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Oro a Clara Barzaghi Sera ca Pau Apresentacao Vidas negras: pensamento radical e pretitude [Maria Eves Diaz-Beniter Bebé da mamie, talvez do papai: uma gramatica estadunidense Hortense Spillers Nenhum Humano Envolvido: carta aberta a colegas Syvia Wynter Vénus em dois atos Saidiya Hartman Ser prete e ser nada (misticismo na carne) Fred Moten Hackeando 0 Sujeito: feminismo negro e recusa além dos limites da critica Denise Ferreira daSilva PAAR RAE EEE 7 LLL RRA presentagio Vidas negras: pensamento radical e pretitude RRR Maria Elvira Diaz-Benitez PELL LLL io estaremos sempre a plantar erquanto os outros cohen EPR EEE, 0 dourao sotimento de frutos madures ILS Nes tampouco a acta, abjetse muds ‘ue homens de pouce vallaoprimam seus mss. Fanos ets para chrar ternamente RLLLLLZLLEFS comer cuten BARRA Se remos que more qu no sn cone pcs LALEE AGL LAE DD DEED DLL LES Coens neuraosem to lr Eran so oreo tem ese Fito, RRA Zamtand dens destino ade Se demos mare ut fae abet PARE far qe ss sang econ sg drama tae Moka 1 Mes Di? ‘© poema de Countee Cullen, quelli pela primeira vezem es- (ERR RRR enlem nh mum ee a et ELLA EEF FFF EEE EEE EEE FEED mango em Bogott ficou gravado em minha meméria para sempre. Desde ent2o, cada vez que assisto a um ato de violénela BALLEFR —_ivigido-aalguém por questdes de origem racial ou cor da pele, PELL ELLE EEE EGE FFELP DLZLFR recite minha mente: Fomos feitos para chorar eternamente ‘Ao longo dos anos, enho ensaiado mudar o tom da sentence: ‘Fomos feitos pata chorar eternamente? E constantemente a ‘ecus0: Nao fomosfeitos para chorar eternamente!Aedito: Nao fomos feitos para chorar! Ndo foros feitos! 'Nomesmo liv, O negro na cultura americana, de Mar- garet Just Butcher, uma pagina depois, Claude McKay clama por ‘uma morte nobte, uma daquelas negadas aos escravizados ea seus descendentes, uma que recuse asina funesta associada 20 ser negro. Hoje, sentada em frente a0 computador e pensando «em uma forma de comesar este breve texto, automaticamente ambos 08 poemas falaram novamente ao meu ouvido, como sempre fazem, Bessa mesma or me convida alembraras arias vidas negras perdidas em vo de nossa hist6ria recente nas aos de homens de pouca valia. Amarildo, George, Marielle. ‘bro o arquivo do meu PC que chamei de “inventirio", de 59 piginas, edecido extra algumas passagens: 16/03/2014, Pela televisio, vemos Claudia Silva Ferreita se des- fazerem contato com o asflto, seu corpo jd morta e perfurado porarma de fogo caiu do porta-malas de uma viatura da polici foi arrastado por 350 m. (08/02/2014. Em cena que lembrao acoite, jovem negro é espan: ‘ado por dois motoqueiros mascarados na Praia do Flamengo, Rio de Janeiro, e,m seguida, preso com tranea de bcieleta, nu, emum poste. (08/2019. Jovem de 17 anos disse & polieia que foi chicoteado com floseltricos oreidos por cerca de quarenta minutos € ameagado de morte por furtar uma barra de chocolate. Super- ‘mercado Ricoy, Vila Jouniza, Zona Sul de Sao Paulo, 9/08/2014, Ferguson, Estados Unidos. Menos de noventa se _gundos se passam entre o momento em que Michael Brown & avistado ¢ ele ser morto por um polical branco. Ses ios tram vida de um suspeito de roubo desarmado, que, a0 que tudo, indica, estava com as mos postas 20 alto quando teve o corpo 1 ML nutcher,O mero nectar americana re perfurado, Por mais de oto horas 0 corpo fol deixado na rua, no meio da vizinhenes, sem que familiares e amigos pudessem se proximar. Protestos. Confontos entre civis epolicais. Estado deexcegiio. Toque de recolher. 19/02/2019. Pouco mais de dez dias depois da morte de um jo ‘ver negro no Supermercado Rxtra, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro por um seguranga, um homer negro é humilhado pelo sgetente do Banco Caixa Soefal, em Salvador da Bahia, estrangu- lado por um Pé na frente da filha e de outros presentes na cena, (03/02/2020. “PM esmurra efazinsultos racstas a jovem de black. power: ‘desgraga de cabelo”, Ihe tiraa boina ea joga no chao, ‘Ao ouviro rapaz dizer que ¢ trabalhador, o PM retrueas *Vocé pra ‘mim é um ladrao, Voce € vagabundo' (..) Voce & 0 qué? Voeé é trabalhador, é viado?”. Aconteceu em Salvador. 19/11/2020. Um homem negro fotespancado.e mort por dois, homens brancos em um supermercado Carrefour em Porto Alegre, ‘noRio Grande do Sul, na noite de quintaeira, 19, vésperado Dia da CConscincia Nera, 1202/2020, Curitiba. "Preta nojenta, eserava,verme",escreveu pelo aplicativo 0 condutor do Uber cuja corrda Isabella cance Tou. *Por que voet pede o carro se voo8 nao precisa do carra? Sua filha da puta, preta do caralho. & um verme! Gente como voce a ‘gente trata como verme! Nao tem nada para fazer? Arrama um trabalho, sua arrombadal” N.HL. (Vo Humans Involved), nenhum humano envelvdo. Era esse 0 acronimo que funcionarios piblicas do sistema judicial ‘em Los Angeles utilizavam para se referit a casos de violagio cos diteitos de homens negros jovens, desempregados, dos guetos das cidades estadunidenses, Devido a essa permissao para Aisparar, porque nio haveria humanos envolvidos quando se trata de negros, Rodney King foi brutalmente atacado em 1992 pela policia local, eos implicados, absolvidos em julgamento. 0 texto de Sylvia Wynter comeca com esse relato, uma cartaaberta «colegas académicos, em que também os interpela sobre qual, 9 tem sido. papel da educagio na criagdo de categorias classifica tera como aquela que permite normalizar, na vida cotidiana, a tliminagao eo encarceramento em massa de pessoas negras da ubelasse, especialmente homens ovens, subalternizados em funglo de sua raga ede sua situagdo de exclustio do mercado de tuabalho, 0s “duplos pains”. ‘Nig ha dificuldade em identifica a associacao entre os trechos de meu “inventério”, os poemas de Cullen e Mekay e artigo de Wynter, oportunamente traduuido neste livo mals “que necessirio,O flo que liga essas experiéncias se chama raga, cujos significados tem possibilitado a organizacio do mundo fem hierarquias, permitido projetos de devastacao fisica, moral tepsiquica de um enorme contingente humano ao redor do ‘mundo, A raga tem sido “a unidade da medida da diferenea e da inimizade, e critério determinante da lta pela vida, prineé pio de eliminagio, segregacio ou purificaclo da sociedad”? ‘Aessa capacidade de repetigao de visdes e comport ‘mentos intimamente vinculados ao ebdigo racial, Wynter cha- made “olhos interiores", uma gramitica efiaz e compartlhada ‘de compreensio subjetiva ou de apreensdo do mundo através de classificagdes. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a raga performativa? Essa nogio, ade performatividade, instiga _apensar a conformagio do sujeito racial. A raga é performativa, Porque é um ato ou um conjunto de ats reiterativos que criam ‘que nomeiam. Raca é, assim como sexo e género para Judith ‘Butler, uma construct diseursiva que produz corpos e subjeti- vidades. A raga existe dentro de marcos regulatéros rigidos que Ao disciplinas, dria Foucault, o que no limite significa dizer ‘que araca atua como uma pritica diseiplinar que dé marco de possbilidade a subjetividades e corpos. Assim, humilhagao e violénia atuam como atos ou diseiplinas reiceradas que tem, ‘como objetivo fazer raga, sendo exercidos dentro de marcos gidos da norma e funcionando como modos de sua perpe- ‘ago, 0 que também implica priticas estatais como modos de governangs 2 A.Mhembe oiler deste 10, 3 cee acalimperaes Dp errno sree subjection, pp. 1-15. ae i“ {stone da Sead Avoided ster, EF onhecemos.o peso eo efeito dessas classificagdes: bandidos, sacildes, macacos, favelados, N-HLL Ce ‘que, quando contam como vidas, ofazem no terstério pulsante do ebaixamento, Corpos que parecem, antes de tudo, ser carne, diria Hortense J. Spillers. carne para a autora-nesse artigo ja «ldssico ¢ extremamente influente no pensamento negro est ddunidense ~ é uma narrativa priméria, aquilo que antecede ao corpo, que para os escravizadas em situacio de cativeiro se tor- ‘nou um arquivo de violagées etorturas,“hierogl brutais sobre otecido, o masculo, a pele. Se no espancamento cesses ndo sujeitos assumem o estatuto ontolégico da carne, éna ‘operatividade e atvalizagao do cédigo da raga que Claudia Silva Ferre Thante com o asfalto, Se falo de Claudia é porque a imagem de seu corpo inertecaindo do porta-malas da viatura policial ficou _gravada em mim como aasfxia de George Floyd pela perna de Derek Chauvin (que nunea esquesamos o nome eo rosto dos assassinos!) ou as deserigdes de Frederick Douglass sobre 0s ‘gritos de suattia Hester. Em “Bebe da Mamie, calvee do Papal: uma gramatiea cestadunidense”, originalmente escrito em 1987, Spillers tam- ‘bém nos lembra dos efeitos sociais da nomeagdo. Muito jé tem sido escrito sobre as decorréncias do Relatério escrito pelo socislogo Daniel Patrick Meynihan, em 1965, quando atuava, na Secretaria do'Trabalho no mandato do presidente Lyndon 2, Johnson, ea grande preocupacto governamental era criar ‘mecanismos para lidar com a pobreza. Nesse universo de valo- res no qual se pensava o quantoa pobreza se transmitia como “cultura”, muito influenciado pelas pesquisas do ancropélogo ‘Oscar Lewis, tal relatrio estabeleceu uma relagao direta entre ‘a precariedade econdmica e moral dos negros ea “auséncta de familia nuclear”. Assim, laes chefiados por mulheres, maes solo ou teméticas como divércios e abandono familiar entre aftodescencentes foram pensados como patologias ecomo ‘causantes de uma desorganizagio social que precisaria de uma intervengio do Estado efetiva. Houve ali uma conjuntura his- téria especifiea na qual aclassficagio de patolagia (com todos 0s significadas de anormal, desordeiro e doentio associados) fo atribuida a uma comunidade em especial. Assim “a ‘Familia ;pos marcados ou vidas jeos" efeitos eve seu ser tornado care no enconto fatale humi- Negra ndo tem um pai do qual falar~seu Nome, sua Le, sua fangdo simbélica marcaen as impressionantes ageneias peri das na vida essencal da comunidadepretaorelario continua, e ss0 6, surpreendentemente, culpada Filha ou da inhagem feminina”# Nomeaei desumanizada. Nomeagao que atua como uma das diversas formas de mutilacio dos povos descen- dentes de aficanos nas Américas, Forma contemporanea que ‘demonstra, evocando Fanon, que os corpo dos sobreviventes so sempre corpos amputados. Carne. Atualizages do cativero no eseravizado que Spillers encontraadiferenga entre ser car ne ser corpo, ou sejente se catvo ese livre, Bénoeatveto ‘quea cere perdeu oénero, nessa “earga” dos navos, massas Sem nomes nem sobrenomes, nem masculinos nem ferininos, ‘meros tertitrios de manobra cultural e politica" carne como ‘mereadoria primaria de roca sobre a qual se acometeriam as relagdes etergversaria o parentesco, um parentesco sempre abertoarbitrariedade das relacdes de propricdade. ‘Aldea de que a escravidio, pr meio do trabalho pe sao edo castigo, borraria o género est também presente nas fdeias de Angela Davis Mas, para Davis, seria no abuso sexual ena eprodusSoque possibilitariam multiplicarapopulacso de excravizades, poral a propriedade do escravizador~que 0 enero sereestabeleceria. Se oRelatirio Moynihan eas politcas due desencadeou incentivaram ideis e formas de governo eorativasedscriminatsias sobre a familia negra ele fot também dispositivo paraum futfero debate sobre as orgens « socologia dessa familia entehistoriadores da escravidio nos stados Unidos, 0s quasse contrapunham a patirda segunda metade da décads de 1960, as deas de anomaliacins- tabildade da familia negra escravizada, ponderanda que dessa instituigdo decorreriam aprendizados de pautas para a sobrevi- ‘véncia. importante notar que s ideias sobre familia também foram cimento fundamental para pensamentofeminista 5H. splley,nebi da mamde, ther do papa uina gramiia estaduniden sepa 5 A Dis, ateres, regalo 2 eri una Een Thea Fy styant Peden Gener aerials and deals nthe Wc of Nor Se’ In the hacer |. Blasngane, Te Slave Commun: lanzarote th South | le negro nesse pais, pois, como diz bell hooks “o laré um lugar de resistencia”, ‘texto de Hortense J. Spillers foi dispositive da andlise ‘que a sociélogaafro-brasileira Denise Ferreira da Silva constedi noartigo “Hackeando o sujeito: ferninismo negro recusa além dos limites da critica”, presente neste liv. Aqui a autora ‘questiona o sujeito da filosofia moderna, chamando atencio paras possibilidades que as formas raviais ede sexo-gnero tem de perturbéslo. 0 exercico critica desse artigo, dotado de ‘uma erudiedo que caraeteriza todos os trabalhos de Ferreira dail, toma a carne feminina desgenerifcada e a desfigura ‘num movimento de recusa radical aquilo que ela chama de forma-patriarca)istoé, a autoridade, ocidado, a gramatica ju ‘ier éticado sujeito moderno. Seu gesto de partida é hackear , figura por meio da qual Nahum D. Chandler expae o passado :miscigenado de W.E.B. Du Bois partir de sua bisav6, uma figu- ‘a andnima da qual vem a “contaminagio" de sua genealogia, sobre a qual no era possivel determinar exatamente sua pro ccedéncia racial, tendo assim o potencial de perturbara pureza racial estadunidense, escorregando, por sua ver, no binatio negro/branco que construlu historicamente o ordenamento das sagas nesse pais e que simultaneamente desvenda o quanto o poder de nomeaeao ou dentiticacao racial também esta arela «doa uma decisio do patriarca. Assim, evocando a experiéneia biogrifica de Du Bois, mas extrapolando-a, a autora se engaja em tirarX do lugar do nada, o que implica déslocé-a do lugar de ssubordinacio em relacio ao sujeito autorizado. No limite, isso significa questionaro tipo de mulher que pode ofereceralter- nativas radicais a0 feminismo negro eliberar as possibilidades dessa carme que se coloca além “dos simbolos tradicionais de ‘sénero feminino*, comoa autora insiste 4 Apreendo o texto de Denise Ferreira da Silva como uma, eserita feroz contra patriarcado e como um exercicio radical . To wilerson fed Whee Plc Cinema andthe Sacre ofS. Antagonism. 170 Patera, Savery and Soil Doth natal, isto é, quem se nega a possiblidade de permanénela de seus lagos de parentesco. ‘que esté por tes 6 ideia de moree social, Vale reter cesta ideia porque frente a ela Moten reage. Eu nio tenho a pos- sibilidad, neste breve text, de desvenclar todos os meandros de sua colocago, econvido o leit ase deleitar, omo.eu, nas preciosaspistas que Moten eo livzo todo oferecem. Mas posso ‘anuneiar que o autor, como Wilderson e Sexton, reconhece {que o mundo para os negros éuma vala comum, mas procura entender as possibilidades da morte social como morte politiea, ‘como potencial vida, mesmo que no terrtério do nada: uma neyritude que, sendo nada, possa exterminar 0 mundo que conhecemos. Enos insiste que a negritude precisa se ibertar daontologia, movimento de recusa que é fundamental em sua proposta e que éantes ce tudo um “trabalho”, poisa negritude € *o subterrineo da ontotogi, a perturbacio irreparivel no tem poenoespaco de ontologia” ‘Acerta altura do ensaio, Moten afirma: “Seo pessimis- ‘mo nos possibiltadiscernir que somos nada, entao 0 otimistno acondicio de possibilidade de estudo do nada, bem como ‘o que deriva desse estudo. Nés somos quem se envolve nesse estudo e quem deriva dele: prettude como estudo pretoe ‘como radicalismo preto". Mais na frente, continua: “E possivel ‘desejar algo que ndo seja a subjetividade transcendental queé ‘hamada de nada? E sea prettude for o nome dado ao campo social e vida social de uma capacidade alternativaeiicta de {desejar? Sendo direto, penso que a pretitude é exatamente essa ‘capacidade, Quero que claseja meu estudo constante,” ‘Actedito que essa capacidade alternatva eilcitaevoce a éticafugitiva da qual fala em The Undercommons, a "téenica Dreta” que s6 0s fugitivosreconhecem, e que seu convite seja.a viver uma vida comum, em despossessio, na quebra ena recusa « formou Huey Perey Newton e Bobby Seal, ativistas consid: rados 0s fundadores do Partido dos Panteras Negras. Entee 0s principais objetivos do RAM esteve o desenvolvimento de uma, organizago nacional de estudantes negros,a Afro-American Student Movement (ASM), que procurava formar estudantes para lutar contra as injustigns que eles e outros afro-estaduni- denses viviam no pais. ‘Ali estavam presentes as bases para o que se tornou ‘Programa dos 10 pontos do Partido dos Panteras Negras: liberdade; emprego para. 0 povo preto; fim da exploragao das co- ‘munidades negras pela branguitude; moradia digna; edueagio ‘correta que ensinasse a importancia dos negros na sociedade; isencio do serigo militar para os homens negros; fim da brutalidade poliial;liberdade para os pretos encarceradoss jul- _gamentos feitos por pares em caso de ir; formas organizativas ‘que permitam aos negros decidir sobre seu destino. DDiversos movimentos organizados em fungio desse tipo de pautas participam da tradigfo radical. Entre 0s mais relevantes encontramos aqueles dedieados 8 luta pelo abol cionismo penal, que possul uma proficua produgio académica entre a qual se destaca o trabalho de angela Davis. [No universo do ferinismo negro, a tradiglo radical remonta ao egado do Combahee River Collective, grupo de mu theres negras socialistas que em 1977 escreveram oCombehee River Collective Statement, no qual plantearam prineipios anti- patriarcalistas, antirracistas, anti-imperialistas, anticapitalistas eanti-homofbbicos.°¥ na uta contra a supremacia branea ‘contra essas diversas formas de opresstio que 0 Combahee River firma bases para um feminismo negro radical que ins- pitou ativistas e académicas como bell hooks, Aude Lorde, Patricia Hill Collins, s6 para mencionar as mais conhecidas no Brasil" A tradieao radical reconhece o peso de figuras como 20 o mania nid o pont por etal ec Let ies esprit PLURAL, ert Popa de rune Sock a US, ala x63 2015p. 107203 2 mea aoe ormapa do ome Rie 1974, pasa oto mo ‘iment stoi amber edn aise bande es ragio ‘Sane areluen pola am molnaontl commnis cose ‘Sto re gu 2h omen. eee ‘Malcolm Xe seu nacionalismo negro; de Marcus Garvey-e seus {deais panafricanistas,e simultaneamente se atela a pensado- ‘es como C-LR. James ~ um dos pais do pan-africanismo mar- xistarevoluciondtio ~e de W.E.B. Du Bois, evocando igualmente ‘a forga do pensamento de Frantz Fanon. Cedric Robinson é ‘também fundamental para a compreensdo da tradiglo radical ‘dopensamento negto, Seu lvro Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition, de 1983, considerado uma contri ‘buigdo inestimével aessa vertente do pensamento. Nesse livro, ‘Robinson associa a tradiedo radical negra aum aprendizado derivado das lutas histrieas pela libertago que tem sido funda- ‘mental para a criagdo de formas coletivas de supervivéncia, Por ‘sua vez, esses modos de sobrevivencia vriam fundamentalmen- tedas camadas mais desfavorecidas das sociedades pretas, das plantagdes, da peonagem, da vida nos guetos das grandes cida- des. Ba partir dessas experiéncias de “subcomum”, “abaixo" = undercommon, ditia Moten ~ que 0 autor constréia ideia de apitalismo racial, o qual s6 poderia ser combatido com éticas coletivase comunitérias, iventivas endo imitativas do branco. ‘© que estd em jogo para Cedric 6a formacao de uma consei- {ncia proletiria radical ineentivada pelo marxismo negro € pelos efeitos de organizagdes, movimentos, partidos politicos ‘esindicatos pretos com bandeira racial. Sua convicgio é que o ‘capitalism é surgiu no Ocidente emaranhado a0 racismo, isto é ambasas categorias,capitalismoe racismo, se (te)produzi> Flam a partir do imperialismo, da colonizagio, da eseravidio, da ‘expropriagdo violentae do genocidio. Seria a partir da configu- ragao de hierarquias raciaise de um aparelho cientifco, politico ceeconémico para sua manutengio que persistiriaocapitalismo racial E contra. fim clo capitalismo racial se levantam int: ‘eras vozes dos movimentos cantemporineos contra o encar ceramento em massa ea violéneia do Estado, Uma evidéncia & ‘forca do Movimento #BlackLivesMatter, surgido entre 2013 € 2014, ap6s os assassinatos dos jovens negros Trayvon Martin, 22. Robinson, Black Mario: he mating ofthe Blackradeal tron 21 Reconhecetnos esta dela no trealhoe de Angel Davi Achille Memb, ‘qe mut laste na imposbldade de pensar cpitalieme modern sm) ‘ievtar pera instuconaliraga dotriicenegeeieae da ctr. “Michael Brown ¢ Erie Gamer, e suas reverberagBes ao longo ‘do mundo com enorme forca apés a morte de George Floyd em 2020, ‘Aluta anticapitaista ¢uma constante nos movi- mentos e pensadores associados i tradicao radical. Entre fos autores desta coletinea, nao posso deixar de mencionar “Adivida impagéveP* de Denise Ferreira da Silva, um livo que ‘mostra as entranhas do captalismo e seu efeito sobre a exis- ‘éncia preta atrelando a despossesso das vidas eseravizadas ‘como empobrecimento e nova despossessio de familias negras por ocasio da recente crise imobilidria nos Estados Unidos. "Textos como esse nos obrigam a pensar que, apesar da divida hist6rica que a sociedade branca tem para a sociedade preta dos diversos projetos de reparaclo, a divida é impagivel. ‘se anuncia umm paradoxo:os brancos devem aos negros, mas soos negros que sempre aumentam sua divida, justamente porque no fundamento da humanidade ests o preto como esse ser desapropriado, como o "condenado da terra". Em Scenes of Subjecton, Saidiya Hartman interpreta a divida como parte da ‘economia moral da submisslo eda servido. “A culpa marear ‘onascimento do sujeito modemno”, diz, porque a pripria “con= cessio” da liberdade pelos brancos estabeleceria um principio {e responsabilidade em que os pretos pagariam por esse “inves timento de fe". Em outras palavras, a uma meméria do passado sobre senhores benteitores se uniria oagradecimento, earrisco dizer que é essa mesma economia moral que hoje organiza toda, ‘uma aura emocional na qual se espera que nés, negros, nos sin tamos agradecidos por aeées afirmativas ou programas de cotas racials para acesso a emprego e edueaco, ou que nos sintamos ‘envergonhatlos por “tirar"o lugar dos brancos desses espacos. ‘Outro ivro que Levanta essa questio ¢ ojé menecionado ‘The Undercommons, que nos faa de uma pretitude em estado ‘broken (quebrantada cendividada) e de como primeira acumu- Jago moderna éa transformagao dos negros em mereadorias, {nstitucionalizando o regime de propriedade como pauta funda- ‘mental da governanga. Apreendemos com esses autores que 0 racismo a instituiedo modema da propriedade. 24 D.Feeia da Sit, Aaideimpgsnel i Colocagées da vertente afropessimista também tem sido enor emente influentes para os movimentos contemporéneos de Juta por dignidade sociale contraa violencia do Estado, No Brasil, asideias sobre a antinegritude tém conformado um ‘asto campo de pesquisas na tltima déeada, especialmente «em etnografias sobre a vida de pessoas pretas faveladas.e suas cexperiéncias fatais com o sistema policil e om as politicas de encarceramento (ef Osmundo Pinho, Jodo H. Costa Vargas, Ana ‘lauzina, Lueiane Rocha, Jurema Werneck, Carla Matos, Rachel ‘Barros, Aline Maia Nascimento, Hannah de Vasconcelos, Jefer- son Seabio, Thula Pires, saae Palma Brando, entre outros). Achille Mbembe é um autor que no se associa ao aft pessimismo, embora algumas de suas ideias evoquem essa li- ‘nha de pensamento (especialmente seu livo On the Postcolony) [No Brasil, ¢ preciso mencionaro impacto politico etedrico da nogio de neeropolitica em uma producao académica recente, «em didlogo com nodes como racismo estrutural,eujoteor, ameu ver, faz intervengOes radicals na critica cultural negra neste pais ef Silvio Almefda, Joice Berth, Fatima Lima, Adriana ‘Vianna, entre outros). ‘Aautores fundamentais na formagio académica, politica e existencfal negra como Kabengele Munanga, Zélia ‘Amador, Antonio Bispo dos Santos, Sueli Carneiro e Conceigto varisto, permito-me juntar outros que vem fazendo inter- ‘vengdes radicals no pensamento negro nacional, seja desdea produeio tedrica atistica o trabalho de tradusio de autores negros estrangeiros, o estudo da obra dos autores pretos nacionais, sua divulgacdo em blogs de opiniso ou em cursos de formagtoe lives nas redes sociis ota Mombaga, Michele “Mattiuzi, Matheus Araujo dos Santos, Flavio dos Santos Gomes, ‘lex Rats, José Carlos dos Anjos, Janaina Damasceno, Petrénio Domingues, Kaciano Gadetha, Juliano Gadelha, Vietor Galdino, Plivia Rios, Giovana Xavier, Stella Paterniani, allan Kardee Pereira, Yhuri Cruz, abigail Campos Leal, Zwanga Nyack, entre ‘muitos outros), ou portais, sites e piginas de instagram como 0Geledés, Noticia Preta, Alma Preta,Prettudes Se quisermos pensar numa tradicdo radical propria do Brasil, teriamos que reunir os diversos movimentos contemporiineos que evocam a nogio de quilombisma ede quilombo de Abdias do Nascimento e 2a peatrie Nascimento e que, a partir dessas figuras, organiza. territérios existenciais de fuga erefiigio~os coletivos de mulhe res negras no Rio de Janeiro, como a Casa das Pretas, reunidas (ounio) sob o eto do mulherismo africano é, para mim, uma ‘manifestagdo disso. Também 0 & 0 movimento slam de pretos favelados, o movimento hip hop antiracista ou os coletivos ‘de pretes LGBTQIA+ que tomam a cena preta em Sao Paulo e ‘outrascidades e se organizam em houses seguindo a tradigio ‘do vogue. Vejo toda essa radicalidade como perenes gestos de fuga, como recusas constantes a sujeig2o, como téenicas pretas ‘nas quais se reproduzem os segredos para a sobrevivéncia. Gri- tos agudos que tejetam o N.#.1, um redondo “nao fomos feitos para chorar eternamente”, ste 60 pais de Zumbi e Dandara, de Léliae Abdi, de Luiza Mahin e Lulz Gama, de Maria Firmina, André Reboueas, ‘Chico Rei, Tereza de Benguela, onde uma longa histéria de ppensamento radical negro tem tido lugar e diversas Forgas ‘contemporineaslutam pela descolonizagio, que, como diz Denise Ferreira da: <0 inico nome adequade a justi Rio de Janeiro, 15 de abril de 2021 25 Recomendoa leur ds distri ntuada Aone yl movie {alma einyrafi da con peta eS ane do etrpogs ‘Bruno Nang Riera nana Bibliografia LASSINGAME, John We slave comma Planeacion fon ‘sda University ress, 1979 BUTCHER, Margarets Ongrona ‘adava aericona. Rode nee undo deCultur, 1960, EHLER, None Racatompereies Dipti pefomathityand erage ogabst ebjction lomington and Indanapotis Indiana Universi Press, 2012, PEREIRA DASILNA Denise. dda Impogivel So Paul: Csado be Annunced: Raia ras or owing Limits offs", Seca Text 24339, 90 1,200,

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