilha D'y.
ram desconhecidas. Elas apenas me eu, onde morreu miseravelmente,e.s
procuravam, curiosas, queerendo o perando inutilmente, sem pedir o
contato direto com um francês,ccd perdão. Morreu por uma reconcilia
sa rara na cidade. ção nacional. Pelo bem da França.
Também recebia, como visita, Mas os novos "gauleiters" is
um coronel, que falava bem o fran_ so não queriam. Para eles, o ódio
cês. Tinha estudado diversos anos era evangelho. Nestes momentos, o
em Sorbonne, em Paris. velho ditado ainda subsistia: um
Sempre falávamos da guerra e por todos e todos por um! (ver o
da ocupação, que não estavam lon- princípio do livro "Resposta à 0-
ges, naquele momento. merson").
Um dia ele me disse: 0 marechal morreu depois de
- "A que ponto a França pôde muitos anos de prisão, numa peque_
cair para deixar assassinar o ma na casa miserável da ilha D'yeu,e
rechal Pètain, no final dos anos isto veio a acontecer no dia vin
quarenta." te e dois de julho de 1951.
Eu respondi a ele: Eu visitei seu túmulo. Como
- "0 marechal Pètain foi con_ ele é emocionante, em sua simpli
denado à morte pelos piores indi cidade, em frente ao oceano.

59
Lembro-me ainda de que, no vergonha não sobe à fronte deles!
hospital, o coronel, endireitando Acredito que o sangue que corre
o corpo, disse-me, olhando-me nos em suas veias não é mais verme
olhos: lho, mas negro, como as trevas, a
- "Quando se fecha um mare envolver a França nestes tristes
chal da França,um .herói nacional, anos de infâmias.
na prisão, com a idade de noventa Quarenta anos se passaram, e
anos, é um assassinato!" - e com me é permitido constatar que a ig_
pletou: "1944 é uma página de ver_ norância e a mentira, principal
gonha, um ano negro na história mente dos jovens, é a mesma.
da França." 0 embrutecimento é geral, e
0 coronel contou-me ainda al_ mesmo aqueles que assistiram a es^
guns dos crimes de que ele foi in_ sas páginas vergonhosas ainda es
formado, na França, em 1944. tão mudos, como se tivessem sido
- "Isso representa uma gota asfixiados por estas ondas crimi^
d'água perto do oceano de crimes nosas.

cometidos!" Mesmo com as minhas pequenas


Disse-lhe eu: possibilidades, é um pacto com a
- "Estas pessoas são mons verdade que me faz escrever e re-
tros, e da pior espécie. Fizeram, estabelecê-la, legando meu depoi
no seu próprio país, em quatro me mento para o amanhã, para que os
ses, o que os nazistas não fize nossos descendentes saibam o que
ram em quatro anos, num país ocu deles sempre foi escondido.
pado e inimigo!" Eu sei que na Resistência ha_
Quando o coronel terminou de via muitas pessoas bravas e hone.s_
contar-me o que ele sabia, resol tas, que só pensavam em servir ao
vi contar-lhe o que se passou em país. Porém, no meio dessa organi^
nossa casa, e em outros casos,mui; zação, a maioria aproveitou-se, e
to mais grave e horrível. não para servir à França, mas aos
- "0 que é triste," - disse- seus próprios interesses, como os
me ele - "é o que, muitos anos d£ crimes e vinganças pessoais.
pois, se ensina nas escolas para Sendo esta a cruel verdade,é
as crianças, e o que se fala na preciso coragem para proclamá-la,
imprensa, rádio e televisão, apr£ enfrentando a ira dessas pesso
sentando tais indivíduos como he as, que depois de tantos anos,só
róis." contaram sua glória e bravura,co£
Suas mentiras nada podem cojn vencendo-se de serem realmente he_
tra a verdade que escreveram com róis.
sangue seus compatriotas,e que se Em 1944 houve, na França,mui
escondeu tão bem por mais de qua tos campos de concentração,que na

renta anos. da deixavam a desejar aos :campos


E pensar que o vermelho da nazistas. Eram tão selvagens quan^

60
to estes, e até mais desumanos, po desses campos, onde passou numer£
is as vítimas eram os próprios pj3 sos anos, sofrendo enormemente:
trícios dos torturadores. Só para "só a fé em Deus nos sustentava."
citar um, em Paitier, famílias iri Também merece citação o li
teiras morreram de fome. vro "Escândalos da Resistência",
(Nota dos Editores: vide o livro escrito por Andres Figueras. Jun
"Holocausto; judeu ou Alemão?" de to com Paulhan, desde o princí
S.E.Castan) pio da ocupação, estava revoltado
com os crimes que se sucediam em
1944 e depois.
Ainda Paulhan, em "Carta aos
Diretores da Resistência", escre
ve: "Eu sou resistente! Eu o fui
Depois da declaração do cor desde o mês de julho de 1940! Eu
te de contas de 1947, citada por o sou ainda, pelo menos eu penso
Jean Paulhan, em seu livro "Carta se! Apesar disso, eu não sinto ma
aos Diretores da Resistência", on is nenhum orgulho, só vergonha! E
de ele acusa e .declara: "mais de que não tem nenhum destes quatro
duzentas e cinqüenta famílias, pja centos mil franceses!"
is e filhos,morreram de fome nos Logo em seguida declarou que
campos de concentração da Chauvi- este número estava bem abaixo da
nerie, em Poitiers",veio à tona o realidade.
impacto da verdade. Admite-se que mais de um mi
Os pais eram acusados de se lhão de franceses foram presos na
rem Petainistas, e as crianças i- libertação, torturados, desonra
nocentes deveriam pagar este cri dos, sendo deles tirados todos os
me junto com seus pais. direitos civis; e outros perderam
Saint-Germain escreve no seu seus empregos, principalmente os
livro "PrlsSo da EpuraçSo": "Fa funcionários públicos. Além de u-
zer da fome um meio de repressSo, ma boa parte ter sido massacrada.
é uma infâmia." Um relatório da Seção Histó
0 direito ao pão e outros a- rica do Estado Maior do general
limentos é um direito sagrado do Eisenhower denuncia cinqüenta
homem do qual nenhum ser humano, mil execuções sumárias em alguns
em hipótese alguma, pode ser pri departamentos do sudeste da Fran
vado. ça ( a França possui mais de oi
Todavia nossos falsos resis tenta departamentos ).
tentes não pensavam neste direi Seria interessante saber se
to. Mesmo os bebês deviam sofrer as vítimas da Garganta de Fond es
tal tortura. tão incluídas neste número. Esta
Continuando a citar o livro garganta subterrânea está locali
de Saint-Germain, que foi vítima zada no departamento de Ardeche,

61
perto desta pequena cidade. de horror, só tínhamos coragem pa
Monsieur Chandon,prefeito de ra ficar calados."

Fond, nos anos 50 perguntava quari E quando aproximavam-se da

tos cadáveres haviam sido jogados quela garganta, nos dias que se
nessa garganta. Ninguém o sabe. E guiam as macabras cerimônias, ou
mesmo os criminosos que fizeram a viam os gritos lancinantes dos in_
carnificina não o sabem. felizes, que ainda nSo tinham mor_
Uns chegam a falar em oito- rido.
centos, talvez mil. Outros,de mui Pouco a pouco, só o silêncio
to mais. se ouvia. Os sobreviventes morri
0 certo é que esta garganta, am das feridas, de fome, de sede,
com mais de quarenta metros, en de febres, ou simplesmente asfi
cerra muitos cadáveres. xiados pelos odores nauseabundos,
Os "justiceiros" Gaullistas, que se desprendiam dos cadáveres,
não tendo tempo para enterrar ca, em putrefação.
var sepulturas a suas vítimas, tra_ A Assembléia de Strasburgo

ziam-nas em caminhões, para mandá^ condenou o genocídio turco,de que


Ias diretamente ao inferno,no fun os armênios foram vítimas. E o ge_
do da garganta de Fond. nocídio francês? Quando será co£
Grande parte da vitimas enr denado?
contrava-se morta por golpes e ia Se a pretensa civilização da
jadas de metralhadoras, antes de França continua a descer em dire
serem lançadas na garganta.Outros ção ao ponto para o qual foi em
prisioneiros, ainda vivos eram j£ purrado, não será antes de cem a:-=
gados nesse buraco profundo, onde nos que os ossos serão retirados
ainda podemos encontrar seus es da garganta em que foram jogados.
queletos. Então, qual é a explicação a
Não adianta pedir às nossas ser dada para tal carnificina?
autoridades,passadas e presentes Mais cedo ou mais tarde, na
para fazerem seu dever de civili da restará de vocês. Mas as incori
zados, exumando o corpo desses h£ testáveis provas dos horrores ani
mens, mulheres e crianças, márti malescos que vocês fizeram estão
res, e dar a eles o lugar que me aqui. E estas provas vocês nunca,
recem para descansarem em paz. de nenhuma maneira conseguirão fa
Isso traria, para alguns,más zer desaparecer.

lembranças... Fizeram demais! Abusaram!


Eles preferem ficar pavonear^ Um dia, vocês querendo ou não,
do-se de pretensos atos de heróis os horrores serão libertados dos
mo, deixando bem enterrados seus calabouços em que foram encerra

verdadeiros atos, de banditismo. dos.


Os moradores do lugar, mais Enquanto vocês, falsos resis_
tarde, comentavam: "naqueles dias tentes, ganharam cruzes de guerra

62
e medalhas de agradecimento ao te_ gar, dessa garganta, num monte ma
rem Escrito a mais horrível pági cabro que sobe na direção do céu,
na de vergonha da França, france onde Deus já recebeu suas almas.
ses dignos repousam, na garganta Vocês viram-nos? Se já os v_i_
de Fond. ram, notem que em cima de tudo is
Esperamos que nunca mais re so tremula a bandeira tricolor, e
pitam-se episódios iguais. Nunca nela fulgura a cruz de Loraine (é
mais! o emblema dos Gaullistas). Qual é
Amigos leitores, fechem os o_ a diferença da cruz gamada? 0 ce
lhos e escondam os rostos. Sintam nário é o mesmo, talvez pior!
a visão deste maravilhoso dia de Agora, vão abrindo os olhos.
julho, este lindo sol de verão, a 0 que vocês vêem? 0 belo sol
brilhar com tanta clareza. que há pouco brilhava?
Vocês estão na Costa Azul.se Agora sim, você revê o monte
estendendo em praias belas de gra de cadáveres desses infelizes,mor_
vilhões, onde ricaços, tubarSes e tos como moscas por um inseticida
malandros convivem. violento.
Vocês vêem somente a obscuri^ Ao lado disso, os campos de
dade. Fiquem com os olhos fecha concentração alemães, os goulags
dos. Dirijam-se à pequena cidade stalinistas, vão reduzindo-se.
chamada Fond, no Ardéche. Não é Certos indivíduos na França,
longe... indiscriminadamente mataram seus
Pouco a pouco, irão aparecejn próprios irmãos, muito mais ino
do, à sua frente, montes de cadá centes e honestos que eles.
veres. Oitocentos, mil, mil e du E, sobre tudo, tremula sem
zentos, mil e quinhentos? Quan pre a bandeira tricolor!
tos? Não sabe? Ninguém o sabe... Esta bandeira que serviu, e
ainda serve, a estes bandidos pa
Vejam os corpos, misturados, ra ocultarem todos os horrores de
quebrados, não se parecendo mais que foram mentores, que sujam a
com nada. Grandes olhos abertos, França inteira, trazendo a ela a
ainda olhando para vocês, pareceri vergonha.
do pedir piedade, através da né-
voa da morte. Bocas dolorosas mqs_
tram-se, sem mais dentes, que fo
ram quebrados em dias anteriores, Agora, volto a Campei, Maure
a socos e coronhadas. de Bretagne, para seguir a turba
Este monte de cadáveres de dos falsos resistentes, os mesmos
homens, mulheres e crianças, empi_ que saquearam a nossa casa. Para
lhados um sobre os outros,como p^ escrever as monstruosidades come
dras jogadas de um caminhão. To tidas neste pequeno canto da Fraji
dos misturados, no fundo desse lu ça. Monstruosidades que não cau-

63
sam inveja a seus colegas do su rando-se, entraram cheios de cobi_
deste da França. Após terem ternú ça, pensando no dinheiro que pode_
nado seu serviço em minha casa, o riam conseguir.
que não puderam levar, roubando, Com o rosto cheio de ódio, e
queimaram. Após terem metralhado a loucura estampada nos olhos, ern

o açougue Chalmery e não obterem purraram madame Testerel e os se

sucesso ao tentarem meu assassinai us filhos para um canto da cozi


to, como almejavam, deixaram o mij nha.

nicípio de Campei, por Maure de Então, outra vez, as metra


Bretagne, dirigindo-se à fazenda lhadoras crepitaram. Não havia a

do Baís o Fut, metralharam à von piedade para ninguém. "Todo mundo

tade. deve ser varrido da face da Ter

Ao receberem o que mais pro ra!", era o que dizia o general


curavam, dirigiram-se, então,à fa Lecher, o senhor de Hautecloque e

zenda do Petit Chateau, município colega de De Gaulle.


de Mernel, ficando mais perto de A mãe, a menina de sete anos

Maure. e o menino de quatro, foram varri


0 proprietário, monsieur Tes^ dos pelas rajadas das metralhado
terei, resolveu não abrir a porta ras.

pois negou-se a ser ameaçado. Era E os sangüinários felizes a


um homem próspero, trabalhador e gritar, muito satisfeitos pelo a-

bom agricultor. Depois de uma pe to de heroísmo! Sabiam que iam re


quena discussão, Monsieur Teste- ceber medalhas e condecoraçSes.
rel resolveu abrir uma pequena j£ Tinham salvo a pátria!

nela, bastante alta e protegida à 0 pai, a mãe, o menino, mor


frente com barras de ferro. Porém tos. A menina de sete anos,ferida
mal abrira a janela, as rajadas es_ nas coxas e braços,pôde ser salva
touraram. Ele teve seu pescoço li depois desta tragédia.
teralmente seccionado. Foi caindo A cena foi descoberta ao ama_

de costas, já morto. nhecer, pela pequena empregada te_

Dentro de casa, a loucura. A merosa, que tinha ficado escondi


empregada jogou-se debaixo da ca da debaixo da cama. às cinco ho
ma. As pequenas crianças gritavam ras da manhã, um amigo da família,
apavoradas, abraçando-se à mSe, e o senhor Lecler, da vila mais pr£

esta estava tão apavorada quanto xima, L'aunay Brunard, viu os e-

seus filhos. De fora, nossos "he feitos do massacre.

róis" impacientes ordenavam à ccd Que calvário a pequena ino


tada abrir a porta, prometendo s£ cente deve ter passado depois que
correr seu marido. os criminosos se foram, após te
A pobre mulher, quase louca, rem roubado tudo que puderam en

não sabendo o que fazer, terminou contrar na casa.


por obedecer. Os selvagens, empur A pequena criança ficou sozi_

64
nha na escuridão, apavorada, so as"que eu falo partem de preten
frendo mil dores, perdendo sangue sos franceses. E" isso é muito ma
pelas feridas abertas. is grave que os campos de concen
Chamando, abraçando^ o corpo tração alemães e os campos de ex
de seu pai, sua mãe, de seu peque termínio na Sibéria".
no irmão, na escuridão da cozinha Um historiador israelita a-
sentindo que, pouco a pouco, esva^ borda a tese de Henri Roques defen
íam-se os corpos em sangue, lenta^ dida ultimamente na Universidade
nente esfriando. de Nantes. Ela tenta provar a não
Sua pequena camisola estava existência das câmaras de gás nos
ensopada do sangue de todos. Seu campos de concentração germânicos
rostinho, seus longos cabelos loi^ Esta tese foi recebida e aprovada
ros, tingiam-se de vermelho. Suas por professores dessa Universida
■nãos, também cheias de sangue, e£ de. Na época, fez correr muita no
sanguentavam os olhos, o nariz,os ticia, sendo comentada aqui mesmo
ouvidos, que ela esfregava sem pe[ pela imprensa brasileira.
rar. Tudo estava entupido pelo 1_£ 0 historiador israelita afir
quido viscoso e nojento, que ter mou, a propósito desta tese: " a
minou por formar, no rosto da me perda de memória é perigosa para
nina uma máscara grotesca e horrí o mundo civilizado."
vel que, secando, não deixava ma Sim a perda de memória volun
is as lágrimas correrem. tária, ou involuntária, é perigo
sa, no que se refere a crimes co
0 senhor Lecler não pôde ap£
metidos, seja por "amigos", seja
gar de suaretina, por muito tem
por inimigos. A perda da memória
po, o triste espetáculo.
é tão perigosa para os crimes co
Sobre estes crimes, silêncio
metidos pelos Gaullistas, como pe
absoluto. E os animais, as bestas
los cometidos pelos nazistas.
humanas, foram condecorados pelo
Interessante que muitos per
poder Gaullista!
deram-na no dia dos crimes, e não
Sim, senhores! Condecorados! quarenta anos depois.
E isso aconteceu na França,
E ainda agora continua-se a
que tão baixo caiu nesses tristes
glorificar os carrascos e insul
anos... Um país que muitos ainda tar as vítimas.
têm a coragem de chamar "Reino da
Do meu lado, não faço distin
Civilização", "Pátria dos Direi
ção entre crimes de um ou de ou
tos Humanos"...
tro bandido. Dois pesos e duas me
Reportando-me ao livro ante didas? Não!
riormente citado de Saint Germain Um dos matadores de Petit
digo: "eu peço para não esquece Chateau, o que havia, em minha ca
rem que as chamadas "atrocidades sa havia me ameaçado com a arma e
alemãs" partiam de inimigos, mas metralhado todas as paredes, não

65
era outra coisa senão um vulgar e ram criminosos que deveriam estar
mesquinho traficante do mercado na mira da justiça.
negro, metido com as tropas" ale Falando de Pipriac, eu quero

mãs, evadidó da prisão deMonfàrt lembrar o caso de uma família, a_


Surmeu, a trinta quilômetros pelo tacada, como sempre, em meio à es_
norte de campei. curidão noturna, por uma dúzia de
Tratava-se do nomeado Mauri- falsos resistentes

ce Planchard. Esta família que já tinha um


0 governo do marechal Pètain filho aprisionado na Alemanha, co

perseguia esses maus franceses se mo prisioneiro de guerra, foi rey_


isso era permitido, enquanto que nida no canto da sala. Toda a ca
o governo Gaullista condecorava a sa teve seu interior metralhado.E
sujeira, os crimes, fazendo deles na sala, os aprisionados eram for_
heróis. çados a pular de um canto para ou_
Mas a Gendarmerie ( polícia tro, para escapar das rajadas das
rural francesa'), sempre à altura metralhadoras, que os bandidos a-
de seu dever, começava seus inquji tiravam a seus pés para apavorá-
ritos sem esperar as queixas que los.
as famílias das vítimas deveriam, Os bandidos, um deles profes_
sempre, fazer. sor em Messac, retiraram-se em se_
Graças a isso, Planchard foi guida, mas somente depois de te
preso alguns meses mais tarde, e rem bebido bastante, quebrando tu_
de novo foi posto na prisão,de oin do que a casa tinha de bom e inte
de nunca deveria ter saído. ressante, já que não podiam levar
0 pequeno juiz Cucuz de Re- tudo. Mas sem matar ninguém.
don não teve a coragem para soltjá Este famoso dono de moinho
Io novamente. em Piriac, incendiou o moinho Col_
0 processo ficou bloqueado bert, seu concorrente em Maure de
no "parquet", onde muitos, empur Bretagne. Meses mais tarde vendia
rados pela covardia, tinham se veji os sacos de farinha roubados, ain^
dido aos terroristas. 0 processo da marcados com o nome de "Col-
instruído ia seguir seu curso no£ bert",aos agricultures da região.
mal no tribunal, afinal. Era obri. Nos anos 50, apertado pela
gaçSo da justiça perseguir os ver^ polícia judicial, reconheceu ter
dadeiros culpados dos crimes, os posto fogo no moinho. Isso depois
chefes da falsa resistência da re_ de ser apresentada a queixa pelos
gião. irmãosColber, que na época do in
0 famoso dono de moinho, em cêndio, eram menores, e nada po
Pipriac, e a famosa família de ba_ diam fazer perante a lei.
r3es falsos de Campei,e outros de
Maure de Bretagne, antigos colab£ 0 dono do moinho de Piriac

radores dos anos de 1940 e 1941,e. reconhecia ter posto fogo em nome

66
da Resistência, que ele declarava com atividades iniciadas em 1941,
representar. era o preferido por todos os plajn
Nunca teve problemas por cau_ tadores da região para fazer to
sa disso. 0 governo francês, po do o serviço, que antes era reaH
rém, teve que pagar uma pesada iri zado pelos falsos "barons".
denização, que permitia a eles re Para eles, perder isso era _i
construir um dos mais belos moi nadmissível. Monsieur Testerel e
nhos da região. Os Colber conse sua família pagaram com as vidas!
guiram o que exigiam, mas não fo Outro que fazia parte da tur
ram os culpados que pagaram, mas ma de assassinos, morava no vila
sim os contribuintes franceses, e rejo de Brangalo, também em Mau-
que de nada tinham culpa,exceto a re de Bretagne. Era mais conheci
covardia de aceitar esses crimes, do como "mal-penteado", embora se
calados, sem protesto. chamase Louis. Ele participou di
Os falsos "barons de Campei" retamente dos crimes.
têm a sua história também,que pojs Trabalhando em uma estação
sivelmente, nem eles mesmo conhe de trens em Paris, tinha, em 1940
cem. 0 avô bastardo de alguns no abandonado o serviço, refugiando-
bres, abandonado quando era criari^ se no vilarejo de Brangalo, de on
ça por sua mãe, que não queria de_ de era nativo. Transformou-se no
notar sua desonra, fora recolhido maior traficante do mercado negro
por uma família de Campei.Esta fa da região.
mllia, e ele próprio, mais tarde, Era sua profissão roubar aos
viriam a receber, da família ver pobres para alimentar os ricos, e
dadeira da criança, ajuda materi aos soldados alemães.Ao mesmo tern
al, o que lhes permitiu, e ã seus po, é claro, enchia seus bolsos.
descendentes, dominarem a pequena Estes eram os justiceiros, a_
cidade de Campei. pavorando a população, matando,
Esta é a razSo pela qual fo roubando, massacrando.
ram batizados pela população com Agora, todos eles levam,à 1§_
o nome de "barons".Serviram-se da pela do casaco, as condecorações,
falsa nobreza para fazer mal não que ganharam por "bravura".
só a nós, mas praticamente a to No enterro da família de Pe-
dos os moradores do lugar. tit Chateau, nenhum cidadão fran
Meu pai conhecia toda a his cês, fora os carregadores, teve a
tória, que a ele foi narrada pelo coragem de acompanhar os corpos
meu avô. até o cemitério.
Os falsos "barons" tinham j5 Os excrementos da sociedade
dio de Amand Testerel, que foi as_ fizeram saber que aqueles que fi
sassinado com sua família na sua zessem o cortejo seriam pessoas à
fazenda. Monsieur Testerel,emprei^ beira da morte, condenadas.
teiro de beneficiamento de grãos, E todos foram covardes.

67
Eu mesmo o fui... processo, eu precisava da autori
Era o terror! Mas isso expll zação do próprio indivíduo.
ca tudo?... Mas, onde ele se encontrava,

Quanto ao tal de Planchard,£ naquele momento? Talvez tivesse a,


le foi metido na cadeia sem julgsi té formado uma família, e segura^
mento,até 1951.Certo;-dia desapare_ se no colo pequenas crianças, i«
ceu, de repente. Impossível encori guais as que ele tinha massacrado
trá-lo nas prisões da redondeza. alguns anos atrás.
Depois de muita procura,nossos a^j Um amigo padre dizia-me ter

vogados o reencontraram num asilo conhecido casos parecidos, quando

de loucos, em Strasbourg, a oito- era capelão nas prisões e campos

centos quiômetros da Bretagne, do de concentração franceses, nos a-

lugar de seus crimes. Lugar para nos depois da guerra, ao sudoeste

onde as autoridades Gaullistas ti_ da França.

nham-no enviado, pois não podia - "Os crimes dessa gente são

ser posto .em: liberdade.-com todos muitos,e bem maiores do que pode

os seus crimes nas costas. Assim mos imaginar." - disse-me.

foi feito com a intenção clara de Não é só na Rússia que usa-


perdermos seu rastro, bloqueando, se os asilos de loucos para se c£
então, todo o processo. locar os que incomodam os podero

Nos anos 70, em uma das mi sos. Quem sabe, não foi a França

nhas viagens à França, fiz alguns que mostrou o caminho?

contatos para encontrá-lo e saber Apoiado pelo ministro da In


das autoridades porque tinham-no justiça, que na época era o se
mandado para o asilo, declarando-* nhor Teitgem, o general Bailard
o louco. foi renegado pelo próprio filho,
Porém, nessa ocasião, o pe comandante do exército francês, a
queno juiz Cljscus, de Redon, .não custa da revolta por todas as su
estava mais na Bretagne.Sob .o sol jeiras que o general havia cometi
dos trópicos, deveria estar dige do, na região de Redon. Por sinal
rindo a recompensa de sua covar era mais conhecido como chefe de
dia. bandidos do que-por general.

Planchard, já não- era mais A França transformou-se num

louco! país sem lei no início do GaullijS


Quando chegou em Strasbourg, mo, quando os assassinos eram pa

primeiro foi internado no Centro trões absolutos.


Especializado "Stephanfeld", em Eles tinham as metralhadoras

Brumath, em janeiro de 1951.No fi nas mãos, e não era permitido coti


nal do ano, foi mandado para o es^ trariá-los, colocando em dúvida o
pecializado Centro Hospitalar de seu falso patriotismo, publicando
Hoerd, também perto de Strasbourg. o seu verdadeiro banditismo.
Para ter acesso completo ao Numa tentativa de convencer,

68
inclusive a si próprios, repetiam us, também foram deportados para
incessantemente suas falsas verd£ a Alemanha.
des. Tiveram a sorte de poder vo_l
De qualquer maneira, apesar tar para casa, antes do fim da II
de todos os exageros que vocês fi guerra.

zeram e ainda nos fazem ouvir,n3o Foram deportados, por terem


tinham o direito de se vingar,ma£ guardado armas de caça, e também,
sacrando e torturando centenas de por estarem caçando, o que era e£
milhares de inocentes, melhores e pressamente proibido.Faziam-no em
mais verdadeiros franceses que vo terrenos sem cultivo,em Ropenard,
cês! onde lebres, perdizes e coelhos e_
Muitos destes franceses, sem ram numerosos.

ser resistentes, foram mandados a Tais terrenos ficavam perto


campos de concentração nazistas,e de Campei e a alguns quilômetros
acabaram, assim, sendo vítimas do do campo militar de Coetquidam,ori
medo e da covardia dos resisten de as tropas alemãs eram numero
tes. sas. E foram os tiros, que se ou
Naturalmente, depois de 1944 viam a todo lado, que denunciaram
vocês enrolaram-se junto aos seus os rapazes. A imprudência deles
condecorados, abraçando-se. Preci^ foi imperdoável.
savam do maior número possível de A caça era toda vendida aos
pessoas para representar sus si vários restaurantes do campo mili
nistra comédia. tar de Coetquidam. Os únicos fre
Eu tinha um amigo,como famí gueses eram os soldados e ofici
lia: Noel Margat, nascido em Mas- ais alemães.
cent, a seis quilômetros de Cam Resistentes Gaullistas? Im
pei. Com a idade de vinte anos f§_ portavam-se tanto com isso quanto
leceu num campo de concentração,à com a sua primeira cueca!
Alemanha. Como tantos outros, ví No município de Guichen,a d£
tima de uma guerra desumana. ze quilômetros de Campei, alguns
Pobre Noel! resistentes esconderam-se no mato.
0 povo não tem culpa de ime£ Eram bem Gaullistas. A coragem de_
gir em busca de falsas sereias, a les mostrou-se quando atiraram em
maldição do mundo. um comboio alemão que passava pe
Seu pai me afirmou que resis la estrada.
tente ele não era. Disso,eu já s£ Depois desta "prova de hero
bia. ísmo", fugiram como coelhos.
Foi praticamente entregue,pe 0 comboio parou um pouco na
resistência, aos nazistas, o que frente, perto de um vilarejo, on
permitiu a ela se salvar. de os soldados cercaram e prende
A alguns quilômetros de cam ram vinte homens, levando-os para
pei, dois rapazes, conhecidos me os campos de prisioneiros.

69
Depois da guerra, dois volta mente nunca terem combatido,someri
ram. Dezoito, ficaram lá... te massacrado seus próprios patrí
Chamar os homens que causa cios.
ram isso de "resistentes" é malal Vocês apenas reservaram-se,

zer as vítimas da covardia de ir esperando a feira do "pe,gue-sem-

responsáveis. Não se sabe como.ori pagar", dos anos de 1944 e seguin_


de e quando esses'dezoito foram tes. Podem-se glorificar disso. E
mortos. Pelas balas alemãs, tal ninguém irá contradizê-los.
vez; ou, quem sabe, sob as bombas Apesar de tudo que passaram,

norte-americanas. Pode ter ainda os combatentes da I guerra volta

acontecido por armas russas, in ram para casa após a vitória sem
glesas, ou mesmo francesas. roubar, pilhar, e sem assassinar
Muitas vezes, antes de mor os próprios irmãos, como vocês fl
rer, devem ter amaldiçoado aos re_ zeram.

sistentes de De Gaulle, e a ele Nas suas pobres mentes de re_


próprio, por tê-los mandado de ejn sistentes falsos, completamente a
contro à morte. normais, loucas, depois de alguns
Mas incluí-los aos seus e ce_ anos de propaganda falsa, mentiro_
der a eles o triste título de "re_ sa, havia o julgamento de que me

sistentes, como o fizeram, é ende_ tade de seus compatriotas estavam


reçar aos mortos a pior ofensa sl[ falidos, sendo que, então, vocês,
portável! invariavelmente, tomavam-lhes to
A maior parte das vítimas de dos os direitos.
campos de concentração fazem par-r Vocês não tinham as qualida.
te de incautos, e não de resister^ des necessárias para julgá-los:os
tes Gaullistas, que formavam uma seus atos, suas ações, suas cons
minoria de prisioneiros. ciências, estavam sujas demais p^
Ninguém nega que eles tive ra isso.
ram suas vítimas. Tinham as metralhadoras, co£
Mas isso não lhes dava o di sequentemente a força, e para vo

reito de cometerem crimes e todos cês, isso bastava. Esqueceram so

os horrores que realizaram. mente que força não é direito. E


Fizeram a França retroceder com ela vocês faziam as leis, po
mil anos no tempo, caindo na épo diam julgar. Mas não podiam, como
ca dos bárbaros. fizeram, matar...
Os antigos combatentes, guej_
reiros de 1914-18, sofreram milha
res de vezes mais que vocês, tive_
ram muito mais mortos, durante os Continuo a falar sobre '.cri
quatro anos de guerra, e voltaram mes cometidos, em toda a França.
para casa como vencedores, o que Morbihan: três membros de
vocês nunca fizeram, por pratica uma família são mortos por falsos

70
resistentes, obedecendo ordens de Com os olhos vendados, mada
seus chefes. Mais tarde quase in£ me Le Pasteque foi abatida com. um
centados no tribunal.É somente um tiro na têmpora, tendo morte ins
caso à parte, julgado e condenado. tantânea. Já madame Clementine te
Os assassinos pegaram uma pe_ ve uma morte não tão rápida, aca
na leve, e ainda foram agraciados bando por implorar para acabarem
pelo armistício, que beneficiou a com ela. Um dos assassinos estran_
criminosos. gulou-a com a ajuda de uma corda.
Que solidariedade! Isso aconteceu em 4 de agos
Monsieur, madame, e sua úni to de 1944, na cidade de Vannes e
ca filha, mademoiselle Balkery,fo no departamento de Morbihan.
ram as vítimas. Apesar de ter si Monsieur Le Daualar,antes da
do metralhada com o resto da farrú libertação, teve um acidente, com
lia, madame Balkery não teve uma seu carro, no qual morreu uma pes_
morte imediata. Então, após terem soa.

pilhado a casa, mataram-na a fac§_ Um amigo desta pessoa foi te


das. cendo um ódio sem limite contra o
Uma amiga da família, que se monsieur Daualar, que ele acusava
encontrava na residência, foi ra£ de ser o responsável pelo aciden
tada e estuprada pelos assassinos te. Ameaçou-o diversas vezes.
da resistência. Chegando a libertação,com to
0 assassinato de duas mulhe do seu cortejo de sujeira,um ami
res, em Breck, foi tão horrível go dessa pessoa denunciou Oaualar
quanto o que aconteceu em Mon- como colaborador.
terfil, do qual falarei mais tar Preso, Le Daualar passou uma
de. Agora digo apenas que a dife noite atado a uma árvore.Na manhã
rença entre um e outro foi que es seguinte, depois de o terem obri^
tas duas mulheres não foram tortu gado a cavar seu próprio túmulo,
radas. foi abatido com um tiro no ouvido.
As executadas foram Clementi Mais tarde os matadores acu
na Busque de Saint Pierre de Qui- saram o denunciante como responsá^
beron e Le Pasteque De .Kerastin, vel. Como se eles fossem obriga
duas madames, sendo que a última dos a massacrar um honesto traba
estava grávida de quatro meses. Is lhador po uma simples denúncia de
to faz com que os assassinados s£ um indivíduo qualquer.Para depois
jam três. Nem nas sociedades mais jogar a culpa de uns sobre outros.
primitivas do mundo executa-se_mu Em síntese: um homem honesto foi
lheres esperando filhos, por res morto sem razão, por nada.
peito ao pequeno inocente que tra No sudoeste da França,um tal
zem em seus ventres. de Francis Berole,chamado "o cor
Para os patriotas Gaullistas tador de cabeças",orgulhava-se de
isto era sem importância. ter, junto com seus asseclas,mata

71
do mais de cento e dez pessoas! tos outros, "redimir" seu passado
E sua estimativa era mddes<- incômodo...

ta! Foram mais de duzentas as ví


timas que eles fizeram!
VOIRON
A polícia tinha medo dele, e
[Departamento do Isere.]
na prefeitura,tratavam-no como um

mestre.
Monsieur Jourdan, professor
0 assassinato do senhor Ber-
no Liceu da cidade, era Petainis-
nabe, em Tarbe, não foi menos vi£
ta. Dois de seus colegas, Meunier
lento.
e Durand, eram Gaullistas.
Um resistente tinha ódio dg_
Mostrando sua coragem, con
le e prometeu fazer um "acerto de
seguiram convencer quatro alunos
contas". Um dia, cercado no canto
do colégio; Gonin, Girard,Collona
de um bar, conseguiu escapar. Fo
e Touche a matar toda a família
ram correndo atrás dele,gritando:
Jourdan. Depois de os ter armado,
- "Parem-no! É um milicia
os jovens se apresentaram à porta
no!"
do professor; fazendo-se reconhe
Preso, foi conduzido; ao co
cer; eram nove horas da noite.Sem
missário. Depois de ter sido in
desconfiança,Jourdan abriu a por
terrogado, nada tendo sido desco
ta, os jovens entraram e a seguir
berto contra ele, foi liberto. Pa_
começou a matança.
ra sua infelicidade,os bandidos o
0 professor, sua mulher,sua
esperavam na rua.
cunhada, e dois amigos presentes,
Depois de baterem muito nele,
são mortos. Um dos assassinos,
perfuraram-no com várias balas,na
Gonin,sobe ao primeiro andar onde
frente do comissário de polícia e
encontra a vovó de 82 anos e o
jogaram o corpo no canal.Isso,no
bebê de dois anos, que dormia em
centro da cidade! As autoridades
seu berço.Mata ambos com balas na
fecharam os olhos, pois todos ti
cabeça.
nham medo dos bandidos.
Um mês mais tarde; os gen-
Em Marseille.
darmes (policiais) de uma cidade
No dia 23 de agosto de 1944,
vizinha, descobriram um rapaz er
onze cadáveres foram retirados de
rando pela montanha, bàlbuciando
águas do Jarret, um pequeno rio,
palavras sem nexo. Era Gonin; seu
que passa no centro da cidade.
crime monstruoso tinha feito dele
Um dos assassinos foi preso.
um louco. Precisou ser internado
Tratava-se de um espanhol,chamado
num asilo de alienados.
Ramón Ramirez.Como falso resisteri
te, tinha se intitulado juiz fraji
cês!
Trabalhara para as tropas in^
vasoras alemãs e queria,como tan

72
MASSACRE DA blicados pela revista "Histórias
FLORESTA DE TRONÇAIS. Hors Série"

Mas, agora, volto à região


No departamento de Allier,
de Redon.
um tren foi obrigado a parar no
meio da floresta de Tronçais. Fins de 1944 ou começo do a-
Este tren, estava ocupado no de 1945, bastante tempo depois
unicamente por mulheres e crian da libertação,
ças de milicianos, que fugiam da 0 doutor Ricorde.1, prefeito
morte que a rádio gaullista de de Redon, juntamente com sua mu
Londres prometia a eles todos os lher, foi abatido no centro da ei
dias. dade, em pleno dia.
"-Matem todos eles!!!" Os assassinos, bem conheci
"-Matem sem piedade!!!" dos de todos, nunca foram incomo
Centenas de mulheres e cri dados, pois o pequeno juiz Cuscus
anças de um a quinze anos lotavam estava presente como protetor.
este tren e nenhuma única vítima 0 crime que o doutor Ricofr-
devia escapar. del cometera, para ser morto pela
Este horror foi cometido pe resistência: seria reeleito pre
Io F.T.P. feito de Redon, contra a vontade
Jacques Chevalier, ex-minis dos falsos resistentes, nas elei^
tro, testemunha involuntária des ç3es que se aproximavam. 0 doutor
te massacre, num livro, descreveu Ricordel era conhecido como ami
bem o que foi aquela carnificina. go dos pequenos e pobres.
E em toda a França eram sem
VICHY pre as mesmas tragédias.
Em Saint-Anne sur Villaine,a
0 miliciano Johannes Toma- alguns quilômetros de Redon, uma
si,depois de ter suportado as tor_ senhora foi arrancada de sua cama
turas mais atrozes no interior do em plena noite.
Grande Hotel Internacional de Vi- Como os vampiros da Guiana,a
chy.teve seus dois olhos arranca falsa resistência "trabalhava" s£
dos, seus testículos cortados, e mente à noite...

também seu penis. Puxada pelos cabelos por ma

Depois foi pendurado pelos is de uma centena de metros, aca

pés na balaustrada do segundo an bou por ser jogada viva no rio Vi_
dar, num balanço lento e agonizar^ laine.
te.Durante 42 horas seus lamentos A mãe da coitada, tendo rec£
de angústia se ouviram,até a mor nhecido dois dos assassinos, de
te silenciá-los.;, nunciou-os, e um ano depois disso
[estes crimes foram, em parte, pu_ foi condenada, pelo tribunal fran

73
cês de Redon,a quinze anos de tra e preferem se calar sobre o que

balhos forçados. sabem.

Próximo a Pont-Réan, a meio Agora falarei sobre Monter-

caminho entre Rennes e Campei, o fil, Ifendic, Saint Peran e Mon-


casal Henle foi abatido, também à fort sur Meu. Atrocidades incrí
noite. Tudo foi roubado, e a casa veis tiveram lugar ao longo de es_
ficou inteiramente vazia. tradas e praças destas cidades.
Os lugares mudam,mas os mét£ Monterfil, situada a quinze
dos e os resultados são os mesmos quilômetros ao norte de Campei e
e os falsos resistentes continuam trinta a oeste de Renries,foi o Io
a encher os seus bolsos. cal principal da prática de horr£
Em Lieuron,perto de Maure de res. Eles não tinham fim.
Bretagne,dois velhos agricultores Não é possível que a padroei
foram mortos na estrada,quando p§_ ra de Bretagne, Santa Anna, tivejs
ra a fazenda levavam uma carga de se cogitado ver, um dia,tanto hor_
feno. ror, na sua própria província.
Um homem, conduzindo seu ca A maior parte dos crimes co
valo, foi assassinado com uma ra metidos ocorreram nos porões e nra
jada de metralhadora. Sua mulher tas ao redor do castelo de Montejr
deitada sobre a carga,levantoa-se fil, conhecido hoje na região co
apavorada. Uma segunda rajada der_ mo o "castelo maldito". Naquela é_
rubou-a de uma altura de uns três poça,o castelo era do prefeito da
metros, na estrada. cidade.
Aqui no Brasil, um dos fal "Neste castelo,em 1944,o ter_
sos resistentes vangloriava-se de ror estava à solta" - denunciava
ter cortado em dois, em serra cir um pequeno jornal de Rennes, al
cular, alguns infelizes que tive guns anos mais tarde. O semanário
ram a má sorte de cair nas suas chamava-se "L1Oeste-Jornal" e não
mãos. Fizeram-no companhia alguns circulou durante todos os quatro
colegas de sua laia. anos da ocupação, ao contrário de
Enchiam as pessoas de vinho muitos outros, que durante o mes
tinto, e quando a serra chegava a_ mo período,imprimiam em suas pág_i
té o estômago das vítimas, o san nas todos os crimes cometidos pe
gue e o vinho misturados jorravam la resistência. Depois, estes vi
para todos os lados, formando um raram a casaca, abstendo-se de py_
espetáculo formidável. Sua assis blicar qualquer matéria que denuri
tência se divertia assistindo. ciasse os criminosos Gaullistas.
Eu não citarei seu nome por Também nos anos seguintes, o
respeito à família que ele ainda Jornal Oeste foi estrangulado pe

tem aqui. lo poder Qaullista, que não que


Muitos franceses tem vergo ria perdoar seu diretor-proprietá
nha desses tristes acontecimentos rio, Charles Fredouet. Ele tinha
uma posição forte em relação aos 0 "L'Oeste Journal" escreveu,
acontecimentos daquela época tur como já dito antes, sobre o caste^
bulenta. Io de monterfil, no qual "os ofi
0 Jornal Oeste procurava man^ ciais nazistas eram recebidos, à
ter-se neutro, negando ajoelhar- base de banquetes, no princípio
se frente aos novos carrascos da da ocupação".
França. A principal testemunha foi o
Quando voltou a circular,pas_ próprio castelo, que silenciosa
sou a comentar os crimes realiza mente fechou, entre suas paredes,
dos pelos dois lados, o que, para todas as tragédias que nele ocor
as autoridades Gaullistas,não era reram. Mudas paredes, mudo teste
admissível. munho. ..
Um outro jornal de Rennes, o Eu não quero criticar o que
"La Province", que também não fô essa gente fez nos quatro anos de
ra editado durante a ocupação, co, ocupação, mas o que fizeram de
meçou a circular no mês de julho pois . Isso sim, é imperdoável.
de 1944, mas acabou sendo fechado Antes de entrar nos detalhes
no fim do mesmo ano,pelo poder po dos crimes, eu quero narrar o que
litico Gaullista. Ele também não aconteceu a um semanário, o "Pari^
se ajoelhou perante os novos Gaul siense", um fato ao qual testemu
leiters (oficiais alemães com to nhei.
do o poder sobre uma região), que Este jornal ainda é publica
faziam da França sua propriedade, do, sob o nome de "Special Derni£
impondo sua vontade a fogo e san re".
gue. 0 fato se passou em 1971, vir^
0 "province" não se prestava te e sete anos depois dos eventos
para o papel de bajulador. sangrentos de 1944, demonstrando,
Como se vê, não importava sja claramente, que o poder dessa má-
ber o que os franceses tinham fej^ fia ainda não acabou.
to. Com isso os Gaullistas nSo se Este jornal quis, depois de
importavam. 0 que interessava era passados tantos anos, publicar a_l
apenas saber se os franceses estja guns crimes e acontecimentos inf£
vam dispostos a servi-los, sem re_ lizes que a França conheceu durari
clamar de nada e de olhos fecha te o triste periodo da ocupação e
dos. principalmente depois, alertando
seus leitores sobre verdades es
Propuseram-me a filiação ao condidas.
ff.R.P., o partido de Teitgem, mi Algumas semanas antes de co
nistro da injustiça, e de Bidault, meçar com as reportagens, o jor
o presidente do Comitê Nacional nal pedia para seus leitores man
de Resistência. Mas eu não estava darem documentos e informações,aij
desmoralizado o suficiente a pon xiliando a campanha.
to de sujar-me com essa gente. Na primeira semana, o jornal

75
publicou matérias sobre crimes da 0 senhor do jornal olhou-me,
falsa resistência de Marselha, i- de frente, demorou a responder e
lustrando com a foto de três infe finalmente confirmou!
lizes que foram enforcados à moda - "Se não pararmos a publica_
do faroeste americano. ção desses crimes em nosso jornal
Na semana seguinte, o mesmo perderemos o direito de fazer no_s
jornal desmentiu o que havia pu sa impressão no "Fígaro". Temos
blicado, apesar das fotografias, contra nós uma máfia poderosa".
que provavam a existência de cri 0 "Special Derniere" era im
mes. presso pelo "Fígaro", cujo dono,o
A explicação dada aos leito senhor Provost, já idoso, não ti
res foi a de que "haviam se enga nha mais tanta influência.Ele tam
nado". Quem acreditaria num des bém teve problemas em 1944, e foi
mentido absurdo desses? Georges Bidault, presidente do Co
A verdade é que, entre uma mitê Nacional de Resistência que
semana e outra, a máfia fez o dia o salvou. Isto é, salvou o jornal
bo para impedir que a verdade ch£ "Fígaro", que não foi roubado, c£
gasse aos olhos e ouvidos dos lei_ mo outros jornais franceses. Nos
tores. sos resistentes precisavam de re-
Eu me encontrava em Paris na ccmpensa, e serviam-se à vontade!
época em que isso aconteceu.Minha 0 senhor Provost devia estar
senhora estava comigo quando fo devendo um grande reconhecimento
mos ao "Fígaro", onde era impres por essa gente. Isto explica o s^
so o "Special Derniere". lêncio a que foi obrigado o "Spe
Eu tinha preparado dados, d£ cial Derniere".
cumentos sobre os crimes da re- Apesar da parada da publi
giSo de Redon. Eu queria entregar cação a respeito dos crimes, este
tal documentação a eles para que senhor me pediu para ficar com os
fosse publicada, evitando que fi_ documentos que eu havia prepara
casse perdida no tempo. do.
0 diretor, senhor "Desmarèt, Depois, perguntou-me qual ha_
estava ausente. Fui recebido pelo via sido o campo de concentração
responsável, que depois de ter me francês em que eu estivera preso,
ouvido,disse-me que essas reporta depois da guerra.
gens não seriam mais publicadas. Respondi-lhe:
Alguma coisa me cheirou mal nesta - "Nem preso, nem trancafia
atitude. Coloquei minhas dúvidas do em nenhum lugar. Esses "super-
e pedi a ele a real razão de tal patriotas" contentaram-se com a
mudança. tentativa de me assassinar entre
- "Vocês foram obrigados a as sombras da noite".
parar as publicaçSes desses cri Ele abriu os olhos,arregalari
mes?" - perguntei. do-os,quase não acreditando.

76
Não tendo mais nada a fazer sexo fraco. Nos dias de hoje, se
no "Flgaro",em companhia de minha riam feitos em pedaços por senho
mulher dirigí-me para Notre Dame. ras conscientes dos direitos da
Queria visitá-la antes de voltar mulher.
ao Brasil, para lhe agradecer pe Minhas senhoras,há tempo airj
la proteção que sempre me foi cori da! Suas infelizes irmãs inocen
cedida. tes foram ultrajadas demais, mar
Alguns meses mais tarde, vim tirizadas. Os falsos machões não
a saber, por um membro da família merecem nenhuma piedade de vocês.
Provost que já tinha encontrado Uma das vítimas de Baulon fi^
em Paris, e que já estivera em nã cou impossibilitada de trabalhar,
nha casa, em Goiânia,que o senhor até 1951, em conseqüência das tor_
Provost era aparentado da família turas recebidas.
Mesmes. Um dos membros desta famí_ Foram mais sete anos de mar
lia, na época da ocupação,era pri_ tírio.
meiro ministro e Gaullista fervo Três mulheres foram enforca
roso. Está explicada a razão pe das atrás do castelo,depois de s£
la qual o "Fígaro" não foi rouba frerem um monstruoso calvário.
do a exemplo de outros jornais da Uma destas mulheres,do norte

França. da França, tinha fugido das tro


Mas o certo é que o senhor pas alemãs, abandonando sua casa,

Mesmer sentia-se como todos os se_ tudo que ela possuía.No início da
us colegas da mesma laia, incomo fuga, estava com sua família,, que
dado pelas revelações que o jor aos poucos ela foi perdendo pelas

nal iria fazer. Aproveitando a fa estradas entupidas de milhOes de


mília, e os favores que eles ti fugitivos, que como ela, fugiam a
nham feito para o "Fígaro", cons^ um invasor e misturavam-se com as

guiu fechar a boca do "Speciàl tropas franco-inglesas, derrota

Derniere". das. Fugiam de charrete, bicicle

Tudo isso explica as ameaças ta, ou a pé, por oitocentos quilo


e pressões que foram feitas con metros, dormindo em fazendas que
tra o pequeno jornal,a parada das encontravam à beira do caminho ou
publicações dos crimes e o desmejn em galpões, ou mesmo barrancos ao
tido do.que já fora publicado, in lado das estradas, até chegar na
clulndo as provas. Bretagne.

Mas, voltemos a Monterfil. Sem'dinheiro algum, sem sa

Neste castelo umas vinte mu ber nada de sua família perdida;a

lheres foram martirizadas ignóbH esmo, nas estradas do êxodo, n3o

mente, ao extremo, durante quase podendo voltar para casa, na zona

um mês. interditada ao norte da França...

Os criminosos deviam ser an- Tudo isso, toda essa odissé


ti-feministas, pois só atacaram o ia miserável ao longo dos càmi-

77
nhos franceses, para, depois, ser A senhora Guihard, por mais
massacrada por seus próprios com de vinte dias sofreu maus tratos,
patriotas, que declaravam agir em apanhando diariamente, quase sem
nome da pátria. Pátria que também parar.

era dela... Seu corpo e os membros esta


Seus torturadores jamais ha vam entumecidos pelos golpes rece_
viam conhecido uma semelhante fu bidos. Antes do último sacrifício
ga desesperada, da frente do ini seus carrascos cortaram-lhe o de
migo, em direção à esperança e,de do, para retirar sua aliança, que
pois, à morte. enviaram mais tarde ao marido, co
Narrando todas estas sujei mo "presente". Cortaram-lhe o de
ras, eu me pergunto: do, porque este estava inchado de
Pátria, patriotas, patriotis_ mais para retirar a aliança.
mo. Isto existe? Essas três mulheres tinham _i^
Eu já acreditei nisto firme do trabalhar num campo alemão,pe£
mente. Agora, já não sei se acre to dali.
dito. E a única queixa que pode le_
Suas companheiras de infortjj vantar-se contra elas. 0 que hão
nio: mãe e filha Guihard, cujo fi é nada, comparado com o que fize
lho e irmão foram mortos no iní ram os colaboradores e os trafi
cio da guerra defendendo a pátria cantes Gaullistas.
que, em agradecimento, massacrava Não tinham feito pior que o
sua família, como se faz com ani Castelão, seu principal carrasco,
mais selvagens. que tantos banquetes ofereceu aos
Para os seus torturadores irn oficiais nazistas.
portava pouco que seu filho e seu Diversos inquéritos, rigoro
irmão tivessem dado as suas vidas sos, da Gendarmerie e da polícia
para a França, que os selvagens e judicial, não puderam denegri-las
sinistros Gaullistas diziam repre_ ou incriminá-las.
sentar. Apesar de tudo, esses crimi
Eles sim, representando Char_ nosos, os resistentes, fizeram o
les De Gaulle, o "grande", tinham possível e o impossível para en
todos os direitos! contrar algumas coisas graves cori
Nunca, a eles foram pedidas tra elas. Não me refiro a polícia,
as "contas". Ficavam acima da lei que agiu corretamente.
mas abaixo da consciência, perdi Malgrado os esforços, os fa^L
da. sos resistentes nada puderam en
Conseqüência da manipulação contrar que pudesse depor contra
das rádios Gaullistas, que desti^ elas. Teria sido uma boa desculpa.,
lavam o ódio contra os seus patrí^ um álibi para seus crimes.
cios que negavam-se a seguir suas Contudo, depois da entrada
loucuras. das tropas americanas em Bretagne,

78
elas foram presas, levadas ao ca£ A um assassino se dá um copo
telo de Monterfil, aos porSes. 0 de Rum. Para essas três coitadas,
seu martírio começava, junto com uma gota d'água foi negada.
outras quinze mulheres. A identidade da terceira mu
Comandando as atrocidades,es_ lher nunca ficou bem definida. A-
tava o filho do Castelão. credita-se ser Suzane Belsau, re
Mais tarde, o senhor Guihard, fugiada do norte da França.
marido e pai de duas delas, decla A prefeitura de Monterfil,eu
rava: jo prefeito era o Castelão, fez de_
- "Faz quatro anos que dei a saparecer os papéis de identidade
queixa no tribunal.Ainda estou es_ da mulher e denegriu sua imagem à
perando o resultado". família, que depois disso não ma
E prosseguia: is procurou saber de seu destino.
- "Sempre tenho, diante dos As infelizes eram levadas e
meus olhos, o horrível espetáculo trazidas dos porões do castelo à
de minha pobre mulher e minha que_ pequena praça, onde, amarradas co
rida filha, atadas como gado, na mo animais nas barras que ficavam
pequena praça de Monterfil. Eu as em frente do Café Beda, sofriam
procurei durante dois dias,nas re_ sem parar os insultos è socos dos
dondezas, em todos os lugares on seus carrascos.

de pudessem estar. As pessoas que Um pouco antes da noite, os


eu interrogava não me respondiam, torturadores, sempre bebendo, le
estavam amedrontadas. Por fim, en_ vavam-nas de volta, para serem de
contrei-as na pracinha, terrivel novo surradas.
mente desfiguradas pelos golpes Nos porões, as infelizes mu
recebidos. Cabeças baixas, d ros lheres sofreram três a quatro se
to coberto de sangue, não se pare_ manas, até o dia escolhido para o
cendo mais com seres humanos. Mi último sacrifício, que seria, pa
nha mulher e minha filha estavam ra elas, a libertação.
com os olhos semi-fechados. Não e_ Um holocausto oferecido a De_
ra possível reconhecer o rosto de us, executado por mãos encharca
nenhuma das duas. Eu tentei apro das em sangue.
ximar-me para poder abraçá-las.Os A populaçSo, covarde, viu o
seus algozes não me deixaram,amea desfile lamentável dessas criatu
çando-me com suas metralhadoras. ras. Guiadas por uma matilha de
Um pouco mais tarde, consegui be_i lobos sedentos de sangue e de so
já-las. Minha mulher pediu-me um frimento, formavam um cortejo ma
copo d'água. Fui ao café, peguei cabro, no qual as metralhadoras e
uma garrafa de cidra e um copo, e as braçadeiras tricolores davam à
quando delas me aproximei, fui em_ sinistra encenação um ar de festa
purrado violentamente, sem poder nacional.
estancar a sede das infelizes". 0 lugar do suplício foi num

79
mato, atrás do castelo. Lá, onde Pobres inocentes.
os oficiais alemães eram recebi Parte deste episódio foi pu
dos como convidados, no princípio blicado pelo "L'Oeste Journal" de
da ocupação. 20 de novembro de 1944.
As supliciadas caminhavam, tj Os cadáveres foram enterra
ma atrás da outra, recebendo ain dos no própio local do assassina
da golpes e insultos -das bestas to, a beirade um barranco. Não ti
humanas que as rodeavam. nham direito ao cemitério da pe
Já estavam mortas, mental e quena cidade, nem mesmo ao padre,
moralmente, antes mesmo de reali que elas haviam pedido nos seus
zar-se o derradeiro ato de morte últimos momentos de vida.-"Vão ao
física. diabo!"-foi a resposta dada.Deus,
Por terem passado por tantas porém, entendeu os seus apelos e,
atrocidades,não se importavam com sem dúvida,acolheu-as sem pedir a
mais nada; aceitavam tudo, pedin opinião humana, principalmente
do uma só coisa: que o pesadelo desses homens,que um dia poderiam
acabasse, pois o cálice tinto de muito bem encontrar-se, se já não
sangue fora bebido até o fim. o fizeram, com o diabo.
Antes do enforcamento,ura tal A família Guihard era de pe
de Ranièr fora requisitado, para quenos operários agrícolas, e bem
cavar a fossa, na presença delas. pobre.
Estando tudo pronto, passaram pa 0 senhor Guihard solicitou à
ra a execução. A corda foi passa prefeitura de Rennes a translação
da no pescoço dos pobres farrapos dos corpos para o cemitério. Para
humanos. 0 fim, para eles, tinha obtê-la, foi preciso esperar qua^
chegado. Foram pendurados num mes_ se dez anos.
mo galho de pinheiro,três corpos, Não que as autoridades negas^
que com o peso, quebrou-se. Nova sem atendê-lo. Fariam sim, mas de
ordem foi dada, para que a opera maneira que não causasse publici
ção fosse repetida. dade, e escondido.
Mas, as cordas, grossas de- 0 senhor Guihard, revoltado,
uais, r;ão apertavam o bastante.Ba e apoiado por amigos e pelo peque^
tendo os. pés, as pobres não morri no jornal de Rennes, exigiu que a
am. Foram, então, tiradas do ga translação fosse feita de modo o-
lho mais uma vez, e tiveram seus ficial e legal: na frente do tri
crânios esfacelados por golpes de bunal e do prefeito D'Ille e Vil-
coronhas dos fuzis. Estes golpes, laine, ou de seu representante.
foram repetidas.vezes dados, àté Situação difícil de aceitar
que o último suspiro fosse arran pelos que tinham cometido o crime
cado delas. (aqui recomendo a leitura do priji
0 suspiro da libertação... cípio do livro, já citado, "Res
0 fim do martírio! posta à Omerson").

80
Estes senhores "resistentes" noite, sem comida ou bebida. Mi
Gaullistas, tinham vergonha de se_ nhas feridas faziam-me sofrer e-
us atos criminosos e de seus cúm normemente. No dia de meu seqües
plices. tro, aproveitaram e roubaram tu
E, com vergonha ou sem, hão do o que eu tinha. No dia 19, foi
queriam que o povo se lembrasse a vez da senhora Daneil. Durante
dos tristes acontecimentos. horas bateram nela; a coitada gri
Quinze mulheres ainda esta tava de dor. Mas nós estávamos pja
vam presas nos porões do castelo ralisadas de medo. 0 céu,a terra,
com seus carrascos deleitando-se, poderiam cair em nossa cabeça: es.
graças à boa qualidade das bebi távamos impossibilitadas de fazer
das encontradas nas adegas. Esta qualquer movimento. Mais tarde,ao
vam sempre bêbados, pois sóbrios, vê-la voltar, catnbaleante, e co
não seriam capazes de cair tanto. berta de suor e de sangue, des
Mesmo selvagens não seriam capa maiei. Apresentei queixa. Porém,
zes de tanto. como todas as outras, sem resulta
Madame Croalte, uma delas,d£ do".
clarava, mais tarde: Adiante, dizia:
- "Eles ameaçavam-me constari - "Fiquei dezoito meses sem
temente com seus revólveres e me poder trabalhar, em conseqüência
tralhadoras, assustar-me era bem das torturas. Eu nunca poderei es_
menos perigoso que atacar tropas quecer o que essa gente nos fez.A
nazistas, e também mais lucrati noite, desperto sobressaltada, a
vo" . cabeça pesada, o corpo cansado, e
E continuava: tremendo, como se, de novo, injú
- "No dia 18 de julho; Emile rias físicas, morais estivessem a
Jouetel des Sables D'01ones inter. me atingir".
rogou-me na garagem, com seu revól_ Os assassinos estavam espa
ver nas minhas costas, ameaçando- lhados em qualquer lugar da Fran
me sem parar. De um lado estava o ça: fosse Monterfil, Tarbes, Re-
seu filho; do outro, um indivíduo don, Maure de Bretagne. E sempre,
que eu nSo conhecia. Cada um ti acima da lei.
nha um chicote nas mãos. Batiam- É preciso ter vivido esse p£
me e davam risadas, quando eu me ríodo triste para ter uma pequena
torcia, a cada um dos golpes. Pa idéia de toda a sujeira que acon
ra esconder o vexame de não terem teceu, em todos os cantos do país.
podido fazer com-que eu confess,as_ 0 caso de madame Cioatte ori
se algo que não fizera, não hesi ginou-se de pura vingança. Ela e
taram em cortar meus cabelos. Emi_ madame Poirot, outra prisioneira,
le, sempre me ameaçando com a sua negaram-se a abandonar um quarto
arma. Deixaram-me num cubículo,no que ocupavam, e pagavam regular

porão do castelo, um dia e uma mente, num hotel de Raimpon.

81
O ódio da proprietária, rnada, Outras delas, madame Daneil-
me Alexis, foi tão violento como le, por exemplo, recebia especial
a denúncia que fez contra as duas atenção nos fundos dos porSes, de
coitadas. onde só saía à noite para travar
Salice André foi presa, sem conhecimento com os chicotes e ou_
saber o porquê,alguns dias depois tros instrumentos de tortura, co
da chegada das tropas americanas, mo socos e pontapés do senhor Lou_
em Monfort sur Meu. is e de seus fiéis ajudantes.
Relata ela: Graças a uma briga entre os
- "Fui levada aos porões do assassinos, madame Danèille não
castelo sob ameaças. Lá já se en foi enforcada. Um deles começou a
contravam outras mulheres, e quan achar o comportamento do grupo um
do vi as pobres criaturas acredi abuso, fato que provocou uma bri
tei ter entrado no inferno.Louis, ga que marcou o fim de seus pesa
o filho do Castelão, com seus co delos.
legas, tiraram-me a roupa até os Levadas para o quartel Mar-
quadris. Todos já estavam bêbados querite, em Rennes, elas foram li_
e continuavam a beber. Louis amesi bertadas ao primeiro interrogató
çava-me com o chicote, como se eu rio, após terem sido bem tratadas.
fosse uma jumenta de suas cavala- Quanto aos responsáveis, nun_
riças, querendo me fazer confes ca foram incomodados por seus cri
sar que eu tinha denunciado al mes. A não ser o incômodo de ver
guém. Fiquei três dias presa, de seus nomes e horrores que pratica^
pois fui liberada, junto com meu ram revelados pelo jornal de Ren
irmão, que também tinha sido pre nes.

so sem saber o porquê. Nós não fo Se não fosse por ele, eu pej>
mos agredidos fisicamente, -mas a soalmente ignoraria muitos deta
tortura moral que nós dois agüen lhes sobre esses crimes, que acon_
tamos, nunca mais vamos esquecer". teceram a alguns quilômetros de
Madame Houe, prisioneira de Campei. Bem como milhares de ou
sessenta anos, passou mais de vin tros, escondidos sob a névoa que
te dias nos porSes desse castelo. encobriu a França nos anos de 40
Queriam obrigar a pobre- velha a e 50. E a névoa continua pairando
revelar o endereço de seu filho,o sobre o país.
que possivelmente, nem conhecia. Os outros jornais da região,
nunca tiveram a probidade de fa
As prisioneiras, como madame zer o seu dever: informar os lei
Houe, depois de serem obrigadas a tores de todos os crimes cometi
levantar as tampas dos esgotos no dos.
porão do castelo, eram ameaçadas A desinformação começou com
de serem lançadas dentro da sujei_ as ameaças dos criminosos, e con
ra, para apavorá-las ainda mais. tinua com a covardia dos meios de

82
informação. É preciso, no entan obrigado a ficar um mês a mais no
to, reconhecer que não dispunham, hospital.
é certo, de todas as liberdades Todavia, tudo terminou bem,
para isso. 0 "Special Derniere" apesar da perna ter feito com que
mostrou-nos isso. Porém outros p£ eu sofresse bastante. E,de vez em
derosos não tinham necessidade de quando,ainda o faz.
se curvar, como o fizeram. Minha colheita, que tinha si^
Certamente, era cômodo e lu do boa, foi feita por Petter, um
crativo, e a imprensa foi responsjá alemão que trabalhava na fazenda,
vel por ter feito passar culpados comigo.
por vítimas e bandidos por bons Na plantação, empreguei pou
franceses. co adubo, pois as terras eram mui
Em 1789, na Revolução F rance; to boas. Graças a isso, consegui
sa, alguns meses após ò final do ótimos resultados.
terror, os matadores foram denun Deixando o hospital, voltei
ciados e muitos torturadores subi para a fazenda, onde amigos me e_s
ram a escada da mesma guilhotina peravam. A intendente geral do
em que haviam executado as suas hospital queria me acompanhar, e
vítimas, que assim foram reabili ela tinha sido muito devotada du
tadas. rante a minha recuperação, apesar
Em 1944 e 1945, após o ter de algumas briguinhas por causa
ror, os assassinos estão em pedejs das moças que me visitavam.Depois
tais de heróis, e suas vítimas jjd dos meses de internação, até pre
gadas na lama. E,mais de quarenta cisaria de uma pessoa como ela p£
anos depois, continuam assim. ra cuidar de mim. Mas fiquei pre£
Verdade triste para a França, cupado com as conseqüências, que
que nos últimos anos não se mos poderiam advir. Resolvi retornar,
trou um país civilizado. à sós, para a fazenda.
As pílulas não eram conheci
das, dificultando ainda mais aque
Ia situação.
Um pequeno sacrifício a mais,
Bem, voltando atrás, passei e a vida está repleta deles.E são
três meses no hospital, em Bagé, deles que, muitas vezes, vêm as
pois duas pneumonias dificultaram melhores satisfaçSes.
a cura da perna quebrada. Algumas semanas mais tarde,
Depois de quarenta dias, dei_ fui à Bagé. Entre outras coisas,
xou-me a doença uma ferida em um eu fiz uma visita ao hospital.
dos pulmões, e por eu ter emagre Desci, como antes, no Hotel
cido bastante, o gesso ficou sol do Comércio, onde tive uma . das
to, e o osso, torto. Para conse maiores surpresas de minha vida:
guir que ele se endireitasse, fúi em minha frente apareceu um tal

83
de Bouret, que conheci na Guiana. pria voz. Só ele tinha razão.E is
Estava lá, na porta do hotel, to so lhe custava caro, mas não muda_
do sorrisos. Fiquei sem fala. va.

Como ele tinha me encontrado Contou-me que, nos anos 20,


ignorava completamente,e nunca pu_ com uma frota de doze tratores,re_
de sabê-lo. Segredo bem guardado. cuperava os campos de batalha do
Chegou em Bagé com a cartei norte da França para serem reuti
ra completamente vazia, não tendo lizados para produção. As vezes,
nem dois cruzeiros para comprar algumas bombas explodiam nos cam
cigarros "Tufuma", o mais barato, pos recuperados. Mas não era ele
na época, do mercado. quem estava nos tratores.
Eu me encontrei na obrigação As subvenções do governo pa
de pagar o hotel, e os cigarros. gavam todas as despesas.As colhei^
Apesar de estar sem dinheiro, ele tas, mesmo sendo ruins, davam sem
não teve a coragem de deixar de pre bons lucros.
fumar. Depois foi para a África E-
Eu devo reconhecer que exis quatorial, plantar cacau.Passados
tem pessoas que nascem bobas, vi alguns anos, veio o desastre. Cul_
vem bobas e morrem bobas. Sempre pa dos ingleses, acusados de te
fiz parte delas. rem feito o preço do produto bai
Era o tipo de criatura, que xar nos mercados mundiais.
sempre deixou-me espantado. Eu a- Creio que a culpa foi mais
cho que a história dele vale a <pe_ da crise mundial do ano de 1933,
na ser contada. e de sua incapacidade de cuidar
Era nativo do norte da Fran de seu próprio negócio.
ça. Na Guiana, começou uma planta Voltando à França, instalou-
ção de cana-de-açucar, apesar dos se no Vale de Rhones. Abriu um ma
conselhos, contrários, que lhe fo gazine de eletro-domésticos. Em
ram dados na ocasião. Naquele tem_ 1944, tendo problemas com os no
po, eu trabalhava no E.M.E, cons vos "donos da França", vendeu tu
trutora do novo porto de Cayenne. do, pediu o divórcio e seguiu pa
Quando, de manhã cedo, íamos para ra a Guiana, onde o encontrei, e
o trabalho, a uns quinze quilôme onde fracassou outra vez.
tros da cidade, sempre o avistáva^ Agora, estava junto comigo,
mos, com quatro antigos "bagnard" em Bagé.
(condenados a trabalho forçado na Eu o aceitei na fazenda. Ele
Guiana), capinando sua . plantação entrava com trabalho, e recebia
de cana-de-açucar. trinta por cento dos lucros.
Trabalhava como um cavalo da Deixamos Bagé, onde as ter
Bretanha, mas era cabeçudo como ras para plantar eram difíceis de
uma mula ourvenhata (uma provín serem encontradas, e fomos para a
cia francesa). Só escutava a pró cidade de Encruzilhada do Sul.dis

84
tante quatrocentos quilômetros.Lá futuros.
aluguei uma fazenda de mil hecta Era um pouco parecido com a
res de um amigo "pied noir". fábula de La Fontaine, "Perrette
Nesta fazenda, fiquei com a e o pote de leite".
administração, deixando para ele Oito meses depois,um novo de_
a parte mecânica, pois dizia-se sastre. 0 proprietário pagou os
especialista no ramo. Ele não tar_ estragos causados pela sua incon-
daria a me mostrar sua "capacida seqüencia, e estes não foram pe
de". quenos.

Trabalhávamos vinte e quatro Assim, com a sua velha mala


horas por dia, tendo três turmas, como companheira, pegou o caminho
que se revezavam nos tratores.Era de Porto Alegre, capital do Fsta-
fim de verão, havia muita poeira, do do Rio Grande do Sul.
e também muitas pedras, fazendo Felizmente não voltou à mi
com que o material se estragasse nha casa. Uma sorte! Mas eu já e_s
facilmente. tava me acostumando com o fato de
Eu deixei toda a manutenção todos os "quebrados" caírem em ci_
em suas mãos, sob seus cuidados. ma de mim.
E, em menos de dois meses, dois Apoiado pelo chanceler do
tratores Fordson Major, novos, es^ consulado francês, Bauret asso
tavam na oficina. ciou-se a um grande proprietário
Quando os representantes da de terras,banqueiro em Porto Ale
Ford mostraram-me a causa do pro gre. Cedeu a ele um bom pedaço de
blema, tive vergonha. Os filtros terra na beira do Jacuí, entrando
de ar nunca haviam sido limpos ou também com o material agrícola e
tiveram seu óleo trocado. Os tra dinheiro.
tores não consumiam gasolina, co
miam poeira! Para quem estava co Subindo o Jacuí, o maior rio
meçando, foi um desastre. Para mi do sul, achou-se a vinte quilôme
nha sorte, contudo, Bauret,depois tros da capital. Fazia parte dos

da primeira colheita, tendo ganho abençoados pela sorte.


um pouco de dinheiro, apesar das Deixando de lado o trigo inl
suas falhas, achou que os mil he£ ciou uma nova plantação: a batata
tares da fazenda não eram sufi inglesa, plantada nas encostas do
cientes para ele. Seguiu para pa rio.
ra Carazinho, ao norte do estado, Um dia resolvi fazer-lhe uma
setecentos quilômetros longe de visita. Cheguei quando■■ iniciava a
Encruzilhada do Sul. Fez uma nova sua plantação. Visando a quantia
sociedade com o dono de uma imen de hectares que iria plantar, co£
sa fazenda de vinte mil hectares. tava as sementes em pedaços finíj;
Após ter fechado o negócio, simos, de tal maneira, qcie em al

falou-me de seus grandes- projetos guns só sobrava a pele.

85
Eu não lhe escondi minha op,i Acertado o casamento, pediu,
nião pessimista sobre o resultado à França, certidões de estado ci
do que fazia. vil e religioso. Quando os papéis
- "Não faça trabalhar sua ca_ chegaram, descobriu que ainda es
beca por causa de minha planta tava casado: d divórcio não tinha
ção" - respondeu-me - "Sei o que seguido seu curso normal, pois o
faço. Dentro de dois anos o Bra único interessado estava fora do
sil não precisará mais importar a país. Assim, perdeu a noiva.
semente da batata. Eu vou abaste Logo parti para Goiás,a dois
cer o mercado!" mil quilômetros do Rio Grande do
Naquele tempo, as sementes e_ Sul, e nunca mais o vi.
ram importadas da Holanda. Depois de sua saída, fiquei
Sua ambição era grande, mas a sós na fazenda. Alguns meses óe_
seis meses depois, uma nova catas pois, um primo veio encontrar-se
trofe: o proprietário, novamente, comigo.
pagava o "tufo", e Bouret descia A fazenda onde me encontrava
à Porto Alegre, indo mais uma vez já tinha sido propriedade de um
ver o Cônsul. francês; como prova disso, encon
0 Chanceler não o abandonou, trava-se vestígios de antigos lo
arrumando para ele um emprego na cais de plantaçSes frutíferas,bem
Companhia de Bondes,como especia como de árvores ornamentais, que
lista em tornos. Nunca tinha pego não existiam nas propriedades vi
tal máquina nas suas mãos... zinhas.
Apesar de tudo,, conseguiu se Isso dava a essas terras uma
adaptar, e após algum tempo, con reputação não merecida. Eram mui
seguiu sua aposentadoria. to inferiores às terras de Bagé.
A mania de grandeza sempre o A sede da fazenda situava-se
tinha posto a perder. Eu me lem a sete quilômetros da cidade, fa
bro dele ter me dito quando traba_ cilitando em muito o trabalho, no
lhava comigo: que diz respeito ao transporte de
- "Quando eu voltar para â mercadorias, principalmente. Nes
França, será de Cadillac!" te primeiro ano, o único meio de
Naquele tempo, era o carro transporte era a bicicleta, e uma
dos que tinham poder e dinheiro. para dois!
Em minha primeira viagem de Foi aí que conheci Zélia,com
volta à Fiança, em núpcias, com quem, dois anos depois, me casei.
pramos uma Citroen dois cavalos e Boa moça de origem alemã, sern
nos achamos muito felizes com ela. pre me acompanhou, nos bons e nos
Bauret, durante o trabalho maus momentos. Veio do norte do
em seu último emprego, encontrou Estado, acompanhada de sua irmã,
uma noiva, de boa família, e em casada com Júlio, o diretor das
bóasituação financeira. Usinas de Linho A.J. Renner.. Ele

86
era letão. Seu pai era proprietá sem dinheiro, toda a família mi
rio de uma pequena fábrica na U- grava para o Brasil.
crânia, quando os "Kzares" bran Júlio conservou de seu país
cos dominavam seu país. as melhores lembranças: o inverno
Seu pai vendeu todas as pro e as águas geladas do Dvina, que
priedades na Ucrânia para voltar carregavam enormes blocos de gelo;
a seu país. Depois da I guerra, a a primavera, com açudes e lagos
Letônia conquistara sua indepen numerosos, onde encontrava-se um
dência, como todos os países bál- grande número de peixes.
ticos. Depois da última guerra,a Le
0 coletivismo ainda não ti tônia e todos os países bálticos,
nha sido aplicado na Rússia. que nada têm a ver com o povo ru§_
Com o pais inteiramente vira so, seja em cultura ou língua, es_
do de pernas para o ar, foram ne tavam de novo incorporados às for_
cessários diversos meses para cbe ças do Império dos "Kzares" verme
gar até Riga, capital do seu novo lhos.

país. Cem mil letões foram, em uma


Toda a fortuna da família es_ noite, deportados para dentro do
tava guardada em malas, pacotes e imenso país.
sacos. Mais tarde, muitas vezes, 3ú_
Quando toda1 a família, com lio recebeu da embaixada vermelha
posta de cinco pessoas: pai, mãe convites para colaborar com eles.
e três irmãos, chegou ao fim da Propostas estas que sempre rejei
viagem, descobriu que a sua for tu, tou, com indignação. Sua pátria
na, em rublos, nada mais represe^ chamava-se Letônia, e não "Impé
tava. NSo passava de um morfte de rio dos Kzares Vermelhos"! Além
papéis. 0 mesmo aconteceu com os disso, ele fora naturalizado bra

pequenos portadores de açSes rus sileiro.


sas, em toda a Europa. Nesse tem Alguns anos depois, eu tro

po, Júlio era o segundo mais novo, quei a minha fazenda por outra me_

com oito anos de idade. nor, mas com uma qualidade bem s^j
Mesmo passando um longo pe perior
ríodo sob governo autoritário, ã Infelizmente, depois de mais

Letônia era um país evoluído. Lá, alguns anos, chegavam as doenças

durante os anos vinte, toda a po que costumam atacar as culturas

pulação, duas vezes na semana, fre_ de trigo: ferrugem, que não era

qüentava saunas. Rudimentares,mas muito grave; septória e giberela,

eram saunas. Enquanto na França, que, reunidas, liquidavam inteira


muitos não sabiam o que era sauna mente as culturas.

e muitos ainda hoje não o sabem. Durante três anos seguidos,


Em 1928, frente às dificulda_ não colhi a quantia de semente ern

des enfrentadas pelo país, quase pregada, e a quantidade menor co-

87
lhida mal servia de ração para o cos quilômetros de Caxias, havia
gado. a Companhia Georges Aubert, prodtj
Eu estava na zona mais atin tora de champagne, vinhos finos,
gida do Rio Grande do Sul: Deprejs conhaque, aperitivos e licores. E_
são Central. E eu era, na região, ra conhecida no Brasil inteiro, e
o maior plantador. seus proprietários eram franceses.
Depois desses três anos, co Senhor Aubert, Georges, meu
mo não existia seguro agrícola,eu xará, como se diz aqui no Brasil.
me vi numa situação■bastante incô Herault, Chauvin, Trouller e ou
moda. tros, eram bons amigos.
A fazenda de Encruzilhada ejn Havia também em Porto Alegre
contrava-se a cento e sessenta Monsieur De La Pierre, diretor e
quilômetros de Porto Alegre, en fundador de uma grande companhia,
quanto que, esta última, estava a também francesa. Este, aliás, não
cem quilômetros. era o seu verdadeiro nome.Ele ti
íamos à capital duas vezes à nha sido condenado à morte no ano
semana, pois lá tínhamos bastante de 1944, mas acabou por ser per
amigos. A estrada de terra era re doado em 1956, quando eu me encori
pleta e pedras, e larga,sendo que trava em viagem de núpcias, na
muitas vezes víamos o pára-brisas França. Voltou para Paris,onde e-
voar em pedaços, atingido por pe ra professor em Sorbonne.
dras, lançadas por outros carros. Era um senhor de grande va
Além das atividades em minha lor, atributo raro na França na
fazenda, eu era procurador de um quela época. Ele era secretário
amigo que morava em Mônaco.Ele ti de Darnand, fuzilado em 1944, mes^
nha terras e propriedades ali e mo após ter sido proclamado o me
em Porto alegre. Tínhamos também, lhor soldado da França, em princí_
na zona de Caxias do Sul, muitos pios da guerra, em 1939, sendo vo
amigos, principalmente franceses. luntário para todas as missões pe_
rigosas.
Esta região, povoada por des_ Já havia mostrado o seu des-
cendentés dos primeiros colonos temor, na guerra de 1914-1918.
italianos, juntamente com a co Depois de seis citaçBes, me
lônia alemã, que fica próxima, é, recidas por sua bravura, recebeu
certamente, uma das partes de ma a medalha militar, a cruz de guer^
ior desenvolvimento do Brasil .dei^ ra, e em 1919, o capitão Percival
xando para trás muitas regiSes da propósa ú .seu nome para receber a
Europa. Legião de Honra, que o General Gojj
Toda essa parte do país é, ja raud lhe entregou em 1929.
tualmente, cortada por boas estr£ 0 presidente Poincare escre
das, que não existiam na época. veu numa carta:Darnand foi um dos
Na cidade de Garibaldi,a pou^ principais autores da vitória de

88
1918. Somente três homens foram morte, como traidor, por seus pró
merecedores deste título: Autores prios amigos da Frente Popular,em
da Vitória. Georges Clemenceau, o 1939, foi chamado, por De Gaulle,
Marechal Foch, e Joseph Darnand. para ser vice-presidente do cons£
0 prêmio que recebeu em 1945 lho! Vejam a diferencia entre os
foi o fuzilamento,ao contrário de dois casos: Thorez havia deserta
Thorez, secretário do Partido Co do e passado para as linhas nazis
munista, que, sendo condenado a tas!

89
Georges Aubert, sindicalis. tencer à resistência, como os ou
ta "paysano" (ruralista) antes da tros.
guerra, tinha bem mais idade com Em seguida, foi colocado no
parado à mim, e também, como eu, vãmente no paredão de fuzilamen
era Pètainista. Teve bastante in to. E só nos últimos instantes pô_
cômodo em 1944. de se fazer ouvir pelo oficial co
Em geral, todos os sindica mandante alemão, e ser salvo, pe
listas "paysano" eram anti-comu- la segunda vez num mesmo dia, de
nistas, e muitos pagaram caro por ser fuzilado.
aquilo que chamamos "libertação". Já morreu há muitos anos.Te_
Preso pelos terroristas da ve um ataque cardíaco quando visi_
falsa resistência, foi levado até tava a exposição internacional de
o Vercors, uma região situada nos Montreal. Trazido de volta ao Bra
Alpes, perto de Grenoble, onde,d£ sil, não pôde se recuperar.
pois de uma paródia de julgamento Quando os visitávamos,em Ga
foi condenado à morte. Prestes a ribaldi, era uma festa. Todos sa
ser fuzilado, as tropas alemãs a- biam apreciar a qualidade das be
tacaram o local. Os falsos resis bidas que nos estavam servindo.
tentes, já com muito sangue em slj Na volta, o carro vinha ca
as mãos, pararam as execuçBes. De rregado de caixas de champagne,^
repente, nossos "heróis" perdiam nho, aperitivos, licores. Nas es
a arrogância e a suposta bravura. tradas da serra, pelas quais tra
Assim, esse ataque salvou a fegávamos de volta à Porto Alegre,
vida de monsieur Albert, e de al toda a atenção era pouca.
guns outros, que, reunidos,valiam
mais que todos os resistentes de
Vercors.
Em poucos dias,as tropas n§_
zistas limparam a região.
Nossos "heróis" eram fortes
e corajosos para assassinar seus Voltei à França, pela pri
compatriotas desarmados, mulheres meira vez, em viagem de núpcias.
e crianças. Porém, na frente das Fomos para ficar três meses, en
tropas alemãs, só conheciam a fu tre o plantio e a colheita, de ju
ga. nho a outubro.
Monsieur Aubert novamente a_ Zélia, que realizava a sua
cabou aprisionado, desta vez pe primeira viagem à Europa, adorou
los alemães, sem portar nenhum d£ a França. Mesmo depois de numero
cumento, pois todos os seus pa sas outras visitas, não mudou de
péis haviam sido roubados, pelos opinião.
terroristas da falsa resistência. A França é, realmente,um be_
Terminou por ser acusado de per Io, muito belo, país.

90
"Oh quel e bèlle ma Bretag_ zinho desta vez, e dirigi-me para
ne Messac.
Sous son gris il faul Ia va_ Estacionei a Citrõen à mar
ir" gem do Vilaine, e encaminhei-me à
(Canção de Theodore Botrel, garagem.

poeta bretão). Dentro dela havia uma dúzia


de pessoas, entre fregueses, mecâ^
Pena que e.ia possuísse tan
nicos e empregados.
ta gente desprezível.
Ele, o "baron", sabia, sem
Um dia, voltamos de La Bau-
dúvida, através de sua família,de
le, uma das mais belas praias da
minha estadia em Campei. Reconhe
França, na nossa Citrõen.para Cajn
ceu-me e veio em minha direção,de
pel. Atravessamos a Vilaine,um pe_
mão estendida, que eu fiz de con
queno rio, que passa entre Messac
ta não ver. Antes cuspir do que £
e Guipry, e em cujas margens en
pertar a mão de judas.
contrava-se a garagem de um mem
- "Bom dia, pequeno Geor-
bro da família dos falsos "ba-
ges" - disse-me. Tinha uns quatro
rons" de Campei.
anos a mais que que eu, e insis
Avisei a minha esposa sobre
tia em chamar-me de "pequeno Geojr
a minha intenção de parar ali a
ges".
fim de pedir algumas informações
Por que tanta hipocrisia,De
naquela casa de bandidos.
us meu? Eu me perguntava se, ca
Zélia, que estava a par de
so os amigos e enviados dele ti
todas as histórias dos crimes reja
vessem conseguido concretizar meu
lizados em 1944, querendo evitar
assassinato em 1944, teria vindo
discussSes inúteis, opôs-se, argjj
chorar sobre o meu túmulo, chamajn
mentando que estávamos em viagem
do-me de "pequeno Georges". Mo
de casamento. NSo querendo indis
lhando, com suas lágrimas de cro
por -me com Zélia por causa de uma
codilo, a sepultura, e afogando,
súcia de bandidos, resolvi seguir
sob sua hipocrisia,uma amizade dé
minha rota e deixar tal entrevis
mais de vinte anos.
ta para mais tarde.
- "Eu não vim aqui para lhe
apertar a mão" - retruquei - "Que
Meia hora depois, estávamos ro saber porque vocês e seus ami
em Campei, em meio a amigos. gos terroristas mandaram assassi
A tarde transcorria tranqiu nos à minha casa em 1944. Você p£
Ia, e Zélia, falando já um pouco de me dar uma resposta para esta
de francês, entrosou-se logo no pergunta?"
lugarejo. - "Eu não tenho culpa nenhij
Na manhã seguinte, não teri ma do que aconteceu. Não estava
do a idéia de falar com o "baron" em Campei aquela noite; encontra
me abandonado, peguei o carro, s£ va-me em Saint Mareei (pequeno l(j

91
gar em Morbihan, onde os terroris heac. Alguns quilômetros após pa:s
tas pretendiam ter sustentado um sar por esta última, encontrava-
pequeno combate, entre eles es as se a fazenda de X, município de
tropas alemãs, e no qual fugiram, Maure de Bretagne.

diante dos primeiros disparos ger Esta pequena fazenda era de

mânicos)". cultivo de dois casais, cunhados.


- "Eu não quero saber aonde Os dois homens estiveram como pri_
você estava, mas sim saber porque sioneiros de guerra na Alemanha,
bandidos foram à minha casa para desde 1940.
me matar. Você fazia parte deles, As duas mulheres tiveram vi_
você era um dos mandantes!" - com da dura e difícil a enfrentar, pa
ódio afirmei. ra manter a fazenda em estado de
Dentro da garagem, funcionjâ produção.
rios e clientes escutavam, sorrin Em 1944 elas foram atacadas
do. Uma parte deles sabia de que por meia dúzia de falsos resister^
se tratava. tes, como sempre, no meio da noi
Ele ficou irritado, olhando te. Foram estupradas, e depois ti
de um lado para o outro procuran veram os pés queimados nas chamas
do socorro, uma ajuda qualquer, o da lareira, para obrigá-las a re
que não ocorreu.Baixando os olhos velar onde tinham escondido as e-
e virando-me as costas,dirigiu-se conomias da casa.
para uma porta lateral que dava à Turma de lixo humano! Portía
sua moradia, diretamente. vam metralhadoras e braçadeiras a
Fechou a porta trás de si, três cores, uma grande honra para
deixando-me sozinho na garagem, quem as usava, naquele verão de
com seus empregados e fregueses. 1944.
Esperei um pouco, para sa Continuando minha viagem, à
ber se ia voltar, mas não apare frente alguns quilômetros eu pas
ceu mais. Em 1944 voltaria com a sei por uma fazenda, de Mac Marão,
metralhadora debaixo do braço. Só no município de Mernel.à beira da
que a hora do "heroísmo" já havia estrada.
passado. 0 proprietário, o monsieur
Só me restavam duas opçSes: Lòuis Ráffegeau, era sindicalista
ir buscá-lo,mas a porta estava fe e, como 99% dos agricultores, an-
chada; ou partir. Eu escolhi a se^ ti-comunista.
gunda, a mais ajuizada. E pensar que os nossos famo
Só quis testar a sua cora sos compatriotas escolhiam as su
gem, e vi que sempre estive certo as vítimas no meio de gente conhe_
chamando-os de covardes.Nesse dia cida, por se negarem a se entre
eu tive a prova. gar aos agentes de Moscou.
Voltando para Campei, pas Esta fazenda também foi ata
sei pelas cidades de Guipry e Lo- cada à noite, por nossos exempla-

92
res patriotas Gaullistas. Enquan cultor, ex-dono de um moinho, ex-
to alguns seguravam a família, as empreiteiro de colheita e de enge
armas servindo como ameaça, os ojj nho, e ex- agente de polícia, em
tros, ainda mais covardemente, ba Paris. Agora era padeiro, em Mau
tiam, a socos e pontapés, no pro re de Bretagne.
prietário, que não podia defender^ Disse-me:
se. Quando ele estava quase morto - "Eu vou levá-lo à justiça
abandonaram a casa, após terem tu e você terá que apresentar provas
do roubado. do que nos acusa!"
Eu encontrei o senhor Raffe Todos eram iguais. Nunca e-
geau um mês mais tarde, no moinho ram eles, mas sempre os outros,os
Lebretan, em Maure de Bretagne.Ejs que faziam as sujeiras. Nunca ti
tava irreconhecível. 0 rosto, re veram a responsabilidade de assu
pleto de esquimoses, e inchado pe_ mir a responsabilidade por seus a_
los socos recebidos. tos de canalhice.
Disse-me, rindo: Não era a primeira vez, nem
- "Sempre tinha o rosto so£ seria a última, que me ameaçavam
ridente e alegre". de chamar-me ao tribunal. Como se
- "Não é desse modo que es eles ou a suposta justiça tives
ses porcos vão me fazer mudar de sem o poder para impedir-me de di^
idéia". zer a verdade.
Dez minutos mais tarde, che Quantas vezes ele e um tal
guei em Campei, encontrando minha de Simon, um dos terroristas, me
esposa e os amigos, a quem contei ameaçaram!

minha Jornada. Um dia, encontrei Simon no

No dia seguinte, um pouco centro da cidade de Campei. Per


antes da nossa volta ao Brasil,eu guntei-lhe, em voz alta, quando
fui à delegacia de Maure. ele e seus cúmplices iam nos de
Queria pedir uma licença p£ volver, com juros, o dinheiro que
ra a compra de um revólver, para nos tinham roubado.
trazê-lo comigo quando voltasse à Pobre Simon! Correndo, foi
minha casa. encontrar seu amigo, o grande Emi_
Chegando na frente da dele le. Depois de trocarem algumas pja
gacia, preparava-me para adentrar lavras, foram, no carro de Emile,
quando, atrás de mim, alguém 'me dar queixa na delegacia de Maure,

chamou. onde foram aconselhados a ficarem


- "Ei, Georges!" quietos.
Virei a cabeça, e vi que e- Eu soube isso pelo filho de
ra um um outro "baron", primo da um amigo, chamado Pierrot.que ve
quele de Messac, ainda mais falso io avisar-me.

e odioso. Ele estava angustiado, per-

Era o famoso Emile, ex-agr^ guntando-se se eu realmente tinha

93
as provas. Ainda não conhecia to be o que a população diz nas re
da a covardia dessa turma. dondezas?"
Uma vez mais, o pretendido Como não respondeu, contiraj
processo parou nesse ponto. Nunca ei:
mais ouvi falar dele. - "A população diz que é o
Não ignoravam que,depois da sangue dos meninos do castelo que
podre òâmara dos deputados Gaul- o está sufocando!"
listas ter votado o armistício a Referia-me às crianças mas
esses canalhas, todos os documen sacradas, juntamente com seus pa
tos que comprometiam tinham sido is, na fazenda do castelo.
destruídos pela polícia e pelos Um«senhor subia a rua, vin
tribunais. do em nossa direção. Quando apro
E, primeiramente, por aque ximou-se de nós, o "baron" o cha
le de Redon, cujo juiz, Cuscus, e_ mou:

ra o grande patrão em 1944 e nos - "André! Venha aqui! Você


anos seguintes. vai ser testemunha do que me acu
0 "baron" Emile disse-me,um sam!"
dia, que se conheciam muito bem. André Voisin era mais conhe
Sabiam, então, que iriam ganhar o cido como mercador de cavalos de
processo facilmente no tribunal. La Bariee, fazenda situada no mu
Porém, o medo de trazer à tona o nicípio de Brulais, a cinco quilõt
banditismo, aos olhos da popula metros de Maure de Bretagne.
ção, apavorava-os. E acharam me Apesar da idade avançada,vi
lhor ficarem calados. ve ainda. Encontrei-ò em 1986. Nes^
Os policiais ficaram fecha se ano, não me reconheceu,na fren
dos na delegacia, enquanto tudo te da delegacia, pois fazia mais
se passava à sua frente. E eu res_ de quinze anos que não nos vía
pondia para o padeiro "baron": mos.

- "Eu não disse só você,mas André Voisin caminhou em rã


vocês! E não retiro nada do que nha direção, parou em minha fren
afirmo! Vocês eram os chefes do te e falou:
terrorismo na região! Eu só acuso - "Eu não o conheço, mas o
os culpados, e vocês o são! Não é senhor tem razão. Estes "salauds"
minha culpa se seus amigos envia (porcos) aí" - e mostrou o "ba
dos tentaram assassinar-me, em ron" com o dedo - "roubaram-me um
1944!" carro e cem mil francos, em julho
Após alguns minutos de dis de 1944!"
cussão, as vozes começaram a so Calou-se, e continuou o seu
frer alterações. caminho, rumo ao centro da cida
- "Olha'-1 - eu disse a ele - de.
"vi seu primo em Messac, ontem. E 0 pobre "baron" caiu do al
ele não está bem de saúde.Você sja to, ficou branco, depois vermelho

94
e murmurando eu não sei o que, e Bruz!

creio que nem mesmo ele sabia. Lari Agora vou falar de Bruz...
çando-me um olhar cheio de ódio e Uma bela cidade, a alguns
ameaça, fez meia volta e entrou quilômetros a sudoeste de Rennes.
em sua padaria. Em 1944, eu teria Com oitocentos e mil moradores, é
sido morto na hora... conhecida como una cidade de apo
Quanto a me chamar no tribu sentados.
nal, para que eu provasse minhas É uma excelente região, qn
acusações, foi tudo mais uma vez de há muita terra boa à volta. E
arquivado. ali viviam seus moradores, feli
Mesmo sabendo que iria sair zes e tranqüilos.
vitorioso do tribunal, ficou quie Sete de maio de 1944.Dia da

to! primeira comunhão das crianças. 0


Estes criminosos não querem dia em que, na nossa região, era,
chamar atenção sobre seus crimes, e ainda é, celebrada uma das maio
e desejam que o povo esqueça seus res festas familiares que existem.
atos de vergonha.
Assim, o melhor é evitar as As 23:45 horas, quando mui
testemunhas da época e os descer^ tas das famílias ainda festejavam
dentes, para que não reavivem os e outras já dormiam, a primeira

tristes anos. onda de aviões começou a lançar


Muitas vezes esse padeiro suas bombas.
foi insultado nas ruas e Cafés de Um minuto mais tarde, uma
Maure. Em primeiro lugar foi mon- segunda carga, ainda mais motífe-
sieur Joseph Testerel, que era ir ra que anterior, seguiu-se.

mSo de de Amand, massacrado com a A cidade, num instante, ch£

família toda. gou ao fim. Um inferno, um pesadf;


Ele fora até atirado à rua, Io, um matadouro humano, pior que

para fora do Café Central, pelo tudo já visto nestes anas de car
proprietário, tio de sua mulher. nificina.

0 tesouro roubado pela fal Nós, a trinta quilômetros,^


sa resistência é fabuloso: mais cordamos no meio da noite. A casa
de trezentas mil residências, fa tremia, e em poucos segundos as

zendas e casas comerciais rouba ruas estavam cheias de gente, to

das, pela França inteira. dos olhando em direção a Rennes,


A quantia dos roubos,se fq£ que já havia sido bombardeada du
se calculada, possivelmente se as ou três vezes, fazendo, em ca

ria bem superior ao tesouro nazis da bombardeio,mais de duzentas ví_


ta, de que tanto nos falam sem o timas, as quais, quase sempre, ei.

terem visto, nunca. vis franceses.


As três horas da manhã che
garam à casa de Memê, a viúva La-

95
perche, que morava em frente à zido a nada. Depois do bombardeio
nossa casa, e cujo marido morrera a linda cidadezinha de Bruz deixa
na frente da batalha, a sua irmã ra de existir. Não havia mais pe
Antoinette, seu cunhado André e a dra sobre pedra. E tudo isso em jj
sua sobrinha, que escaparam dessa penas dois minutos.
matança coletiva. Um pequeno Verdum (uma ciàa_
Foi nesse momento que soube de mártir da I guerra) de 1944. E
mos que não havia sido Rennes, e este não foi criado para salvar a
sim Bruz, a atingida, o que expli pátria, mas para ajudar a acabar
cava a violência das explosBes no com ela.
local, que faziam-se sentir até A única coisa que sobrou de
em nossa casa. Bruz era bem mais Bruz, na extremidade do que pare
perto que Rennes. cia ter sido a praça da igreja da
Esse família tinha ido à c£ cidade, foi uma simples cruz, em
munhão de um sobrinho, cujo pai e_ granito rosa, que o arredondado
ra proprietário de um restaurante dos braços permitiu que resistis
chamado "La Rabine", no cruzamen se

to da estrada de Vannes, bem per ao sopro das bombas. E, com os se_


to de Bruz. Só isto permitiu que us braços estendidos, parecia a-
escapassem ao bombardeio. bençoar aquele mar de ruínas.
Não havia um só soldado ale Ela ficou como único teste
mão na pequena cidade. Também ne munho do que tinha sido Bruz.
nhuma indústria ou ferrovia. Nada Quantos mortos houve, nunca
que pudesse servir de desculpa p£ se soube ao certo, mas após o bom
ra tal crime. bardeio, setecentas a oitocentas
Deste massacre nunca alguém pessoas era o número, citado, de
falou, alguém condenou. Falar de vítimas. Mais de três quartos da
le iria importunar muita gente. população.
Muitos aviSes largaram oito Vendo as ruínas, só repeti^
centas e sessenta bombas sobre a mos uma coisa em nossas mentes:c£
cidade de Bruz, dentro de um pe mo o resto da população consegui
queno raio em volta da igreja. A ra se salvar? Um gato teria tido
estimativa, segundo arquivos re dificuldades para sair vivo daque_
constituídos da prefeitura, é de Ias ruínas.
quase uma bomba por habitante. Picasso imortalizou Guernica
A vontade criminosa de aca através de seus pincéis, [♦] uma
bar com a cidade ficou provada.Tu brincadeira, perto de Bruz.
do foi soprado, pulverizado, redjj Bem pior que Oradour, que

(Nota dos editores: Picasso diante pagamento, que pintasse ai


estava pintando, há meses, um qua go sobre Guernica. Picasso apenas
dro que representaria touradas. E mudou, então, o título do quadro
foi quando lhe foi solicitado, me das touradas para "Guernica".)

96
eu visitei em 1956. dade de tê-lo denunciado.
Para um foi erigido um monij Para se vingar, nas trans-
mento contra a barbárie. Para oij missSes deles com Londres, pedi
tro, bem pior, restou o esqueci ram a destruição da pequena cida
mento, deixando ao povo a ignorâni de.
cia completa de sua tragédia. A destruição foi realizada
0 que aconteceu em Bruz po com um capricho formidável. Não
deria ser qualificado como "espe houve uma falha sequer. Uma mis
táculo" para uma pequena platéia, são cem por cento completa.
que se divertiu. E quanto mais nij Pode ser que o acusado te
merosas as vítimas, melhor o espe_ nha pago; pode ser que não. E po
táculo. Torna-se mais divertido. de ser que ele fosse inocente do
Assim como os cristãos, queimados que era acusado.
nos circos romanos. Enquanto que, Desesperado, cheio de retirar
tocar um fio de cabelo de um ami sos por haver provocado a morte
go qualquer dessa pequena platéia de tantos inocentes, o culpado,al^
era considerado um crime. guns anos mais tarde, entrou para
Quais foram os responsáveis um mosteiro.
por esse crime? Vocês sabem? Era o mínimo que ele pode
Aviação americana? ria ter feito: rezar por suas ví
Em geral, os americanos nun timas e pedir perdão a Deus.
ca eram tão precisos. Cora eles as 0 pior e que todos esses a£
bombas caíam do lado de fora do sassinatos, esses crimes, eram a-
ponto visado. plaudidos por uma turma de france_
Aviação inglesa? ses que, em 1944, tinha, graças a
ajuda da B.B.C. de Londres, perd_i
Acertaria melhor o objeti do toda a noção de sofrimento hjj
vo a aviação Gaullista? mano e de respeito pela vida dos
No ano de 1970, o abade Le outros.
Page, padre de Campei, deu-me res^ Como o caso do ataque aéreo
posta a uma dessas perguntas, nó a Nantes, em que dois mil france
que se refere à nacionalidade dos ses foram mortos no centro da ci

aviões. dade, sem nenhuma necessidade ou


Um padre de Bruz que estava utilidade para a guerra.
na falsa resistência foi preso pe_ Para que essas matanças

Ia Gestapo. depois dos primeiros inexplicáveis?


interrogatórios, foi levado para Os aviBes passavam acima de

a Alemanha, mas durante a viagem, Campei a oito mil metros de altu

pulou do trem e conseguiu evadir- ra. Nunca vi tantos de uma só vez.

se.
Estas super fortalezas-voa-

Reencontrando seus amigos, doras estavam protegidas por uma


em Bruz, acusou um morador da ci nuvem de aviSes de caça, e iam fa

97
zer seu horrível serviço: matar a de lutar e queria juntar-se à re
franceses inocentes. sistência de De Gaulle. Mas nunca
E eram aclamados por nossos teve coragem para isso. É verdade
corajosos Gaullistas, que tinham, que, pelo que já fizera de bom e
há muito, perdido a vergonha. de bonito, era melhor, como pes
Armandine de Gringnardais e_ soa honesta, afastar-se deles.Mas
ra mãe solteira e seu filho fora para ele, nesse momento, os Gaul
morto no início da guerra, ainda listas ainda eram heróis.
em 1940. Durante toda a sua vida, Um dia falou-me novamente a
fora lavadeira. respeito de sua vontade de comba
Descia, depois do almoço, a ter. Eu lhe disse:
estrada que levava para a lavande^ - "Porque você não vai para
ria pública de Fontaine, onde eu a Inglaterra. Lá, esperam por vo
levava os bois para tomar água. cê!"
Descendo a estrada, eu e ela - "Ah, sim! Você pensa que
ouvimos o barulho das centenas de é fácil atravessar o mar da Man
aviões, que iam semeando a morte, cha?" - respondeu-me.
a destruição. - "Fácil não é, mas, quando
Nossos corajosos Gaullistas alguém quer enfrentar uma guerra,
que, como nós, assistiam a cena, não pode ter medo de atravessar o
não se seguravam mais de felicida mar da Mancha. E ainda há a outra
de e cantavam. Eram uma meia dú solução: passar pela Espanha."
zia. E não importava a eles se Lá também era perigoso de
dois mil compatriotas fossem mor mais passar pelos Pirineus.
tos naquele momento.Nada tinham a Eu lhe indiquei o caminho e
ver com os infelizes que morre a coragem dele não era suficiente
riam sob os escombros. para seguir... Nem tinha o bas
Olhando céu e a revoada de tante para atravessar a linha de
aviBes, mãe Armandine, quando es demarcação entre a zona livre e a
távamos sós, disse-me: zona ocupada, o que era uma brin
- "Se isso caísse "sau leu- cadeira.
rs gaulle a ieux" (sobre a cara
deles), eu lhe garanto que eles Coragem que não tinham tam
não cantariam tão bem!" bém os falsos resistentes, pois e_
Tinham passado pela lavagem ra mais fácil atacar seus compa
cerebral da propaganda Gaullista. triotas desarmados, enquanto eles
Não sendo eles as vítimas, o res estavam armados até os dentes.Sem
to era o resto. sequer precisar deixar o local de
E Deus sabe que não eram c£ nascimento para fazer essas coi
rajosos. Sem mencionar o nome, re_ sas.
latarei o caso de um amigo. E, também, era muito lucra
Dizia ter uma vontade louca tivo.

98
fuzil e entregou-se sem combater. comandante, que não soube, ou não
Terminou a guerra como prisionei quis defender-se. Em vez de se
ro na Alemanha, recebendo o trata guir o "ils ne passerons pas"
mento devido aos oficiais. (eles não passarão), do marechal
Meu pai estava na artilha Pètain, que reergueu as tropas da
ria de "Forteresse", e foi manda França na batalha de Verdun, o ca
do, com sua bateria, como reforço pitão De Gaulle respondia, agitar^
externo ao forte. do seu estandarte branco:
Chegando nas imediações, em - "Entrem, amigos, entrem".
plena noite, à procura de um bom As tropas alemãs entraram a
local para os canhões, caiu sobre tempo para tirar os estoques de
um comandante, encontrado por aca alimentos, enormes, e armas guar
so. dadas em abrigos de cimento. De
- "Aonde vocês vão?" - per pois, sabendo ser impossível ob
guntou ele ao chefe da bateria. ter outros proveitos do forte, re_
- "Em reforço para o forte, tiraram-se, fazendo-o voar pelos
meu comandante!" ares.

- "mas, infelizes, os bo Esta história é real e ver


ches estão lá dentro I" - esclare dadeira. Muitas vezes nos foi cori
ceu o comandante. tada por meu pai, em noites de iri
Este nSo tinha feito como o verno, bem antes da última grande
capitão De Gaulle: render-se sem guerra.

combater. Ao contrário, o coman E foi De Gaulle quem, mais


dante voltou às linhas francesas, tarde, tratou os melhores france
a fim de continuar a luta. ses de vendidos, traidores, e ou
Os homens da bateriai fize tros termos parecidos.
ram meia volta, retornando às su Foi ele o responsável por
as linhas com todo o material. tantos crimes, o verdugo do povo
Mais tarde, o chefe da bate francês. Foi ele o moderno Atila,
ria recebia a cruz de guerra, por o rei dos hunos,que não mais usjí
nSo ter abandonado seu equipamen va o sabre, mas metralhadoras.
to nas mãos inimigas. Seguindo os números forneci
Uma coisa certa dizia-nos o dos por Adlien Tissier, ministro
meu pai: não era ele que empurra do interior nesses tristes anos,
va as rodas dos canhões,nós é que houve, após a salda das tropas ra
fazíamos toda a força. zistas, cento e cinco mil fuzila
"Nem sempre são os cavalos dos. Assim como é bem sabido que
que merecem a aveia, que a comem" o número dos que foram mortos na
dizia um ditado bretão. calada da noite foi muito superi
Meu pai sempre insistia nej; or, ultrapassando a faixa de du-
te ponto: Duaumont não foi tomado zentas mil vítimas.
normalmente, mas traído pelo seu E isso unicamente porque se

101
negaram a ser "veaux" (nome dado para se impor, satisfazendo seu
aos franceses por De Gaulle após orgulho e ambição. 0 outro, para
ter perdido um referendum). Nega fazer da França um satélite do c£
ram seguir a um falso pastor, que munismo de Moscou, deixando os
na verdade era um açougueiro. seus compatriotas nas mãos do
"Ah, este monstro! Fez-nos sanguinário Kremlin.
mais mal que Hitler". Este trecho Durante esse tempo, De GauL
foi retirado do livro, já citado, le participou do assassinato d e
"Escândalo da Resistência", de An um marechal da França, herói, na
dré Figuera. cional, que durante toda a sua vi
No desembarque da Normandia da tinha servido a seu país, en
nós vimos, nas fotos da frente de quanto, também durante toda a Sua
batalha, Churchill e Eisenhower a vida, Thorez o havia traído.
inspecionar, animando suas tropas Este marechal de noventa a-
e arriscándo-se, apesar de toda a nos deveria morrer anos depois,
precaução. na ilha D'yeux, condenado por ha
De Gaulle chegou para desfi ver amado demais seu país e seus
lar nos Campos Eliseus, em Paris, patrícios.
depois que o verdadeiro perigo já Esta foi uma página negra,
havia passado. E depois disso, as^ a mais negra que temos lido...
sistiu, impassível,ao massacre de Thorez, além de vice-presi
dezenas e dezenas de milhares de dente do Conselho, voltou a ser o
seus patrícios. chefe do partido comunista,também
Um pouco mais tarde, por pu. chamado de "partido dos setenta
ro anti-americanismo, mostrando o mil fuzilados"; multiplicado- por
seu verdadeiro "patriotismo", foi sessenta, para mostrar o seu pre
a Moscou buscar Maurice Thorez ,ex. tenso patriotismo.
secretário do partido comunista e Foi a maior droga que apre

que, tendo traído seu país,foire_ sentaram-nos depois da guerra.


cebido muito bem pelos nazistas, Em 1968, De Gaulle fugia de
que em seguida o despacharam para estudantes enraivecidos.Desapare

o amigo do momento, de todos eles, ceu durante dois dias, deixando a


Josef Stalin. seus colegas tontos, não sabendo
Thorez ficou longe de todos onde encontrá-lo, para receberem
os combates, e de seu país,até De ordens.
Gaulle ir buscá-lo, para fazer d£ Abandonou a França para se

le o vice-presidente do Conselho. refugiar na Alemanha.


Os dois compadres necessita Voltou protegido pelos pana
vam um do outro para completar as quedistas do general Massu,depois
suas ambições; diferentes, é ver de ter prometido aos militares
dade, mas os dois tinham o mesmo tudo que eles quisessem, inclusi
objetivo: servir-se da França. Um ve, entre outras coisas, conceder^

102
jetivo "herói". Parece-me novo, e De que isso nos serviu? Pa
novo demais, para ser um ex-resis ra ter uma poltrona no Conselho
tente. É possível que seja "filho de Segurança? Estes traseiros ma
de papai resistente" ou, não se jestosos não podem, como nós, seri
importando com a verdade, siga as tar em simples cadeiras?
ondas, esperando colher, talvez, E para termos o direito de
certos frutos. veto?
Não é um herói! É outra coi^ Podíamos tê-lo tido sem to
sa, disso eu tenho certeza! Você dos os massacres, que eu espero,
nem sabe o que é! não tenham contribuído para nossa
Eu gostaria de ver a juven entrada nesse órgão.
tude da França, e de outros luga A frança, atualmente,já não
res, sentir uma onda de honestid£ é vista como uma grande potência,
de e sinceridade para,poder devas^ economicamente falando.
sar todos esses crimes. A Alemanha foi esmagada, vejn
Olhá-los bem de frente. Afi cida e dividida. Agora,está de pé
nal, ainda não estão tão longe na e altiva. 0 mesmo aconteceu com o
história do país. Muitas testemu Japão e com a Itália, a ponto de
nhas do horror ainda vivem. nos deixar para trás. Aliás, de ja
Olhem a verdade, tal como cordo com o "Expresso Internacio
ela foi e ainda o é, mesmo que s£ nal", de 30 de abril de 1987, a _I
ja desagradável aos olhos, expur tália seria a quinta potência mun
gando as mentiras que vedaram sua dial. Deixar a França para trás é
visão para proteger poderosos. não mais uma hipótese, mas a rea
Que os jovens, deixando t£ lidade. E tudo isso, graças a uma
da a demagogia de lado, procurem turma de dirigentes,superiores em
reestabelecer a verdade sobre es incapacidade administrativa,que a
ses acontecimentos, denunciando a quarenta anos nos governa.
todos as mentiras. 0 dever de vo Não podemos também nos es
cês ê rasgar este véu de falsida quecer dos anos 30 e AO,quando os
de e fazer surgir o que é verda socialistas ocuparam o poder. Pri_
deiro. meiro, a Frente Comum, de 1930 a
NSo se deixem mais enganar, 1936. Depois, a Frente popular.de
e não permitam que se enraize em 36 a 40.
seu íntimo todas as mentiras des
(Nota dos editores: ver li
tes falsos deuses, que não são ojj
vro "Holocausto, Judeu ou Ale
tra coisa, senão lúcifers, que pa_
mão?...", de S.E. Castan, pela
ra melhor se fantasiarem, recolfie
mesma editora.)
ram seus chifres afiados, de on
de ainda jorra o sangue. Durante esses anos, com sua

De Gaulle disse-nos que es política anti-nacionalista e anti

távamos juntos com os vencedores. militarista, desarmaram a França,

105
deixando-a sem possibilidades de e comunistas, que gritavam:
defesa, nas mSos de Hitler. - "Abaixo Lavai! Abaixo os
Abusados, podendo mesmo di dois anos! Abaixo os militaristas
zer-se "cegos" pelo pacifismo bes^ e o exército!".
ta, não enxergavam que a Alemanha Durante muitos meses ouvi
se rearmaria com ou sem Hitler. mos estes "slogans", que estavam
Durante o tempo em que eles também em todos os tapumes france_
estavam embalados em seus sonhos, ses.

utópicos, vivendo de ilusões, os Uma orquestração que nos le_


alemães fortificavam-se. E a Frarv vou "no bico", como se diz no Bxa
ça pagou muito caro por isso. sil. A vitória da Frente popular,
Hitler não criou o exército e de todas as capitulações seguiri
alemão em pouco tempo. Ele exis tes.
tia antes mesmo dele chegar ao p£ Estrasburgo ficou sob o fo
der. go dos canhões alemães, depois do
Não devemos nos esquecer do fogo dos nossos políticos ter ap§
discurso de Daladier, quando esta gado.
va no governo; chamado de "o tou Nos anos seguintes, as capi,
ro de Vancluse", departamento que tulações continuaram. E se Hitler
o elegeu deputado por muitos anos, deu marcha à ré em sua primeira
fez o discurso quando Hitler reo- tentativa de anexar a Áustria,não
cupou o Ruhr, contra o Tratado de foi devido aos apelos dos nossos
Versalhes. dirigentes, e sim a Mussolini.que
Daladier terminou o discur mobilizou suas tropas no Brenner,
so afirmando: na divisa entre a Áustria e a Itá_
- "Eu não permitirei que E£ lia.
trasburgo seja colocada sob o fo Na França, nossos políticos
go dos canhões alemães. A França não abriram a boca.
responderá com dureza às provoca Sempre na Frente Popular,Da

ções!" ladier, na companhia de Chamber-


Terminou seu discurso apoia, lain, "o homem do guarda—chuva",
do por aqueles que, mais tarde,De entregou os Sudetos servidos num
Gaulle chamaria de "petit veaux". prato para os alemães. Voltando
Responderá com dureza como? de Munique, foi festejado por seu
Devemos nos lembrar de que, amigo, mas não por verdadeiros pa
quando Lavai fez votar a lei de triotas,que sabiam que iria vir o
ddis anos para a serviço militar pior.
a fim de reforçar o exército pa E foi o que aconteceu mais
ra confrontar o dos nazistas, que tarde, em 1939, com a invasão da
a cada dia mostrava-se mais forte Polônia. Depois da união alemã-s£
e com mais potência, foi violenta viética e da associação destes
mente rechaçado pelos socialistas dois países, que no momento dos
106
acordos de Moscou repartiram a canso, a que tinha direito, devi
Polônia, a França declarava sua do à sua idade avançada, pôs-se à
guerra à Alemanha,apesar de não serviço, novamente, do país, para
ter condições para tal. evitar que mal ainda maior se aba
Foram anos de loucura, fal tesse sobre a França.
ta de responsabilidade e má admi Isso, porém, não impediu os
nistração de nossos governantes. incapazes, em 1944, de reclamar
Uma situação da qual Hitler das medidas tomadas pelo marechal
tirou o maior proveito. Pètain, medidas que visavam prote_
Ao exército faltavam roupas ger e melhorar a política adminis
para vestir os jovens recrutas. trativa e garantir o futuro fran
0 resultado é conhecido de cês; preocupava-se sobremaneira a
todos. A França invadida, com qua respeito da ocupação nazista, bem
tro anos de ocupação e todo o Uot_ como com os três milhões de pri
ror que se seguiu. Mas o que não sioneiros de guerra, na Alemanha.
é admissível, em tudo isso, é que Um país vencido não é um pa
os que tem a maior parte da res ís perdido. É necessário que haja
ponsabilidade nestes acontecimen fé e esperança nele, e coragem sjj
tos são aqueles que encontramos, ficiente para fazê-lo reerguer-se
nos meses de junho, julho e agos com o trabalho.
to, nos esquadrões da morte de De Temos um exemplo disso bem
Gaulle. perto de nós.
Devemos tudo que aconteceu, Trabalho-Família-Pátria...
à sua louca imprevidência, para Foi a divisa que o marechal
nSo dizer à sua traição ao país. nos legou, e o país que seguir es>
E em.seguida encontramos os te legado será uma grande nação.
mesmos perseguindo, com seu ódio Mas os demagogos nSo o que
infinito, o marechal Pètaln, em rem. Ele é bonito demais para que
1944, sendo que, em 1939, devido eles o apreciem, grande demais.
a seu prestigio nacional, enviarajn Neste país que Pètain imagi.
no à Espanha, como embaixador. Pa nou em seus sonhos, não há lugar
ra concertar os erros dos "salva para torturadores, que massacra
dores da pátria". E, a seguir,cha ram até o maior homem de toda in
maram-no de volta, para entregar- dústria francesa: Louis Renault.
lhe o poder, com a França já inva Renault foi morto a golpes,
dida, por culpa da incompetência, torturas e maus tratos, por nos
da incapacidade deles, que só se sos pretensos salvadores, no fun
achavam ainda capazes de fugir da do de uma cela, em Fresne, antigo
frente do inimigo, deixando o pa prisão francesa,onde estava tran
ís nas mãos dos invasores. cafiado, junto com milhares de ou
0 marechal, sacrificando to tros.
da a sua glória, todo o seu des Antes de assassiná-lo, nos-

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sos grandes chefSes já lhe tinham Nossos quatrocentos mil em

roubado as usinas, e, como isso pregados da estrada de ferro, os


não bastou, roubaram-lhe também o "cheminats", durante quatro anos,

nome e a vida. transportaram sem interrupção so_l

Os três irmãos Renault ti dados, armas e material alemão, e


nham começado a fabricar os seus eles não foram enforcados por is
primeiros carros, dentro de sim so.

ples galpSes, sendo que dois dos Empregados dos correios fi


irmãos morreram testando seus prj5 zeram a mesma coisa. E todos tra

prios carros. balhadores da França continuaram

Naquela época, para as in trabalhando como antes da guerra.

dústrias de automóveis, tudo era Os agricultores, dos quais


uma aventura. Não existiam esque eu fazia parte, continuaram a se

mas de pilotos, como temos atual mear e colher, criando os seus

mente. animaiSiEnfim,aumentando a produ_

Enfim, dos três irmãos, só ção., mesmo sadendo que uma parte
restava Louis Renault, que dotava iria para as tropas alemãs. Mas

o país de sua mais bela indústria não poderiam deixar quarenta mi


Como agradecimento, a França aca lhões de franceses esperando por

bou por matá-lo, sem nenhum julga comida, apesar de De gaulle pedir
mento. Quem o condenou foi uma que os agricultores parassem com

laia de criminosos imbecis inca a produção.


pazes de fazer pelo país uma ín Malgrado a derrota e a ocu
fima parcela do que Renault fez. pação, o país continuava a viver.
0 que tinha ele feito mais E só poderia continuar a este pre_
que Citrõen, Peugeot, Berliet, Mi ço.

chelin? Alguns abusaram, e todo mun

Cometeu o crime de continu do o sabe, que os que assim agi


ar a trabalhar, como seus quaren ram engrossaram as fileiras Gaul-
ta mil operários fizeram, nos qua listas.
tro anos de ocupação, dando o sus_ Juanovici, judeu francês, o
tento a todas estas famílias, sem maior traficante e colaborador dju

nenhuma greve. rante os quatro anos de ocupação,

Mais uma vez, a França mos forneceu aos alemães cobre, bron
trou-se indigna de ser um gran ze, ferro, e outros materiais ra

de país. ros que os nazistas precisavam pa

As usinas Berliet foram tani ra suas usinas, para produzir ar

bém roubadas. Todavia, este teve mas. Ele tinha uma rede de "paur-
a sorte de não ser assassinado co voyeur" (indivíduos que catam me

mo Renault, e mais tarde pôde re tal velho) na França inteira. Uma


cuperar o que lhe havia sido tirai rede que ele ampliou ainda mais,

do. durante a guerra.

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Não contribui com nada boai Eu não ignoro que há homens
to para o seu país e teve uma cojn tentando manter vocês, jovens, na
duta ignóbil.
ignorância, e que vão me reprovar
Apesar de ter sido condena por tentar abrir os seus olhos re
do, a justiça foi indulgente para volvendo túmulos e exumando defun
com ele: cumpriu apenas alguns me tos.
ses de reclusão. Enquanto outros, Mas, e a justiça?
que fizeram bem menos do que ele, E a honra de todas as víti
foram sumariamente exterminados e mas? 0 que foi feito delas?
sem qualquer direito a julgamento. Estas mesmas pessoas dirão
No princípio do desembarque que eu não falei das vítimas dos
Juanovici, auxiliado pelo dinhei nazistas, eu não as mencionei po£
ro que possuía, em grande quanti que, no mundo inteiro, todos o7
dade, chegou a ser chefe de uma dias, se fala nelas.
pretensa resistência, na polícia, Ao contrário das vítimas em
em Paris.
meu depoimento mencionadas.
No entanto, a Louis Renault Vítimas completamente esque
coube o castigo inexorável:a mor cidas... ~~
te I A Juanovici, o perdão e o re Sei apenas que o calvário
conhecimento do país! de ambas as vítimas foi um só.

A NÚS PERTENCE 0 DIREITO, ENQUANTO SE NEGAR DE CONDE


NAR OS CULPADOS, DE CULTIVAR A LEMBRANÇA DE SUAS VÍ
TIMAS, ARRANCANDO AS TESTEMUNHAS DE SUA SUPREMA INDI
FERENÇA.

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