Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
À Sombra de Um Escândalo
À Sombra de Um Escândalo
Escândalo
Allegra Gray
Inglaterra, 1814
Tudo começou com uma proposta inocente...
Após a morte do pai, Liz Medford se viu sem um
centavo e com uma terrível perspectiva para o futuro:
casar-se com o desprezível Harold Wetherby. Sua família
aprovava a união, mas Liz já testemunhara a natureza
cruel de Wetherby e sabia que teria uma vida infeliz ao
lado daquele homem. Se ao menos ele desistisse do
casamento... A única maneira de desencorajá-lo seria
arruinar sua própria reputação, que era ilibada... Até
aquele momento...
Liz, então, arquitetou um plano brilhante para
escapar de seu indesejável pretendente. O único
empecilho era o homem com cuja cooperação ela
contava para arruinar sua reputação — o irresistível
Alex Bainbridge, duque de Beaufort. Alex, contudo,
tinha seus próprios segredos, que o levavam a evitar
Liz a todo custo, para o bem de ambos. Ele se
mostrou irredutível em sua decisão de não participar
daquele plano maluco... Porém, Liz estava determinada a fazê-
lo ver que era também um plano muito tentador...
Revisão: Giselda
Formatação: Edina
Allegra Gray 2
À Sombra de um Escândalo
Capítulo I
Allegra Gray 3
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 4
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 5
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 6
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 7
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 8
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 9
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 10
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 11
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 12
À Sombra de um Escândalo
— A filha de alguém.
Os três homens pareceram horrorizados, e Alex suspirou.
— Eu estava apostando com um homem que havia passado dos
limites. Eu não sabia, ou então jamais teria jogado com ele. De qualquer
forma, é suficiente dizer, quando ele se deu conta de que não poderia pagar
por suas muitas perdas, ofereceu a filha em troca.
— Quem faria tal coisa? — ofegou Wilbourne.
— O homem já faleceu. Prefiro não citar o nome e não pisar-lhe ainda
mais a memória.
— Barbaridade — grunhiu Stockton.
— Uma atitude positivamente medieval — confirmou Wilbourne.
— Você aceitou? — perguntou Garrett.
— É claro que não aceitou — respondeu Wilbourne por Alex. Um
homem sentado à mesa mais próxima, o qual Alex, em meio ao torpor do
álcool, não foi capaz de identificar, levantou-se e roçou suas costas enquanto
passava, fitando-o por um pouco mais de tempo do que seria educado. Havia
ouvido a conversa, sem dúvida.
Garrett olhou para Alex, buscando confirmação.
— Não, não aceitei — ele disse.
Seria sua reputação tão ruim a ponto de que os amigos o julgassem
tão mal? Possuíra muitas amantes e concubinas, mas jamais havia tomado
uma mulher que não se apresentasse por espontânea vontade.
Pôs-se de pé.
— Lamento arruinar suas expectativas, Wilbourne, mas vai ter de se
contentar em ganhar o dinheiro desses outros cavalheiros pelo restante da
noite.
Liz chegou ao refúgio temporário do quarto, caminhou por alguns
segundos, e então abriu o guarda-roupa e o baú. Contemplou quais coisas
seriam mais essenciais para que levasse consigo. A fúria e o medo que
sentira diante de Harold haviam cedido, deixando para trás uma sentença
firme.
— É um homem horroroso. Um verdadeiro animal. Liz se assustou
quando deram voz a seus pensamentos.
— Charity! Você realmente sabe surpreender as pessoas.
— Ele a machucou?
— Não muito. — Ela esfregou o braço.
— Liz, como você pode suportar? Ele é terrível demais. Com renda ou
não, não consigo compreender por que mamãe e nosso tio querem que se
case com ele. Fiquei feliz por você tê-lo estapeado.
Allegra Gray 13
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 14
À Sombra de um Escândalo
— Obrigada.
Liz sorriu e deu um rápido abraço na irmã. Então fechou a mala.
Nas horas seguintes, as duas circularam pela casa, fingindo estar tudo
normal sempre que os criados se aproximavam, e fazendo planos
sussurrados quando se viam a sós.
A noite chegou, mas nenhuma mostrava qualquer inclinação para o
sono. Charity olhou através da janela de Liz, agarrando as cortinas. A irmã,
estranhamente calma, sentava-se próximo à penteadeira.
— Ouvi mamãe dizer que tem um encontro na residência dos Jameson
esta noite. Assim que ela se for, você pode seguir seu rumo. Olhe! O
condutor já está preparando o coche.
Liz concordou. O velho condutor, Fuston, estivera dirigindo na noite do
acidente e havia desaparecido logo após a morte do pai dela. Na certa se
sentira culpado demais para permanecer no emprego.
— Pronto, minha irmã. Mamãe está subindo no coche!
Liz se levantou e contemplou a irmã que amava com todo o coração.
— Charity, tem certeza de que estará bem, depois que eu for? A moça
sorriu.
— É claro. Eu sei que não ficarão felizes comigo, mas posso suportar.
Não precisa mais me proteger, Liz.
Liz deu-lhe um longo abraço.
— Vou sentir a sua falta mais do que tudo! — Recompôs-se
rapidamente. — Vá na frente e consiga uma carruagem. Vou terminar aqui e
estarei pronta quando ela chegar.
Olhou o adorável quarto verde e dourado que conhecera por anos, e
bateu a porta para aquela antiga vida.
O estábulo dos Derringworth, localizado nos arredores de Londres,
servia apenas aos clientes mais distintos: nobres, em sua maioria. A empresa
possuía tudo, desde cavalos de corrida até montarias para donzelas, com
apenas uma regra: qualquer cavalo proveniente dos Derringworth era da
mais alta qualidade. A operação representaria a epítome do que Harold
Wetherby aspirava se tornar. Motivo pelo qual o homem estava a caminho
de lá, interessado em conseguir um novo animal.
Um jovem encontrava-se sentado a uma pequena escrivaninha à
esquerda da entrada, e se levantou ao vê-lo.
Harold estufou o peito.
— Harold Wetherby. Vim para ver o garanhão que, dizem, está à
venda.
Allegra Gray 15
À Sombra de um Escândalo
— Sr. Wetherby... Sim, vi seu nome em nosso livro. Tim Kemble. Sou
assistente do Sr. Derringworth.
Um assistente? Sua visita não merecia a presença do proprietário?
Perguntou-se Wetherby, irritado.
— Se milord me acompanhar, podemos dar uma olhada no animal.
Passaram por uma baia vazia, depois por várias que abrigavam belos
reprodutores e éguas, até que Kemble se deteve.
— Este garanhão é soberbo. Descendente de Warrior Prince. Agora, se
é de um cavalo para cavalheiros que milord está atrás, pode se interessar
pelo Marty aqui. — Gesticulou para dentro de uma baia. — É também um
belo animal.
Harold lançou ao bicho um olhar impaciente. O cavalo era mesmo
excelente, mas suspeitou de que Kemble o houvesse julgado mentalmente
como indigno do melhor animal que o estábulo possuía.
— Alguém aí? — Uma profunda voz masculina soou da entrada.
— Um momento, Sr. Wetherby. — Kemble se apressou em ir
cumprimentar o novo visitante.
Harold rangeu os dentes.
— Vossa Graça! Que surpresa! — A voz do rapaz ecoou pelo estábulo
logo depois. — E uma honra, devo acrescentar. Se soubéssemos que milord
viria, tenho certeza de que o Sr. Derringworth teria dado um jeito de recebê-
lo.
Harold caminhou em direção à entrada enquanto Kemble retornava ao
lado do duque de Beaufort. Poderoso e respeitado, o homem poderia ter
tudo no mundo, bastaria pedir.
Por isso ele o odiava.
— O que posso fazer por milord? — perguntou Kemble.
— Meu cunhado diz que tem um garanhão que vale a pena... Harold
sentiu-se retesar. O duque estava interessado no mesmo cavalo que ele!
Sim, ele, Harold Wetherby, antigo joão-ninguém, mas agora um homem em
rota ascendente.
— Certamente. Uma bela criatura.
Enquanto se aproximavam, Kemble assustou-se, parecendo ter se
esquecido de sua presença.
— Ah, na verdade, o Sr. Wellesley e eu seguíamos naquela direção...
Sr. Wellesley, o que achou do Marty aqui?
— Wetherby — corrigiu Harold. — E prefiro ver o outro garanhão.
— Sem dúvida, mas... Vossa Graça, o senhor se incomoda? Harold
bufou. Ele estava ali antes, e com hora marcada!
Allegra Gray 16
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 17
À Sombra de um Escândalo
escapar agora. Por isso decidira pressionar o tio de Liz para que o anúncio
fosse feito logo.
Havia apenas uma coisa faltando para selar aquela tarde perfeita.
— Quanto quer pelo garanhão, Kemble?
O assistente se inquietou.
— Sr. Wetherby, se é uma boa montaria que o senhor quer talvez um
animal de corrida não seja sua escolha ideal.
— Quanto quer pelo cavalo?
Kemble endireitou os ombros e gesticulou em direção ao animal.
— Bem, Sr. Wetherby, um cavalo com a procedência do Tempestade...
— Sua voz foi sumindo, cheia de significado.
— Quanto quer por ele, Kemble?
O jovem olhou para o duque, depois para Harold.
— Se o senhor estiver interessado, poderia marcar uma hora e...
— Estou preparado para conversar agora — disparou Harold, os
punhos cerrados.
— O preço sugerido é de mil e duzentas libras — disse Kemble.
O duque, um homem conhecido por suas extravagâncias, nem se
moveu. Harold, por outro lado, teve de engolir em seco. Aquele assistente
idiota só podia estar tentando roubá-lo.
— É uma bela quantia, devo dizer. — Forçou-se a respirar
normalmente. — Talvez se pudesse fazer com que o animal trotasse...
Mostre-me do que ele é capaz.
Tomara pudesse descobrir algum defeito no bicho e forçar o assistente
a baixar o preço.
— Ficarei feliz em levar Tempestade até o lado de fora — respondeu o
rapaz. — Quando o vir em ação, vai perceber que o preço se justifica. Vou
aprontá-lo...
Antes que ele o fizesse, contudo, o duque o deteve pelo braço.
— Negócio fechado.
— P-Perdão? — gaguejou Kemble.
— Como assim? — A pergunta brotou da boca de Harold antes que ele
pudesse impedir. O maldito duque o ignorara!
— Faço negócios com Derringworth há tempo suficiente para saber
que ele garante seus animais. Tempestade vale no mínimo esse preço.
Enviarei meu procurador com uma nota do banco, e o restante da quantia
amanhã cedo.
— Esperem só um minuto! — intrometeu-se Wetherby. Mesmo assim,
ninguém lhe prestou atenção.
Allegra Gray 18
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 19
À Sombra de um Escândalo
— Esse mesmo.
— Não! — Bea exclamou baixinho, tomando um breve gole de chá.
— Por isso não quero voltar para casa. Prefiro trabalhar para viver.
— Fazendo o quê?
— Essa é a questão. Pensei em me tornar costureira. Sou boa com
agulhas.
— Sim, Liz, mas as melhores modistas vão querer referências, e você
não tem nenhuma.
— O que me sugere, então? Há poucas maneiras pelas quais uma
mulher pode ganhar a vida e se manter anônima.
— Triste, mas verdadeiro. Conheço uma que ganha à vida escrevendo
livros...
— Não tenho competência para isso, Bea. Além do mais, levaria muito
tempo.
— Você é bem-vinda para ficar aqui por quanto tempo queira. Não é
nenhum sacrifício para mim.
— Eu sei, e agradeço por isso. Não sei para onde mais eu poderia ir,
senão para cá. Mas não posso ficar escondida para sempre. Preciso sair o
quanto antes. Qualquer que seja o trabalho que eu encontre, deve ser em
um local onde meu tio não pense em procurar por mim. Eu poderia ser uma
governanta.
— E cuidar da casa e dos filhos de outra pessoa? E se forem mimados
ou mal-educados?
— Ah, Bea. Eu amo crianças!
— Mas Liz, você acha que tem jeito para ser governanta? Você é um
tanto cabeça-dura, ainda que eu a ame por isso... Creio que esse tipo de
característica seja malvisto em governantas.
— Tenho certeza de que posso superar esse meu defeito. Não posso
mais me dar o luxo de escolher muito. Mas provavelmente terei o mesmo
problema para arranjar referências.
— Muito provavelmente. Se uma costureira precisa de referências,
imagine o que... Espere! Eu conheço a pessoa perfeita para acolhê-la. Ela
pode reconhecer você, mas é uma alma caridosa. Andei ouvindo, em um chá,
outro dia, que ela estava ansiosa por contratar uma boa governanta. Ela vive
no campo, então é menos provável que você seja vista.
— Quem é?
— A viscondessa Grumsby.
— Grumsby, Grumsby... A irmã do duque de Beaufort? Mas ela é a
irmã de Alex Bainbridge! Eu não poderia!
Allegra Gray 20
À Sombra de um Escândalo
— Liz, eu sei que você tem certo interesse por ele, mas depois que
nada aconteceu após aquele baile, falho em ver qual o problema.
— Não foi só isso.
Tristonha, Liz contou os detalhes de seu encontro com o duque.
— Céus! Isso foi ousado. Você não é cabeça-dura, minha amiga, é
completamente louca!
Liz sentiu as faces arder.
— De qualquer maneira, continua no mesmo ponto em que estaria
caso ele tivesse aceitado sua proposta — continuou Bea. — Pode ser um
tanto desconfortável se conseguir o emprego e ele aparecer para uma visita
à irmã, é claro, mas será uma chance única para que você se mantenha fora
de circulação.
Era verdade, pensou Liz.
— De qualquer modo — prosseguiu Bea —, acho que vale a tentativa.
Como eu disse, lady Grumsby fica no campo quase o tempo todo, o que deve
protegê-la dos olhos mais perigosos.
— Mas e se Alex tiver contado a ela sobre mim?
— Pouco provável. Se ele não quer ter o nome envolvido com o seu
em um escândalo, por que faria isso? Ele provavelmente já se esqueceu disso
tudo.
Liz não estava tão certa sobre aquilo, mas, como não podia pensar em
opção melhor, e como a ideia de deixar a cidade por um tempo tinha um
forte apelo, concordou com o plano.
Em questão de horas, Beatrice enviava uma mensagem a, lady
Grumsby atestando sua total idoneidade para o posto de governanta.
E, como era possível que lady Grumsby a reconhecesse de qualquer
maneira, Liz concordou que Bea revelasse seu verdadeiro nome. Apenas
rezava para que a mãe não descobrisse tudo, pois lady Medford tomava o
status de nobreza com bastante seriedade.
Passou os dias seguintes na expectativa por uma resposta. Como mal
podia passear pelas ruas de Londres sem ser vista, Liz se manteve na casa.
Bea tinha mais liberdade e, com a ajuda de Charity, conseguira trazer mais
dois de seus vestidos, embora ambos tivessem sidos tingidos de cinza após a
morte do pai dela.
— Se vai trabalhar como governanta, precisa se parecer com uma —
disse Bea enquanto a ajudava a remover os laços que devam aos trajes sua
única aparência mais moderna. — A notícia sobre seu desaparecimento
ainda não chegou à cidade. Sua irmã diz que a família mantém o fato em
segredo, esperando encontrá-la logo e pôr fim à situação. O escândalo seria
Allegra Gray 21
À Sombra de um Escândalo
enorme. Eu, é claro, jurei que não sabia de nada. Mas Liz, acha que está
fazendo a coisa certa?
— Não tenho dúvida disso.
— Se é assim... — Bea deu-lhe um tapinha no braço.
Por fim, as boas notícias chegaram: lady Grumsby estava interessada
em entrevistá-la!
Imediatamente, Bea a ajudou a fazer as malas, e Liz comprou uma
passagem na carruagem de aluguel que partiria na manhã seguinte.
Suspirou conformada. Não via mais coches luxuosos em seu futuro.
A despeito de ter saído cedo da casa de Bea, era quase noite quando a
carruagem se aproximou de Garden Home, a propriedade pertencente à
irmã do duque de Beaufort e seu marido. Dado o nome simples, Liz esperava
um terreno agradável, porém modesto. Em vez disso, o coche passou por
vastas relvas bem aparadas e, por fim, avizinhou-se a uma mansão espalhada
que parecia um conglomerado de todos os estilos arquitetônicos que a
Inglaterra conhecera nos últimos quatro séculos.
Bateu à porta, na entrada traseira da casa, trêmula.
Uma criada veio atendê-la e a analisou de cima abaixo.
— Sim?
— Estou aqui para uma entrevista de emprego.
A moça modificou a expressão para outra de maior respeito.
— Sim, madame. Lady Grumsby imagina que esteja cansada da
viagem. Devo mostrar-lhe um quarto e sua entrevista será pela manhã, bem
cedo. Por aqui.
Liz mordeu o lábio, desacostumada a ser tratada com tanta
casualidade pela criadagem, mas seguiu a criada ao longo de um corredor.
Era melhor que se adaptasse logo, já que a posição de governanta estava
acima da dos empregados...
Ainda que bem abaixo da que conhecera por tantos anos.
Liz acordou cedo e já estava totalmente vestida, para não mencionar
ansiosa, quando a criada bateu à porta trazendo-lhe uma bandeja com o café
da manhã. Após o rápido desjejum, ela foi levada até o salão principal.
A moça indicou um pequeno banco, recostado numa das paredes,
próximo a uma porta que levava, na certa, a outro cômodo.
— Espere aqui, por favor.
Liz sentou-se, imaginando como melhor apresentar suas limitadas
qualificações.
A criada reapareceu momentos depois.
— Lady Grumsby vai recebê-la agora.
Allegra Gray 22
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 23
À Sombra de um Escândalo
— Não, senhora. Mas minha família não pode mais sustentar duas
filhas solteiras, e não tenho o desejo de tornar-me um peso quando nem ao
menos tive a oportunidade de me casar.
Liz esperava que a viscondessa não fosse adiante ao assunto, pois
explicar que havia recusado a escolha da família por um pretendente não se
refletiria bem em seu caráter, não importando o quanto abusivo este fosse.
Era melhor deixar que lady Grumsby pensasse que era um tremendo fiasco
na seara do casamento.
— Compreendo. Lamento saber sobre o infortúnio de sua família.
Você conhece as responsabilidades de uma governanta? Pouco se comparam
às da vida que você costumava levar.
— Sim, milady. Eu conheço.
— Bem, se você foi criada na sociedade, não posso censurar sua
educação. Meus filhos são ainda muito pequenos, mas quero deixá-los
expostos à boa moral e ao aprendizado.
— No meu caso, tive tudo do mais apropriado, milady.
— Vou dar-lhe o emprego em regime de experiência. Se, após um
período de três meses, as crianças e eu acharmos que serve... Você fica.
Liz sorriu genuinamente.
— Obrigada, milady. Não vou desapontá-la.
— Ótimo. Ficarei muito feliz com a sua ajuda às crianças, pois estou
esperando convidados para uma noite próxima. Uma pequena festa na casa
durante a visita de meu irmão.
O estômago de Liz revirou, mas ela conseguiu manter um sorriso. Alex
Bainbridge estaria vindo! O homem diante do qual ela havia se humilhado.
Aquele que poderia fazê-la ser despedida com apenas uma palavra.
Alex deu com as esporas no cavalo, atravessando o campo aberto. O
garanhão balançou a cabeça e flexionou os músculos como resposta ao
comando, e ele se deliciou com o ar pesado passando-lhe pelos cabelos. Seus
olhos soltaram lágrimas pelos cantos quando o animal ganhou velocidade, e
ele sorriu. Não podia pensar em nada que preferisse estar fazendo naquela
perfeita manhã de maio. Havia adquirido o animal no estábulo de
Derringworth, em nome do cunhado, Brian Grumsby. Normalmente, teria
examinado melhor o animal antes de fazer uma oferta, mas havia se irritado
demais com o tal Wetherby para se ater a negociações.
No fim, o esforço físico despendido na cavalgada matutina o ajudou a
afastar da mente os sofrimentos do passado.
Deixou o pensamento vagar, enquanto o solo desaparecia sob os
cascos faiscantes. Em Londres, era caçado por homens de negócios, nobres
Allegra Gray 24
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 25
À Sombra de um Escândalo
Alex sentiu os olhos de Liz fixos nele enquanto se detinha nos cuidados
com o filhote. Pelo canto dos olhos, pôde vê-la endireitar o chapéu e retirar-
se para um pequeno banco de jardim enquanto ele brincava com as crianças.
Que diabo tinha acontecido nas últimas duas semanas para que Liz
mudasse tão radicalmente? E como ela havia ido parar ali?
Quisesse a Srta. Medford ou não, ele descobriria mais. Com uma
promessa de retornar em breve, enviou os sobrinhos de volta a Liz.
Precisava encontrar Marian.
A irmã sentava-se em seu salão favorito, o recinto azul e marfim,
trabalhando em seu bordado.
— O que ela está fazendo aqui? — indagou de supetão. Marian saltou,
deixando cair à agulha.
— Quem?
— A Srta. Medford.
— Eu a contratei como governanta.
— Sim, mas... Você ao menos sabe quem ela é?
— É claro que sei. Sente-se, Alex. Não há necessidade de sermos
dramáticos. Falho em ver o que o incomoda. Não é culpa da moça que suas
condições tenham se deteriorado. Você preferiria que eu a deixasse na rua?
— Não. — Alex passou a mão pelos cabelos, ignorando o convite para
que se acomodasse. — Sim.
Marian apertou os olhos, ciente dos rumores sobre as várias ligações
amorosas do irmão.
— Há algo mais que eu deva saber sobre ela?
— Não. — A despeito da proposta ultrajante de Liz, sobre a qual ele
não parava de pensar, nada havia realmente acontecido. Além disso, havia
concordado em não mencionar aquela conversa, de modo que não haveria
mais nada a dizer.
A expressão de Marian suavizou.
— Ela é um amor com as crianças, Alex. Apenas quer se esquecer do
passado e fazer seu serviço. Isso é tudo o que eu peço também. Imagino
como deve estar sendo difícil para ela. Deixe-a em paz.
Alex tomou um assento. Liz era uma farsante. Estava certo disso. Uma
bela farsante, claro, mas nenhuma moça da cidade iria trocar uma vida de
privilégios pelo trabalho de governanta.
— Então, quem você convidou para essa sua festa? — perguntou,
tentando mudar de assunto. — É um evento pequeno, certo? Afinal, a
temporada continua.
Allegra Gray 26
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 27
À Sombra de um Escândalo
Antes que outra convidada da irmã viesse a seu encalço, optou por
uma saída discreta, dirigindo-se ao jardim. Depois, poderia voltar por outra
entrada e buscar refúgio em seus aposentos.
Ao dar a volta por um caminho e avistar a silhueta de uma jovem
sozinha no jardim, a noite tornou-se bem mais interessante. Mais ainda
quando o brilho da lua sobre os cabelos acobreados denunciaram-lhe a
identidade.
Inconscientemente, suavizou os passos. Desta vez, ela não seria capaz
de evitá-lo.
Esperou até que estivesse logo atrás dela, antes de fazer a pergunta
sobre a qual ponderava desde que a descobrira na casa da irmã.
— Por que você está aqui?
— Vossa Graça. — Liz pulou com os olhos arregalados. — Eu estava
apenas passeando. A lua está linda esta noite.
— Sim, está. Mas isso apenas responde parte de minha pergunta.
— Perdão?
— O que a traz até Garden Home, Srta. Medford?
— Milord conhece a resposta para isso. Sou a governanta de seu
sobrinho e de sua sobrinha agora.
— É claro...
— Por que a ironia? Sua irmã foi bastante gentil ao me contratar e sou
grata pela posição.
Alex admirava aquela combinação única de presença e humildade. Liz
não tinha vergonha de admitir que fosse grata por ter um trabalho, e era
forte o suficiente para defender sua escolha.
E agora que ele havia conhecido Harold Wetherby, tinha um palpite
sobre o porquê daquela decisão.
Mesmo assim, queria ouvir a verdade dos lábios dela. Por que tinha
fugido, quando tantas outras mulheres em seu estado teriam, de forma
submissa, desposado o desgraçado?
— Tive o prazer de conhecer o seu noivo.
— Meu noivo?
— Wetherby afirma que vocês dois devem se casar.
Nem mesmo o luar pôde esconder o profundo rubor de Liz. Aquilo era
constrangimento ou raiva?
— Ah, sim... Estamos muito apaixonados.
— É o que diz Wetherby — mentiu Alex. — Ele é mesmo... Singular.
Como conseguiu conquistá-lo?
Uma risada estrangulada escapou-lhe da garganta.
Allegra Gray 28
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 29
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 30
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 31
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 32
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 33
À Sombra de um Escândalo
praticamente me ofereci a milord. Agora que aqui estou, como uma mera
governanta, seu interesse é capturado?
Alex deu de ombros.
— Não gosto de mulheres da sociedade.
O tom frouxo fez Liz estudá-lo mais de perto.
— Milord brinca comigo.
— Asseguro-lhe: não é o caso. Mulheres da sociedade são frias e
calculistas. Analisam tudo, desde o mais simples comentário sobre a cor das
luvas de alguém, em sua ânsia de ascensão social.
Liz pendeu a cabeça de leve. Ele tinha razão. Sua própria mãe era uma
mulher assim.
— Você, por outro lado, me fascina, já que decidiu abandonar aquilo
tudo — ele prosseguiu com voz rouca. — Eu a vi com as crianças. É tão mais
natural com eles. Vi que demonstra real afeição, ainda que eles não sejam
seus filhos. Qual Liz é a real? A menina ousada que planejou aquela
ultrajante, embora tentadora, proposta, destinada a sua própria ruína? Ou a
que está diante de mim, e que põe as necessidades dos outros à frente das
suas próprias? — ele exigiu, tocando-lhe a face.
Conduziu-a até uma poltrona, então, até que Liz não tivesse escolha,
senão sentar-se.
Acomodou-se ao lado dela e pousou as mãos sobre as suas. Qualquer
resposta que Liz tivesse sumiu.
— Está vendo? Sei que estou certo. Veja, aqui estamos, longe da
sociedade, tendo uma conversa de verdade. Quantas conversas você teve
em um baile que não girassem sobre o que alguém estava vestindo, quem
dançava com quem, e como interpretar aquilo tudo em valores no mercado
do casamento?
Liz gargalhou. As conversas de baile eram exatamente assim.
— Você tem um sorriso adorável. Ainda que eu prefira sua aparição
como uma jovem da cidade — ele confessou, passando o dedo pelo tecido
simples e cinzento do vestido, para depois tocar-lhe os cabelos que ela havia
prendido em um firme coque.
Liz não teve tempo para se ofender com o insulto implícito, pois ele
continuou pensativo:
— Estranho, não é, como as mulheres das altas-rodas se esforçam
para parecer suaves e convidativas, quando, no fundo, são duras e amargas.
Ainda assim, você, uma governanta carinhosa e de bom coração, deve
parecer até opaca de tão sóbria.
Allegra Gray 34
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 35
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 36
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 37
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 38
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 39
À Sombra de um Escândalo
— Seus galanteios são ultrajantes, Vossa Graça. Não creio que sejam
apropriados.
— É essa sua preocupação, então? Ser apropriada? — Tocou-lhe a
parte interna do pulso.
— É claro — conseguiu dizer, mas a voz saiu como um sussurro.
Alex sorriu mais. Sabia muito bem o que estava fazendo. Liz virou-se,
porém ele tomou-lhe ambas as mãos.
— Não há razão para timidez. Sei que não é avessa às minhas
atenções. De outra forma, jamais teria vindo a mim com aquela proposta
fascinante. Deixe-me ver... Como foi que você colocou? Ah, sim. Pediu-me
que a arruinasse.
Liz levantou-se, indignada.
— É muito pouco galante de sua parte, milord, trazer isso à tona outra
vez — ralhou, ainda que, pela diversão visível nos olhos do homem, a bronca
tivesse surtido pouco efeito.
Alex deu-lhe um puxão no braço que a fez cair sentada de novo; desta
vez, bem mais perto.
— Além do mais, aquilo ocorreu quando pensei que seu envolvimento
seria benéfico — ela continuou nervosa, tentando ignorar o fato de que suas
coxas roçavam. Deus fosse louvado pela quantidade de tecidos que os
separava. — Agora que consegui evitar meu pretendente indesejado e que
arranjei um emprego por conta própria, não há nem mesmo a necessidade
de que pense em mim.
— Discordo. — Ele deslizou para ainda mais perto, e o brilho intenso
em seus olhos denunciou que pretendia beijá-la. — Estou bem certo de
haver essa necessidade.
Ela se inclinou para trás, o calor subindo-lhe pelas faces.
— Haveria vantagens para você.
Ela inclinou a cabeça, incerta sobre como responder.
— Deixe-me ser ousado... Quero tê-la como amante.
— Dificilmente essa é uma posição que almejo Vossa Graça!
— Ao contrario, cherie. Como minha amante, você teria muito mais
luxo do que poderia conseguir como governanta.
Liz desviou o olhar.
— Pense Liz — ele disse o tom mais gentil. — Ambos sabemos que
você não foi feita para o trabalho de governanta. E uma criatura por demais
apaixonada. — Com o dedo, acariciou-lhe o queixo.
— A profissão de governanta é bem mais respeitável do que a que me
oferece, milord — ela respondeu, pondo-se tão rija quanto uma estátua. —
Allegra Gray 40
À Sombra de um Escândalo
Minha família pode estar decepcionada comigo, mas, ao menos não estou
arruinada aos olhos da sociedade. Como quero me manter digna, prefiro ser
uma governanta de reputação ilibada.
— Incrível que, há tão pouco tempo, você estivesse tão tranquila
quanto à ideia de ser arruinada. E, sinceramente, ainda acho que minha
oferta é bem melhor do que trabalhar como governanta.
— Eu estava um tanto desesperada quando sucumbi àquela ideia
insana. Por sorte, voltei a meu juízo e encontrei algo mais estável. Se eu
fosse sua amante, estaria em constante risco de perder minha posição, pois
seu interesse em mim acabaria desaparecendo, como desapareceu com
tantas outras... E então, como eu ficaria?
Alex afastou o argumento com um abanar da mão.
— Você se subestima.
— Não posso saber ao certo, Vossa Graça. É melhor que eu cuide da
minha reputação.
— De qualquer modo, sente-se atraída por mim.
A confiança na voz a fez querer estapeá-lo. Era verdade, claro, e ele
sabia disso.
— Esse não é o ponto.
— Então por que me beijou na biblioteca?
Agora ele a tinha apanhado. Poderia argumentar que fora ele quem
iniciara o beijo, mas ambos sabiam que ela havia correspondido.
— Não precisa decidir agora. —Alex se levantou. —Apanho-a amanhã,
por volta das duas horas. Vamos até o campo. — As feições benfeitas
suavizaram-se por um instante. — Minha carruagem estará sem a insígnia.
Não precisa temer ser vista.
— Milord vai perder seu tempo. Eu não irei. O duque lançou-lhe um
sorriso tolerante.
— Acho que vai, sim.
Liz estudou o chão. Ele a conhecia bem demais. Alex deu-lhe um beijo
nas costas da mão e começou a se afastar.
— Estarei contando as horas.
Allegra Gray 41
À Sombra de um Escândalo
Capítulo II
Allegra Gray 42
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 43
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 44
À Sombra de um Escândalo
O que mais irritava Alex era como havia julgado mal o pai de Liz. Ainda
mais ele, que sempre se orgulhara de sua habilidade para descobrir o caráter
das pessoas. Naquele caso, tinha errado de forma retumbante.
Jamais jogava com um homem incapaz de arcar com suas perdas.
Aquilo mantinha as coisas civilizadas. Mas o comportamento fácil do barão,
diferente das faces e olhares vazios dos outros desesperados, o havia
enganado a ponto de ele achar que não precisaria investigar mais fundo.
Ao menos até aquela última noite.
Depois disso, ele se transferira para um clube mais exclusivo, e tratara
de esquecer a dívida de Medford. Pacíficos oito meses tinham transcorrido
desde então, e, embora ele não houvesse sido pago nesse meio tempo,
acreditara-se livre do trapaceiro.
Até uma fatídica noite de outubro.
Jogou a carta do procurador na lixeira e se levantou, notando que o sol
pousava um tanto mais baixo no céu do que quando começara a ler a
correspondência. Cansado, esfregou a nuca.
Por que, de todas as famílias na Inglaterra, a bruxinha de cabelos
vermelhos tinha de ter saído daquela.
A carruagem à espera, no final da estrada, não era o veículo usual de
Alex, mas sim algo simples, negro e discreto. Como ele tinha prometido, não
havia nenhum brasão de seu ducado nos lados, e o condutor não usava nada
que o fizesse ser reconhecido.
Ela sorriu ao se aproximar. Mesmo que alguém a visse entrar no
coche, não saberia a quem este pertencia.
O condutor a ajudou a subir, depois fechou a porta.
Alex a assistiu entrar, sentindo-se bastante feliz por não ter sido
evitado. Aquilo, por si só, dizia-lhe tudo o que precisava saber.
Liz sentou-se à sua frente, e Alex pensou em remediar aquilo,
visualizando-a em seu colo.
— Estou feliz por ter vindo — cumprimentou-a, educado, em vez
disso. Ela podia ser uma foragida da nobreza, mas era ainda uma mulher de
berço.
O pensamento o fez pausar e se dar conta de que, se realmente se
importasse com aquele tipo de coisa, não a teria convidado para o passeio
em primeiro lugar.
E, se ela fosse rígida sobre tais papéis, não o teria aceitado.
— Foi gentil de sua parte me convidar, Vossa Graça.
A carruagem deu um pequeno tranco quando o condutor puxou as
rédeas. Alex o havia instruído para que seguisse em direção ao campo, sem
Allegra Gray 45
À Sombra de um Escândalo
qualquer destino, e o cocheiro, um criado bem treinado que sabia quem lhe
pagava o salário, não fizera qualquer pergunta.
— Como vão meus sobrinhos?
— Muito bem. São crianças adoráveis. Henry começou os estudos de
Matemática e está progredindo muito.
— Bom.
Mergulhou no silêncio. Liz fez o mesmo, ainda que a tensão parecesse
ocupar todo o espaço entre os dois.
Ela olhou para o lado de fora, mas, um instante após, Alex a flagrou
observando-o pelo canto dos olhos.
— É um ótimo dia para visitar os campos — ela murmurou, esticando
uma ruga inexistente no vestido.
Alex inclinou-se para frente e puxou as cortinas. Seus joelhos roçaram,
arrancando da moça uma breve exclamação.
— Acho a visão do interior da carruagem mais fascinante — ele
murmurou com voz rouca.
Para sua surpresa, Liz encontrou-lhe os olhos, enquanto respondia.
— Confesso que eu também estou enamorada pela visão daqui.
Era pouco mais do que um sussurro, mas ela não desviou o olhar.
Alex admirara sua ousadia e honestidade desde a primeira vez em que
haviam dançado, no baile dos Peasley. Agora, admirava ainda mais. Ela
estava evidentemente nervosa, mas não era nenhuma covarde. Sabia por
que estava ali, e ele a respeitava por isso.
— Está escuro aqui. Talvez, caso eu me sente mais perto, possa aliviar
seus olhos — provocou, enquanto se acomodava ao lado dela.
Pôde vê-la engolir em seco, mas não a deixaria escapar tão facilmente.
Em vez disso, curvou a cabeça, de modo a traçar uma linha de beijos pelo
pescoço alvo. Liz continuou muito ereta, ainda incerta sobre até onde
prosseguir no jogo íntimo que disputavam.
Traçou outra vez a linha do pescoço com os lábios, notando, com
prazer, que Liz inclinava a cabeça de leve, garantindo-lhe acesso total.
Lambeu-lhe o lóbulo da orelha e então mergulhou a língua para explorar
seus sensíveis recônditos.
As mãos delicadas se agarraram ao vestido e ele pôde ouvir um
mínimo som escapar-lhe do fundo da garganta.
Seus lábios começaram um trajeto que mirava o canto da boca rosada.
Liz virou o rosto e o encontrou na metade do caminho, arrancando-lhe um
gemido de pura satisfação enquanto capturava-lhe os lábios em um beijo
faminto.
Allegra Gray 46
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 47
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 48
À Sombra de um Escândalo
Querida Liz,
Não é a mesma coisa sem você em casa. Mamãe não fala com
ninguém, exceto, talvez, com nosso tio; e apenas quando ele termina seus
sermões sobre bons comportamentos. Eles suspeitam de que sei onde você
está, mas eu não disse uma só palavra, o que apenas aumenta sua ira. Não
que eu a culpe por ter partido. Lady Pullington disse-me para onde escrever,
e estou muito feliz que tenha encontrado um emprego.
E a despeito de tudo, estou bem. Exceto pela coisa mais cons-
trangedora. Esta manhã estava eu retornando do parque com Mary Sutherby
e a mãe dela. Subíamos os degraus quando um mensageiro parou diante da
casa. Eu disse que levaria a mensagem, poupando-o do trabalho de entregá-
la formalmente, e é claro, você sabe o quanto sou curiosa... Eu não poderia
apenas entregá-la à mamãe, embora estivesse endereçada a, lady Medford.
Depois que Mary partiu, lancei mão daquele truque que você me ensinou:
usar o vapor para afrouxar o selo.
No fim, a carta era de mais um dos cobradores de papai.
Você se lembra de um broche que papai lhe deu quando você fez
quinze anos? Sinto-me péssima ao dizer isso, mas a loja onde ele o comprou
vendeu a joia a crédito. E ele nunca pagou por ela. A carta diz que esperaram
respeitosamente enquanto a família saía do luto, mas que agora precisam
pedir o pagamento.
O que podemos fazer? E claro que não podemos cobrir essa dívida.
Você ainda tem o broche? Acha que a loja o aceitaria de volta?
Lamento tanto pedir isso a você, Liz, mas não tenho aqui nenhuma outra
coisa de valor para usar como pagamento. Por favor, avise-me assim que
puder.
Cuide-se, minha irmã. Vou arrumar um modo de visitá-la.
Da irmã que a ama,
Charity.
Allegra Gray 49
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 50
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 51
À Sombra de um Escândalo
Liz sacudiu a cabeça, sem nem mesmo erguer o rosto das mãos. Então,
parecendo lembrar-se dos bons modos, olhou para cima e levantou-se,
fazendo uma reverência.
— Perdoe-me, Vossa Graça, eu...
— Qual a causa desse seu desespero? Ela passou os dedos trêmulos
pelos olhos.
— Uma questão pessoal.
O representante da loja se levantara também, mas permanecera em
silêncio.
— Se o motivo de sua angústia é a adorável joia que examinavam, o
assunto está resolvido, - Alex declarou.
— Mas...
— Já que, aparentemente, o comerciante não deseja a devolução da
peça, posso torná-la um presente para a senhorita. — Lançou um olhar
significativo na direção ao joalheiro, que manteve a expressão neutra
enquanto informava o preço do broche original, embora ambos soubessem
que aquele, na mão de Liz, não passava mesmo de vidro. — Envie a conta ao
meu secretário, por gentileza. — Entregou ao sujeito um cartão, junto a uma
nota de vinte libras. — Para o senhor. Não quero qualquer menção ao meu
envolvimento neste episódio, tampouco ao seu encontro com esta jovem
donzela, sim?
— É claro, Vossa Graça.
— Então creio estarmos conversados.
— Sem dúvida. Obrigado. — O vendedor curvou-se e partiu agilmente,
na certa pensando em como gastaria a generosa quantia que acabara de
ganhar.
Alex virou-se para Liz, cujas faces exibiam dois círculos rosados
enquanto ela se mantinha com os olhos fixos na mesa.
— Estou tão envergonhada — sussurrou com voz trêmula.
— Que motivos têm para isso?
— O broche não é verdadeiro. Jamais pensei... Meu pai o deu a mim!
Era tão especial... E ele deve ter vendido o verdadeiro e o substituído por
este que não passa de metal e vidro.
Alex se condoeu outra vez.
— Não é culpa sua.
Enfim, Liz encontrou-lhe os olhos.
— Obrigada pelo que fez. Vossa Graça me salvou de uma situação
desesperadora. Não posso compensá-lo agora, como deve saber. Mas
prometo que vou economizar meu salário e...
Allegra Gray 52
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 53
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 54
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 55
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 56
À Sombra de um Escândalo
Mas, Deus, ela estava tão apertada! Seu corpo tremia com o desejo de
mergulhar fundo e investir seguidas vezes até tombar, exausto, mas não
podia machucá-la.
Respirando fundo ele a puxou de cima da mesa para deitá-la no chão e
se colocou por cima.
— Lamento — sussurrou, e investiu, penetrando-a por inteiro.
Liz sugou o ar, desta vez de dor, e então se fez rígida. Alex se obrigou a
fazer o mesmo.
— É sempre assim na primeira vez, eu sinto muito.
Ela tomou outro fôlego e sorriu, depois começou a ondular sob ele,
fazendo pequenos, incertos e desejosos movimentos.
Ele seguiu a deixa e a penetrou mais um tanto, fazendo-a ofegar.
Então se retirou devagar e a penetrou mais uma vez, e mais outra,
acelerando o ritmo e notando, com prazer, que Liz acompanhava-lhe os
movimentos. Agarrou-a pelos quadris com mais força quando sentiu o corpo
clamar por alívio. As costas dela se arquearam involuntariamente.
— Alex... — ela chamou, enlevada. — Eu preciso...
Ele sabia! Precisava da mesma coisa. Estavam muito perto, muito
perto... Aumentou o ritmo e pousou o polegar sobre a feminilidade
intumescida.
Liz sucumbiu a uma torrente de tremores, ao mesmo tempo em que
ele encontrava o próprio alívio. Algo tão poderoso que lhe roubou o fôlego...
E ameaçou todas as crenças que sempre tivera sobre o ato.
Demorou até que retomasse a consciência sobre os arredores. Ele e Liz
se encontravam deitados no chão: dificilmente uma posição digna de um
duque e de uma menina bem-criada...
Ainda que não sentisse qualquer remorso pelo que haviam feito, não
conseguia atinar como tinham chegado ali.
Maldição. Liz merecia tão mais!
Bem devagar, desvencilhou-se e se levantou, ajudando-a a fazer o
mesmo. Os lábios dela ainda estavam inchados, os olhos repletos de desejo
saciado e conhecimento recém-adquirido.
Deus, o que havia feito? Mesmo uma cortesã esperaria tratamento
melhor. Liz na certa não era uma moça de taverna, acostumada a encontros
rápidos no vão da esquina. Até ali, era uma inocente.
Ele correu as mãos pelo rosto, mortificado.
— Liz, eu lamento tanto. Não sei o que se apossou de mim — disse
pesaroso.
Allegra Gray 57
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 58
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 59
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 60
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 61
À Sombra de um Escândalo
Mesmo assim, não queria nada além de estar com ele nesses
momentos. Alex gostava dela, disso estava certa. Mas havia mais nele do que
jamais imaginara, e cada momento a seu lado a fazia querer saber mais.
E, Deus, como sentia falta de seu toque!
Alex lhe havia dito que achava seu espírito alegre refrescante, de
modo que, quando chegou o domingo, não hesitou em vestir o traje mais
leve que trouxera consigo: um vestido de musselina verde que, segundo Bea,
trazia-lhe luz aos olhos. Não era moderno, mas, quando amarrou os cabelos
no alto da cabeça com uma fita, considerou o efeito bastante agradável.
A carruagem sem insígnia esperava à margem da propriedade como de
costume. Ela gostava de tal precaução, ainda que se preocupasse que
alguém, eventualmente, percebesse um padrão em suas saídas e começasse
a fazer perguntas.
Naquele dia, o coche a levou à cabana de caça do primo de Alex. A
casa era confortável, mas nem o primo ou a criadagem se encontravam ali.
Era o local perfeito para um encontro.
E que encontro. No momento em que o coche se afastou, os lábios de
Alex encontraram os dela, as mãos buscando os laços e os fechos das roupas,
enquanto ele batia a porta atrás deles. Seus cabelos cuidadosamente
arrumados soltaram-se em questão de segundos e a fita se desfez vítima da
paixão.
Liz o puxou para perto, buscando-lhe o toque, a sensação da pele.
Seria seu desejo insaciável? Parecia que estavam separados havia eras, e não
apenas uma semana.
Subiram as escadas, tropeçando, rindo, beijando-se e deixando as
roupas pelo caminho.
Liz respirou fundo ante a urgência que sentia por Alex. Era uma
intensidade que ela não compreendia.
Quando ele deslizou para dentro dela, todavia, todas as dúvidas
cessaram. Deus, aquilo era muito bom!
Aquilo, ele, era o que lhe faltava e valia todo e qualquer risco.
No entanto, quando já tinham se amado não por uma, mas por duas
vezes, e deitavam-se enrascados nos braços um do outro, o estranho silêncio
de Alex os envolveu mais uma vez. Ele a abraçou, mas seu olhar se manteve
no teto.
Liz esticou-se para passar os dedos pelos vastos cabelos negros.
— Alex? — perguntou com voz suave. — Fiz algo errado?
— É claro que não! — ele murmurou, capturando-lhe a mão para dar-
lhe beijinhos nos dedos.
Allegra Gray 62
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 63
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 64
À Sombra de um Escândalo
duquesa viúva raramente estava lá, já que passava a maior parte dos dias no
balneário de Bath.
A casa, no entanto, tinha uma pequena criadagem que ficava sempre
satisfeita ao vê-la. Além do mais, teria paz entre os eventos sociais.
A programação daquela tarde trazia uma festa no jardim da casa de
Alicia. O tempo havia cooperado e, quando Marian chegou, o jardim dos
Wilbourne estava decorado com tendas brancas e flores.
Lorde Wilbourne, um homem de meia-idade com cabelos rareando,
caminhava sobre a grama com um prato de canapés na mão. Observou a
esposa enquanto cumprimentavam os convidados.
Vendo a chegada de Marian, ambos seguiram em sua direção.
— Lady Grumsby! De volta da vida rústica, enfim! — exclamou Lady
Wilbourne.
Elas haviam se apresentado à sociedade na mesma temporada e,
embora Marian houvesse sentido pena da amiga pela decisão dos pais de
casá-la com Robert Wilbourne, Alicia não parecera nem um pouco infeliz.
— Sim, por pouco tempo — respondeu Marian.
— Então deve estar desesperada por uma boa conversa. Não posso
imaginar como consegue passar a vida inteira no campo. Venha... — A moça
gesticulou para um grupo de belas mulheres. — Tenho outros convidados
para cumprimentar, mas você se lembra de lady Tweedley, lady Robesford e
da Srta. Josephine Baxter. — Conduziu Marian até as outras mulheres e
voltou ao papel de anfitriã.
Elas abriram espaço para Marian, sem interromper a conversa.
—... As malas — completava lady Tweedley. — Ela era amante dele
pelo quê? Dois anos? Foi-se. Ele já não a vê há semanas.
— Ah, Harriet, como você ouve essas coisas? — perguntou lady
Robesford, ainda que sua expressão, assim como a das outras, sugerisse que
estava mais fascinada do que chocada por discutirem sobre uma cortesã.
— Talvez ele esteja finalmente pensando em se casar. Se apenas
tivesse sido cinco anos atrás...
Marian suspirou. Teria vindo até Londres apenas para ouvir as mesmas
fofocas de sempre sobre Alex? Quase desejou que ele se casasse, ao menos
para que a cidade pudesse ter um novo assunto.
— Na verdade, posso imaginar por que ele a mandou fazer as malas...
E não foi para se casar — acrescentou a Srta. Baxter, uma incurável
fofoqueira, próxima à meia-idade.
— Ah, então conte! — ofegou lady Robesford.
A mulher olhou em volta, como se revelasse um grande segredo.
Allegra Gray 65
À Sombra de um Escândalo
— Ouvi falar que ele foi visto com a Srta. Medford. E a acompanhante
da moça, se é que havia uma, não estava por perto.
Liz Medford foi vista também adentrando uma carruagem conduzida
por um homem que minha fonte reconheceu como um dos criados do
duque. Posso imaginar para onde seguiam.
— Liz Medford? — perguntou lady Tweedley.
— A própria.
— Não pode ser. Ouvi dizer que ela deixou o campo para visitar um
parente doente — afirmou lady Robesford.
Marian teve dificuldades para respirar, e não apenas porque sua criada
tivera a força de uma amazona para apertar os laços do corpete. A verdade
era que estava com uma sensação muito ruim sobre aquela conversa.
Seus pés, no entanto, pareciam pregados ao chão.
A Srta. Baxter deu de ombros, sorrindo como toda fofoqueira que se
delicia com cada detalhe.
— Eu também ouvi isso tudo. Mas que parente? Ouvi dizer que houve
uma confusão quando rejeitou seu último pretendente, e depois ela fugiu.
— Impossível! A família seria arruinada — falou lady Robesford.
— A família já está arruinada. Não ouviu dizer? O barão morreu sem
um centavo ou herdeiro. De qualquer forma, vi o pretendente partir com
meus próprios olhos, e ele não parecia nada satisfeito. Liz não é vista desde
então. Exceto claro, com Beaufort.
Beaufort! Estavam mesmo falando sobre seu irmão, constatou Marian.
E sobre sua governanta. Abanou-se, aflita.
O gesto chamou a atenção da Srta. Baxter, que levou as mãos ao rosto,
mortificada.
— Lady Grumsby! Ah, Céus, mil perdões!
Marian manteve a expressão cuidadosamente neutra, a espinha bem
ereta. A fofoca da cidade ainda girava em torno de Alex. Aquilo, em si, não
era incomum.
Desta vez, no entanto, envolvia a ela também, já que seus filhos eram
cuidados pela mesma mulher que, dizia-se, andava envolvida com seu
devasso irmão.
Seu corpo latejou de tensão, porém ela se recusou a fugir.
Nenhuma das mulheres sabia que Liz estava em sua casa. Lançou-lhes
um sorriso simpático.
— Compreendo o quanto meu irmão pode ser interessante. As damas
se entreolharam, inseguras, e Marian sentiu certa pena. Afinal, estava
acostumada àquele tipo de mexerico sobre Alex.
Allegra Gray 66
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 67
À Sombra de um Escândalo
porto, em Ramsgate, onde seu sócio, Tom Golden, já havia começado a pôr
as coisas em ordem.
— Certo. Ilumine-me.
— Venha.
Alex seguiu o rapaz até a parte de baixo do deque. Como esperado,
vários dos caixotes contendo seda da índia e curiosidades do Oriente
estavam destruídos.
— Eu já imaginava que a carga tinha sido avariada. — Deu de ombros.
— Ninguém pode conter a Mãe Natureza em fúria.
— Não é apenas isso. Veja... — Tom puxou uma extensão de tecido de
dentro de um caixote intacto. — Sinta.
Alex passou a mão pelo tecido, e então franziu o cenho. — O que é
isto? Está abaixo do padrão que exigi de George.
George Marks trabalhara como seu comprador por anos. O homem
era viajado e sabia como distinguir seda de boa qualidade de seus similares
inferiores tão bem quanto qualquer um diferenciava uma pá de um martelo.
Tom tomou de volta a seda e a atirou dentro do caixote.
— George se demitiu no dia seguinte à chegada do navio.
— Maldição. Por quê?
— Disse que havia chegado a hora de se tornar um homem de família,
mas não acreditei. O capitão estava lá quando conversamos, e Marks não
travou contato visual com ele em momento algum.
— Inferno! — praguejou Alex. — Onde está o capitão? — Era para isso
que tinha vindo originalmente. A carta de Tom sobre o navio estar avariado
era preocupante, mas o fato de o capitão não querer supervisionar os
consertos era muito ruim.
— Em Dorset.
— Como? — Ele franziu a testa diante da frustração.
— Em casa, parece. Beaufort há um problema aqui, e receio que seja
bem mais complicado do que um navio prejudicado pela tempestade. Sei
como você conduz seus investimentos, e achei que gostaria de ver por si
mesmo.
— Com certeza — ele concordou. — Fez a coisa certa, Tom. Não é com
você que estou zangado.
Pausou por um instante, forçando-se a pensar. Dorset estava há vários
dias de viagem do porto, e mandar um mensageiro iria apenas prolongar o
processo. Além disso, havia certas mensagens que ele preferia entregar
pessoalmente.
Allegra Gray 68
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 69
À Sombra de um Escândalo
taverna White Hart. O que faria ao chegar lá, isso ela ainda não tinha
decidido.
A carroça cheirava a sangue, mas o açougueiro era pouco dado a
conversas, pelo que ela ficou grata. Chegando ao White Hart, sentiu um
aperto no peito ao pensar em tudo o que ela e Alex haviam vivido ali. Seu
fôlego se acelerou, mais por desejo do que por vergonha. Aqueles
momentos tinham lhe custado tudo, mas, ah, o que não faria para revivê-los!
Comprou uma passagem no coche destinado a Londres, e esperou do
lado de fora. Talvez Bea a acolhesse enquanto reunia ânimo e procurava
outro emprego.
Ainda que, agora, a questão das referências estivesse mais difícil do
que antes.
Por que aquilo havia acontecido enquanto Alex estava fora?
Ele não deixara meios de ser encontrado.
Não que lhe devesse tal consideração. Afinal, ela não era sua esposa, e
tinha até recusado a se tornar publicamente sua amante.
Mas agora ansiava por sua presença. Ele era sempre tão confiante tão
decidido. Saberia o que fazer.
Ao mesmo tempo, refletiu, a resposta do duque seria provavelmente a
renovação daquela mesma proposta. E, por mais que gostasse dele, era um
arranjo que não lhe agradava. Tomá-lo como amante havia sido arriscado,
sem dúvida, mas fora escolha sua. Não seria justo deixar que ele pagasse
pelo que ambos tinham feito.
Sentia falta da irmã também. Mas voltar para casa seria admitir a
derrota. Além do mais, era mais provável que o tio lhe batesse a porta na
cara, concluiu com um suspiro.
O coche chegou, e Liz subiu exausta, mal notando os joelhos baterem
contra os dos outros passageiros dentro do veículo lotado.
Toda a vida fora pressionada a agir com responsabilidade. Por mais
que detestasse admitir isso, a mãe tinha razão: bastava olhar para a
confusão que havia feito em sua vida agora, na primeira e única vez em que
decidira ignorar o conselho.
A parada do coche ficava a vários quarteirões de seu destino. Quando
finalmente chegaram, desceu do veículo e parou por um momento, incerta.
Jamais tinha caminhado pelas ruas de Londres sem ao menos uma
acompanhante. Seria reconhecida? O que pensariam?
Mas não arriscaria pedir que alguém fosse buscá-la. Precisava se
defender sozinha.
Allegra Gray 70
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 71
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 72
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 73
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 74
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 75
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 76
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 77
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 78
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 79
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 80
À Sombra de um Escândalo
— Está tudo bem, Bea, não precisa mais se desculpar por mim. Vou
voltar com eles.
Era estranho. Antes de sair de casa, Liz vivia ouvindo sermões sobre
suas responsabilidades e sobre as expectativas da mãe. Agora, embora
houvesse voltado a seu antigo quarto, ninguém sabia o que fazer com ela.
Parecia condenada a se manter solteira, mas ninguém abordava o tema.
Além disso, ninguém sugerira que procurasse emprego. Mesmo assim,
com a ajuda de Bea, tinha conseguido uma entrevista com uma costureira na
semana seguinte. Não tinha qualquer intenção de contar à família, contudo,
antes que soubesse do resultado.
Além de Charity, não possuía quase ninguém com quem conversar.
Vários dos criados, cientes do fiasco financeiro dos Medford, tinham partido
em busca de novos trabalhos. O mordomo fora substituído por um homem
grosseiro que agia mais com soberba do que altivez para alguém interessado
em se estabelecer com a parca quantia que lhe poderia ser paga.
No final das contas, era uma casa quieta, contrita.
Na manhã de terça, após ter voltado para casa, Liz sentou-se no salão,
fingindo trabalhar com as agulhas enquanto o restante da casa fingia que ela
não estava ali.
Suspirou e olhou pelas janelas, o bordado esquecido. Precisava pensar
em algo. Estava disposta a admitir que tivesse sido tola ao se apaixonar por
Alex, mas, se não conseguisse remontar sua vida em breve, passaria o
restante de seus dias sob o domínio do tio.
A porta se abriu, e Charity entrou, atirando-se sobre a poltrona.
— Arre! Mamãe precisa parar. Não posso culpá-la por partir, Liz, pois
penso em fazer o mesmo.
— Do que está falando? — Sua adorável irmã parecia muito infeliz.
— Ela tenta me arranjar um casamento. Ainda nem virei mulher, mas
ela diz que isso não importa para certos cavalheiros. O único requisito é que
ele seja próspero o suficiente para que não se preocupe com um dote.
— Compreendo. Estou mais do que ciente desse requisito... Ainda que
não imaginasse que fosse depositar novas esperanças em você.
— Não vejo por que não podemos todos simplesmente nos retirar
para o campo. A casa de tio George não é tão pequena. Eu não preciso do
luxo de que ele tanto faz questão.
— Não quer se casar algum dia? Charity se endireitou.
— Talvez. Mas não assim. Sabe o que ela me contou hoje? Que lorde
Hetterton mostrou um possível interesse por mim. O que quis dizer com
"possível", eu não sei, mas sabe quantos anos ele tem?
Allegra Gray 81
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 82
À Sombra de um Escândalo
Liz ergueu as sobrancelhas. Que pena que o tio não havia considerado
suas emoções ao ameaçar surrá-la até que recuperasse o juízo, após ela
voltar para casa.
— Tio George... — começou com um suspiro.
— Não discuta comigo, mocinha. Wetherby não circula pelas altas-
rodas, de modo que talvez não esteja ciente dos rumores sobre você e
Beaufort. Você não merece uma nova chance, mas pode consegui-la. Seria
bom para a situação da família que não a desperdiçasse.
Inferno! Liz praguejou em pensamento. O tio tentava envergonhá-la a
fim de que ela fosse gentil com Harold.
Bem, aquilo poderia melhorar a situação dele, mas ela falhava em
perceber que bem faria a ela.
Mesmo assim, havia Charity a considerar. Uma renovação de
compromisso com Harold tiraria a pressão de cima da irmã.
Isso se ela tivesse estômago para tanto.
— Penteie os cabelos e ponha um vestido limpo. Precisa fazer seu
melhor para atrair o homem.
Ela respirou fundo. Harold era a última pessoa no mundo a quem
desejava atrair.
Como a parte arruinada da família, no entanto, não estava em posição
de argumentar.
— Verei o que posso fazer.
— Seja rápida. Quero você pronta no momento em que Harold
adentre a casa. Ele não deve julgá-la como uma daquelas mulheres vaidosas
que consideram aceitável deixar um cavalheiro esperando.
Liz apertou os lábios, mas tratou de se tornar apresentável. Não fez
qualquer esforço para tanto, porém o tio não encontraria defeitos em seu
vestido de seda cinza-claro, ou na fita que amarrara nos cabelos,
combinando com o traje.
Desceu apática, de volta ao salão. Era cedo ainda; e pouco provável
que Harold aparecesse tão já.
O bordado repousava abandonado sobre o sofá. Olhou-o sem ânimo,
mas o apanhou por nenhuma outra razão que não evitar as críticas da mãe
sobre "mãos ociosas".
Mirou à lareira, distraída, registrando que o vaso de Limoge, que
costumava ficar ali, havia desaparecido.
Engoliu em seco. A falta de coisas belas não a incomodava tanto
quanto a sensação de que estava prestes a cair em uma armadilha.
Allegra Gray 83
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 84
À Sombra de um Escândalo
Liz franziu a testa. Incomodara-a não ver o corpo do pai. Tinham sido
informadas de que o barão fora jogado para fora da carruagem, no acidente,
mas na certa poderiam tê-lo limpado o bastante para que tivesse um funeral
apropriado. Seria sua mãe tão sovina a ponto de se recusar a pagar por tal
serviço?
Sem querer atormentar a irmã ainda mais com seus lamentos, Liz pôs-
lhe um braço ao redor.
— Tenho certeza de que ele sabe que quisemos lhe dar adeus. E
lamento ter dito que o odiava... Estou apenas aborrecida.
— É compreensível. Em seu lugar eu estaria com raiva também.
— Por que tio George me detesta tanto? Os olhos de Charity
suavizaram.
— Não é só você. Ele foi terrível com a mamãe enquanto você estava
fora. Gritava com ela constantemente, dizendo que ela se julgava melhor do
que o restante da família por ter se casado com um nobre, e que agora
estávamos nesta situação.
— Ah, Céus!
Liz não estava no melhor dos termos com a mãe, mas desprezou o tio
ainda mais.
— Ele nos vê como um problema a ser resolvido, de preferência com o
mínimo possível de seu dinheiro. Por isso é tão indelicado com você. Casá-la
com Harold facilitaria as coisas para ele.
— Eu jamais faria isso voluntariamente — Liz afirmou, então esboçou
um sorriso. — Uma coisa de cada vez. Ajude-me a pensar em uma maneira
de suportar esta noite.
O espírito travesso de Charity acendeu-lhe os olhos.
— Que tal, litros e litros de vinho? — sugeriu sorridente.
Charity podia estar brincando, mas, quando, por fim, sentaram-se à
mesa, agarrou-se à taça como se esta fosse o limite entre a vida e o
purgatório. A tentação de fugir de novo, de escapar para qualquer lugar que
não aquele, quase a exauriu.
Harold dominou os assuntos do jantar, relatando os detalhes de suas
viagens recentes ao continente. Fora uma viagem tediosa, pensou Liz, mas
tio George continuava a instigá-lo com perguntas sobre quem havia
encontrado e se realizara contatos promissores.
Ela rezou para que um deles fosse uma noiva, aliviando-a de suas
futuras obrigações, mas Harold não mencionou nada do gênero.
Ocasionalmente, pausava o monólogo, enfiando comida pela boca e
analisando-a enquanto mastigava.
Allegra Gray 85
À Sombra de um Escândalo
Liz decidiu que seria melhor manter os olhos no prato. Quando um dos
homens a ela se dirigia, respondia economizando palavras.
A mãe e Charity permaneceram caladas, ainda que, de vez em quando,
Liz percebesse o olhar compassivo da irmã mais nova.
Suspirou. Por ora, tudo o que precisaria fazer seria suportar o jantar
inteiro. Depois disso, daria preferência a costurar mil vestidos a se casar com
o suíno do outro lado da mesa.
Na metade do jantar, Liz sentiu a cabeça leve.
Ao final, no entanto, percebeu ter sido leviana demais com o vinho.
Céus! Quantas taças havia tomado? Sua cadeira parecia flutuar em mar
aberto... Temeu o momento em que precisaria se levantar e retirar-se com a
irmã.
— Liz, por que você e o Sr. Wetherby não ficam mais um pouco,
enquanto o restante de nós se retira? — sugeriu o tio dela. — Ele me disse,
antes do jantar, que gostaria de conversar com você em particular, e aprovo
a ideia.
Sonolenta, ela pensou não ser uma ideia tão ruim, pois isso a pouparia
da indignidade de ter de se levantar e revelar seu estado. Ao mesmo tempo,
estaria a sós com Harold.
— Estou certa de que ele não se importará caso fiquem — declarou,
embora as palavras tivessem saído mais lentas do que de costume.
— De modo algum — respondeu o tio. Acenou então para as duas
outras mulheres. — Venham, senhoras.
Aflita, Liz assistiu as formas oscilantes do tio, da mãe e da irmã
esgueirar-se para fora do recinto.
Seu pretendente moveu-se para perto, tomando o assento ao lado.
— Termine seu vinho, Liz. — Estendeu-lhe a taça.
Ela sacudiu a cabeça, e a sala inteira girou. Péssima ideia.
— Não, creio já ter bebido muito. Por que queria falar comigo?
Engraçado. As palavras saíam arrastadas, e a sala parecia dançar
diante dela. Piscou para ver melhor.
-— Vamos conversar — disse Harold. — Mas antes proponho um
brinde. A nós?
Sinos de alerta soaram em sua cabeça confusa.
— Não existe nós, Harold — ela o informou, ou pensou ter feito isso.
Nunca saberia ao certo, pois a sala oscilou e a mesa subiu até encontrar seu
rosto.
Sonhou. Sabia disso, mas não podia erguer a grossa camada de névoa
que a mantinha ali. Estava viajando. Às vezes um tranco chegava-lhe à
Allegra Gray 86
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 87
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 88
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 89
À Sombra de um Escândalo
— Uma propriedade de onde não posso escapar você quer dizer — ela
deduziu com desgosto.
— Apenas até que se ajuste.
— Que me ajuste a quê?
Harold empurrou o batente e caminhou na direção dela. Tomou-lhe o
queixo sem delicadeza, forçando-a a fitá-lo.
— A casar-se comigo. A ser obediente. A pôr a minha vontade acima
da sua própria, como deve fazer uma mulher.
Liz liberou o queixo.
— Você é louco.
Ele se aproximou mais, as feições retorcidas.
— Asseguro-lhe de que não. Você vai aprender a me obedecer, nem
que precise apanhar. Será melhor se aceitar o fato.
A parede por trás de Liz limitou-lhe a retirada, e ela virou a cabeça,
tentando evitá-lo.
Sua mente ainda sofria os efeitos da droga que lhe haviam ministrado,
mas ela lutava para pensar em uma saída.
— Uma mulher direita não passaria nenhum tempo a sós com o
homem que pretende desposar — declarou os ombros retos.
— Direita? — Harold lançou uma feia gargalhada. — Toda a sociedade
vem comentando sobre seu comportamento. Seu tio pensa que não sei, mas
não sou nenhum tolo.
— Não é meu comportamento que pretende mudar? — Ela arriscou
numa última cartada. — Talvez fosse melhor começar me obrigando a dar
um bom exemplo.
— Lamentavelmente, precisaremos esquecer esse aspecto. — Lançou-
lhe um olhar que sugeria descaso. — Você já se provou indigna de confiança
e imprevisível, de modo que nossos assuntos devem ser resolvidos em
particular. Além do mais, ficar a sós comigo só vai, aos olhos da Igreja,
reforçar a necessidade do casamento.
As mãos dele lhe circundaram a cintura, então subiram até as costelas,
os polegares pressionando a parte debaixo dos seios.
— Pare! — Liz tentou se afastar, mas a parede a impediu. Harold
apertou-lhe os seios de leve.
— Seu toque me dá náuseas! Se não me soltar, vou vomitar! Ele deu
um passo atrás, o olhar de antes substituído por outro, de pura raiva.
— Não pense que isto está acabado, Liz. O mundo todo já sabe que é
uma vadia. Não vai conseguir me afastar com essa conversa de mulher
direita. Ainda vou pôr as mãos nesse seu corpinho deleitável... Talvez não
Allegra Gray 90
À Sombra de um Escândalo
agora, mas muito em breve, pois estou no comando aqui. Deveria aprender a
me agradar e obedecer se quiser recuperar sua liberdade, ou conseguir uma
visita que seja à sua irmã.
— Prefiro a morte! — ela gritou. Harold lançou-lhe um olhar piedoso.
— Estou certo de que vai repensar isso. — Virou-se e, apanhando a
bandeja, deixou o recinto.
Apenas quando o ouviu passar o trinco, Liz percebeu estar presa.
Desgraçado!
As atitudes de Harold, ainda que desprezíveis, não a surpreendiam.
Estavam bem de acordo com seu caráter.
Mas pensar que o tio havia concordado com aquele plano sórdido a
fez odiá-lo a ponto de tremer.
Mas ela não seria subjugada tão facilmente.
Seguiu até a janela. Do lado de fora, viu um pequeno jardim, depois
pastos verdes e, por fim, uma floresta. A névoa da manhã ainda pousava
sobre as reentrâncias dos montes e vales. Nenhuma estrada, nenhuma vila.
Talvez a janela desse para os fundos da propriedade...
Ou então Harold a tinha levado a um lugar muito distante.
Entre a casa e a floresta, não havia onde se esconder. Precisava ser
rápida.
O quarto que a aprisionava era outra história. Uma grossa cerca viva
crescia por baixo da janela.
Mordeu o lábio, considerando-a. Caso se pendurasse no parapeito, a
cerca abreviaria a queda, embora a aterrissagem pudesse ser bem
desagradável. Ainda assim, não tão desagradável quanto esperar ali por um
resgate que poderia jamais chegar.
Poderia fazer aquilo. Olhou mais uma vez, mas não havia sinal de
Harold. Lentamente, passou pela janela e se abaixou até ficar pendurada
pela ponta dos dedos. Segurando o ar, deixou-se cair.
Sentiu o vestido rasgar ao se enroscar num galho, mas, a despeito
disso, chegou sã e salva. Assim que sentiu as pernas firmes, correu em
direção à floresta.
Era mais longe do que parecera da janela, e seus pulmões ardiam. Não
ousou reduzir o ritmo até estar abrigada sob as árvores.
Enfim, deixara o campo aberto para trás. Deslizando em torno do
tronco de uma grande árvore, apoiou-se contra as raízes, a fim de recuperar
o fôlego. O orvalho havia lhe encharcado os sapatos e a barra das saias.
Ainda usava as roupas que vestira para o jantar, em Londres. Nada
apropriadas para viagens rústicas.
Allegra Gray 91
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 92
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 93
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 94
À Sombra de um Escândalo
houvesse aceitado como moeda de troca pelas dívidas de jogo de seu pai,
pelo que o tal Cutter sugerira no parque, ele costumava seduzir e abandonar
suas mulheres. Alex podia ter lhe oferecido dinheiro, joias, mas teria
poupado seu coração?
Provavelmente não. Afinal, não recebera uma só palavra dele, desde
que partira em negócios.
Dali em diante, não confiaria mais em ninguém.
Allegra Gray 95
À Sombra de um Escândalo
Capítulo III
Allegra Gray 96
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 97
À Sombra de um Escândalo
cuidar para que não tenham problemas. Por que Liz? Ela era uma boa
menina, ainda que a família não tivesse sorte, e as crianças a adoravam.
— Lamento. Sei que as crianças gostavam dela. — Seguindo em
direção à porta, ele perguntou: — Ela disse para onde ia? O que planejava
fazer no futuro?
Marian cruzou os braços.
— Que futuro, Alex? A reputação da pobre foi arruinada além de
qualquer limite.
— Marian... — ele falou devagar. — Para onde ela foi?
— Para casa, creio. Isto é, se é que a família a recebeu de volta.
Ele se virou e saiu, deixando a irmã estupefata com sua total falta de
modos.
— Cavalariço! — chamou, chegando ao estábulo. O mesmo rapaz de
antes se aproximou.
— Apronte o faetonte e os cavalos. Vou para Londres. O menino
franziu a testa.
— Sim, milord.
Maldição. Como aquilo havia acontecido enquanto estava fora? E por
que ninguém o informara da situação? Perguntou-se Alex, inconformado.
Os cavalos sacudiram-se em protesto quando ele os açoitou com as
rédeas. Estavam cansados, mas ele devia desculpas a Liz. Não estava
disposto a perdê-la com tanta facilidade.
Após vários grampos quebrados, Liz percebeu que abrir uma
fechadura era bem mais difícil do que as heroínas de seus romances
favoritos a tinham feito crer.
O que significava que deveria ser esperta e tentar convencer Harold de
que havia desistido de lutar. Se conseguisse liberdade suficiente apenas para
vagar pelas cercanias, poderia planejar uma rota de fuga, ou mesmo
encontrar uma maneira de pedir ajuda.
Tramar a fuga a manteve distraída da fome crescente. Mas conforme o
crepúsculo descendeu sobre os campos e um delicioso aroma de rosbife se
elevou pela escada, nada pôde desviá-la de seu apetite. Não comia desde a
noite do sequestro. Não sabia ao certo por quanto tempo tinham viajado,
mas Harold dissera ter assinado o compromisso de noivado duas noites
antes, o que significava que havia passado bastante tempo desde sua última
refeição.
Se soubesse o que realmente estava por vir durante aquele último
jantar em família, teria prestado mais atenção ao que tinha no prato e
menos ao vinho batizado.
Allegra Gray 98
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray 99
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
102
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
103
À Sombra de um Escândalo
— O duque irá cuidar disso — Liz afirmou, rezando para que sua fé em
Alex fosse justificada.
Mas havia uma boa chance de aquilo dar certo. Mesmo se ele não a
amasse, não haveria de querer vê-la prisioneira. Bormley fez-lhe um breve
aceno com a cabeça.
— Verei o que posso fazer.
Não era uma promessa, ela pôde notar. Mas já era alguma coisa.
Seria o homem confiável? Liz se perguntou, preocupada. Não tinha
ilusões de que ele consideraria ajudá-la apenas por caridade cristã. Esperava
apenas que sua ganância por lucros maiores do que os que Harold poderia
oferecer o fizesse colaborar.
Pela primeira vez, ficou grata por seu relacionamento com o duque ter
vindo a público. Se Bormley tivesse ouvido os rumores, acreditaria poder ser
recompensado.
Cruzou os braços, protegendo-se da fria névoa da manhã.
— Com frio?
Seu estômago se apertou enquanto Harold se aproximava. Ainda
assim, ela manteve a expressão neutra.
— Um pouco.
— Talvez devesse entrar e se aquecer antes que partamos.
— Para onde? — As esperanças a tontearam. Ele não havia
mencionado nada antes, mas não importava. Estaria longe daquela prisão.
Talvez até fizesse uma refeição de verdade, já que o primo provavelmente
não lhe negaria comida em público.
— Tenho uma surpresa para você, Liz. — O tom cantado deixava
evidente o quanto ele apreciava torturá-la.
Que espécie de surpresa? Uma surra?
— Estou ansiosa por descobrir do que se trata...
— Vai ter de esperar, doçura. — Harold riu condescendente. — Mas
posso garantir, vai achá-la bastante... Cativante.
A maneira com ele falava a fez estremecer. Aquilo não fizera parte de
seu plano. Precisava de mais tempo.
Moveu-se em direção a casa, passando por Bormley a caminho do
estábulo. Encarou-o, tentando avisar sobre a nova urgência, mas impedida
de falar abertamente diante de seu malfeitor. Puxou o lenço, segurou-o
diante do nariz, e então deixou que escapasse por entre os dedos e planasse
até tocar o chão. Curvou-se para apanhá-lo, aguardando por alguma reação
de Bormley.
O criado devolveu o olhar, mas de maneira indecifrável.
Allegra Gray
104
À Sombra de um Escândalo
O pânico a invadiu.
Passou para o lado de dentro e apanhou um xale mais quente, uma
peça feita à mão que encontrara num baú. A quem havia pertencido, não
tinha ideia, já que Harold não lhe contara nada sobre os donos ou antigos
ocupantes da casa.
Aqueceu-se diante da lareira, enquanto Bormley aprontava o coche e
os cavalos. Viria ele em seu auxílio? Ou estaria agora mesmo revelando sua
trama a Harold?
— Está na hora, Liz.
Rigidamente, ela seguiu até o veículo, tentando imaginar se a
mudança nos planos representaria uma oportunidade de fuga ou um perigo
ainda maior. Bormley a ajudou a subir, mas sua expressão vazia nada
denunciava.
Enquanto Harold suspendia seu considerável peso até o assento ao
lado, Liz sentiu as esperanças minguar.
O criado tomou o assento do condutor, mas, subitamente, fez um
gesto com a mão.
— Um momento, senhor — disse, apressando-se de volta a casa.
O coração de Liz disparou, e ela enviou uma prece aos Céus. Harold
emitiu um impaciente grunhido.
Uma vez de volta, Bormley estendeu uma jarra e uma cesta coberta
por um pano.
— Para a viagem, senhor.
A esperança renasceu e Liz lançou-lhe um olhar. Seria apenas sua
imaginação, ou o homem piscara para ela?
Harold aceitou a oferta, e o criado subiu até seu lugar. Um golpe de
rédeas, e estavam a caminho sabia-se lá de onde.
Pela primeira parte da viagem, Liz sentou-se rígida ao lado do
sequestrador. Ele não lhe tinha dito nada sobre seu destino, e ela tampouco
lhe havia perguntado. A preocupação a devorava, no entanto, enquanto
tentava adivinhar quais os planos de Harold.
— Com sede? — Harold apontou-lhe a jarra.
Liz sacudiu a cabeça, e assistiu enquanto ele tomava um gole e
examinava a cesta de pães.
O coche passou por pequenas fazendas cujos campos se encontravam
quase prontos para a colheita. Bormley havia baixado a cobertura do coche,
e ela se viu feliz por ter trazido o xale.
Passaram por alguns outros viajantes. Será que a considerariam louca
caso gritasse por ajuda?
Allegra Gray
105
À Sombra de um Escândalo
Não. Tinha de ser paciente. Não poderia arcar com outra fuga
malsucedida.
Finalmente, a distância, viu a silhueta de uma igreja.
Uma vila! Com gente de verdade, comércio e...
Lágrimas encheram-lhe os olhos, tamanha a falta que sentia de uma
vida normal. Não podia mais suportar o silêncio de Harold.
— Estamos indo para a vila? — perguntou, detestando o tom de
súplica na própria voz. Entre o cativeiro imposto pelo primo e o isolamento
que experimentara em Londres, tanto na casa de Bea quanto na de sua
própria família, estava faminta havia tempo demais. Não apenas por comida,
mas também por contato humano.
— Sim, à igreja.
— Para a missa? — Era domingo? Céus! Tinha perdido a conta.
— De certa forma.
Liz torceu a mãos junto ao xale, enquanto seu desconforto crescia.
— Considere cuidadosamente suas atitudes, doçura — advertiu-a
Harold —, pois não é apenas o seu destino que depende delas.
Ela franziu o cenho.
— Pense também em sua querida irmã.
— Charity? O que ela tem a ver com isto?!
— Da maneira que as coisas estão agora, você arruinou suas chances
de um futuro decente.
A vergonha a inundou. Era verdade. Ainda que Charity houvesse dito
saber cuidar de si mesma, ela sabia ser a responsável pelas dificuldades da
irmã. A reputação da família Medford fora abalada após a morte do pai
delas, mas agora estava em frangalhos. E nada daquilo era culpa de Charity.
— Talvez possamos consertar as coisas — Harold afirmou, sorrindo
com cinismo.
— Não vejo como.
— A sociedade é inclemente, mas é bem capaz de esquecer os deslizes
de alguém se a pessoa os enxerga e se decide por um respeitável e legítimo
casamento. — Ele bebeu mais um gole da jarra.
Liz afastou o olhar, mirando a estrada enquanto o veículo seguia lento.
Os campos dourados e marrons e as fazendas se alternavam diante de seus
olhos úmidos. Harold dissera que estavam indo à igreja. Agora ela sabia por
quê.
De qualquer modo, haveria tempo. O proclama deveria ser lido três
domingos antes da data.
Allegra Gray
106
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
107
À Sombra de um Escândalo
mesmo que não fosse ela jamais poderia permitir que a irmã pagasse por
isso.
Tinha o corpo moído pela tensão, e a cabeça ainda latejando devido ao
soco, porém conseguiu movê-la devagar.
— Está fazendo a coisa certa, doçura — afirmou Harold, e ela detestou
seu tom presunçoso. — Levou algum tempo, mas eu sabia que você seria
razoável um dia. Na verdade, esta é a razão para nosso passeio, esta manhã.
Harold a soltou e, temerosa, Liz se arrastou para cima do banco.
— Consegui uma licença especial para o nosso casamento — ele
explicou, soando orgulhoso. — O vigário está à nossa espera.
Ela lutou para respirar.
— Pretende fazer isso hoje?
— Por que não? Ande logo com isso! — ele gritou a Bormley, que deu
com as rédeas nos animais.
Liz deu uma olhadela em direção à jarra. Haveria ainda alguma
esperança? O homem não demonstrava sinal de estar abalado.
Não podia contar que Harold fosse desmaiar com o sonífero, mas ela,
que já se sentia fraca de inanição, com certeza o faria.
Bormley levou o veículo até o pequeno pátio da igreja e parou. Harold
abriu a porta e... Liz piscou, alerta. Teria ele cambaleado ao tocar o chão?
Não importava. Ela contava com um plano agora, ainda que este fosse
temporário.
Desceu do coche e o seguiu, em aparente obediência, para dentro da
penumbra da igreja. O vigário não poderia proceder com a cerimônia caso a
noiva estivesse inconsciente, poderia?
Investigar o desaparecimento de Liz tomou mais tempo do que Alex
esperara. Ele mal resistiu à urgência de cavalgar à sua procura.
Mas procurar sem um plano seria tarefa de tolo. Ela deveria estar
escondida em alguma parte. Assim, contratou os melhores investigadores,
pagou-os a mais para que se apressassem, e então os atormentou
incessantemente.
Após dois dias sem resultado, estava desesperado de preocupação e
culpa, e se encontrou com lorde Wilbourne no White's para uma noite de
carteado e bebedeira.
— Está jogando muito mal, Beaufort — disse-lhe Wilbourne, em
apenas uma hora de jogo.
Alex deu de ombros e entornou outro brandy. Para onde, diabos,
aquele desgraçado havia levado Liz?
Allegra Gray
108
À Sombra de um Escândalo
coração palpitando. Queria ver por conta própria que Liz estava bem, mas o
bom-senso lhe dizia que tal investida poderia provocar Harold ainda mais.
Ninguém notou sua chegada ao pequeno jardim. Havia um estábulo,
porém não ouviu nenhum som de animais, exceto por aqueles vindos de um
punhado de galinhas ciscando pelo pátio.
A ansiedade cedeu lugar à incerteza. Algo estava errado. Teria ido ao
lugar errado? Não existia mais nada em volta.
Bateu à porta e não obteve resposta. Empurrou-a e, surpreso, viu esta
se mover.
Um breve exame pelos cômodos confirmou que a casa se encontrava
vazia, embora seus ocupantes não houvessem partido muito tempo antes.
Restos do desjejum permaneciam sobre a mesa, e o perfume de Liz ainda
recendia no andar de cima.
O temor o invadiu quando seguiu para os fundos e confirmou que o
estábulo também se encontrava deserto.
Um pequeno trabalho de investigação revelou novas pistas, levando à
direção oposta daquela de onde viera. Ele chutou os flancos do garanhão e
se pôs a galope enquanto um nó lhe crescia na garganta. Onde estaria Liz?
Que Deus ajudasse Wetherby se ele lhe tivesse feito algum mal.
Havia meses Alex não adentrava uma igreja, mas, enquanto mantinha
os olhos nos rastros que seguia, sua mente elaborou uma prece. Mais do que
tudo, rezou para que Liz não houvesse sofrido por uma inconsequência dele.
Os rastros levaram-no a uma vila, e então até uma capela.
Seu desconforto quase se transformou em pânico quando avistou o
fim da trilha.
Lançou-se de cima do animal e correu até a igreja.
O empurrão fez a porta de madeira bater contra a parede lateral.
Enquanto seus olhos se ajustavam à falta de luz, discerniu três figuras
próximas ao altar. Uma vestia-se de negro, e as outras duas permaneciam
diante desta na clássica formação de um casamento.
A cascata de cabelos acobreados da noiva tornou impossível que se
equivocasse, e a fúria o inundou.
— Não! O senhor não pode continuar! — Sua voz ecoou na capela,
ricocheteando pelas paredes de pedra. Rapidamente, Alex cobriu a distância
até os três.
Liz, o vigário e um homem robusto, com ralos cabelos castanhos, se
voltaram para fitá-lo. Alex reconheceu este último do encontro no estábulo
de Derringworth, meses antes: Wetherby.
Allegra Gray
110
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
111
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
113
À Sombra de um Escândalo
O que quer que fosse dizer se perdeu quando ele passou a cobrir-lhe a
testa, os olhos, os lábios de beijos.
Liz inalou o perfume másculo que emanava dele com um suspiro
trêmulo. Havia milhões de perguntas a ser feitas sobre o futuro, mas, por
ora, todas poderiam esperar.
— Diga-me novamente — Alex murmurou-lhe ao pé do ouvido.
— O quê?
— Que vai se casar comigo.
— Vou me casar com você. — Ela ofegou incapaz de crer que Alex
Bainbridge, duque de Beaufort, havia se oferecido a ela. Se aquilo fosse um
sonho, esperava nunca acordar.
O que ele havia acabado de fazer? Perguntou-se Alex, atônito. Como
aquela garota tinha transformado o maior libertino de Londres em um
homem que atravessava o país para pedi-la em casamento?
O engraçado era que aquilo parecia certo; como se o casamento fosse
completá-lo.
Olhou para Liz. Ela parecia um tanto confusa. Não que pudesse culpá-
la.
— Vamos — disse, tomando-lhe a mão e conduzindo-a para fora da
pequena igreja.
Apertou os olhos ao retornar à iluminada manhã. Não havia sinal de
Wetherby, e seu cavalo encontrava-se parado próximo ao portão do
cemitério da igreja, parecendo exausto.
Ele se aproximou a apanhou as rédeas, os olhos correndo pelas
sepulturas ali perto. Lorde Medford devia estar se revirando em seu túmulo,
refletiu. Quando oferecera a filha a ele na esperança de acertar suas dívidas,
não devia nem sequer ter imaginado que um dia os dois poderiam se
apaixonar o que lhe teria poupado de tamanha indignidade...
De qualquer forma, era melhor que Liz permanecesse na ignorância
quanto aos atos do pai. Já havia sofrido o suficiente. Suspirou ao se dar conta
de mais um problema.
— Eu estava tão desesperado por encontrá-la que não pensei que teria
de levá-la de volta à Londres... Meu cavalo é bom, mas duvido que consiga
carregar a nós dois.
Olhou em volta. Além da igreja, só havia algumas lojas e casas, além
de uma pequena taverna no vilarejo.
— Fique aqui por um momento. Mas prometa-me que não vai se
mover um só centímetro.
Allegra Gray
114
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
115
À Sombra de um Escândalo
— Considere feito. — Alex olhou em volta. — Ele se foi agora, mas vou
cuidar do assunto. Não precisará pensar nisso outra vez.
Finalmente, ajudou-a a subir no cavalo. Liz sentiu-se tonta quando
Alex sentou-se por trás dela e deu com as rédeas no animal. Era muito
íntimo e pouco apropriado cavalgar daquela maneira.
De qualquer modo, estavam prestes a se casar, lembrou-se, feliz, e
tentou relaxar.
Após a intensa cena da igreja, Alex parecia hesitante em falar.
Mas ela também não saberia o que dizer. Tanto havia acontecido nas
últimas semanas! Não queria reviver tudo agora.
Virou-se para fitar seu noivo. Alex tinha o queixo tão forte, os olhos
tão intensos. Os cabelos negros e desgrenhados imploravam por seu toque.
O homem possuía propriedades por toda a Inglaterra, investia em assuntos
domésticos e estrangeiros e reunia mais poder do que qualquer um que ela
conhecera.
E não só havia vindo resgatá-la como também se oferecera para
desposá-la.
Deveria estar mesmo delirantemente feliz.
Exceto que não podia evitar lembrar-se do incidente com o homem
que encontrara a caminho de casa após perder o emprego de governanta. O
tal Sr. Cutter, por mais bêbado que estivesse, havia lhe abalado a fé de que
as intenções de Alex eram sinceras.
Haveria o duque barganhado com seu pai e a aceitado como
pagamento?
A ideia a deixava enjoada.
Ele a havia procurado apenas após a morte do barão, lembrou a si
mesma. Mas era possível que houvesse recebido o aviso sobre a falência do
pai dela e, assim, tivesse decidido aceitar a oferta.
Alex nunca tinha mencionado nada do tipo. Porque era vergonhoso ou
porque não era verdade? Quando ele a procurara pela primeira vez, fora por
genuíno interesse ou para cobrar o acordo?
E como poderia Cutter saber sobre aquela situação? Haveria Alex
discutido o assunto com outras pessoas? Quantos na sociedade estariam
comentando que seu próprio pai a oferecera como prêmio?
Liz suspirou. Estava certa de que Alex gostava dela agora, mas quanto?
Ele estaria se casando por amor ou por culpa?
Santo Deus! E se aquele silêncio quisesse dizer que estava arrependido
do que havia dito na igreja?
Allegra Gray
116
À Sombra de um Escândalo
Alex percebeu que Liz o observava por cima do ombro. Seus cabelos
pareciam em chamas sob a luz intensa do sol, nas partes em que escapavam
do chapéu. Sentiu vontade de beijá-la na ponta do nariz. Seus olhos, no
entanto, pareciam tristonhos.
— O que foi?
Ela balançou a cabeça e se voltou para frente mais uma vez.
— Liz... Ela suspirou.
— O que você fez lá na igreja...
— Foi algo que eu devia ter feito há muito tempo.
— Devia? Ou queria ter feito?
— O que quer dizer? — Era evidente que algo a incomodava.
— O que o fez procurar por mim, Alex? Ele respirou profundamente.
— Quando voltei de viagem e vi que você havia partido, ouvi sobre o
que tinha acontecido: que Wetherby a tinha levado. Era a única coisa a fazer,
Liz. Apenas queria ter chegado mais rápido.
— Não, Alex. Quero dizer, por que me procurou antes disso tudo?
Digo: eu quase implorei para que me arruinasse aquele dia, no parque, e
você se recusou a fazer isso. O que o fez mudar de ideia?
Alex pôde sentir-lhe a tensão pelo corpo.
— Não sei explicar — falou em voz baixa. — Sua oferta me tentou
sobremaneira e, depois, quando a descobri na casa de minha irmã, longe da
falsidade da sociedade... Não pude parar de pensar em você. Sei que não
começamos nos termos mais honrosos e quero desculpar-me por isso. Acho
que o desejo me roubou o bom-senso.
Liz olhou por sobre o ombro, estreitando os olhos.
— Não foi porque queria ser pago pelas dívidas de meu pai? Alex
engoliu com força. Como ela sabia sobre aquilo? Porém, não deveria se
culpar. Jamais havia feito aquilo.
Na verdade, a proposta do pai dela quase o tinha impedido de
procurá-la.
Viu nos olhos de Liz que não adiantaria fingir.
— Não! — disse com firmeza. — Eu não estava tentando recuperar o
prejuízo que seu pai me causou.
— Então ele realmente me ofereceu como moeda de troca — ela falou
tranquila.
— Sim.
Alex sentiu-se mal, mas não estava disposto a mentir. Deus! Qual não
devia ser a sensação de saber que o pai havia feito algo assim?
Allegra Gray
117
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
118
À Sombra de um Escândalo
de pleitear seu corpo. Você não faz ideia do quanto senti a sua falta. Quando
voltei e vi que havia partido...
— Mas eu lhe mandei um recado — ela lembrou. — Logo que perdi o
emprego.
Alex retrocedeu um pouco e negou com um gesto de cabeça.
— Jamais recebi qualquer carta. Os negócios me enviaram a destinos
que eu não imaginava. A maior parte de minhas correspondências não
chegou até mim.
Ela suspirou pesarosa, e Alex a puxou para perto mais uma vez.
— Eu jamais teria ignorado seus problemas se soubesse deles.
— Eu acredito — Liz murmurou, sorrindo.
— E acredite, também, que todas essas semanas me fizeram dar conta
de que, mais do que tudo, eu queria você a meu lado. Não apenas para uma
tarde ou outra, mas para sempre. Esqueça a proposta de seu pai, Liz: ela foi a
tentativa desesperada de um homem arruinado por suas próprias fraquezas.
Nada disso tem relação com o que existe entre nós dois. Deixe-me fazer a
coisa certa agora. Seja a minha esposa. — Traçou-lhe o contorno da orelha
com a língua.
Liz estremeceu e se aconchegou junto ao corpo forte, feliz.
— É o que eu mais quero.
— Estamos quase lá.
Liz espreguiçou-se e abriu os olhos. Não era um sonho. Alex
Bainbridge, seu noivo, ocupava o assento à sua frente, na carruagem.
Segurava uma carta nas mãos. Uma carta bastante familiar. Liz
despertou de uma vez.
— Onde conseguiu isso?
— Escorregou pelo seu vestido enquanto você dormia.
O selo estava intacto, ela notou com alívio. Esticou a mão.
— Posso tê-la de volta?
— Ela está endereçada a mim.
Mas Alex não poderia lê-la. Não agora. Não quando tudo estava
perfeito, e ele havia lhe pedido que o desposasse. Se Alex descobrisse que
ela estivera disposta a ceder por muito menos, será que ainda a amaria?
Não poderia suportar o coração partido mais uma vez.
— Por favor, Alex. — Ela pediu com voz trêmula. — Não tem
importância agora. É apenas uma carta que escrevi antes que você chegasse
à igreja.
— O que ela diz?
— Apenas que eu esperava contar com a sua ajuda.
Allegra Gray
119
À Sombra de um Escândalo
Por favor...
Relutantemente, ele a entregou.
— É claro que eu viria em seu auxílio. Mas está vermelha. O que mais
diz a carta?
Liz baixou o olhar.
— Eu vi como estava sendo tratada, Liz. Eu juro nada do que diga
poderia baixar meu conceito sobre você. É a mulher mais corajosa e esperta
que já conheci. — Alex trocou de assento, acomodando-se ao lado e
puxando-a para os braços.
— Estou tão envergonhada — ela sussurrou.
— Querida, como você já disse, não importa mais. Pode me contar.
Liz inspirou, tomando coragem.
— Eu estava assustada, pois, por mais que pensasse em fugir do meu
cativeiro, não teria para onde ir. Minha casa já não era segura. Além do mais,
não tinha nenhuma carta de referência. Então escrevi essa carta, dizendo
que, caso a sua oferta para que eu fosse sua amante ainda estivesse de pé,
eu estava disposta a aceitá-la.
Ergueu os olhos até encará-lo e encontrou apenas compreensão e
amor. Não condenação.
— Estou honrado que tenha pensado em mim em seu momento de
maior necessidade — Alex falou em voz baixa. — De qualquer maneira,
reafirmo o que eu disse antes. Seu lugar é ao meu lado, como uma esposa
adorada, e nada menos do que isso.
Liz lançou-lhe um sorriso trêmulo. O olhar de Alex baixou até seus
lábios e ela se inclinou, implorando por seu toque, por seu amor. Passou os
braços pelo pescoço forte com um suspiro quando ele a beijou com paixão.
Céus! Como pensara em viver sem ele?
A carruagem parou.
— Já chegamos? — ela perguntou, afastando-se com pesar. Ainda que
estivessem viajando havia dois dias, parando apenas nas tavernas para
comer e refrescar os cavalos, Liz enxergava aquilo como um interlúdio, um
refúgio temporário da prisão e do escrutínio que encararia em seu retorno a
Londres com o duque de Beaufort.
— Não exatamente. Pedi ao cocheiro que parasse em minha casa de
Londres, mas apenas por um instante. Quero trocar de carruagem.
Era verdade que o coche alugado não era tão luxuoso quanto o do
duque, mas Liz sabia que devia haver alguma outra razão.
Em minutos, o cocheiro de Alex trouxe a bela carruagem com o brasão
de Beaufort orgulhosamente estampado nas laterais. A parada seguinte seria
Allegra Gray
120
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
123
À Sombra de um Escândalo
Ajeitar as coisas entre Alex e sua família era apenas o começo dos
desafios de Liz. Tinha ainda de reparar sua reputação.
Em primeiro lugar, deveria se certificar de que Beatrice Pullington não
houvesse sucumbido às fofocas e se não tivesse voltado contra ela. Quando
dissera à mãe que ficaria com Bea, não havia ainda consultado a amiga.
A carruagem de Alex a levou até a casa de Beatrice após deixá-lo em
sua própria residência.
— Liz, se houver qualquer problema com sua amiga, por favor, venha
para cá — ele instruíra ao partir.
— Obrigada. — Ela havia sorrido travessa. — Embora eu imagine não
ser esta a única razão pela qual me quer sob seu teto...
— Vá, diabinha — ele grunhira, deixando a carruagem, apressado. —
Não me tente!
O coche a conduzira para longe enquanto seus pensamentos vagavam
com as diversas maneiras pelas quais ela planejava tentar Alex Bainbridge.
A casa de Bea parecia à mesma de sempre, porém Liz sentiu-se uma
mulher diferente ao tocar a campainha.
O mordomo atendeu, e Beatrice apareceu instantes depois, parecendo
um pouco apreensiva.
— Liz! Fiquei tão preocupada! Entre, entre... Você está bem? Ela
estendeu ambas as mãos a fim de cumprimentar a velha amiga.
— Perfeitamente bem. Melhor, talvez, do que possa imaginar.
— Sorriu maliciosa.
Bea arregalou os olhos.
— O que aconteceu? Tem havido rumores, mas você sabe como é...
Foi a carruagem do duque de Beaufort que vi em frente à casa? Ah, Liz,
conte logo!
Ela rapidamente pôs a amiga a par do que havia acontecido,
encerrando com o, ainda não anunciado, compromisso com o duque.
— Liz! — exclamou Bea, a expressão repleta de júbilo.
— Que maravilha! Depois de tudo por que você passou, com certeza
merece tal felicidade.
Ela sorriu, vendo que Bea era mesmo uma amiga querida.
— Quando é o casamento?
— Em três semanas. Por isso vim, Bea. Preciso de um lugar para ficar
até lá. Desprezo a mim mesma por me impor a você mais uma vez, mas...
— Não diga mais nada. Não está se impondo coisa nenhuma. É claro
que pode ficar.
— Não sei o que faria sem você, minha amiga!
Allegra Gray
124
À Sombra de um Escândalo
Bea a abraçou.
— E eu não sei o que faria sem você para animar minha vida!
Provavelmente seria uma viúva entediada e ranzinza.
— Jamais! — Liz exclamou, e ambas se puseram a rir.
— Sua família não está de todo satisfeita com o casamento?
— Bea estranhou. — Não posso imaginar por quê.
Liz fez-se sóbria, então contou sobre o cativeiro na casa de Harold.
— Não acredito! Que monstro! Sua mãe sabia? Seu tio?
— Meu tio, certamente. Mamãe... Bem, não tenho certeza. Por isso
não posso voltar para casa, Bea.
— Tem razão — concordou a moça. — Está mesmo bem? Apesar da
exaustão, Liz pensou no homem maravilhoso que esperava para se casar
com ela.
— Agora estou.
— Vai voltar à sociedade da melhor maneira — Marian Grumsby falou
com segurança alguns dias depois. Foi uma das primeiras visitas de Liz,
depois de Charity, que, afoita, chegara apenas uma hora depois que a irmã
havia se instalado na casa de Bea.
Liz e sua ex-patroa, irmã de seu amado duque, sentaram-se no
pequeno salão. Bea havia saído, mas não se importava que Liz recebesse
visitas.
— Esta é a sua casa — tinha afirmado.
Lady Grumsby, para o alívio de Liz, ficara bastante entusiasmada com
o noivado do irmão.
— Sabia que havia algo diferente na maneira como ele à olhava —
comentou, sonhadora. — E é claro que não estou aborrecida com você.
Como poderia estar, quando você e Alex são tão obviamente certos um para
o outro? Eu posso, inclusive já o fiz, arranjar outra governanta. Mas jamais
encontraria uma noiva melhor para meu irmão. — Seu olhar tornou-se
gentil.
— Você sabe quantas mulheres se atiraram diante de Alex antes
mesmo que ele tivesse idade para notar o sexo oposto? E meu irmão jamais
demonstrou qualquer desejo de se envolver de forma mais duradoura com
qualquer uma delas, a não ser com você.
As palavras de Marian eram reconfortantes, pensou Liz. Já a insistência
para que ela frequentasse bailes e chás como se nada houvesse acontecido...
— Eu não poderia. — Balançou a cabeça. — Alex e eu vamos viver
tranquilos no campo. Quero dizer, olhe em volta... Tornei-me persona non
grata até mesmo em minha própria casa depois disso tudo.
Allegra Gray
125
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
126
À Sombra de um Escândalo
— Sem dúvida. Mas não deve deixar que ninguém mais saiba disso.
Você precisa manter a cabeça erguida ou vão querer devorá-la com sua
maldade. Seria bom que sua mãe estivesse ao seu lado para apoiá-la, apesar
de tudo.
Liz concordou.
— Ela poderá ficar ao meu lado, em um baile; acredito. Não acho que
isso vá ofender o nome do duque.
Liz suspirou. Ela e a mãe não se falavam desde o dia em que ela havia
retornado a Londres. Sua relação ainda estava ferida, ainda que Liz nutrisse a
esperança de que lady Medford não tivesse nada a ver com a trama
envolvendo Harold.
— Isso resolve a questão. — Marian sorriu. — Faremos seu retorno em
três semanas, no baile dos Holbrook.
— Mas Alex quer se casar em três semanas — avisou Liz.
— Como? Impossível! — exclamou Marian. — A menos, é claro, que
seja necessário... — Seu rosto bonito corou.
— Não, não... Fique tranquila. — Liz enrubesceu também.
— Então é melhor convencê-lo a adiar o casamento.
— Convencer o duque de Beaufort de que ele precisa esperar?
Marian gargalhou. — Bom argumento. Mas umas poucas semanas a
mais ajudariam muito. Além disso, quanto mais longo o noivado, melhor; ao
menos, aos olhos da sociedade.
Liz respirou fundo. Como de costume, estava à mercê da aprovação da
sociedade.
De qualquer forma, pretendia tornar-se uma esposa de que Alex se
orgulhasse.
— Posso tentar.
— Meu irmão vai concordar com o que quer que peça — Marian
previu. — E, se tudo der certo, no baile dos Holbrook você fará seu retorno
com a cabeça erguida. Encontraremos uma maneira de explicar todo o
escândalo.
Uma discreta batida à porta as interrompeu, e Bea enfiou a cabeça
para dentro.
— Voltei... Posso me juntar às nobres damas?
— Claro! — Marian se alegrou. — Pode nos ajudar a planejar.
Bea se aproximou e tomou assento.
— Planejar o quê?
Allegra Gray
127
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
128
À Sombra de um Escândalo
Ele, por sua vez, fizera pouco mais do que amparar o corpo delicado,
tão em contraste com o seu rijo de desejo.
E desde que tinham retornado, ela estivera na casa de lady Pullington,
onde parecia estar sempre cercada de amigas, falando animadamente sobre
os planos para a cerimônia.
Era o suficiente para levar um homem ao desespero.
Apesar disso, empurrou a porta do salão um tanto mais e o adentrou.
As três se puseram de pé, interrompendo a bela cena.
— Alex — saudou Marian, alegre. — Discutíamos sobre como sua
adorável noiva precisa readentrar à sociedade.
Ele mirou Liz, que parecia um tanto insegura, e a culpa o alfinetou.
Graças a Deus, ao contrário de seus outros erros, os efeitos daquele
poderiam ser neutralizados.
— Talvez seja melhor que as deixe tramar tudo, querida. Afinal, você é
a especialista em regras da sociedade — disse, voltando-se para Marian.
Tinha absoluta fé de que a irmã logo levaria sua noiva às graças de todas as
senhoras de Londres, contanto que Liz pudesse suportar o terrível escrutínio
ao qual certamente seria posta.
— Estamos quase terminando — comunicou-lhe lady Pullington. —
Lady Grumsby e eu estávamos a ponto de sair para visitar a papelaria. Certo?
— Por favor, pode me chamar de Marian. E sim, creio termos tomado
nossa decisão. O baile dos Holbrook será nosso ponto de partida. Cabeça
erguida, querida Liz!
Marian e Bea trocaram olhares, então deixaram o recinto.
— Creio que pretendia nos dar alguma privacidade — observou Liz,
sem graça.
Alex cruzou o cômodo em sua direção, tomando-lhe ambas as mãos.
— Liz, você não precisa fazer isso. A sociedade pode ser cruel, e você
já passou pelo suficiente.
O ferimento no rosto já tinha sumido, mas a lembrança dele, e o que
ela havia dito ter passado naquelas semanas, era mais do que suficiente para
que quisesse poupá-la de ainda mais sofrimento.
— Tenho diversas propriedades no interior onde podemos viver.
Liz deu um passo para perto, precisando levantar a cabeça para fitá-lo
nos olhos.
— Eu quero fazer, Alex. Você merece mais do que uma esposa a quem
precisa esconder o tempo todo.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Mas seria melhor para mim, manter os outros homens afastados.
Allegra Gray
129
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
130
À Sombra de um Escândalo
Liz não estava tão certa disso. Ainda assim, encontrava-se ansiosa por
tornar aquela união uma realidade.
De acordo com Bea e Marian, o baile dos Holbrook seria o maior
obstáculo a ser superado para que Liz recuperasse sua reputação. O evento
anual era restrito, frequentado pelos membros mais influentes da cidade. Se
Liz conseguisse aprovação, navegaria sobre mares calmos, após tanta
turbulência.
Lady Medford concordou em comparecer ao lado da filha a fim de
demonstrar a solidariedade da família e afastar rumores. Demonstrava mais
boa vontade agora que a filha estava prestes a se casar acima de suas
expectativas, ainda que parecesse desconfortável na presença do duque.
Mais de uma vez, Liz tinha visto a mãe desviar o olhar, constrangida, quando
Alex adentrava os recintos.
Mas talvez fosse apenas a preocupação de que o duque a culpasse por
seu sequestro.
A presente trégua entre a mãe e ela fora conseguida sob a con-
cordância de que nenhuma das duas citasse o nome de qualquer de seus
parentes homens, próximos ou distantes.
Preparar-se para o baile impediu Liz de pensar demais sobre tais
assuntos, felizmente. Bea e Marian compareceriam ao evento também e, era
claro, Alex, ainda que houvessem concordado que o duque não lhe serviria
de acompanhante. Tal tarefa caberia a Brian Grumsby, marido de Marian.
Charity ficaria de fora pelo momento, embora houvesse lembrado,
indignada, de que já tinha dezoito anos. Fora preciso muito para convencê-la
de que tudo seria melhor quando a irmã fosse uma duquesa, e não a maior
fonte de fofocas da cidade.
No fim, ela aceitara o papel de assistente do casamento.
O tempo exíguo: o baile em três semanas, depois apenas mais três
antes do casamento, envolveu todas as moças em um furor de preparações.
Afinal, ao longo do último ano, o guarda-roupa de Liz sofrerá
consideravelmente. Primeiro ao ser modificado para roupas de luto, depois
para uniformes de governanta.
Mesmo assim, com uma respeitável transferência de fundos de Alex e
alguma bajulação, elas haviam convencido uma modista para lhe preparar
um vestido de gala por um preço considerável, e em um espaço de tempo
bastante curto.
Quando, por fim, chegou a noite do baile, os nervos de Liz estavam à
flor da pele. Seu estômago se retorcia, e as mãos tremiam diante da ideia de
encarar tanta gente impiedosa.
Allegra Gray
131
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
132
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
136
À Sombra de um Escândalo
— Liz, você está certa de que é isso que quer? Quero dizer, eu sei
como sempre se sentiu em relação ao duque, mas casamento é algo muito
diferente.
— Diferente como?
— Terá de... Responder a ele, em primeiro lugar. — O rosto bonito
tornou-se surpreendentemente vermelho. — Em um casamento, há mais na
cama do que apenas beijos.
Liz sorriu, ainda que seu coração se condoesse por Bea e pelo tipo de
casamento que devia ter tido.
— Eu sei. Mas... — baixou a voz — preciso confessar que não tenho
dificuldade alguma em responder a Alex.
Bea arregalou os olhos diante da admissão tácita da amiga de que os
rumores sobre sua relação com o duque eram verdadeiros.
— Compreendo — murmurou com um sorriso cúmplice. — Espero que
esteja contente.
— Muito — confirmou Liz.
Nem mesmo uma carruagem fechada poderia oferecer alguma
privacidade ao duque e sua noiva, mas, quando ele se ofereceu para levá-la a
um passeio de faetonte, na terça-feira seguinte, Liz prontamente aceitou.
Desde que retornara a Londres, havia tido poucos e preciosos momentos ao
lado do homem que amava, e a maioria deles ocorrera em locais que mal
lhes tinham permitido uma conversa.
Como acontecia, desde o anúncio do noivado, assim que adentraram o
parque, um rapaz veio correndo em sua direção.
— Peço-lhe perdão, Vossa Graça. — Tirou o chapéu e fez uma mesura
estranha. — Pergunto-me se poderia lhe falar por um instante, Srta.
Medford.
— Quem é você? — perguntou Alex, desconfiado. O rapaz pareceu
constrangido.
— Meu nome é Tippen, Vossa Graça. Trabalho para o escritório de
advocacia Harrow & Morton.
Liz sentiu pena do evidente desconforto do rapaz, ainda que à menção
de sua ocupação ela também tivesse ficado pouco à vontade.
— Por que, Sr. Tippen, gostaria de falar comigo?
— É que... Bem, nossa firma tinha negócios com seu falecido pai, e
temos tido muita dificuldade para conseguir uma resposta de seus
procuradores. Não consigo pensar em uma maneira educada de dizer,
senhora, mas há uma grande quantia de dinheiro envolvida.
Allegra Gray
137
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
138
À Sombra de um Escândalo
— Sei que meu pai gastou demais com jogos. E sei que ele e minha
mãe não foram sempre felizes um com o outro. Mas existia outro lado nele;
o lado gentil e brincalhão. E isso eu não posso esquecer.
— Se não fosse pela inconsequência do barão, você jamais teria
passado pelo que passou — argumentou Alex. — Liz, ele tentou vender você
para mim.
— Eu sei — ela concordou, amargurada. — E só posso esperar que, em
meio a seu desespero, ele tenha tido algum tipo de intuição sobre nós dois.
Alex pode ser difícil de compreender, mas eu me lembro de meu pai como
um bom homem. Quando eu tinha doze anos, por exemplo, mamãe
matriculou-me em aulas de dança. Estava decepcionada por não ter tido um
filho homem, e determinada a me fazer arrumar um belo casamento para
compensar o fato de não ter dado um herdeiro ao marido. Receio tê-la
desapontado também nisso. Como deve ter notado, não sou particularmente
graciosa ao dançar.
— Jamais reparei nisso... — Alex fingiu constrangimento por ela tê-lo
visto cruzando os dedos.
Liz deu-lhe um tapa, rindo.
— De qualquer maneira, mamãe vivia ralhando comigo por minha falta
de habilidade. Um dia, meu pai me esperou ao final da aula. Eu estava quase
às lágrimas, pois, na quadrilha, não conseguira estar no lugar certo, na hora
certa. Papai não disse uma só palavra sobre a minha incompetência. Apenas
sorriu, segurou-me pela mão e perguntou se eu gostaria de passear no
Vauxhall Gardens. É claro que eu disse "sim", e nós nos divertimos muito. Ele
me fez esquecer completamente da minha falha. Ao final do dia, meu
espírito estava renovado. Quando voltamos para casa e mamãe me
perguntou sobre a aula, ele disse que eu tinha ido muito bem. — Sorriu. —
Eu sabia que mentir era errado, é claro, mas, naquele dia, não precisei
encarar meu fracasso. Esse é o pai de quem eu gosto de lembrar.
Alex fez-se sério.
— Desculpe-me, Liz. Não o conheci dessa maneira. Compreendo,
agora, como pode defendê-lo. Deve ter sido difícil perdê-lo.
Ela lançou-lhe um breve sorriso.
— Não é culpa sua. Além disso, se ele não tivesse sido o homem que
foi nenhuma das coisas que me aconteceram teria acabado desta maneira.
Afinal de contas, esses eventos me trouxeram até você.
— Sim — Alex concordou relutante.
Liz franziu a testa. Havia dado seu melhor, mas, a despeito do
comentário de Alex de que tinha compreendido, seu humor era ainda
Allegra Gray
139
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
140
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
142
À Sombra de um Escândalo
Seria possível que ela não estivesse tão ansiosa quanto ele? Ou que
estivesse mesmo tão entretida com a conversa, que não havia se dado conta
de que passara muito da hora de eles partirem?
Finalmente Liz se virou e os olhares se encontraram. Ele acenou de
leve com um gesto de cabeça em direção à saída antes de caminhar em sua
direção, tomar-lhe a mão e, sem maior aviso, acompanhá-la para fora da
festa sob o incentivo dos convidados.
Ignorando-os, apressou-a ao longo do salão que conduzia aos
cômodos privados da família.
— Está linda como uma deusa — disse havia sinceridade em cada
palavra. O vestido era uma obra de arte, os cabelos vermelhos tinham sido
arrumados de forma magnífica. — Eu já lhe disse isso?
Era claro que, em menos de dez minutos, ele planejava ver o magnífico
traje no chão e os cabelos cor de fogo, libertos.
— Talvez uma vez, milord — provocou Liz, quase correndo a fim de
acompanhar-lhe o passo.
Alex reduziu o ritmo ao percebê-la ofegante.
— Foi uma festa maravilhosa.
— Sim. Mas você parece bastante apressado para deixá-la. Alex parou,
encarando-a.
— Deus do céu, Liz, não pode imaginar por quê? — Puxou-a para os
braços, beijando-a de modo a afastar qualquer dúvida. Os cabelos e a pele
dela cheiravam a rosas, e seu gosto era o do melhor dos champanhes.
Jamais necessitara tanto de alguém.
Quando a soltou, o rosto de Liz estava corado, os olhos brilhantes.
— Não está nervosa, está? — perguntou, cheio de curiosidade.
— É claro que não! — ela respondeu após um segundo de hesitação.
— Querida, não há por que se pôr tão tensa. Nós já... —... Fizemos isso
antes, ia dizer. Mas, de alguma forma, não parecia certo lembrá-la de que
suas núpcias tinham sido precipitadas, ainda que o fato não o incomodasse
nem um pouco.
Liz respirou fundo. Estava mesmo nervosa. Mas, ah, como queria fazer
amor com ele! Havia semanas, seu corpo implorava pelo toque quente de
Alex. Misturado ao desejo, contudo, havia o medo de que jamais estivesse à
altura do duque de Beaufort. Na recepção, chocara-se com a súbita e
completa transformação no modo como a sociedade a tratava.
Sabia estar se casando com um duque, ainda assim, não era capaz de
se imaginar como uma duquesa.
Allegra Gray
143
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
144
À Sombra de um Escândalo
— Ah, Alex! — Ela suspirou. — Estou tão longe da perfeição. Não sei se
conseguirei ser uma boa duquesa.
— Não quero uma boa duquesa — ele replicou, tentando não rir agora
que sabia o que a atormentava. Segurou-a pelo queixo. — Jamais quis. Eu já
disse: você é perfeita para mim.
Alex pôde notar as lágrimas nos olhos verdes antes de ela beijá-lo na
palma da mão.
O duque sentiu a própria garganta se apertar pela emoção. Voltou a
cuidar dos botões do vestido, movendo-se para trás da esposa, de onde
poderia realizar a tarefa mais facilmente.
Um a um, ele os soltou, beijando cada pedacinho que se descortinava.
Beijou-lhe o pescoço, os ombros. Liz arqueava-se, inclinava-se para mais
perto do toque. Centímetro a centímetro, o corpete se afrouxou, até que se
soltou inteiramente. As várias saias se provaram tarefa mais simples: alguns
laços desfeitos, e estas logo caíram no chão, deixando-a apenas com uma
fina combinação de seda.
— Perfeita! — repetiu Alex. Passou as mãos pelos lados do corpo
esbelto, por sobre os seios, puxou-a para perto, a crescente ereção
pressionando-a.
Liz gemeu diante do contato erótico.
Deus pensou Alex, ansiava por estar dentro dela!
Em vez disso, forçou-se a se concentrar nos grampos que lhe prendiam
os cabelos até que as madeixas acobreadas caíssem de uma vez pelas costas.
Ele apanhou uma das mechas e a beijou.
— São muito vermelhos, não? — Liz comentou insegura.
— São perfeitos — ele repetiu.
Por fim, pôs-se de frente para ela, puxando-a para outro beijo. As
línguas se encontraram, e desta vez foi ele quem gemeu ao sentir os seios
tenros e os quadris delicados pressionados contra ele, enquanto ela
instintivamente buscava mais.
Alex desviou-se da boca tentadora e arrancou as próprias roupas.
Ouviu a rápida inspiração da esposa quando suas calças caíram ao
chão, e sentiu-se ainda mais rijo. Um toque sutil nas alças de seda sobre os
ombros de Liz, e ela também estava nua.
Ele a ergueu no colo e a carregou até a cama.
— Quero me fartar de você — falou rouco de paixão. Beijou-lhe o
queixo, o pescoço, e então mergulhou mais abaixo, capturando um mamilo
com a boca. Sugou levemente e sentiu os dedos dela cavando suas costas em
um pedido silencioso.
Allegra Gray
145
À Sombra de um Escândalo
Teria lhe dado tudo o que Liz queria se ela já não fizesse movimentos
oscilantes e famintos com os quadris, e seu próprio corpo não clamasse pela
necessidade de possuí-la.
Esperara por mais de um mês. Não suportaria mais nem um minuto.
Afastou-lhe as pernas levado por puro instinto. Ao perceber que ela
estava pronta, penetrou-a com ímpeto.
— Alex — ela gemeu, arqueando as costas.
Ele retrocedeu depois a penetrou seguidas vezes, encontrando o ritmo
que ambos buscavam.
— Abra os olhos, Liz — sussurrou ofegante.
Ela assim fez e a paixão e o amor que ele encontrou ali quase o fez se
perder. Manteve-se no ritmo, contudo, acariciando-lhe os seios, os cabelos,
tocando em todas as partes.
Liz ondulava por baixo dele, encontrando cada movimento seu. Deus!
Como ele não soubera que ela seria seu par perfeito?
Invadiu-a outra vez, os últimos vestígios de controle já sumindo
enquanto ela mesma o apressava. Chegaria ao êxtase a qualquer instante e
queria que ela compartilhasse a sensação.
Estavam quase lá, ele podia sentir. Pressionou o polegar no centro de
sua feminilidade, e ela gemeu alto e estremeceu dos pés à cabeça,
convulsionada pela paixão. Enlevado, ele a prendeu pelas mãos contra o
colchão e, mantendo-a cativa, investiu uma última vez, dissolvendo-se
dentro dela com um grito abafado.
Rolou para o lado, então, puxando-a consigo de modo que se
mantivessem ainda intimamente ligados.
Sorriu. Jamais segurara as mãos de uma mulher enquanto fazia amor.
Mas não estava disposto a analisar aquilo agora. Em vez disso, ele a fez
repousar a cabeça sob seu queixo, segurando-a, protegendo-a, até que ela
recuperasse o fôlego.
Pôde senti-la sorrir contra o peito.
— Não imaginei que pudesse ser tão bom.
— Isso foi apenas o começo — ele garantiu feliz.
Allegra Gray
146
À Sombra de um Escândalo
Capítulo IV
— Pensei que fosse porque papai estava ferido... Céus, minha mãe
sabe disso?
— Não sei dizer. Lowdry, o antigo mordomo de sua família, foi quem
falou com ela. Mas duvido que tenha contado. Afinal, sua pobre mãe
descansaria melhor pensando ter sido um acidente.
A história do cocheiro era terrível e absurda demais para que ela
acreditasse.
— Alguém realmente viu Alex, digo, Sua Graça, naquela noite? —
perguntou com voz sumida, tentando justificar os atos do homem a quem
amava.
— Eu não. Mas a voz dele era, sem dúvida, uma das que ouvi na
discussão. E foi ele quem me pagou para que ficasse quieto. — Fuston
estendeu as mãos em súplica. — Não consegue ver? A senhora se casou com
o homem que assassinou seu pai.
Liz sentou-se à pequena escrivaninha, os cotovelos apoiados, a cabeça
entre as mãos, enquanto encarava o papel em branco.
Após a saída de Fuston, seu primeiro instinto fora correr dali. Mas já
fizera aquilo por vezes demais. Pelos últimos meses, vivera fugindo, e estava
esgotada.
Além disso, não haveria para onde ir.
Desejou dispensar a narrativa de Fuston como sendo o devaneio de
um lunático, mas o plácido cocheiro jamais havia demonstrado qualquer
sinal de loucura em todos os anos em que ela convivera com ele. O que quer
que houvesse ocorrido naquela noite fatídica, realmente assustava o pobre
homem.
Além disso, não haveria razões para que Alex o pagasse se não tivesse
nada a esconder...
Deus, nada daquilo fazia sentido! Ela amava Alex. Ele era seu marido, e
ela poderia até estar grávida dele.
Mas, como poderia continuar a amá-lo se ele a houvesse privado do
único outro homem por quem ela tivera apreço? O pai não fora nenhum
santo, como bem sabia, mas, ainda assim, era seu pai. Alex o teria
assassinado?
Lembrou-se da cerimônia tão recente, do carinho com que ele lhe
segurara as mãos e repetira seus votos. Um homem com uma morte nas
costas não poderia desempenhar aquele papel com tanta confiança, a menos
que possuísse uma alma negra.
Ela afundou o rosto nas mãos. Precisava de conselhos, mas não sabia a
quem pedi-los. Qual seria a coisa responsável a fazer? Confrontar o marido?
Allegra Gray
150
À Sombra de um Escândalo
Santo Deus. Ela não tinha medo dele, pois, até então, Alex não tinha
qualquer motivo para feri-la.
Mas, se a história de Fuston não fosse verdade, ela poderia lhe ferir a
honra, o caráter, apenas por perguntar. E Alex não merecia aquilo.
A menos, é claro, que fosse tudo verdade.
Deitou a cabeça latejante sobre a mesa.
Se confrontasse Alex, revelaria o envolvimento de Fuston e, talvez,
pusesse o cocheiro em perigo. Tampouco poderia esquecer a visita do
homem.
Por isso decidira escrever uma carta.
Erguendo a cabeça, rabiscou algumas linhas, amassando em seguida
outra folha de papel.
Alex e ela deveriam comparecer a uma sessão de poesias, naquela
noite: outra performance da estimada Srta. Lambert, a prima do duque com
voz de corvo. Ela e Alex haviam rido muito, combinando que suportariam a
noite inteira.
Agora, no entanto, não imaginava como poderia fazer parte daquilo.
Apressada, rascunhou uma nota, dizendo que estava com dor de
cabeça e que, por isso, gostaria que ele a dispensasse do passatempo
noturno. Encontrou, a seguir, um mensageiro.
O bilhete, ao menos, poderia lhe fornecer algum tempo.
E a dor de cabeça não era mentira. Suas têmporas latejavam.
Exausta, ela subiu a escada e seguiu para o quarto.
Liz não tinha experimentado um bom sono, mas, quando abriu os
olhos, o crepúsculo caíra sobre Londres. O latejar na cabeça havia cedido um
tanto, e ela se levantou e seguiu até a janela. Do lado de fora, uma
carruagem passava, lenta, e as janelas das outras casas brilhavam
suavemente. Tudo parecia normal.
Exceto por ela.
Não poderia se esconder no quarto para sempre.
Angustiada, ela relembrou a cena que observara entre Fuston e o
mordomo na noite da morte do pai, enquanto estivera escondida em um
canto escuro do corredor. Por meses, esse cenário se repetira em seus
sonhos.
As coisas que Fuston dissera, coisas que ela ignorara sob o choque da
perda do pai, voltaram, vividas. O cocheiro estivera mesmo aterrorizado,
mas ela havia imaginado que ele se sentia responsável pelo acidente.
Se não tinha ocorrido nenhum desastre, entretanto, talvez seu terror
se devesse a ter se tornado cúmplice de um assassinato.
Allegra Gray
151
À Sombra de um Escândalo
Deus! Aquilo tudo ia tão contra a imagem que ela possuía de Alex. Ele
era um bom homem.
Seu pai, por outro lado, era um infeliz que havia apostado além de
suas possibilidades, e então oferecido a filha mais velha como pagamento
por dívidas que não seria capaz de cobrir. Na verdade, apenas porque seu
marido era um homem honrado ela não havia sido vendida naquele trato
nojento.
Lentamente, puxou as cortinas, lembrando-se das muitas razões pelas
quais confiava em Alex Bainbridge. Não era cega para as falhas de ninguém,
muito menos para as suas próprias. A reputação de Alex na cidade também
não era das melhores: o duque era visto como um homem rude nos
negócios, nos jogos, e em quase todos os assuntos envolvendo mulheres.
Mas, a despeito disso, ela não podia acreditar que ele fosse capaz de
um assassinato a sangue-frio. Por mais que Alex apresentasse essa imagem
rude e cínica ao restante do mundo, ela havia enxergado além daquilo. Tinha
visto a maneira como seus sobrinhos se iluminavam diante dele, a maneira
como correspondia às crianças com alegria. Crianças eram melhores juízas
de caráter, em sua opinião, do que muitos adultos.
E, o mais importante, sabia como Alex a havia tratado. Quando sua
própria família a decepcionara, ele a procurara por todo o interior e a
resgatara de Harold. Oferecera-lhe seu nome, seu amor, seu corpo. Talvez
não naquela ordem, mas ela mesma havia sido voluntária o suficiente em
suas indiscrições...
A verdade era que Alex era um homem bom. E ela não deveria destruir
a confiança que partilhavam baseando-se apenas nas palavras de um antigo
cocheiro que até admitira não ter visto exatamente o que tinha ocorrido
naquela noite trágica.
Por outro lado, não podia deixar a morte do pai permanecer envolvida
em mistérios.
Chegou a uma decisão: não desonraria o marido num confronto
aberto. Antes disso, provaria que Fuston estava errado, investigando por
conta própria.
Como planejado, Alex e Liz rumaram para o campo ao final de
outubro, tendo comparecido a tantos eventos sociais quanto puderam
suportar. O redemoinho de atividades impediu Liz de se revolver com as
terríveis acusações que Fuston fizera contra seu marido, mas agora, com a
rotina menos atribulada, sua mente girava cada vez mais em torno do
assunto.
Allegra Gray
152
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
157
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
159
À Sombra de um Escândalo
— Certamente.
— Quero surpreender Alex com algo que ele aprecie. Poderia
promover uma noite de carteado enquanto estamos na cidade?
— Eu nunca soube que gostava de jogos. — Charity se intrometeu.
— Não como o papai, é claro. Apenas pensei: Alex adora jogar, e pode
ser divertido para ele reencontrar os amigos antes que retornemos a
Montgrave. — Mordeu o lábio, o coração palpitando. — Conheço os nomes
de seus parceiros, mas ainda não estou confortável com o papel de anfitriã.
— Eu ficaria feliz em fazê-lo — disse Bea. — Deus sabe, não tenho tido
muito que planejar... Quem pensa em convidar?
— Lorde Wilbourne e a esposa, lorde Stockton e lorde Garrett — disse,
sem preâmbulos. — Sabe se eles estão na cidade?
— Os Wilbourne estão no campo, para a temporada de inverno, mas
creio que os outros estejam por aqui. Mais alguém?
Então lorde Garrett estava na cidade. Com certeza não recusaria um
convite se soubesse que Alex compareceria.
— Convide quem desejar, amiga, contanto que não sejam iniciantes.
Sabe como é... Meu marido leva as cartas a sério.
— Tenho um par de conhecidas que gostam de jogar. Poderiam ajudar
a completar o número.
— Acho que vou ser deixada de fora mais uma vez — resmungou
Charity.
Liz lançou-lhe um sorriso encorajador.
— Assim que tiver se apresentado à sociedade, prometo introduzi-la a
todo tipo de comportamento escandaloso.
— Ah! Por isso eu sinto tanta falta de você.
Elas riram, embora Liz rezasse para que não estivesse a caminho de
qualquer escândalo que envolvesse a irmã.
Dois dias antes do carteado, o frio cortante de Londres cedeu por fim.
Todos se puseram fora de casa, gratos pelo novo alívio. O ar ainda era
úmido, mas o sol brilhava intensamente.
Liz chamou Charity, e as duas partiram para um rápido passeio pelo
Hyde Park.
Estavam voltando à casa dos Medford, quando Charity soltou um
grunhido.
— Que maravilha. Tio George está vindo em nossa direção. Liz
identificou-lhe as generosas formas no pátio, adiante.
Para alguém que deixara claro o peso que era cuidar das três mulheres
Medford, o tio com certeza não havia se apressado para voltar ao campo
Allegra Gray
162
À Sombra de um Escândalo
— Nada, Vossa Graça. Eu não disse que havia algo de errado. Alex
cruzou os braços e esperou.
O homem suspirou, exasperado.
— Não sou um homem casado, senhor, portanto não alego conhecer
as mulheres. Mas há algo nos olhos da duquesa... — Baixou a cabeça. —
Vossa Graça, peço desculpas. Milady é perfeita. Estou ficando velho e meus
olhos andam me pregando peças. Não posso permitir que meus
pensamentos façam o mesmo.
Alex concordou em silêncio e partiu, encontrando Liz à porta do
quarto de vestir.
Perdeu o fôlego. Ela ainda lhe causava aquele tipo de reação.
Liz havia cuidado da aparência com mais esmero. Os cabelos
vermelhos estavam presos no alto da cabeça por uma fita verde e, sorrindo,
ele se perguntou o que aconteceria caso esta fosse puxada. Ficou tentado a
experimentar. O vestido era verde escuro e se agarrava às suas formas, antes
de descer em camadas até o chão.
Ele engoliu e seco.
— Está linda.
Ela esboçou um sorriso.
— Não tão perfeita quanto você merece.
— Bobagem sua, mas creio que isso vá fazê-la mudar de ideia... —
Abriu uma pequena caixa de veludo que tirou do bolso, revelando um belo
pingente de esmeralda.
— Que lindo! — Liz exclamou, maravilhada.
— Aqui. — Alex prendeu-lhe o colar em volta do pescoço,
aproveitando para inspirar seu perfume. Deu um passo atrás antes que a
tentação de tomá-la nos braços falasse mais alto. — Perfeito.
— É adorável. Obrigada. — Deu-lhe o braço. — Vamos? Alex esperara
ao menos alguns momentos de intimidade na carruagem, a caminho da casa
de lady Pullington... Mas não era para ser. Liz sentou-se a seu lado, dizendo
um sem-número de vezes o quanto havia apreciado o presente, mas, ainda
assim, parecia distante.
Ele tratou de reprimir sua crescente impaciência, mas, com o estranho
aviso de Hanson pesando-lhe na mente, não foi bem-sucedido.
Quando chegaram à reunião, Bea tinha duas mesas prontas na
biblioteca, ainda que boa parte do grande cômodo estivesse dedicada a uma
longa mesa, repleta de bebidas, e a uma área aberta, onde os convidados
poderiam se misturar.
Allegra Gray
165
À Sombra de um Escândalo
ele era. De qualquer maneira, é bom que ela não o segure apenas para si
mesma. O White's tem estado muito enfadonho.
Alex esboçou um sorriso contido. Quem, diabos, havia sua esposa
encontrado no parque? Que mulher ia ao parque durante o inverno? E, por
que ela não tinha pedido que a acompanhasse?
Um pensamento sombrio descendeu sobre ele. Talvez Liz não o
desejasse a seu lado. Estava tão distante ultimamente. Todas aquelas
escapulidas, às vezes por horas... Por onde andava? E com quem? Teria ele
sido apenas um meio em direção a seus fins? Estaria seu verdadeiro amor
em alguma outra parte?
Seu coração, um órgão que descobrira possuir havia muito pouco
tempo, parecia feito de chumbo. Apanhou as cartas, forçando-se a se
concentrar a despeito da raiva e da desconfiança que borbulhavam em suas
entranhas.
Liz assistia ansiosa, enquanto a festa prosseguia. Prometera a si
mesma que, após aquela noite, se não ouvisse algo novo, deixaria de lado
aquela louca investigação. Seu coração doía pela distância que impusera
entre si mesma e Alex. Naquela noite, teria a chance de falar com os dois
homens que melhor conheciam seu marido, um dos quais o procurador do
pai havia mencionado. Se não soubessem de nada, provavelmente não havia
nada a ser sabido, e teria sido uma terrível má interpretação da parte do
antigo cocheiro, talvez. Nada, além disso.
Por fim, viu a oportunidade que buscava. Lorde Garrett, que jogara à
mesa de Alex por quase toda a noite, afastou as cartas e se levantou para
esticar as pernas.
Enquanto seguia em direção à mesa que continua as bebidas e
comidas, Liz o seguiu.
Casualmente, esticou-se até um copo de ponche, enquanto o homem
fazia o mesmo.
— Ah, perdoe-me! — exclamou o cavalheiro.
— Não, não, eu é que lamento — replicou Liz, a voz soando alta
demais. Ela era mesmo uma farsa. — Lorde Garrett, não?
— A seu dispor, Vossa Graça. — Ele se curvou galante, entregando-lhe
o ponche que tentara alcançar.
— Bem, obrigada. — Liz tomou um gole com dificuldade; nervosa
demais. Agarrou o copo com força, a fim de disfarçar o tremor.
— Não me lembro de ter tido a oportunidade de felicitá-la
pessoalmente por seu recente casamento.
— Muito obrigada.
Allegra Gray
167
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
168
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
169
À Sombra de um Escândalo
— Você não deixou nada claro. Acreditei que você fosse uma vítima
inocente das circunstâncias, uma menina bem criada, forçada à posição de
governanta, obrigada a esconder a própria beleza e paixão no campo, onde
nada pudesse atingi-la. Você realmente possui beleza e paixão... Mas seria
melhor se as usasse para propósitos mais nobres.
— Não está fazendo sentido, Alex — murmurou Liz, com tanta calma
quanto pôde, ainda que seu corpo inteiro tremesse diante das acusações e
do vasto golfo de mal-entendidos que os separava. — O que eu fiz além de
amar você?
— Amar-me? Ah, sim, posso ver o quanto me ama — ele disse
sarcástico. — Talvez seja por isso que você, minha esposa, tenha se afastado
tanto de mim a ponto de eu ter começado a pensar que não suporta minha
presença. Você me amou o suficiente para que pusesse um anel em seu
dedo, para que incorporasse meu nome ao seu, mas seu amor desapareceu
mais rapidamente do que uma tempestade de verão. Você não é melhor do
que as debutantes que se ofereceram a mim, Liz. Não é melhor nem mesmo
do que uma prostituta que, uma vez paga, retira sua afeição.
Ela entreabriu os lábios, incapaz de reagir.
— Fui um tolo por acreditar em seu amor — Alex finalizou a amargura
presente em cada palavra. — Lamento admitir que seu plano deu certo.
Ninguém ainda havia ido tão longe a ponto de se valer de minha cama ou da
casa de minha irmã a fim de conseguir minha atenção. A maioria se
contentava em se atirar sobre mim em bailes e coisas assim... Mas você, Liz,
pensei que fosse diferente.
— Não houve plano nenhum — ela sussurrou, sentindo as palavras
dele castigarem-na como golpes de chicote.
— Não? Então onde está o amor que alega sentir?
— Eu amo você! — ela jurou o coração apertado.
E o amava realmente. Apenas não sabia se podia confiar nele.
— Mentira. Hoje mesmo foi vista no parque, encontrando-se com
outro homem, e à noite eu a flagrei trocando confidencias com Garrett.
Posso ter cometido um erro ao pensar que seu amor era verdadeiro, mas
não vou tolerar uma esposa que me engana.
— Eu nunca...
— Mentira! — ele repetiu a voz gélida e desprovida de emoção, a
expressão, uma dura máscara. — A oferta maldita de seu pai não funcionou.
Quando ele a deixou quase à míngua, você e sua mãe logo pensaram que
poderiam fazê-la se unir a um duque, imagino, por isso estava disposta a
fazer qualquer coisa... Pois saiba que não gosto de ser usado, e não gosto
Allegra Gray
172
À Sombra de um Escândalo
que mintam para mim. Não posso imaginar o que mais você poderia querer a
ponto de se aproximar de outro, mas não estou disposto a descobrir. Você é
nada além de uma mentirosa e uma vadia. Saia da minha frente.
Liz não tinha ideia do quanto o duque havia se convencido do que
dizia, mas era claro que qualquer argumento seria inútil. Reunindo o pouco
de dignidade que lhe restava, ela se levantou para partir.
— Milord está errado — disse apenas em voz baixa. — Talvez um dia
descubra isso, talvez não. Quanto a mim, estou certa do que há em meu
coração e em minha consciência. Nada do que fiz, nada do que fizemos, foi
menos do que honesto.
As atitudes dele ou as do pai dela podiam ser falsas, mas tudo o que
ela havia feito fora ser pega enquanto tentava se, manter fiel aos dois
homens que amava.
Havia tanto mais a dizer, mas o duque já lhe tinha dado as costas.
Por um instante, Liz apenas o contemplou. Alex permanecia com a
silhueta emoldurada pela janela, a fraca luz de um candelabro aprofundando
as sombras ao seu redor. Os ombros largos pareciam mais retos do que
nunca, mas a cabeça pendia levemente.
Doía-lhe querer ir com ele, atirar-se a seus pés e implorar por perdão
por suas traições reais e imaginárias. Mas sabia que, a despeito do que fora
dito, havia lhe traído a confiança bem mais do que o duque pensava.
Tinha consciência, também, que Alex não era um homem cujo perdão
se conseguia tão fácil.
Deixou o quarto, e então permaneceu no topo da escada, a visão
borrada pelas lágrimas.
Tinha fracassado, refletiu Liz. Fracassara em descobrir a verdade por
trás da morte do pai, se é que havia algo a ser descoberto, mas, mais
importante ainda, fracassara em seu casamento.
— Não se aflija Vossa Graça — disse Emma, confiante, enquanto
escovava seus cabelos com mais cuidado do que de costume.
Aparentemente, ela percebera sua tristeza e agora tentava lhe
oferecer algum tipo de conforto. — Seu duque vai voltar atrás.
— Duvido Emma.
Haviam se passado duas semanas desde que tinham discutido. Desde
que Alex lhe pedira para que sumisse de sua frente.
E ele não dera qualquer sinal de querer voltar atrás em sua decisão.
Não dera sinal de nada, para ser honesta. Sua raiva parecia ter
amainado, mas agora ele a tratava como se ela não existisse.
Allegra Gray
173
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
174
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
176
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
178
À Sombra de um Escândalo
mas seu coração doía demais para que se importasse com o que aconteceria
a seguir. Não fugiria outra vez.
Ele se pôs ao lado dela, abaixando-se lentamente, exausto.
— Eu não estava ciente de que suspeitasse ou soubesse o que
aconteceu a seu pai. Há quanto tempo sabe?
— Desde logo depois do casamento.
— Todo esse tempo? — perguntou Alex, impressionado.
Liz o fitou, procurando por algum sinal do homem que amara.
— Eu não queria chegar a conclusões apressadas, baseadas na palavra
de um só homem, milord. Rezei para que estivesse enganada. Afinal, você
tinha meu coração.
— Tinha? — perguntou Alex. — Não, não diga nada. Mas eu realmente
gostaria que tivesse vindo a mim com seus medos e suspeitas. Sempre foi
uma mulher corajosa.
— Sou uma tola, isso sim, pois decidi descobrir tudo sozinha. Não
ousava fazer-lhe a pergunta, quando mais lidar com a verdade. Ainda assim,
em toda a minha investigação, não encontrei nada que contradissesse as
palavras de Fuston. E esta noite, agora mesmo, você as confirmou.
— Não! — contradisse ele. — Não inteiramente. Ainda que não tenha
negado o feito, jamais tive a intenção de matar seu pai. Sou responsável pela
morte dele, mas não sou um assassino.
Ela queria acreditar, realmente queria, mas as palavras a confundiam
ainda mais.
— Não compreendo.
—O quanto você sabe do que aconteceu? Liz estudou as próprias
mãos.
— Apenas o que Fuston me contou. Que você atirou em meu pai, e
então fez tudo parecer um acidente.
— Bastante verdadeiro, de certa forma. Mas não uma imagem inteira
dos eventos que se sucederam.
Liz esperou, duelando com a esperança que lhe preenchia o coração.
— Na noite em que seu pai morreu Liz, eu oferecia uma noite de
carteado. Não era um evento pouco usual para mim, mas não esperava que
seu pai comparecesse. A lista de convidados era exclusiva e, como as dívidas
dele para comigo fossem exorbitantes, eu havia descontinuado nosso
contato. Mas o barão chegou, naquela noite, acompanhado de alguém que
tinha sido convidado, de modo que não vi motivos para causar confusão.
Talvez ele ganhasse alguma coisa. E se não, o que seria mais um membro da
Allegra Gray
179
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
180
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
181
À Sombra de um Escândalo
tortuosos que a mente de seu pai traçou, mas, de alguma maneira, ele se
convenceu de que eu era responsável por sua ruína.
— Como você poderia ter me arruinado? Mal nos conhecíamos!
— Eu sei. Mas como eu disse, o barão estava bastante perturbado.
Tentei discutir o assunto com ele, mas sua capacidade de argumentação
estava limitada. Tornou-se claro que Medford não tinha qualquer intenção
de largar aquela arma. Pelo contrário: pretendia usá-la. Ele mesmo me atirou
uma segunda arma, exigindo "acertar as coisas".
— Um duelo?
— Era quase de manhã, mas não tínhamos companhia, e ele seguiu
adiante antes que os arranjos pudessem ser feitos.
— Meu pai atirou em você?
— Lamento dizer isso. Mas, graças a seu estado, ele errou o tiro. Ainda
não consigo compreender o que ele esperava ganhar com a minha morte.
Exceto, talvez, que ele não me veria mais ansioso por ver pagas as suas
dívidas — concluiu com um longo suspiro. — Após ter errado o alvo,
começou a recarregar a pistola e se aproximar. Tornou-se claro para mim
que aquele não era seria um duelo entre cavalheiros. — Lançou-lhe um olhar
de consulta. — Liz, um homem tão próximo, mesmo um bêbado, pode ser
bem perigoso. Quando seu pai ergueu a arma mais uma vez, não lhe dei
qualquer chance e atirei.
Ela sentiu a garganta se apertar. Viu-se incapaz de respirar, muito
menos de falar, enquanto visualizava a cena que o marido descrevia.
— Não atirei para matá-lo — Alex prosseguiu como que em transe —,
mas duas coisas me fizeram errar: a primeira foi que lidava com uma arma
desconhecida. A segunda, e a pior, infelizmente, foi que, no momento em
que puxei o gatilho, seu pai cambaleou entontecido pelo álcool, e a bala que
lhe fora destinada aos joelhos o atingiu no peito... Lamento Liz.
A cabeça dela girava. Se aquilo fosse verdade, então a morte do pai
fora mesmo um acidente. Um homem que se defendia de uma ameaça em
sua propriedade, não era um assassino.
— Ele morreu na hora?
— Sim. Quando o alcancei, na grama, ele já havia se ido.
— Você não pretendia matá-lo, não é? — ela pediu confirmação com
voz embargada.
— Não, Liz. Confesso que não tinha nenhum apreço por seu pai depois
da proposta que ele tinha me feito, mas não lhe desejava a morte. Ainda
assim, acabei por causá-la.
— Mas se o que diz é verdade, não pode se considerar culpado.
Allegra Gray
182
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
183
À Sombra de um Escândalo
Allegra Gray
184
À Sombra de um Escândalo
Porém eu nunca quis questionar seus hábitos, portanto não soube de nada
até que fosse tarde demais.
A aceitação tomou conta de Liz aos poucos, assim como o perdão.
— Eu compreendo. De verdade. Papai era tão afável, tão divertido.
— O barão também me iludiu com seu jeito fácil e cordial — Alex falou
finalmente. — De outra forma, eu jamais teria jogado com ele.
— Eu estava procurando por James, para dizer-lhe que queria partir,
quando ouvi vozes do lado de fora — prosseguiu a mãe dela, como se
revivendo o pesadelo. — Fui até a porta e vi como tudo aconteceu. Fiquei
horrorizada, chamei por ele, implorei para que parasse... Mas James não me
ouviu. — Ela fechou os olhos com força. — Eu devia ter feito algo, mas fiquei
tão assustada...
— A senhora não tinha como fazer nada — Alex a lembrou, gentil.
— Não sei, eu...
— A senhora viu tudo? — perguntou Liz, chocada.
— Sim.
— E mesmo assim concordou em fazer parecer com que papai
houvesse morrido em um acidente de carruagem.
— Sim — a mãe respondeu. — Não é bonito quando alguém da
nobreza morre sob circunstâncias vergonhosas. Especialmente quando a
causa da morte é um ferimento à bala. Eu não conheci a extensão dos
problemas da família até mais tarde, mas sabia que uma investigação sobre a
morte de James com certeza provocaria um escândalo. Seu marido pensou
rápido, e isso nos poupou de consideráveis constrangimentos. Até porque eu
vi minha filha, como seu pai o tratou. Tudo o que pedi depois foi que Alex
fizesse uma promessa: de que, após aquela noite, depois que tudo estivesse
devidamente encoberto, ele jamais entrasse em contato com a nossa família
outra vez. Eu só queria esquecer.
Liz apertou os lábios, assimilando a informação. Então outro
pensamento lhe ocorreu.
— Mais tarde, quando eu estava procurando por pretendentes e você
me disse que preferia que eu ficasse longe de Alex... Foi por isso, não foi?
Lady Medford concordou.
— Espero que me perdoe Vossa Graça. Mas, na época, seu interesse
em Liz não parecia sério, e estávamos desesperados em busca de um noivo
para minha filha. Pensei que, quanto menos Liz estivesse envolvida com o
senhor, menor seria a probabilidade de que o passado viesse à tona.
— Compreendo — ele murmurou, tomando a mão de Liz.
Allegra Gray
185
À Sombra de um Escândalo
— É claro que, meses depois, quando milord chegou para pedir a mão
de Liz, considerei a proposta perfeita. Era evidente que vocês dois tinham
sido feitos um para o outro. — Lady Medford avançou um passo em direção
ao duque. — Posso entender por que Liz deveria saber a verdade agora, pois
a decepção arruína um casamento. Ainda assim, eu me confortaria bastante
se soubesse que essa história não se espalhará. Se não por minha própria
reputação, ao menos pela de minha outra filha.
— É claro que não — Liz garantiu, sentindo alguma simpatia pela mãe
pela primeira vez em muitos meses. — Eu também não gostaria de ver o
nome de papai na boca da sociedade... Desde que o de meu marido também
se mantenha limpo. Posso encontrar Fuston e explicar-lhe que ele se
equivocou.
— Na verdade, ele foi pago para que não comentasse nada — lembrou
Alex. — Mesmo assim, posso perdoá-lo pela tentativa de avisar minha
esposa. — Pousou um braço protetor sobre seus ombros.
Imediatamente, ela sentiu um calor percorrê-la. Foi preciso muito para
que não se virasse e se abrigasse nos braços do marido.
Sim, o homem disparara o tiro que tirara a vida de seu pai.
Mas ela compreendia agora que não havia existido uma escolha. Sabia
também que, muito antes daquela noite, o pai tinha se perdido num hábito
que havia lhe extraído o que ele possuía de melhor.
— Mesmo assim, deviam ter-me contado — ela disse à mãe e ao
marido. — Talvez não logo em seguida, mas há bastante tempo. Antes que
Alex e eu nos casássemos. Afinal, não sou nenhuma criança. Eu merecia
saber. Especialmente se minha vida seria tão afetada. Nestas últimas
semanas... — interrompeu-se, comovida, enquanto pensava no quão
abalado estivera seu casamento.
— Eu sei. E lamento muito — disse-lhe Alex mais uma vez. — Se eu
tivesse a mínima noção sobre o que a estava deixando tão nervosa, teria
contado; mesmo que isso representasse perdê-la para sempre. Eu quis
protegê-la e, admito, temi que, acidente ou não, minha ofensa fosse grande
demais para ser perdoada.
— Pode me perdoar? — lady Medford perguntou ansiosa. Liz encarou
a baronesa. O marido, ela estava preparada para perdoar, mas não a mãe.
— E quanto a Harold?
A mulher desviou o olhar.
— Eu não me dei conta de como Harold a tratava — disse pesarosa. —
Pensei que estivesse agindo apenas como uma menina mimada... Você
sempre foi, afinal de contas, uma criança caprichosa. Nós precisávamos lhe
Allegra Gray
186
À Sombra de um Escândalo
Fim
Allegra Gray
188