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À Sombra de um

Escândalo
Allegra Gray
Inglaterra, 1814
Tudo começou com uma proposta inocente...
Após a morte do pai, Liz Medford se viu sem um
centavo e com uma terrível perspectiva para o futuro:
casar-se com o desprezível Harold Wetherby. Sua família
aprovava a união, mas Liz já testemunhara a natureza
cruel de Wetherby e sabia que teria uma vida infeliz ao
lado daquele homem. Se ao menos ele desistisse do
casamento... A única maneira de desencorajá-lo seria
arruinar sua própria reputação, que era ilibada... Até
aquele momento...
Liz, então, arquitetou um plano brilhante para
escapar de seu indesejável pretendente. O único
empecilho era o homem com cuja cooperação ela
contava para arruinar sua reputação — o irresistível
Alex Bainbridge, duque de Beaufort. Alex, contudo,
tinha seus próprios segredos, que o levavam a evitar
Liz a todo custo, para o bem de ambos. Ele se
mostrou irredutível em sua decisão de não participar
daquele plano maluco... Porém, Liz estava determinada a fazê-
lo ver que era também um plano muito tentador...

Título Original: Nothing


But Scandal
Disponibilização: Dani
Digitalização: Marina
À Sombra de um Escândalo

Revisão: Giselda
Formatação: Edina

Allegra Gray 2
À Sombra de um Escândalo

Capítulo I

Londres, abril de 1814.

Expectativas de família, e a culpa por não estar à altura delas, seriam a


ruína de Liz Medford. Dado que seu pai, o barão James Medford, jamais fora
um bastião da responsabilidade, tendo acumulado uma verdadeira
montanha de dívidas de jogo até morrer inesperadamente, parecia injusto
que os parentes esperassem que ela, os salvasse ao se casar com Harold
Wetherby. O terceiro primo podia ter uma renda considerável, mas a lem-
brança das mãos suadas de Harold, tocando-a quando tinha apenas catorze
anos, era o suficiente para convencê-la de que não poderia se casar com ele.
Além disso, uma vez que havia se revelado um retumbante fracasso na
seara do casamento, Liz tinha um novo plano... A ser implementado naquela
manhã.
No momento em que se encerrou o desjejum, apressou a irmã mais
nova, Charity, e a criada, Emma, para fora da casa dos Medford e direto para
o Hyde Park, ignorando a torrente de perguntas enquanto se aprontavam.
Estavam no parque não tinha mais de um minuto, quando Charity
encarou Liz e lhe levantou o queixo.
— Agora vai dizer o que está acontecendo? Se continuar a me
provocar desta maneira, vou acabar morrendo!
Liz olhou para trás. Emma caminhava próxima o suficiente para que
atuasse como acompanhante, mas sem ouvir a conversa.
— Está certo. Pelas últimas semanas, pensamos apenas em uma coisa:
conseguir um homem, qualquer homem que não seja Harold, para que me
peça em casamento. Agora que deixamos o luto por papai, titio e mamãe
estão ansiosos para que eu aceite a oferta. Estou ficando sem desculpas, mas
talvez haja outro modo de escapar.
— Não compreendo.
— Pense. O que Harold ganharia ao se casar comigo?
— Seus contatos. Ele quer respeito, ascensão social.
— Exatamente — confirmou Liz, com alegria.
— Não vejo onde isso vai dar.
— Não quero me casar com Harold, certo? Bem, nós estávamos
pensando que eu precisaria de uma oferta melhor para me ver livre. Mas
não preciso. Preciso apenas que ele retire sua oferta.

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— Mas o que o levaria a fazer isso? Ele já sabe sobre a situação


financeira de papai, e nem esse grande fiasco o fez retroceder — assinalou
Charity.
— Não, porque, pobre ou não, sou uma "moça de família".
— Céus, Liz, não sei se gosto do que está pensando!
— Se eu não fosse mais respeitável, se eu estivesse, digamos
arruinada, Harold voltaria atrás! — Quase tropeçou sobre uma raiz, tamanha
a excitação diante da ideia.
— Isso é muito ousado. Mas como você faria? E pense no que mamãe
e titio fariam! Atirariam você para fora, certamente. Você seria deserdada,
desonrada. Para onde iria?
— Eu poderia trabalhar para viver, por exemplo. — Liz mordeu o lábio,
ciente de que seu plano tinha mais coragem do que conteúdo. — Eu teria o
que fazer. Sou boa com agulhas, assim poderia trabalhar para uma
costureira. Ou então tornar-me uma governanta. Qualquer coisa seria
melhor do que casar-me com Harold. Eu seria forçada a tolerar seu toque e...
Arrepiou-se, mas lutou para recuperar o controle sobre as emoções. A
irmã mais nova não precisava saber o quanto o primo distante a assustava.
Ele havia tentado chamar sua atenção anos antes, e agora que ela estava
mesmo ao seu alcance, não pararia por nada até que a houvesse desposado.
A não ser é claro, que se casar com ela ameaçasse suas ambições e lhe
ferisse a preciosa reputação.
— É com você que estou preocupada. Meu casamento deveria garantir
seu bem-estar também.
— Faça o que precisar. E não se preocupe demais comigo. Pelo amor
de Deus, não se case com o monstro só porque ele se ofereceu para manter-
me alimentada e vestida. Mas, para que seu plano dê certo, sua reputação
deve ser totalmente destruída, e em breve. Você parece se esquecer de que,
apesar dos escândalos e dívidas de papai, você, irmã querida, não tem
qualquer peso sobre seu nome.
— Até agora.
Os olhos de Charity se apertaram.
— Você já pensou em tudo. Está tramando algo.
— É claro.
— Bem, conte-me! Você sabe que não suporto quando não me inclui
em suas aventuras.
Liz sorriu serena, ainda que seu coração se acelerasse.
— Você não pensou que viemos ao Hyde Park apenas para um passeio,
pensou? Não, Charity, decidi que a melhor maneira de destruir minha

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reputação, de maneira que seja certo que Harold jamais se aproxime de


novo, é ser pega em uma situação comprometedora... Com um homem.
Charity parou.
— Liz, você não teria cora...
— Claro que teria.
— Mas... Você precisaria de um homem disposto a participar dessa
farsa. Nenhum cavalheiro jamais aceitaria tal coisa!
Nenhum cavalheiro. Certamente.
Mas Alex Bainbridge, duque de Beaufort, talvez.
Liz o avistou passeando por um caminho lateral. Mesmo àquela hora
da manhã, o homem tinha a aparência de um predador. Desde que se
interessara pelo belo duque, na infância, seguindo-a cada movimento com
fascinação, ela soubera de sua reputação, a combinar com a aparência letal.
Fora assim que descobrira também que ele tinha o hábito de passear pelo
parque sempre na mesma hora.
— Está decidido.
— Vai fazer isso agora? Tem certeza de que não há outra maneira?
— Agora. Consegue esconder-se? Charity olhou em volta.
— Mary Sutherby e a irmã estão logo ali. Vou juntar-me a elas. Por
favor, tenha cuidado!
— Cuidado, Charity, é exatamente o que não vou ter.
Os olhos da irmã se arregalaram de apreensão e admiração.
— Boa sorte — disse, e se afastou apressada.
Liz virou-se. Um olhar apenas em direção a Emma foi o suficiente para
que a criada ficasse ainda mais para trás.
Apressou-se, então, apenas o suficiente para que interpelasse o duque
enquanto passava-lhe à frente. Puxou o vestido um pouco para baixo, de
modo a exibir mais o colo, lembrando-se de que sua presa estava
acostumada a mulheres ousadas.
— Sua graça?
— Srta. Medford... — O duque reduziu o passo.
— Posso tomar-lhe um momento? — O coração dela se acelerou. Teve
de levantar a cabeça a fim de encontrar-lhe os olhos. Os vastos cabelos
negros do duque roçaram as faces mal barbeadas quando ele se curvou para
cumprimentá-la.
— É claro. Precisa de algum tipo de ajuda?
— De certa forma.
O duque olhou em volta, como se houvesse alguma emergência.

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Liz respirou fundo. Como abordar o caso? Os livros de etiqueta não


cobriam o assunto sobre destruir a reputação de alguém, apenas diziam
como preservá-la.
— Obrigada, Vossa Graça, por permitir-me um momento de seu
tempo. Não estou aqui para engrossar as fileiras de mulheres oferecidas que
o cercam, esperando que lhes ofereça a mão.
— Não? — Ele deu um sorriso. — Minha habilidade na valsa deve estar
diminuindo. Em geral, não é preciso mais do que isso.
Contente por ter sido lembrada, Liz duelou contra o desejo de
responder justamente da maneira que havia se prometido a não fazer.
— Se não é de outra dança que está atrás, e se não teve qualquer
infortúnio no parque, então como posso ser de serventia?
— Na verdade, tenho uma proposta a fazer.
É mesmo? Uma proposta vinda de uma dama?
A voz era provocante, mas as feições estavam em alerta.
— Apenas espere até que a tenha ouvido.
O duque gargalhou, analisando-a com um olhar descrente, e ela sentiu
um arrepio diante do que estava prestes a fazer.
— Veja, minha mãe está me obrigando a me casar e eu gostaria que
milord me arruinasse.
— Como? — murmurou o duque. — Deixe-me compreender... Você
quer ser arruinada?
— Sim.
— Por mim? — O rosto do nobre tomou um ar mascarado, e a
expressão cínica substituiu a franca gargalhada de momentos antes.
— Sim. Não tenho muita experiência nesses assuntos, mas pensei que
Vossa Graça saberia como pôr algo assim em prática.
— Compreendo. E o que ganho com isso?
— Imagino que o benefício para milord seria o que os cavalheiros
buscam quando arruínam uma donzela.
O duque se engasgou.
— É claro que se milord estiver inseguro sobre como fazer...
— Não é meu conhecimento nessa área que me faz pensar. É a tolice
da sua proposta. Sabe o que está pedindo?
Liz arqueou uma sobrancelha.
— Faço uma ideia.
— Então sabe o que acontecerá a você.
— Sem dúvida. — Sorriu. Ele poderia não entender, mas aquelas
consequências eram exatamente o que ela pretendia.

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— Lamento. Não estou interessado. — Ele se virou para ir embora.


— Por que não? — Ela não pôde evitar. O duque virou-se, encarando-
a.
— Pode soar como surpresa, mas não tenho o hábito de seduzir
inocentes e assim isentar-me de minhas responsabilidades.
— Compreendo.
Mas não compreendia. Não tinha ele, justo aquela reputação?
— Bem, milord não precisaria me seduzir. Poderíamos apenas deixar
que o rumor se espalhasse.
— Eu já lhe disse. Não estou interessado. — O duque olhou por sobre
o ombro, como se devesse estar em outro lugar.
O constrangimento a invadiu, e a garganta apertou-se sob a ameaça
do choro. Era hora de aceitar a derrota.
— Neste caso, agradeço por seu tempo, Vossa Graça. Ficaria grata se
não mencionasse nada desta conversa a ninguém — murmurou, reunindo os
últimos retalhos de dignidade.
Ele acenou-lhe brevemente.
Liz virou-se e se afastou o mais rápido que seu vestido lhe permitia.
Alex analisou a ruiva enquanto ela se afastava apressada. Toda a
família Medford devia estar louca. Era a única explicação. Ele havia dançado
com ela em um baile, e a moça lhe parecera muito atraente.
Mas ele não soubera quem ela era até que fosse tarde demais.
Tendo crescido com Liz, no entanto, bem sabia sobre sua solidão. De
qualquer modo, jamais tinha imaginado que a inocente garota planejava
pedir-lhe que se envolvesse em tão ilícita relação. Onde ela arranjara tal
ideia?
Só podia estar louca.
— Liz, uma palavra com você — disse lady Medford, abordando a filha
no momento em que cruzava a porta de casa. Charity, a quem Liz tinha se
juntado no parque antes que voltasse a casa, ouviu o tom da mãe e
desapareceu como névoa sob o vento, deixando-a para que se defendesse
sozinha.
— Mamãe.
Lady Medford caminhou ao longo do corredor e Liz a seguiu,
resignada, arrastando os pés sobre o piso encerado de madeira. A mulher
virou-se e encarou a filha como um general se dirigindo a um soldado.
— Chegou ao meu conhecimento que você foi vista dançando com o
duque de Beaufort.

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Liz soltou um grunhido. O duque era a última pessoa sobre quem


desejava falar agora.
— Sim, no baile dos Peasley.
— Ele a está perseguindo?
— Creio que não. — Beaufort deixara bastante claro que não tinha a
intenção de persegui-la!
— Bom. É melhor que não se envolva com ele.
Agora Liz estava confusa, já que a afirmação de lady Medford a
qualificava como a única mãe em toda a cidade que não desejava ter a filha
cortejada pelo rico, belo e disponível duque de Beaufort.
— Mamãe, eu asseguro de que não houve nada. Foi apenas uma
dança.
— Ainda assim, o homem tem uma péssima reputação. Qualquer
envolvimento com ele tem grandes chances de se revelar uma decepção
para você. Além do mais, não creio que seu pai aprovasse.
Liz olhou a mãe, espantada. Ela havia evitado a menção ao marido
desde que este falecera. Então por que ela o fazia agora? Nada daquilo fazia
sentido.
— Está tudo bem, mamãe. Não tenho qualquer esperança de merecer
a mão do duque.
— Muito bem. Céus! Este ambiente precisa ser arejado. Os criados
estão se tornando relapsos em seus afazeres.
Liz manteve a boca fechada. Os criados não eram relapsos. Estavam
partindo. Sabiam tão bem quanto qualquer um que seu pai havia morrido
sem deixar herança, e sim dívidas consideráveis. Lentamente, vinham
arranjando emprego em casas mais nobres e estáveis.
Virou-se para partir, presumindo que a mudança de assunto
significava que estava dispensada.
— Não, não vá... Você tem visita.
Liz fechou os olhos por um momento. Poderia seu dia tornar-se ainda
pior? Primeiro, a cena humilhante e malsucedida no parque. E agora, quando
só queria paz, deveria receber.
E com que propósito? A mãe anunciaria seu noivado em questão de
horas, e ela já estava sem ideias sobre como evitar o fato.
— Wetherby está esperando na sala de costura. Quis ter certeza de
que você não nutria nenhum sentimento por Beaufort antes que a enviasse
até lá. Mas vejo que, ao menos neste assunto, você é uma menina sensata.
Liz se encolheu. Falar sobre o duque de Beaufort era infinitamente
preferível a falar com Harold Wetherby.

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— Não podemos mais esperar, Liz. O fato de Wetherby não ter um


título é lamentável, mas sua renda não. Dei-lhe todas as razões para que
pensasse que seu pedido será aceito, ainda que, é claro, ele queira ouvir isso
de sua boca.
Maldição. O plano podia ter falhado, mas, de qualquer modo, não
estava pronta para encarar o primo.
— Sim. Vou vê-lo assim que me recompuser do passeio ao parque.
A baronesa concordou de pronto.
— Vou pedir que o mordomo transmita o seu recado. Quinze minutos
mais tarde, Liz adentrava o recinto. Seu indesejado futuro noivo encontrava-
se à janela, batendo os calçados caros sobre o piso. Não parecia muito feliz
em vê-la.
— Harold — ela saudou com tanta polidez quando pôde reunir,
forçando um sorriso nos lábios.
— Liz.
Ela se retesou enquanto ele se aproximava.
— Você está ótima — ele elogiou, parando apenas quando estavam a
alguns centímetros de distância. — Melhor do que esperaria de alguém
lidando com o luto.
— É preciso seguir em frente.
— Tem razão. Ainda assim, você tem seguido em frente um pouco
mais do que eu apreciaria.
Liz ergueu o queixo, num desafio. Do que ele a estava acusando?
— Nada a dizer em sua defesa, doçura?
— Não entendo o que diz.
— Não? Então me deixe explicar. Por que pensa que me ofereci a
você?
Liz tinha muitas teorias àquele respeito, mas, como Harold não iria
apreciar nenhuma delas, manteve-se em silêncio.
— Respeitabilidade, Liz! Sua ausência de dote eu posso tolerar. Tenho
fundos suficientes. Mesmo assim, planejo frequentar a sociedade, e
certamente quero o respeito que deveria advir com o casamento com a filha
de um nobre.
— Claro. Mas isso não explica por que me escolheu.
— Você sabe muito bem por quê. Seu pai, o jogador desgraçado que
era, deixou-a a meu alcance.
— Compreendo — ela murmurou. Desistiu de mencionar que, para
alguém que alegava querer respeitabilidade, ele não parecia ter escrúpulos

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quanto a usar uma linguagem inadequada diante de uma donzela bem-


criada.
— Claro que não compreende. De outra forma, teria mais cuidado com
a própria reputação.
— Minha reputação é assunto meu.
— Cuidado, Liz! Não vou aceitar uma esposa que me responda assim.
Muito menos uma que tenha se arruinado.
Mesmo insultada como estava, Liz sentiu um raio de esperança. Ainda
não havia feito nada inapropriado. Mas, se Harold acreditava ser diferente,
talvez pudesse convencê-lo de que o casamento não valeria a pena.
— Ainda não sou sua esposa, e você ultrapassa os limites me acusando
de alguma impropriedade.
— Então o que significa isto? — Ele passou o dedo indicador pelo
decote baixo.
— Como ousa? — Ela o estapeou, indignada.
— Por que não deveria? — Harold avançou outra vez, lançando-lhe um
olhar maldoso. — Você se esforçou bastante para se deixar à mostra. Uma
mulher respeitável teria mais cuidado ao se vestir. Assim como fará você
quando for minha esposa.
— Eu não vou...
— E além do mais, você precisa ter mais cuidado com as suas
companhias.
— O que quer dizer com isso?
— O duque de Beaufort! — explodiu o homem, com o rosto vermelho
e os olhos faiscantes.
Liz cruzou os braços.
— Se está tão preocupado com seus avanços na sociedade, devia estar
satisfeito por casar-se com alguém requisitado por figuras mais
preeminentes do que o senhor.
Harold bufou, diante da resposta.
— Por mais que seja preeminente, o duque é um conhecido libertino!
Todos sabem disso. Ainda assim, você o acompanha como se fosse uma
criada qualquer.
Talvez o plano estivesse funcionando, concluiu Liz, lançando-lhe um
olhar provocativo.
— O duque me aprecia.
— Bah. Ele aprecia sua inocência, talvez. Mas, de agora em diante, vai
guardar seus flertes e seu corpinho deleitável apenas para mim.

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— Eu não havia me dado conta de que você era tão... Antiquado.


Afinal, pouquíssima gente na cidade espera um cônjuge fiel. Talvez não
combinemos muito, no final das contas.
— Combinamos bem o suficiente. — Harold deu um passo à frente,
fechando a mão em volta do braço dela. — Não vou deixar que seja
arruinada por outro homem. O direito ao seu corpo é meu. E vou casar-me
com a filha de um barão, não com uma meretriz.
A bile subiu pela garganta de Liz ante a ideia de ela ter de encarar a
intimidade de tal monstro. Sem pensar, ela o estapeou com toda a força que
pôde reunir.
Harold a soltou tão depressa que ela chegou a cambalear.
— Sua cadela! — berrou, segurando o nariz.
— Saia daqui. — Ela apontou um dedo em direção à porta. Harold
cambaleou até a saída e então se virou.
— Não pense que isto está encerrado, Liz. Você pode se safar agora,
mas, como minha esposa, vai aprender a se curvar diante de minhas
vontades. — Bateu a porta atrás dele com tanta força que fez a madeira
reverberar sobre a soleira.
Liz sentou-se, tremendo, na poltrona mais próxima, e abraçou a si
mesma com força. A pele do braço ainda ardia onde ele a havia apertado. Na
manhã seguinte, haveria hematomas, sem dúvida.
A gritaria de Harold, contudo, podia significar que ele estava a ponto
de desistir do casamento. Não poderia tratá-la daquela forma e ainda
esperar se casar com ela!
Alex mirava o brandy através da penumbra do escritório. Pensara em
passar a noite em casa, mas o incidente da manhã, no parque, se repetia em
sua cabeça. Por que não podia simplesmente bloqueá-lo? A adorável ruiva
era tão louca quando o pai, mas o desespero que flagrara em seus olhos
devorava-lhe a alma.
Ela jamais teria se aproximado se soubesse o que ele faria. Ou talvez
tivesse, refletiu após um longo gole do conhaque. Afinal, ele havia tomado
parte na destruição de sua família, ainda que não tivesse sido nada
intencional. Por que ele não terminaria o trabalho?
Não. Irredimível como era não desceria tão baixo. Aquilo era contra
seu código de conduta.
Os olhos verdes e magoados de Liz dançaram em sua mente. Se ela ao
menos soubesse... Não teria sido sacrifício nenhum. Ele podia se ver
beijando o lábio carnudo ou o canto do sorriso tímido. Exploraria as formas
esguias de seu corpo, a curva dos seios, a pele macia...

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Virou o resto do brandy e se levantou. Até o pensamento o excitava.


— Hanson! — gritou pelo pajem.
Precisava de distração. Uma noite de cartas e bebedeira, talvez. Já que
havia dispensado sua última amante, e como não gostava de casas de
tolerância, iria se restringir aos clubes de cavalheiros.
Alex chegou ao White's mais tarde naquela noite, apenas um pouco
bêbado, e seguiu imediatamente para sua mesa. Os lordes Stockton,
Wilbourne e Garrett, todos antigos jogadores, já estavam sentados e
dedicados ao agradável passatempo de apostar quantias obscenas.
Enquanto sentava-se, um garçom apareceu com um copo de seu
costumeiro conhaque, e Alex o agarrou. As três doses que tinha bebido antes
de sair de casa não tinham apagado de sua memória a menina tentadora que
lhe havia oferecido sua própria ruína naquele dia. Tampouco as lembranças
do pai dela.
Os outros homens o conduziram a um jogo de cinco cartas. Jogaram
várias rodadas, mas a mente de Alex não estava ali.
— Qual foi à coisa mais estranha que já ganharam nas cartas? —
perguntou Wilbourne.
— Uma pequena propriedade na Escócia — lembrou-se lorde
Stockton. — No alto das montanhas. Um lugar selvagem onde nenhum inglês
em sã consciência viveria.
Lorde Garrett, o mais jovem, arrepiou-se.
— De qualquer maneira, terras são terras, e com frequência se aposta
para obtê-las. Isso não é tão estranho. Eu, por outro lado, mereci ganhar um
leitão premiado.
— Você, dono de um porco? — Wilbourne gargalhou.
— Pelo tempo que me leve até que o venda a qualquer preço.
Stockton balançou a cabeça. Apostador experiente lidava apenas com
dinheiro e terras.
— Um porco! — Wilbourne riu outra vez. — Algo que ganhou pode
superar isso, Beaufort?
— Uma mulher — contou Alex, e quase imediatamente se arrependeu.
Devia ter parado de beber quando houvesse alcançado o ponto em que a
boca funcionava mais rápido do que o cérebro.
Os outros três o fitaram, interessados.
— Conte. — Wilbourne baixou as cartas.
— Uma criada? — perguntou Stockton.
— Amante de alguém? — colaborou Garrett.
Ele sacudiu a cabeça, desejando não ter de explicar.

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— A filha de alguém.
Os três homens pareceram horrorizados, e Alex suspirou.
— Eu estava apostando com um homem que havia passado dos
limites. Eu não sabia, ou então jamais teria jogado com ele. De qualquer
forma, é suficiente dizer, quando ele se deu conta de que não poderia pagar
por suas muitas perdas, ofereceu a filha em troca.
— Quem faria tal coisa? — ofegou Wilbourne.
— O homem já faleceu. Prefiro não citar o nome e não pisar-lhe ainda
mais a memória.
— Barbaridade — grunhiu Stockton.
— Uma atitude positivamente medieval — confirmou Wilbourne.
— Você aceitou? — perguntou Garrett.
— É claro que não aceitou — respondeu Wilbourne por Alex. Um
homem sentado à mesa mais próxima, o qual Alex, em meio ao torpor do
álcool, não foi capaz de identificar, levantou-se e roçou suas costas enquanto
passava, fitando-o por um pouco mais de tempo do que seria educado. Havia
ouvido a conversa, sem dúvida.
Garrett olhou para Alex, buscando confirmação.
— Não, não aceitei — ele disse.
Seria sua reputação tão ruim a ponto de que os amigos o julgassem
tão mal? Possuíra muitas amantes e concubinas, mas jamais havia tomado
uma mulher que não se apresentasse por espontânea vontade.
Pôs-se de pé.
— Lamento arruinar suas expectativas, Wilbourne, mas vai ter de se
contentar em ganhar o dinheiro desses outros cavalheiros pelo restante da
noite.
Liz chegou ao refúgio temporário do quarto, caminhou por alguns
segundos, e então abriu o guarda-roupa e o baú. Contemplou quais coisas
seriam mais essenciais para que levasse consigo. A fúria e o medo que
sentira diante de Harold haviam cedido, deixando para trás uma sentença
firme.
— É um homem horroroso. Um verdadeiro animal. Liz se assustou
quando deram voz a seus pensamentos.
— Charity! Você realmente sabe surpreender as pessoas.
— Ele a machucou?
— Não muito. — Ela esfregou o braço.
— Liz, como você pode suportar? Ele é terrível demais. Com renda ou
não, não consigo compreender por que mamãe e nosso tio querem que se
case com ele. Fiquei feliz por você tê-lo estapeado.

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— Não foi meu melhor momento.


— Está errada. Ele merecia aquilo e mais. Você não pode casar-se com
ele, Liz!
— Eu sei.
Charity olhou em volta, parecendo notar pela primeira vez as malas
que a irmã estava fazendo.
— Está partindo?
Liz concordou em silêncio.
— Acho bom mesmo. — Charity suspirou. — Mas para onde vai?
— Vou visitar Bea. Ela vai me abrigar até que eu pense em algo.
Lady Beatrice Pullington havia adentrado a sociedade no mesmo ano
que Liz, e as duas tinham se tornado amigas bem depressa. Bea se casara
quase imediatamente, já que a família fizera arranjos antecipados com lorde
Pullington, um membro mais velho da linhagem. Mas o homem havia vivido
por apenas seis meses, até que seu frágil coração cedesse por completo,
deixando Bea como uma próspera e jovem viúva.
Pelos últimos dois anos, Bea havia mantido a casa na cidade, um
privilégio garantido por seu status de viúva. Era bonita e rica o suficiente
para atrair outro marido. De qualquer modo, não tinha desejo de renunciar à
independência que julgava merecer após o breve, porém, difícil casamento.
Liz sabia que poderia encontrar refúgio temporário com a amiga.
Charity concordou tensa.
— Devo escrever-lhe uma mensagem enquanto você faz as malas?
— Não. Ela teria de ser entregue, e é melhor que pouca gente saiba de
meu destino. Confio que Bea não me deixará plantada à porta, por mais
inesperada que seja minha visita. E também sei que posso confiar em você
para que não diga nada a ninguém.
— É claro. E, Liz, você pode fazer isso sozinha. Não precisa que
Beaufort a arruine nem nada.
— Ah! Nem me lembre disso. Em que eu estava pensando?
— Ah, não seja tão dura consigo. Talvez você quisesse apenas um
pouco de diversão, antes de se confinar a uma vida de tédio. O duque é bem
"quente", não é?
— Charity!
A irmã sorriu, depois voltou a ficar séria.
— Quando vai partir?
— Esta noite, depois que mamãe tiver se recolhido.
— Perfeito. Vou dizer que você escapou enquanto eu dormia. E vou
agir como se estivesse magoada por não ter confiado em mim.

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— Obrigada.
Liz sorriu e deu um rápido abraço na irmã. Então fechou a mala.
Nas horas seguintes, as duas circularam pela casa, fingindo estar tudo
normal sempre que os criados se aproximavam, e fazendo planos
sussurrados quando se viam a sós.
A noite chegou, mas nenhuma mostrava qualquer inclinação para o
sono. Charity olhou através da janela de Liz, agarrando as cortinas. A irmã,
estranhamente calma, sentava-se próximo à penteadeira.
— Ouvi mamãe dizer que tem um encontro na residência dos Jameson
esta noite. Assim que ela se for, você pode seguir seu rumo. Olhe! O
condutor já está preparando o coche.
Liz concordou. O velho condutor, Fuston, estivera dirigindo na noite do
acidente e havia desaparecido logo após a morte do pai dela. Na certa se
sentira culpado demais para permanecer no emprego.
— Pronto, minha irmã. Mamãe está subindo no coche!
Liz se levantou e contemplou a irmã que amava com todo o coração.
— Charity, tem certeza de que estará bem, depois que eu for? A moça
sorriu.
— É claro. Eu sei que não ficarão felizes comigo, mas posso suportar.
Não precisa mais me proteger, Liz.
Liz deu-lhe um longo abraço.
— Vou sentir a sua falta mais do que tudo! — Recompôs-se
rapidamente. — Vá na frente e consiga uma carruagem. Vou terminar aqui e
estarei pronta quando ela chegar.
Olhou o adorável quarto verde e dourado que conhecera por anos, e
bateu a porta para aquela antiga vida.
O estábulo dos Derringworth, localizado nos arredores de Londres,
servia apenas aos clientes mais distintos: nobres, em sua maioria. A empresa
possuía tudo, desde cavalos de corrida até montarias para donzelas, com
apenas uma regra: qualquer cavalo proveniente dos Derringworth era da
mais alta qualidade. A operação representaria a epítome do que Harold
Wetherby aspirava se tornar. Motivo pelo qual o homem estava a caminho
de lá, interessado em conseguir um novo animal.
Um jovem encontrava-se sentado a uma pequena escrivaninha à
esquerda da entrada, e se levantou ao vê-lo.
Harold estufou o peito.
— Harold Wetherby. Vim para ver o garanhão que, dizem, está à
venda.

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À Sombra de um Escândalo

— Sr. Wetherby... Sim, vi seu nome em nosso livro. Tim Kemble. Sou
assistente do Sr. Derringworth.
Um assistente? Sua visita não merecia a presença do proprietário?
Perguntou-se Wetherby, irritado.
— Se milord me acompanhar, podemos dar uma olhada no animal.
Passaram por uma baia vazia, depois por várias que abrigavam belos
reprodutores e éguas, até que Kemble se deteve.
— Este garanhão é soberbo. Descendente de Warrior Prince. Agora, se
é de um cavalo para cavalheiros que milord está atrás, pode se interessar
pelo Marty aqui. — Gesticulou para dentro de uma baia. — É também um
belo animal.
Harold lançou ao bicho um olhar impaciente. O cavalo era mesmo
excelente, mas suspeitou de que Kemble o houvesse julgado mentalmente
como indigno do melhor animal que o estábulo possuía.
— Alguém aí? — Uma profunda voz masculina soou da entrada.
— Um momento, Sr. Wetherby. — Kemble se apressou em ir
cumprimentar o novo visitante.
Harold rangeu os dentes.
— Vossa Graça! Que surpresa! — A voz do rapaz ecoou pelo estábulo
logo depois. — E uma honra, devo acrescentar. Se soubéssemos que milord
viria, tenho certeza de que o Sr. Derringworth teria dado um jeito de recebê-
lo.
Harold caminhou em direção à entrada enquanto Kemble retornava ao
lado do duque de Beaufort. Poderoso e respeitado, o homem poderia ter
tudo no mundo, bastaria pedir.
Por isso ele o odiava.
— O que posso fazer por milord? — perguntou Kemble.
— Meu cunhado diz que tem um garanhão que vale a pena... Harold
sentiu-se retesar. O duque estava interessado no mesmo cavalo que ele!
Sim, ele, Harold Wetherby, antigo joão-ninguém, mas agora um homem em
rota ascendente.
— Certamente. Uma bela criatura.
Enquanto se aproximavam, Kemble assustou-se, parecendo ter se
esquecido de sua presença.
— Ah, na verdade, o Sr. Wellesley e eu seguíamos naquela direção...
Sr. Wellesley, o que achou do Marty aqui?
— Wetherby — corrigiu Harold. — E prefiro ver o outro garanhão.
— Sem dúvida, mas... Vossa Graça, o senhor se incomoda? Harold
bufou. Ele estava ali antes, e com hora marcada!

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O duque deu de ombros, displicente.


— Então venham comigo, cavalheiros.
Ao final do salão, havia uma baia com o dobro do tamanho das outras.
O garanhão do lado de dentro era massivo, a pelagem de um castanho
radiante.
Harold suspirou. Ele jamais se sentira confortável ao lado de grandes
animais, mas quando o duque avaliou o cavalo e lançou ao gerente um olhar
de aprovação, mudou de ideia.
Balançou a cabeça, demonstrando sua admiração, e declarou:
— Agora sim, está mais do meu gosto. Quero algo que impressione
minha noiva.
— O senhor vai se casar? — perguntou o assistente, finalmente
desviando o olhar do duque. — Meus parabéns.
O garanhão balançou a cabeça e bufou. Harold deu um passo atrás,
mas disfarçou em seguida. Não queria fazer feio diante de Beaufort.
— Tempestade é o nome dele — disse Kemble. — Precisa de um pulso
firme.
— Talvez — o duque concordou. — Mas, sem dúvida, o animal tem
sido bem tratado.
Harold forçou uma gargalhada.
— Então ele precisa de um pulso firme, assim como a minha noiva...
Vou treiná-los juntos. Ela é uma beleza, mas de gênio difícil.
O assistente do estábulo lançou um olhar constrangido ao duque.
Abriu a boca como se fosse dizer algo, mas a fechou em seguida.
— Um animal precisa saber quem é seu mestre — prosseguiu Harold,
cínico. — Depois, a montaria se torna mais suave. E eu certamente aprecio
uma boa cavalgada... — Estendeu o braço a fim de acariciar o animal, mas o
bicho balançou a cabeça e retrocedeu. -— É claro, que domarei nosso amigo
aqui antes que o consiga com Liz.
— Liz? — perguntou o duque.
— Sim — confirmou Wetherby, o peito estufado. — Liz Medford.
Talvez tenha ouvido falar nela? É filha de um barão. Boa e antiga família.
Bela moça também, apesar de cabeça-dura, como eu já disse. Nada, é claro,
que um homem como eu não possa resolver.
A expressão do duque era ilegível. Poderia estar com ciúmes? Por
menos razoável que fosse não havia dúvida de que Liz era atraente.
Wetherby estreitou os olhos. Em sua recente discussão, ela quase
demonstrara interesse por Beaufort. Mas de maneira nenhuma ele a deixaria

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escapar agora. Por isso decidira pressionar o tio de Liz para que o anúncio
fosse feito logo.
Havia apenas uma coisa faltando para selar aquela tarde perfeita.
— Quanto quer pelo garanhão, Kemble?
O assistente se inquietou.
— Sr. Wetherby, se é uma boa montaria que o senhor quer talvez um
animal de corrida não seja sua escolha ideal.
— Quanto quer pelo cavalo?
Kemble endireitou os ombros e gesticulou em direção ao animal.
— Bem, Sr. Wetherby, um cavalo com a procedência do Tempestade...
— Sua voz foi sumindo, cheia de significado.
— Quanto quer por ele, Kemble?
O jovem olhou para o duque, depois para Harold.
— Se o senhor estiver interessado, poderia marcar uma hora e...
— Estou preparado para conversar agora — disparou Harold, os
punhos cerrados.
— O preço sugerido é de mil e duzentas libras — disse Kemble.
O duque, um homem conhecido por suas extravagâncias, nem se
moveu. Harold, por outro lado, teve de engolir em seco. Aquele assistente
idiota só podia estar tentando roubá-lo.
— É uma bela quantia, devo dizer. — Forçou-se a respirar
normalmente. — Talvez se pudesse fazer com que o animal trotasse...
Mostre-me do que ele é capaz.
Tomara pudesse descobrir algum defeito no bicho e forçar o assistente
a baixar o preço.
— Ficarei feliz em levar Tempestade até o lado de fora — respondeu o
rapaz. — Quando o vir em ação, vai perceber que o preço se justifica. Vou
aprontá-lo...
Antes que ele o fizesse, contudo, o duque o deteve pelo braço.
— Negócio fechado.
— P-Perdão? — gaguejou Kemble.
— Como assim? — A pergunta brotou da boca de Harold antes que ele
pudesse impedir. O maldito duque o ignorara!
— Faço negócios com Derringworth há tempo suficiente para saber
que ele garante seus animais. Tempestade vale no mínimo esse preço.
Enviarei meu procurador com uma nota do banco, e o restante da quantia
amanhã cedo.
— Esperem só um minuto! — intrometeu-se Wetherby. Mesmo assim,
ninguém lhe prestou atenção.

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— Como quiser Vossa Graça — disse Kemble.


A raiva brotou em Harold quando ele se deu conta de que, o tempo
inteiro, sua presença no estábulo havia sido meramente tolerada.
— Inacreditável! — rosnou, partindo em seguida. Os dois homens o
observaram indo embora.
— Vossa Graça — começou o assistente da gerência, constrangido —,
nem tenho como dizer o quanto lamento...
— Não se preocupe. — Alex o tranquilizou. — Não era ninguém de
muita significância.
— Isso mesmo. Por favor, deixe-me assegurá-lo de que Derringworth
não serve a essa clientela... Lamento pela noiva dele.
— Eu também.
Impossível que aquele imbecil estivesse prestes a se casar com Liz.
Aquele arrogante não sabia nem mesmo como adquirir um cavalo!
— Estou perdida, Bea!
— O que aconteceu?
— Você conhece as circunstâncias nas quais meu pai nos deixou —
respondeu Liz. — E parece que o restante da cidade também. Minhas
perspectivas são ínfimas.
— Lamento Liz.
Bea realmente lamentava, notou Liz, ao contrário de tantos outros que
diziam as palavras enquanto se deliciavam com sua derrocada. Era mais uma
razão para que considerasse Beatrice Pullington como uma verdadeira
amiga.
Na noite anterior, quando ela chegara à porta de Bea com a mala na
mão, fora recebida sem questionamentos. A moça a havia instalado em um
confortável quarto de hóspedes e cuidado de cada necessidade sua, até que
ela sucumbira à exaustão após o dia tumultuado.
Agora era o meio da manhã, e as duas relaxavam no pequeno salão da
casa enquanto debatiam sobre o futuro de Liz.
— Não é só isso. O irmão de minha mãe, tio George, é o chefe da
família agora. Ele insiste em dizer que não pode sustentar a nós todos e quer
que eu me case com o único pretendente que me restou:
Harold Wetherby.
— Wetherby? Não o conheço.
— Não pessoalmente. Ele é uma espécie de primo distante de mamãe.
Não anda pelos altos círculos. Mas já lhe contei sobre ele, Bea.
Os olhos de Bea se arregalaram com a lembrança.
— Aquele Wetherby? O do piquenique que...

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— Esse mesmo.
— Não! — Bea exclamou baixinho, tomando um breve gole de chá.
— Por isso não quero voltar para casa. Prefiro trabalhar para viver.
— Fazendo o quê?
— Essa é a questão. Pensei em me tornar costureira. Sou boa com
agulhas.
— Sim, Liz, mas as melhores modistas vão querer referências, e você
não tem nenhuma.
— O que me sugere, então? Há poucas maneiras pelas quais uma
mulher pode ganhar a vida e se manter anônima.
— Triste, mas verdadeiro. Conheço uma que ganha à vida escrevendo
livros...
— Não tenho competência para isso, Bea. Além do mais, levaria muito
tempo.
— Você é bem-vinda para ficar aqui por quanto tempo queira. Não é
nenhum sacrifício para mim.
— Eu sei, e agradeço por isso. Não sei para onde mais eu poderia ir,
senão para cá. Mas não posso ficar escondida para sempre. Preciso sair o
quanto antes. Qualquer que seja o trabalho que eu encontre, deve ser em
um local onde meu tio não pense em procurar por mim. Eu poderia ser uma
governanta.
— E cuidar da casa e dos filhos de outra pessoa? E se forem mimados
ou mal-educados?
— Ah, Bea. Eu amo crianças!
— Mas Liz, você acha que tem jeito para ser governanta? Você é um
tanto cabeça-dura, ainda que eu a ame por isso... Creio que esse tipo de
característica seja malvisto em governantas.
— Tenho certeza de que posso superar esse meu defeito. Não posso
mais me dar o luxo de escolher muito. Mas provavelmente terei o mesmo
problema para arranjar referências.
— Muito provavelmente. Se uma costureira precisa de referências,
imagine o que... Espere! Eu conheço a pessoa perfeita para acolhê-la. Ela
pode reconhecer você, mas é uma alma caridosa. Andei ouvindo, em um chá,
outro dia, que ela estava ansiosa por contratar uma boa governanta. Ela vive
no campo, então é menos provável que você seja vista.
— Quem é?
— A viscondessa Grumsby.
— Grumsby, Grumsby... A irmã do duque de Beaufort? Mas ela é a
irmã de Alex Bainbridge! Eu não poderia!

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À Sombra de um Escândalo

— Liz, eu sei que você tem certo interesse por ele, mas depois que
nada aconteceu após aquele baile, falho em ver qual o problema.
— Não foi só isso.
Tristonha, Liz contou os detalhes de seu encontro com o duque.
— Céus! Isso foi ousado. Você não é cabeça-dura, minha amiga, é
completamente louca!
Liz sentiu as faces arder.
— De qualquer maneira, continua no mesmo ponto em que estaria
caso ele tivesse aceitado sua proposta — continuou Bea. — Pode ser um
tanto desconfortável se conseguir o emprego e ele aparecer para uma visita
à irmã, é claro, mas será uma chance única para que você se mantenha fora
de circulação.
Era verdade, pensou Liz.
— De qualquer modo — prosseguiu Bea —, acho que vale a tentativa.
Como eu disse, lady Grumsby fica no campo quase o tempo todo, o que deve
protegê-la dos olhos mais perigosos.
— Mas e se Alex tiver contado a ela sobre mim?
— Pouco provável. Se ele não quer ter o nome envolvido com o seu
em um escândalo, por que faria isso? Ele provavelmente já se esqueceu disso
tudo.
Liz não estava tão certa sobre aquilo, mas, como não podia pensar em
opção melhor, e como a ideia de deixar a cidade por um tempo tinha um
forte apelo, concordou com o plano.
Em questão de horas, Beatrice enviava uma mensagem a, lady
Grumsby atestando sua total idoneidade para o posto de governanta.
E, como era possível que lady Grumsby a reconhecesse de qualquer
maneira, Liz concordou que Bea revelasse seu verdadeiro nome. Apenas
rezava para que a mãe não descobrisse tudo, pois lady Medford tomava o
status de nobreza com bastante seriedade.
Passou os dias seguintes na expectativa por uma resposta. Como mal
podia passear pelas ruas de Londres sem ser vista, Liz se manteve na casa.
Bea tinha mais liberdade e, com a ajuda de Charity, conseguira trazer mais
dois de seus vestidos, embora ambos tivessem sidos tingidos de cinza após a
morte do pai dela.
— Se vai trabalhar como governanta, precisa se parecer com uma —
disse Bea enquanto a ajudava a remover os laços que devam aos trajes sua
única aparência mais moderna. — A notícia sobre seu desaparecimento
ainda não chegou à cidade. Sua irmã diz que a família mantém o fato em
segredo, esperando encontrá-la logo e pôr fim à situação. O escândalo seria

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enorme. Eu, é claro, jurei que não sabia de nada. Mas Liz, acha que está
fazendo a coisa certa?
— Não tenho dúvida disso.
— Se é assim... — Bea deu-lhe um tapinha no braço.
Por fim, as boas notícias chegaram: lady Grumsby estava interessada
em entrevistá-la!
Imediatamente, Bea a ajudou a fazer as malas, e Liz comprou uma
passagem na carruagem de aluguel que partiria na manhã seguinte.
Suspirou conformada. Não via mais coches luxuosos em seu futuro.
A despeito de ter saído cedo da casa de Bea, era quase noite quando a
carruagem se aproximou de Garden Home, a propriedade pertencente à
irmã do duque de Beaufort e seu marido. Dado o nome simples, Liz esperava
um terreno agradável, porém modesto. Em vez disso, o coche passou por
vastas relvas bem aparadas e, por fim, avizinhou-se a uma mansão espalhada
que parecia um conglomerado de todos os estilos arquitetônicos que a
Inglaterra conhecera nos últimos quatro séculos.
Bateu à porta, na entrada traseira da casa, trêmula.
Uma criada veio atendê-la e a analisou de cima abaixo.
— Sim?
— Estou aqui para uma entrevista de emprego.
A moça modificou a expressão para outra de maior respeito.
— Sim, madame. Lady Grumsby imagina que esteja cansada da
viagem. Devo mostrar-lhe um quarto e sua entrevista será pela manhã, bem
cedo. Por aqui.
Liz mordeu o lábio, desacostumada a ser tratada com tanta
casualidade pela criadagem, mas seguiu a criada ao longo de um corredor.
Era melhor que se adaptasse logo, já que a posição de governanta estava
acima da dos empregados...
Ainda que bem abaixo da que conhecera por tantos anos.
Liz acordou cedo e já estava totalmente vestida, para não mencionar
ansiosa, quando a criada bateu à porta trazendo-lhe uma bandeja com o café
da manhã. Após o rápido desjejum, ela foi levada até o salão principal.
A moça indicou um pequeno banco, recostado numa das paredes,
próximo a uma porta que levava, na certa, a outro cômodo.
— Espere aqui, por favor.
Liz sentou-se, imaginando como melhor apresentar suas limitadas
qualificações.
A criada reapareceu momentos depois.
— Lady Grumsby vai recebê-la agora.

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À Sombra de um Escândalo

Liz deixou escapar o ar que, não havia se dado conta, estava


segurando, e adentrou o salão, um recinto agradável, decorado em tons de
marfim e azul-claro. Uma adorável morena, alguns anos, mais velha do que
ela, sentava-se à borda de uma delicada cadeira, diante de uma
escrivaninha. Sua aparência tornava a relação com o irmão do duque
reconhecível.
Ciente de seu novo status social, Liz se curvou numa reverência.
— Milady... Não imaginei que fosse ser entrevistada pela senhora.
— Minhas crianças são muito importantes para mim, querida.
Encontrar uma governanta para elas não é uma tarefa que eu julgue
apropriado confiar a mais ninguém.
Liz sorriu, aprovando os sentimentos da mulher.
— Então você é a Srta. Medford.
Liz hesitou, rezando para que o nome Medford fosse comum o
suficiente para que a viscondessa não pensasse em associá-la à filha do
barão de mesmo nome.
— Sim, milady.
— Certo. Bem, Srta. Medford, eu normalmente não entrevistaria
alguém sem referências, mas lady Pullington sugeriu que conversássemos,
de modo que encaro isso como uma referência. Minha última governanta
partiu para cuidar de um parente adoecido. Pode sentar-se... — A
viscondessa gesticulou em direção a uma pequena cadeira, acolchoada em
amarelo pálido. — Por favor, conte-me sobre suas qualificações.
Liz se preparava para blefar, quando a viscondessa franziu a testa.
— Espere um momento. Você disse que seu nome era Medford? Você
não tem alguma relação com... Não, não pode ser. Meu vizinho esteve me
contando sobre tudo o que aconteceu nesta temporada, e o nome Medford
veio à tona, então pensei...
Liz se moveu desconfortavelmente na cadeira.
— Sim, milady. Sou a filha de lorde Medford.
— Não me diga! Como pode se candidatar a um emprego de
governanta? — Os olhos de lady Grumsby refletiam seu constrangimento.
— É uma história bem longa. Por favor, milady, asseguro que esse
trabalho me é necessário. Minhas condições não são mais as mesmas...
Preciso dessa posição e amo crianças. Estou disposta a trabalhar duro, a
cuidar delas e a ensinar-lhes tudo o que sei.
A viscondessa cruzou os braços e lançou-lhe um longo olhar.
— Está comprometida?

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À Sombra de um Escândalo

— Não, senhora. Mas minha família não pode mais sustentar duas
filhas solteiras, e não tenho o desejo de tornar-me um peso quando nem ao
menos tive a oportunidade de me casar.
Liz esperava que a viscondessa não fosse adiante ao assunto, pois
explicar que havia recusado a escolha da família por um pretendente não se
refletiria bem em seu caráter, não importando o quanto abusivo este fosse.
Era melhor deixar que lady Grumsby pensasse que era um tremendo fiasco
na seara do casamento.
— Compreendo. Lamento saber sobre o infortúnio de sua família.
Você conhece as responsabilidades de uma governanta? Pouco se comparam
às da vida que você costumava levar.
— Sim, milady. Eu conheço.
— Bem, se você foi criada na sociedade, não posso censurar sua
educação. Meus filhos são ainda muito pequenos, mas quero deixá-los
expostos à boa moral e ao aprendizado.
— No meu caso, tive tudo do mais apropriado, milady.
— Vou dar-lhe o emprego em regime de experiência. Se, após um
período de três meses, as crianças e eu acharmos que serve... Você fica.
Liz sorriu genuinamente.
— Obrigada, milady. Não vou desapontá-la.
— Ótimo. Ficarei muito feliz com a sua ajuda às crianças, pois estou
esperando convidados para uma noite próxima. Uma pequena festa na casa
durante a visita de meu irmão.
O estômago de Liz revirou, mas ela conseguiu manter um sorriso. Alex
Bainbridge estaria vindo! O homem diante do qual ela havia se humilhado.
Aquele que poderia fazê-la ser despedida com apenas uma palavra.
Alex deu com as esporas no cavalo, atravessando o campo aberto. O
garanhão balançou a cabeça e flexionou os músculos como resposta ao
comando, e ele se deliciou com o ar pesado passando-lhe pelos cabelos. Seus
olhos soltaram lágrimas pelos cantos quando o animal ganhou velocidade, e
ele sorriu. Não podia pensar em nada que preferisse estar fazendo naquela
perfeita manhã de maio. Havia adquirido o animal no estábulo de
Derringworth, em nome do cunhado, Brian Grumsby. Normalmente, teria
examinado melhor o animal antes de fazer uma oferta, mas havia se irritado
demais com o tal Wetherby para se ater a negociações.
No fim, o esforço físico despendido na cavalgada matutina o ajudou a
afastar da mente os sofrimentos do passado.
Deixou o pensamento vagar, enquanto o solo desaparecia sob os
cascos faiscantes. Em Londres, era caçado por homens de negócios, nobres

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À Sombra de um Escândalo

falidos, mulheres esperançosas. Dos negócios, ele gostava, e já havia muito


se acostumara às outras coisas. Mas, às vezes, um homem precisava ficar
sozinho.
O problema era que vinha se sentindo assim com muita frequência.
A casa da viscondessa, com seus jardins aparados, surgiram diante
dele. Faria uma boa visita à irmã e se divertiria com as crianças antes que os
outros convidados chegassem. Não ficara empolgado ao ouvir sobre a festa,
mas Marian raramente as fazia e agora contava com sua presença. Não
poderia decepcioná-la, voltando a Londres.
Encontrou os sobrinhos do lado de fora, aproveitando a manhã com
sua governanta, cada um puxando-lhe uma das mãos enquanto apontavam
empolgados, para flores, insetos e outras curiosidades. O pequeno Henry
lutava para agarrar a coleira de um exuberante filhote de labrador.
A governanta era uma mulher simples, de chapéu cinza e vestido da
mesma cor, mas a atenção que dedicava às crianças era admirável. Ela
balançou a cabeça e riu quando sua sobrinha, Clara, exibiu um pequeno
ninho de pássaros.
Tão entretida estava a moça que não notou sua chegada. O filhote de
labrador, ao contrário, ficou louco de excitação, desvencilhou-se de Henry e
correu desajeitado, pelo jardim.
O menino tentou agarrar a coleira que rastejou como cobra sobre a
grama, e puxou consigo a pobre governanta, que perdeu o chapéu.
Uma massa de cabelos vermelhos caiu em cascata sobre os ombros
pequenos, e Alex segurou a respiração. Conhecera apenas uma mulher com
cabelos como aqueles. Mas, que diabo ela estava fazendo ali?
Liz espanou a poeira enquanto Henry ralhava com o cachorrinho.
— Não brigue demais com ele, Henry. Ele é só um bebezinho, afinal. E
o que faria um bebezinho ao ver um cavalo grande e assustador?
Liz olhou para cima, e Alex pôde ver seus olhos se arregalando ao
avistá-lo. As faces preencheram-se de cor e ela balançou a cabeça
levemente.
Alex fez que sim, entendendo a súplica silenciosa. Tinha muitas
perguntas para a donzela da alta sociedade convertida em governanta, mas
não a constrangeria diante das crianças.
— Tio Alex! — Inconsciente da tensão entre os dois adultos, Henry
saltou para cima e para baixo, tentando merecer a atenção do tio.
— Sua governanta está certa, Henry — ele falou, curvando-se para
abraçar o menino. — Aqui, deixe-me mostrar uma maneira melhor de
segurar a coleira.

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À Sombra de um Escândalo

Alex sentiu os olhos de Liz fixos nele enquanto se detinha nos cuidados
com o filhote. Pelo canto dos olhos, pôde vê-la endireitar o chapéu e retirar-
se para um pequeno banco de jardim enquanto ele brincava com as crianças.
Que diabo tinha acontecido nas últimas duas semanas para que Liz
mudasse tão radicalmente? E como ela havia ido parar ali?
Quisesse a Srta. Medford ou não, ele descobriria mais. Com uma
promessa de retornar em breve, enviou os sobrinhos de volta a Liz.
Precisava encontrar Marian.
A irmã sentava-se em seu salão favorito, o recinto azul e marfim,
trabalhando em seu bordado.
— O que ela está fazendo aqui? — indagou de supetão. Marian saltou,
deixando cair à agulha.
— Quem?
— A Srta. Medford.
— Eu a contratei como governanta.
— Sim, mas... Você ao menos sabe quem ela é?
— É claro que sei. Sente-se, Alex. Não há necessidade de sermos
dramáticos. Falho em ver o que o incomoda. Não é culpa da moça que suas
condições tenham se deteriorado. Você preferiria que eu a deixasse na rua?
— Não. — Alex passou a mão pelos cabelos, ignorando o convite para
que se acomodasse. — Sim.
Marian apertou os olhos, ciente dos rumores sobre as várias ligações
amorosas do irmão.
— Há algo mais que eu deva saber sobre ela?
— Não. — A despeito da proposta ultrajante de Liz, sobre a qual ele
não parava de pensar, nada havia realmente acontecido. Além disso, havia
concordado em não mencionar aquela conversa, de modo que não haveria
mais nada a dizer.
A expressão de Marian suavizou.
— Ela é um amor com as crianças, Alex. Apenas quer se esquecer do
passado e fazer seu serviço. Isso é tudo o que eu peço também. Imagino
como deve estar sendo difícil para ela. Deixe-a em paz.
Alex tomou um assento. Liz era uma farsante. Estava certo disso. Uma
bela farsante, claro, mas nenhuma moça da cidade iria trocar uma vida de
privilégios pelo trabalho de governanta.
— Então, quem você convidou para essa sua festa? — perguntou,
tentando mudar de assunto. — É um evento pequeno, certo? Afinal, a
temporada continua.

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À Sombra de um Escândalo

— Bem pequeno. Cerca de vinte convidados. — Um olhar de cupido


que Alex conhecia bastante bem iluminou os olhos da irmã. — Srta. Landow
e Srta. Symington estarão presentes, junto com uma prima recém-chegada
da França. Não consigo lembrar-me do nome agora, mas ela é solteira...
— Por favor, não me diga que esta festa foi arranjada com o propósito
de encontrar para mim uma companhia.
— Uma noiva. Mas não é só por isso que estou dando a festa. De
qualquer maneira, quando é que vai sossegar, Alex? Já faz tempo que não
corteja alguém seriamente.
— Não estou interessado.
— Você precisa de um herdeiro, esqueceu?
— Fala como se eu tivesse um pé na cova!
— E claro que não. Só quero que seja feliz. E não importa o que alegue
esses seus casos não o deixam assim.
— Veremos — ele falou taciturno.
O plano de Alex para descobrir os reais motivos de Liz não progredia
bem. Havia sabido pouquíssimo pela irmã, e confrontar a moça era difícil, já
que a tentadora governanta mantinha-se a distância.
Na tarde de sábado, assistiu, enquanto Liz caminhava com os
pequenos pelo jardim, apontando as várias plantas e arbustos, uma
verdadeira aula sobre a natureza. Os outros hóspedes estavam fora,
visitando a cidade próxima, mas ele declinara do convite, alegando precisar
cuidar de assuntos da propriedade.
Liz gargalhava por algo que uma das crianças havia dito. Permitira que
o chapéu caísse para trás, e os raios do sol beijavam-lhe as faces e luziam
sobre seus cabelos.
Ela era um enigma, concluiu Alex. Três semanas antes, pensava nela
como não mais do que uma filha mimada e impetuosa; que não sabia o que
era melhor para si e que vinha de uma família de tratantes. A maior parte de
Londres sabia, àquela altura, que os cofres dos Medford se encontravam
vazios, e que a família tangenciava a linha da penúria. Estava bem ciente
sobre seu próprio papel em levá-los àquele estado, mas o que a Srta.
Medford esperava conseguir, quando se aproximara dele, no parque?
Do lado de dentro da mansão, Alex entornou o restante do vinho,
desejando que fosse um brandy. Marian poderia ralhar com ele, caso
quisesse, mas não estava disposto a encorajar toda donzela desesperada que
lhe cruzasse o caminho. Seu coração não estava ali.

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À Sombra de um Escândalo

Antes que outra convidada da irmã viesse a seu encalço, optou por
uma saída discreta, dirigindo-se ao jardim. Depois, poderia voltar por outra
entrada e buscar refúgio em seus aposentos.
Ao dar a volta por um caminho e avistar a silhueta de uma jovem
sozinha no jardim, a noite tornou-se bem mais interessante. Mais ainda
quando o brilho da lua sobre os cabelos acobreados denunciaram-lhe a
identidade.
Inconscientemente, suavizou os passos. Desta vez, ela não seria capaz
de evitá-lo.
Esperou até que estivesse logo atrás dela, antes de fazer a pergunta
sobre a qual ponderava desde que a descobrira na casa da irmã.
— Por que você está aqui?
— Vossa Graça. — Liz pulou com os olhos arregalados. — Eu estava
apenas passeando. A lua está linda esta noite.
— Sim, está. Mas isso apenas responde parte de minha pergunta.
— Perdão?
— O que a traz até Garden Home, Srta. Medford?
— Milord conhece a resposta para isso. Sou a governanta de seu
sobrinho e de sua sobrinha agora.
— É claro...
— Por que a ironia? Sua irmã foi bastante gentil ao me contratar e sou
grata pela posição.
Alex admirava aquela combinação única de presença e humildade. Liz
não tinha vergonha de admitir que fosse grata por ter um trabalho, e era
forte o suficiente para defender sua escolha.
E agora que ele havia conhecido Harold Wetherby, tinha um palpite
sobre o porquê daquela decisão.
Mesmo assim, queria ouvir a verdade dos lábios dela. Por que tinha
fugido, quando tantas outras mulheres em seu estado teriam, de forma
submissa, desposado o desgraçado?
— Tive o prazer de conhecer o seu noivo.
— Meu noivo?
— Wetherby afirma que vocês dois devem se casar.
Nem mesmo o luar pôde esconder o profundo rubor de Liz. Aquilo era
constrangimento ou raiva?
— Ah, sim... Estamos muito apaixonados.
— É o que diz Wetherby — mentiu Alex. — Ele é mesmo... Singular.
Como conseguiu conquistá-lo?
Uma risada estrangulada escapou-lhe da garganta.

Allegra Gray 28
À Sombra de um Escândalo

— Pura sorte, eu suponho.


— Ora, vamos. Uma moça bonita como você? Wetherby deve ter
afastado todos os pretendentes para que pudesse ter uma chance.
— Algo assim — Liz concordou, esmaecida, puxando mais o xale sobre
os ombros.
Então ela não havia tido outros pretendentes. Ao menos, nenhum que
o pai aceitasse antes de sua morte. Liz era atraente, mas sua falta de dote
era de conhecimento público.
A culpa o alfinetou, e ele resistiu à tentação de puxá-la para perto e
protegê-la. Em vez disso, decidiu manter o jogo verbal.
— Conte-me. Como se sente Wetherby com sua noiva trabalhando
como governanta?
Uma emoção impossível de identificar dançou nos olhos de Liz, que
manteve a postura.
— Fiquei bastante arrasada quando papai faleceu, e de forma alguma
me sinto pronta a me casar. Harold compreende isso. Compreende também
a necessidade de que eu trabalhe, já que sempre precisou fazer o mesmo.
Ele bufou discreto. Poderia apostar que Wetherby viveria
tranquilamente sob a fortuna de outra pessoa se tivesse a oportunidade.
Ainda assim, aquela não era sua preocupação principal.
— Então ele sabe que você está aqui. A hesitação de Liz a entregou.
— Diga a verdade, por favor — ele pediu sério.
Ela olhou em volta, a postura tão rígida que, sob a luz da lua, a fez
parecer ser feita de mármore.
— Está certo. Harold não sabe nem mesmo de minha localização.
— E você pretende manter isso assim... — concluiu Alex. Claro. A
mulher preferia mergulhar no ostracismo a se casar com aquele cretino. Era
uma decisão que poucas de seu gênero tomariam, mas algo digno de
respeito.
— Não vai dizer nada a ele, vai? — ela implorou, pousando a mão em
seu braço, os olhos cheios de medo.
Alex pôs a mão sobre a dela. Wetherby era mais patife do que ele
pensava, se a assustara tanto.
— Não vou dizer nada.
Liz suspirou, aliviada. Fez menção de retirar a mão, porém Alex a
segurou firme.
— Mas, em troca, precisa me fazer uma promessa.
— Que promessa? — ela indagou, umedecendo os lábios, nervosa.

Allegra Gray 29
À Sombra de um Escândalo

Uma torrente de calor, pura excitação sensual, atravessou o duque, e


ele liberou-lhe a mão, surpreso.
— Que vai parar de me evitar.
As feições delicadas revelaram surpresa, e Alex se viu tentado a beijá-
la. Em vez disso, cuidou de passar de leve os dedos sobre a face macia antes
de caminhar de volta a casa.
Havia obtido a resposta que queria. Não tinha por que assustá-la ainda
mais.
A viscondessa Grumsby não sabia, mas estava torturando Liz. A
pequena festa na casa deveria durar uma semana. Era a manhã do terceiro
dia, e Liz sentia-se em uma armadilha.
Estava no limite desde que Alex Bainbrigde havia galopado,
literalmente, para dentro de sua vida.
Malditos fossem seus cabelos vermelhos. Sem eles, ela não teria sido
descoberta tão depressa. No momento em que olhara nos olhos escuros e
debochados do duque, fora tomada tanto pela timidez quanto pela vontade.
Fora ele o responsável pelo mais humilhante momento de sua vida.
Ao mesmo tempo, uma olhadela para seu belo rosto, um momento
gasto observando seu óbvio carinho pelos sobrinhos, e ela estava mais uma
vez perdida.
A diferença era que, desta vez, não poderia suportar humilhar-se de
novo. Seu emprego dependia de um comportamento modelo.
De responsabilidade e decoro. Havia violado ambos em sua proposta a
Alex, e, mais uma vez, ao deixar sua própria casa.
Uma terceira indiscrição seria sua ruína.
Após a conversa no jardim, na noite anterior, Liz preocupava-se,
achando que indiscrição era precisamente o que o duque tinha na cabeça. Se
apenas a ideia não fosse tão tentadora!
Se a viscondessa Grumsby tivesse alguma noção dos pensamentos que
ela nutria por seu irmão, ela seria despedida sem qualquer recomendação.
E ainda que, ser uma governanta não lhe proporcionasse uma vida de
luxos, estava contente. Ao menos por enquanto. As crianças eram doces e
tinham ânsia por aprender e explorar. O senhor e a senhora da casa a
tratavam com gentileza. Eventualmente, pensou, poderia até encontrar uma
solução mais definitiva para o futuro. Mas, nesse meio-tempo, aquele
trabalho lhe proveria o que era necessário.
Suspirou e fechou a porta. Havia levado as crianças para dentro, a fim
de que comessem e descansassem. Os convidados dos Grumsby estavam
fora, em um passeio pela tarde. Poderia então relaxar.

Allegra Gray 30
À Sombra de um Escândalo

— Pensei que nunca fosse encontrá-la sozinha.


Liz virou-se, o coração batendo forte. Ali, no vão das escadas, estava o
homem a quem tentava esquecer.
— Vossa Graça.
— A senhorita pode ser bem evasiva quando quer...
Ela manteve o olhar alguns centímetros abaixo do queixo do duque,
tentando evitar a expressão debochada que sabia haver ali.
— Não sei o que quer dizer, milord. Meu emprego aqui me mantém
bastante ocupada.
— Não está me evitando?
Para responder, precisaria mentir ou revelar demais, de modo que se
manteve quieta. Ousou uma olhadela para cima. O brilho nos olhos escuros
contou-lhe que ele sabia.
— O que aconteceu a sua promessa? Ela ergueu o queixo.
— Não creio ter realmente feito alguma promessa.
— Você me decepciona, Liz.
Ela desapontava a si mesma também pelo júbilo secreto que sentia em
sua presença. Decoro, pensou de novo, mas o lembrete mental era abafado
pelo palpitar de seu coração, que dobrou o passo à medida que o duque se
aproximava.
— Bem, parece que você tem um pequeno descanso de suas
atividades. Talvez possa me conceder um passeio pelos jardins?
— Acabo de vir dos jardins.
— Compreendo. Bem, talvez me permita mostrar-lhe a biblioteca?
— O que milord está fazendo aqui?
— Posso fazer a mesma pergunta.
O timbre profundo enviou-lhe um arrepio pela espinha.
— Milord não contou a ninguém o que eu fiz?
— Não. Ainda que eu mereça algumas respostas. Confesso que estou
preocupado depois de tudo o que ouvi. A biblioteca então?
Liz engoliu em seco. Havia prometido não evitá-lo, e o duque sabia de
seus segredos. Ela precisava manter o aliado. Em todos aqueles anos em que
imaginara Alex Bainbridge procurando por ela, no entanto, jamais pensara
que seria daquela maneira.
O lado bom, disse a si mesma, era que estava realmente pensando em
conhecer a biblioteca.
— Seria um prazer — concordou, tentando não pensar de qual
resposta Alex sentia-se merecedor.

Allegra Gray 31
À Sombra de um Escândalo

O duque abriu um sorriso satisfeito e ofereceu-lhe o braço, como se


ela fosse ainda a Srta. Medford, filha do barão, e não a Srta. Medford
governanta da nobreza.
Sentindo que seria rude não aceitar o gesto, pousou a mão sobre o
braço forte e se permitiu ser acompanhada escadaria abaixo. Já sabia onde
ficava a biblioteca, era claro, e era bem capaz de se transferir para lá sozinha;
mas, apenas por um momento, decidiu esquecer os últimos meses, o tom
vagamente ameaçador do duque, ou mesmo o fato de que ele já a tinha
rejeitado uma vez, e permitir que sua fantasia se concretizasse ao menos em
parte.
Era meio-dia e havia outros criados na casa. Sem dúvida, nenhum mal
adviria disso.
— Ah, aqui estamos nós — disse Alex, enquanto a conduzia até o
recinto amplo e bem arrumado. Prateleiras, todas lotadas, cobriam três
paredes. Na quarta, grandes janelas verticais miravam as pastagens da
propriedade. As cadeiras e poltronas espalhadas pelo recinto pareciam bem
confortáveis. Era o lugar perfeito para se perder em um livro, ou mesmo nos
próprios pensamentos.
— É um cômodo adorável, Vossa Graça. Obrigada por mostrá-lo a
mim.
O duque lançou-lhe um olhar atento.
— Não está ansiosa por se livrar de mim, está, Srta. Medford?
— É claro que não.
Era mentira, e ele sabia tão bem quanto ela, que pressionou os lábios
e respirou fundo.
— Milord disse que queria respostas. Pois aqui vai a que, imagino o
senhor deseja: aquele momento no parque foi uma loucura. Uma atitude
descabida e estúpida de minha parte. Jamais fiz algo assim antes, e não
pretendo repetir tal insanidade. Quanto ao homem que se julga meu noivo,
jamais concordei em casar-me com ele, ou com qualquer outro, aliás. Preciso
deste emprego e vou trabalhar muito para mantê-lo. — Ela tomou fôlego. —
Mais uma vez, agradeço por mostrar-me a biblioteca.
Alex deu um sorriso e estendeu um braço em direção às prateleiras.
— Não há de quê. Mas eu mal comecei. O que veremos primeiro? Ah!
Eu sei que tem um gosto por poesia, se bem me recordo.
Liz não era nenhuma poetisa, mas tinha frequentado um recital
promovido por um primo dele, alguns meses antes. Todo o evento fora
terrível, desde as bebidas quentes até a voz de corvo com a qual o rapaz
pronunciara o que, presumivelmente, eram poemas.

Allegra Gray 32
À Sombra de um Escândalo

Sem dúvida, Alex se lembrava da ocasião, já que, uma vez encerrado o


evento, na pressa para partir ela tropeçara em seu próprio vestido e caíra
por cima dele.
Olhou-o, tímida, e surpreendeu-se ao vê-lo piscar para ela.
Sorriu sem poder evitar.
— Eu adoro um bom poema.
— Bem, não compartilho do talento de meu primo para recitar, mas
posso lhe mostrar a coleção de minha irmã de grandes poetas.
— Sem performance? — Liz comentou, desapontada, enquanto Alex
se dirigia a uma prateleira cheia de volumes encadernados em couro. — Ah,
será melhor assim. Se bem me lembro, fiquei tão comovida com a última a
que assisti que perdi o rumo e quase o derrubei... — ela comentou em tom
suave, enquanto se virava para observar os livros.
— É verdade. Esqueci-me. Talvez eu deva segurá-la, então, enquanto
analisa as páginas, a fim de evitar um novo choque...
Liz puxou o ar, quando um par de mãos quentes se apossou de ambos
os lados de sua cintura. A tentação de pesar sobre ele, absorver seu cheiro e
sua força, foi quase irrecusável. Mordeu o lábio com força, esperando que a
dor a distraísse.
— Eu não deveria permitir isso.
— Se bem me lembro, você estava disposta a oferecer muito mais.
— Isso foi antes. — Liz fechou os olhos, quando os polegares dele lhe
acariciaram os quadris. — Acabei de dizer que...
— Shhh. Você é uma mulher incomum, Liz Medford — murmurou
Alex, a cabeça curvada, de modo que ela podia sentir sua respiração por trás
das orelhas. — Confesso que capturou meu interesse.
Estavam deslizando para território perigoso. Liz se esticou para
alcançar um livro de poesias, embora não soubesse qual era o poeta.
— Milord brinca comigo.
— Jamais.
— Sei bem que me julga menos do que tentadora.
— Pois está errada. Vejo-a como a tentação do tipo mais perigoso.
O fôlego quente roçava-lhe as orelhas, despertando uma vontade de
que ele beijasse aquele mesmo ponto. Nervosa, ela tentou se concentrar no
quanto se sentira mal ao ser rejeitada no parque, naquela manhã. Virou-se
para encará-lo.
— Perdoe meu ceticismo, Vossa Graça. Mas acho difícil crer após ter
sido dispensada quando eu era um membro respeitável da sociedade e

Allegra Gray 33
À Sombra de um Escândalo

praticamente me ofereci a milord. Agora que aqui estou, como uma mera
governanta, seu interesse é capturado?
Alex deu de ombros.
— Não gosto de mulheres da sociedade.
O tom frouxo fez Liz estudá-lo mais de perto.
— Milord brinca comigo.
— Asseguro-lhe: não é o caso. Mulheres da sociedade são frias e
calculistas. Analisam tudo, desde o mais simples comentário sobre a cor das
luvas de alguém, em sua ânsia de ascensão social.
Liz pendeu a cabeça de leve. Ele tinha razão. Sua própria mãe era uma
mulher assim.
— Você, por outro lado, me fascina, já que decidiu abandonar aquilo
tudo — ele prosseguiu com voz rouca. — Eu a vi com as crianças. É tão mais
natural com eles. Vi que demonstra real afeição, ainda que eles não sejam
seus filhos. Qual Liz é a real? A menina ousada que planejou aquela
ultrajante, embora tentadora, proposta, destinada a sua própria ruína? Ou a
que está diante de mim, e que põe as necessidades dos outros à frente das
suas próprias? — ele exigiu, tocando-lhe a face.
Conduziu-a até uma poltrona, então, até que Liz não tivesse escolha,
senão sentar-se.
Acomodou-se ao lado dela e pousou as mãos sobre as suas. Qualquer
resposta que Liz tivesse sumiu.
— Está vendo? Sei que estou certo. Veja, aqui estamos, longe da
sociedade, tendo uma conversa de verdade. Quantas conversas você teve
em um baile que não girassem sobre o que alguém estava vestindo, quem
dançava com quem, e como interpretar aquilo tudo em valores no mercado
do casamento?
Liz gargalhou. As conversas de baile eram exatamente assim.
— Você tem um sorriso adorável. Ainda que eu prefira sua aparição
como uma jovem da cidade — ele confessou, passando o dedo pelo tecido
simples e cinzento do vestido, para depois tocar-lhe os cabelos que ela havia
prendido em um firme coque.
Liz não teve tempo para se ofender com o insulto implícito, pois ele
continuou pensativo:
— Estranho, não é, como as mulheres das altas-rodas se esforçam
para parecer suaves e convidativas, quando, no fundo, são duras e amargas.
Ainda assim, você, uma governanta carinhosa e de bom coração, deve
parecer até opaca de tão sóbria.

Allegra Gray 34
À Sombra de um Escândalo

— Estou certa de que isso é apropriado para uma governanta — ela


respondeu tensa, ainda que o toque leve sobre seus cabelos lhe enviasse
arrepios por todo o corpo.
— Talvez. — A mão de Alex cobriu as dela novamente. — Mas isso me
faz pensar. O que aconteceria caso eu puxasse esses grampos de seu cabelo?
Teria diante de mim uma mulher suave e quente, tanto por fora quanto por
dentro?
— Não sei.
O bom-senso ditava que ela se afastasse e corresse para o refúgio do
quarto. O futuro, no entanto, se apresentava diante dela, repleto de paixão.
Seria tão errado aproveitar apenas um momento de prazer?
Não fez qualquer movimento para deter Alex, enquanto ele puxava
um grampo, então outro, e mais outro. As mechas foram se soltando, até
que a massa de fios vermelhos se libertou.
— Aí está a beleza de que me lembro. Como uma cachoeira posta em
chamas. — O tom dele tornou-se rouco e lançou arrepios pelas costas de Liz.
— Está com frio? Acariciou-lhe o braço, e o calor de suas mãos esquentou o
sangue de Liz.
Ela devolveu um sorriso de lado.
— Creio que milord tenha um pouco de poeta em si, já que esse foi o
elogio mais bonito que já recebi na vida.
O sorriso de Liz sumiu quando Alex curvou a cabeça em direção à dela.
Os lábios se encontraram por um breve momento e os olhares se cruzaram,
enevoados, pouco antes que ele a puxasse para perto e a comprimisse
contra o próprio corpo.
Sua boca se moveu contra a dela com paixão incontida, tocando,
degustando, testando.
Liz se afogou nas sensações. Alex a segurava, uma das mãos
mergulhada em seus cabelos, à altura da nuca, a outra lhe puxando as
costas. A língua partia-lhe os lábios gentilmente, mergulhando em seu gosto,
até que uma urgência aguda começou a pulsar em seu ventre.
Ela arqueou o corpo, então, as mãos agarrando os ombros firmes
como se buscando uma âncora em meio àquela tempestade de emoções. De
alguma forma, já não estava mais sentada, mas apoiada contra a poltrona
sob o delicioso peso de Alex.
Enlevada, devolveu o beijo tão bem quanto foi capaz.
Quando a mão de Alex se moveu para tocá-la, passando pela cintura
até abrigar um dos seios, Liz gemeu baixinho. Ele continuou com a prazerosa

Allegra Gray 35
À Sombra de um Escândalo

tormenta, provocando-a através do tecido, até que o mamilo enrijecesse em


resposta.
Apenas quando ele deslizou a mão por baixo do corpete, e Liz pôde
sentir o choque da carícia contra o seio nu, ela se lembrou de algum senso
de sobriedade.
Afastou-se subitamente, escapulindo para longe, até cair no chão ao
lado da poltrona. Observou-o, mortificada, enquanto tentava recuperar o
fôlego. A posição ridícula em que estava, no entanto, obrigou-a a se
recompor.
Céus! O que ela havia feito?
Alex a fitou de volta, os olhos ainda cheios de fogo. Então se levantou
e lhe ofereceu a mão.
Liz a tomou num impulso e permitiu que o duque a ajudasse.
Endireitou as roupas, começou a procurar pelos grampos, sem dizer uma só
palavra ao homem a quem tinha beijado com tanta paixão.
Mesmo enquanto se culpava por seu comportamento, já sentia a falta
do toque dele sobre a pele.
Deus, o que ele devia pensar dela agora? Ela era mesmo uma tola.
Assanhar-se com o duque de Beaufort a faria perder o emprego!
Aflita, reuniu os grampos e os colocou de volta nos cabelos. Alex, que
permanecera quieto, tocou-a no braço gentilmente. — Não é preciso
torturar a si mesma. Um beijo não pode ser tão mau assim.
Liz respirou fundo. Ele podia estar acostumado a aventuras casuais,
mas ela não, de modo que não soubera como responder à leve provocação.
Como ele podia ser tão frio? O beijo não o afetara?
Provavelmente não. Afinal, ele era bem mais experiente.
Para seu horror, lágrimas encheram-lhe os olhos, e ela se virou para
escondê-las. Mas não antes que o duque as notasse.
Com um suspiro, ele apanhou-lhe o queixo e virou seu rosto,
acariciando-lhe a face com os dedos.
Liz fechou os olhos e se manteve imóvel, desejando mais do que tudo
ficar com Alex, que ele a tomasse nos braços e a confortasse. Mas aquilo não
fazia sentido. Ele era a causa de seu desconforto.
De qualquer maneira, suas emoções estavam mexidas demais para
que se importasse.
— Preciso ir — conseguiu sussurrar.
— Como quiser. — Para seu alívio e decepção, Alex deu um passo
atrás. — Mas há mais em você do que eu imaginava. É mesmo muito
intrigante Srta. Medford.

Allegra Gray 36
À Sombra de um Escândalo

Desesperada para recuperar alguma normalidade, Liz voltou ao seu


papel formal e fez uma reverência.
Alex a observou com diversão, algo evidente no torcer dos lábios e nas
rugas nos cantos dos olhos. Curvou-se também.
— Pode partir agora, Liz. Mas não pense nem por um momento que eu
não a procurarei novamente.
Harold Wetherby mirou a carta sobre a mesa e praguejou.
— Maldito Medford!
— Más notícias? —- Jim Cutter, refestelado sobre uma cadeira do
outro lado da sala, examinava, entediado, o jornal.
Era rude examinar as correspondências diante de um convidado, mas
ele e Cutter dividiam as mesmas opiniões a respeito dos modos em
sociedade. Além disso, Cutter era um amigo, ao menos o mais próximo que
possuía o que queria dizer que compartilhavam ambições e, por isso,
toleravam a presença um do outro. Ambos tinham alugado casas no distrito
não tão elegante, e ambos sentiam que mereciam uma vida melhor.
— Emprestei ao lorde Medford uma boa soma alguns anos atrás —
respondeu Harold. — Mal podia arcar com aquilo, na época, mas precisava
do apoio do homem e de seus contatos.
— E ele jamais o pagou de volta?
— Não. Morreu no último outono. Acidente de carruagem. Cutter
moveu a cabeça num lamento.
Harold tomou a carta, uma educada nota do procurador das terras de
Medford. O dinheiro tinha acabado. Aparentemente, não existiam mais
chances de ele recuperar seu prejuízo.
Bateu com o punho sobre a mesa.
— Maldição!
Não importava que agora pudesse arcar com a perda. O barão o havia
usado. E mesmo que ele não fugisse à regra, não gostava de ver o jogo
invertido.
Harold trincou os dentes.
— O que me irrita é como alguém como ele é considerado da alta
sociedade, enquanto, não importando o quanto eu estude, o quanto eu
invista, o quanto eu avance, continuo sendo um excluído. De qualquer
forma, aposto que a filha de Medford não está sorrindo agora — completou,
finalmente agarrando-se a um pensamento que o agradava. — Atormentou-
me por anos com sua aceitação indiferente, julgando-se boa demais para
mim. A piranha teve a audácia de me estapear — revelou Harold com os
dentes cerrados. — Como se tivesse opção melhor!

Allegra Gray 37
À Sombra de um Escândalo

A raiva o inundou quando se lembrou de seu último encontro.


Cutter jogou o jornal na lareira e lhe dispensou alguma atenção.
— Não vi nenhum anúncio de casamento sobre ela no The Times.
Todos na cidade sabem que a moça está sem nada.
Então Liz havia falhado. Em breve, aprenderia qual a sensação de ter
de agradar e se curvar por qualquer punhado de aprovação. Em breve,
compreenderia a sensação de ter as portas fechadas diante dela porque não
era rica o suficiente, ou, como no caso dele, por não haver nascido de uma
linhagem nobre.
Harold sorriu. A ideia do desconforto de Liz dava-lhe prazer.
Cutter pôs-se de pé.
— Preciso partir. Tenho um compromisso com meu alfaiate. Lamento
por suas perdas, Wetherby.
Harold concordou em silêncio, acenando para o amigo e escolhendo
ignorar o tímido desgosto que flagrara na voz do homem.
Não importava. Liz Medford ainda poderia lhe ser útil. O pai não
pagaria suas dívidas... Mas ela poderia fazê-lo.
O duque mantinha a palavra. Mesmo após a partida para Londres dos
convidados dos Grumsby, permaneceu na casa. Onde quer que Liz fosse ele
estava lá.
Ela se perguntava por quanto mais ele poderia prolongar a visita.
Poderia despistá-lo naquele jogo de gato e rato antes que sucumbisse
àqueles olhares cheios de desejo e significado que Alex lhe lançava quando
não havia ninguém mais por perto?
Aquilo estava errado. Era perigoso sentir-se assim.
Alguém na festa contara uma piada e, a julgar pela gargalhada do
duque e pela expressão chocada de várias das jovens donzelas, a anedota
não era leve. Ela, todavia, não acreditara nem por um minuto no choque das
moçoilas. Uma delas, inclusive, usara a oportunidade para fingir um delicado
desmaio, mirando os braços do duque.
Suspirou. A cada ano, cada mãe casadoira desejava que sua filha fosse
aquela a fisgá-lo. Quando Alex se decidisse por se casar, e deveria fazê-lo, a
fim de passar adiante suas terras, provavelmente seria com alguém
inesquecível, um diamante lapidado. Não alguém como Liz Medford.
Naquela manhã, as crianças estavam fora com o pai, um homem a
quem Liz aprendera a respeitar. Assim, ela havia aproveitado a liberdade
momentânea para escolher um livro de poesia na biblioteca, onde estivera
distraída demais na última vez, e levá-lo até seu banco preferido, no jardim.

Allegra Gray 38
À Sombra de um Escândalo

Sua mente, no entanto, não podia concentrar-se nas palavras. Em vez


disso, deslizava das frases doces e pousava sobre Alex.
Havia parado de tentar evitá-lo. Isso não apenas era impossível, mas,
após a intimidade daquele beijo, ansiava por sua presença, de modo que não
se surpreendeu ao vê-lo caminhar em sua direção.
Sentou-se mais ereta, conscientemente reunindo defesas. Não poderia
arcar com mais indiscrições.
O lembrete fez pouco, no entanto, para amainar o júbilo que lhe
encheu o peito à medida que o homem se aproximou.
— Um belo dia para leituras, Srta. Medford. A senhorita compõe uma
bela imagem com esse banco, cercada por rosas.
— Vossa Graça. — Levantou-se e fez a cortesia. O homem era um
mestre dos galanteios, mas ela sabia o suficiente para que não os levasse, ou
a ele, a sério demais. Alex já havia encantado legiões de mulheres. Ela era
apenas a mais recente na fila das que tinham capturado sua atenção.
Mas, ah, como queria acreditar que fosse diferente!
— Por favor, sente-se — ele convidou.
Liz sentou-se, e ele se pôs a seu lado. Se alguém compunha uma bela
imagem com o que havia ao redor, naquela manhã, esse alguém era ele. Alex
era tão bonito quanto amável, observou em pensamento. Vestia calças e
uma bela camisa de lã, além de uma casaca de uma púrpura profundo. O
vento brincava com seus cabelos, e ela resistiu à tentação de ajeitá-los com
os dedos.
— Gostaria de acompanhar-me em um passeio, amanhã à tarde? Creio
que nossa conversa na biblioteca foi interrompida, e estou ansioso por
continuá-la.
— Milord é muito gentil, mas eu não poderia.
— Por que não? Amanhã é domingo, e sei que minha irmã gosta de
passar os domingos com as crianças. Parece-me que estará livre... A não ser
é claro, que queira me evitar.
— Não, Vossa Graça, é claro que não. — A resposta escorregou antes
que ela pudesse pensar em algo melhor.
— Então vai vir?
Ela deveria dizer que já havia feito planos. Mas que planos? Alex pôs
as mãos sobre as dela, o polegar perfazendo círculos por sua palma.
— Conheço um caminho agradável que podemos tomar. As flores
acabaram de nascer. Assim como você... Um belo botão desabrochando
diante de meus olhos.
Liz sentiu-se quente.

Allegra Gray 39
À Sombra de um Escândalo

— Seus galanteios são ultrajantes, Vossa Graça. Não creio que sejam
apropriados.
— É essa sua preocupação, então? Ser apropriada? — Tocou-lhe a
parte interna do pulso.
— É claro — conseguiu dizer, mas a voz saiu como um sussurro.
Alex sorriu mais. Sabia muito bem o que estava fazendo. Liz virou-se,
porém ele tomou-lhe ambas as mãos.
— Não há razão para timidez. Sei que não é avessa às minhas
atenções. De outra forma, jamais teria vindo a mim com aquela proposta
fascinante. Deixe-me ver... Como foi que você colocou? Ah, sim. Pediu-me
que a arruinasse.
Liz levantou-se, indignada.
— É muito pouco galante de sua parte, milord, trazer isso à tona outra
vez — ralhou, ainda que, pela diversão visível nos olhos do homem, a bronca
tivesse surtido pouco efeito.
Alex deu-lhe um puxão no braço que a fez cair sentada de novo; desta
vez, bem mais perto.
— Além do mais, aquilo ocorreu quando pensei que seu envolvimento
seria benéfico — ela continuou nervosa, tentando ignorar o fato de que suas
coxas roçavam. Deus fosse louvado pela quantidade de tecidos que os
separava. — Agora que consegui evitar meu pretendente indesejado e que
arranjei um emprego por conta própria, não há nem mesmo a necessidade
de que pense em mim.
— Discordo. — Ele deslizou para ainda mais perto, e o brilho intenso
em seus olhos denunciou que pretendia beijá-la. — Estou bem certo de
haver essa necessidade.
Ela se inclinou para trás, o calor subindo-lhe pelas faces.
— Haveria vantagens para você.
Ela inclinou a cabeça, incerta sobre como responder.
— Deixe-me ser ousado... Quero tê-la como amante.
— Dificilmente essa é uma posição que almejo Vossa Graça!
— Ao contrario, cherie. Como minha amante, você teria muito mais
luxo do que poderia conseguir como governanta.
Liz desviou o olhar.
— Pense Liz — ele disse o tom mais gentil. — Ambos sabemos que
você não foi feita para o trabalho de governanta. E uma criatura por demais
apaixonada. — Com o dedo, acariciou-lhe o queixo.
— A profissão de governanta é bem mais respeitável do que a que me
oferece, milord — ela respondeu, pondo-se tão rija quanto uma estátua. —

Allegra Gray 40
À Sombra de um Escândalo

Minha família pode estar decepcionada comigo, mas, ao menos não estou
arruinada aos olhos da sociedade. Como quero me manter digna, prefiro ser
uma governanta de reputação ilibada.
— Incrível que, há tão pouco tempo, você estivesse tão tranquila
quanto à ideia de ser arruinada. E, sinceramente, ainda acho que minha
oferta é bem melhor do que trabalhar como governanta.
— Eu estava um tanto desesperada quando sucumbi àquela ideia
insana. Por sorte, voltei a meu juízo e encontrei algo mais estável. Se eu
fosse sua amante, estaria em constante risco de perder minha posição, pois
seu interesse em mim acabaria desaparecendo, como desapareceu com
tantas outras... E então, como eu ficaria?
Alex afastou o argumento com um abanar da mão.
— Você se subestima.
— Não posso saber ao certo, Vossa Graça. É melhor que eu cuide da
minha reputação.
— De qualquer modo, sente-se atraída por mim.
A confiança na voz a fez querer estapeá-lo. Era verdade, claro, e ele
sabia disso.
— Esse não é o ponto.
— Então por que me beijou na biblioteca?
Agora ele a tinha apanhado. Poderia argumentar que fora ele quem
iniciara o beijo, mas ambos sabiam que ela havia correspondido.
— Não precisa decidir agora. —Alex se levantou. —Apanho-a amanhã,
por volta das duas horas. Vamos até o campo. — As feições benfeitas
suavizaram-se por um instante. — Minha carruagem estará sem a insígnia.
Não precisa temer ser vista.
— Milord vai perder seu tempo. Eu não irei. O duque lançou-lhe um
sorriso tolerante.
— Acho que vai, sim.
Liz estudou o chão. Ele a conhecia bem demais. Alex deu-lhe um beijo
nas costas da mão e começou a se afastar.
— Estarei contando as horas.

Allegra Gray 41
À Sombra de um Escândalo

Capítulo II

Alex esfregou as têmporas e encarou a carta sobre a mesa. Na volta do


jardim, encontrara uma pilha de correspondências à sua espera. Seu
secretário havia sabiamente reunido todas e feito com que fossem entregues
na casa dos Grumsby, sabendo que seu patrão não era do tipo que deixava
os negócios para trás.
Por um momento, ele desejou que o assistente fosse menos eficiente,
já que não tinha qualquer desejo de ler aquela carta em particular.
Mesmo após sua morte, o barão Medford continuava a ser uma pedra
em seus sapatos.
Estava bem ciente de que o homem havia falecido ainda lhe devendo
uma quantia considerável, mas ficou um tanto surpreso ao ver que o
salafrário tinha mantido o controle sobre a dívida. Agora, o procurador de
Medford enviava uma carta explicando o status de seus bens após a morte.
E, resumindo a questão: não havia mais bens.
Alex rasgou a carta ao meio. Revoltante. Homens na situação de
Medford não tinham por que jogar. O infeliz destruíra uma respeitável
fortuna na mesa de apostas.
Tentar recuperar a quantia seria em vão. Àquele ponto, ficaria
contente em jamais ser lembrado de sua ligação com o barão.
A filha de Medford, por outro lado, era um assunto completamente
diferente. Liz o desconcertava. Quando ele lhe oferecera a posição de
amante, fizera isso, em parte, para ver como ela reagiria.
E ela o havia surpreendido.
Ele a tinha tomado por farsante, mas, afinal, atrás de que Liz estaria?
Em um minuto, derretia-se em seus braços. No seguinte, informava-lhe
preferir uma vida respeitável de quase penúria aos luxos que poderia
receber sob sua proteção. Por quê?
Aquela cascata de cabelos vermelhos deveria estar espalhada em seu
travesseiro, e não metida num chapéu de governanta.
Droga. Ele perdera horas de sono sonhando com aquele beijo.
Tinha, no entanto, feito à promessa de dissociar-se de qualquer novo
envolvimento com alguém que carregasse o nome Medford. E fora essa
aquela promessa que o fizera declinar da proposta de Liz, naquela manhã, no
Hyde Park.
Agora que a conhecia melhor, só podia lamentar sua decisão.

Allegra Gray 42
À Sombra de um Escândalo

Serviu-se de brandy. Pensando bem, o que seria mais uma promessa


quebrada em uma vida de pecados?
Começou a pensar que lorde Medford, de maneira bastante estranha,
talvez tivesse tramado algo quando tentara aproximá-lo de Liz.
Correu as mãos pelos cabelos. Devia estar louco se começava a confiar
no julgamento do velho barão.
Entornou o copo, saboreando o malte enquanto este lhe descia pela
garganta. E pensar que, em outros tempos, considerara Medford como um
amigo!
Aquilo, no entanto, fora antes que ele aprendesse sobre sua
verdadeira natureza. Tinham jogado, com ele presumindo que o barão
pudesse, mais cedo ou mais tarde, cobrir suas perdas.
A certa altura, ele, Alex, mencionara algo sobre o pagamento da
dívida, mas Medford protelara o assunto, o que lhe dera a sugestão de que
as coisas não eram como pareciam.
Finalmente, o homem se aproximara com desculpas e com uma
proposta tão vil que ele ainda tinha dificuldade para conceber.
Medford o encontrara no White's, naquela noite. Esperara até que
seus parceiros houvessem abandonado a mesa e que os criados estivessem
afastados.
— É algo difícil para um homem dizer — murmurara sem encontrar-
lhe os olhos —, mas, por ora, eu não posso cobrir essas dívidas. É um
momento ruim.
Alex balançou a cabeça ao se lembrar da cena. Sentira-se pesaroso
sobre o velho. Irritado, sim, mas também compassivo, imaginando que o
problema seria temporário.
— De quanto tempo precisa?
— Esse é o problema. Não posso dizer... Mas pensei que talvez
houvesse uma maneira de ficarmos quites.
— Estou ouvindo.
— Você pode tomar minha filha mais velha em casamento.
— Como?
— Pensei que, se juntássemos nossas famílias, minhas dívidas não
mais importariam. Liz é uma menina atraente.
— Sua ideia é uma aberração, Medford. — Ele rosnara por entre os
dentes. — Em primeiro lugar, os dias em que homens pagavam dívidas
usando mulheres se encerraram séculos atrás. E é essencialmente isso o que
você me propõe. Além do mais, em geral a coisa funciona ao contrário:
mulheres vêm com um dote, o que as torna mais atraentes para os homens.

Allegra Gray 43
À Sombra de um Escândalo

E ele não precisaria do dote de mulher alguma. Mas aquilo não


mudava o princípio por trás da ideia.
— Liz é especial! — insistira Medford, e ele detestara o desespero que
ouvira na voz do homem.
— Nem conheço a menina!
Não apenas não a conhecia, mas não tinha a intenção de se casar com
ninguém tão cedo.
— E isso importa em um casamento da cidade?
— Medford, você me enoja. Está tentando transformar suas perdas
em lucro. Apenas pense: você ficaria livre das dívidas, teria uma filha solteira
liberada de suas mãos, e, acima de tudo, teria uma aliança com uma das
famílias mais antigas da Inglaterra. Exatamente como você vê isso tudo como
uma maneira de, como você diz, "ficarmos quites"?
O barão torcera uma carta nas mãos e se mantivera em silêncio.
— Agora, se ela quiser sanar suas dívidas de outra maneira... — ele
falara com crueldade deliberada, desejando ver o homem, traiçoeiro como
era, revolver-se um tanto.
De qualquer modo, por mais familiarizado que estivesse com o
deboche, ele não tivera a intenção de arrastar uma menina inocente para
dentro do assunto.
— Escute aqui — respondera Medford, o rosto pálido. — Liz é uma
menina respeitável que precisa se casar. E Vossa Graça deve pensar em um
herdeiro.
Inacreditável o que o homem pensara ser capaz de conseguir. De
maneira alguma, ele teria se casado com uma mulher a quem jamais
houvesse visto.
— Isso não é assunto seu.
— Não. — admitira o barão. — Lamento.
Alex apertou os olhos ao se lembrar da cena. Sabia que algumas
famílias enxergavam suas filhas como uma garantia, graças à ascensão social
que estas conseguiam ao se casar. Ainda assim, revoltara-o ouvir aquele
homem dizendo aquilo em voz alta.
— Suponho que consideremos essa opção — insistira Medford. — Se
Liz a aceitar, e se conseguirmos fazer com que a mãe não saiba...
— Não! — ele dissera categórico. — Esqueça o que falei homem de
Deus. Isso seria vil demais. Apenas pague quando tiver recursos.
Em seguida, ele partira rapidamente, ansioso por não ver mais o barão
pela frente. O homem era um jogador, um tratante e, a julgar pelo que
estava prestes a aceitar, um cafetão.

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À Sombra de um Escândalo

O que mais irritava Alex era como havia julgado mal o pai de Liz. Ainda
mais ele, que sempre se orgulhara de sua habilidade para descobrir o caráter
das pessoas. Naquele caso, tinha errado de forma retumbante.
Jamais jogava com um homem incapaz de arcar com suas perdas.
Aquilo mantinha as coisas civilizadas. Mas o comportamento fácil do barão,
diferente das faces e olhares vazios dos outros desesperados, o havia
enganado a ponto de ele achar que não precisaria investigar mais fundo.
Ao menos até aquela última noite.
Depois disso, ele se transferira para um clube mais exclusivo, e tratara
de esquecer a dívida de Medford. Pacíficos oito meses tinham transcorrido
desde então, e, embora ele não houvesse sido pago nesse meio tempo,
acreditara-se livre do trapaceiro.
Até uma fatídica noite de outubro.
Jogou a carta do procurador na lixeira e se levantou, notando que o sol
pousava um tanto mais baixo no céu do que quando começara a ler a
correspondência. Cansado, esfregou a nuca.
Por que, de todas as famílias na Inglaterra, a bruxinha de cabelos
vermelhos tinha de ter saído daquela.
A carruagem à espera, no final da estrada, não era o veículo usual de
Alex, mas sim algo simples, negro e discreto. Como ele tinha prometido, não
havia nenhum brasão de seu ducado nos lados, e o condutor não usava nada
que o fizesse ser reconhecido.
Ela sorriu ao se aproximar. Mesmo que alguém a visse entrar no
coche, não saberia a quem este pertencia.
O condutor a ajudou a subir, depois fechou a porta.
Alex a assistiu entrar, sentindo-se bastante feliz por não ter sido
evitado. Aquilo, por si só, dizia-lhe tudo o que precisava saber.
Liz sentou-se à sua frente, e Alex pensou em remediar aquilo,
visualizando-a em seu colo.
— Estou feliz por ter vindo — cumprimentou-a, educado, em vez
disso. Ela podia ser uma foragida da nobreza, mas era ainda uma mulher de
berço.
O pensamento o fez pausar e se dar conta de que, se realmente se
importasse com aquele tipo de coisa, não a teria convidado para o passeio
em primeiro lugar.
E, se ela fosse rígida sobre tais papéis, não o teria aceitado.
— Foi gentil de sua parte me convidar, Vossa Graça.
A carruagem deu um pequeno tranco quando o condutor puxou as
rédeas. Alex o havia instruído para que seguisse em direção ao campo, sem

Allegra Gray 45
À Sombra de um Escândalo

qualquer destino, e o cocheiro, um criado bem treinado que sabia quem lhe
pagava o salário, não fizera qualquer pergunta.
— Como vão meus sobrinhos?
— Muito bem. São crianças adoráveis. Henry começou os estudos de
Matemática e está progredindo muito.
— Bom.
Mergulhou no silêncio. Liz fez o mesmo, ainda que a tensão parecesse
ocupar todo o espaço entre os dois.
Ela olhou para o lado de fora, mas, um instante após, Alex a flagrou
observando-o pelo canto dos olhos.
— É um ótimo dia para visitar os campos — ela murmurou, esticando
uma ruga inexistente no vestido.
Alex inclinou-se para frente e puxou as cortinas. Seus joelhos roçaram,
arrancando da moça uma breve exclamação.
— Acho a visão do interior da carruagem mais fascinante — ele
murmurou com voz rouca.
Para sua surpresa, Liz encontrou-lhe os olhos, enquanto respondia.
— Confesso que eu também estou enamorada pela visão daqui.
Era pouco mais do que um sussurro, mas ela não desviou o olhar.
Alex admirara sua ousadia e honestidade desde a primeira vez em que
haviam dançado, no baile dos Peasley. Agora, admirava ainda mais. Ela
estava evidentemente nervosa, mas não era nenhuma covarde. Sabia por
que estava ali, e ele a respeitava por isso.
— Está escuro aqui. Talvez, caso eu me sente mais perto, possa aliviar
seus olhos — provocou, enquanto se acomodava ao lado dela.
Pôde vê-la engolir em seco, mas não a deixaria escapar tão facilmente.
Em vez disso, curvou a cabeça, de modo a traçar uma linha de beijos pelo
pescoço alvo. Liz continuou muito ereta, ainda incerta sobre até onde
prosseguir no jogo íntimo que disputavam.
Traçou outra vez a linha do pescoço com os lábios, notando, com
prazer, que Liz inclinava a cabeça de leve, garantindo-lhe acesso total.
Lambeu-lhe o lóbulo da orelha e então mergulhou a língua para explorar
seus sensíveis recônditos.
As mãos delicadas se agarraram ao vestido e ele pôde ouvir um
mínimo som escapar-lhe do fundo da garganta.
Seus lábios começaram um trajeto que mirava o canto da boca rosada.
Liz virou o rosto e o encontrou na metade do caminho, arrancando-lhe um
gemido de pura satisfação enquanto capturava-lhe os lábios em um beijo
faminto.

Allegra Gray 46
À Sombra de um Escândalo

De súbito, Liz interrompeu o longo beijo e traçou outros, menores, ao


longo de sua mandíbula, assim como ele havia feito com ela antes. Alex
deixou a cabeça pender, tomando prazer na constatação de que ela queria
tocá-lo. Sentiu o corpo latejar de desejo, insatisfeito com os beijos inocentes
em seu queixo. Quando não pôde mais suportar a tortura, virou o rosto e
pleiteou-lhe os lábios mais uma vez, faminto, penetrando a boca totalmente,
a língua levando o beijo até novos níveis de intimidade, enquanto
empurrava-lhe as costas contra o encosto acolchoado da carruagem. Suas
mãos ávidas buscaram o corpete, moldando e abrigando os seios pequenos.
Alguém gemeu de desejo, mas ele não pôde concluir qual dos dois. Enlevado,
abandonou a boca macia para beijar os montes por cima do tecido, as mãos
trabalhando para liberá-la do que parecia uma quantidade interminável de
panos.
Liz o acariciava nos cabelos, nos ombros, encorajando-o e implorando
para que se apressasse, para que satisfizesse a necessidade que consumia a
ambos.
Quando ele quase havia realizado a tarefa, a carruagem deu um
grande tranco, rompendo-lhes o abraço e atirando a ambos ao chão.
O veículo inclinou-se precariamente para um lado, e Liz arregalou os
olhos, alarmada. Ambos se protegeram, mas, com uma sacudida final, a
carruagem endireitou-se e parou, estagnando em um ângulo desconfortável.
Alex largou o encosto do banco e soltou o ar. Segurou o trinco e abriu
a porta.
— Maldito vira-latas! — praguejou o condutor.
— O cão correu para baixo das rodas?
— Mil perdões, Vossa Graça. Os cavalos deram de lado para evitar a
criatura e nos levaram a um sulco na estrada. Culpa minha. Eu devia estar
mais atento.
Alex examinou a roda quebrada e suspirou quando Liz parou a seu
lado, ainda corada e lânguida por conta de seus beijos.
— Que tal um passeio a pé? — perguntou pesaroso.
Marian Grumsby estava feliz porque o irmão estendera sua visita. Ele
tinha alegado apreciar o ar livre, a paz da vida no campo, e ela o recebera
para que ficasse por quanto tempo quisesse.
Mas não era tola. Alex jamais permanecia fora da cidade por muito
tempo, e existiam poucas distrações para ele por ali.
Por outro lado, Alex já não era o mesmo havia oito meses. O constante
fluxo de mexericos sobre seu comportamento tinha cessado. Marian não
sabia ser aquilo motivo para preocupação ou alegria.

Allegra Gray 47
À Sombra de um Escândalo

— Decidi retornar a Londres amanhã. Marian pousou a taça de vinho.


— Então finalmente o entediamos?
— É claro que não. Mas andei negligenciando meus negócios e
propriedades por tempo demais.
— Mal se passaram duas semanas... É certo que suas mansões ainda
não estão desmoronando.
Alex sorriu de volta, mas o sorriso não lhe chegou aos olhos. O que a
fez pensar, e não pela primeira vez, se o irmão alguma vez conhecera a
verdadeira felicidade.
— Ao menos, me prometa que não vai demorar tanto até sua próxima
visita.
— Tem minha palavra. Henry e Clara são encantadores, e tenho a
intenção de montar o cavalo de Brian de novo, uma vez que esteja mais bem
treinado.
Liz estava confusa. Havia estado absolutamente certa de que, depois
do abortado passeio de carruagem, Alex redobraria seus esforços para
seduzi-la, mas, em vez disso, ele tinha desaparecido.
Dizer a si mesma que era melhor assim não adiantava. Estivera à beira
da completa rendição, apenas para acordar na segunda-feira e descobrir que
o duque tinha partido.
Assim, ela passara a manhã dando aulas para Henry e Clara, mas
entregara as crianças à outra criada de bom grado na hora do almoço. Agora
caminhava pelo pequeno quarto, imaginando o que saíra errado.
Devia estar aliviada pela partida de Alex. Cada momento a sós ao lado
do duque era uma ameaça à sua reputação.
Seu coração, no entanto, recusava-se a ouvir a lógica.
Após o que tinha ocorrido na carruagem, por que ele não havia ficado
para concluir a sedução?
Corou, cheia de culpa. Verdade que tinha sonhado com o duque por
anos, mas, recentemente, seus sonhos tinham tomado um rumo perverso:
queria muito saber como seria se deitar-se com um homem. Beatrice lhe
descrevera o ato, mas não podia imaginar como os beijos que ela e Alex
tinham trocado poderiam levar até o processo doloroso e impessoal que a
amiga suportara. Agora, talvez, jamais descobrisse.
Alex havia partido sem nem mesmo se despedir dela. Significaria tão
pouco para ele? Seria Alex realmente como diziam? Um desavergonhado
sedutor de mulheres?
Por sorte, na terça-feira, ela recebeu uma carta que lhe desviou o
pensamento do sensual, porém imprevisível duque. A escrita familiar no

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À Sombra de um Escândalo

envelope trouxe-lhe um sorriso ao rosto, que sumiu, entretanto, enquanto


ela lia o conteúdo da missiva de Charity.

Querida Liz,

Não é a mesma coisa sem você em casa. Mamãe não fala com
ninguém, exceto, talvez, com nosso tio; e apenas quando ele termina seus
sermões sobre bons comportamentos. Eles suspeitam de que sei onde você
está, mas eu não disse uma só palavra, o que apenas aumenta sua ira. Não
que eu a culpe por ter partido. Lady Pullington disse-me para onde escrever,
e estou muito feliz que tenha encontrado um emprego.
E a despeito de tudo, estou bem. Exceto pela coisa mais cons-
trangedora. Esta manhã estava eu retornando do parque com Mary Sutherby
e a mãe dela. Subíamos os degraus quando um mensageiro parou diante da
casa. Eu disse que levaria a mensagem, poupando-o do trabalho de entregá-
la formalmente, e é claro, você sabe o quanto sou curiosa... Eu não poderia
apenas entregá-la à mamãe, embora estivesse endereçada a, lady Medford.
Depois que Mary partiu, lancei mão daquele truque que você me ensinou:
usar o vapor para afrouxar o selo.
No fim, a carta era de mais um dos cobradores de papai.
Você se lembra de um broche que papai lhe deu quando você fez
quinze anos? Sinto-me péssima ao dizer isso, mas a loja onde ele o comprou
vendeu a joia a crédito. E ele nunca pagou por ela. A carta diz que esperaram
respeitosamente enquanto a família saía do luto, mas que agora precisam
pedir o pagamento.
O que podemos fazer? E claro que não podemos cobrir essa dívida.
Você ainda tem o broche? Acha que a loja o aceitaria de volta?
Lamento tanto pedir isso a você, Liz, mas não tenho aqui nenhuma outra
coisa de valor para usar como pagamento. Por favor, avise-me assim que
puder.
Cuide-se, minha irmã. Vou arrumar um modo de visitá-la.
Da irmã que a ama,
Charity.

Liz leu a carta duas vezes, dobrou-a com cuidado e a guardou no


pequeno baú. Vasculhou o fundo da arca, extraindo uma bolsinha de veludo.
Sentou-se e entornou o conteúdo sobre as mãos.
O broche piscou para ela, uma peça de pequenas e delicadas
esmeraldas. Para combinar com seus olhos, o pai havia dito. Ficara tão

Allegra Gray 49
À Sombra de um Escândalo

orgulhosa quando o recebera de presente! Minha pequena menina já


crescida, dissera o pai.
Sentiu a garganta se apertar. Por pior que houvesse sido, o pai gostava
dela. Ela se recusava a pensar de outra forma.
Agora sabia que ele não devia tê-la presenteado com tais coisas, claro.
Mas, talvez ele realmente pretendesse pagar por aquele broche algum dia.
Ainda assim, mais de um ano havia se passado entre a compra e a
morte do barão, o que significava que os fundos de lorde Medford andavam
em baixa desde muito antes que alguém soubesse. E ela fora criada para
acreditar que tomar sem pagar era roubo.
Céus! Doía-lhe pensar no pai como um trapaceiro..
Guardou a joia dentro da bolsinha, notando o nome da loja bordado
em trama dourada sobre o veludo: Gertman's.
Não havia maneira de o salário de governanta permitir joias como
aquelas. Por mais que doesse, precisava rezar para que a loja aceitasse o
broche em vez do pagamento.
Levantou-se para apanhar papel. Escreveu um recado ao joalheiro,
requisitando um encontro, e outro a Charity, avisando que a irmã não se
preocupasse.
— Milord vai querer mais alguma coisa? Temos uma sala de jantar
particular, se preferir.
— Não, obrigado. — Alex balançou a cabeça impacientemente. Não
pretendia parar no White Hart. Estava a caminho de uma visita surpresa à
irmã, bem ciente de que era domingo e que Liz teria a tarde livre.
Ao passar pela estalagem, contudo, tinha visto ninguém menos do que
a própria Liz Medford, bela como sempre, caminhando em direção à
entrada.
Curioso, seguira-a até o lado de dentro, certo de que não fora visto.
Ela analisara o recinto. Um homem desconhecido, de cabelos ralos e
usando pequenos óculos de grau levantara-se para recebê-la. Liz havia
tomado uma cadeira, tensa.
As entranhas de Alex se revolveram quando ele se aproximou.
Liz ergueu a cabeça e seus olhos cintilaram de surpresa. Ou seria
medo?
— O que está fazendo aqui?
— Estava prestes a perguntar o mesmo.
Ela endireitou os ombros.
— Não é da sua conta, Vossa Graça.
— Tudo seu é da minha conta.

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À Sombra de um Escândalo

— Nisso, teremos de discordar. — Ela lançou um olhar nervoso ao


homem. — Vossa Graça; tenho assuntos a tratar. Posso pedir que me
aguardasse em outro lugar?
— Sem dúvida. Acho que vou jantar. Estou faminto.
Dito isso, ele tomou um assento a três mesas de distância. Uma ova
que partiria antes de descobrir o que Liz estava tramando.
Pediu um guisado, no qual não tinha qualquer interesse, e continuou a
observá-la enquanto o taberneiro se movimentava a seu redor, ansioso por
agradar.
O taberneiro finalmente se afastou para atender outros clientes. Alex
mirou a própria caneca, repensando a atitude de perseguir a deleitável Srta.
Medford. Moveu a cadeira de leve, tentando obter melhor visão do homem
diante de Liz.
Foi então que a viu tirar um pequeno saco de veludo da bolsa e exibir
seu conteúdo para o sujeito. Suas vozes eram baixas demais para que as
ouvisse. E isso, sem dúvida, por causa de sua presença. Mas era claro que
negociavam.
O homem apanhou uma grossa lente e pôs o broche por baixo.
Liz estava vendendo uma joia, concluiu, e sentiu uma ponta de
compaixão.
Isso até se dar conta de que ela preferia vender suas posses a se
tornar sua amante. E que estava até arriscando um encontro clandestino
com um estranho, em um lugar público, a fim de fazê-lo.
— Impossível! — exclamou Liz.
Alex apertou os olhos. O homem diante dela deu de ombros, como se
pedindo desculpas.
— Estou dizendo a verdade, Srta. Medford. — Alex pôde ouvir a
conversa claramente agora. — Se a senhorita conhecer o paradeiro do
verdadeiro broche, minha loja o aceitará de volta. Mas não é este aqui. —
Devolveu-lhe a peça.
O rosto de Liz se tingiu de vermelho, e ela fechou a mão em volta da
joia. Ela não estava ali para vender joias, mas sim para devolver uma!
— Não pode ser — Liz gemeu, arrasada. Então escondeu o rosto nas
mãos. — Tem de ser verdadeiro... Foi um presente!
Vê-la naquele estado pareceu tocar o sujeito.
Num impulso, Alex se levantou e aproximou-se da mesa.
— Posso ser de serventia aqui? — perguntou, decidido.

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À Sombra de um Escândalo

Liz sacudiu a cabeça, sem nem mesmo erguer o rosto das mãos. Então,
parecendo lembrar-se dos bons modos, olhou para cima e levantou-se,
fazendo uma reverência.
— Perdoe-me, Vossa Graça, eu...
— Qual a causa desse seu desespero? Ela passou os dedos trêmulos
pelos olhos.
— Uma questão pessoal.
O representante da loja se levantara também, mas permanecera em
silêncio.
— Se o motivo de sua angústia é a adorável joia que examinavam, o
assunto está resolvido, - Alex declarou.
— Mas...
— Já que, aparentemente, o comerciante não deseja a devolução da
peça, posso torná-la um presente para a senhorita. — Lançou um olhar
significativo na direção ao joalheiro, que manteve a expressão neutra
enquanto informava o preço do broche original, embora ambos soubessem
que aquele, na mão de Liz, não passava mesmo de vidro. — Envie a conta ao
meu secretário, por gentileza. — Entregou ao sujeito um cartão, junto a uma
nota de vinte libras. — Para o senhor. Não quero qualquer menção ao meu
envolvimento neste episódio, tampouco ao seu encontro com esta jovem
donzela, sim?
— É claro, Vossa Graça.
— Então creio estarmos conversados.
— Sem dúvida. Obrigado. — O vendedor curvou-se e partiu agilmente,
na certa pensando em como gastaria a generosa quantia que acabara de
ganhar.
Alex virou-se para Liz, cujas faces exibiam dois círculos rosados
enquanto ela se mantinha com os olhos fixos na mesa.
— Estou tão envergonhada — sussurrou com voz trêmula.
— Que motivos têm para isso?
— O broche não é verdadeiro. Jamais pensei... Meu pai o deu a mim!
Era tão especial... E ele deve ter vendido o verdadeiro e o substituído por
este que não passa de metal e vidro.
Alex se condoeu outra vez.
— Não é culpa sua.
Enfim, Liz encontrou-lhe os olhos.
— Obrigada pelo que fez. Vossa Graça me salvou de uma situação
desesperadora. Não posso compensá-lo agora, como deve saber. Mas
prometo que vou economizar meu salário e...

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À Sombra de um Escândalo

— Shhh. — Alex pôs um dedo sobre os lábios rosados. — Você não me


deve nada.
— Mas...
— Liz, você me atormenta. Nas últimas duas semanas; pensei em
muito pouco além de você. — Ele manteve o tom galante, ainda que as
palavras carregassem mais verdade do que estava pronto a admitir.
Acariciou-lhe os braços e tomou-lhe as mãos, notando que o taberneiro se
encontrava distraído, nos fundos da casa. Então se inclinou para um beijo
rápido.
Mas um movimento próximo à porta o distraiu. Um homem se
encontrava na soleira, o rosto virado de perfil, parecendo dar uma última
palavra ao rapaz do estábulo antes de adentrar o recinto.
Alguém que Alex esperava jamais ver de novo. Que diabo ele estaria
fazendo ali?
Sentiu a testa minar suor e as entranhas se revolvendo. O traje de
camponês que o sujeito vestia era diferente do de criado que usara quando
Alex o vira pela última vez.
Mas o rosto era inesquecível.
Fuston. O antigo cocheiro dos Medford. O homem que conduzia o
barão na noite de seu acidente.
Era fundamental, deu-se conta, que Liz não o visse. Se ela o visse, iria
reconhecê-lo e poderia fazer perguntas sobre o pai.
Perguntas que ele preferia manter em silêncio.
Sem pensar duas vezes, agarrou Liz e cobriu-lhe os lábios com um
beijo tão impetuoso que quase a fez cair para trás. Segurou-a com força,
movendo-se de costas e puxando-a consigo.
Alex ignorou-lhe os tímidos protestos e continuou a puxá-la consigo
em direção aos fundos da taverna, jamais interrompendo o beijo. Passaram
pelo taberneiro surpreso, mas bastou um rápido e disfarçado olhar para que
este apontasse uma porta aberta.
Ele procurou pela maçaneta atrás dele, a língua explorando, selvagem,
a de Liz, enquanto manobrava a ambos para dentro do recinto reservado.
— Inferno! — exclamou, tão logo conseguiu fechar a porta. Liz
arregalou os olhos, confusa.
— Perdoe-me — Alex murmurou, inspirando pesadamente, embora
surpreso com a intensidade da reação de seu corpo diante de um beijo que
não podia ter durado mais do que trinta segundos.
Ela sorriu trêmula
— Fico honrada, milord, que tenha sentido tanto a minha falta.

Allegra Gray 53
À Sombra de um Escândalo

— Você não faz ideia — ele sussurrou, suavizando o abraço. Eu


simplesmente não estava disposto a deixá-la ir.
Embora aquilo não fosse mentira, Liz não podia saber do outro motivo
que o fizera adotar atitude tão impetuosa.
De qualquer forma, havia poucas chances de que Fuston os tivesse
olhado o suficiente para reconhecê-los. E ainda menos chance de que os
seguisse.
O que significava que agora só precisariam passar o tempo até que o
sujeito partisse e ele e Liz pudessem sair dali.
Vendo-se ainda presa ao corpo forte, ela sucumbiu à paixão e passou a
contemplá-lo com pequenos beijos ao longo do queixo. Tímida, deslizou as
mãos para dentro da casaca, seu calor ultrapassando o tecido da camisa.
O desejo o consumiu. Curvou a cabeça e encontrou os lábios carnudos
com ânsia. Liz se deixou beijar sorrindo, e Alex acabou fazendo o mesmo,
puxando-a mais contra si. Ela era tão quente e macia... Por mais de duas
semanas ele havia pensado em pouco mais além do que aquilo.
Sentiu o corpo enrijecer com a necessidade de torná-la sua. O sorriso
de Liz evaporou, e seus olhos se arregalaram para fitá-lo diante da volumosa
evidência.
— Ah, Liz — ele murmurou aflito. — Você deveria me pedir para parar.
— Com pesar, afastou-a de si.
Ela piscou o fôlego arfante, o corpo inundado com a necessidade de
tocar e ser tocada. A maior parte de sua vida tinha sido ditada pelo que ela
devia fazer, e aquilo jamais a deixara feliz.
Encarou-o. Os olhos do homem prometiam um calor indizível.
Mas continuar por aquele caminho seria sua ruína.
Por outro lado, ela já era uma excluída... Não podia suportar a ideia de
afastar-se do único homem que a fazia sentir-se bela, desejável.
— Não posso pedir que parasse. — decidiu com voz rouca. — Não
quero que pare.
Alex respirou pesado. Vinha segurando o fôlego, Liz notou com uma
ponta de orgulho. Ele a desejava tanto quanto ela a ele.
Deu um passo para perto, ousada, e ele ergueu a mão.
— Liz...
Ela corou, mas fitou-o, faminta por mais um beijo.
Alex estreitou os olhos escuros, cheio de paixão, e, devagar, correu um
dedo por seu pescoço e colo. O toque era delicado em contraste com a
intensidade de sua expressão.

Allegra Gray 54
À Sombra de um Escândalo

Um arrepio desceu-lhe pela espinha. Era um jogo de sedução,


percebeu. Ela não conhecia as regras, mas queria jogar.
Seus lábios se encontraram outra vez para um beijo leve, e Liz
abandonou os pensamentos, contente em saborear o gosto de Alex, em
sentir sua língua explorando e acariciando-lhe o céu da boca.
Ele a tocou num seio, e Liz, dominada pelo prazer, afastou o tecido
que lhe separava a pele do toque.
Alex foi além. Buscou os cabelos fartos, mantendo-a cativa, enquanto
a outra mão desfazia os laços e fechos do corpete com destreza. Liz o
envolveu pelo pelas costas, puxando-o para perto, atrapalhando-o em sua
ânsia por mais carícias.
Alisou a amplidão dos ombros fortes, perdida em pecaminosos
devaneios diante das coisas deliciosas que Alex fazia com ela. Seus quadris se
encaixavam com perfeição e, ousada, ela roçou o corpo ao dele.
— Liz — gemeu Alex. Ela parou assustada.
— Não gosta?
— Ao contrário, querida. Gosto demais! Se continuar com isso, vamos
acabar fazendo algo bem diferente do que eu tinha em mente.
Aquilo a fez pensar... O que ele tinha em mente?
Mas não houve tempo para ponderar mais. O corpete havia cedido
sob os puxões de Alex, e ele curvara a cabeça para deixar uma trilha de
beijos por seu pescoço, colo, e por fim ao longo dos seios. Beijou-a ali e,
como ela não se afastasse muito pelo contrário, sugou-a com volúpia.
O prazer a golpeou, fazendo-a pender a cabeça para trás enquanto
seus joelhos ameaçavam ceder. Alex a arrastou até uma das cadeiras e a fez
sentar-se antes de continuar o trabalho.
O desejo a percorria por inteiro, centrando-se abaixo do ventre. Alex
agarrou a barra do vestido e a puxou para cima, até pousar as mãos nas
coxas nuas.
— Confie em mim — sussurrou, enquanto seus dedos travavam
contato com o centro de sua feminilidade.
Liz resistiu à urgência de fechar as pernas e foi recompensada por um
toque que intensificou seu prazer ainda mais. Com um gemido, pressionou
os quadris contra a mão quente, querendo mais.
Alex riu baixinho e baixou a cabeça dos seios até seu sexo.
— Alex, não... — Ela engasgou por um momento, então silenciou ao
sentir que os lábios dele assumiam o trabalho de seus dedos. Gemeu,
deliciada, a cabeça tombando para trás. Iria morrer se o homem continuasse
com aquilo!

Allegra Gray 55
À Sombra de um Escândalo

Mas não seria uma maneira ruim de partir, decidiu as mãos


mergulhadas nos cabelos fartos de Alex, a fim de mantê-lo no lugar.
De repente, foi como se ela se despedaçasse em uma torrente de
sensações, o corpo se contorcendo. Ele a puxou ainda mais para si, e Liz
quase desfaleceu de prazer.
Voltou a Terra devagar, e se deu conta de que todas as atenções de
Alex tinham estado sobre ela. Não era inocente a ponto de crer que o que
tinham feito o deixara feliz. Na verdade, aquilo deveria ter sido tudo o que
ela não gostaria de viver, dadas as descrições sussurradas de relações
conjugais que ouvira.
E Alex certamente não havia experimentado as mesmas sensações,
tampouco o mesmo alívio que ela.
E, Deus, ela queria que ele sentisse!
Trêmula, estendeu o braço para tocar a ereção por cima das calças.
Alex prendeu o ar e fechou os olhos por um instante para depois se
concentrar na tentação que tinha diante de si. Liz estava linda após ter
sentido prazer. As faces irradiavam cor e o lábio inferior continuava úmido e
inchado após seus beijos. Tinha o vestido baixado até a cintura e as saias em
desarranjo.
E era perfeita.
Ela o tocou, tímida, a princípio. Acariciou-o, como ele havia feito então
se atrapalhou com o fecho das calças.
Alex ofegou. Ele não tinha planejado aquilo, mas, se ela não parasse!
A paixão apossou-se dele quando Liz fechou a mão em torno de seu
membro. Gemeu de prazer. Para o diabo com a razão! Precisava estar dentro
dela... Agora!
Já sabia o quanto ela estava pronta para ele. Afoito, ergueu-a e a pôs
sobre a mesa, separou-lhe as pernas e a fez enlaçá-lo com elas após baixar as
calças.
— Alex, eu... — Liz sussurrava num misto de medo e ansiedade.
Santo Deus... O sangue o aquecia até as orelhas, abafando o restante
do pedido. Mas não importava. Sabia o que queria o que ambos desejavam.
Beijou-a em cheio na boca, posicionando-se à entrada. Precisava ir
devagar, mas ela aproximou os quadris por instinto, e ele não pôde mais
esperar.
Subindo mais as saias atabalhoadamente, ele a invadiu centímetro por
torturante centímetro.

Allegra Gray 56
À Sombra de um Escândalo

Mas, Deus, ela estava tão apertada! Seu corpo tremia com o desejo de
mergulhar fundo e investir seguidas vezes até tombar, exausto, mas não
podia machucá-la.
Respirando fundo ele a puxou de cima da mesa para deitá-la no chão e
se colocou por cima.
— Lamento — sussurrou, e investiu, penetrando-a por inteiro.
Liz sugou o ar, desta vez de dor, e então se fez rígida. Alex se obrigou a
fazer o mesmo.
— É sempre assim na primeira vez, eu sinto muito.
Ela tomou outro fôlego e sorriu, depois começou a ondular sob ele,
fazendo pequenos, incertos e desejosos movimentos.
Ele seguiu a deixa e a penetrou mais um tanto, fazendo-a ofegar.
Então se retirou devagar e a penetrou mais uma vez, e mais outra,
acelerando o ritmo e notando, com prazer, que Liz acompanhava-lhe os
movimentos. Agarrou-a pelos quadris com mais força quando sentiu o corpo
clamar por alívio. As costas dela se arquearam involuntariamente.
— Alex... — ela chamou, enlevada. — Eu preciso...
Ele sabia! Precisava da mesma coisa. Estavam muito perto, muito
perto... Aumentou o ritmo e pousou o polegar sobre a feminilidade
intumescida.
Liz sucumbiu a uma torrente de tremores, ao mesmo tempo em que
ele encontrava o próprio alívio. Algo tão poderoso que lhe roubou o fôlego...
E ameaçou todas as crenças que sempre tivera sobre o ato.
Demorou até que retomasse a consciência sobre os arredores. Ele e Liz
se encontravam deitados no chão: dificilmente uma posição digna de um
duque e de uma menina bem-criada...
Ainda que não sentisse qualquer remorso pelo que haviam feito, não
conseguia atinar como tinham chegado ali.
Maldição. Liz merecia tão mais!
Bem devagar, desvencilhou-se e se levantou, ajudando-a a fazer o
mesmo. Os lábios dela ainda estavam inchados, os olhos repletos de desejo
saciado e conhecimento recém-adquirido.
Deus, o que havia feito? Mesmo uma cortesã esperaria tratamento
melhor. Liz na certa não era uma moça de taverna, acostumada a encontros
rápidos no vão da esquina. Até ali, era uma inocente.
Ele correu as mãos pelo rosto, mortificado.
— Liz, eu lamento tanto. Não sei o que se apossou de mim — disse
pesaroso.

Allegra Gray 57
À Sombra de um Escândalo

Ela o fitou de volta, incerta sobre como reagir. Alex estaria


arrependido do que tinham feito? Talvez ela o houvesse decepcionado.
Não pôde suportar a ideia. Ele tinha anos de experiência com sexo,
enquanto ela era uma virgem. Mas queria tanto agradá-lo!
— Por favor, não se desculpe — implorou, tocando-o no queixo. — Eu
posso aprender. Vou melhorar.
Alex franziu o cenho.
— Jesus, não foi isso o que eu quis dizer.
— Então o quê? Diga, para que eu possa agradá-lo.
— Ah, Liz... — Uma risada irrompeu de dentro dele. — Você me
agrada mais do que deveria. Eu quis dizer que lamento por minha falta de
controle, por agir como um bruto, só isso.
Um novo prazer a inundou diante da ideia de tê-lo afetado tão
fortemente.
— Milord perdeu o controle? — Os olhos dela cintilaram. Alex pôde
notar o tom provocativo e soltou uma risadinha seca, reticente.
— Não pressione um homem além do que deve moça. Pretendo ainda
lhe demonstrar minhas habilidades em outro local.
Ela prendeu a respiração, certa do que aquilo queria dizer, e sentiu o
corpo reagir, quente, diante da sugestão. Alex esboçou um sorriso de lobo.
— Melhor ajeitar os cabelos antes que saiamos daqui. — Estendeu-lhe
um grampo que apanhou no chão.
As faces de Liz se aqueceram enquanto tentava, sem um espelho,
reorganizar as lindas madeixas avermelhadas. Alex lhe foi de alguma ajuda
ao reatar, sorrindo, os cordões do corpete.
Por fim, quando tinham se recomposto o melhor que podiam, ele
abriu a porta, espiou então lhe tomou o braço.
— Sorria querida. Como se nada tivesse acontecido... Seguindo o
próprio conselho, caminhou ao lado dela, enquanto dizia a si mesmo que a
situação não estivera assim, tão evidente.
Mas, ah, Senhor, e se tivessem sido vistos?
As amplas ramificações daquele ato golpearam Liz com a força de um
navio a vapor. Seu coração palpitou como se tentasse escapar-lhe ao peito.
Encontraram o taberneiro a um canto do salão. Felizmente, ele era a
única pessoa ali.
Alex o segurou pelo punho sem rodeios e sussurrou:
— Se dá valor ao seu estabelecimento, vai esquecer que estivemos
aqui... Fui claro?

Allegra Gray 58
À Sombra de um Escândalo

O homem concordou depressa, esfregando as marcas dos dedos que o


duque lhe deixara no braço com uma careta.
— Bastante claro, Vossa Graça.
O duque saiu à frente, pedindo que seu cavalo fosse aprontado.
— Ficarei feliz em acompanhá-la de volta à casa de minha irmã. Eu
estava a caminho de lá quando passei pela taverna e a vi entrar.
— Mas você tem apenas um cavalo?
— Ele aguenta duas pessoas.
— Vamos ser vistos partindo juntos. Alex negou com um gesto de
cabeça.
— Não há ninguém hospedado aqui; e o velho valoriza demais o seu
negócio para que saia por aí falando. Além do mais, há uma trilha que leva à
floresta e vai dar na casa de Marian.
Liz negou com veemência. Montar um cavalo, pressionada contra ele...
Melhor não.
Partiu a pé enquanto Alex dava de ombros e montava o garanhão com
um suspiro.
Não estava pronta para discutir o que acontecera, ou o que aquilo
traria para o seu futuro.
Na taverna, Jim Cutter sentou-se e pediu cerveja. Aquilo o lembrava
de suas raízes humildes. Permitia-se isso apenas em dias assim, quando sabia
que nenhum de seus conhecidos londrinos o observaria. O White Hart era
longe o bastante da cidade para ser seguro.
E, pelo visto, não era único a pensar assim. O duque de Beaufort não o
reconheceria, mas ele na certa havia reconhecido o duque. Mal chegara, ele
o tinha visto em companhia da moça. Sabiamente, pusera-se fora de vista, e
então esperara até que tivessem partido antes de adentrar o recinto.
Interessante. Seria de pouca serventia pressionar o taberneiro por
detalhes. Qualquer homem de negócios que valesse as próprias calças sabia
manter seus segredos.
Mas ele não precisava de explicação. A menos que estivesse
enganado, aquela era a moça que Wetherby julgava estar desaparecida.
Não que pudesse culpar qualquer mulher por evitar Wetherby. O
homem era um porco.
Baseado no que aprendera de Wetherby sobre os Medford, e
adicionando isso à conversa que tinha ouvido entre o duque e seus parceiros
de carteado no White's, algumas semanas antes, não acreditava que a
adorável donzela estivesse meramente evitando seu amigo.

Allegra Gray 59
À Sombra de um Escândalo

Liz tinha todos os motivos do mundo para odiar o duque de Beaufort.


Se tivesse algum juízo, ela o faria. Ele havia tirado sua virgindade na taverna
como se ela fosse uma vadia, então tinha desaparecido novamente. Quando
ela acordara, no domingo, ele já tinha partido para Londres.
Ela precisava odiá-lo, mas não conseguia. Mantinha-se lembrando da
maneira galante com que Alex pagara pelo broche de seu pai, do modo como
insistira em acompanhá-la de volta para casa.
Mas nada daquilo se comparava ao que sentira com aquelas carícias
tão íntimas. Ter tomado conhecimento delas a mantinha desperta à noite,
fazendo um calor surgir em pontos que não ousava tocar.
Suspirou, perguntando-se quando o veria outra vez. Aquela podia não
ser a vida que havia imaginado para si, mas estava quase feliz.
Afinal de contas, não esperava que Alex ficasse levantando suspeitas
na casa. Todos ali sabiam que o duque era uma visita rara, na melhor das
hipóteses.
Mesmo assim, teria sido tão melhor se ele houvesse deixado ao menos
um bilhete!
Na manhã de terça, no entanto, Alex o fez.
A carta chegou como de costume e, tão logo ela deixou Henry e Clara
para o almoço, correu para o quarto. O cômodo não era luxuoso, mas
acolhedor o suficiente, e pago com seu próprio esforço, lembrou a si mesma,
orgulhosa. A luz filtrava pela pequena janela, fazendo com que os pontos de
poeira dançassem pelo ar. Enfiada por baixo do travesseiro, a carta a
esperava.
Liz a abriu com dedos trêmulos. O envelope estava em branco, mas,
por dentro, a caligrafia espaçosa do duque preenchia o papel.
Querida Liz,
Espero que esta carta a encontre bem. Você povoa meus pensamentos,
e estou ansioso por vê-la novamente. Pensei em lhe enviar flores e joias,
apenas uma pequena medida de minha afeição, mas receio que os presentes
não passariam despercebidos pela criadagem de minha irmã. Sua posição aí
é complicada, pois encontro-me querendo mais de você do que Marian
poderia suportar.
Ainda assim, não vou pressioná-la com este assunto por ora. Espero
que não tenha planos para sua próxima tarde de folga, pois enviarei uma
carruagem que a traga até mim.
Por favor, perdoe-me a presunção, mas estou ansioso por vê-la.
Alex

Allegra Gray 60
À Sombra de um Escândalo

Liz apertou a carta contra os seios, cheia de ansiedade. Ele realmente


queria vê-la!
Deu um giro pelo quarto e abriu a carta para olhá-la mais uma vez.
Perdoe-me a presunção.
Céus! O homem era um duque, um dos mais cobiçados da Inglaterra. A
presunção e a expectativa do perdão eram algo secundário. Ele devia saber
que ela subiria em qualquer carruagem que enviasse.
Ela já não se ocupava mais de enganar a si mesma. Não poderia resistir
à tentação de outra tarde nos braços de Alex. Muito menos agora, quando
sabia o que esperar...
Devagar, ela dobrou a missiva e a enfiou no fundo da mala que
trouxera consigo da casa de Beatrice. As crianças dos Grumsby eram
adoráveis. Mas seria aquilo, cuidar dos filhos dos outros, o que o futuro lhe
reservava?
Deitou-se sobre a cama estreita e alongou os ombros algumas vezes.
Caçar Henry e Clara pelos jardins a deixava exausta. As lições sobre a
natureza eram as favoritas dos dois, ainda mais porque, uma vez coberto o
conteúdo pretendido, ela normalmente cedia aos apelos por uma
brincadeira de pega-pega ou de esconde-esconde. Não tinha do que
reclamar, no entanto; eles eram crianças doces, apesar de muito ativas.
Bem como imaginava seus próprios filhos.
A solidão a feriu, de modo que fechou os olhos. Sempre sonhara
possuir uma família. Aquilo não parecia prestes a acontecer, mas ao menos
tinha a companhia alegre de Henry e Clara. Passava mais tempo com eles,
como governanta, do que a maioria das mulheres da cidade fazia com seus
pequenos.
Não era o mesmo, claro, e aquilo jamais apagaria sua vontade de ser
mãe, mas já era alguma coisa. E uma coisa boa.
Ajeitou a cabeça sobre o travesseiro, sem querer pensar sobre sua
vida. Poderia ser pior, disse a si mesma. Muito pior. Àquela altura, ela
poderia estar casada com Harold.
Em três dias, veria o duque novamente. Um só instante nos braços de
Alex apagaria suas preocupações.
Sim, disse a si mesma outra vez. A vida era boa.
Três domingos se passaram e, em cada um deles, Liz encontrou Alex
por breves horas.
E aprendeu que, apesar do charme, o homem era deveras distante.

Allegra Gray 61
À Sombra de um Escândalo

Mesmo assim, não queria nada além de estar com ele nesses
momentos. Alex gostava dela, disso estava certa. Mas havia mais nele do que
jamais imaginara, e cada momento a seu lado a fazia querer saber mais.
E, Deus, como sentia falta de seu toque!
Alex lhe havia dito que achava seu espírito alegre refrescante, de
modo que, quando chegou o domingo, não hesitou em vestir o traje mais
leve que trouxera consigo: um vestido de musselina verde que, segundo Bea,
trazia-lhe luz aos olhos. Não era moderno, mas, quando amarrou os cabelos
no alto da cabeça com uma fita, considerou o efeito bastante agradável.
A carruagem sem insígnia esperava à margem da propriedade como de
costume. Ela gostava de tal precaução, ainda que se preocupasse que
alguém, eventualmente, percebesse um padrão em suas saídas e começasse
a fazer perguntas.
Naquele dia, o coche a levou à cabana de caça do primo de Alex. A
casa era confortável, mas nem o primo ou a criadagem se encontravam ali.
Era o local perfeito para um encontro.
E que encontro. No momento em que o coche se afastou, os lábios de
Alex encontraram os dela, as mãos buscando os laços e os fechos das roupas,
enquanto ele batia a porta atrás deles. Seus cabelos cuidadosamente
arrumados soltaram-se em questão de segundos e a fita se desfez vítima da
paixão.
Liz o puxou para perto, buscando-lhe o toque, a sensação da pele.
Seria seu desejo insaciável? Parecia que estavam separados havia eras, e não
apenas uma semana.
Subiram as escadas, tropeçando, rindo, beijando-se e deixando as
roupas pelo caminho.
Liz respirou fundo ante a urgência que sentia por Alex. Era uma
intensidade que ela não compreendia.
Quando ele deslizou para dentro dela, todavia, todas as dúvidas
cessaram. Deus, aquilo era muito bom!
Aquilo, ele, era o que lhe faltava e valia todo e qualquer risco.
No entanto, quando já tinham se amado não por uma, mas por duas
vezes, e deitavam-se enrascados nos braços um do outro, o estranho silêncio
de Alex os envolveu mais uma vez. Ele a abraçou, mas seu olhar se manteve
no teto.
Liz esticou-se para passar os dedos pelos vastos cabelos negros.
— Alex? — perguntou com voz suave. — Fiz algo errado?
— É claro que não! — ele murmurou, capturando-lhe a mão para dar-
lhe beijinhos nos dedos.

Allegra Gray 62
À Sombra de um Escândalo

Liz sorriu, mas continuou a analisá-lo. Ainda que se sentisse lânguida,


exausta, percebia ainda uma tensão no corpo do amante. Alex estava
estranho, distraído.
Permaneceu em silêncio por um instante, alisando o peito largo, a
firmeza dos braços, e torceu para que ele relaxasse, ou que ao menos
dividisse com ela suas preocupações.
Quando Alex falou, não foi para lhe sussurrar gracejos aos ouvidos.
— Liz, querida, há algo que preciso lhe dizer.
— Você combinou com sua irmã uma visita mais demorada? —
perguntou esperançosa, tentando aliviar o desconforto que sentira.
— Infelizmente não.
— O que é?
— Preciso viajar a negócios.
— Você vai partir?
— Um investimento que fiz no mercado naval requer minha
supervisão — ele confirmou. — A embarcação retornou da índia avariada
por uma tempestade. Os reparos não vão bem, a tripulação está
preocupada, e meu parceiro está tentando arranjar substitutos para as
mercadorias exóticas que foram perdidas. Além de tudo, há dúvidas sobre a
integridade do capitão. Havia pensado em deixar que meus homens na costa
cuidassem disso, mas a questão é mais complicada do que eu previ. Há
fundos consideráveis sob ameaça.
Liz gostou de ser informada com tantos detalhes sobre os negócios
dele. Algo lhe dizia que Alex não dividia aquele tipo de coisa com muitas
mulheres.
— Por quanto tempo vai ficar fora?
— Três semanas. Não mais.
Ela concordou tímida. Compreendia claro, mas a ausência dele
tornaria as semanas mais pálidas. Alex tomou-lhe ambas as mãos.
— Liz, se você deixasse essa história de ser governanta e se tornasse
minha amante em tempo integral, eu poderia levá-la comigo.
— Não é uma história — ela replicou, magoada. Olhou para o outro
lado com um nó na garganta.
— Eu sei meu anjo. Você realmente gosta dos meus sobrinhos e eu
jamais a criticaria por isso. Na verdade, é uma das coisas que mais aprecio
em você. Ainda assim, é estranho demais que um homem em minha posição
fique em segundo plano.
Liz esboçou um leve sorriso. No fundo, Alex estava era com ciúme.
— Concordamos que esses seriam nossos termos — lembrou séria.

Allegra Gray 63
À Sombra de um Escândalo

Ele expeliu o ar com força, a frustração evidente.


— Liz, seus termos não fazem sentido. Posso mantê-la com muito mais
luxo do que você tem agora.
— Mas não pode me oferecer respeitabilidade.
— O que estamos fazendo agora, esgueirando-nos pelas costas de
todos, é mais respeitável?
Ela desviou o olhar outra vez. Alex tinha razão.
— De qualquer modo, não posso.
Se aquela relação se mantivesse em segredo, a vergonha seria apenas
dela. Se virasse uma amante, a notícia se espalharia, e sua família perderia a
última gota de respeito de que ainda dispunham.
Não poderia fazer isso com Charity. Ainda havia esperanças pelo
futuro da irmã.
Tinha desejado Alex desde o momento em que o vira pela primeira
vez. E não estava disposta a perdê-lo.
Mesmo assim, a escolha que ele lhe propunha não seria possível. Entre
as atitudes do pai dela e as suas próprias, sua família já passara vergonha
demais.
— Se esta é a sua decisão, Liz, hei de aceitá-la. Eu a verei quando
retornar.
Ela concordou e fez a única coisa em que poderia pensar: beijou-o com
paixão suficiente para três semanas.
Marian Grumsby adorava a vida no campo, a maior parte do tempo. O
marido e os filhos preenchiam seu mundo com amor e alegria, e estavam
felizes longe de Londres.
Além disso, verdade fosse dita, ela não queria fazer como tantas mães
durante a temporada: abandonar as crianças por semanas a fio.
Mas, ocasionalmente, perdia as festas e os chás apreciados pelas
outras damas que conhecia.
Assim, quando lady Alicia Wilbourne, uma amiga de infância,
convidou-a a ir a Londres para o feriado, aceitou sem hesitar. Era uma
bênção, pensou saber que poderia se divertir por alguns dias enquanto os
filhos estariam bem cuidados, em casa. Contratar Liz havia sido pouco
convencional, mas, até ali, provara-se a solução perfeita. A moça era boa
com crianças.
O que significava que ela poderia frequentar algumas festas e se
atualizar sobre as fofocas das amigas, sem precisar se preocupar com nada.
Tinha optado por ficar na casa da mãe, na cidade, como fazia ao visitar
Londres, o que era preferível a se impor a amigos que quase nunca via. A

Allegra Gray 64
À Sombra de um Escândalo

duquesa viúva raramente estava lá, já que passava a maior parte dos dias no
balneário de Bath.
A casa, no entanto, tinha uma pequena criadagem que ficava sempre
satisfeita ao vê-la. Além do mais, teria paz entre os eventos sociais.
A programação daquela tarde trazia uma festa no jardim da casa de
Alicia. O tempo havia cooperado e, quando Marian chegou, o jardim dos
Wilbourne estava decorado com tendas brancas e flores.
Lorde Wilbourne, um homem de meia-idade com cabelos rareando,
caminhava sobre a grama com um prato de canapés na mão. Observou a
esposa enquanto cumprimentavam os convidados.
Vendo a chegada de Marian, ambos seguiram em sua direção.
— Lady Grumsby! De volta da vida rústica, enfim! — exclamou Lady
Wilbourne.
Elas haviam se apresentado à sociedade na mesma temporada e,
embora Marian houvesse sentido pena da amiga pela decisão dos pais de
casá-la com Robert Wilbourne, Alicia não parecera nem um pouco infeliz.
— Sim, por pouco tempo — respondeu Marian.
— Então deve estar desesperada por uma boa conversa. Não posso
imaginar como consegue passar a vida inteira no campo. Venha... — A moça
gesticulou para um grupo de belas mulheres. — Tenho outros convidados
para cumprimentar, mas você se lembra de lady Tweedley, lady Robesford e
da Srta. Josephine Baxter. — Conduziu Marian até as outras mulheres e
voltou ao papel de anfitriã.
Elas abriram espaço para Marian, sem interromper a conversa.
—... As malas — completava lady Tweedley. — Ela era amante dele
pelo quê? Dois anos? Foi-se. Ele já não a vê há semanas.
— Ah, Harriet, como você ouve essas coisas? — perguntou lady
Robesford, ainda que sua expressão, assim como a das outras, sugerisse que
estava mais fascinada do que chocada por discutirem sobre uma cortesã.
— Talvez ele esteja finalmente pensando em se casar. Se apenas
tivesse sido cinco anos atrás...
Marian suspirou. Teria vindo até Londres apenas para ouvir as mesmas
fofocas de sempre sobre Alex? Quase desejou que ele se casasse, ao menos
para que a cidade pudesse ter um novo assunto.
— Na verdade, posso imaginar por que ele a mandou fazer as malas...
E não foi para se casar — acrescentou a Srta. Baxter, uma incurável
fofoqueira, próxima à meia-idade.
— Ah, então conte! — ofegou lady Robesford.
A mulher olhou em volta, como se revelasse um grande segredo.

Allegra Gray 65
À Sombra de um Escândalo

— Ouvi falar que ele foi visto com a Srta. Medford. E a acompanhante
da moça, se é que havia uma, não estava por perto.
Liz Medford foi vista também adentrando uma carruagem conduzida
por um homem que minha fonte reconheceu como um dos criados do
duque. Posso imaginar para onde seguiam.
— Liz Medford? — perguntou lady Tweedley.
— A própria.
— Não pode ser. Ouvi dizer que ela deixou o campo para visitar um
parente doente — afirmou lady Robesford.
Marian teve dificuldades para respirar, e não apenas porque sua criada
tivera a força de uma amazona para apertar os laços do corpete. A verdade
era que estava com uma sensação muito ruim sobre aquela conversa.
Seus pés, no entanto, pareciam pregados ao chão.
A Srta. Baxter deu de ombros, sorrindo como toda fofoqueira que se
delicia com cada detalhe.
— Eu também ouvi isso tudo. Mas que parente? Ouvi dizer que houve
uma confusão quando rejeitou seu último pretendente, e depois ela fugiu.
— Impossível! A família seria arruinada — falou lady Robesford.
— A família já está arruinada. Não ouviu dizer? O barão morreu sem
um centavo ou herdeiro. De qualquer forma, vi o pretendente partir com
meus próprios olhos, e ele não parecia nada satisfeito. Liz não é vista desde
então. Exceto claro, com Beaufort.
Beaufort! Estavam mesmo falando sobre seu irmão, constatou Marian.
E sobre sua governanta. Abanou-se, aflita.
O gesto chamou a atenção da Srta. Baxter, que levou as mãos ao rosto,
mortificada.
— Lady Grumsby! Ah, Céus, mil perdões!
Marian manteve a expressão cuidadosamente neutra, a espinha bem
ereta. A fofoca da cidade ainda girava em torno de Alex. Aquilo, em si, não
era incomum.
Desta vez, no entanto, envolvia a ela também, já que seus filhos eram
cuidados pela mesma mulher que, dizia-se, andava envolvida com seu
devasso irmão.
Seu corpo latejou de tensão, porém ela se recusou a fugir.
Nenhuma das mulheres sabia que Liz estava em sua casa. Lançou-lhes
um sorriso simpático.
— Compreendo o quanto meu irmão pode ser interessante. As damas
se entreolharam, inseguras, e Marian sentiu certa pena. Afinal, estava
acostumada àquele tipo de mexerico sobre Alex.

Allegra Gray 66
À Sombra de um Escândalo

— Vocês sabem o que eu ouvi? — Perguntou travessa. Elas a fitaram


em expectativa.
— Ouvi que Alex comprou uma passagem para a índia e prometeu
casar-se com uma princesa de lá. A filha de um homem com quem faz
negócios.
A Srta. Baxter deixou a boca pender.
— É claro que isso não é verdade, já que Alex me disse que precisava
fugir de Londres e passar algum tempo em minha propriedade — Marian
completou, rindo. — Ontem mesmo, nossa mãe estava desesperada por sua
falta de interesse em donzelas casadoiras. E minha casa, ainda que seja
adorável, está longe de ser um palácio indiano... Mas, de qualquer modo,
valeu por ser um rumor muito divertido. — Com isso, ela pediu licença e se
afastou do trio.
Aproximou-se de lady Wilbourne.
— Alicia, é uma bela festa. Mesmo que eu não tenha vindo de tão
longe para ouvir notícias sobre minha própria família...
— É um dia realmente lindo — concordou a anfitriã, olhando para o
céu com um suspiro. — Quanto ao duque, minha querida, ele parece mesmo
ser o assunto do dia. Não que isso seja incomum. Meu marido joga cartas
com ele, você sabe, e Robert disse-me que Alex mencionou algo que o fez
pensar que os últimos rumores não pareciam infundados. Mas suponho que
esteja cansada de ouvir sobre as escapadas de seu irmão. Vamos falar sobre
o teatro? Há uma peça maravilhosa em cartaz.
Marian negou com um gesto de cabeça.
— Receio estar com dor de cabeça. Prefiro pedir sua licença. Agradeço
muito por ter me convidado.
Alicia a olhou, compassiva, e logo Marian estava no coche, a caminho
da casa da mãe. Estivera tão ansiosa pelo passeio na cidade, mas sabia não
ser capaz de aproveitá-lo agora. Mesmo que houvesse dado às mulheres
boas razões para que duvidassem de qualquer rumor que tivessem ouvido;
sabia que, se aquelas três estavam comentando, Londres inteira devia estar
também.
— Que desastre.
— Ainda não viu o pior — disse o sócio de Alex, enquanto os dois se
punham sobre o deque, analisando os estragos na embarcação.
— Não? — Alex teve a impressão de que não gostaria nada do que
veria em seguida. Não esperava que a viagem fosse agradável, claro. Após
despedir-se de Liz, ele parará brevemente em Londres antes de seguir até o

Allegra Gray 67
À Sombra de um Escândalo

porto, em Ramsgate, onde seu sócio, Tom Golden, já havia começado a pôr
as coisas em ordem.
— Certo. Ilumine-me.
— Venha.
Alex seguiu o rapaz até a parte de baixo do deque. Como esperado,
vários dos caixotes contendo seda da índia e curiosidades do Oriente
estavam destruídos.
— Eu já imaginava que a carga tinha sido avariada. — Deu de ombros.
— Ninguém pode conter a Mãe Natureza em fúria.
— Não é apenas isso. Veja... — Tom puxou uma extensão de tecido de
dentro de um caixote intacto. — Sinta.
Alex passou a mão pelo tecido, e então franziu o cenho. — O que é
isto? Está abaixo do padrão que exigi de George.
George Marks trabalhara como seu comprador por anos. O homem
era viajado e sabia como distinguir seda de boa qualidade de seus similares
inferiores tão bem quanto qualquer um diferenciava uma pá de um martelo.
Tom tomou de volta a seda e a atirou dentro do caixote.
— George se demitiu no dia seguinte à chegada do navio.
— Maldição. Por quê?
— Disse que havia chegado a hora de se tornar um homem de família,
mas não acreditei. O capitão estava lá quando conversamos, e Marks não
travou contato visual com ele em momento algum.
— Inferno! — praguejou Alex. — Onde está o capitão? — Era para isso
que tinha vindo originalmente. A carta de Tom sobre o navio estar avariado
era preocupante, mas o fato de o capitão não querer supervisionar os
consertos era muito ruim.
— Em Dorset.
— Como? — Ele franziu a testa diante da frustração.
— Em casa, parece. Beaufort há um problema aqui, e receio que seja
bem mais complicado do que um navio prejudicado pela tempestade. Sei
como você conduz seus investimentos, e achei que gostaria de ver por si
mesmo.
— Com certeza — ele concordou. — Fez a coisa certa, Tom. Não é com
você que estou zangado.
Pausou por um instante, forçando-se a pensar. Dorset estava há vários
dias de viagem do porto, e mandar um mensageiro iria apenas prolongar o
processo. Além disso, havia certas mensagens que ele preferia entregar
pessoalmente.

Allegra Gray 68
À Sombra de um Escândalo

— Você cuida dos reparos. Eu cuido do capitão — decidiu, e balançou


a cabeça, frustrado, enquanto caminhava para fora das docas.
— Srta. Medford está dispensada de seus serviços.
As palavras reverberaram na cabeça de Liz como o badalo de um sino.
Estava demitida?
— Lamento — continuou a viscondessa Grumsby, o tom gentil, porém
firme. — Você é uma boa governanta, e as crianças a adoram. Mas sua
relação com meu irmão se tornou pública, e toda a cidade está comentando.
Eu estava disposta a mantê-la conosco, apesar de seu passado, contanto que
trabalhasse discretamente. Mas não posso arriscar a reputação de minha
família. Estou certa de que compreende.
As entranhas de Liz se revolveram de tristeza e constrangimento. Ela
abriu a boca para falar, mas a viscondessa ergueu a mão, interrompendo-a.
— Não importa se é verdade ou não, Liz, já que a sociedade pensa que
é. — Lançou-lhe um olhar de avaliação. — Embora eu tenha visto a maneira
como meu irmão a olha, e ouse dizer que os rumores não são sem
fundamento. Liz baixou os olhos. Não tinha defesa.
— Lamento ter causado tantos problemas, milady. Vou arrumar
minhas coisas e parto em seguida. — Fez uma curta cortesia e deixou o
recinto.
Um zumbido preenchia-lhe os ouvidos, enquanto, entorpecida, ela
arrumava seus pertences. Não podia culpar a patroa. Se ela estivesse na
posição da viscondessa, teria feito o mesmo.
Era uma tola. Havia arruinado a única oportunidade de ter um
emprego respeitável. E tudo por um homem com o qual não poderia se
casar. Alguns momentos de prazer furtivo e havia destruído sua vida por
completo.
Como havia começado aquele boato? O taberneiro?
Duvidou. A ameaça de Alex o fizera tremer visivelmente. Algum outro
criado, talvez?
Não importava. De alguma forma, a relação deles agora era conhecida.
E, se lady Grumsby tinha ouvido sobre ela em Londres, o assunto devia estar
por toda parte.
Havia pouco o que arrumar, afinal, ela deixara para trás a maior parte
de sua vida quando assumira aquela posição.
Conformada, levou a mala até a entrada dos fundos da casa. O
açougueiro local subia em sua carroça, tendo completado a entrega à
propriedade dos Grumsby, e ela conseguiu uma carona até a altura da

Allegra Gray 69
À Sombra de um Escândalo

taverna White Hart. O que faria ao chegar lá, isso ela ainda não tinha
decidido.
A carroça cheirava a sangue, mas o açougueiro era pouco dado a
conversas, pelo que ela ficou grata. Chegando ao White Hart, sentiu um
aperto no peito ao pensar em tudo o que ela e Alex haviam vivido ali. Seu
fôlego se acelerou, mais por desejo do que por vergonha. Aqueles
momentos tinham lhe custado tudo, mas, ah, o que não faria para revivê-los!
Comprou uma passagem no coche destinado a Londres, e esperou do
lado de fora. Talvez Bea a acolhesse enquanto reunia ânimo e procurava
outro emprego.
Ainda que, agora, a questão das referências estivesse mais difícil do
que antes.
Por que aquilo havia acontecido enquanto Alex estava fora?
Ele não deixara meios de ser encontrado.
Não que lhe devesse tal consideração. Afinal, ela não era sua esposa, e
tinha até recusado a se tornar publicamente sua amante.
Mas agora ansiava por sua presença. Ele era sempre tão confiante tão
decidido. Saberia o que fazer.
Ao mesmo tempo, refletiu, a resposta do duque seria provavelmente a
renovação daquela mesma proposta. E, por mais que gostasse dele, era um
arranjo que não lhe agradava. Tomá-lo como amante havia sido arriscado,
sem dúvida, mas fora escolha sua. Não seria justo deixar que ele pagasse
pelo que ambos tinham feito.
Sentia falta da irmã também. Mas voltar para casa seria admitir a
derrota. Além do mais, era mais provável que o tio lhe batesse a porta na
cara, concluiu com um suspiro.
O coche chegou, e Liz subiu exausta, mal notando os joelhos baterem
contra os dos outros passageiros dentro do veículo lotado.
Toda a vida fora pressionada a agir com responsabilidade. Por mais
que detestasse admitir isso, a mãe tinha razão: bastava olhar para a
confusão que havia feito em sua vida agora, na primeira e única vez em que
decidira ignorar o conselho.
A parada do coche ficava a vários quarteirões de seu destino. Quando
finalmente chegaram, desceu do veículo e parou por um momento, incerta.
Jamais tinha caminhado pelas ruas de Londres sem ao menos uma
acompanhante. Seria reconhecida? O que pensariam?
Mas não arriscaria pedir que alguém fosse buscá-la. Precisava se
defender sozinha.

Allegra Gray 70
À Sombra de um Escândalo

E também pedir perdão e misericórdia a Beatrice Pullington por ter


perdido a oportunidade que ela lhe proporcionara, arrumando-lhe o
emprego de governanta na casa da viscondessa. Não seria demais contar
com aquela amizade de novo?
Observou a rua agitada. Ainda usava os trajes de governanta. Manteria
a cabeça baixa e apertaria o passo, assim ninguém iria notá-la.
A mala parecia mais pesada agora que precisava carregá-la pelas ruas,
mas Liz não ousou diminuir o passo. Até ali, seu plano parecia estar
funcionando. Mesmo quando levantou a cabeça para analisar o caminho,
ninguém lhe lançou um segundo olhar.
Aproximou-se do parque. Se pegasse um atalho, chegaria à casa da
amiga, mais rápido, e as chances de ser vista seriam mínimas, já que estava
no lado menos frequentado pela alta-roda do parque.
A rua fez-se livre, e Liz a atravessou rapidamente.
Quando pisou o solo do parque, no entanto, um de seus saltos
prendeu-se a uma pedra, e ela caiu com tudo.
Pior. Enquanto se levantava do chão, apressada, deparou com um
homem que acabara de deixar a trilha.
O sujeito esticou-se a fim de ajudá-la. Ela aceitou a mão estendida,
amaldiçoando-se por ser tão desastrada.
O homem que a ajudara, contudo, não parecia melhor do que ela.
Rugas cortavam-lhe o rosto, e seu hálito cheirava a álcool. E era apenas o
meio da tarde.
Liz murmurou um breve agradecimento e seguiu pela trilha.
— Srta. Medford?
Ela estacou lívida. Parou e olhou-o novamente. Estava vestido como
um cavalheiro, mas nenhum que conhecesse.
— Desculpe-me, nós nos conhecemos?
— Talvez não. Você é a Srta. Medford, não é? Faria sentido negar?
— Sou.
Os olhos do homem brilharam ao analisar a mala que ela carregava. —
Está desacompanhada?
Liz suspirou.
— Talvez, então, eu possa lhe ser de serventia — ele se ofereceu. Ela
não confiou na maneira como o homem a fitava.
— Parece-me que estamos seguindo em direções opostas.
A despeito das observações de Liz sobre seu destino, Cutter se pôs ao
lado dela enquanto ela partia em direção à casa dos Pullington.
Senhor... — Cutter.

Allegra Gray 71
À Sombra de um Escândalo

Seu estômago revolveu-se de tensão. Não quisera causar uma cena na


rua, mas, agora que estavam dentro do parque, não haveria mais ninguém
caso precisasse de ajuda.
Agarrou-se à mala e acelerou o passo.
— Por que tanta pressa? O duque a espera?
— Não sei do que está falando.
Deus, já teria problemas suficientes quando chegasse a Bea e
começasse a remontar os cacos de sua vida! Pensou sombria. Não poderia
ao menos chegar até lá sem maiores incidentes?
— Não negue. Sua relação com o duque é o assunto da cidade.
Liz respirou fundo. Como, por Deus, tinha dado o azar de chocar-se
contra aquele homem?
— Sr. Cutter — disse impaciente —, o senhor está equivocado. Não
tenho relação com nenhum duque. Além do mais, não preciso de sua
assistência.
— Percebo. O duque já perdeu o interesse? Bem, agora que já
trabalhou para pagar as dívidas de seu pai, está livre para escolher um
homem mais a seu gosto. — Ele a segurou pelo braço.
Liz estacou pálida. O homem estava claramente bêbado, do contrário
não ousaria falar tamanha besteira.
— Não tenho noção do que diz. Por gentileza, solte-me!
— Não se faça de inocente comigo — ele grunhiu. — O duque mesmo
me contou a seu respeito.
— Contou o quê? — ela perguntou lívida.
Cutter respondeu com convicção, como se, por baixo de todo o álcool,
houvesse um fundo de verdade:
— Como seu pai ofereceu você como pagamento pelas dívidas de jogo
que contraiu com Beaufort. Não posso dizer que aprovo, mas, como a coisa
está feita...
— Ele não faria isso! — exclamou Liz, sentindo o estômago revirar.
Mas como poderia ter certeza? Tanta coisa sobre o pai não era como ela
pensara. Havia, no entanto, uma coisa que ela sabia: — E se fizesse Sua
Graça jamais teria aceitado tal oferta.
— Defendendo Beaufort acima do papai? — Ele soltou uma
gargalhada. — Acha mesmo que ele recusaria essa oferta?
Ele é um homem, criatura. E certamente a senhorita sabe da
reputação do duque. — Mirando-lhe os seios, Cutter continuou o assalto
verbal: — Você também não é desprovida de charme... Mas, preciso dizer,
quando tornar-se minha amante, terá de deixá-los mais à mostra.

Allegra Gray 72
À Sombra de um Escândalo

Liz agradeceu mentalmente pelo traje de governanta.


— Lamento Sr. Cutter, mas seu interesse em mim está deslocado. Não
tenho qualquer intenção de me tornar sua amante.
— Boa demais para um simples cavalheiro, não é? Pois saiba que
posso pagá-la muito bem.
— Não seja rude. Meus favores não estão à venda — ela respondeu
fria, fazendo o possível para se afastar. Por que havia decidido cruzar aquele
parque?
— Pense bem, doçura — disse o homem, malvado —, agora que você
fez de tudo para ajudar seu velho pai, não há mais volta. Sua Graça cansa-se
rapidamente de suas amantes, estou certo de que sabe disso. Por que mais
estaria a senhorita, sozinha, carregando uma mala pelas ruas? Considere a
dívida paga. Já que o duque não a está auxiliando pelos favores que julga ser
tão preciosos, você não tem motivos para manter-se fiel. Com certeza não é
tola a ponto de pensar que ele gosta de você.
Liz cravou as unhas nas palmas da mão, resistindo a dar uma resposta.
O sujeito jamais poderia compreender o que ela e Alex haviam
compartilhado.
Cutter soltou uma risadinha.
— Eu lhe asseguro princesa: Beaufort não desenvolve afetos
duradouros. Eu, por outro lado, talvez consiga fazer isso. Poderíamos fazer
um arranjo interessante, você e eu... — Apertou-lhe o braço.
Liz o puxou com ódio.
— Ouça aqui — rangeu os dentes. — Não estou interessada. Se disser
mais uma palavra; vou vomitar! Sugiro que não me siga quando eu seguir
meu caminho, pois gritarei e não estamos tão longe assim da rua. E se fizer
mais uma dessas propostas imundas, não vou hesitar em entregar seu nome
a meu tio!
Afastou-se, antes que o homem pudesse responder. A ameaça da
retaliação do tio era vazia, disso ela sabia. Era mais provável que ele a
entregasse a Cutter e lavasse as mãos.
Deixando o parque às presas, Liz rezou para que jamais precisasse
descobrir isso.
Apenas mais alguns quarteirões, pensou aflita, o coração disparado.
Por mais que mantivesse a cabeça erguida e o queixo firme, no
entanto, um terrível sentimento a invadia. O pai poderia tê-la realmente
oferecido a Alex? Teria mesmo uma dívida de jogo com o duque?

Allegra Gray 73
À Sombra de um Escândalo

Mordeu o lábio com força, oscilando na caminhada. Era provável que


sim. Tinha aprendido o suficiente sobre o velho barão para saber que seus
problemas eram graves.
Mas vender a própria filha? Nenhum pai seria tão cruel!
Quanto a Alex... Aquilo não fazia sentido. Se houvesse existido um
acordo entre eles, quando ela havia pedido a ele que a arruinasse, ele não a
teria rejeitado. E apenas quando já era uma governanta, meses após a morte
do pai, o duque se aproximara dela.
Um novo e feio pensamento lhe ocorreu. Em geral levava meses até
que se definissem o valor das propriedades e as contas de um nobre após
seu falecimento. Ainda mais quando não existia um herdeiro.
E se Alex tivesse recusado a oferta enquanto o pai dela estivera vivo
apenas porque planejava esperar pelo pagamento em dinheiro? Em algum
ponto após a morte do barão, talvez o duque tivesse sido informado de que
não havia dinheiro disponível. Teria ele então considerado usá-la como
compensação?
Não. Não podia acreditar.
Ao mesmo tempo, tantas de suas ilusões tinham se despedaçado nos
últimos meses. Era impossível não imaginar. Se ao menos soubesse em que
data Alex fora avisado sobre a falência do pai dela... Poderia compará-la ao
dia em que ele começara a persegui-la.
Deus haveria alguma relação?
Infelizmente, não tinha como perguntar isso sem acusar o próprio pai
de ter feito a oferta. E sem acusar Alex de tê-la levado em conta.
O assunto todo era terrível demais para ser contemplado.
— Srta. Medford? Por favor, aguarde aqui, enquanto anuncio sua
chegada a, lady Pullington. — O mordomo a deixou logo à entrada do grande
salão e se retirou.
Liz sentiu-se inquieta. A criadagem de Bea a conhecia havia anos. Em
visitas anteriores, teria sido conduzida diretamente ao pequeno salão da
família. As tímidas boas-vindas deixavam claro que os rumores tinham
chegado aos ouvidos dos criados.
Teria sido um erro ir até ali?
Os segundos passavam intermináveis. Por fim, Liz ouviu o som dos
passos de Bea nos degraus da escadaria. A porta se abriu e, antes que ela
pudesse dizer uma só palavra, Bea a envolveu num abraço.
Após um longo instante, a moça deu um passo atrás. Bea era, como de
costume, a imagem da moda em um vestido, cor de cereja, com sapatos
combinando. Sua expressão, no entanto, era sofrida.

Allegra Gray 74
À Sombra de um Escândalo

— Bea, o que há de errado? — As palmas das mãos de Liz


umedeceram, enquanto a dúvida a invadia. Talvez Beatrice tivesse seus
próprios problemas. E, se a melhor amiga a mandasse embora, não teria
outro lugar para ir senão para casa.
Bea a fitou, amuada.
— Parece que você teve uma grande aventura, e não dividiu o menor
dos detalhes comigo, sua ingrata.
— Grande aventura... — Liz tentou sorrir, mas, para seu horror, sentiu
os olhos marejados. — Ah, Bea, estou perdida! Provavelmente não devesse
nem estar aqui. Associar-se a gente como eu pode arranhar a sua reputação.
Mesmo assim, estou muito agradecida por vê-la outra vez.
— Perdida como? Parece que ouvi essas mesmas palavras de você há
não muito tempo.
— Desta vez é muito pior. A moça deu um suspiro.
— Venha — disse, puxando-a para dentro da sala da família. — Conte-
me tudo.
Contar foi rápido. Sob outras circunstâncias, Liz ficaria tentada a dar
detalhes, mas, no momento, estava preocupada demais com seu futuro para
contar sobre os arrepios que o duque lhe provocava...
Muito menos quando era pouco provável que os experimentasse
novamente.
Quando se aproximou do final da história e contou a Bea sobre a
desgraça em que deixara a casa dos Grumsby, a moça inclinou-se sobre a
poltrona e a abraçou com força.
Liz aceitou o abraço, aliviada por saber que nem todo mundo estava
contra ela.
— Liz, você é minha amiga mais querida e eu a amo; não importa que
escândalo a rodeie. Mas preciso admitir: não estou certa se posso ajudá-la
desta vez.
— Tenho medo da fúria de meu tio caso eu volte para casa — ela falou
com voz trêmula.
— Então não vá para lá. Você fica aqui, é claro.
— Eu lhe seria grata para sempre! É só até que eu arranje um novo
plano, Bea. Vou ser discreta também. Ninguém jamais saberá que você
acolheu uma mulher arruinada.
— Pobrezinha. — Bea apertou-lhe a mão. — Os rumores são mesmo
bem ruins. Mas se ficar escondida vai apenas afiar as línguas, você sabe. Não
se preocupe comigo. — Sorriu. — Minha vida tem sido por demais, tediosa
ultimamente, e uma pontinha de escândalo talvez venha a calhar.

Allegra Gray 75
À Sombra de um Escândalo

Liz conhecia Beatrice bem o suficiente para identificar a preocupação


por baixo do sorriso da amiga.
— Nem sei como lhe agradecer, Bea.
— Esqueça isso e me escute — prosseguiu a moça, cuidadosa. —
Nenhum dos rumores que ouvi veio de alguém que a houvesse visto com o
duque. Apenas mexericos da criadagem. Talvez pudéssemos convencer o
restante da cidade de que esses rumores são falsos. — Sentou-se mais ereta,
empolgada com a ideia.
— Bea, eu jamais...
— Charity foi à única testemunha de seu encontro com o duque no
parque, não foi? Aquele em que o interesse dele em você ainda era
inexistente?
Liz sentiu-se corar.
— Não tenho razões para crer que mais alguém saiba disso.
— Poderíamos recontar o episódio. Deixar de fora a parte em que
você realmente se ofereceu, é claro, e se concentrar apenas no desinteresse
do duque. Sem ofensa a você, querida, mas na certa a cidade achará mais
fácil crer que o duque está fora de seu alcance do que presumir que esse
romance seja real.
— Mas lady Grumsby me demitiu — lembrou Liz. Bea mordeu o lábio.
— Sim, há isso também. — Afundou no sofá de novo, e ambas
permaneceram em silêncio por um instante.
— Então o interesse do duque não era tão pouco quanto pareceu de
início... — Os lábios de Bea se curvaram travessos.
Liz sentiu outra onda de carinho pela amiga.
— Sim, era.
Seu rubor aprofundou-se, e ela pressionou as mãos contra as faces
quentes, enquanto pensamentos sobre Alex a inundavam de desejo,
saudades... E frustração.
Como ele pudera partir e deixá-la sozinha para enfrentar aquilo tudo?
O ânimo a abandonou novamente.
— Entendi — disse Bea, poupando-a de mais explicações. Levantou-se,
puxando Liz consigo. — Você tem seu antigo quarto aqui pelo tempo que
quiser.
Quando Liz acordou, na manhã seguinte, seus problemas ainda eram
os mesmos. A hospitalidade de Bea era uma bênção, mas ela se recusava a
ameaçar a reputação da amiga anunciando sua presença na casa dos
Pullington.

Allegra Gray 76
À Sombra de um Escândalo

O resultado foi que passou a maior parte do tempo dentro da mansão,


matando o tempo com bordados ou outras tarefas sem sentido, longe dos
olhares acusadores e das línguas afiadas da sociedade.
Em seu segundo dia ali, escreveu a Alex. Após vários rascunhos nos
quais declarava seu amor, sua mágoa, o quanto sentia a falta dele e como
era injusto que tudo houvesse ocorrido enquanto ele estava distante,
decidiu-se por outro caminho.
A mensagem final saiu curta e objetiva.
Vossa Graça,
Perdi o emprego na casa de sua irmã. Liz
Não fez menção ao que tinha ouvido de Cutter no parque. Quem
poderia afirmar que era verdade? O fato de já estar falada por toda a
sociedade era o suficiente.
Não tinha ideia de como Alex reagiria. Não sabia nem onde encontrá-
lo, de modo que alugou uma charrete e levou o envelope ao endereço
londrino do duque.
— Por favor — pediu ao mordomo, tentando não imaginar o que o
homem estaria pensando por trás daquela expressão impassível —, preciso
que esta carta seja entregue ao duque. Sei que ele não está na cidade, mas
pode providenciar para que chegue a ele em breve?
— É claro — garantiu o homem.
Liz sentiu-se melhor no caminho de volta. A situação era ruim, mas
Alex certamente saberia o que fazer.
À medida que os dias passavam, no entanto, não teve notícias dele.
Ou a carta não o havia alcançado, ou o duque a ignorara.
Duvidou de que os criados fossem tão irresponsáveis a ponto de
ignorar a mensagem de uma mulher que, deviam saber, estava envolvida
com seu senhor. O que deixava a possibilidade de que Alex estivesse
ocupado demais.
De qualquer forma, doía.
Após duas semanas, forçou-se a parar de conferir a caixa dos correios.
Tentou, em vez disso, resignar-se como um eremita, pois era isso que havia
se tornado.
Ela sabia o quanto tinha se oferecido ao duque. Agora pagaria por tal
pecado assumindo sua solidão.
Arranjar um emprego respeitável de governanta estava fora de
questão, por isso enviou bilhetes a várias modistas, perguntando se
precisavam de assistentes. As linhas e agulhas pareciam-lhe sua melhor
possibilidade.

Allegra Gray 77
À Sombra de um Escândalo

— Alguma resposta? — perguntou a Bea, que examinava a


correspondência sobre a pequena escrivaninha.
— Não, nada ainda. — A moça apanhou outro envelope. — Ah, lady
Mettlethorne vai oferecer uma festa de carteado. Eu gostaria de ir, mas... —
A voz de Bea sumiu junto com uma olhadela furtiva em direção a Liz.
Uma pontada de arrependimento, misturada a ciúme, a golpeou.
— Por favor, não vá ficar em casa por minha causa. Ficarei bem.
— Está certo. — Bea corou, instigando-lhe a curiosidade.
— O que há de tão especial nessa festa?
— Lady Mettlethorne é uma antiga amiga de minha mãe.
— Mas... Ah! O filho dela estará presente, acertei? — Liz sorriu.
Colin Mettlethorne era atraente, não muito mais velho do que Bea, e,
se Liz lembrava bem, continuava solteiro. Bea corou ainda mais.
— Por todos os santos, vá! — instigou Liz. — E quero ouvir cada
detalhe quando voltar.
Liz considerou esperar por Bea na noite do carteado, mas dispensou a
ideia. Eventos assim duravam a noite inteira. Seus pais costumavam
frequentá-los com certa regularidade. A mãe, inclusive, estivera em um
desses quando o pai dela havia falecido.
Estremeceu, tentando não reviver os momentos daquela noite.
Bea fizera um excelente trabalho em supri-la com romances e,
material de costura, a fim de que passasse o tempo. Sem companhia que
aliviasse sua solitária existência, no entanto, ela terminou por caminhar
incessantemente pela casa, antes que sucumbisse ao sono, os sonhos
torturados pelos fortes braços de um sombrio, porém apaixonado amante.
Na manhã seguinte, Liz acordou mais determinada do que nunca a
encerrar seu purgatório. Alex havia partido, disse a si mesma, mas a
esperança não estava toda perdida. Ela se tornaria uma costureira, ganharia
a vida, e, talvez, com o tempo, conhecesse um comerciante de respeito e se
casasse.
Não por amor. Ninguém jamais poderia fazê-la sentir o que ela sentira
pelo duque de Beaufort. Mas pela esperança de uma família e de filhos, ao
menos. Sonhava agora com uma vida simples, bem distante do círculo da
elite no qual fora criada, mas uma vida livre, afinal.
Sua determinação foi redobrada quando Bea finalmente desceu para o
desjejum com uma expressão sonhadora.
— Presumo que os eventos da noite passada tenham sido agradáveis.
— Liz curvou os lábios num sorriso maroto.
— Bastante. — As faces de Bea se tingiram.

Allegra Gray 78
À Sombra de um Escândalo

— O Sr. Mettlethorne compareceu, então?


— Sim. — Bea sentou-se à mesa, e entornou uma xícara de chá.
— Está sendo lacônica demais!
— Desculpe-me. — Bea sorriu. — É que... Não sei o que dizer.
— Ele a está cortejando?
— Ainda não.
— Quer que ele o faça? Bea estudou as unhas.
— Não sei o que quero. Quando fiz quinze anos, meus pais já haviam
acertado minha união com lorde Pullington. Jamais tive tempo para mais do
que breves flertes antes de me casar. — Bebericou o chá. — Não tenho
vontade de repetir a experiência, mas...
Liz bebeu de sua própria xícara, segurando uma resposta. Não tinha
palavras para descrever o incrível prazer de se ter alguém a quem desejava.
Não podia imaginar o que Bea sentira em sua noite de núpcias.
A primeira mensagem a chegar naquela manhã veio de C. P.
Mettlethorne, e o prazer que irradiou dos olhos de Bea foi visível.
Liz ficou grata por o cavalheiro ter enviado o bilhete em vez de
aparecer ali. Teria se sentido, péssima caso pusesse Bea na posição de
dispensá-lo, ou de pedir a ela que se escondesse no quarto. E se algo mais
ocorresse entre os dois? A amiga, mais do que qualquer um, merecia uma
chance no amor.
Mas, que tipo de relação poderia ter enquanto abrigasse uma pária da
sociedade?
Olhou pela janela, fingindo não notar a maneira cuidadosa, quase
amorosa com que a amiga pôs o cartão de Mettlethorne sobre a mesa.
Naquele dia, decidiu, visitaria pessoalmente os estabelecimentos de roupas
que, pensava, poderiam contratá-la com mais facilidade.
Do lado de fora, um coche sem adornos freou e parou em frente à
casa dos Pullington. Ainda que fosse simples, era algo familiar.
Perplexa, Liz viu o tio descer do veículo, seguido por sua mãe.
Bateu nos ombros de Bea, apontou então se esgueirou apressada,
para a sala dos criados, preferindo evitar o confronto até que soubesse qual
era o propósito da visita. Sua posição a manteria fora de vista, mas a
conversa ficaria ao alcance de seus ouvidos.
Um momento depois, ouviu o tio identificá-los em voz alta:
— Lady Medford e Sr. George Gorsham. Gostaríamos de uma
audiência com lady Pullington.
— Queiram aguardar no salão, enquanto vejo se milady está
disponível — respondeu o mordomo, educado.

Allegra Gray 79
À Sombra de um Escândalo

— Diga-lhe que é assunto urgente.


— Certamente. — O homem se afastou, mas sem qualquer pressa.
Bea deu-se um tempo até adentrar a sala, mas, quando o fez, o tio de
Liz se adiantou:
— Lady Pullington. Compreendo que seja uma grande amiga de minha
sobrinha.
— Sim, sou.
— Indo direto ao ponto, pergunto-me se a senhora sabe sobre seu
paradeiro.
— Como assim, senhor?
Liz sorriu em seu esconderijo. A amiga não a denunciaria. Tio George
limpou a garganta.
— Dissemos, por algum tempo, que Liz visitava um parente
adoentado, mas, na verdade, ela partiu por conta própria. E, não há uma
maneira delicada de se dizer isso, com os rumores que a cercam, tornou-se
imperativo que eu a encontre.
— Estamos preocupados com ela — acrescentou a mãe dela. Liz
suavizou-se por um instante, mas o tio se exasperou.
— É chegada a hora de pôr um fim nessa maluquice e colocá-la sob
controle antes que nos envergonhe ainda mais.
A raiva a inundou, porém Liz se manteve quieta no lugar.
— As fofocas londrinas podem ser vis, é verdade — respondeu Bea,
sem se comprometer. — Mas o que o faz crer que Liz queira voltar?
Liz pôde imaginar o rosto do tio tornando-se vermelho.
— Por Deus, o lugar de uma moça solteira é com a família!
— Talvez ela não esteja certa se será bem vinda — replicou Bea.
— A senhora sabe onde ela está, ou não sabe? Subitamente, a
vergonha invadiu Liz. Não era nenhuma covarde. Não cabia a Bea responder
por ela ou pagar por seus erros. Ainda assim, era o que estava acontecendo.
Endireitou as saias, nervosa. Estava cansada de viver escondida. Não
havia ouvido uma só palavra sobre Harold Wetherby desde que fugira,
meses antes. Charity teria arranjado uma maneira de lhe contar se fosse o
caso. Com certeza, o infeliz já não queria mais nada com ela.
Sendo assim, voltar para casa não seria um prazer, mas ao menos não
seria perigoso. Nem ao menos precisaria ser algo permanente, disse a si
mesma, enquanto saía do esconderijo. Assim que encontrasse um emprego
respeitável, cuidaria de si mesma outra vez.
Caminhou para dentro do salão, interrompendo a conversa tensa.

Allegra Gray 80
À Sombra de um Escândalo

— Está tudo bem, Bea, não precisa mais se desculpar por mim. Vou
voltar com eles.
Era estranho. Antes de sair de casa, Liz vivia ouvindo sermões sobre
suas responsabilidades e sobre as expectativas da mãe. Agora, embora
houvesse voltado a seu antigo quarto, ninguém sabia o que fazer com ela.
Parecia condenada a se manter solteira, mas ninguém abordava o tema.
Além disso, ninguém sugerira que procurasse emprego. Mesmo assim,
com a ajuda de Bea, tinha conseguido uma entrevista com uma costureira na
semana seguinte. Não tinha qualquer intenção de contar à família, contudo,
antes que soubesse do resultado.
Além de Charity, não possuía quase ninguém com quem conversar.
Vários dos criados, cientes do fiasco financeiro dos Medford, tinham partido
em busca de novos trabalhos. O mordomo fora substituído por um homem
grosseiro que agia mais com soberba do que altivez para alguém interessado
em se estabelecer com a parca quantia que lhe poderia ser paga.
No final das contas, era uma casa quieta, contrita.
Na manhã de terça, após ter voltado para casa, Liz sentou-se no salão,
fingindo trabalhar com as agulhas enquanto o restante da casa fingia que ela
não estava ali.
Suspirou e olhou pelas janelas, o bordado esquecido. Precisava pensar
em algo. Estava disposta a admitir que tivesse sido tola ao se apaixonar por
Alex, mas, se não conseguisse remontar sua vida em breve, passaria o
restante de seus dias sob o domínio do tio.
A porta se abriu, e Charity entrou, atirando-se sobre a poltrona.
— Arre! Mamãe precisa parar. Não posso culpá-la por partir, Liz, pois
penso em fazer o mesmo.
— Do que está falando? — Sua adorável irmã parecia muito infeliz.
— Ela tenta me arranjar um casamento. Ainda nem virei mulher, mas
ela diz que isso não importa para certos cavalheiros. O único requisito é que
ele seja próspero o suficiente para que não se preocupe com um dote.
— Compreendo. Estou mais do que ciente desse requisito... Ainda que
não imaginasse que fosse depositar novas esperanças em você.
— Não vejo por que não podemos todos simplesmente nos retirar
para o campo. A casa de tio George não é tão pequena. Eu não preciso do
luxo de que ele tanto faz questão.
— Não quer se casar algum dia? Charity se endireitou.
— Talvez. Mas não assim. Sabe o que ela me contou hoje? Que lorde
Hetterton mostrou um possível interesse por mim. O que quis dizer com
"possível", eu não sei, mas sabe quantos anos ele tem?

Allegra Gray 81
À Sombra de um Escândalo

— Hetterton... — Liz tentou puxar pela memória. — Ah, sim. Mas o


homem deve estar chegando aos cinquenta! Onde você o encontrou?
— Em um chá que fui com mamãe. Ele passou quase uma hora me
contando sobre a paixão de suas irmãs solteiras por chihuahuas...
Liz reprimiu um sorriso ao ver o desprezo no rosto da irmã.
— Bem, pelo menos ele ainda não está batendo à nossa porta. Ainda
assim, honestamente, não creio que mamãe ou titio estejam dispostos a
ouvir sobre minhas preferências.
A culpa golpeou Liz.
— Tudo isso é culpa minha. Você não deveria estar nessa situação.
Por toda a vida, ela havia sido a responsável. Ao menos até os últimos
meses. Ainda que não se importasse mais com a própria reputação,
incomodava-a que, no final das contas, coubesse à irmã caçula também
pagar o preço.
Charity deu de ombros.
— Como eu disse não a culpo por fugir. Eu mesma a encorajei lembra-
se? Wetherby era um horror. Você não poderia se casar com ele. — Torceu o
nariz. — Hetterton não é assim tão ruim. Aborrecido, mas não descortês. O
problema é que não me imagino casando tão cedo, e com alguém tão mais
velho.
O lamento da irmã se manteve na cabeça de Liz pelo restante da tarde.
Ainda estava duelando com aquilo quando o tio a chamou pouco antes do
jantar.
— Liz tenho excelentes notícias.
Ela fitou o tio, ressabiada. Suas definições de "excelente" costumavam
ser bem diferentes.
— Harold Wetherby vai se juntar a nós para o jantar. Ele esteve
viajando e, com sorte, pode não ter sabido de suas escapadas. Rogo-lhe que
se comporte bem diante do cavalheiro, afinal, ele pode renovar sua
proposta.
Liz empalideceu.
— Dificilmente ele vai se esquecer de que desapareci bem antes que
nosso compromisso fosse anunciado.
O tio cruzou os braços sobre a grande barriga. — Você estava nervosa.
Era muito próxima de seu pai, e o falecimento teve um forte impacto sobre
suas emoções. — Os lábios dele se torceram ao pronunciar as palavras,
tornando claro que não acreditava em uma só letra do que dizia.

Allegra Gray 82
À Sombra de um Escândalo

Liz ergueu as sobrancelhas. Que pena que o tio não havia considerado
suas emoções ao ameaçar surrá-la até que recuperasse o juízo, após ela
voltar para casa.
— Tio George... — começou com um suspiro.
— Não discuta comigo, mocinha. Wetherby não circula pelas altas-
rodas, de modo que talvez não esteja ciente dos rumores sobre você e
Beaufort. Você não merece uma nova chance, mas pode consegui-la. Seria
bom para a situação da família que não a desperdiçasse.
Inferno! Liz praguejou em pensamento. O tio tentava envergonhá-la a
fim de que ela fosse gentil com Harold.
Bem, aquilo poderia melhorar a situação dele, mas ela falhava em
perceber que bem faria a ela.
Mesmo assim, havia Charity a considerar. Uma renovação de
compromisso com Harold tiraria a pressão de cima da irmã.
Isso se ela tivesse estômago para tanto.
— Penteie os cabelos e ponha um vestido limpo. Precisa fazer seu
melhor para atrair o homem.
Ela respirou fundo. Harold era a última pessoa no mundo a quem
desejava atrair.
Como a parte arruinada da família, no entanto, não estava em posição
de argumentar.
— Verei o que posso fazer.
— Seja rápida. Quero você pronta no momento em que Harold
adentre a casa. Ele não deve julgá-la como uma daquelas mulheres vaidosas
que consideram aceitável deixar um cavalheiro esperando.
Liz apertou os lábios, mas tratou de se tornar apresentável. Não fez
qualquer esforço para tanto, porém o tio não encontraria defeitos em seu
vestido de seda cinza-claro, ou na fita que amarrara nos cabelos,
combinando com o traje.
Desceu apática, de volta ao salão. Era cedo ainda; e pouco provável
que Harold aparecesse tão já.
O bordado repousava abandonado sobre o sofá. Olhou-o sem ânimo,
mas o apanhou por nenhuma outra razão que não evitar as críticas da mãe
sobre "mãos ociosas".
Mirou à lareira, distraída, registrando que o vaso de Limoge, que
costumava ficar ali, havia desaparecido.
Engoliu em seco. A falta de coisas belas não a incomodava tanto
quanto a sensação de que estava prestes a cair em uma armadilha.

Allegra Gray 83
À Sombra de um Escândalo

— Aí está você. — Charity se aproximou, carregando uma travessa


com bolinhos, a qual estendeu na direção dela. — Imaginei que fosse querer
alguns.
O fato de a irmã carregar a travessa era outra indicação da decadência
da família.
— Obrigada. — Liz esboçou um sorriso. — Harold já chegou?
— Não. Mas acabei de ouvir titio dizendo que ele está vindo. As duas
se entreolharam, o sofrimento de uma, espelhado no rosto da outra. Feria
Liz ver a irmã, sempre tão alegre, agora tão amuada.
— Odeio o papai — declarou com voz trêmula.
— Liz! — exclamou Charity. — Claro que não odeia. É ruim falar assim
dos que já se foram.
Liz suspirou.
— Eu o amava, sabia? Ele ria comigo, levava-me para passear, e jamais
brigava com minha falta de jeito, como a mamãe. Mas odeio que tenha nos
deixado nesta situação.
— Eu sei.
— Ele agia como se tudo estivesse perfeito e eu pudesse me casar com
quem escolhesse e quando quisesse. Queria que ele houvesse sido sincero
sobre as nossas circunstâncias.
— Talvez ele realmente julgasse a situação como algo temporário e
achasse que poderia se recuperar sem que ninguém soubesse. Afinal, deve
ser difícil para um homem contar à família que está arruinado.
— Ele não teria sido o primeiro — retrucou Liz, revoltada.
— Verdade, mas isso não torna as coisas mais fáceis.
— Eu sei. — Ela suspirou e mordeu um bolinho. — Está muito bom...
Melhor eu aproveitar. Tenho certeza de que não vou conseguir tocar no
jantar, sentada diante de Harold.
— Não vamos falar disso por enquanto.
— Está certa. — Liz limpou os farelos do colo, levantou-se e começou a
caminhar. — Estou com tanta raiva, Charity! De papai, titio, Harold, todos!
Até de mamãe por ela não ter providenciado um funeral adequado para o
papai, apesar de tudo, e insistir em manter se na cidade de cabeça erguida
quando mal pode se sustentar.
Charity puxou os cabelos para o lado, um hábito antigo que
denunciava sua tensão.
— Não compreendo também. Mamãe disse que precisou mandar
lacrar o caixão, por isso não pudemos nos despedir dele.

Allegra Gray 84
À Sombra de um Escândalo

Liz franziu a testa. Incomodara-a não ver o corpo do pai. Tinham sido
informadas de que o barão fora jogado para fora da carruagem, no acidente,
mas na certa poderiam tê-lo limpado o bastante para que tivesse um funeral
apropriado. Seria sua mãe tão sovina a ponto de se recusar a pagar por tal
serviço?
Sem querer atormentar a irmã ainda mais com seus lamentos, Liz pôs-
lhe um braço ao redor.
— Tenho certeza de que ele sabe que quisemos lhe dar adeus. E
lamento ter dito que o odiava... Estou apenas aborrecida.
— É compreensível. Em seu lugar eu estaria com raiva também.
— Por que tio George me detesta tanto? Os olhos de Charity
suavizaram.
— Não é só você. Ele foi terrível com a mamãe enquanto você estava
fora. Gritava com ela constantemente, dizendo que ela se julgava melhor do
que o restante da família por ter se casado com um nobre, e que agora
estávamos nesta situação.
— Ah, Céus!
Liz não estava no melhor dos termos com a mãe, mas desprezou o tio
ainda mais.
— Ele nos vê como um problema a ser resolvido, de preferência com o
mínimo possível de seu dinheiro. Por isso é tão indelicado com você. Casá-la
com Harold facilitaria as coisas para ele.
— Eu jamais faria isso voluntariamente — Liz afirmou, então esboçou
um sorriso. — Uma coisa de cada vez. Ajude-me a pensar em uma maneira
de suportar esta noite.
O espírito travesso de Charity acendeu-lhe os olhos.
— Que tal, litros e litros de vinho? — sugeriu sorridente.
Charity podia estar brincando, mas, quando, por fim, sentaram-se à
mesa, agarrou-se à taça como se esta fosse o limite entre a vida e o
purgatório. A tentação de fugir de novo, de escapar para qualquer lugar que
não aquele, quase a exauriu.
Harold dominou os assuntos do jantar, relatando os detalhes de suas
viagens recentes ao continente. Fora uma viagem tediosa, pensou Liz, mas
tio George continuava a instigá-lo com perguntas sobre quem havia
encontrado e se realizara contatos promissores.
Ela rezou para que um deles fosse uma noiva, aliviando-a de suas
futuras obrigações, mas Harold não mencionou nada do gênero.
Ocasionalmente, pausava o monólogo, enfiando comida pela boca e
analisando-a enquanto mastigava.

Allegra Gray 85
À Sombra de um Escândalo

Liz decidiu que seria melhor manter os olhos no prato. Quando um dos
homens a ela se dirigia, respondia economizando palavras.
A mãe e Charity permaneceram caladas, ainda que, de vez em quando,
Liz percebesse o olhar compassivo da irmã mais nova.
Suspirou. Por ora, tudo o que precisaria fazer seria suportar o jantar
inteiro. Depois disso, daria preferência a costurar mil vestidos a se casar com
o suíno do outro lado da mesa.
Na metade do jantar, Liz sentiu a cabeça leve.
Ao final, no entanto, percebeu ter sido leviana demais com o vinho.
Céus! Quantas taças havia tomado? Sua cadeira parecia flutuar em mar
aberto... Temeu o momento em que precisaria se levantar e retirar-se com a
irmã.
— Liz, por que você e o Sr. Wetherby não ficam mais um pouco,
enquanto o restante de nós se retira? — sugeriu o tio dela. — Ele me disse,
antes do jantar, que gostaria de conversar com você em particular, e aprovo
a ideia.
Sonolenta, ela pensou não ser uma ideia tão ruim, pois isso a pouparia
da indignidade de ter de se levantar e revelar seu estado. Ao mesmo tempo,
estaria a sós com Harold.
— Estou certa de que ele não se importará caso fiquem — declarou,
embora as palavras tivessem saído mais lentas do que de costume.
— De modo algum — respondeu o tio. Acenou então para as duas
outras mulheres. — Venham, senhoras.
Aflita, Liz assistiu as formas oscilantes do tio, da mãe e da irmã
esgueirar-se para fora do recinto.
Seu pretendente moveu-se para perto, tomando o assento ao lado.
— Termine seu vinho, Liz. — Estendeu-lhe a taça.
Ela sacudiu a cabeça, e a sala inteira girou. Péssima ideia.
— Não, creio já ter bebido muito. Por que queria falar comigo?
Engraçado. As palavras saíam arrastadas, e a sala parecia dançar
diante dela. Piscou para ver melhor.
-— Vamos conversar — disse Harold. — Mas antes proponho um
brinde. A nós?
Sinos de alerta soaram em sua cabeça confusa.
— Não existe nós, Harold — ela o informou, ou pensou ter feito isso.
Nunca saberia ao certo, pois a sala oscilou e a mesa subiu até encontrar seu
rosto.
Sonhou. Sabia disso, mas não podia erguer a grossa camada de névoa
que a mantinha ali. Estava viajando. Às vezes um tranco chegava-lhe à

Allegra Gray 86
À Sombra de um Escândalo

consciência, fazendo-a se perceber num veículo em movimento, na certa


uma carruagem, os braços posicionados às costas. A língua parecia grossa; a
garganta, seca. Uma vez, talvez duas, alguém he levou um cantil à boca, e ela
bebeu intensamente.
A névoa desceu mais uma vez e a carregou de novo para o mundo dos
sonhos. Para a noite da morte do pai.
Retorceu-se, ciente dos eventos que seguiriam. Assistiu a si mesma,
uma Liz mais inocente, descer as escadas, olhar para a tempestade noturna
lá fora, e seguir até a cozinha para um lanche tardio.
— Maldição, Fuston, o que aconteceu?
Jamais, em toda a sua vida, havia ela ouvido o formal mordomo usar
tal linguajar. Encolheu-se em um canto sombrio do corredor. Um fio de luar,
vindo de uma pequena janela, recaía sobre Fuston, o cocheiro, que tremia.
— Foi um acidente. Não pude fazer nada. Os cavalos se assustaram
com um lobo, acho, e se descontrolaram. Consegui apenas saltar antes que a
carruagem sumisse pela ravina.
O pavor a inundou. Ainda assim, ela não ousou revelar-se antes de
saber o que havia ocorrido ao pai.
— E quanto ao patrão? — Mesmo em choque, o mordomo soava
impositivo.
Fuston balançou a cabeça, parecendo horrorizado. Ela sentiu o fôlego
faltar e caiu de joelhos, imaginando o pior.
Os homens olharam em volta, procurando pelo barulho, mas as
sombras a mantinham escondida. O sangue pulsava em suas orelhas
enquanto se esforçava para ouvir mais.
— Você chamou um médico?
— Não havia necessidade — sussurrou o cocheiro.
Tonta, ela pressionou os dedos contra a boca, abafando o gemido que
lhe escapava.
— Precisaremos informar à baronesa. Ela partiu no coche de lady
Jameson esta noite, mas não falou sobre seu paradeiro.
Ela duvidou de que encontrassem sua mãe na casa dos Jameson.
Lady Jameson jogava com a mãe dela com frequência, mas lorde
Jameson não aprovava isso, de modo que todos os jogos noturnos ocorriam
na casa de outros. Estava prestes a revelar isso quando o mordomo falou
outra vez:
— Onde está o corpo do barão?

Allegra Gray 87
À Sombra de um Escândalo

Suas entranhas se revolveram diante da menção aos restos mortais do


pai. Fuston parecia em pânico. Cascatas de suor perolavam e desciam-lhe
pelo rosto.
— Há um problema... — O cocheiro puxou o mordomo para perto e
sussurrou-lhe algo que ela não pôde ouvir. O fio de luar iluminava a ambos
agora, e podia ver a surpresa na expressão normalmente impassível do
homem mais velho, antes que este se virasse e se apressasse até a porta,
puxando o pobre Fuston com ele.
Ela permaneceu onde estava às pernas bambas, incapaz de absorver a
conversa que tinha ouvido. O pai não podia estar morto. Não podia crer em
uma só palavra das que tinha ouvido. Poderia levar horas até que a mãe
retornasse, mas ela havia pouco interesse em encontrar e consolar a fria
baronesa.
Mas não poderia, também, ficar agachada no corredor para sempre.
O tecido do vestido flutuou ao longo do corredor vazio enquanto ela
seguia para acordar a irmã. Onde estava Charity?
Um tranco a trouxe de volta das terríveis memórias. A carruagem
havia parado.
Entorpecida, Liz tentou endireitar-se, mas os braços que não
conseguia mover das costas estavam dormentes demais. Forçou-se a abrir os
olhos, e as formas generosas de Harold Wetherby se revelaram diante dela.
No momento seguinte, era carregada para fora do veículo.
Uma onda de náusea a assolou quando o homem a atirou por sobre o
ombro e seguiu em direção a uma casa desconhecida.
Liz fechou os olhos de novo e voltou a sonhar.
Desta vez, estava num baile, a mãe advertindo-a de que uma donzela
deveria ser sempre educada com um cavalheiro antes de empurrá-la para
perto do primo atarracado e de expressão maliciosa. Ele a conduzira até a
sacada. Para tomarem ar puro, disse.
De repente, sentiu-lhe os dedos subindo pelas costelas até ter um seio
apertado com lascívia... Não! Ela se debateu e abriu os olhos.
Piscou e olhou em volta. Ao ver o quarto pouco familiar, uma terrível
sensação de desconforto subiu-lhe ao estômago. Estava grogue. Por que não
se recordava de nada? Ou ao menos de como havia chegado até ali?
A última coisa de que se lembrava, era de estar em casa, tolerando um
jantar desagradável com a mãe, Charity, tio George e Harold. Tinha bebido
mais vinho do que de costume, mas com certeza não a ponto de perder a
memória daquele jeito.

Allegra Gray 88
À Sombra de um Escândalo

Alguma coisa estava errada. Tinha vagas memórias de uma viagem, de


estar terrivelmente desconfortável e incapaz de se mover. Onde estava
afinal?
O cômodo era pequeno e a janela se encontrava fechada.
Mas era dia, notou pelas frestas de luz.
Levantou-se da cama, usando uma pequena mesa para firmar-se ao
sentir nova vertigem. Abriu a cortina e inspirou o úmido ar do campo.
Franzindo a testa, virou-se outra vez para o quarto. Era decorado em azul-
claro e tinha uma mobília adequada, ainda que sem luxo.
Estava certa sobre jamais ter estado ali.
Passos soaram do lado de fora da porta. Alguém subia um lance de
escada. A porta se abriu e revelou o primo dela com uma bandeja de chá na
mão, o rosto vermelho pelo esforço da subida. Havia mudado de roupa,
notou, ainda que a capa bordada não ajudasse em nada para lhe melhorar a
imagem.
Aquilo, entretanto, só provava uma coisa: ele tinha planejado tudo.
Harold lançou-lhe um sorriso arrogante.
— Srta. Medford... Que prazer.
— Onde estou? O que você fez? — Ela exigiu, apavorada.
— Relaxe, Liz. Apenas achei melhor levar minha noiva a algum local
tranquilo onde pudéssemos repensar nosso relacionamento.
— Não tenho qualquer relacionamento com você. E também não sou
sua noiva!
— Ah, Deus! — Harold baixou a bandeja até uma mesa lateral, e então
se apoiou indolentemente no batente da porta. — Vejo que estava certo
quando disse a seu tio que talvez você precisasse de algum tempo para se
adaptar à ideia. Na verdade, assinamos nosso compromisso duas noites
atrás.
— E onde eu estava?
— Você estava... Descansando.
— Estava drogada, você quer dizer. Você me drogou! — Liz acusou
revoltada, o sangue pulsando-lhe nas têmporas.
— Foi para o seu próprio bem. Mas com seu comportamento
abominável das últimas semanas, não esperávamos que você visse as coisas
como são.
— E como elas são? — ela exigiu trêmula. — Acha que tem sentido
drogar uma mulher com quem pretende se casar e levá-la para... Onde estou
afinal? Que dia é hoje?
— Hoje é quinta-feira. E está... Em uma propriedade particular.

Allegra Gray 89
À Sombra de um Escândalo

— Uma propriedade de onde não posso escapar você quer dizer — ela
deduziu com desgosto.
— Apenas até que se ajuste.
— Que me ajuste a quê?
Harold empurrou o batente e caminhou na direção dela. Tomou-lhe o
queixo sem delicadeza, forçando-a a fitá-lo.
— A casar-se comigo. A ser obediente. A pôr a minha vontade acima
da sua própria, como deve fazer uma mulher.
Liz liberou o queixo.
— Você é louco.
Ele se aproximou mais, as feições retorcidas.
— Asseguro-lhe de que não. Você vai aprender a me obedecer, nem
que precise apanhar. Será melhor se aceitar o fato.
A parede por trás de Liz limitou-lhe a retirada, e ela virou a cabeça,
tentando evitá-lo.
Sua mente ainda sofria os efeitos da droga que lhe haviam ministrado,
mas ela lutava para pensar em uma saída.
— Uma mulher direita não passaria nenhum tempo a sós com o
homem que pretende desposar — declarou os ombros retos.
— Direita? — Harold lançou uma feia gargalhada. — Toda a sociedade
vem comentando sobre seu comportamento. Seu tio pensa que não sei, mas
não sou nenhum tolo.
— Não é meu comportamento que pretende mudar? — Ela arriscou
numa última cartada. — Talvez fosse melhor começar me obrigando a dar
um bom exemplo.
— Lamentavelmente, precisaremos esquecer esse aspecto. — Lançou-
lhe um olhar que sugeria descaso. — Você já se provou indigna de confiança
e imprevisível, de modo que nossos assuntos devem ser resolvidos em
particular. Além do mais, ficar a sós comigo só vai, aos olhos da Igreja,
reforçar a necessidade do casamento.
As mãos dele lhe circundaram a cintura, então subiram até as costelas,
os polegares pressionando a parte debaixo dos seios.
— Pare! — Liz tentou se afastar, mas a parede a impediu. Harold
apertou-lhe os seios de leve.
— Seu toque me dá náuseas! Se não me soltar, vou vomitar! Ele deu
um passo atrás, o olhar de antes substituído por outro, de pura raiva.
— Não pense que isto está acabado, Liz. O mundo todo já sabe que é
uma vadia. Não vai conseguir me afastar com essa conversa de mulher
direita. Ainda vou pôr as mãos nesse seu corpinho deleitável... Talvez não

Allegra Gray 90
À Sombra de um Escândalo

agora, mas muito em breve, pois estou no comando aqui. Deveria aprender a
me agradar e obedecer se quiser recuperar sua liberdade, ou conseguir uma
visita que seja à sua irmã.
— Prefiro a morte! — ela gritou. Harold lançou-lhe um olhar piedoso.
— Estou certo de que vai repensar isso. — Virou-se e, apanhando a
bandeja, deixou o recinto.
Apenas quando o ouviu passar o trinco, Liz percebeu estar presa.
Desgraçado!
As atitudes de Harold, ainda que desprezíveis, não a surpreendiam.
Estavam bem de acordo com seu caráter.
Mas pensar que o tio havia concordado com aquele plano sórdido a
fez odiá-lo a ponto de tremer.
Mas ela não seria subjugada tão facilmente.
Seguiu até a janela. Do lado de fora, viu um pequeno jardim, depois
pastos verdes e, por fim, uma floresta. A névoa da manhã ainda pousava
sobre as reentrâncias dos montes e vales. Nenhuma estrada, nenhuma vila.
Talvez a janela desse para os fundos da propriedade...
Ou então Harold a tinha levado a um lugar muito distante.
Entre a casa e a floresta, não havia onde se esconder. Precisava ser
rápida.
O quarto que a aprisionava era outra história. Uma grossa cerca viva
crescia por baixo da janela.
Mordeu o lábio, considerando-a. Caso se pendurasse no parapeito, a
cerca abreviaria a queda, embora a aterrissagem pudesse ser bem
desagradável. Ainda assim, não tão desagradável quanto esperar ali por um
resgate que poderia jamais chegar.
Poderia fazer aquilo. Olhou mais uma vez, mas não havia sinal de
Harold. Lentamente, passou pela janela e se abaixou até ficar pendurada
pela ponta dos dedos. Segurando o ar, deixou-se cair.
Sentiu o vestido rasgar ao se enroscar num galho, mas, a despeito
disso, chegou sã e salva. Assim que sentiu as pernas firmes, correu em
direção à floresta.
Era mais longe do que parecera da janela, e seus pulmões ardiam. Não
ousou reduzir o ritmo até estar abrigada sob as árvores.
Enfim, deixara o campo aberto para trás. Deslizando em torno do
tronco de uma grande árvore, apoiou-se contra as raízes, a fim de recuperar
o fôlego. O orvalho havia lhe encharcado os sapatos e a barra das saias.
Ainda usava as roupas que vestira para o jantar, em Londres. Nada
apropriadas para viagens rústicas.

Allegra Gray 91
À Sombra de um Escândalo

Bem devagar, seu coração se acalmou, e ela pôde ouvir o orvalho


caindo das folhas. Tudo parecia calmo demais. Pelo frio no ar, e pelas
árvores que a cercavam, deduziu ter sido levada para o Norte.
Mas, onde, não era capaz de dizer.
Espiou por trás do tronco. Ninguém à vista. Sem um destino particular
em mente, passou para uma árvore próxima, e depois para a seguinte,
mantendo o campo à vista de modo a não se perder. Se ao menos
encontrasse uma cabana onde pudesse pedir ajuda!
O som de cascos batendo na terra firme soou de repente. Liz correu
para se abrigar mais ao fundo da floresta, porém era tarde demais. A mão
enluvada de Harold a empurrou para o chão, enquanto ele puxava as rédeas
e fazia o cavalo parar.
Liz caiu com tudo, o ar expulso dos pulmões. Desesperada, arrastou-se
de costas. O rosto de Harold estava roxo de fúria.
— Desgraçada! Achou mesmo que eu não iria me lembrar da janela?
— Saltou do cavalo com surpreendente agilidade a considerar seu peso.
Agarrou-lhe o braço e a fez ficar de joelhos, como se fazia a uma criança
malcriada.
— Vai aprender a me obedecer... — Golpeou-a no traseiro com toda a
força. — Não terei uma esposa desrespeitosa!
— Seu monstro! — Liz arfou revoltada.
Harold ignorou o insulto, forçando-a a se levantar. Em seguida sacou
um pedaço de corda da sela e lhe amarrou os pulsos.
Liz lutou por alguns instantes, depois parou, ainda que sua cabeça
continuasse a trabalhar na tentativa de encontrar uma saída. Fisicamente,
Harold era bem superior. Além disso, com ele a cavalo, seria impossível fugir
a pé.
Grunhindo como um porco, ele a suspendeu até o dorso do animal,
então montou por trás dela. Liz estremeceu diante do contato com a massa
suada. Ainda assim, manteve-se quieta. Deixá-lo com mais raiva só pioraria
as coisas.
Harold conduziu o cavalo de volta a casa. Permitiu que o animal
seguisse lentamente, aproveitando o tempo para passar as mãos pelo corpo
de Liz.
Ela sentiu bile subir à garganta ao sentir-lhe a excitação. A corda
cortava-lhe os pulsos, mas não importava o quanto tentasse, não conseguia
afrouxá-la.
Quando estava a ponto de desfalecer de desgosto e repulsa nas mãos
do aproveitador, chegaram a casa. Era uma construção discreta de dois

Allegra Gray 92
À Sombra de um Escândalo

andares, pintada de azul-claro. Grande o suficiente para abrigar uma família


e talvez um criado ou dois. Com certeza não parecia uma prisão.
A porta da frente se abriu, e um homem desconhecido e de aparência
suja deu um passo para fora.
Após buscar na memória, Liz o identificou como o cocheiro que
ajudara Harold em seu sequestro. Outro inimigo.
Harold desmontou, e Liz se ressentiu por ter de esperar que ele a
tirasse do cavalo.
O criado se aproximou e tomou as rédeas do animal.
— Foi bem rápido em recuperá-la, senhor.
Harold estufou o peito e passou um braço pela cintura de Liz.
— Ela é teimosa, mas não é páreo para mim.
Liz se retorceu. O homem soltou uma gargalhada áspera e conduziu o
cavalo em direção ao celeiro.
Ela fechou os olhos por um instante. Sentia o corpo todo abusado. E a
sensação só fez aumentar quando Harold a arrastou até o quarto de onde
havia escapado.
— Sugiro que repense seus modos, doce Liz — disse a centímetros de
seu rosto. — Ainda que caçá-la seja divertido, prefiro uma mulher mais
submissa para esposa. Vou desamarrá-la agora, mas espero que tenha
aprendido a lição.
Começou a trabalhar no nó, não sem antes dar-lhe um belo beliscão
no traseiro.
Liz o chutou na canela, mas seu sapato úmido não era páreo para as
botas de montaria que o primo usava.
— Não apenas não sou sua esposa como já deixei bastante claro que
não vou me casar com você! — gritou revoltada, e, no momento em que viu
os pulsos livres, lançou-lhe um cotovelo nas costelas.
Harold absorveu o impacto e a empurrou contra a parede.
Liz deixou escapar o ar dos pulmões, depois esfregou os pulsos,
procurando recuperar a circulação, enquanto cravava os olhos no homem à
sua frente.
— Por toda a vida ouvi falar em coisas que eu não poderia ter — ele
começou numa voz rouca e ameaçadora. — Coisas para as quais eu não era
bom o suficiente, nem nobre o suficiente. E você, a filha de um simples
barão, pensava estar tão acima de mim. Ficava desfilando por aí, pelas altas-
rodas, tratando-me como um parente pobre, enquanto, o tempo inteiro, seu
pai gastava a fortuna em mesas de apostas. E veja quem é o parente pobre
agora...

Allegra Gray 93
À Sombra de um Escândalo

Ela balançou a cabeça. Jamais tinha se exibido para parentes pobres, a


maioria dos quais era gente decente. Ainda assim, uma coisa que Harold
dissera era verdade:
— Com dinheiro ou não, você jamais será bom o suficiente para mim
— declarou de queixo erguido.
— Sua audácia é impressionante, mas ambos sabemos que isso não é
verdade. Não fosse por mim, você estaria nas ruas.
— Seria preferível a estar ao seu lado. Sou perfeitamente capaz de me
defender sozinha.
— Ah, é? Então por que voltou engatinhando para casa quando sua
última aventura não deu certo?
— Eu não devia estar pensando — ela admitiu num murmúrio.
— Ao contrário. Talvez tenha sido a decisão mais racional que já
tomou. Se apenas houvesse vindo seguida do aprendizado sobre gratidão e
obediência... É melhor que se resigne Liz. Nenhum homem vai querê-la
agora.
Ela deu de ombros. Homens; havia aprendido, eram criaturas ruins.
Nenhum deles era digno de confiança.
— Considere bem suas próximas atitudes, minha querida. Você terá
tempo de sobra.
Harold saiu, mais uma vez trancando a porta.
O estômago dela roncava, lembrando-a de que a última vez em que
comera fora no fatídico jantar, antes de seu sequestro. Seria a intenção de
Harold matá-la de fome até que se submetesse a ele?
Quando os passos do detestável primo haviam se convertido em
silêncio, permitiu que lágrimas de frustração rolassem finalmente.
Como tinha chegado àquele estado? Dez meses antes, era a filha do
barão de Medford. Um mês antes estava feliz o suficiente como governanta
e amante de um dos mais poderosos homens da Inglaterra.
De qualquer modo, nem seu pai nem o duque eram o que pareciam. E
agora ela não era mais do que a refém de um sujeito a quem julgava menos
digno do que um rato.
Uma mulher deve se colocar sob os cuidados de um homem, lembrou-
se das palavras da mãe, desgostosa. Como era possível que ela pensasse
daquela maneira?
Talvez não estivesse sendo justa em relação a Alex. Ele havia lhe
oferecido mais proteção do que ela estivera disposta a aceitar.
Sacudiu a cabeça. Como era tola por ainda tentar encontrar maneiras
de liberá-lo da culpa. Deveria ser mais esperta. Mesmo que Alex não a

Allegra Gray 94
À Sombra de um Escândalo

houvesse aceitado como moeda de troca pelas dívidas de jogo de seu pai,
pelo que o tal Cutter sugerira no parque, ele costumava seduzir e abandonar
suas mulheres. Alex podia ter lhe oferecido dinheiro, joias, mas teria
poupado seu coração?
Provavelmente não. Afinal, não recebera uma só palavra dele, desde
que partira em negócios.
Dali em diante, não confiaria mais em ninguém.

Allegra Gray 95
À Sombra de um Escândalo

Capítulo III

Alex sorriu quando a casa do visconde Grumsby surgiu à vista. Estivera


longe por muito mais tempo do que havia planejado, mas, por fim, havia
colocado as coisas em ordem. O navio estava com os reparos quase prontos,
o capitão fora substituído e seu parceiro, tranquilizado. Quanto aos
prejuízos, ele os recuperaria na próxima expedição à índia.
Tudo parecia bem mais promissor, exceto por um detalhe
preocupante: sentira muito a falta de Liz.
E não apenas fisicamente. Sentira falta de seu espírito alegre, de seu
senso de aventura. Sentira falta da maneira como, a despeito da ruína da
família, ela sempre pensava no futuro com otimismo, algo que ele próprio já
não vinha fazendo.
Por isso decidira fazer uma visita à irmã e ao cunhado antes de
retornar a Londres.
O caminho que subia para a casa pareceu mais longo do que de
costume; e foi com alívio que ele conduziu o faetonte ao longo da
construção e atirou as rédeas ao criado que surgiu para ajudar.
— Cuide dos cavalos, por favor. Foi uma longa viagem. — Desceu do
veículo e caminhou em direção a casa.
Do lado de dentro, o mordomo informou-lhe que milord e a senhora
estava fora, passando o dia.
Não importava. Seria poupado dos pretextos e veria Liz.
— As crianças?
— Lá atrás, milord, com a governanta.
— Perfeito.
Fez o itinerário que levava aos fundos da mansão e, no mesmo
instante, ouviu as risadas dos pequenos.
Pouco depois, Henry vinha correndo em sua direção.
— Tio Alex!
Ele jogou o sobrinho no ar, e o menino gritou de felicidade.
— De novo!
— Em um minuto — disse, procurando por Liz.
Mas tudo o que viu foi Clara se curvando sobre uma flor, próxima a
uma senhora grisalha.
— Henry, onde está a sua governanta?
— Está ali — O garoto apontou para a senhora. Alex franziu o cenho.
— Quero dizer: onde está a Srta. Medford?

Allegra Gray 96
À Sombra de um Escândalo

— Ah. Não está mais aqui.


— Como assim? — ele indagou com o coração disparado. Henry deu
de ombros.
— Ela disse que precisava partir. Não queríamos que ela fosse embora,
mas ela foi mesmo assim. A Srta. Medford era divertida. Mas mamãe diz que
devemos obedecer a Srta. Grifford agora.
Que diabo havia acontecido?
— Tio Alex, jogue-me para cima mais uma vez!
— Agora não, Henry — ele murmurou. — Vá brincar com Clara.
A decepção do menino refletia a dele. Cabisbaixo, Henry se afastou.
Alex suspirou pesadamente, iria se acertar com o sobrinho depois.
— Que bons ventos o trazem, meu irmão? O duque ignorou a polidez
da irmã.
— Onde ela está?
Marian ergueu uma sobrancelha.
— Ela, quem?
— Você sabe a quem me refiro. Onde está Liz?
Ele não pudera extrair qualquer informação útil da criadagem, de
modo que, caminhando pelos cômodos da casa incessantemente, fora
obrigado a aguardar o retorno de Marian. Teria Liz partido a fim de evitá-lo?
Teria recebido alguma oferta melhor de emprego ou de casamento?
Por sorte, a irmã resumira o passeio e voltara antes que ele pudesse
cavar buracos no piso da casa.
— Onde está ela, Marian? — repetiu, enquanto a moça desamarrava o
chapéu com enlouquecedora lentidão.
— Ela se foi, Alex. Mas, dê-me um instante... Se me seguir até o salão,
podemos conversar tomando um chá.
— O que quer dizer com "ela se foi"? — Ele ignorou o apelo da irmã,
bloqueando-lhe a passagem. Precisava saber o que havia acontecido naquele
momento.
Marian comprimiu os lábios e se endireitou.
— Não tive escolha. Londres inteira fervilhava com comentários sobre
vocês dois.
Alex desviou o olhar, incapaz de negar a acusação implícita, mas
incerto sobre o quanto de seu romance com Liz era conhecido.
— Seus desatinos me custaram uma boa governanta desta vez. —
Marian lançou-lhe um olhar de condenação. — Deixe-me falar sinceramente,
Alex. Sei que está acostumado a ter a mulher que deseja, mas costuma

Allegra Gray 97
À Sombra de um Escândalo

cuidar para que não tenham problemas. Por que Liz? Ela era uma boa
menina, ainda que a família não tivesse sorte, e as crianças a adoravam.
— Lamento. Sei que as crianças gostavam dela. — Seguindo em
direção à porta, ele perguntou: — Ela disse para onde ia? O que planejava
fazer no futuro?
Marian cruzou os braços.
— Que futuro, Alex? A reputação da pobre foi arruinada além de
qualquer limite.
— Marian... — ele falou devagar. — Para onde ela foi?
— Para casa, creio. Isto é, se é que a família a recebeu de volta.
Ele se virou e saiu, deixando a irmã estupefata com sua total falta de
modos.
— Cavalariço! — chamou, chegando ao estábulo. O mesmo rapaz de
antes se aproximou.
— Apronte o faetonte e os cavalos. Vou para Londres. O menino
franziu a testa.
— Sim, milord.
Maldição. Como aquilo havia acontecido enquanto estava fora? E por
que ninguém o informara da situação? Perguntou-se Alex, inconformado.
Os cavalos sacudiram-se em protesto quando ele os açoitou com as
rédeas. Estavam cansados, mas ele devia desculpas a Liz. Não estava
disposto a perdê-la com tanta facilidade.
Após vários grampos quebrados, Liz percebeu que abrir uma
fechadura era bem mais difícil do que as heroínas de seus romances
favoritos a tinham feito crer.
O que significava que deveria ser esperta e tentar convencer Harold de
que havia desistido de lutar. Se conseguisse liberdade suficiente apenas para
vagar pelas cercanias, poderia planejar uma rota de fuga, ou mesmo
encontrar uma maneira de pedir ajuda.
Tramar a fuga a manteve distraída da fome crescente. Mas conforme o
crepúsculo descendeu sobre os campos e um delicioso aroma de rosbife se
elevou pela escada, nada pôde desviá-la de seu apetite. Não comia desde a
noite do sequestro. Não sabia ao certo por quanto tempo tinham viajado,
mas Harold dissera ter assinado o compromisso de noivado duas noites
antes, o que significava que havia passado bastante tempo desde sua última
refeição.
Se soubesse o que realmente estava por vir durante aquele último
jantar em família, teria prestado mais atenção ao que tinha no prato e
menos ao vinho batizado.

Allegra Gray 98
À Sombra de um Escândalo

Quando a luz do lado de fora diminuiu ainda mais, e como Harold


ainda não houvesse reaparecido, ela decidiu bater à porta. Precisava de
energia para colocar qualquer plano em prática, e isso significava um bom
prato de comida.
Ouviu os passos com uma mistura de alívio, raiva e medo.
A porta se abriu apenas o suficiente para que ele lhe bloqueasse
qualquer chance de fuga.
— Sim? — perguntou Harold, curioso, como se não tivesse ideia do
que Liz poderia querer.
Inferno. Odiava ter de implorar.
— Não vai dividir nenhuma refeição com a sua noiva? — Manteve a
voz tranquila, ainda que a ideia de dividir qualquer coisa com aquele porco
imundo a fizesse ter náuseas.
— Seu comportamento, nesta manhã, fez pouco para me convencer
de que merece isso. Talvez queira se desculpar?
Ela o odiou ainda mais.
— Lamento pelo inconveniente que lhe causei. Harold lançou-lhe um
sorriso esperto e satisfeito.
— Ainda assim, acho melhor que fique aqui por mais algum tempo.
Vou trazer uma bandeja.
Ótimo, pensou Liz. Não importava onde faria sua refeição, contanto
que se alimentasse.
Harold voltou com uma pequena baixela.
— Como já comi, vou apenas lhe fazer companhia. — Passou-lhe a
bandeja e sentou-se na cadeira mais confortável do quarto.
Quando Liz viu a quantidade de comida que ele havia lhe reservado,
teve vontade de chorar, mas o orgulho a impediu.
— Ouvi dizer que vocês, meninas, tem apetite delicado. Espero que
isso não seja pesado demais para você...
A minúscula porção de bife e pão não seria pesada nem para um
pardal. Era o suficiente apenas para instigar, e não saciar o apetite.
Ela lançou-lhe um sorriso, como se tudo estivesse perfeito, e tratou de
comer o mais lentamente que podia, embora o desejo fosse de engolir tudo
e implorar por mais.
Harold a observou com olhos estreitos. No instante em que ela
terminou, levantou-se e retirou a bandeja.
— Melhor ter uma boa noite de sono, querida. Quem sabe amanhã
possamos estreitar nossos laços...
— Talvez. — Ela sentiu o estômago revirar, mas deu um sorriso.

Allegra Gray 99
À Sombra de um Escândalo

Até que a porta se fechou. Quando escapasse, e ela iria escapar,


decidiu, precisaria de um lugar para onde ir.
Precisava enviar um recado a Alex. O duque de Beaufort podia ter lhe
partido o coração, mas, se soubesse de suas condições, não se furtaria a lhe
oferecer proteção.
Os cavalos do duque estavam exaustos e arrastando os cascos no
momento em que chegaram ao número nove da Milton Road. Alex não se
encontrava muito melhor quando saltou da charrete e subiu os degraus da
casa dos Medford.
Um mordomo de uniforme esmaecido o conduziu para dentro, e Alex
observou ao redor, impaciente, enquanto esperava pela visão da mulher de
quem sentia tanta falta.
A pessoa que o cumprimentou, no entanto, lembrava tanto Liz quanto
um paralelepípedo lembra um rubi.
— Vossa Graça, que prazer inesperado. Alex não estava para festas.
— Quem é você?
— George Gorsham, irmão de lady Medford, milord.
Ah. O tal tio George a quem Liz se referira com tanto desdém.
— Onde está a Srta. Medford?
Os olhos do homem se desviaram.
— Receio que não esteja aqui.
— Por que não? — Alex sentiu o sangue abandonar o rosto.
— Minha sobrinha retirou-se para o campo.
— Onde, exatamente? Quero um endereço. George esfregou as mãos,
contra a calça, nervoso.
— Lamento Vossa Graça, mas não posso dizer.
— Não pode ou não quer?
— Não posso. Sinto muito. Mas, caso tenha negócios com Liz, tenho
como lhe enviar uma mensagem. Sei de alguém que diz conhecer o
paradeiro dela.
— Não há necessidade. Meus negócios com ela são assunto meu.
Quem é a pessoa que pode me informar onde ela está?
— Harold Wetherby.
— Wetherby? — Ele sentiu o coração dar um salto. — Só pode estar
brincando.
— Não. Ela está com ele.
— Sozinha? — O pulso de Alex acelerou enquanto o sangue lhe subia à
face novamente.
— Hum... Eu não sei ao certo.
Allegra Gray
100
À Sombra de um Escândalo

Alex agarrou o homem pelo colarinho.


— Ela foi por livre e espontânea vontade?
George preferiu não responder, embora a pressão de Alex em seu
pescoço fosse o suficiente para lhe roubar o ar.
Alex dispensou a resposta, contudo. Sabia como Liz se sentia acerca do
primo.
Como o rosto de George se tornasse vermelhos, Alex o soltou, e o
velho caiu sobre uma cadeira, lutando para recuperar o fôlego.
— Se Liz sofrer algum mal nas mãos daquele desgraçado, acertarei as
contas com você — ameaçou antes de deixar a casa.
Para o desprazer de Liz, ela precisou de três dias de hipocrisia para
merecer a liberdade de vagar pelos arredores. Mesmo agora, Harold dava-
lhe comida apenas o suficiente para que sobrevivesse. A falta de comida a
deixava sem energia, mas cada vez mais resoluta.
Quando deixara o quarto, o sequestrador e seu criado sujo, Bormley,
tinham se mantido perto o suficiente para que ela não tentasse escapar
novamente. O criado era menos atento do que Harold, no entanto, e, sob
sua supervisão, ela conseguira esconder, conforme os dias passavam pena,
tinta e papel por baixo do vestido.
Após uma semana de cativeiro, pôde fazer uso do material que tinha
reunido.
Lembranças da voz profunda de Alex, e de seus olhos escuros
brilhando de paixão, inundaram-na enquanto escrevia. Deveria confessar
que ele ainda era dono do seu coração?
Não. Homens esperavam uma mistura de paixão e praticidade de uma
amante, e não amor.
Vossa graça,
Certa vez ofereceu-me proteção caso eu aceitasse ser sua amante, e,
tola que sou, recusei tal proposta. Agora sinto falta da paixão que
compartilhamos e anseio por estar ao seu lado.
Minha situação piorou sensivelmente, como deve saber. Assim,
pretendo aceitar sua oferta caso ela ainda seja de seu interesse.
Não posso dizer quando, todavia. Meu primo me mantém presa, não
sei onde, contra a minha vontade. Pretendo escapar daqui e rezo para que,
quando finalmente puder reencontrá-lo, Vossa Graça não rejeite minha
humilde companhia.
Sempre sua,
Respirou fundo e dobrou o papel. Umas poucas gotas da cera da vela o
selaram.
Allegra Gray
101
À Sombra de um Escândalo

Céus! Até onde havia ido!


Aqueles últimos dias, contudo, tinham provado uma coisa: Harold não
desistiria por nada de torná-la sua. A cada momento, suas mãos ficavam
mais ousadas, como se ele soubesse que as forças dela estavam
escasseando.
E ela estava ficando sem tempo para agir. Sacrificar o próprio orgulho,
implorar a Alex Bainbridge pela posição de que tinha desdenhado, era
infinitamente preferível àquilo.
Se ao menos pudesse contatar o antigo amante.
Mas havia uma esperança. Na noite anterior, permanecera desperta
devido a uma discussão no andar de baixo.
— Você me prometeu o dobro do pagamento por ajudá-lo a trazer a
mulher para cá! — exclamara Bormley. — Não tenho visto nem mesmo o
pagamento normal há duas semanas. Não que eu pudesse gastá-lo por
aqui... Sinto como se fosse eu o prisioneiro.
Harold respondera em voz baixa, mas, pelo que Liz captara não fora
capaz de acalmar os ânimos de seu imundo ajudante.
O que significava uma oportunidade ascendente. Qualquer homem
baixo o suficiente para trabalhar para Harold seria baixo o suficiente para
aceitar suborno.
Enfiou a carta no decote e deixou o quarto.
Quando alcançou a pequena sala, Harold já deixara o local. Bormley,
no entanto, permanecia ali, parecendo revoltado.
Perfeito.
Ela abriu a porta e rumou para o jardim, sabendo que seria seguida. A
cabana que Harold escolhera para sua aventura era realmente remota. Jazia
ao fim de uma estreita trilha de terra, sem que houvesse nenhuma outra
casa vizinha. A trilha, por sua vez, estendia-se através dos montes,
perdendo-se a distância.
Tomara esta levasse a uma vila.
Sob outras circunstâncias, a casa até pareceria bonita, com as janelas e
a cerca branca. Mesmo assim, ela só conseguia sentir, repulsa.
Continuou andando pelo jardim, e então deu a volta no celeiro.
— Está indo longe demais — avisou-lhe sua indesejada sombra.
Liz reduziu o passo até que ele se emparelhasse com ela.
— Eu queria falar com você.
— Sobre o quê? — Um brilho calculista iluminou os olhos
normalmente macilentos do homem.

Allegra Gray
102
À Sombra de um Escândalo

— Vou falar com franqueza. Ouvi sua discussão com Wetherby, na


noite passada. Ele o está usando e é pouco provável que lhe pague como
prometeu. Harold nunca foi um homem generoso. É do tipo que paga, faz
meia-volta e diz que foi roubado.
Bormley cruzou os braços, desconfiado.
— Poderíamos ajudar um ao outro — ela pressionou. — Ajude-me a
fugir, e cuidarei para que seja recompensado.
O homem curvou os lábios, analisando-a de cima a baixo, os olhos
pequenos pousando em seus seios por um repulsivo instante.
— Você não tem nada. Todos sabem que está à míngua.
— Pode ser que sim, mas tenho um amigo que pagaria muito bem por
meu retorno.
Bormley bufou.
— Que amigo?
— O duque de Beaufort.
Bormley cocou a cabeça, impressionado.
— Não posso conceber Sr. Bormley, que trabalhar para Wetherby seja
o ideal para um homem com a sua ambição e habilidades — ela prosseguiu.
— Ajude-me, e nunca mais vai precisar se sujeitar a algo assim outra vez.
— O que quer que eu faça? Wetherby não é nenhum tolo. Era
verdade. Harold a vigiava constantemente, esperando que fosse fugir de
novo.
— Quando o senhor e Wetherby me trouxeram aqui, ele deu-me vinho
misturado a alguma coisa. Um sonífero, talvez. Não sobrou nada dessa
poção?
O homem estreitou o olhar.
— Sobrou, sim.
— Perfeito. Basta, então, que ele se distraia. — Lembrou-se da carta
guardada junto aos seios. — Pode entregar uma mensagem?
— É pouco provável. Sou quase tão prisioneiro quanto você, a menos
que o patrão me arrume alguma tarefa.
— Compreendo. — Inferno. Teria de cuidar dessa parte sozinha. —
Está certo. Quando eu estiver pronta, faço-lhe um sinal. Vou deixar meu
lenço cair.
Começou a caminhar novamente, não querendo permanecer
escondida atrás do celeiro por tempo demais com o homem, ou poderia
levantar suspeitas em Harold.
— E quanto ao pagamento?

Allegra Gray
103
À Sombra de um Escândalo

— O duque irá cuidar disso — Liz afirmou, rezando para que sua fé em
Alex fosse justificada.
Mas havia uma boa chance de aquilo dar certo. Mesmo se ele não a
amasse, não haveria de querer vê-la prisioneira. Bormley fez-lhe um breve
aceno com a cabeça.
— Verei o que posso fazer.
Não era uma promessa, ela pôde notar. Mas já era alguma coisa.
Seria o homem confiável? Liz se perguntou, preocupada. Não tinha
ilusões de que ele consideraria ajudá-la apenas por caridade cristã. Esperava
apenas que sua ganância por lucros maiores do que os que Harold poderia
oferecer o fizesse colaborar.
Pela primeira vez, ficou grata por seu relacionamento com o duque ter
vindo a público. Se Bormley tivesse ouvido os rumores, acreditaria poder ser
recompensado.
Cruzou os braços, protegendo-se da fria névoa da manhã.
— Com frio?
Seu estômago se apertou enquanto Harold se aproximava. Ainda
assim, ela manteve a expressão neutra.
— Um pouco.
— Talvez devesse entrar e se aquecer antes que partamos.
— Para onde? — As esperanças a tontearam. Ele não havia
mencionado nada antes, mas não importava. Estaria longe daquela prisão.
Talvez até fizesse uma refeição de verdade, já que o primo provavelmente
não lhe negaria comida em público.
— Tenho uma surpresa para você, Liz. — O tom cantado deixava
evidente o quanto ele apreciava torturá-la.
Que espécie de surpresa? Uma surra?
— Estou ansiosa por descobrir do que se trata...
— Vai ter de esperar, doçura. — Harold riu condescendente. — Mas
posso garantir, vai achá-la bastante... Cativante.
A maneira com ele falava a fez estremecer. Aquilo não fizera parte de
seu plano. Precisava de mais tempo.
Moveu-se em direção a casa, passando por Bormley a caminho do
estábulo. Encarou-o, tentando avisar sobre a nova urgência, mas impedida
de falar abertamente diante de seu malfeitor. Puxou o lenço, segurou-o
diante do nariz, e então deixou que escapasse por entre os dedos e planasse
até tocar o chão. Curvou-se para apanhá-lo, aguardando por alguma reação
de Bormley.
O criado devolveu o olhar, mas de maneira indecifrável.
Allegra Gray
104
À Sombra de um Escândalo

O pânico a invadiu.
Passou para o lado de dentro e apanhou um xale mais quente, uma
peça feita à mão que encontrara num baú. A quem havia pertencido, não
tinha ideia, já que Harold não lhe contara nada sobre os donos ou antigos
ocupantes da casa.
Aqueceu-se diante da lareira, enquanto Bormley aprontava o coche e
os cavalos. Viria ele em seu auxílio? Ou estaria agora mesmo revelando sua
trama a Harold?
— Está na hora, Liz.
Rigidamente, ela seguiu até o veículo, tentando imaginar se a
mudança nos planos representaria uma oportunidade de fuga ou um perigo
ainda maior. Bormley a ajudou a subir, mas sua expressão vazia nada
denunciava.
Enquanto Harold suspendia seu considerável peso até o assento ao
lado, Liz sentiu as esperanças minguar.
O criado tomou o assento do condutor, mas, subitamente, fez um
gesto com a mão.
— Um momento, senhor — disse, apressando-se de volta a casa.
O coração de Liz disparou, e ela enviou uma prece aos Céus. Harold
emitiu um impaciente grunhido.
Uma vez de volta, Bormley estendeu uma jarra e uma cesta coberta
por um pano.
— Para a viagem, senhor.
A esperança renasceu e Liz lançou-lhe um olhar. Seria apenas sua
imaginação, ou o homem piscara para ela?
Harold aceitou a oferta, e o criado subiu até seu lugar. Um golpe de
rédeas, e estavam a caminho sabia-se lá de onde.
Pela primeira parte da viagem, Liz sentou-se rígida ao lado do
sequestrador. Ele não lhe tinha dito nada sobre seu destino, e ela tampouco
lhe havia perguntado. A preocupação a devorava, no entanto, enquanto
tentava adivinhar quais os planos de Harold.
— Com sede? — Harold apontou-lhe a jarra.
Liz sacudiu a cabeça, e assistiu enquanto ele tomava um gole e
examinava a cesta de pães.
O coche passou por pequenas fazendas cujos campos se encontravam
quase prontos para a colheita. Bormley havia baixado a cobertura do coche,
e ela se viu feliz por ter trazido o xale.
Passaram por alguns outros viajantes. Será que a considerariam louca
caso gritasse por ajuda?
Allegra Gray
105
À Sombra de um Escândalo

Não. Tinha de ser paciente. Não poderia arcar com outra fuga
malsucedida.
Finalmente, a distância, viu a silhueta de uma igreja.
Uma vila! Com gente de verdade, comércio e...
Lágrimas encheram-lhe os olhos, tamanha a falta que sentia de uma
vida normal. Não podia mais suportar o silêncio de Harold.
— Estamos indo para a vila? — perguntou, detestando o tom de
súplica na própria voz. Entre o cativeiro imposto pelo primo e o isolamento
que experimentara em Londres, tanto na casa de Bea quanto na de sua
própria família, estava faminta havia tempo demais. Não apenas por comida,
mas também por contato humano.
— Sim, à igreja.
— Para a missa? — Era domingo? Céus! Tinha perdido a conta.
— De certa forma.
Liz torceu a mãos junto ao xale, enquanto seu desconforto crescia.
— Considere cuidadosamente suas atitudes, doçura — advertiu-a
Harold —, pois não é apenas o seu destino que depende delas.
Ela franziu o cenho.
— Pense também em sua querida irmã.
— Charity? O que ela tem a ver com isto?!
— Da maneira que as coisas estão agora, você arruinou suas chances
de um futuro decente.
A vergonha a inundou. Era verdade. Ainda que Charity houvesse dito
saber cuidar de si mesma, ela sabia ser a responsável pelas dificuldades da
irmã. A reputação da família Medford fora abalada após a morte do pai
delas, mas agora estava em frangalhos. E nada daquilo era culpa de Charity.
— Talvez possamos consertar as coisas — Harold afirmou, sorrindo
com cinismo.
— Não vejo como.
— A sociedade é inclemente, mas é bem capaz de esquecer os deslizes
de alguém se a pessoa os enxerga e se decide por um respeitável e legítimo
casamento. — Ele bebeu mais um gole da jarra.
Liz afastou o olhar, mirando a estrada enquanto o veículo seguia lento.
Os campos dourados e marrons e as fazendas se alternavam diante de seus
olhos úmidos. Harold dissera que estavam indo à igreja. Agora ela sabia por
quê.
De qualquer modo, haveria tempo. O proclama deveria ser lido três
domingos antes da data.

Allegra Gray
106
À Sombra de um Escândalo

— Case-se comigo, Liz. Quando os rumores cessarem, vou patrocinar


eu mesmo uma temporada para Charity.
Ela sacudiu a cabeça em protesto, a garganta apertada.
— Pense bem, doçura, antes que tome uma decisão da qual vá se
arrepender.
Ela faria qualquer coisa pela irmã, mas a oferta de Harold era vazia.
Ainda que ele fosse capaz de patrocinar Charity, não tinha as necessárias
relações políticas e sociais para que a lançasse com sucesso, principalmente
depois dos rumores que tinham cercado sua família.
E Harold estava errado. Os boatos poderiam morrer, mas as pessoas
não se esqueceriam.
Como ela se mantivesse em silêncio, Harold a agarrou pelo braço com
força.
— Se não estiver convencida, podemos voltar à sua casa, onde
informarei seu tio de que, a despeito de nosso interlúdio no campo, julgo-a
inapropriada... E de que prefiro me casar com Charity.
Liz empalideceu.
— Jamais! — Ela se ergueu e passou a golpeá-lo, desesperada e
enraivecida. — Você não vai tocar em minha irmã, seu monstro!
Harold tentou lhe afastar as mãos, mas ela parecia sem controle.
— Bormley, pare o coche agora! — o primo gritou, mas o criado não
fez mais do que notar sua ordem.
O rosto de Harold torceu-se de raiva. Ele era bem maior do que ela
lembrou-se Liz, e no estado de inanição em que ela se encontrava, seria
incapaz de competir com o homem.
Dando-se conta de sua loucura, recuou até beirada do assento e se
preparou para saltar do coche.
Um incrível soco a arremessou para o fundo, e a fez desabar no piso,
diante dos joelhos de Harold. Os punhos gordos agarraram seus cabelos por
trás, forçando-lhe o queixo para cima.
— Se você pular esteja certa de que vou me divertir com Charity. Ela é
bonita e é jovem. Será bem mais facilmente treinada. Quantas refeições
perdidas e quantas surras acha que serão necessárias antes que ela me
receba bem na cama?
Aquilo fez o que nenhuma ameaça surra ou falta de comida havia
conseguido.
Liz fechou os olhos, sem escolha. Harold não podia pôr as mãos em
sua irmãzinha. Apenas por uma loucura sua estava naquela posição. E

Allegra Gray
107
À Sombra de um Escândalo

mesmo que não fosse ela jamais poderia permitir que a irmã pagasse por
isso.
Tinha o corpo moído pela tensão, e a cabeça ainda latejando devido ao
soco, porém conseguiu movê-la devagar.
— Está fazendo a coisa certa, doçura — afirmou Harold, e ela detestou
seu tom presunçoso. — Levou algum tempo, mas eu sabia que você seria
razoável um dia. Na verdade, esta é a razão para nosso passeio, esta manhã.
Harold a soltou e, temerosa, Liz se arrastou para cima do banco.
— Consegui uma licença especial para o nosso casamento — ele
explicou, soando orgulhoso. — O vigário está à nossa espera.
Ela lutou para respirar.
— Pretende fazer isso hoje?
— Por que não? Ande logo com isso! — ele gritou a Bormley, que deu
com as rédeas nos animais.
Liz deu uma olhadela em direção à jarra. Haveria ainda alguma
esperança? O homem não demonstrava sinal de estar abalado.
Não podia contar que Harold fosse desmaiar com o sonífero, mas ela,
que já se sentia fraca de inanição, com certeza o faria.
Bormley levou o veículo até o pequeno pátio da igreja e parou. Harold
abriu a porta e... Liz piscou, alerta. Teria ele cambaleado ao tocar o chão?
Não importava. Ela contava com um plano agora, ainda que este fosse
temporário.
Desceu do coche e o seguiu, em aparente obediência, para dentro da
penumbra da igreja. O vigário não poderia proceder com a cerimônia caso a
noiva estivesse inconsciente, poderia?
Investigar o desaparecimento de Liz tomou mais tempo do que Alex
esperara. Ele mal resistiu à urgência de cavalgar à sua procura.
Mas procurar sem um plano seria tarefa de tolo. Ela deveria estar
escondida em alguma parte. Assim, contratou os melhores investigadores,
pagou-os a mais para que se apressassem, e então os atormentou
incessantemente.
Após dois dias sem resultado, estava desesperado de preocupação e
culpa, e se encontrou com lorde Wilbourne no White's para uma noite de
carteado e bebedeira.
— Está jogando muito mal, Beaufort — disse-lhe Wilbourne, em
apenas uma hora de jogo.
Alex deu de ombros e entornou outro brandy. Para onde, diabos,
aquele desgraçado havia levado Liz?

Allegra Gray
108
À Sombra de um Escândalo

Três rodadas mais tarde, e Alex tinha chegado a um estado em que


não se concentrava mais.
Wilbourne baixou as cartas.
— Vai contra a minha consciência apostar contra um homem que está
mais concentrado em se matar com o álcool do que em jogar.
Alex se recostou no assento com um suspiro.
— Algo o incomoda, Beaufort?
Alex registrou a nota de preocupação na voz do amigo apenas
vagamente.
— Não consigo encontrar Liz — murmurou com voz arrastada,
deixando a cabeça pender sobre o espaldar.
Robert olhou em volta. Estavam em um canto discreto do clube de
cavalheiros.
— Aquela cujo pai a vendeu?
Alex o encarou por um instante, como se tentasse lembrar.
— Sim.
Com o mais leve gesto de mão, Robert sinalizou para que o garçom
não trouxesse mais bebida.
— Liz é diferente, Wilbourne. Acho que preciso dela — confessou o
duque com impressionante clareza para seu estado.
A cabeça baixou até as mãos. — Cristo. É tudo culpa minha.
— O que é culpa sua?
— Eu a arruinei, e agora ela se foi.
— Para onde?
— Não sei. — Alex esfregou as têmporas. — Não consigo pensar. Acho
que foi sequestrada.
— Sequestrada? — ecoou Robert, atônito.
— Por Wetherby, aquele desgraçado. Tenho pelo menos uns doze
homens procurando por ela neste momento. Vou atrás dela, Wilbourne...
Assim que este maldito clube parar de girar.
Após quase uma semana de relatórios inúteis dos homens que Alex
contratara para investigar os assuntos de Wetherby, um deles voltou com
uma história sobre uma fábrica têxtil e uma pequena propriedade
residencial, ao norte, pertencentes a Harold Wetherby.
Com o propósito renovado, Alex partiu imediatamente a cavalo. Era
uma boa distância, mas, após cavalgar por toda a tarde e à noite, viu-se
próximo a tal residência.
Não era muito: uma casa de dois andares na Inglaterra rural. Conferiu
as descrições do investigador mais uma vez e se aproximou com cuidado, o
Allegra Gray
109
À Sombra de um Escândalo

coração palpitando. Queria ver por conta própria que Liz estava bem, mas o
bom-senso lhe dizia que tal investida poderia provocar Harold ainda mais.
Ninguém notou sua chegada ao pequeno jardim. Havia um estábulo,
porém não ouviu nenhum som de animais, exceto por aqueles vindos de um
punhado de galinhas ciscando pelo pátio.
A ansiedade cedeu lugar à incerteza. Algo estava errado. Teria ido ao
lugar errado? Não existia mais nada em volta.
Bateu à porta e não obteve resposta. Empurrou-a e, surpreso, viu esta
se mover.
Um breve exame pelos cômodos confirmou que a casa se encontrava
vazia, embora seus ocupantes não houvessem partido muito tempo antes.
Restos do desjejum permaneciam sobre a mesa, e o perfume de Liz ainda
recendia no andar de cima.
O temor o invadiu quando seguiu para os fundos e confirmou que o
estábulo também se encontrava deserto.
Um pequeno trabalho de investigação revelou novas pistas, levando à
direção oposta daquela de onde viera. Ele chutou os flancos do garanhão e
se pôs a galope enquanto um nó lhe crescia na garganta. Onde estaria Liz?
Que Deus ajudasse Wetherby se ele lhe tivesse feito algum mal.
Havia meses Alex não adentrava uma igreja, mas, enquanto mantinha
os olhos nos rastros que seguia, sua mente elaborou uma prece. Mais do que
tudo, rezou para que Liz não houvesse sofrido por uma inconsequência dele.
Os rastros levaram-no a uma vila, e então até uma capela.
Seu desconforto quase se transformou em pânico quando avistou o
fim da trilha.
Lançou-se de cima do animal e correu até a igreja.
O empurrão fez a porta de madeira bater contra a parede lateral.
Enquanto seus olhos se ajustavam à falta de luz, discerniu três figuras
próximas ao altar. Uma vestia-se de negro, e as outras duas permaneciam
diante desta na clássica formação de um casamento.
A cascata de cabelos acobreados da noiva tornou impossível que se
equivocasse, e a fúria o inundou.
— Não! O senhor não pode continuar! — Sua voz ecoou na capela,
ricocheteando pelas paredes de pedra. Rapidamente, Alex cobriu a distância
até os três.
Liz, o vigário e um homem robusto, com ralos cabelos castanhos, se
voltaram para fitá-lo. Alex reconheceu este último do encontro no estábulo
de Derringworth, meses antes: Wetherby.

Allegra Gray
110
À Sombra de um Escândalo

— É a minha igreja, meu filho. Continuarei, se julgar apropriado —


respondeu o padre, contrariado, as sobrancelhas vastas emoldurando o tom
imperial.
Alex virou-se para a mulher por quem atravessara o país.
— Liz, o que está acontecendo aqui?
A atenção dela, no entanto, estava voltada para Wetherby, cuja
expressão tornara-se vazia. A mão gorda deslizou do altar e o homem caiu
pesadamente no chão.
— Liz — Alex insistiu, ignorando a situação —, diga-me que jamais
pretendeu se casar com este infeliz!
Ela se voltou para ele, por fim, os olhos cintilando.
— Jamais!
Estava mais pálida, mais magra do que ele se lembrava, mas a
disposição no rosto delicado mantinha-se intacta. Alex sorriu pela primeira
vez em dias.
— Vamos, então, antes que ele se recupere.
— Isso não vai acontecer tão cedo — ela afirmou convicta.
— O que está acontecendo aqui? — O vigário exigiu, indignado.
— Este é Alex Bainbridge, o duque de Beaufort, padre — esclareceu
Liz. — Quanto ao Sr. Wetherby... Creio que tenha provado de seu próprio
remédio.
— Duque?! — exclamou o padre. Empurrou Harold com a ponta dos
pés. — Este pobre foi envenenado?
— Não! — Ela corou. — Apenas tomou um sonífero. Alex sorriu
orgulhoso dela.
— Deixou a coisa chegar perto, não? — sussurrou-lhe ao ouvido.
Um arrepio a perpassou enquanto ela sorria de volta.
— A situação é bem pouco usual — declarou o vigário.
— Certamente — concordou Alex, seco.
Harold grunhiu, atraindo a atenção dos três. Passou a mão pela testa
e, com dificuldade, se pôs de pé. Seu olhar pousou em Liz.
— O vinho! — murmurou. — Sua vaga... Alex pôs-se à sua frente,
tomado de ira.
— Cavalheiros! — intrometeu-se o vigário, nervoso. Wetherby se
moveu de lado, ainda cambaleante.
— Será que Vossa Graça não percebe que, casando-se comigo, ela vai
fingir recuperar algo que perdeu com o senhor?

Allegra Gray
111
À Sombra de um Escândalo

O punho de Alex encontrou em cheio as formas rotundas do homem.


Harold oscilou, ainda que não soubessem se pelo golpe ou pelo efeito da
poção que Liz havia lhe dado.
— Parem! — exclamou o vigário, ainda que recuasse vários passos
para longe dos homens raivosos. — Esta é uma casa de Deus!
— Saia daqui — rosnou Alex, transtornado. O suíno, no entanto,
agarrou o braço de Liz.
— Ela é minha agora.
— A moça não tem o desejo de se casar com você!
— Ela está arruinada. Que opção pode ter?
— Liz vai se casar comigo.
A pequena igreja mergulhou no silêncio enquanto Liz, Harold e o
vigário fitavam o duque com a boca aberta.
— Isso é verdade? — o padre perguntou. Diga que sim! Alex pediu em
silêncio.
Não havia planejado fazer nenhuma proposta. Ela simplesmente lhe
escapara da garganta.
Mas agora que tinha ocorrido, ele sabia que assim deveria ser.
Isso se Liz concordasse.
Pontos de poeira dançavam em meio aos raios de luz filtrados pelos
vitrais estreitos da capela, e Liz se mantinha quieta. O sacerdote se voltou
para Harold.
— Sinto muito, mas não posso seguir com a cerimônia nestas
circunstâncias.
— Mas temos um acordo — resmungou Harold.
— Ele é membro da realeza — resmungou de volta o vigário.
— Liz? — Alex os ignorou.
— Sei que Vossa Graça não pretendia dizer isso — ela sussurrou.
— Engano seu — Alex se viu dizendo, como se não mais comandasse o
próprio cérebro.
— Mas a sociedade vai...
— Dane-se a sociedade. — Pousou um dedo sobre os lábios rosados a
fim de calá-la. Então segurou suas mãos e se apoiou em um joelho. — Liz,
esqueça-se de tudo o mais. Quer se casar comigo?
Ela mordeu o lábio inferior e Alex pôde ver a falta de fé nos olhos
claros dar lugar à esperança. Os cantos da boca perfeita se curvaram,
iluminando a manhã.
Liz tomou um longo fôlego e deu-lhe a resposta que havia muito ele
ansiava por ouvir:
Allegra Gray
112
À Sombra de um Escândalo

— Sim, Alex, quero me casar com você.


Harold puxou o ar, o rosto gordo tingindo-se de vermelho. Em seguida
ele o soltou e cambaleou para fora da igreja.
O padre balançou a cabeça e se retirou, deixando-os a sós no altar.
Liz continuou a fitar Alex, mal contendo a emoção. Os eventos daquela
manhã teriam feito qualquer outra mulher desmaiar, mas ela não podia
correr o risco de perder seu amado de vista novamente.
Ver Alex irrompendo pela igreja à sua procura fora como viver um
sonho. Como ele a havia descoberto ali?
Não importava. Ele a tinha encontrado.
Uma sombra desceu sobre seus pensamentos, no entanto. Ainda
existia o que Cutter dissera sobre ela ser parte de algum acordo entre Alex e
seu pai.
Mas ela o amava tanto! Pensou, comovida. Por mais indigno que
aquilo pudesse ser, ela se casaria com Alex Bainbridge.
Além disso, a proposta tornava a maioria de seus erros irrelevante.
Quis traçar-lhe a longa linha do maxilar, aninhar-se junto a seus braços
e derreter sob sua força.
Antes, no entanto, devia-lhe uma explicação.
— Vossa Graça...
— Eu prefiro que me chame de Alex.
— Alex — ela recomeçou determinada a contar por que havia sido
encontrada prestes a se casar com outro homem. — O que aconteceu esta
manhã...
— Podemos discutir o assunto mais tarde. Apenas diga-me uma coisa:
— Alex tocou a mancha em seu rosto. — Ele a feriu?
Liz olhou para baixo, envergonhada. Após um longo instante,
encontrou o olhar dele novamente.
— Ah, esse infeliz vai pagar por isso! — disse a voz crispada,
acariciando-a no pescoço e nos braços, nervoso. — Como mais ele a feriu,
Liz? Devo procurar um médico?
— Não. Eu já estou me recuperando.
— Mas... —As mãos dele a percorriam, aflitas. Vê-lo aturdido de tanta
preocupação a comoveu.
— Ah, Alex, apenas me abrace.
Ele obedeceu. Acariciou-lhe os cabelos, as costas.
— Deus, Liz. Você não faz ideia. Quando voltei à casa de minha irmã e
vi que havia partido...

Allegra Gray
113
À Sombra de um Escândalo

O que quer que fosse dizer se perdeu quando ele passou a cobrir-lhe a
testa, os olhos, os lábios de beijos.
Liz inalou o perfume másculo que emanava dele com um suspiro
trêmulo. Havia milhões de perguntas a ser feitas sobre o futuro, mas, por
ora, todas poderiam esperar.
— Diga-me novamente — Alex murmurou-lhe ao pé do ouvido.
— O quê?
— Que vai se casar comigo.
— Vou me casar com você. — Ela ofegou incapaz de crer que Alex
Bainbridge, duque de Beaufort, havia se oferecido a ela. Se aquilo fosse um
sonho, esperava nunca acordar.
O que ele havia acabado de fazer? Perguntou-se Alex, atônito. Como
aquela garota tinha transformado o maior libertino de Londres em um
homem que atravessava o país para pedi-la em casamento?
O engraçado era que aquilo parecia certo; como se o casamento fosse
completá-lo.
Olhou para Liz. Ela parecia um tanto confusa. Não que pudesse culpá-
la.
— Vamos — disse, tomando-lhe a mão e conduzindo-a para fora da
pequena igreja.
Apertou os olhos ao retornar à iluminada manhã. Não havia sinal de
Wetherby, e seu cavalo encontrava-se parado próximo ao portão do
cemitério da igreja, parecendo exausto.
Ele se aproximou a apanhou as rédeas, os olhos correndo pelas
sepulturas ali perto. Lorde Medford devia estar se revirando em seu túmulo,
refletiu. Quando oferecera a filha a ele na esperança de acertar suas dívidas,
não devia nem sequer ter imaginado que um dia os dois poderiam se
apaixonar o que lhe teria poupado de tamanha indignidade...
De qualquer forma, era melhor que Liz permanecesse na ignorância
quanto aos atos do pai. Já havia sofrido o suficiente. Suspirou ao se dar conta
de mais um problema.
— Eu estava tão desesperado por encontrá-la que não pensei que teria
de levá-la de volta à Londres... Meu cavalo é bom, mas duvido que consiga
carregar a nós dois.
Olhou em volta. Além da igreja, só havia algumas lojas e casas, além
de uma pequena taverna no vilarejo.
— Fique aqui por um momento. Mas prometa-me que não vai se
mover um só centímetro.

Allegra Gray
114
À Sombra de um Escândalo

Liz assentiu com um breve sorriso. Após o tumulto da manhã, não


estava certa nem sobre conseguir se mover, caso precisasse. Alex retornou
logo depois, parecendo um tanto desapontado.
— Não há carruagens para alugar até a próxima cidade. Tomara meu
cavalo consiga nos levar por esses dois ou três quilômetros.
Liz concordou. Tinha, no entanto, uma necessidade maior do que
qualquer outra no momento. Olhou para o chão, enrubescida, detestando
que Alex soubesse como Harold a tratara.
— Alex, antes de partirmos, há algum lugar onde eu possa comer?
Estou faminta.
Ela soube que ele havia compreendido pela maneira como os olhos
escuros se tornaram sombrios.
— Aquele desgraçado. — Alex gritou, irado. — Ah, se um dia eu puser
as mãos nele de novo!
— Alex...
Ele correu as mãos pelo rosto.
— Lamento querida. Vou encontrar algo para comer.
Lágrimas de gratidão encheram os olhos de Liz. Ela as afastou,
piscando, mas, quando Alex retornou dez minutos depois com um grande
sanduíche de presunto e uma maçã, não pôde mais contê-las.
Chorou enquanto comia.
Ele a apertou nos braços, condoído.
Para a surpresa de Liz, seu estômago se encheu bem antes que
planejasse terminar.
— Está tudo bem — disse Alex, gentil. — Se tentar compensar agora,
vai acabar passando mal. Deus, Liz, lamento tanto... Isso jamais devia ter lhe
acontecido.
— Você está aqui agora.
— E não vou à parte alguma. — Cuidadosamente, tomou-lhe a comida
das mãos e a envolveu em um guardanapo de pano. — Vamos levar isso
conosco. Quando estiver pronta, pode comer. Jamais vai precisar se
preocupar com a fome de novo. — Beijou-a na testa, nos lábios. — Está
pronta para partir?
— Sim, por favor. — Com sua necessidade mais básica saciada, ela não
queria nada além de se afastar das terríveis lembranças sobre Harold. —
Espere... Há mais uma coisa. Bormley, o criado de Harold. Ele pôs a poção no
vinho do patrão, esta manhã, a meu pedido. Prometi-lhe um pagamento por
me ajudar a fugir. Só que...

Allegra Gray
115
À Sombra de um Escândalo

— Considere feito. — Alex olhou em volta. — Ele se foi agora, mas vou
cuidar do assunto. Não precisará pensar nisso outra vez.
Finalmente, ajudou-a a subir no cavalo. Liz sentiu-se tonta quando
Alex sentou-se por trás dela e deu com as rédeas no animal. Era muito
íntimo e pouco apropriado cavalgar daquela maneira.
De qualquer modo, estavam prestes a se casar, lembrou-se, feliz, e
tentou relaxar.
Após a intensa cena da igreja, Alex parecia hesitante em falar.
Mas ela também não saberia o que dizer. Tanto havia acontecido nas
últimas semanas! Não queria reviver tudo agora.
Virou-se para fitar seu noivo. Alex tinha o queixo tão forte, os olhos
tão intensos. Os cabelos negros e desgrenhados imploravam por seu toque.
O homem possuía propriedades por toda a Inglaterra, investia em assuntos
domésticos e estrangeiros e reunia mais poder do que qualquer um que ela
conhecera.
E não só havia vindo resgatá-la como também se oferecera para
desposá-la.
Deveria estar mesmo delirantemente feliz.
Exceto que não podia evitar lembrar-se do incidente com o homem
que encontrara a caminho de casa após perder o emprego de governanta. O
tal Sr. Cutter, por mais bêbado que estivesse, havia lhe abalado a fé de que
as intenções de Alex eram sinceras.
Haveria o duque barganhado com seu pai e a aceitado como
pagamento?
A ideia a deixava enjoada.
Ele a havia procurado apenas após a morte do barão, lembrou a si
mesma. Mas era possível que houvesse recebido o aviso sobre a falência do
pai dela e, assim, tivesse decidido aceitar a oferta.
Alex nunca tinha mencionado nada do tipo. Porque era vergonhoso ou
porque não era verdade? Quando ele a procurara pela primeira vez, fora por
genuíno interesse ou para cobrar o acordo?
E como poderia Cutter saber sobre aquela situação? Haveria Alex
discutido o assunto com outras pessoas? Quantos na sociedade estariam
comentando que seu próprio pai a oferecera como prêmio?
Liz suspirou. Estava certa de que Alex gostava dela agora, mas quanto?
Ele estaria se casando por amor ou por culpa?
Santo Deus! E se aquele silêncio quisesse dizer que estava arrependido
do que havia dito na igreja?

Allegra Gray
116
À Sombra de um Escândalo

Alex percebeu que Liz o observava por cima do ombro. Seus cabelos
pareciam em chamas sob a luz intensa do sol, nas partes em que escapavam
do chapéu. Sentiu vontade de beijá-la na ponta do nariz. Seus olhos, no
entanto, pareciam tristonhos.
— O que foi?
Ela balançou a cabeça e se voltou para frente mais uma vez.
— Liz... Ela suspirou.
— O que você fez lá na igreja...
— Foi algo que eu devia ter feito há muito tempo.
— Devia? Ou queria ter feito?
— O que quer dizer? — Era evidente que algo a incomodava.
— O que o fez procurar por mim, Alex? Ele respirou profundamente.
— Quando voltei de viagem e vi que você havia partido, ouvi sobre o
que tinha acontecido: que Wetherby a tinha levado. Era a única coisa a fazer,
Liz. Apenas queria ter chegado mais rápido.
— Não, Alex. Quero dizer, por que me procurou antes disso tudo?
Digo: eu quase implorei para que me arruinasse aquele dia, no parque, e
você se recusou a fazer isso. O que o fez mudar de ideia?
Alex pôde sentir-lhe a tensão pelo corpo.
— Não sei explicar — falou em voz baixa. — Sua oferta me tentou
sobremaneira e, depois, quando a descobri na casa de minha irmã, longe da
falsidade da sociedade... Não pude parar de pensar em você. Sei que não
começamos nos termos mais honrosos e quero desculpar-me por isso. Acho
que o desejo me roubou o bom-senso.
Liz olhou por sobre o ombro, estreitando os olhos.
— Não foi porque queria ser pago pelas dívidas de meu pai? Alex
engoliu com força. Como ela sabia sobre aquilo? Porém, não deveria se
culpar. Jamais havia feito aquilo.
Na verdade, a proposta do pai dela quase o tinha impedido de
procurá-la.
Viu nos olhos de Liz que não adiantaria fingir.
— Não! — disse com firmeza. — Eu não estava tentando recuperar o
prejuízo que seu pai me causou.
— Então ele realmente me ofereceu como moeda de troca — ela falou
tranquila.
— Sim.
Alex sentiu-se mal, mas não estava disposto a mentir. Deus! Qual não
devia ser a sensação de saber que o pai havia feito algo assim?

Allegra Gray
117
À Sombra de um Escândalo

— Eu recusei a oferta e evitei maior contato com seu pai depois


daquilo — contou taciturno. — Não sabia nem ao certo quem era você,
naquela época. No baile de Peasley, convidei-a para dançar por genuíno
interesse. Imagine minha surpresa quando soube que você era a filha do
barão.
— Mas nessa ocasião ele já estava morto. E você sabia que não seria
capaz de recuperar suas perdas da forma normal.
Alex franziu a testa.
— Meu senso de honra não é tão fraco quanto sugere Liz. A perda me
irritou, mas não esperaria que uma filha pagasse pelos erros do pai. Por isso
recusei sua proposta pouco convencional.
— E depois, Alex? — Ela parecia pouco convencida. — Se não houve
acordo, como Cutter soube de tudo?
— Cutter?
Ela explicou o incidente no parque.
— Ah, Liz... — Alex puxou-lhe o corpo tenso contra o seu. Já começava
a reagir à íntima posição sobre o dorso do animal, mas, por ora, precisava se
concentrar no que seria melhor para ela.
Mesmo que não tivesse aceitado a proposta terrível de Medford, ele
havia errado com ela. Agora Liz precisava de palavras, não de sua lascívia.
— O que aconteceu depois foi realmente minha culpa. Em uma noite
que eu tinha bebido demais, em um esforço para esquecê-la e a sua
proposta, fiz uma breve menção às palavras de seu pai. Não creio ter citado
o seu nome ou o do barão, mas esse tal Cutter deve ter ouvido algo e tirado
suas conclusões. Eu jamais devia ter mencionado isso. Peço perdão.
Ela concordou em silêncio.
— Nós dois vimos agindo de uma maneira que dá pouco crédito ao
nosso caráter — disse com suavidade. — Eu fugi de casa e envergonhei
minha família ao envolver-me em um romance escandaloso.
Alex apoiou a cabeça contra a dela.
— Não posso culpá-la por fugir. Compreendo agora, bem mais do que
antes, por que estava tão desesperada para evitar Wetherby. — Beijou-lhe o
topo da cabeça, acariciando-lhe os cabelos com os lábios. — E não me
arrependo de nada do que fizemos.
— Eu também não, — ela sussurrou emocionada. Alex começou a
beijá-la no lóbulo da orelha.
— Era você que eu queria, Liz. Não uma forma bizarra de vingança
contra seu pai. Lamento não ter feito a coisa certa e pedido sua mão antes

Allegra Gray
118
À Sombra de um Escândalo

de pleitear seu corpo. Você não faz ideia do quanto senti a sua falta. Quando
voltei e vi que havia partido...
— Mas eu lhe mandei um recado — ela lembrou. — Logo que perdi o
emprego.
Alex retrocedeu um pouco e negou com um gesto de cabeça.
— Jamais recebi qualquer carta. Os negócios me enviaram a destinos
que eu não imaginava. A maior parte de minhas correspondências não
chegou até mim.
Ela suspirou pesarosa, e Alex a puxou para perto mais uma vez.
— Eu jamais teria ignorado seus problemas se soubesse deles.
— Eu acredito — Liz murmurou, sorrindo.
— E acredite, também, que todas essas semanas me fizeram dar conta
de que, mais do que tudo, eu queria você a meu lado. Não apenas para uma
tarde ou outra, mas para sempre. Esqueça a proposta de seu pai, Liz: ela foi a
tentativa desesperada de um homem arruinado por suas próprias fraquezas.
Nada disso tem relação com o que existe entre nós dois. Deixe-me fazer a
coisa certa agora. Seja a minha esposa. — Traçou-lhe o contorno da orelha
com a língua.
Liz estremeceu e se aconchegou junto ao corpo forte, feliz.
— É o que eu mais quero.
— Estamos quase lá.
Liz espreguiçou-se e abriu os olhos. Não era um sonho. Alex
Bainbridge, seu noivo, ocupava o assento à sua frente, na carruagem.
Segurava uma carta nas mãos. Uma carta bastante familiar. Liz
despertou de uma vez.
— Onde conseguiu isso?
— Escorregou pelo seu vestido enquanto você dormia.
O selo estava intacto, ela notou com alívio. Esticou a mão.
— Posso tê-la de volta?
— Ela está endereçada a mim.
Mas Alex não poderia lê-la. Não agora. Não quando tudo estava
perfeito, e ele havia lhe pedido que o desposasse. Se Alex descobrisse que
ela estivera disposta a ceder por muito menos, será que ainda a amaria?
Não poderia suportar o coração partido mais uma vez.
— Por favor, Alex. — Ela pediu com voz trêmula. — Não tem
importância agora. É apenas uma carta que escrevi antes que você chegasse
à igreja.
— O que ela diz?
— Apenas que eu esperava contar com a sua ajuda.
Allegra Gray
119
À Sombra de um Escândalo

Por favor...
Relutantemente, ele a entregou.
— É claro que eu viria em seu auxílio. Mas está vermelha. O que mais
diz a carta?
Liz baixou o olhar.
— Eu vi como estava sendo tratada, Liz. Eu juro nada do que diga
poderia baixar meu conceito sobre você. É a mulher mais corajosa e esperta
que já conheci. — Alex trocou de assento, acomodando-se ao lado e
puxando-a para os braços.
— Estou tão envergonhada — ela sussurrou.
— Querida, como você já disse, não importa mais. Pode me contar.
Liz inspirou, tomando coragem.
— Eu estava assustada, pois, por mais que pensasse em fugir do meu
cativeiro, não teria para onde ir. Minha casa já não era segura. Além do mais,
não tinha nenhuma carta de referência. Então escrevi essa carta, dizendo
que, caso a sua oferta para que eu fosse sua amante ainda estivesse de pé,
eu estava disposta a aceitá-la.
Ergueu os olhos até encará-lo e encontrou apenas compreensão e
amor. Não condenação.
— Estou honrado que tenha pensado em mim em seu momento de
maior necessidade — Alex falou em voz baixa. — De qualquer maneira,
reafirmo o que eu disse antes. Seu lugar é ao meu lado, como uma esposa
adorada, e nada menos do que isso.
Liz lançou-lhe um sorriso trêmulo. O olhar de Alex baixou até seus
lábios e ela se inclinou, implorando por seu toque, por seu amor. Passou os
braços pelo pescoço forte com um suspiro quando ele a beijou com paixão.
Céus! Como pensara em viver sem ele?
A carruagem parou.
— Já chegamos? — ela perguntou, afastando-se com pesar. Ainda que
estivessem viajando havia dois dias, parando apenas nas tavernas para
comer e refrescar os cavalos, Liz enxergava aquilo como um interlúdio, um
refúgio temporário da prisão e do escrutínio que encararia em seu retorno a
Londres com o duque de Beaufort.
— Não exatamente. Pedi ao cocheiro que parasse em minha casa de
Londres, mas apenas por um instante. Quero trocar de carruagem.
Era verdade que o coche alugado não era tão luxuoso quanto o do
duque, mas Liz sabia que devia haver alguma outra razão.
Em minutos, o cocheiro de Alex trouxe a bela carruagem com o brasão
de Beaufort orgulhosamente estampado nas laterais. A parada seguinte seria
Allegra Gray
120
À Sombra de um Escândalo

a casa dos Medford, onde pretendiam tornar seu compromisso oficial e


notório.
Liz se transferiu para o outro veículo, mas, enquanto se aproximavam
de sua casa, começou a hesitar.
— Precisamos fazer isso? — perguntou, nervosa. — Você não poderia
apenas me levar até Gretna Green e resolver o assunto?
Alex sorriu e se inclinou para um beijo.
— A ideia é tentadora, mas, não. Se quisermos exibir nossos rostos em
Londres sem culpa, é melhor que o façamos da maneira apropriada. — Uma
sombra obscureceu-lhe o olhar, como se algo mais o preocupasse.
Ele dissera "nós", mas Liz sabia que Alex se referia a ela. A cidade
perdoaria um duque por qualquer coisa, especialmente Alex Bainbridge. Não
seriam tão generosos com uma Medford, no entanto.
A carruagem virou na rua em que a mãe morava.
— Não quero entrar lá.
— Eu sei — disse o duque com ternura, segurando-lhe a face. — Mas
eu vou com você.
Liz suspirou. Não entendia muito bem por que Alex insistia em pedir
permissão a seus parentes, quando estes a haviam traído.
Ainda assim, permitiu que ele a ajudasse a descer da carruagem.
Sentiu-se gelar quando o mordomo abriu a porta e fez com que
entrassem. Esperaram no salão rosa, sem se incomodar em buscar assento.
Poucos instantes se passaram até que a mãe dela e tio George se apressaram
a adentrar o recinto, curvando-se numa reverência.
Liz quase sorriu diante das expressões ansiosas. Não era todo dia que
um duque vinha visitá-los, muito menos de mãos dadas com sua filha... A
qual devia estar aprisionada no campo com um homem de linhagem
bastante inferior à daquele.
— Quanta honra Vossa Graça... — disse lady Medford num fio de voz.
— Bem-vinda de volta, Liz.
Liz tentou não se magoar por a mãe ter notado o duque antes dela.
— Uma honra, realmente — emendou o tio.
Alex fez uma breve cortesia com a cabeça, lembrando-a de que, por
mais que a provocasse e brincasse com ela, era mesmo um duque.
Eles se mantiveram de pé apesar das indicações para que se
sentassem, e seus parentes fizeram o mesmo, parecendo constrangidos.
— Como quiser Vossa Graça. Mas... Não compreendo. Onde está o Sr.
Wetherby? — perguntou o tio dela.
Liz sentiu Alex enrijecer.
Allegra Gray
121
À Sombra de um Escândalo

— Jamais pronuncie o nome desse homem em minha presença de


novo — ele ordenou num tom ameaçador.
— Quaisquer que tenham sido as suas intenções ao permitir que eu
partisse com aquele homem detestável, devo informá-lo de que Harold e eu
não ficaremos juntos — emendou Liz, tensa.
— Aquele infeliz merecia apodrecer na cadeia pelo que fez à sua
sobrinha — prosseguiu Alex num rosnado. Na verdade, eu apreciaria vê-lo
morto — declarou sem rodeios.
O tio dela tratou de manter a expressão neutra, ainda que Liz tivesse
notado os nós brancos dos dedos com os quais ele agarrava o espaldar de
uma cadeira. A mãe ouvia a tudo, parecendo aturdida. Talvez a trama
estivesse restrita aos dois homens.
— Em que podemos servi-lo, Vossa Graça? — perguntou lady
Medford, inquieta.
Alex suavizou o tom.
— Pretendo me casar com a sua filha, milady. — Ele fez uma mesura
em sinal de respeito.
Liz não compreendeu a quase imperceptível troca de olhares entre o
duque e a mãe dela.
— Este é o propósito de minha visita, senhora — Alex prosseguiu
calmamente. — Quero pedir Liz em casamento.
A tensão pareceu abandonar o corpo de lady Medford, e ela sorriu.
Não pela excitação natural que alguém esperaria da mãe de uma moça que
havia recebido a mais cobiçada proposta de toda a Inglaterra, estranhou Liz,
mas obviamente por alívio.
— Está de acordo, minha filha? — ela perguntou.
Liz olhou para Alex, esperando que o duque pudesse ver quanto amor
sentia por ele.
— Estou.
— Mas... Quero dizer... — O tio pareceu se lembrar a tempo de que
estava diante de um duque. — Certamente não consigo pensar em honra
maior para minha sobrinha. É claro que têm nossa permissão.
— Agradeço. — Alex curvou-se com uma ponta de cinismo.
— Você fica aqui até o casamento. — A mãe voltou-se para ela.
— Não, mamãe.
O olhar chocado de lady Medford desviou-se para o duque.
— Ficarei com Beatrice Pullington — Liz explicou. — Lamento, mas,
após o que aconteceu na última vez em que voltei para casa, não tenho
qualquer desejo de permanecer aqui.
Allegra Gray
122
À Sombra de um Escândalo

A mãe teve a graça de parecer culpada.


— E quando vai ocorrer esse casamento? — perguntou tio George.
— Em três semanas — decidiu Alex. O tio dela apertou os olhos.
— Há alguma razão para tanta pressa? — O tom tornava claro que ele
não havia se esquecido do escândalo em torno do jovem casal.
— Não — Liz tratou de responder, ao mesmo tempo em que o noivo
dizia "sim".
Ela o fitou, mortificada, e a mãe sentou-se numa poltrona.
— Compreendo. — A voz do tio exalou escárnio.
— Não creio... Ainda que a sua falta de fé em sua sobrinha já não me
surpreenda. — Alex apresentou-lhe todo o seu tamanho mais uma vez. — A
questão é simples. Gosto muito de Liz, e ela vem passando por maus
bocados. Quero-a sob o meu teto, sob a minha proteção, o mais breve
possível.
Liz relaxou.
— Então não está...? — recomeçou a mãe dela com voz sumida.
— Não — Liz afirmou.
Lady Medford respirou, aliviada.
— Três semanas é muito pouco tempo, mas, se Vossa Graça assim
deseja, havemos de aceitar.
— Certamente — confirmou George, ainda que a expressão
desgostosa contrastasse com as palavras.
— Liz terá toda a minha criadagem à disposição — declarou Alex.
— É claro — concordou lady Medford. — Mas, quanto ao vestido...
— Esteja certa de que isso será providenciado também — disse Liz,
magoada. A mãe não precisaria ajudá-la naquele momento, já que jamais
havia lhe estendido a mão quando ela mais precisara. Bea e Charity, suas
leais amiga e irmã, poderiam ajudá-la de bom grado.
Alex sentiu seu desconforto.
— Lady Medford, senhor, eu agradeço. Fizemos uma longa viagem e
estamos exaustos. Estou certo de que compreenderão nossa precoce
partida. Vou instruir meus secretários para que qualquer correspondência de
vocês me seja entregue imediatamente. Faremos contato à medida que a
data se aproximar.
Mais algumas mesuras e estavam do lado de fora.
Liz respirou fundo, sentindo um peso ser erguido dos ombros.
Sorriu, tentada a se atirar nos braços de Alex e beijá-lo com ardor. Pela
primeira vez em quase um ano, seu futuro parecia luminoso.

Allegra Gray
123
À Sombra de um Escândalo

Ajeitar as coisas entre Alex e sua família era apenas o começo dos
desafios de Liz. Tinha ainda de reparar sua reputação.
Em primeiro lugar, deveria se certificar de que Beatrice Pullington não
houvesse sucumbido às fofocas e se não tivesse voltado contra ela. Quando
dissera à mãe que ficaria com Bea, não havia ainda consultado a amiga.
A carruagem de Alex a levou até a casa de Beatrice após deixá-lo em
sua própria residência.
— Liz, se houver qualquer problema com sua amiga, por favor, venha
para cá — ele instruíra ao partir.
— Obrigada. — Ela havia sorrido travessa. — Embora eu imagine não
ser esta a única razão pela qual me quer sob seu teto...
— Vá, diabinha — ele grunhira, deixando a carruagem, apressado. —
Não me tente!
O coche a conduzira para longe enquanto seus pensamentos vagavam
com as diversas maneiras pelas quais ela planejava tentar Alex Bainbridge.
A casa de Bea parecia à mesma de sempre, porém Liz sentiu-se uma
mulher diferente ao tocar a campainha.
O mordomo atendeu, e Beatrice apareceu instantes depois, parecendo
um pouco apreensiva.
— Liz! Fiquei tão preocupada! Entre, entre... Você está bem? Ela
estendeu ambas as mãos a fim de cumprimentar a velha amiga.
— Perfeitamente bem. Melhor, talvez, do que possa imaginar.
— Sorriu maliciosa.
Bea arregalou os olhos.
— O que aconteceu? Tem havido rumores, mas você sabe como é...
Foi a carruagem do duque de Beaufort que vi em frente à casa? Ah, Liz,
conte logo!
Ela rapidamente pôs a amiga a par do que havia acontecido,
encerrando com o, ainda não anunciado, compromisso com o duque.
— Liz! — exclamou Bea, a expressão repleta de júbilo.
— Que maravilha! Depois de tudo por que você passou, com certeza
merece tal felicidade.
Ela sorriu, vendo que Bea era mesmo uma amiga querida.
— Quando é o casamento?
— Em três semanas. Por isso vim, Bea. Preciso de um lugar para ficar
até lá. Desprezo a mim mesma por me impor a você mais uma vez, mas...
— Não diga mais nada. Não está se impondo coisa nenhuma. É claro
que pode ficar.
— Não sei o que faria sem você, minha amiga!
Allegra Gray
124
À Sombra de um Escândalo

Bea a abraçou.
— E eu não sei o que faria sem você para animar minha vida!
Provavelmente seria uma viúva entediada e ranzinza.
— Jamais! — Liz exclamou, e ambas se puseram a rir.
— Sua família não está de todo satisfeita com o casamento?
— Bea estranhou. — Não posso imaginar por quê.
Liz fez-se sóbria, então contou sobre o cativeiro na casa de Harold.
— Não acredito! Que monstro! Sua mãe sabia? Seu tio?
— Meu tio, certamente. Mamãe... Bem, não tenho certeza. Por isso
não posso voltar para casa, Bea.
— Tem razão — concordou a moça. — Está mesmo bem? Apesar da
exaustão, Liz pensou no homem maravilhoso que esperava para se casar
com ela.
— Agora estou.
— Vai voltar à sociedade da melhor maneira — Marian Grumsby falou
com segurança alguns dias depois. Foi uma das primeiras visitas de Liz,
depois de Charity, que, afoita, chegara apenas uma hora depois que a irmã
havia se instalado na casa de Bea.
Liz e sua ex-patroa, irmã de seu amado duque, sentaram-se no
pequeno salão. Bea havia saído, mas não se importava que Liz recebesse
visitas.
— Esta é a sua casa — tinha afirmado.
Lady Grumsby, para o alívio de Liz, ficara bastante entusiasmada com
o noivado do irmão.
— Sabia que havia algo diferente na maneira como ele à olhava —
comentou, sonhadora. — E é claro que não estou aborrecida com você.
Como poderia estar, quando você e Alex são tão obviamente certos um para
o outro? Eu posso, inclusive já o fiz, arranjar outra governanta. Mas jamais
encontraria uma noiva melhor para meu irmão. — Seu olhar tornou-se
gentil.
— Você sabe quantas mulheres se atiraram diante de Alex antes
mesmo que ele tivesse idade para notar o sexo oposto? E meu irmão jamais
demonstrou qualquer desejo de se envolver de forma mais duradoura com
qualquer uma delas, a não ser com você.
As palavras de Marian eram reconfortantes, pensou Liz. Já a insistência
para que ela frequentasse bailes e chás como se nada houvesse acontecido...
— Eu não poderia. — Balançou a cabeça. — Alex e eu vamos viver
tranquilos no campo. Quero dizer, olhe em volta... Tornei-me persona non
grata até mesmo em minha própria casa depois disso tudo.
Allegra Gray
125
À Sombra de um Escândalo

Marian assentiu os belos cachos castanhos se movendo com graça.


— Liz, não há maneira de dizer isso com educação, mas eu, no seu
lugar, nem gostaria de viver com a sua família. Exceto por sua irmã.
Considero-a adorável. Mas, honestamente, a questão sobre onde vai morar
pelas poucas semanas antes de seu casamento não é tão importante quanto
você parecer ou não estar se escondendo. O duque de Beaufort é um
homem importante, e certas coisas são esperadas da futura duquesa. Você
não pode simplesmente se esconder no interior. Meu querido irmão pode
ter concordado com isso porque está mesmo apaixonado, mas, a longo
prazo, isso o prejudicaria.
— Claro que não. — Liz tomou um gole de chá, nervosa. Desejava a
felicidade de Alex, queria que ele tivesse uma esposa da qual se orgulhasse.
— Há outra razão — prosseguiu Marian. — Pense em sua irmã. Assim
como você, ela também está arruinada de certa forma. Mas se a sociedade
se convencer de que tudo não passou de um engano, ela poderá, sem
dúvida, voltar a sair e na certa terá um bom número de belos pretendentes.
Liz soltou uma risada vazia.
— Ultimamente, parece que, sempre que alguém quer me coagir de
algum modo, usa minha irmã como isca. — Ela contou a lady Grumsby sobre
a ameaça de Harold Wetherby a Charity.
— Que coisa terrível! Liz, eu jamais pretendi...
— Eu sei que não. — Ela acenou com um sorriso triste. — Eu amo
minha irmã, milady, mas receio que meus erros tenham sido tão graves que
não possam ser superados aos olhos da sociedade.
— Deve me chamar de Marian, agora que vamos ser irmãs. — O
sorriso da bela morena era genuíno. — De qualquer forma, os olhos da
sociedade não têm tanto discernimento como imagina. As pessoas vão
preferir acreditar ter cometido um erro ao julgá-la a se arriscar a perder a
simpatia de meu irmão. Ser casada com o duque de Beaufort tem lá suas
vantagens, e é por isso que estou aqui. Você poderá contar comigo, com
meu marido e com lady Pullington para o que quiser. E, lembre-se, nossas
reputações estão acima de qualquer suspeita.
Liz mirou o chão, embaraçada. Marian pôs-lhe a mão sobre o ombro.
— Eu não disse isso para envergonhá-la, querida. Considero-a uma
mulher forte e corajosa. Deve ser mais do que isso, para que Alex goste
tanto de você.
— Estou muito grata por sua ajuda, Marian, embora continue um
tanto insegura.

Allegra Gray
126
À Sombra de um Escândalo

— Sem dúvida. Mas não deve deixar que ninguém mais saiba disso.
Você precisa manter a cabeça erguida ou vão querer devorá-la com sua
maldade. Seria bom que sua mãe estivesse ao seu lado para apoiá-la, apesar
de tudo.
Liz concordou.
— Ela poderá ficar ao meu lado, em um baile; acredito. Não acho que
isso vá ofender o nome do duque.
Liz suspirou. Ela e a mãe não se falavam desde o dia em que ela havia
retornado a Londres. Sua relação ainda estava ferida, ainda que Liz nutrisse a
esperança de que lady Medford não tivesse nada a ver com a trama
envolvendo Harold.
— Isso resolve a questão. — Marian sorriu. — Faremos seu retorno em
três semanas, no baile dos Holbrook.
— Mas Alex quer se casar em três semanas — avisou Liz.
— Como? Impossível! — exclamou Marian. — A menos, é claro, que
seja necessário... — Seu rosto bonito corou.
— Não, não... Fique tranquila. — Liz enrubesceu também.
— Então é melhor convencê-lo a adiar o casamento.
— Convencer o duque de Beaufort de que ele precisa esperar?
Marian gargalhou. — Bom argumento. Mas umas poucas semanas a
mais ajudariam muito. Além disso, quanto mais longo o noivado, melhor; ao
menos, aos olhos da sociedade.
Liz respirou fundo. Como de costume, estava à mercê da aprovação da
sociedade.
De qualquer forma, pretendia tornar-se uma esposa de que Alex se
orgulhasse.
— Posso tentar.
— Meu irmão vai concordar com o que quer que peça — Marian
previu. — E, se tudo der certo, no baile dos Holbrook você fará seu retorno
com a cabeça erguida. Encontraremos uma maneira de explicar todo o
escândalo.
Uma discreta batida à porta as interrompeu, e Bea enfiou a cabeça
para dentro.
— Voltei... Posso me juntar às nobres damas?
— Claro! — Marian se alegrou. — Pode nos ajudar a planejar.
Bea se aproximou e tomou assento.
— Planejar o quê?

Allegra Gray
127
À Sombra de um Escândalo

— Liz e eu estávamos discutindo que readentrar a sociedade talvez


não seja uma tarefa fácil para ela. Talvez você possa nos ajudar com alguma
estratégia.
Beatrice resplandeceu.
— Não há nada de que eu gostaria tanto!
Ainda que Liz houvesse abandonado o assunto sobre a traição do pai,
Alex continuava incomodado. E claro, ele sabia bem mais do que ela.
Jamais, em um milhão de anos, teria se imaginado noivo da filha
daquele salafrário.
Mas, na verdade, o compromisso com Liz o fazia feliz.
Pela primeira vez em meses, tinha uma sensação de paz e interesse
por seu próprio futuro. Podia imaginar um filho com os vibrantes cabelos
vermelhos de sua amada, ou uma filha com seus belos olhos verdes. Estava
ansioso por acompanhá-la publicamente. Liz abraçava a vida com paixão e
não tinha medo de riscos. Fazia-o ver as coisas com frescor.
Sim, o futuro se apresentava muito melhor. Ele só esperava poder se
esquecer do passado.
Antes que pudesse fazer isso, contudo, precisava ter certeza de não
ter deixado nenhuma peça fora do lugar.
Uma rápida audiência com lady Medford confirmou o desejo da
senhora de evitar maiores escândalos sobre o decepcionante homem com
quem havia se casado.
— Liz ainda nutre boas lembranças do pai, apesar de tudo — ela o
lembrou. — Por que lhe roubar a paz?
Ele concordara claro.
Sua segunda tarefa era bem mais simples. Uma nota anônima e
generosa do banco, enviada a certo cocheiro, selaria o assunto. Fuston seria
esperto o suficiente para saber de onde teria vindo o dinheiro, e se manteria
em silêncio. Haviam discutido sobre aquilo antes. Seria apenas um lembrete.
Com o passado posto para trás em segurança, Alex sentiu-se mais leve
enquanto parava próximo à casa de lady Pullington. Bateu de leve à porta
entreaberta que levava ao salão onde sua noiva sentava-se e conversava
com sua irmã e a amiga. O mordomo se oferecera para anunciá-lo, porém
Alex dispensara a formalidade.
Uma olhadela em direção a Liz, e ele a desejou com uma intensidade
que o enervava. Quando haviam estado a caminho de Londres, ela estivera
exausta demais para se envolver com ele em alguma intimidade maior do
que dormir com a cabeça apoiada em seu colo.

Allegra Gray
128
À Sombra de um Escândalo

Ele, por sua vez, fizera pouco mais do que amparar o corpo delicado,
tão em contraste com o seu rijo de desejo.
E desde que tinham retornado, ela estivera na casa de lady Pullington,
onde parecia estar sempre cercada de amigas, falando animadamente sobre
os planos para a cerimônia.
Era o suficiente para levar um homem ao desespero.
Apesar disso, empurrou a porta do salão um tanto mais e o adentrou.
As três se puseram de pé, interrompendo a bela cena.
— Alex — saudou Marian, alegre. — Discutíamos sobre como sua
adorável noiva precisa readentrar à sociedade.
Ele mirou Liz, que parecia um tanto insegura, e a culpa o alfinetou.
Graças a Deus, ao contrário de seus outros erros, os efeitos daquele
poderiam ser neutralizados.
— Talvez seja melhor que as deixe tramar tudo, querida. Afinal, você é
a especialista em regras da sociedade — disse, voltando-se para Marian.
Tinha absoluta fé de que a irmã logo levaria sua noiva às graças de todas as
senhoras de Londres, contanto que Liz pudesse suportar o terrível escrutínio
ao qual certamente seria posta.
— Estamos quase terminando — comunicou-lhe lady Pullington. —
Lady Grumsby e eu estávamos a ponto de sair para visitar a papelaria. Certo?
— Por favor, pode me chamar de Marian. E sim, creio termos tomado
nossa decisão. O baile dos Holbrook será nosso ponto de partida. Cabeça
erguida, querida Liz!
Marian e Bea trocaram olhares, então deixaram o recinto.
— Creio que pretendia nos dar alguma privacidade — observou Liz,
sem graça.
Alex cruzou o cômodo em sua direção, tomando-lhe ambas as mãos.
— Liz, você não precisa fazer isso. A sociedade pode ser cruel, e você
já passou pelo suficiente.
O ferimento no rosto já tinha sumido, mas a lembrança dele, e o que
ela havia dito ter passado naquelas semanas, era mais do que suficiente para
que quisesse poupá-la de ainda mais sofrimento.
— Tenho diversas propriedades no interior onde podemos viver.
Liz deu um passo para perto, precisando levantar a cabeça para fitá-lo
nos olhos.
— Eu quero fazer, Alex. Você merece mais do que uma esposa a quem
precisa esconder o tempo todo.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Mas seria melhor para mim, manter os outros homens afastados.
Allegra Gray
129
À Sombra de um Escândalo

Ela sorriu diante do tom provocativo, depois se fez sóbria.


— Eu adoro que confie em mim. Mas preciso fazer isso por mim
mesma e por minha irmã... Se é que isso pode ser feito.
Alex sabia que ela estava certa. E sabia que seria difícil.
— Estarei ao seu lado em qualquer situação.
— E um homem honrado, milord — Liz falou, suavemente.
O duque a encarou, sério.
— Não, não sou.
Havia lhe tirado a virgindade em um local público, como se fosse ela
uma garota de taverna qualquer, e então falhara em manter seu romance
em segredo. Falhara em protegê-la.
E mesmo que seu noivado significasse que aquelas indiscrições
poderiam ser esquecidas, outras coisas não seriam.
Mirou os luminosos olhos verdes mais uma vez e viu que ela não
acreditava em sua resposta. A fé de Liz o abalava até o âmago, aquecendo os
mais profundos recônditos de sua alma enegrecida.
Ela entreabriu os lábios, e a circulação de Alex se acelerou.
— Talvez você possa tirar vantagem deste momento, como Marian e
Bea pretenderam, e me fazer esquecer de que precisarei mostrar o rosto a
dúzias de pessoas ansiosas por ser as primeiras a me destratar — disse, um
tanto ofegante.
— Elas não ousariam.
Liz arqueou uma sobrancelha.
— Aparentemente, o senhor não conhece as mulheres tão bem
quanto imagina milord.
Alex moveu-se mais para perto, abrigando-a nos braços.
— Eu imploro. Dê-me a chance de provar que está enganada. Liz
derreteu sob o abraço.
— Assim é melhor.
Que Deus o ajudasse, pensou Alex, enquanto comprimia os lábios
contra os dela, afoito. Passaria o resto da vida tentando ser o homem que
ela desejava, e esperando que Liz jamais descobrisse o contrário.
Alex e Liz decidiram sob-recomendação de Beatrice e Marian, esperar
até que Liz houvesse voltado às boas graças da sociedade antes de anunciar
seu matrimônio. Assim, mesmo com relutância, o duque decidiu que o
casamento ocorreria em seis semanas.
— Com certeza — argumentara, em meio a beijos. — A essa altura,
seu magnífico time de conspiradoras já a terá lançado ao topo da sociedade.

Allegra Gray
130
À Sombra de um Escândalo

Liz não estava tão certa disso. Ainda assim, encontrava-se ansiosa por
tornar aquela união uma realidade.
De acordo com Bea e Marian, o baile dos Holbrook seria o maior
obstáculo a ser superado para que Liz recuperasse sua reputação. O evento
anual era restrito, frequentado pelos membros mais influentes da cidade. Se
Liz conseguisse aprovação, navegaria sobre mares calmos, após tanta
turbulência.
Lady Medford concordou em comparecer ao lado da filha a fim de
demonstrar a solidariedade da família e afastar rumores. Demonstrava mais
boa vontade agora que a filha estava prestes a se casar acima de suas
expectativas, ainda que parecesse desconfortável na presença do duque.
Mais de uma vez, Liz tinha visto a mãe desviar o olhar, constrangida, quando
Alex adentrava os recintos.
Mas talvez fosse apenas a preocupação de que o duque a culpasse por
seu sequestro.
A presente trégua entre a mãe e ela fora conseguida sob a con-
cordância de que nenhuma das duas citasse o nome de qualquer de seus
parentes homens, próximos ou distantes.
Preparar-se para o baile impediu Liz de pensar demais sobre tais
assuntos, felizmente. Bea e Marian compareceriam ao evento também e, era
claro, Alex, ainda que houvessem concordado que o duque não lhe serviria
de acompanhante. Tal tarefa caberia a Brian Grumsby, marido de Marian.
Charity ficaria de fora pelo momento, embora houvesse lembrado,
indignada, de que já tinha dezoito anos. Fora preciso muito para convencê-la
de que tudo seria melhor quando a irmã fosse uma duquesa, e não a maior
fonte de fofocas da cidade.
No fim, ela aceitara o papel de assistente do casamento.
O tempo exíguo: o baile em três semanas, depois apenas mais três
antes do casamento, envolveu todas as moças em um furor de preparações.
Afinal, ao longo do último ano, o guarda-roupa de Liz sofrerá
consideravelmente. Primeiro ao ser modificado para roupas de luto, depois
para uniformes de governanta.
Mesmo assim, com uma respeitável transferência de fundos de Alex e
alguma bajulação, elas haviam convencido uma modista para lhe preparar
um vestido de gala por um preço considerável, e em um espaço de tempo
bastante curto.
Quando, por fim, chegou a noite do baile, os nervos de Liz estavam à
flor da pele. Seu estômago se retorcia, e as mãos tremiam diante da ideia de
encarar tanta gente impiedosa.
Allegra Gray
131
À Sombra de um Escândalo

Afinal, tinha cometido imperdoáveis delitos morais. Não importava o


que dissesse; temia que qualquer um que a fitasse nos olhos visse a verdade:
ela havia mesmo feito tudo aquilo de que era acusada... Incluindo dormir
com o notório duque de Beaufort.
Mesmo com os Grumsby, a mãe e Bea ao lado, ela teria uma boa
chance de ser rejeitada, concluiu Liz. Ah, como queria fugir novamente! A
criada de Bea as ajudou a se aprontar para o baile.
— Deixe-me em paz, criatura! — ralhou Bea a certa altura, uma vez
que já tinha os cabelos prontos. — Posso cuidar do restante sozinha. É Liz
quem precisa impressionar a todos. — Sorriu para a amiga.
Liz suspirou trêmula. O pálido vestido de seda dourada era cortado em
estilo grego. O traje caía em camadas a partir de um dos ombros, deixando o
outro quase desnudo.
— É intrigante e inesperado — garantiu-lhe Bea enquanto se ajeitava
mais uma vez. — Você não haveria de querer um decote profundo demais,
mas cobrir-se completamente faria as pessoas pensar que tem algo a
esconder...
— Acho que nunca me preocupei tanto com um vestido — confessou
Liz.
— Está linda, Liz. Nem muito virginal tampouco muito provocante.
Esse dourado foi à medida certa. Se você parar de esfregar as mãos, ninguém
jamais duvidará de que pertence ao ápice da escala social.
Bea, no entanto, parecia tão preocupada quanto ela. Liz engoliu em
seco. Depois endireitou os ombros e forçou as mãos trêmulas a repousar dos
lados do corpo.
— É melhor irmos.
Apanharam a mãe de Liz, que aguardava no andar de baixo, e subiram
na carruagem.
Em geral, as ruas de Londres estavam apinhadas, mas, naquela noite,
para o desprazer de Liz, o coche chegou à festa em tempo recorde. Com
alívio, ela notou que a carruagem dos Grumsby chegara logo antes da sua.
Em pouco tempo, todo o grupo entregava as capas a um lacaio e permanecia
esperando que o mordomo os anunciasse.
Quando este chegou à borda da festa e anunciou "Srta. Liz Medford",
um incrível silêncio recaiu sobre o salão.
Um breve instante depois, o burburinho retornou, enquanto todos,
homens e mulheres presentes, se viravam para a pessoa ao lado e
começavam a sussurrar.

Allegra Gray
132
À Sombra de um Escândalo

O coração de Liz quase parou. Mas antes de encarar a multidão, ainda


precisaria passar pelos anfitriões, os quais, infelizmente, aproximavam-se
rápido demais.
Lady Holbrook era uma mulher de compleição sólida, com brilhantes
cabelos brancos e uma expressão um tanto tola.
— Grumsby, que prazer em vê-lo. Lady Pullington, é uma honra. Lady
Medford... — Cumprimentou os três antes de se virar para Liz. Seus olhos se
apertaram, então, quase imperceptivelmente. — Srta. Medford. Confesso
que não esperava vê-la.
— Acabei de retornar do interior, milady — Liz respondeu como havia
praticado.
— De que parte? — trovejou lorde Holbrook, indiferente à tentativa
da esposa de ser discreta.
— Meu primo tem uma pequena propriedade ao norte. — Isso lá era
verdade. — Sua esposa estava solitária e precisava demais de companhia...
Além disso, admito que a última temporada foi demais para mim; em
especial após a perda de meu pai. De modo que aproveitei a oportunidade
para deixar a cidade e visitá-los por um tempo.
— Percebo. — A expressão de lady Holbrook suavizou-se. Ainda assim,
não havia parado de destilar seu veneno. — Houve rumores diante de seu
desaparecimento.
— Assim ouvi dizer. — Liz ergueu o queixo de leve. — De qualquer
forma, como parece ser sempre o caso, os rumores eram bem mais
interessantes do que a verdade por trás. — Rezou para que os anfitriões não
pudessem ouvir as batidas de seu coração. Mentir sempre a deixava
desconfortável.
— Sem dúvida — concordou lady Holbrook. — Então não está
envolvida com Beaufort?
— Lydia! — Os olhos do marido se esbugalharam diante da pergunta,
mas ela o ignorou.
— Ah, eu realmente encontrei o duque em casa de lady Grumsby —
comentou Liz, tentando se manter impassível. — Beaufort estava lá,
ajudando o sobrinho a treinar um novo cachorrinho... É um homem bastante
sensível — segredou, com o sorriso de uma adolescente que desenvolvera
uma inocente, porém não correspondida atração pelo vistoso duque. Uma
tarefa nada difícil, dado ser isso o que ela sentira alguns anos antes.
Marian e o marido se mantiveram a seu lado, sorridentes.
— Meu cunhado sempre foi bastante cativante — colaborou lorde
Grumsby.
Allegra Gray
133
À Sombra de um Escândalo

A mãe de Liz e Bea, que se aproximara, sorriram e concordaram, como


se a história que ela havia contado não as implicasse de maneira nenhuma.
Por trás do pequeno grupo, novos convidados tinham chegado e
esperavam para cumprimentar os anfitriões da noite.
— Seja bem-vinda de volta a Londres, Srta. Medford — lorde Holbrook
disse, educado. — Espero tornar a vê-la ao longo da temporada —
completou, tomando a esposa pelo cotovelo antes de se afastar com ela
para a entrada.
Lady Holbrook parecia ter algo mais a dizer, mas, respeitosamente
seguiu com o marido.
Liz suspirou, aliviada. Ainda tinha o restante do baile, mas havia
passado pelo primeiro teste.
Analisou o salão de festas, enquanto seu grupo avançava, mas Alex
ainda não tinha chegado.
Suspirou e preparou-se para passar as várias horas seguintes
encostadas à parede ou se refugiando nas salas ao lado.
Mas as coisas não pareciam tão ruins. A idosa lady Tanner se
aproximou do grupo, seguida por algumas de suas amigas.
— Olá, mocinha... — disse ríspida. — Ouvi dizer que andou dando
bastante trabalho a sua família durante o verão.
Liz lançou um olhar em direção à mãe.
— Creio termos acertado nossas diferenças.
— É mesmo? — comentou a senhora idosa, olhando para lady
Medford em busca de confirmação.
A mãe não a deixou em apuros.
— Liz sempre foi uma menina de temperamento forte, mas no fundo é
muito ajuizada.
Lady Tanner arqueou as sobrancelhas.
— Devo então presumir que haja um compromisso por vir...?
— Infelizmente, ainda não posso tecer nenhum comentário a respeito
— respondeu lady Medford com um sorriso misterioso.
— Pena — volveu a mulher, enviando a Liz um olhar rude antes de
engatar uma conversa com a mãe dela.
Mas que fosse refletiu Liz. Apenas a presença de tantas senhoras da
sociedade ao seu redor ajudaria a suprimir os rumores.
Enfim, ela ouviu o mordomo anunciar o nome de Alex. Seu coração
subiu à garganta quando assistiu o belo duque adentrar o recinto. O traje de
gala era quase negro, a não ser por uma gravata e uma camisa branco-neve.
Ele parecia perigosamente atraente.
Allegra Gray
134
À Sombra de um Escândalo

Reprimiu um sorriso. Por que havia concordado em esperar três


semanas a mais pelo casamento?
— Tem certeza de que duas danças seria demais? — arriscou.
Marian e Bea, as mentoras de sua tentativa de salvar a reputação,
tinham-lhe permitido apenas uma dança com Alex. Bea sorriu
condescendente.
— Duas danças indicariam uma preferência.
— Mas em breve ele vai anunciar nosso noivado. Não deveria, mesmo,
me preferir às outras?
— Melhor não alimentar ainda mais os rumores — aconselhou Marian.
— Se vamos tecer a história de que ele se enamorou de você enquanto
passeava pelo campo, e que você esteve em nossa propriedade todo esse
tempo, não podemos deixar que perguntassem demais.
Liz concordou decepcionada.
Quando Alex veio pleitear sua única dança, manteve-se formal, como
se Liz fosse apenas uma conhecida. Apenas o brilho nos olhos escuros,
quando ofereceu o braço, deixou claro o que sentia.
Ela o aceitou de bom grado, embora, no fundo, desejasse deslizar as
mãos por baixo da casaca impecável, correr os dedos por sobre o branco da
camisa, segurá-lo bem perto e tocá-lo por toda parte... Jamais fora adepta
das danças, mas respirar o perfume másculo que emanava dele era um
estímulo e tanto. Como, Deus, ela poderia se concentrar em dançar? Soaram
as primeiras notas da música, e Alex sorriu.
— Uma dança típica? Só podem estar brincando. Não poderiam ao
menos ter reservado uma valsa?
Liz lançou-lhe um sorriso triste.
— Ordens de Marian. Uma valsa seria íntima demais. Ela quer que eu
pareça respeitável.
Alex tomou sua posição, um par de metros distante. Quando se
aproximaram novamente, lançou-lhe um sorriso.
— Eu não pretendia me casar com um poço de respeitabilidade...
Liz errou um passo, e o sorriso dele se expandiu.
— Pois saiba que, se tivesse chegado mais cedo e ouvido a conversa
com nossos anfitriões, saberia que agora Vossa Graça é um poço de
sensibilidade — ela conseguiu dizer, muito tempo depois.
Alex ergueu as sobrancelhas.
— Jamais me julgaram sensível em toda a minha vida...
A natureza da dança não permitia muita conversa, mas, quando o
duque a devolveu à mãe, Liz sussurrou-lhe ao ouvido:
Allegra Gray
135
À Sombra de um Escândalo

— Acho milord tão sensível quanto sou respeitável.


O duque gargalhou, e então lhe lançou um lindo sorriso.
— Eu nutro todo o respeito por sua pessoa, Srta. Medford. E apenas a
ideia de me casar com alguém que é considerada um "poço de
respeitabilidade" que me causa calafrios.
— Hei de tentar não corresponder ao apelido.
— E eu hei de cuidar para que mantenha a promessa... Muito em
breve — ele completou, devolvendo-a à mãe.
Liz estava feliz demais para se importar com o fato de que, tão logo
Alex a deixou ao lado da mãe, um séquito de admiradoras o cercara. Era algo
a que deveria se acostumar, ao menos até que o noivado fosse anunciado
publicamente.
Marian e Bea lançaram-lhe sorrisos triunfantes.
— Foi maravilhoso — cochichou Marian. Bea concordou.
— Andei bisbilhotando — segredou travessa. — Alguns ainda duvidam,
mas a maior parte imagina que você não ousaria mostrar o rosto esta noite,
fosse verdade metade das coisas que têm sido ditas ao seu respeito. Liz
suspirou. Se eles soubessem...
Preparar-se para o baile dos Holbrook não havia sido nada em
comparação aos preparativos para o casamento. Como tinham planejado,
apenas uma semana após o baile, Liz e Alex tinham anunciado o noivado.
Embora alguns rumores houvessem reaparecido quase todos eram obra de
jovens invejosas que tinham perdido a esperança de ver o próprio nome
associado ao do duque de Beaufort.
Os rapazes da sociedade, ao contrário, aprovaram o casamento, pois
este lhes dava uma chance melhor com as donzelas solteiras, as quais não
poderiam mais perder tempo sonhando com o duque.
O resto da cidade parecia ter aceitado a trama sem problemas.
Pessoas que haviam ignorado Liz semanas antes agora vinham visitá-la,
oferecer cumprimentos e, claro, garantir um convite para o evento.
A casa de Bea tornou-se um verdadeiro caos de parafernália
matrimonial, e Charity vinha com tanta frequência que Beatrice acabou lhe
oferecendo o outro quarto de hóspedes.
Naquela tarde, após gastarem uma quantia obscena do dinheiro de
Alex com um guarda-roupa "digno de uma duquesa" segundo Marian, Bea e
Charity, as mulheres deixaram mais uma loja.
A viscondessa marchava para o chapeleiro mais próximo, quando
Beatrice puxou Liz de lado.

Allegra Gray
136
À Sombra de um Escândalo

— Liz, você está certa de que é isso que quer? Quero dizer, eu sei
como sempre se sentiu em relação ao duque, mas casamento é algo muito
diferente.
— Diferente como?
— Terá de... Responder a ele, em primeiro lugar. — O rosto bonito
tornou-se surpreendentemente vermelho. — Em um casamento, há mais na
cama do que apenas beijos.
Liz sorriu, ainda que seu coração se condoesse por Bea e pelo tipo de
casamento que devia ter tido.
— Eu sei. Mas... — baixou a voz — preciso confessar que não tenho
dificuldade alguma em responder a Alex.
Bea arregalou os olhos diante da admissão tácita da amiga de que os
rumores sobre sua relação com o duque eram verdadeiros.
— Compreendo — murmurou com um sorriso cúmplice. — Espero que
esteja contente.
— Muito — confirmou Liz.
Nem mesmo uma carruagem fechada poderia oferecer alguma
privacidade ao duque e sua noiva, mas, quando ele se ofereceu para levá-la a
um passeio de faetonte, na terça-feira seguinte, Liz prontamente aceitou.
Desde que retornara a Londres, havia tido poucos e preciosos momentos ao
lado do homem que amava, e a maioria deles ocorrera em locais que mal
lhes tinham permitido uma conversa.
Como acontecia, desde o anúncio do noivado, assim que adentraram o
parque, um rapaz veio correndo em sua direção.
— Peço-lhe perdão, Vossa Graça. — Tirou o chapéu e fez uma mesura
estranha. — Pergunto-me se poderia lhe falar por um instante, Srta.
Medford.
— Quem é você? — perguntou Alex, desconfiado. O rapaz pareceu
constrangido.
— Meu nome é Tippen, Vossa Graça. Trabalho para o escritório de
advocacia Harrow & Morton.
Liz sentiu pena do evidente desconforto do rapaz, ainda que à menção
de sua ocupação ela também tivesse ficado pouco à vontade.
— Por que, Sr. Tippen, gostaria de falar comigo?
— É que... Bem, nossa firma tinha negócios com seu falecido pai, e
temos tido muita dificuldade para conseguir uma resposta de seus
procuradores. Não consigo pensar em uma maneira educada de dizer,
senhora, mas há uma grande quantia de dinheiro envolvida.

Allegra Gray
137
À Sombra de um Escândalo

— Lamento saber disso — ela respondeu, educada —, mas falho em


ver como eu poderia ajudá-lo. Suas questões seriam mais bem respondidas
pelos procuradores de meu pai.
A seu lado, Alex brincou com as rédeas em sinal de impaciência.
— Mas pensei que... — Tippen evitou olhar para o duque, o rosto mais
rubro do que nunca.
— Perdoe-me, Sr. Tippen, precisamos ir — Liz falou com firmeza.
Diante disso, Alex deu com as rédeas e o faetonte seguiu, deixando o
rapaz, de pé, à entrada do parque.
— Não posso imaginar o que o fez se aproximar de você daquele modo
— ele comentou, exasperado.
Liz deu de ombros.
— Ele está apenas tentando fazer seu trabalho. Sem dúvida deve
responder a alguém, e imagino que esteja ansioso por explicar a falta de
progresso no caso dos Medford.
— Não importa. O sujeito faz isso em um parque público, quando é
óbvio que está a passeio. E diante de seu noivo!
Liz olhou em volta, pouco à vontade. Belo passeio.
— Imagino que tenha pretendido deixá-lo ciente dos problemas de
meu pai, na certa esperando que você fosse cobrir suas dívidas.
Alex fechou o semblante.
— Já perdoei uma quantia colossal devida pelo barão. Não tenho a
intenção, tampouco a responsabilidade, de cobrir outra.
Ansiosa, Liz o tocou no braço.
— Eu jamais pediria isso a você. As feições de Alex relaxaram.
— Francamente, Liz. A posição em que seu pai a deixou é absurda. Não
imagino como um homem tão irresponsável e inconsequente como ele possa
ter criado uma filha como você.
— Ele não era tão ruim assim.
O olhar de Alex foi de descrença.
— Como pode defendê-lo?
Ela suspirou. Alex era um noivo maravilhoso, mas não gostava de sua
família. Na verdade, mudava de assunto quando ela citava algum parente,
principalmente o pai. Qualquer menção ao nome Medford fazia sua
expressão se tornar indecifrável.
Ela sabia a razão, ao menos em parte. Ainda magoava lembrar que o
pai a havia oferecido como pagamento.
Mas tinha outras lembranças, bem melhores, dele.

Allegra Gray
138
À Sombra de um Escândalo

— Sei que meu pai gastou demais com jogos. E sei que ele e minha
mãe não foram sempre felizes um com o outro. Mas existia outro lado nele;
o lado gentil e brincalhão. E isso eu não posso esquecer.
— Se não fosse pela inconsequência do barão, você jamais teria
passado pelo que passou — argumentou Alex. — Liz, ele tentou vender você
para mim.
— Eu sei — ela concordou, amargurada. — E só posso esperar que, em
meio a seu desespero, ele tenha tido algum tipo de intuição sobre nós dois.
Alex pode ser difícil de compreender, mas eu me lembro de meu pai como
um bom homem. Quando eu tinha doze anos, por exemplo, mamãe
matriculou-me em aulas de dança. Estava decepcionada por não ter tido um
filho homem, e determinada a me fazer arrumar um belo casamento para
compensar o fato de não ter dado um herdeiro ao marido. Receio tê-la
desapontado também nisso. Como deve ter notado, não sou particularmente
graciosa ao dançar.
— Jamais reparei nisso... — Alex fingiu constrangimento por ela tê-lo
visto cruzando os dedos.
Liz deu-lhe um tapa, rindo.
— De qualquer maneira, mamãe vivia ralhando comigo por minha falta
de habilidade. Um dia, meu pai me esperou ao final da aula. Eu estava quase
às lágrimas, pois, na quadrilha, não conseguira estar no lugar certo, na hora
certa. Papai não disse uma só palavra sobre a minha incompetência. Apenas
sorriu, segurou-me pela mão e perguntou se eu gostaria de passear no
Vauxhall Gardens. É claro que eu disse "sim", e nós nos divertimos muito. Ele
me fez esquecer completamente da minha falha. Ao final do dia, meu
espírito estava renovado. Quando voltamos para casa e mamãe me
perguntou sobre a aula, ele disse que eu tinha ido muito bem. — Sorriu. —
Eu sabia que mentir era errado, é claro, mas, naquele dia, não precisei
encarar meu fracasso. Esse é o pai de quem eu gosto de lembrar.
Alex fez-se sério.
— Desculpe-me, Liz. Não o conheci dessa maneira. Compreendo,
agora, como pode defendê-lo. Deve ter sido difícil perdê-lo.
Ela lançou-lhe um breve sorriso.
— Não é culpa sua. Além disso, se ele não tivesse sido o homem que
foi nenhuma das coisas que me aconteceram teria acabado desta maneira.
Afinal de contas, esses eventos me trouxeram até você.
— Sim — Alex concordou relutante.
Liz franziu a testa. Havia dado seu melhor, mas, a despeito do
comentário de Alex de que tinha compreendido, seu humor era ainda
Allegra Gray
139
À Sombra de um Escândalo

sombrio. Talvez pudessem evitar falar sobre os homens de sua família...


Desde que não tivessem outros encontros com os inconvenientes
cobradores do barão.
Antes que ela pudesse pensar em uma maneira de alegrar seu duque,
Liz viu-se distraída por uma carruagem repleta de moças que acenavam para
ela.
Ou para seu noivo, corrigiu-se, ao registrar os olhares lânguidos.
O veículo transportando as jovens reduziu a velocidade ao se
aproximar. Liz suspirou quando Alex puxou as rédeas do faetonte. Por um
momento, considerou estalar ela mesma as rédeas nos cavalos. Em vez
disso, resignou-se a desenhar um belo sorriso no rosto para receber a
inevitável rodada de felicitações, embora suspeitasse de que estas não
fossem ser tão sinceras.
Se o número de presentes chegando à casa de Bea era um indicativo,
seu reingresso na sociedade fora um sucesso. A festa de casamento, que a
princípio se pretendia não muito grande, tornara-se grandiosa.
Ainda assim, Liz não tinha do que reclamar. Estava se casando com o
homem que amava. Um homem que havia lhe perdoado a ausência de dote
e os tantos defeitos dos membros de sua família.
E que a tinha até resgatado de seu pior momento. Para o restante da
sociedade, Alex podia ser um rico inconsequente, mas, para ela, era um
verdadeiro príncipe encantado.
Mesmo feliz como estava, na data da cerimônia Liz tinha os nervos à
flor da pele. A igreja estava abarrotada. Carruagens lotavam as ruas do lado
de fora, e os que chegavam de última hora precisavam procurar por algum
centímetro vago onde se sentar. Liz, Charity e o tio encontravam-se fora de
vista em um pequeno cômodo, próximo à frente da igreja, enquanto espera-
vam pelo inicio do cerimonial.
Ansiosa, Liz espiou lá fora. Havia algo irreal naquilo tudo. Ela, Liz
Medford, estava se casando com o duque de Beaufort, mesmo após ter a
reputação dela e da família arruinada.
Da janela, viu chegar uma carruagem com o brasão de Beaufort e
sentiu uma onda de alivio. Alex estava ali. Não a deixaria no altar. Ele saltou
da carruagem e se apressou em subir os degraus.
Liz espiou para dentro da igreja novamente. Nos bancos mais
próximos ao altar, pôde ver Marian e Brian Grumsby sorrindo. Ao lado deles,
havia uma senhora com o mesmo formato de rosto de Alex. Sua sogra deu-
se conta; vinda de seu santuário, em Bath.

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140
À Sombra de um Escândalo

E, diante da duquesa viúva, sentava-se sua própria mãe, parecendo


nervosa e orgulhosa ao mesmo tempo.
Soprou as mãos úmidas. Se pudesse percorrer a nave sem tropeçar,
consideraria o dia um sucesso. Os metros e metros de seda incrustada de
pérolas da cauda na certa não facilitariam seu trabalho. Por que não havia
dito a, madame Benoit que era desastrada, e pedido que a mulher
desenhasse um modelo mais simples?
Uma vez posicionada à porta da igreja, Liz percebeu o tio rígido a seu
lado. Ela mal falava com ele depois do que havia acontecido com Harold,
mas não tinha mais ninguém que a acompanhasse até o altar, tampouco o
desejo de atiçar as más-línguas percorrendo a nave sozinha.
A sua frente, Charity estava estonteante em um vestido de seda azul-
piscina, as madeixas loiras presas no alto da cabeça. Lançou-lhe um sorriso
cheio de alegria e excitação por sobre o ombro, e ela respirou fundo.
Os últimos convidados haviam se sentado. Pouco depois, ela pôde ver
o vigário acenar.
Ao soar de uma canção, Charity avançou sorridente, e tomou seu lugar
no altar, onde permaneceria durante a cerimônia para auxiliar Liz com a
longa cauda do vestido.
A música mudou, sinalizando a entrada da noiva. Liz pôs a mão
enluvada no braço do tio e se moveu.
Alex estava ao fim do tapete vermelho, e sua expressão se alterou
visivelmente quando a viu entrar. Um sorriso de aprovação curvou-lhe os
lábios benfeitos e ela sorriu, aliviada.
Santo Deus, ele estava lindo. A casaca de veludo negro fora cortada à
perfeição, assim como as calças.
Querendo esquecer os rostos curiosos da multidão, Liz respirou fundo
e tentou se concentrar em seu futuro marido. Surpreendentemente, não
tropeçou, não desmaiou, e assistiu com irreal distanciamento enquanto Alex
e o tio se cumprimentavam.
Pouco depois, tinha início à cerimônia.
Alex tomou-lhe as mãos. Seu toque era quente e reconfortante.
Estavam diante de Deus e de toda a sociedade, dispostos a dar aquele passo
irrevogável.
Ela repetiu seus votos, rezando para que jamais tivesse motivos para
violá-los. Alex fez o mesmo, a voz baixa e confiante.
Juntos, viraram-se e encararam o vigário.
Com a concordância do sacerdote, Alex a envolveu pela cintura e a
puxou para um beijo. Liz fechou os olhos e retribuiu, comovida.
Allegra Gray
141
À Sombra de um Escândalo

Um arrepio de excitação a perpassou. Alex Bainbridge era seu marido.


Se aquela recepção não terminasse em breve, Alex certamente
enlouqueceria.
Forçou um sorriso quando outro convidado o tocou no ombro. A mãe
dele, por sua vez, já havia deixado à festa, mas não antes de intimá-lo à
tarefa de conseguir um herdeiro.
— Já passava da hora, Alex! Graças a Deus, finalmente escolheu
alguém.
Ele apenas trancara os dentes. Poderia, sim, cuidar de fazer um
herdeiro, não ficasse Liz sumindo o tempo inteiro do salão sem dar-lhe a
chance de dizer que tinha o desejo de partir.
— Pretendo deixá-lo orgulhoso de mim — ela havia dito sincera,
quando a recepção começara.
— Você já me deixa orgulhoso — ele respondera, com a cabeça em
assuntos bem mais íntimos.
Que bom era pensar que ninguém mais poderia censurá-lo por dormir
com Liz. Passara o último mês em um quase constante estado de desejo, e
conseguira apenas um eventual beijo roubado. Nem mesmo quando garoto
tinha sido tão pudico, e por tanto tempo.
Sem dizer que, para alguém cuja reputação havia sido arruinada, Liz
vinha sendo guardada quase a sete chaves pela família e as amigas.
Entornou o resto do champanhe, mantendo a frustração sob controle.
Aquelas mesmas mulheres tinham conseguido ressuscitar Liz socialmente,
fato pelo qual ele lhes era grato.
Localizou Liz cercada por outra turba de convidados, muitos dos quais
senhoras idosas e repletas de joias. Olhou para o relógio que trazia preso ao
colete, impaciente.
— Já cansado da recepção?
Alex virou-se e deparou com o sorriso de Brian Grumsby.
— Maldição. Grumsby gargalhou.
— Ninguém se importaria caso você e Liz, decidissem partir. Na
verdade, ouso dizer que quase todos se perguntam quando o farão.
— Faríamos se a minha esposa ao menos olhasse na minha direção.
— Ela está ansiosa por agradar a todos, o que é compreensível. E não é
tão incomum, homem, que uma mulher fique assim em sua noite de núpcias.
— Manterei isso em mente — Alex respondeu seco.
Liz era uma mulher passional. Mesmo que seu novo papel de duquesa
a enervasse, ele sabia que aquele aspecto não a incomodava.

Allegra Gray
142
À Sombra de um Escândalo

Seria possível que ela não estivesse tão ansiosa quanto ele? Ou que
estivesse mesmo tão entretida com a conversa, que não havia se dado conta
de que passara muito da hora de eles partirem?
Finalmente Liz se virou e os olhares se encontraram. Ele acenou de
leve com um gesto de cabeça em direção à saída antes de caminhar em sua
direção, tomar-lhe a mão e, sem maior aviso, acompanhá-la para fora da
festa sob o incentivo dos convidados.
Ignorando-os, apressou-a ao longo do salão que conduzia aos
cômodos privados da família.
— Está linda como uma deusa — disse havia sinceridade em cada
palavra. O vestido era uma obra de arte, os cabelos vermelhos tinham sido
arrumados de forma magnífica. — Eu já lhe disse isso?
Era claro que, em menos de dez minutos, ele planejava ver o magnífico
traje no chão e os cabelos cor de fogo, libertos.
— Talvez uma vez, milord — provocou Liz, quase correndo a fim de
acompanhar-lhe o passo.
Alex reduziu o ritmo ao percebê-la ofegante.
— Foi uma festa maravilhosa.
— Sim. Mas você parece bastante apressado para deixá-la. Alex parou,
encarando-a.
— Deus do céu, Liz, não pode imaginar por quê? — Puxou-a para os
braços, beijando-a de modo a afastar qualquer dúvida. Os cabelos e a pele
dela cheiravam a rosas, e seu gosto era o do melhor dos champanhes.
Jamais necessitara tanto de alguém.
Quando a soltou, o rosto de Liz estava corado, os olhos brilhantes.
— Não está nervosa, está? — perguntou, cheio de curiosidade.
— É claro que não! — ela respondeu após um segundo de hesitação.
— Querida, não há por que se pôr tão tensa. Nós já... —... Fizemos isso
antes, ia dizer. Mas, de alguma forma, não parecia certo lembrá-la de que
suas núpcias tinham sido precipitadas, ainda que o fato não o incomodasse
nem um pouco.
Liz respirou fundo. Estava mesmo nervosa. Mas, ah, como queria fazer
amor com ele! Havia semanas, seu corpo implorava pelo toque quente de
Alex. Misturado ao desejo, contudo, havia o medo de que jamais estivesse à
altura do duque de Beaufort. Na recepção, chocara-se com a súbita e
completa transformação no modo como a sociedade a tratava.
Sabia estar se casando com um duque, ainda assim, não era capaz de
se imaginar como uma duquesa.

Allegra Gray
143
À Sombra de um Escândalo

Agora, no entanto, gente que jamais lhe dirigira a palavra se curvava e


pedia sua opinião sobre qualquer assunto. Começava a compreender o que
Alex experimentara por toda a vida.
Aquela, porém, não era a hora para pensar em sua nova posição.
Enfim, chegaram às amplas portas duplas que conduziam ao quarto
principal. Emma, sua antiga criada, concordara alegremente em servir a casa
de Beaufort. Agora, ela e Hanson, o pajem de Alex, mantinham-se do lado de
fora, tal qual, duas sentinelas.
— Vossa Graça... — No momento em que eles passaram pelas portas,
Hanson se adiantou para ajudar Alex com a casaca.
Liz quase riu quando o marido soltou um grunhido e Hanson deu um
nervoso passo atrás.
— Creio que possamos nos cuidar sem maior ajuda esta noite — Liz
sugeriu, suavemente.
— Mas, senhora, todos esses botões... — murmurou Emma,
analisando-lhe o vestido.
Alex resmungou algo de novo, ainda que, desta vez, Liz tenha sido
capaz de discernir um "deixem-nos em paz" ao final da frase.
Aceitando a sugestão, Hanson e Emma se curvaram numa mesura e
desapareceram.
Pela primeira vez naquele dia estressante, Liz percebeu-se sorrindo.
— O que é tão engraçado? — perguntou Alex.
— Pobre Hanson. Não vai conseguir dormir esta noite, tão preocupado
que está com suas roupas.
Alex sorriu também.
— Venha aqui, esposa.
— Tem certeza de que não quer que eu troque de roupa? Madame
Benoit desenhou uma peça especialmente para... — Mordeu o lábio. —
Quero dizer, não deveria uma duquesa se pôr mais...
Alex sorriu. Liz ainda estava nervosa. Cobriu a distância entre os dois e
tomou-lhe a boca, interrompendo o discurso. Beijou-a suavemente, roçando
os lábios, e sentiu a rigidez deixar-lhe o corpo.
Deus, continuar naquele ritmo iria matá-lo... Mas ela merecia ser
saboreada.
Continuou a beijá-la, trabalhando nos infindáveis botões do vestido
com dedos trêmulos.
— Há botões demais, não é? — desculpou-se Liz. — Quer que eu...
— Quieta. O vestido é perfeito. Você é perfeita.

Allegra Gray
144
À Sombra de um Escândalo

— Ah, Alex! — Ela suspirou. — Estou tão longe da perfeição. Não sei se
conseguirei ser uma boa duquesa.
— Não quero uma boa duquesa — ele replicou, tentando não rir agora
que sabia o que a atormentava. Segurou-a pelo queixo. — Jamais quis. Eu já
disse: você é perfeita para mim.
Alex pôde notar as lágrimas nos olhos verdes antes de ela beijá-lo na
palma da mão.
O duque sentiu a própria garganta se apertar pela emoção. Voltou a
cuidar dos botões do vestido, movendo-se para trás da esposa, de onde
poderia realizar a tarefa mais facilmente.
Um a um, ele os soltou, beijando cada pedacinho que se descortinava.
Beijou-lhe o pescoço, os ombros. Liz arqueava-se, inclinava-se para mais
perto do toque. Centímetro a centímetro, o corpete se afrouxou, até que se
soltou inteiramente. As várias saias se provaram tarefa mais simples: alguns
laços desfeitos, e estas logo caíram no chão, deixando-a apenas com uma
fina combinação de seda.
— Perfeita! — repetiu Alex. Passou as mãos pelos lados do corpo
esbelto, por sobre os seios, puxou-a para perto, a crescente ereção
pressionando-a.
Liz gemeu diante do contato erótico.
Deus pensou Alex, ansiava por estar dentro dela!
Em vez disso, forçou-se a se concentrar nos grampos que lhe prendiam
os cabelos até que as madeixas acobreadas caíssem de uma vez pelas costas.
Ele apanhou uma das mechas e a beijou.
— São muito vermelhos, não? — Liz comentou insegura.
— São perfeitos — ele repetiu.
Por fim, pôs-se de frente para ela, puxando-a para outro beijo. As
línguas se encontraram, e desta vez foi ele quem gemeu ao sentir os seios
tenros e os quadris delicados pressionados contra ele, enquanto ela
instintivamente buscava mais.
Alex desviou-se da boca tentadora e arrancou as próprias roupas.
Ouviu a rápida inspiração da esposa quando suas calças caíram ao
chão, e sentiu-se ainda mais rijo. Um toque sutil nas alças de seda sobre os
ombros de Liz, e ela também estava nua.
Ele a ergueu no colo e a carregou até a cama.
— Quero me fartar de você — falou rouco de paixão. Beijou-lhe o
queixo, o pescoço, e então mergulhou mais abaixo, capturando um mamilo
com a boca. Sugou levemente e sentiu os dedos dela cavando suas costas em
um pedido silencioso.
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À Sombra de um Escândalo

Teria lhe dado tudo o que Liz queria se ela já não fizesse movimentos
oscilantes e famintos com os quadris, e seu próprio corpo não clamasse pela
necessidade de possuí-la.
Esperara por mais de um mês. Não suportaria mais nem um minuto.
Afastou-lhe as pernas levado por puro instinto. Ao perceber que ela
estava pronta, penetrou-a com ímpeto.
— Alex — ela gemeu, arqueando as costas.
Ele retrocedeu depois a penetrou seguidas vezes, encontrando o ritmo
que ambos buscavam.
— Abra os olhos, Liz — sussurrou ofegante.
Ela assim fez e a paixão e o amor que ele encontrou ali quase o fez se
perder. Manteve-se no ritmo, contudo, acariciando-lhe os seios, os cabelos,
tocando em todas as partes.
Liz ondulava por baixo dele, encontrando cada movimento seu. Deus!
Como ele não soubera que ela seria seu par perfeito?
Invadiu-a outra vez, os últimos vestígios de controle já sumindo
enquanto ela mesma o apressava. Chegaria ao êxtase a qualquer instante e
queria que ela compartilhasse a sensação.
Estavam quase lá, ele podia sentir. Pressionou o polegar no centro de
sua feminilidade, e ela gemeu alto e estremeceu dos pés à cabeça,
convulsionada pela paixão. Enlevado, ele a prendeu pelas mãos contra o
colchão e, mantendo-a cativa, investiu uma última vez, dissolvendo-se
dentro dela com um grito abafado.
Rolou para o lado, então, puxando-a consigo de modo que se
mantivessem ainda intimamente ligados.
Sorriu. Jamais segurara as mãos de uma mulher enquanto fazia amor.
Mas não estava disposto a analisar aquilo agora. Em vez disso, ele a fez
repousar a cabeça sob seu queixo, segurando-a, protegendo-a, até que ela
recuperasse o fôlego.
Pôde senti-la sorrir contra o peito.
— Não imaginei que pudesse ser tão bom.
— Isso foi apenas o começo — ele garantiu feliz.

Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

Capítulo IV

A vida de casado era perfeita. Em Liz, Alex encontrara uma parceira


que o amava por mais do que sua posição, e que acompanhava seu espírito
aventureiro de todas as formas.
Havia apenas uma coisa que ele precisava fazer antes de providenciar
um herdeiro e se dedicar â vida em família.
— Quero vê-lo destruído — ordenou frio. — Quero que Wetherby não
tenha um só centavo em seu nome.
Homem nenhum se safaria de qualquer abuso cometido contra Liz.
Harold Wetherby muito menos.
Naquele dia, ele, Alex, tinha dito à esposa que iria encontrar um
parceiro de investimentos, mas a verdade era que fora se assegurar de que
Wetherby jamais a incomodaria novamente.
A tentação de causar ao homem danos físicos era grande, mas ele se
decidira por uma vingança de cavalheiros; uma que, sabia, abalaria o orgulho
de Wetherby bem mais do que uma simples surra.
— Compreendo senhor — respondeu o procurador. — Até aqui,
descobri que ele tem ações em diversas minas ao norte, assim como algum
tipo de indústria têxtil. Roupas masculinas creio, próximo a Yorkshire. As
condições de trabalho nas fábricas são abomináveis.
— Imagino.
Alex se perguntou quantos órfãos e viúvas eram mantidos escravos
para que garantissem o estilo de vida de Harold.
— Seria possível destruir Wetherby sem que seus funcionários fossem
parar nas ruas? É Wetherby quem eu quero que sofra não aqueles que já são
suas vítimas.
O procurador concordou.
— Isso pode ser feito com um pouco mais de finesse, Vossa Graça.
Quem sabe se milord estivesse envolvido, indiretamente, é claro, em
negócios rivais...
— Você cuida dos detalhes. Mas, Browne, aja depressa.
Duas semanas após o casamento, Liz se encontrava sentada no
gabinete de Alex. Ele havia saído para encontrar um parceiro de negócios,
prometendo voltar cedo, e ela cantarolava alegremente enquanto escrevia
cartas de agradecimento pelos muitos presentes. No dia seguinte, ela e Alex
viajariam para Montgrave, sua propriedade no campo, onde passariam o
inverno.
Allegra Gray
147
À Sombra de um Escândalo

Ouviu alguém limpando a garganta e encontrou o mordomo.


— Vossa Graça, há um cavalheiro à porta, querendo vê-la.
— Eu lhe disse que viesse pelos fundos, pois ele me parece de pouca
estirpe, mas o homem insiste que é imperativo falar com a senhora. Alega
ter trabalhado para seu pai.
— Não se preocupe, eu irei vê-lo.
O mordomo pareceu aliviado por não ter de conduzir o inesperado
visitante até o gabinete, e Liz o seguiu até o saguão.
O homem à porta vestia roupas simples, e não mais um uniforme, mas
Liz reconheceu o antigo cocheiro imediatamente.
— Fuston! Por onde esteve esse tempo todo?
— Srta. Medford, isto é, Vossa Graça... — Ele apertou o chapéu nas
mãos. Parecia dez anos mais velho.
— Qual é o problema?
— Eu preciso lhe contar uma... — Parou nervoso. — Não. Eu não devia
estar aqui. — Gotas de suor lhe surgiram na testa.
— Não estou autorizado.
Liz franziu o cenho. Algo estava muito errado.
— O que quer dizer? — Até onde ela sabia, cidadãos ingleses eram
livres para circular pelo país à vontade.
A preocupação a invadiu. Alex e ela haviam tido sua cota de
estranhamentos após o casamento, claro, mas agora tinham finalmente
resolvido tudo. Ela era uma mulher bem casada.
Mas o fato de Fuston estar ali após ter desaparecido por meses...
Afagou as saias e olhou em volta, mas os outros criados haviam
desaparecido. Estavam a sós.
— Vossa Graça, a senhora não deveria... — Fuston mirou a porta,
como se repensasse a decisão de visitá-la.
— Relaxe, homem. Diga-me o que veio dizer. Isso vai lhe aliviar a
consciência, aposto.
Com certeza, qualquer que fosse o assunto, não poderia ser assim tão
ruim. Ao menos, era o que ela esperava.
O antigo condutor concordou trêmulo, e então a chamou para perto.
Liz, naturalmente, inclinou-se para frente.
— Seu pai, senhora. A morte dele não foi um acidente.
Ela deu um passo atrás. Sentiu uma pressão nas têmporas e o corpete
lhe pareceu bem mais apertado, impedindo-a de respirar.
— Não. — Sacudiu a cabeça. — Foi um acidente de carruagem. Você
mesmo disse que o coche ficou completamente destruído.
Allegra Gray
148
À Sombra de um Escândalo

Fuston engoliu em seco e concordou.


— Sim. Mas eu virei à carruagem de propósito... Sob instruções do
duque de Beaufort.
Liz tateou a parede atrás dela, buscando equilíbrio.
— Deve estar enganado.
Talvez o infeliz houvesse enlouquecido. Ou tivesse perdido a memória
para o álcool.
Ela, no entanto, não sentia qualquer cheiro de bebida. E ainda que o
homem estivesse nervoso, não havia sinais de que houvesse perdido a
sanidade.
— Não, senhora. Não estou enganado. Seu pai foi baleado.
— Baleado?
— Sim. Jurei manter segredo. Fui pago para que desaparecesse de
Londres. Mas quando as notícias de seu casamento chegaram ao interior,
Beaufort...
— O que tem meu marido a ver com tudo isso? — ela o interrompeu
tensa.
— Foi ele o mandante.
Liz se recostou na parede para não cair.
— Impossível!
Fuston sacudiu a cabeça, e o suor se acumulou acima de suas
sobrancelhas.
— Lamento sinceramente, Vossa Graça. Mas a senhora vê, agora, por
que eu precisava lhe contar. Apenas não vim a tempo. Não temos jornais, e
as notícias demoraram a chegar.
Ela não se ateve àquilo.
— O que aconteceu a meu pai? — Ofegava incapaz de encontrar a voz
de costume.
— Não sei sobre a coisa toda. Fui conduzi-lo até a casa dos Beaufort,
naquela noite, mas, o que aconteceu do lado de dentro, não sei dizer. A não
ser que ouvi uma discussão, e uma porta bateu. Ouvi mais vozes. Vieram
para o lado de fora, do outro lado da propriedade. Fiquei ao lado da
carruagem, e não pude ouvir tudo o que diziam. Foi então que escutei um
tiro. Um dos homens de Beaufort creio eu, veio até a carruagem justamente
quando eu descia. Disse que o barão estava morto e; que o duque seria
generoso se eu fizesse parecer que tinha sido um acidente de carruagem o
que o matara.
— Mas, o corpo... — ela balbuciou atordoada.
— O caixão estava fechado, não estava?
Allegra Gray
149
À Sombra de um Escândalo

— Pensei que fosse porque papai estava ferido... Céus, minha mãe
sabe disso?
— Não sei dizer. Lowdry, o antigo mordomo de sua família, foi quem
falou com ela. Mas duvido que tenha contado. Afinal, sua pobre mãe
descansaria melhor pensando ter sido um acidente.
A história do cocheiro era terrível e absurda demais para que ela
acreditasse.
— Alguém realmente viu Alex, digo, Sua Graça, naquela noite? —
perguntou com voz sumida, tentando justificar os atos do homem a quem
amava.
— Eu não. Mas a voz dele era, sem dúvida, uma das que ouvi na
discussão. E foi ele quem me pagou para que ficasse quieto. — Fuston
estendeu as mãos em súplica. — Não consegue ver? A senhora se casou com
o homem que assassinou seu pai.
Liz sentou-se à pequena escrivaninha, os cotovelos apoiados, a cabeça
entre as mãos, enquanto encarava o papel em branco.
Após a saída de Fuston, seu primeiro instinto fora correr dali. Mas já
fizera aquilo por vezes demais. Pelos últimos meses, vivera fugindo, e estava
esgotada.
Além disso, não haveria para onde ir.
Desejou dispensar a narrativa de Fuston como sendo o devaneio de
um lunático, mas o plácido cocheiro jamais havia demonstrado qualquer
sinal de loucura em todos os anos em que ela convivera com ele. O que quer
que houvesse ocorrido naquela noite fatídica, realmente assustava o pobre
homem.
Além disso, não haveria razões para que Alex o pagasse se não tivesse
nada a esconder...
Deus, nada daquilo fazia sentido! Ela amava Alex. Ele era seu marido, e
ela poderia até estar grávida dele.
Mas, como poderia continuar a amá-lo se ele a houvesse privado do
único outro homem por quem ela tivera apreço? O pai não fora nenhum
santo, como bem sabia, mas, ainda assim, era seu pai. Alex o teria
assassinado?
Lembrou-se da cerimônia tão recente, do carinho com que ele lhe
segurara as mãos e repetira seus votos. Um homem com uma morte nas
costas não poderia desempenhar aquele papel com tanta confiança, a menos
que possuísse uma alma negra.
Ela afundou o rosto nas mãos. Precisava de conselhos, mas não sabia a
quem pedi-los. Qual seria a coisa responsável a fazer? Confrontar o marido?
Allegra Gray
150
À Sombra de um Escândalo

Santo Deus. Ela não tinha medo dele, pois, até então, Alex não tinha
qualquer motivo para feri-la.
Mas, se a história de Fuston não fosse verdade, ela poderia lhe ferir a
honra, o caráter, apenas por perguntar. E Alex não merecia aquilo.
A menos, é claro, que fosse tudo verdade.
Deitou a cabeça latejante sobre a mesa.
Se confrontasse Alex, revelaria o envolvimento de Fuston e, talvez,
pusesse o cocheiro em perigo. Tampouco poderia esquecer a visita do
homem.
Por isso decidira escrever uma carta.
Erguendo a cabeça, rabiscou algumas linhas, amassando em seguida
outra folha de papel.
Alex e ela deveriam comparecer a uma sessão de poesias, naquela
noite: outra performance da estimada Srta. Lambert, a prima do duque com
voz de corvo. Ela e Alex haviam rido muito, combinando que suportariam a
noite inteira.
Agora, no entanto, não imaginava como poderia fazer parte daquilo.
Apressada, rascunhou uma nota, dizendo que estava com dor de
cabeça e que, por isso, gostaria que ele a dispensasse do passatempo
noturno. Encontrou, a seguir, um mensageiro.
O bilhete, ao menos, poderia lhe fornecer algum tempo.
E a dor de cabeça não era mentira. Suas têmporas latejavam.
Exausta, ela subiu a escada e seguiu para o quarto.
Liz não tinha experimentado um bom sono, mas, quando abriu os
olhos, o crepúsculo caíra sobre Londres. O latejar na cabeça havia cedido um
tanto, e ela se levantou e seguiu até a janela. Do lado de fora, uma
carruagem passava, lenta, e as janelas das outras casas brilhavam
suavemente. Tudo parecia normal.
Exceto por ela.
Não poderia se esconder no quarto para sempre.
Angustiada, ela relembrou a cena que observara entre Fuston e o
mordomo na noite da morte do pai, enquanto estivera escondida em um
canto escuro do corredor. Por meses, esse cenário se repetira em seus
sonhos.
As coisas que Fuston dissera, coisas que ela ignorara sob o choque da
perda do pai, voltaram, vividas. O cocheiro estivera mesmo aterrorizado,
mas ela havia imaginado que ele se sentia responsável pelo acidente.
Se não tinha ocorrido nenhum desastre, entretanto, talvez seu terror
se devesse a ter se tornado cúmplice de um assassinato.
Allegra Gray
151
À Sombra de um Escândalo

Deus! Aquilo tudo ia tão contra a imagem que ela possuía de Alex. Ele
era um bom homem.
Seu pai, por outro lado, era um infeliz que havia apostado além de
suas possibilidades, e então oferecido a filha mais velha como pagamento
por dívidas que não seria capaz de cobrir. Na verdade, apenas porque seu
marido era um homem honrado ela não havia sido vendida naquele trato
nojento.
Lentamente, puxou as cortinas, lembrando-se das muitas razões pelas
quais confiava em Alex Bainbridge. Não era cega para as falhas de ninguém,
muito menos para as suas próprias. A reputação de Alex na cidade também
não era das melhores: o duque era visto como um homem rude nos
negócios, nos jogos, e em quase todos os assuntos envolvendo mulheres.
Mas, a despeito disso, ela não podia acreditar que ele fosse capaz de
um assassinato a sangue-frio. Por mais que Alex apresentasse essa imagem
rude e cínica ao restante do mundo, ela havia enxergado além daquilo. Tinha
visto a maneira como seus sobrinhos se iluminavam diante dele, a maneira
como correspondia às crianças com alegria. Crianças eram melhores juízas
de caráter, em sua opinião, do que muitos adultos.
E, o mais importante, sabia como Alex a havia tratado. Quando sua
própria família a decepcionara, ele a procurara por todo o interior e a
resgatara de Harold. Oferecera-lhe seu nome, seu amor, seu corpo. Talvez
não naquela ordem, mas ela mesma havia sido voluntária o suficiente em
suas indiscrições...
A verdade era que Alex era um homem bom. E ela não deveria destruir
a confiança que partilhavam baseando-se apenas nas palavras de um antigo
cocheiro que até admitira não ter visto exatamente o que tinha ocorrido
naquela noite trágica.
Por outro lado, não podia deixar a morte do pai permanecer envolvida
em mistérios.
Chegou a uma decisão: não desonraria o marido num confronto
aberto. Antes disso, provaria que Fuston estava errado, investigando por
conta própria.
Como planejado, Alex e Liz rumaram para o campo ao final de
outubro, tendo comparecido a tantos eventos sociais quanto puderam
suportar. O redemoinho de atividades impediu Liz de se revolver com as
terríveis acusações que Fuston fizera contra seu marido, mas agora, com a
rotina menos atribulada, sua mente girava cada vez mais em torno do
assunto.

Allegra Gray
152
À Sombra de um Escândalo

Montgrave, a propriedade do duque, era um terreno vasto e


espalhado. A casa-grande havia sido construída por volta de 1600, e depois
reformada por cada duque em sua linha de sucessão, resultando em uma
bela mistura de história e conveniência moderna.
Liz a amou à primeira vista, ainda que atormentada pelas dúvidas que
cercavam a morte do pai e o envolvimento do marido. Por onde começaria
se quisesse mesmo uma resposta à última questão?
Conforme os dias passavam, ela começou a fazer perguntas. Colocava-
as com a maior discrição possível, para que a criadagem não desconfiasse.
Precisava agir devagar. Se ficasse fazendo perguntas a todos os criados
do duque de uma só vez, na certa a julgariam como louca e contariam ao
patrão sobre seu comportamento.
Havia, no entanto, subestimado a enormidade da tarefa. A morte de
seu pai ocorrera em outubro, um ano antes. Fuston dissera ter conduzido o
barão até a propriedade de Beaufort, não até a casa de Alex na cidade.
Ainda que os Medford tivessem passado o inverno em Londres
naquele ano, pois a mãe detestava deixar as diversões que a cidade oferecia
Montgrave não era tão distante. E várias festas costumavam ser realizadas
na residência de campo do duque, e parecia razoável que seu pai tivesse
vindo até ali.
Mas encontrar alguém que se lembrasse daquela noite fatídica se
revelava quase impossível.
O mordomo, quando perguntado se Alex oferecia sempre festas no
inverno, havia apenas lhe informado que, como ele fora admitido no
emprego em maio último, não poderia falar com autoridade sobre os hábitos
do duque. A governanta afirmara não saber quando a sala de visitas fora
usada pela última vez, ainda que assegurasse que a mobília e as louças eram
cuidadosamente mantidas, de forma que estavam à sua disposição.
O único membro da criadagem a quem ainda não havia conseguido
perguntar alguma coisa era o pajem pessoal de Alex, Hanson. O homem era
tão reservado quanto uma freira, por isso Liz suspeitou de que ele soubesse
mais do que qualquer um por ali.
Entretanto, ela jamais o vira longe da presença do marido.
Betsy, uma das criadas da cozinha, ofereceu-lhe alguma informação
sobre por que ninguém parecia saber coisa alguma sobre o patrão.
— Lamento Vossa Graça, mas fui contratada em agosto — contou,
quando Liz perguntou se ela se lembrava de alguma amizade entre o duque
e o barão de Medford.
— Muitos dos criados são novos, então?
Allegra Gray
153
À Sombra de um Escândalo

— Certamente, milady. A maioria de nós chegou nos últimos meses.


— Tem alguma ideia do motivo? Houve algum problema com os
criados antigos?
— Não sei dizer. — Betsy deu de ombros. — Sua Graça não mencionou
nada.
— Compreendo. Obrigada, Betsy.
Pelo visto, Alex havia trocado a maioria de seus criados desde o último
outono. Mas por quê? Teria a morte do pai dela a ver com tal decisão? Ou
teria o duque apenas ficado insatisfeito com o desempenho da velha
equipe?
— Vou levar um pouco deste pão até a cidade, para a Sra. Culpepper
— Betsy falou, meio sem jeito. — O marido dela está de cama, com o pé
ferido e, com ele fora de serviço, precisam de uma ajuda extra. A governanta
me garantiu que temos o suficiente.
— É muito gentil de sua parte. Por favor, transmita a Sra. Culpepper e
ao marido meu desejo de que ele se recupere logo.
Betsy fez uma mesura esquisita e partiu, deixando Liz a se perguntar
sobre a causa da troca da criadagem apenas meses após a morte do pai dela.
Suspirou. Alex era um marido atencioso e amável. Era tão tentador
esquecer aquele assunto.
Mas ela amara o pai, a despeito de todos os seus defeitos.
Precisava tentar com mais afinco se pretendia sepultar de vez suas
dúvidas.
E já que ninguém sabia nada sobre seu marido, talvez fosse hora de
aprender mais sobre o barão Medford.
Alex observou Liz pelo canto do olho. Ela estava apoiada a um canto
da mesa, parecendo perdida em devaneios, enquanto ele revisava os
balanços financeiros de seu último investimento: uma fábrica indiana que
produzia belas sedas bordadas. Ser dono de um negócio como aquele
eliminava a necessidade de um fornecedor. Jamais passaria novamente pela
experiência de receber um carregamento com qualidade inferior, como
acontecera da última vez.
Tendo lidado com o sexo oposto por anos, Alex bem sabia da paixão
das mulheres por coisas finas; particularmente as que não estivessem à
disposição de suas rivais. Tinha toda a crença de que os tecidos cumpririam
esse papel e se converteriam em um bom lucro após serem vendidos a
costureiras e modistas selecionadas.
E, assim que chegasse o primeiro carregamento, ele planejava
presentear Liz com xales e vestidos que complementassem sua beleza.
Allegra Gray
154
À Sombra de um Escândalo

Quando as damas de Londres vissem sua adorável duquesa, a luta para


imitá-la teria início.
Rascunhou alguns números no livro de contabilidade. Liz moveu-se
levemente, e uma nuvem de lavanda o alcançou.
Alex sacudiu a cabeça. Estaria aquele número correto? Com a
tentadora e jovem esposa ao lado, toda fresca após um banho, era difícil
manter a concentração.
Não que estivesse reclamando.
Por fim, afastou os papéis.
— A manhã está passando. Gostaria de almoçar comigo, hoje? —
Lançou a ela o mais travesso dos sorrisos. — Ainda que esteja frio demais
para um piquenique, pedi à criadagem que o preparasse. Pensei que
poderíamos desfrutá-lo diante do fogo... — Acenou para a grande lareira, na
frente da qual um grosso tapete descansava.
Os olhos de Liz se abriram mais quando ela compreendeu o convite.
Ela umedeceu os lábios, e Alex sentiu o sangue esquentar. Mas, para sua
surpresa, a esposa não lhe devolveu o sorriso.
— Eu... Não posso — disse, desviando o olhar. — Prometi uma visita à
Sra. Culpepper.
— Com certeza isso pode esperar. — Ele traçou-lhe um dedo pela linha
do pescoço e pôde vê-la tremer.
Liz se encolheu de leve, então se endireitou.
— É que, eu realmente prometi.
— Quem é essa Sra. Culpepper? Não gostei dela. Liz deu-lhe um tapa
de brincadeira.
— Não deve dizer essas coisas. Ela é uma das aldeãs. O marido está de
cama, ferido, e eles têm cinco filhos. Só estou sendo solidária.
O coração de Alex suavizou um tanto. Não poderia culpá-la por ser
gentil e caridosa, mas, maldição, estava ficando cansado de ver as coisas se
colocando no caminho da sedução que, pensara, iria lhe preencher todas as
horas de recém-casado.
Estava ansioso por ter Liz só para si. Não era para isso que servia uma
lua de mel? Certamente, não era para que perdessem tempo com cada
tarefa imposta pela sociedade.
Mas, pelo visto, a esposa pensava de outra maneira.
Liz abaixou a cabeça.
— Vou retornar o mais rápido possível. Talvez possamos tomar um chá
juntos?
Alex suspirou, esperando dissuadi-la de suas boas maneiras.
Allegra Gray
155
À Sombra de um Escândalo

— Suponho que sim. Não tem bem o apelo de um piquenique em


frente à lareira, mas, se é esse o tempo que tem para mim...
— Ah, fique quieto — ela se inclinou para frente a fim de beijá-lo.
Ele a beijou com vigor, no entanto. Quando a sentiu ceder, saboreou-a
com volúpia. Por mais egoísta que fosse, esperava que cada segundo na casa
dos Culpepper fosse repleto de arrependimento pelo que eles poderiam
estar fazendo.
Finalmente, Liz recuou.
— Lamento Alex. Hei de compensá-lo por isto.
— Pretendo cobrar a promessa — ele avisou, enquanto ela reunia as
saias e se afastava apressada.
Maldição! Alex inclinou a cabeça contra o encosto da cadeira. Seria
possível que Liz não soubesse por que casais recém-casados ficavam a sós?
Supôs que nem todos ficassem. Muitos dos casamentos na sociedade
ocorriam sem que houvesse qualquer sentimento mais forte entre as partes.
Ele evitara uma união assim por anos, mas pensara que o que ele e Liz
possuíam fosse diferente.
Seria possível que ela não compartilhasse seu quase constante estado
de desejo?
Não. Podia ver a paixão nos olhos verdes quando a tocava.
Mas, então, por que Liz se mostrava tão arredia?
Liz realmente visitou os Culpepper. Apenas não ficou por tempo
demais, pois decidiu aproveitar a oportunidade para continuar sua
investigação, examinando os últimos meses de vida do pai. Para esse fim,
deixou a casa dos aldeões, após entregar-lhes uma enorme quantidade de
geleias e queijos, e foi até a taverna da cidade, onde combinara de se
encontrar com o cobrador que cuidara da propriedade do barão.
Em vez de chamar a atenção, usando a carruagem e o cocheiro de
Beaufort, escolhera montar o gentil animal com que Alex a presenteara.
Buttercup era uma criatura plácida, mas ela jamais fora uma boa amazona,
de modo que o percurso não foi dos melhores.
Extrair informações de um homem com quem jamais havia se
encontrado foi igualmente difícil.
A seu pedido, o cobrador, o Sr. Pearce, chegou com uma pilha de
papéis detalhando as várias contas do barão. As quantias, quase todas
negativas, eram impressionantes.
Mas ainda mais interessantes eram os nomes.
Ela reconheceu um em particular.
— Garrett...
Allegra Gray
156
À Sombra de um Escândalo

O Sr. Pearce moveu-se, inquieto.


— Como, Vossa Graça?
— O nome de lorde Garrett aparece muitas vezes aqui — notou
intrigada. — O que sabe sobre ele?
— Pouco, eu receio. Esteve envolvido em um dos investimentos
malsucedidos de seu pai. O que sei é que a propriedade de lorde Garrett
pôde absorver melhor as perdas.
— Eles se conheciam? — Liz indagou com estranheza. Garrett era um
parceiro frequente de Alex nas cartas. Se pudesse comprovar a ligação entre
e o homem e seu pai, poderia estar diante de algo.
— Imagino que sim, mas não posso falar com autoridade sobre as
relações pessoais do barão.
Liz examinou novamente os papéis.
— E quanto ao meu marido? Vejo apenas uma menção a ele.
— Sim, Vossa Graça.
— Essa dívida foi paga?
O Sr. Pearce limpou a garganta, pouco à vontade.
— Não.
— Pensei que eles tivessem sido sócios por algum tempo, assim como
aconteceu com lorde Garrett.
Cansado, o procurador passou a mão pela testa.
— Posso falar abertamente?
— É claro, por favor.
— Não sei que informação milady está buscando, mas meu conselho é
que pare de fazer perguntas.
Liz sentiu o coração bater mais forte.
— Por quê?
— A senhora parece buscar um elo entre seu pai e seu marido. Diante
disso, posso lhe dizer o seguinte: todos os nobres mantêm acordos. Os
desacordos, eles procuram não registrar... Alguns mais do que outros. Se for
buscar respostas, pode não gostar do que vai descobrir. E creio que o duque
também não aprovaria isso. Nesses casos, a maioria dos cavalheiros prefere
deixar o passado para trás. — O homem se levantou, endireitando a capa. —
Espero que nosso encontro lhe tenha sido de algum valor, Vossa Graça, mas
preciso partir agora.
— Mas meu pai...
— Seu pai era um homem infeliz. — Ele declarou em voz baixa. — Já o
homem com quem se casou... Esse é implacável.

Allegra Gray
157
À Sombra de um Escândalo

Liz levantou-se, tonta, enquanto o Sr. Pearce partia sem maiores


explicações.
Implacável, o homem dissera. Mas isso ela sabia desde o início.
— Onde, em nome de Deus, você esteve? — Alex parou de caminhar
pelo gabinete e se virou para encarar a esposa que acabara de irromper
recinto adentro como uma lufada de vento frio. Era claro que estivera ao ar
livre, pois as faces estavam rosadas e os cabelos vermelhos, desgrenhados.
Pareceria maravilhosa se ele não tivesse passado as últimas seis horas
imaginando o que teria lhe acontecido. Mesmo àquela altura, membros da
criadagem ainda a procuravam pelas cercanias.
Liz endireitou as saias amassadas pela longa cavalgada. Era sua
imaginação, refletiu Alex, ou seus dedos tremiam?
— Acabo de voltar do vilarejo, milord.
— Do vilarejo? Que ideia tola a fez ir até a vila com toda essa neve? —
Ele sabia estar sendo áspero, mas ela não tinha ideia do quão preocupado
ele estivera.
Alex ocupou as mãos, servindo-se de uma grande dose de brandy, e se
forçou a relaxar.
— Nem me dei conta da neve. O tempo tem estado terrível por conta
do inverno.
Um criado apareceu, trazendo chá, e Liz tratou de servir-se de uma
xícara. Seus movimentos eram rijos e, sim, um pouco trêmulos.
Alex franziu o cenho. Teria se oferecido para servi-la se não estivesse
tão irritado.
— Visitei os Culpepper e... Levei uma cesta de geleias até o orfanato. A
cozinheira me assegurou de que tínhamos mais do que o suficiente, então
pensei que as crianças iriam gostar de um presente. — Interrompeu-se
enquanto colocava um torrão de açúcar com cuidado dentro do chá.
Um músculo pulsou na têmpora de Alex.
— Compreendo. Outra de suas nobres jornadas... Liz, você pode dar
cada pote de geleia desta casa a quem quiser, mas não no meio de
dezembro, em meio a uma quase nevasca, e sem informar ninguém sobre
seu paradeiro. Menos ainda sem um acompanhante.
Ele precisava pôr algum limite no caráter independente da esposa.
Estavam casados havia apenas dois meses, e Liz se revelava tão livre quanto
um espírito da floresta.
O que, de certa forma, a mulher lembrava, naquele instante,
parecendo tão deliciosamente destratada pelo vento, os cabelos vermelhos
refletindo a luz do fogo.
Allegra Gray
158
À Sombra de um Escândalo

Deveria contratar alguém para que pintasse um retrato seu.


Alex respirou fundo e apertou os olhos. Quando havia se tornado um
fracote? Não conseguia nem ao menos uma resposta objetiva da mulher e
ainda sonhava com sua linda imagem numa pintura!
Maldição, como ela fazia isso com ele?
— Não precisa me tratar como criança. Tenho cuidado bastante bem
de mim até aqui.
— Ah, sim — ele replicou, sentindo a raiva crescer. — Um belo
trabalho, você tem feito. Deixe-me ver... Fugiu de casa para trabalhar para
minha irmã, depois correu de volta, apenas para se deixar sequestrar por seu
primo. Sim, creio que as evidências falem por si mesmas — completou
cínico. — Suponho que eu devesse ter me dado conta, antes de nos
casarmos, de que você tem o hábito de desaparecer... Mas Liz, você vai ser a
minha morte, se não a sua própria, caso não pare com isso.
— Está certo. — Ela parecia mesmo arrependida. Fungou, esfregando
o nariz.
Alex suspirou.
— Provavelmente apanhou um resfriado andando por aí com esse
tempo. Venha aqui... — Ofereceu-lhe um lenço, então a puxou para os
braços e permaneceu com ela próximo ao fogo, o queixo sobre os cabelos
vermelhos.
Nada mais importava, pensou. Ela estava de volta.
Deus, ele não a compreendia. Quando não o estava evitando, Liz era
brincalhona e apaixonada. E, ultimamente, toda vez que desaparecia por
algumas horas, mesmo que dentro da casa, ao voltar, parecia ainda mais
contrita.
Seria demais, pedir-lhe que pensasse o mínimo em sua própria
segurança? Ou ao menos que confiasse nele, seu próprio marido, para que a
protegesse?
Maldita independência daquela mulher.
E, por Deus, quando Liz havia começado a significar tanto para ele a
ponto de deixá-lo quase paralisado diante da ideia de perdê-la?
A despeito da promessa da esposa de que ela pararia de desaparecer
por horas e horas, sentiu um desconforto no estômago. Algo lhe dizia que Liz
estava se esquivando dele. Se não fisicamente, ao menos emocionalmente.
E ele não tinha ideia do que havia feito para causar aquilo.
Os instintos de Alex foram confirmados quando, dois dias depois,
durante o jantar, Liz o informou de que desejava viajar a Londres.

Allegra Gray
159
À Sombra de um Escândalo

— Por quê? — perguntou estupefato. Quem ia a Londres durante o


inverno, a menos que a negócios?
Liz era uma duquesa. Sua duquesa. Não precisaria trabalhar. Ela
mexeu na ponta do garfo até que este estivesse alinhado ao restante dos
talheres.
— Bem, eu... Pensei em visitar minha família. E ainda tenho um
assunto pendente quanto ao meu guarda-roupa.
— Posso cuidar para que a modista de sua escolha venha até aqui.
Aquilo também não a deixou feliz.
— É muito gentil de sua parte, mas há a questão dos acessórios, como
chapéus, luvas, sombrinhas... E é claro que Londres tem mais diversão do
que o interior. Não sei por que, mas, ultimamente, tenho me sentido
estranha. Aqui é muito quieto.
Alex mal podia crer. Poucos meses antes, ele era a diversão pela qual
Liz ansiava. Era ele quem iluminava seus dias. O "muito quieto" deveria soar
como um paraíso para dois amantes. E, mesmo assim, ele andava ansioso
por ter algum tempo a sós com ela.
Seria sua esposa tão volúvel?
Mas Liz jurara amá-lo.
Afastou o prato, sem fome.
Liz abaixou a cabeça diante do silêncio estendido do marido.
Deus, ela era linda, mesmo com aquela expressão tristonha, ele
pensou. Odiava vê-la daquele modo. Quem sabe se ela tivesse a diversão
que pretendia, voltasse menos deprimida.
— Está bem — concordou a contragosto. — Vamos a Londres na
semana que vem. Faremos algumas compras e visitaremos sua família no
feriado.
— Obrigada. — Liz sorriu finalmente. — Creio que essa viagem seja a
coisa certa para me deixar mais... Animada.
Alex esperava que sim.
— Para o que estamos fazendo compras mesmo? — perguntou Bea. —
E por que isso não podia esperar? Está gelado aqui.
— Um novo traje de montaria — respondeu Liz. — E Alex me
prometeu um casaco de pele.
— Você nem gosta de montar! — Charity virou os olhos. — Mas um
casaco de pele faz sentido.
Liz sorriu. Acompanhara as outras moças com bastante alegria, mas,
quando a carruagem as deixara na Bond Street, fora a primeira a notar que
tinha escolhido o dia mais frio do ano para o passeio. Havia tido esperanças
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À Sombra de um Escândalo

de que um dia de compras a fizesse esquecer os problemas, e lhe permitisse


descobrir o paradeiro de lorde Garrett. Sendo solteiro, o homem com
certeza passava o inverno na cidade.
Na verdade, ela contava com isso, pois o homem era sua última
esperança naquelas malsucedidas investigações.
De qualquer modo, precisava ter certeza de que ele se encontrava por
ali, antes de pôr o restante de seu frágil plano em prática.
Apressou as acompanhantes até a loja da estilista, onde a proprietária
as saudou e a vendedora lhes trouxe vaporosas xícaras de chá. A bebida
quente pareceu acalmar os ânimos de Bea e Charity.
Ausente, Liz selecionou os tecidos, linhos e amostras que a
proprietária ansiosamente lhe exibiu.
— Não vou mentir — disse a comerciante. — Os negócios têm andado
lentos com o frio, mas na certa vão se aquecer quando os outros souberem
de suas compras, Vossa Graça.
Ela sorriu desconfortável. Não tinha ideia sobre o que havia escolhido,
de forma que seria uma surpresa caso as outras mulheres quisessem copiá-
la.
Nenhuma das moças se mostrou ansiosa por se aventurar do lado de
fora outra vez, mas Liz prometeu que parariam apenas para um chocolate
quente e, doces, e então voltariam à casa de Bea.
Já tinha perdido tempo demais. Com as ruas tão vazias, era pouco
provável que esbarrasse em qualquer um que fosse útil a seu propósito.
Assim, decidiu-se por outra maneira de abordar lorde Garrett,
contanto que Bea aceitasse ajudar.
Na loja de doces, eram as únicas clientes mais uma vez.
— Liz, há algo errado? — perguntou Beatrice, astuta, apanhando uma
rosca.
— Por quê?
— Pensei que recém-casados gostassem de ficar a sós. Não falo por
experiência própria, é claro, uma vez que meu casamento foi dificilmente
uma união de amor, mas pensei que você e Beaufort fossem... Diferentes.
Charity parecia absorta com seu chocolate quente, mas Liz sabia que a
irmã ouvia cada palavra.
— Alex é maravilhoso — ela falou, suavemente. — Mas Montgrave é
tão vasto... Às vezes, sinto-me perdida lá. Sinto falta da companhia de vocês.
Beatrice se embeveceu.
— Bea — perguntou Liz, ansiosa por mudar de assunto —, posso lhe
pedir outro favor?
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À Sombra de um Escândalo

— Certamente.
— Quero surpreender Alex com algo que ele aprecie. Poderia
promover uma noite de carteado enquanto estamos na cidade?
— Eu nunca soube que gostava de jogos. — Charity se intrometeu.
— Não como o papai, é claro. Apenas pensei: Alex adora jogar, e pode
ser divertido para ele reencontrar os amigos antes que retornemos a
Montgrave. — Mordeu o lábio, o coração palpitando. — Conheço os nomes
de seus parceiros, mas ainda não estou confortável com o papel de anfitriã.
— Eu ficaria feliz em fazê-lo — disse Bea. — Deus sabe, não tenho tido
muito que planejar... Quem pensa em convidar?
— Lorde Wilbourne e a esposa, lorde Stockton e lorde Garrett — disse,
sem preâmbulos. — Sabe se eles estão na cidade?
— Os Wilbourne estão no campo, para a temporada de inverno, mas
creio que os outros estejam por aqui. Mais alguém?
Então lorde Garrett estava na cidade. Com certeza não recusaria um
convite se soubesse que Alex compareceria.
— Convide quem desejar, amiga, contanto que não sejam iniciantes.
Sabe como é... Meu marido leva as cartas a sério.
— Tenho um par de conhecidas que gostam de jogar. Poderiam ajudar
a completar o número.
— Acho que vou ser deixada de fora mais uma vez — resmungou
Charity.
Liz lançou-lhe um sorriso encorajador.
— Assim que tiver se apresentado à sociedade, prometo introduzi-la a
todo tipo de comportamento escandaloso.
— Ah! Por isso eu sinto tanta falta de você.
Elas riram, embora Liz rezasse para que não estivesse a caminho de
qualquer escândalo que envolvesse a irmã.
Dois dias antes do carteado, o frio cortante de Londres cedeu por fim.
Todos se puseram fora de casa, gratos pelo novo alívio. O ar ainda era
úmido, mas o sol brilhava intensamente.
Liz chamou Charity, e as duas partiram para um rápido passeio pelo
Hyde Park.
Estavam voltando à casa dos Medford, quando Charity soltou um
grunhido.
— Que maravilha. Tio George está vindo em nossa direção. Liz
identificou-lhe as generosas formas no pátio, adiante.
Para alguém que deixara claro o peso que era cuidar das três mulheres
Medford, o tio com certeza não havia se apressado para voltar ao campo
Allegra Gray
162
À Sombra de um Escândalo

terminado parte de sua tarefa. Na verdade, ele parecia muito satisfeito em


Londres, agora que o marido dela sustentava a casa.
Fora essa a razão primeira pela qual ela se recusara a visitar a mãe
desde o casamento. Mesmo durante a ceia de Natal que ela e Alex tinham
oferecido, e à qual o tio tivera a pachorra de comparecer, conseguira não lhe
falar diretamente.
Agora era tarde demais para fingir que não o tinha visto.
— Liz quer dizer, Vossa Graça... E Charity. Acabo de receber notícias
preocupantes.
— O que houve tio? — perguntou Charity.
— É melhor que me acompanhem até a casa, onde poderemos discutir
o assunto.
Liz não o acompanharia a parte alguma.
— O que quer que seja, pode nos dizer aqui.
— Pois que seja. Harold Wetherby está morto.
Liz lançou um olhar na direção da irmã. Pela expressão de Charity,
compartilhavam a mesma opinião. A seu ver, as notícias eram interessantes,
mas não preocupantes.
— O que houve?
— Receio que o pobre homem tenha se afogado.
— Que horror — comentou Charity sem muita expressão.
— Terrível — concordou o tio delas. — Encontraram uma carta sobre
sua mesa. Parece que ele acabara de receber a notícia de que sua fábrica
havia falido; e de que os trabalhadores de suas minas tinham todos pedido
demissão, pois tinham decidido trabalhar para um concorrente que ofereceu
mais dinheiro do que Wetherby poderia pagar. Ele estava à beira da ruína.
Um jorro de lucidez golpeou Liz. Alex estava por trás daquilo. Havia
feito aquilo por ela, para se assegurar de que ela estivesse a salvo de Harold
para sempre.
Respirou fundo. A estratégia de destruir o inimigo por vias financeiras
era um forte indicativo de que seu marido não era dado a assassinatos a
sangue-frio.
Seu coração aqueceu-se de amor pelo homem que havia desposado.
— Mas como ele se afogou? — perguntou Charity, curiosa. O tio
balançou a cabeça.
— Receio que não estivesse em sã consciência naquela noite. Um
trabalhador das docas presenciou sua queda, mas quando conseguiu um
barco e remou por baixo da ponte, Wetherby se fora.
Liz presumiu que Harold estivera bêbado, ou que tinha pulado.
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À Sombra de um Escândalo

De qualquer forma, não fora assassinado. O alívio a inundou.


Por mais que tentasse, contudo, não foi capaz de sentir remorso.
— Deve ter sido um choque para o senhor, meu tio. — Foi a melhor
resposta que conseguiu encontrar.
— Sim, sim — comentou George. — O funeral será em três dias. Sua
mãe e eu vamos cuidar dos preparativos, já que Harold não tinha parentes
mais próximos. Pode estender sua estada na cidade?
Liz nem sequer considerou a hipótese. Não devia nada ao tio, muito
menos a Harold.
— O senhor pode cuidar dos preparativos que desejar. Não tenho
qualquer intenção de comparecer, assim como Charity. — Começou a virar-
se, e então pensou melhor. — E, tio... Quando tiver feito o que for
necessário, sugiro que volte para casa. Tenho certeza de que suas terras
sentem sua falta. Aposto que não gostaria de ter o mesmo destino de
Wetherby.
Liz teve a satisfação de vê-lo empalidecer antes de tomar o braço da
irmã e caminhar adiante.
Alex não tinha ideia por que, após insistir em uma visita à família e às
lojas, Liz estendera sua estada para um carteado.
— É inverno, Alex, nem todos poderão comparecer. Bea conta conosco
para completar os números — ela havia implorado.
Mais uma vez, ele tinha cedido. Quando a esposa lhe contara que a
amiga havia convidado lorde Stockton e lorde Garrett, chegara mesmo a
sentir-se ansioso. Agradava-o que a duquesa tivesse tido o trabalho de
cuidar para que seus amigos fossem convidados. Talvez eles dois não
estivessem tão distantes quanto pensara, ainda que o comportamento de Liz
se mantivesse preocupante, e que sua vida estivesse longe do que imaginara
ser a de um casal recém-casado.
Naquela noite, seu pajem, Hanson, terminou o nó da gravata e disse:
— Está pronto, Vossa Graça. Um belo trabalho se posso dizer. Milord
sairá com sua duquesa esta noite, então?
Hanson raramente falava, muito menos fazia perguntas. Alex ficou tão
surpreso que respondeu sem pensar.
— Sim, é claro.
— Muito bem. — O pajem assentiu. — Cuide bem de sua senhora,
milord.
Alex franziu o cenho. Hanson não era um falastrão, mas ele sabia ser o
homem bastante observador.
— O que há de errado com Liz?
Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

— Nada, Vossa Graça. Eu não disse que havia algo de errado. Alex
cruzou os braços e esperou.
O homem suspirou, exasperado.
— Não sou um homem casado, senhor, portanto não alego conhecer
as mulheres. Mas há algo nos olhos da duquesa... — Baixou a cabeça. —
Vossa Graça, peço desculpas. Milady é perfeita. Estou ficando velho e meus
olhos andam me pregando peças. Não posso permitir que meus
pensamentos façam o mesmo.
Alex concordou em silêncio e partiu, encontrando Liz à porta do
quarto de vestir.
Perdeu o fôlego. Ela ainda lhe causava aquele tipo de reação.
Liz havia cuidado da aparência com mais esmero. Os cabelos
vermelhos estavam presos no alto da cabeça por uma fita verde e, sorrindo,
ele se perguntou o que aconteceria caso esta fosse puxada. Ficou tentado a
experimentar. O vestido era verde escuro e se agarrava às suas formas, antes
de descer em camadas até o chão.
Ele engoliu e seco.
— Está linda.
Ela esboçou um sorriso.
— Não tão perfeita quanto você merece.
— Bobagem sua, mas creio que isso vá fazê-la mudar de ideia... —
Abriu uma pequena caixa de veludo que tirou do bolso, revelando um belo
pingente de esmeralda.
— Que lindo! — Liz exclamou, maravilhada.
— Aqui. — Alex prendeu-lhe o colar em volta do pescoço,
aproveitando para inspirar seu perfume. Deu um passo atrás antes que a
tentação de tomá-la nos braços falasse mais alto. — Perfeito.
— É adorável. Obrigada. — Deu-lhe o braço. — Vamos? Alex esperara
ao menos alguns momentos de intimidade na carruagem, a caminho da casa
de lady Pullington... Mas não era para ser. Liz sentou-se a seu lado, dizendo
um sem-número de vezes o quanto havia apreciado o presente, mas, ainda
assim, parecia distante.
Ele tratou de reprimir sua crescente impaciência, mas, com o estranho
aviso de Hanson pesando-lhe na mente, não foi bem-sucedido.
Quando chegaram à reunião, Bea tinha duas mesas prontas na
biblioteca, ainda que boa parte do grande cômodo estivesse dedicada a uma
longa mesa, repleta de bebidas, e a uma área aberta, onde os convidados
poderiam se misturar.

Allegra Gray
165
À Sombra de um Escândalo

Antes do casamento, Alex teria simplesmente sentado à mesa e


ignorado todo o resto, preferindo se dedicar ao jogo. Naquela noite, no
entanto, teve problemas para deixar Liz. Notou, não pela primeira vez, o
quanto o vestido dela era cavado à altura dos seios. O decote chamava a
atenção para o colo perfeito, ainda mais agora, com o pingente de
esmeraldas aninhado justamente ali.
Apanhou uma taça de vinho do criado que passava. Por que não
estava em casa, na cama, com a esposa?
— Não vai jogar querido? — ela sugeriu com doçura. Estaria sua
esposa tão ansiosa por se ver livre dele? Pousou a mão em suas costas, sem
pressa de se afastar. As cartas poderiam esperar.
No mesmo instante, no entanto, lorde Stockton bateu-lhe no ombro.
— Beaufort! Bom vê-lo novamente. Ouvi rumores de que estava na
cidade. De outra forma, eu não teria vindo até aqui.
Liz deu a Alex um belo aceno e deslizou para longe.
Antes que ele notasse, estava sentado à mesa com três outros
homens. Reconheceu-os como jogadores veteranos. Não era o
entretenimento que teria preferido, mas talvez a noite não fosse um
desperdício total.
— Fico surpreso que sua jovem esposa o tenha deixado livre em plena
lua de mel, Beaufort — comentou um deles.
— Ora essa Beaufort é homem, pode fazer o que quiser — disse outro.
— Não deixaria o casamento impedi-lo de nada.
Engano dele, Alex refletiu desgostoso.
Suspirou profundamente. Teria a viagem deixado Liz mais tranquila,
como ela alegara? Difícil dizer, pois ele a havia visto muito pouco naquelas
últimas horas.
Lorde Garrett chegou e tomou o último assento à mesa.
— Excelente — comentou, enquanto os homens o punham no jogo. —
Não encontro jogo bom assim desde o início do inverno. Beaufort, sua
ausência foi sentida... Fico feliz em ver que sua esposa sabe se divertir.
— O que isso quer dizer? — ele perguntou áspero. Droga. Por que
todos comentavam sobre seu casamento?
Forçou-se a respirar fundo. Na certa queriam apenas provocá-lo. Não
poderiam saber que o comportamento de Liz o preocupava.
Garrett lançou-lhe um olhar vazio.
— Eu não quis dizer nada, Vossa Graça. Passei por ela enquanto fazia
compras acompanhada de suas amigas, outro dia e depois no parque. Não
conheço o cavalheiro com quem estava conversando. Um tanto mais velho,
Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

ele era. De qualquer maneira, é bom que ela não o segure apenas para si
mesma. O White's tem estado muito enfadonho.
Alex esboçou um sorriso contido. Quem, diabos, havia sua esposa
encontrado no parque? Que mulher ia ao parque durante o inverno? E, por
que ela não tinha pedido que a acompanhasse?
Um pensamento sombrio descendeu sobre ele. Talvez Liz não o
desejasse a seu lado. Estava tão distante ultimamente. Todas aquelas
escapulidas, às vezes por horas... Por onde andava? E com quem? Teria ele
sido apenas um meio em direção a seus fins? Estaria seu verdadeiro amor
em alguma outra parte?
Seu coração, um órgão que descobrira possuir havia muito pouco
tempo, parecia feito de chumbo. Apanhou as cartas, forçando-se a se
concentrar a despeito da raiva e da desconfiança que borbulhavam em suas
entranhas.
Liz assistia ansiosa, enquanto a festa prosseguia. Prometera a si
mesma que, após aquela noite, se não ouvisse algo novo, deixaria de lado
aquela louca investigação. Seu coração doía pela distância que impusera
entre si mesma e Alex. Naquela noite, teria a chance de falar com os dois
homens que melhor conheciam seu marido, um dos quais o procurador do
pai havia mencionado. Se não soubessem de nada, provavelmente não havia
nada a ser sabido, e teria sido uma terrível má interpretação da parte do
antigo cocheiro, talvez. Nada, além disso.
Por fim, viu a oportunidade que buscava. Lorde Garrett, que jogara à
mesa de Alex por quase toda a noite, afastou as cartas e se levantou para
esticar as pernas.
Enquanto seguia em direção à mesa que continua as bebidas e
comidas, Liz o seguiu.
Casualmente, esticou-se até um copo de ponche, enquanto o homem
fazia o mesmo.
— Ah, perdoe-me! — exclamou o cavalheiro.
— Não, não, eu é que lamento — replicou Liz, a voz soando alta
demais. Ela era mesmo uma farsa. — Lorde Garrett, não?
— A seu dispor, Vossa Graça. — Ele se curvou galante, entregando-lhe
o ponche que tentara alcançar.
— Bem, obrigada. — Liz tomou um gole com dificuldade; nervosa
demais. Agarrou o copo com força, a fim de disfarçar o tremor.
— Não me lembro de ter tido a oportunidade de felicitá-la
pessoalmente por seu recente casamento.
— Muito obrigada.
Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

— Jamais pensei que Beaufort fosse sucumbir às tarefas da bênção


marital — o homem brincou bem-humorado. — Mas é claro que se trata de
um homem de grande sabedoria e grande gosto pela beleza, o que se
resume na sua figura.
Liz baixou os olhos, um sorriso nos lábios. Lorde Garrett, poucos anos
mais jovem que seu marido, era claramente um sedutor.
Mas aquilo era bom. Se ela fosse amigável, sua missão poderia ser
menos árdua do que ela imaginara. Se apenas pudesse levá-lo a algum lugar
quieto, onde pudessem conversar à vontade...
Caminharam em direção ao salão, onde algumas janelas jaziam
abertas apenas o suficiente para permitir a entrada de ar, e não do frio do
inverno.
— Devo dizer, no entanto — Garrett continuou —, que é uma surpresa
vê-los de volta a Londres tão cedo.
— Trata-se apenas de uma rápida visita. Meu marido e eu tínhamos
assuntos a resolver na cidade e, quando minha grande amiga lady Pullington
nos convidou, pareceu-nos um refresco da monotonia da vida no interior.
Devemos voltar a Montgrave amanhã. Confesso que o último ano foi
bastante tumultuado para mim. — Parou, a fim de recuperar o fôlego.
— Sim... — murmurou lorde Garrett. — Lamento por sua perda.
A esperança se acendeu no peito de Liz. Ele havia trazido à tona o
assunto sobre o barão diante da menor das menções. Talvez pudesse
finalmente descobrir alguma coisa.
— Milord o conhecia? — perguntou ansiosa. — Ele costumava jogar
cartas com meu marido, assim como o senhor. Ele alguma vez se juntou ao
grupo?
Céus! Estaria sendo óbvia demais? Tinha as mãos úmidas e a garganta
seca.
Lorde Garrett pareceu embaraçado.
— Não, receio que não. Não me lembro de ver o barão e seu pai
jogando juntos.
— Ah — disse Liz, decepcionada. — Pensei ter ouvido meu pai
mencionar seu nome. — Lançou-lhe um sorriso bobo. — Devo estar
enganada. Garrett sorriu de volta, caindo fácil na armadilha.
— Agora que mencionou, lembro-me de ter me envolvido em um
negócio naval ou dois com o barão.
— Com Alex também? — ela perguntou esperançosa.

Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

— Não. — Garrett soltou uma gargalhada. — Se bem me lembro, esses


negócios não foram muito bem... O duque é esperto demais para cometer
erros como aqueles.
— Compreendo. O senhor parece conhecer bem meu marido... Por
que ele e meu pai pararam de jogar cartas juntos? Houve algum tipo de briga
entre os dois?
Lorde Garrett lançou um olhar preocupado em direção ao grande
salão onde os outros convidados trocavam previsões sobre quem teria sorte
nas cartas naquela noite.
— Talvez seja melhor esquecer esse assunto — disse gentil. Mas Liz
não poderia parar agora. Não quando finalmente falara com alguém que
havia conhecido seu pai nos últimos momentos de vida.
Aproximou-se mais um pouco e lançou a Garrett o olhar mais cheio de
apelo que conhecia.
— Perdão se insisto, mas não é sempre que converso com alguém que
conhecia meu pai. O resto da cidade, assim como o senhor, parece ansioso
por esquecê-lo.
— Eu não quis dizer isso — Garrett respondeu tenso. — Mas receio
que, à altura em que conheci Medford, ele não fosse um homem feliz. Eu me
sentiria péssimo se lhe ferisse o humor com tal assunto.
— Ao contrário, milord, é um alívio falar francamente. Sei que meu pai
tinha um lado que escondia da família. Aprendemos isso da maneira mais
difícil, por intermédio daqueles a quem ele devia dinheiro. Meu marido não
gosta de tocar no assunto... Mas pensei que, caso eu soubesse mais, poderia
compreender que tipo de homem meu pai era. É importante para mim.
— Percebo. — Lorde Garrett estudou o próprio ponche. — Não tenho
o desejo de me colocar entre a senhora e seu marido, mas posso lhe dizer
que discutiram. Beaufort era um dos homens a quem seu pai devia e não
tinha como pagar. Receio que o duque não tenha pensado o melhor do
barão quando este lhe deu essa notícia. Seu marido sempre aposta, mas
jamais com dinheiro de que não possa dispor; portanto tem pouco respeito
por aqueles que não fazem o mesmo. — Garrett baixou mais a voz, até ser
necessário que ficassem apenas a alguns centímetros um do outro. — Após a
discussão, os dois passaram a se evitar. Não creio que tenham tido qualquer
outro contato até...
— Lamento interromper essa deliciosa conversa — trovejou uma voz
profunda, assustando Liz a ponto de fazê-la saltar para trás.
— Alex!

Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

— Beaufort — Garrett o saudou com um sorriso amarelo. Alex não


retribuiu a cortesia. Seu rosto era uma máscara de gelo.
— Com licença, mas minha esposa e eu estamos partindo.
— Mas, Alex...
— Não discuta comigo. — A voz dele soou baixa e ameaçadora. Liz
estremeceu.
Lorde Garrett olhou de um para o outro.
— Há algo errado?
— Liz está com dor de cabeça, não é mesmo?
— Eu... — O começo do protesto escorregou, porém ela mordeu o
lábio. — Verdade. — Liz seguiu o marido, lançando um olhar de desculpas ao
lorde.
Garrett deu de ombros e seguiu em direção à sala de jogos.
Liz não teve pressa para acompanhar as longas e raivosas passadas do
marido. Um criado trouxe os agasalhos, e logo eles estavam na carruagem do
duque, a caminho de sua residência londrina.
Alex postava-se como uma estátua no assento diante dela. A escuridão
a protegia de sua expressão de fúria, mas Liz podia sentir a irritação do
duque.
— Vai me dizer o que há de errado? — pediu a voz suave.
— Não.
— Por quê?
— É melhor que eu permaneça em silêncio, Elizabeth.
Um arrepio a trespassou. Elizabeth? Ele estava tão aborrecido com ela
a ponto de usar seu já esquecido nome de batismo?
Mas por quê? Teria Alex descoberto o real motivo por trás de seu
desejo de ir a Londres? Ela fora tão discreta. Afinal, seu coração ainda
protestava diante da ideia de que o marido pudesse ter algo a ver com a
morte do pai.
Ou seria algo mais?
Arriscou outro olhar em direção ao marido. As luzes das casas por que
passavam iluminavam o interior da carruagem apenas o suficiente para que
visse que a expressão de Alex não havia mudado.
Abraçou a si mesma. Teria sido um erro vir até ali? Ela o amava, apesar
de tudo.
Apenas... Bem, precisava saber. Se não pelo pai, ao menos por si
mesma. Deus passara os primeiros vinte anos de sua vida sendo enganada
pelo homem a quem amara incondicionalmente. Não tinha o desejo de
passar o restante de seus dias da mesma maneira.
Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

O coche reduziu a velocidade, por fim, e então parou diante da casa.


Alex desceu e a ajudou a fazer o mesmo em silêncio.
Liz adentrou a casa e entregou o casaco ao mordomo, depois
permaneceu à entrada, insegura.
Alex se livrou da casaca e dedicou-lhe um breve olhar.
— Lá em cima.
O medo reduziu-lhe os passos enquanto obedecia ao comando do
marido. Jamais o havia visto tão irritado.
Alex subiu à frente dela, em seguida parou na escada, a expressão fria.
Liz engoliu em seco. Acreditara, durante todos aqueles meses, que
encontraria alguma evidência que livrasse o marido. Mas testemunhar toda
aquela fúria jogava agora uma sombra de dúvida sobre suas convicções.
No momento em que adentraram o quarto principal, ele a abordou.
— É ele?
— Como? — A pergunta a aturdiu. — Ele, quem?
— Garrett — Alex falou por entre os dentes.
— O que tem lorde Garrett?
— “É ele o homem”? — Os olhos escuros se apertaram. — Pelo amor
de Deus e de si própria, não me diga que há mais de um.
Liz deixou a boca pender, quando a compreensão enfim a invadiu. Alex
pensava que ela lhe fosse infiel?
— Não! Eu jamais faria...
Alex acenou-lhe, fazendo-a parar.
— Não se incomode em explicar. Eu devia saber desde o início. Desde
o momento em que pediu que eu a arruinasse, devia ter me mantido
distante. Pensei que fosse apenas seu pai, o louco, quem a havia levado a tal
situação; mas vejo que estava enganado — ele declarou amargo.
— O que tem meu pai a ver com isso? -— ela replicou tensa.
— Ele a ofereceu a mim, lembra-se? Como pagamento por suas dívidas
— Alex falou, contido, a face transformada pelo ódio. — Não pude acreditar
que um pai fizesse tal coisa. Mas, pelo visto, o homem conhecia a própria
filha melhor do que pensei. Ah, ele deve estar feliz agora... Provavelmente
gargalhando no túmulo.
— Não! — murmurou Liz, sem saber bem o que negava.
— Talvez eu devesse apenas ter aceitado o que me ofereceu. Assim,
quem sabe, tivesse aproveitado desse seu deleitável corpo sem culpa, nem
obrigação.
— Obrigação? — ecoou Liz, a própria ira se elevando. — Você se casou
comigo por obrigação? Eu deixei bastante claro desde o início que...
Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

— Você não deixou nada claro. Acreditei que você fosse uma vítima
inocente das circunstâncias, uma menina bem criada, forçada à posição de
governanta, obrigada a esconder a própria beleza e paixão no campo, onde
nada pudesse atingi-la. Você realmente possui beleza e paixão... Mas seria
melhor se as usasse para propósitos mais nobres.
— Não está fazendo sentido, Alex — murmurou Liz, com tanta calma
quanto pôde, ainda que seu corpo inteiro tremesse diante das acusações e
do vasto golfo de mal-entendidos que os separava. — O que eu fiz além de
amar você?
— Amar-me? Ah, sim, posso ver o quanto me ama — ele disse
sarcástico. — Talvez seja por isso que você, minha esposa, tenha se afastado
tanto de mim a ponto de eu ter começado a pensar que não suporta minha
presença. Você me amou o suficiente para que pusesse um anel em seu
dedo, para que incorporasse meu nome ao seu, mas seu amor desapareceu
mais rapidamente do que uma tempestade de verão. Você não é melhor do
que as debutantes que se ofereceram a mim, Liz. Não é melhor nem mesmo
do que uma prostituta que, uma vez paga, retira sua afeição.
Ela entreabriu os lábios, incapaz de reagir.
— Fui um tolo por acreditar em seu amor — Alex finalizou a amargura
presente em cada palavra. — Lamento admitir que seu plano deu certo.
Ninguém ainda havia ido tão longe a ponto de se valer de minha cama ou da
casa de minha irmã a fim de conseguir minha atenção. A maioria se
contentava em se atirar sobre mim em bailes e coisas assim... Mas você, Liz,
pensei que fosse diferente.
— Não houve plano nenhum — ela sussurrou, sentindo as palavras
dele castigarem-na como golpes de chicote.
— Não? Então onde está o amor que alega sentir?
— Eu amo você! — ela jurou o coração apertado.
E o amava realmente. Apenas não sabia se podia confiar nele.
— Mentira. Hoje mesmo foi vista no parque, encontrando-se com
outro homem, e à noite eu a flagrei trocando confidencias com Garrett.
Posso ter cometido um erro ao pensar que seu amor era verdadeiro, mas
não vou tolerar uma esposa que me engana.
— Eu nunca...
— Mentira! — ele repetiu a voz gélida e desprovida de emoção, a
expressão, uma dura máscara. — A oferta maldita de seu pai não funcionou.
Quando ele a deixou quase à míngua, você e sua mãe logo pensaram que
poderiam fazê-la se unir a um duque, imagino, por isso estava disposta a
fazer qualquer coisa... Pois saiba que não gosto de ser usado, e não gosto
Allegra Gray
172
À Sombra de um Escândalo

que mintam para mim. Não posso imaginar o que mais você poderia querer a
ponto de se aproximar de outro, mas não estou disposto a descobrir. Você é
nada além de uma mentirosa e uma vadia. Saia da minha frente.
Liz não tinha ideia do quanto o duque havia se convencido do que
dizia, mas era claro que qualquer argumento seria inútil. Reunindo o pouco
de dignidade que lhe restava, ela se levantou para partir.
— Milord está errado — disse apenas em voz baixa. — Talvez um dia
descubra isso, talvez não. Quanto a mim, estou certa do que há em meu
coração e em minha consciência. Nada do que fiz, nada do que fizemos, foi
menos do que honesto.
As atitudes dele ou as do pai dela podiam ser falsas, mas tudo o que
ela havia feito fora ser pega enquanto tentava se, manter fiel aos dois
homens que amava.
Havia tanto mais a dizer, mas o duque já lhe tinha dado as costas.
Por um instante, Liz apenas o contemplou. Alex permanecia com a
silhueta emoldurada pela janela, a fraca luz de um candelabro aprofundando
as sombras ao seu redor. Os ombros largos pareciam mais retos do que
nunca, mas a cabeça pendia levemente.
Doía-lhe querer ir com ele, atirar-se a seus pés e implorar por perdão
por suas traições reais e imaginárias. Mas sabia que, a despeito do que fora
dito, havia lhe traído a confiança bem mais do que o duque pensava.
Tinha consciência, também, que Alex não era um homem cujo perdão
se conseguia tão fácil.
Deixou o quarto, e então permaneceu no topo da escada, a visão
borrada pelas lágrimas.
Tinha fracassado, refletiu Liz. Fracassara em descobrir a verdade por
trás da morte do pai, se é que havia algo a ser descoberto, mas, mais
importante ainda, fracassara em seu casamento.
— Não se aflija Vossa Graça — disse Emma, confiante, enquanto
escovava seus cabelos com mais cuidado do que de costume.
Aparentemente, ela percebera sua tristeza e agora tentava lhe
oferecer algum tipo de conforto. — Seu duque vai voltar atrás.
— Duvido Emma.
Haviam se passado duas semanas desde que tinham discutido. Desde
que Alex lhe pedira para que sumisse de sua frente.
E ele não dera qualquer sinal de querer voltar atrás em sua decisão.
Não dera sinal de nada, para ser honesta. Sua raiva parecia ter
amainado, mas agora ele a tratava como se ela não existisse.

Allegra Gray
173
À Sombra de um Escândalo

Logo após a discussão, ele havia retornado a Montgrave sem ela. E


quando ela chegara a casa por conta própria, no dia seguinte, Alex tinha feito
com que os criados levassem todas as suas coisas até uma suíte em uma ala
separada do solar.
Foi humilhante. Agora toda a criadagem sabia que o duque e sua
esposa não estavam se entendendo.
Divórcio, no entanto, estava fora de questão. De qualquer modo, não
seria o primeiro casal da nobreza a estar casado apenas oficialmente. Seria
apenas outro casamento de fachada.
Emma prendeu uma madeixa vermelha com o grampo.
— O duque é orgulhoso, claro, mas um homem só fica zangado assim
com alguém a quem ama de verdade.
— Amava — murmurou Liz. — Não creio que me ame mais. E por que
deveria? Ela lhe havia traído a confiança. Não da maneira como ele
imaginava, mas traíra, de qualquer forma, pensando que fazia a coisa certa.
Tentara confiar em Alex e ainda assim cumprir seu papel em memória do pai.
Em vão.
Na verdade, de certa maneira sua traição fora ainda pior, pois, em vez
de se entregar a outro homem, como ele a acusara de ter feito, ela havia
questionado sua integridade.
Liz suspirou. Apesar de tudo, a fúria de Alex só fizera aumentar suas
dúvidas. Ao vê-lo tão transtornado naquela noite, passara a considerá-lo
bem capaz de cometer um assassinato.
— Bem — disse Emma com um grampo preso ao canto da boca —, ele
tem um herdeiro em que pensar. Com certeza, não vai negligenciar seus
deveres e, se me perdoa a ousadia, Vossa Graça, essa pode ser a chance de
reconquistá-lo. — Prendeu o grampo. — A senhora está particularmente
adorável, esta noite. Talvez, se fosse até ele para lembrá-lo do que já
viveram juntos...
Liz forçou um sorriso que não lhe chegou ao coração. Um herdeiro. Era
uma das razões pelas quais os duques se casavam, afinal.
Alex, no entanto, não parecia muito preocupado com isso.
E ela não havia engravidado até agora. Mais uma área na qual tinha
fracassado.
Havia sonhado com as crianças que teriam: um menininho, talvez, com
a inteligência e os cabelos negros de Alex, ou uma menininha a quem ela
pudesse vestir com laços e fitas.

Allegra Gray
174
À Sombra de um Escândalo

Mas, a despeito da confiança de Emma, estava convencida de que Alex


preferiria passar o título para outra pessoa a se aproximar dela de novo. Até
onde lhe dizia respeito, era como se Liz não existisse.
— Pronto. — Emma deu seu toque final. — Perfeito. Por que não vai
fazer um passeio antes do jantar, milady? Seria bom para a senhora, e está
surpreendentemente quente para o inverno. Ouvi dizer que o jardineiro
cultiva rosas na estufa. Talvez queira vê-las.
Liz lançou à leal criada um sorriso frouxo.
— Obrigada, Emma. Talvez eu vá.
— Vai comer na sala de jantar, esta noite, ou prefere que lhe traga
uma bandeja?
— Uma bandeja, por favor. Emma concordou tristonha
— Cuidarei disso, Vossa Graça. — Fez uma cortesia e saiu do quarto,
deixando-a sozinha.
Não que isso fosse incomum naqueles dias.
Mas ela merecia aquilo, lembrou a si mesma; ainda que isso não fosse
fácil de suportar.
Seguindo a sugestão de Emma, Liz visitou a estufa. As rosas eram
adoráveis, e o jardineiro se mostrou animado em mostrá-las, mas Liz não foi
capaz de elevar o espírito e compartilhar seu entusiasmo.
Ansiava por companheirismo. Ansiava pela intimidade e pela calma
que dividira com Alex. Aquela sensação de que os dois possuíam um
segredo, algo que lhes permitia rir das loucuras do restante da cidade
enquanto aproveitavam um ao outro.
Ansiava, principalmente, pela maneira como o marido era capaz de lhe
acender o desejo, pela maneira como transformava o sexo em uma bênção,
deixando-lhe o corpo tão exausto quanto extasiado.
Não haveria ninguém mais como ele.
E então, por fim, deu-se conta: estava fugindo. Toda vez que era posta
diante de uma crise, os instintos a instigavam a fugir e se esconder. Desta
vez, não havia feito isso fisicamente, mas escolher não confiar em Alex tivera
o mesmo resultado.
E ela o tinha afastado.
Precisava se desculpar. Precisava dizer-lhe a verdade.
Alex acreditaria? Afinal, julgava-a uma adúltera quando, na verdade,
ele fora o único homem que ela conhecera.
Mas, se quisesse que o marido acreditasse naquilo, teria de lhe contar
todo o restante; tudo o que mantivera preso dentro de si desde a terrível
tarde que Fuston viera visitá-la.
Allegra Gray
175
À Sombra de um Escândalo

Um calafrio atravessou-lhe o corpo. Talvez Alex tivesse uma explicação


simples sobre o que havia ocorrido na noite da morte de seu pai. Talvez
gargalhasse e a julgasse tola por ter dado ouvidos à história de Fuston.
Ou talvez se sentisse ainda mais traído, por ela ter escondido suas
dúvidas o tempo inteiro.
Pior seria se ele lhe dissesse que era verdade.
Mas não importava. Ela precisava falar com ele e pôr tudo a limpo.
Pediria desculpas por suas dúvidas, pelo comportamento errante. Não havia
mais o que ser feito.
No entanto, tinha de fazer isso da maneira certa. Qual seria a melhor
forma de abordá-lo? Não queria irritá-lo ainda mais, tampouco suportaria
sua indiferença.
Se ela se aproximasse dele à noite, na cama, e se oferecesse
fisicamente, será que Alex a ouviria? Sempre houvera paixão entre os dois.
Alex não seria capaz de recusá-la.
Mas ele detestava ser usado... Não seria esse o caso?
Talvez fosse melhor pela manhã, sob a clara luz do dia. Mas, quando?
Durante o desjejum? Ele mal aparecia. Interrompendo-lhe o trabalho? Não
queria que ficasse irritado desde o início.
Como havia aquela distância se tornado tão grande?
Era tudo culpa sua. Cabia apenas a ela consertar a situação, se isso
fosse possível.
Quando Emma lhe trouxe a bandeja com o jantar, comeu distraída
enquanto ponderava sobre o dilema.
Finalmente, afastou a bandeja, deixando muito da comida intocada.
Sentia-se muito sozinha. Talvez uma visita a Buttercup a animasse.
Ainda que jamais houvesse sido boa amazona, sempre apreciara afagar os
animais e conversar com cavalos.
E àquela altura, precisava estar perto de algum ser, humano ou não.
De cabeça baixa e perdida em pensamentos, ela caminhou pela relva
escura em direção ao estábulo. Mais cedo o tempo estivera aberto, um belo
alívio diante do rígido inverno, mas, agora que o sol havia baixado, sentia
bastante frio novamente.
Estremeceu e desejou ter trazido um agasalho mais quente. O céu se
tingira de um azul bem escuro, como costumava acontecer antes que se
pusesse de negro.
Ergueu a cabeça, a fim de observar as estrelas, enquanto suas botas
revolviam a grama seca. Chegou ao estábulo. A porta estava aberta e um

Allegra Gray
176
À Sombra de um Escândalo

quente e acolhedor raio de luz brilhava pela entrada. Ergueu a mão e


empurrou a porta um tanto mais, antes de entrar.
— Não se mova.
Liz paralisou o fôlego preso à garganta.
Então se deu conta de que a voz não se dirigira a ela, embora fosse a
de seu marido. Alex falava com mais alguém.
Ela espiou através da abertura. Um homem permanecia estático, do
outro lado do estábulo. E estava sob a mira da arma de Alex.
— No, três, vou atirar. — A voz do duque era baixa, porém firme.
Por que ele daria ao intruso um aviso?
— Um...
Liz reconheceu as feições aterrorizadas do velho Tom, seu criado
favorito. Céus! Ele não era nenhum invasor!
Com a constatação, veio outra, ainda mais assustadora.
O marido era um assassino. E a menos que ela agisse rápido, outro
inocente morreria.
— Dois...
— Não! — ela gritou desesperada, enquanto agarrava o braço de Alex
com toda a força a fim de desviar-lhe a mira. — Seu maldito, Tom não lhe fez
nada! Não vou deixar que o mate! Já assassinou meu pai, não é o
suficiente?!
Duas faces chocadas de homem se viraram para encará-la. A arma
disparou, mas a bala se perdeu em uma das paredes do estábulo. Um animal
entrou em pânico e passou a toda velocidade, jogando-a para o lado
enquanto se apressava para dentro da noite.
— Esqueça o velho Tom, Alex! — ela implorou aos prantos, tentando
se reaproximar dele. — O que ele lhe fez?
Para sua surpresa, Alex deixou cair à arma.
— Ele se foi.
Liz parou confusa. O criado estava logo ali, enxugando o suor. Havia
algo acontecendo e ela ainda não tinha se dado conta do quê.
Lentamente, retrocedeu. O comportamento do marido era
imprevisível, mas, agora que sabia ser ele um assassino, estava apavorada
que sua fúria se voltasse contra ela por ter interrompido a cena de
momentos antes.
— Não se mova! — O comando de Alex foi firme.
Ela balançou a cabeça e continuou a andar em direção à porta.
— Você é louco — sussurrou. — Fuston disse a verdade: você
assassinou meu pai.
Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

O velho Tom deixou a boca pender, mas as sobrancelhas de Alex se


ergueram, revelando sua compreensão.
— Não, senhora! — Tom interveio. — A senhora entendeu tudo
errado. Vossa Graça mirava no cão, não em mim.
— Cão? — Liz parou.
Vagamente, lembrou-se do borrão de pelos que passara por ela.
— A grande fera peluda que fugiu pela porta enquanto a senhora
gritava — explicou o velho. — Ele tem rondado as terras pelo último mês ou
mais, matando galinhas e todo bicho que vê pela frente. Não estávamos
muito preocupados, até que soubemos que mordeu um homem no vilarejo e
lhe passou raiva. O pobre está à morte. Não poderíamos deixá-lo solto por
aí. Quando vimos o bicho se esgueirar para dentro do estábulo, seu marido
pensou em nos livrar dele. O único problema foi que dei o azar de ficar entre
ele e a fera.
Liz se voltou para Alex.
— Eu mirava no animal — ele confirmou. — Tom, parece que o
perdemos por hoje. Creio, no entanto, que minha esposa e eu tenhamos
algo a discutir. Se puder nos conceder a gentileza de se retirar... — disse ao
criado, enquanto seus olhos permaneciam nela.
— É claro, Vossa Graça. — Tom passou pelo meio dos dois, e se
afastou.
Alex soltou o ar e curvou a cabeça, parecendo envelhecer.
— Liz...
Ela se apoiou na parede de madeira, entontecida. Acreditara na
explicação de Tom para o que tinha acontecido ali, mas aquilo não provia
qualquer resposta para sua questão mais importante.
E agora que o marido estava ciente de suas suspeitas, não sabia ao
certo como ele reagiria.
O duque balançou a cabeça, então estendeu as mãos como se num
apelo... Ou talvez apenas para indicar que não lhe faria nenhum mal.
— Não sou um assassino. Mas não nego meu papel na morte de seu
pai. Posso explicar-me?
O coração dela palpitava a cada palavra, e seus joelhos pareciam
frouxos, mas Liz concordou.
Alex gesticulou em direção a um banco baixo.
— Por favor, sente-se.
Liz obedeceu, como se em transe. Uma pequena parte de seu cérebro
dizia-lhe que corresse que escapasse da presença daquele homem perigoso;

Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

mas seu coração doía demais para que se importasse com o que aconteceria
a seguir. Não fugiria outra vez.
Ele se pôs ao lado dela, abaixando-se lentamente, exausto.
— Eu não estava ciente de que suspeitasse ou soubesse o que
aconteceu a seu pai. Há quanto tempo sabe?
— Desde logo depois do casamento.
— Todo esse tempo? — perguntou Alex, impressionado.
Liz o fitou, procurando por algum sinal do homem que amara.
— Eu não queria chegar a conclusões apressadas, baseadas na palavra
de um só homem, milord. Rezei para que estivesse enganada. Afinal, você
tinha meu coração.
— Tinha? — perguntou Alex. — Não, não diga nada. Mas eu realmente
gostaria que tivesse vindo a mim com seus medos e suspeitas. Sempre foi
uma mulher corajosa.
— Sou uma tola, isso sim, pois decidi descobrir tudo sozinha. Não
ousava fazer-lhe a pergunta, quando mais lidar com a verdade. Ainda assim,
em toda a minha investigação, não encontrei nada que contradissesse as
palavras de Fuston. E esta noite, agora mesmo, você as confirmou.
— Não! — contradisse ele. — Não inteiramente. Ainda que não tenha
negado o feito, jamais tive a intenção de matar seu pai. Sou responsável pela
morte dele, mas não sou um assassino.
Ela queria acreditar, realmente queria, mas as palavras a confundiam
ainda mais.
— Não compreendo.
—O quanto você sabe do que aconteceu? Liz estudou as próprias
mãos.
— Apenas o que Fuston me contou. Que você atirou em meu pai, e
então fez tudo parecer um acidente.
— Bastante verdadeiro, de certa forma. Mas não uma imagem inteira
dos eventos que se sucederam.
Liz esperou, duelando com a esperança que lhe preenchia o coração.
— Na noite em que seu pai morreu Liz, eu oferecia uma noite de
carteado. Não era um evento pouco usual para mim, mas não esperava que
seu pai comparecesse. A lista de convidados era exclusiva e, como as dívidas
dele para comigo fossem exorbitantes, eu havia descontinuado nosso
contato. Mas o barão chegou, naquela noite, acompanhado de alguém que
tinha sido convidado, de modo que não vi motivos para causar confusão.
Talvez ele ganhasse alguma coisa. E se não, o que seria mais um membro da

Allegra Gray
179
À Sombra de um Escândalo

nobreza com um pendor deficiente para os jogos? Simplesmente decidi que


eu não jogaria contra ele.
— Sei dos hábitos de meu pai — ela confirmou em voz baixa.
— Seu pai não venceu naquela noite, Liz, e consumiu grande
quantidade de álcool. Receio que tenha nublado o próprio juízo de mais do
que uma forma, pois ficou mesmo depois que quase todos os convidados
haviam se retirado. Consegui evitá-lo durante o jogo, mas, àquele ponto, o
homem decidiu confrontar-me... Eu tinha acabado de conduzir um amigo até
seu coche, e estava voltando para dentro da casa, quando ele me chamou do
outro lado do jardim. — Alex franziu o cenho. — Liz, não estou certo sobre
quanto disso tudo deveria ouvir.
Ela o fitou nos olhos.
— Creio que seja melhor explicar tudo de uma vez.
— Mas diz-se que é pouco sábio falar mal dos que se foram —
protestou o duque.
— Já chegou a meu conhecimento que meu pai não era nenhum
santo. — Liz suspirou. — E esses segredos vêm sendo mantidos a tempo
demais. Já causou prejuízo o suficiente. Diga-me o que aconteceu, e eles não
terão mais qualquer poder.
Alex passou a mão pelos cabelos.
— Receio que seu pai, confuso pela quantidade de álcool que
consumira, tenha chegado ao ponto do desespero. Tentou recuperar suas
perdas sob a mira do revólver.
— Ele o ameaçou? Mas, por quê?
— Por causa de você, Liz. Ela balançou a cabeça.
— Não compreendo.
— Na verdade, você já conhece essa parte. Quando ele tinha vindo até
mim, alguns meses antes, já havia feito àquela proposta. Por isso brigamos.
— Alex desviou o olhar, a exaustão visível no rosto moreno.
Liz engoliu em seco, e então se levantou enquanto um raio de
consciência a atingia.
— Quando você me fez sua amante você estava... Cumprindo os tais
termos? Estava recuperando o que lhe era devido? Mas aquilo foi depois da
morte de meu pai... Você me disse, quando me resgatou de Harold, que
jamais... — A voz dela falhou lágrimas encheram-lhe os olhos. Deu um passo
atrás. — Você gostava de mim, eu sei que sim! Talvez não a princípio, mas...
— Liz... —Alex se levantou também e a abraçou, hesitante. Ela se fez
rígida sob o toque estranho e, ao mesmo tempo, tão dolorosamente familiar.

Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

Lágrimas rolaram-lhe pelas faces. Quanto daquela relação havia sido


mentira?
— Jamais concordei com a proposta de seu pai. Jamais. — Ele a
segurou pelo rosto, usando os polegares para acariciá-la.
Tudo o que Liz pôde fazer foi escutar. Por tantas noites ela sonhara
com aquele toque, perguntando-se se um dia o sentiria de novo.
— Lamento trazer esse assunto à tona. Mas preciso explicar como as
coisas ocorreram naquela noite — continuou Alex num tom grave. — Como
eu disse, eu havia cortado o contato com seu pai quando tinha ficado claro
que ele não pagaria por suas dívidas. Nem mesmo uma vez, depois que a
conheci, considerei usá-la assim. —Aproximou a boca da sua. — Nem uma
vez — repetiu com o olhar em chamas. — O que tivemos, o que temos, é
único, Liz.
Ela acreditava. Que Deus a ajudasse por ser tão tola, mas acreditava.
Respirou fundo e relaxou nos braços fortes.
— Espere um minuto. — Desta vez, foi Alex quem recuou um passo e
franziu a testa. — Você disse, um minuto atrás, que estava tentando
descobrir a verdade sobre aquela noite... Era isso o que estava fazendo todas
as vezes que se recusou a explicar sobre seu paradeiro?
— Era — ela respondeu os olhos transbordando de sinceridade.
O rosto moreno se iluminou, mas apenas por um instante, antes que
baixasse a cabeça até as mãos com um grunhido.
— E por isso eu a acusei de adultério — balbuciou por entre os dedos.
—- Liz sou eu o tolo. Um infeliz, um homem indigno de sua confiança.
Quando pensei que você... Quase morri ao pensar que a mulher a quem eu
amava em quem me permitira acreditar, poderia estar se entregando a
outro! Deus, eu peço desculpas. Eu devia saber que você jamais seria capaz
disso.
— Sim, devia... Mas eu o perdoo. Alex a fitou, inseguro.
— Perdoa?
— Sim. Posso ver como meu comportamento deve ter parecido
estranho. Nós dois mantendo segredos... Como deixamos de confiar um no
outro? Eu traí, mesmo, sua confiança; apenas não da maneira como
imaginou. Por isso eu também lhe peço perdão.
Alex considerou as palavras por um momento, e Liz suspirou.
— Alex; preciso ouvir o restante — disse baixinho.
— Está certo — ele respondeu pesaroso, e a conduziu de volta ao
banco, sentando-se a seu lado. — Não compreendi bem os caminhos

Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

tortuosos que a mente de seu pai traçou, mas, de alguma maneira, ele se
convenceu de que eu era responsável por sua ruína.
— Como você poderia ter me arruinado? Mal nos conhecíamos!
— Eu sei. Mas como eu disse, o barão estava bastante perturbado.
Tentei discutir o assunto com ele, mas sua capacidade de argumentação
estava limitada. Tornou-se claro que Medford não tinha qualquer intenção
de largar aquela arma. Pelo contrário: pretendia usá-la. Ele mesmo me atirou
uma segunda arma, exigindo "acertar as coisas".
— Um duelo?
— Era quase de manhã, mas não tínhamos companhia, e ele seguiu
adiante antes que os arranjos pudessem ser feitos.
— Meu pai atirou em você?
— Lamento dizer isso. Mas, graças a seu estado, ele errou o tiro. Ainda
não consigo compreender o que ele esperava ganhar com a minha morte.
Exceto, talvez, que ele não me veria mais ansioso por ver pagas as suas
dívidas — concluiu com um longo suspiro. — Após ter errado o alvo,
começou a recarregar a pistola e se aproximar. Tornou-se claro para mim
que aquele não era seria um duelo entre cavalheiros. — Lançou-lhe um olhar
de consulta. — Liz, um homem tão próximo, mesmo um bêbado, pode ser
bem perigoso. Quando seu pai ergueu a arma mais uma vez, não lhe dei
qualquer chance e atirei.
Ela sentiu a garganta se apertar. Viu-se incapaz de respirar, muito
menos de falar, enquanto visualizava a cena que o marido descrevia.
— Não atirei para matá-lo — Alex prosseguiu como que em transe —,
mas duas coisas me fizeram errar: a primeira foi que lidava com uma arma
desconhecida. A segunda, e a pior, infelizmente, foi que, no momento em
que puxei o gatilho, seu pai cambaleou entontecido pelo álcool, e a bala que
lhe fora destinada aos joelhos o atingiu no peito... Lamento Liz.
A cabeça dela girava. Se aquilo fosse verdade, então a morte do pai
fora mesmo um acidente. Um homem que se defendia de uma ameaça em
sua propriedade, não era um assassino.
— Ele morreu na hora?
— Sim. Quando o alcancei, na grama, ele já havia se ido.
— Você não pretendia matá-lo, não é? — ela pediu confirmação com
voz embargada.
— Não, Liz. Confesso que não tinha nenhum apreço por seu pai depois
da proposta que ele tinha me feito, mas não lhe desejava a morte. Ainda
assim, acabei por causá-la.
— Mas se o que diz é verdade, não pode se considerar culpado.
Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

— Já matou um homem alguma vez, Liz? — ele indagou amargo. —


Intencionalmente ou não, é impossível não sentir o peso da
responsabilidade. De qualquer maneira, eu não gostaria que me
considerasse um assassino.
Liz viu o arrependimento estampado no rosto de Alex, o peso da culpa
que carregava refletido nos olhos tristes.
— Você acredita em mim? — ele insistiu inseguro.
A história fazia sentido, claro. Por outro lado, o cenário era tão
macabro que a desconcertava.
— Quero acreditar. Mesmo. Mas é difícil aceitar coisas assim sobre seu
próprio pai, por mais que agora eu saiba sobre ele.
— Gostaria que acreditasse baseada apenas em minha palavra, mas
sei o quanto isso deve ser difícil para você, ainda mais quando meu
comportamento nos últimos meses tem dado tão poucas razões para que o
faça. — Cobriu-lhe a mão com uma das suas.
Liz não retirou a dela, tampouco lhe deu qualquer resposta positiva.
Alex suspirou pesadamente.
— Há uma pessoa que pode atestar o que lhe contei.
— Há? — Era uma surpresa. Em todas as semanas de discreto
inquérito, ela não havia cruzado uma só alma que alegasse saber de algo. —
Quem?
— Sua mãe.
— Minha mãe? — ecoou Liz, em estado de choque.
— Sim. Naquela noite, ela estava na festa também. Ela havia vindo
com lady Jameson, mas pretendia partir com seu pai — contou Alex. — Eu
jamais a teria convidado e... Por favor, não se ofenda, mas ambos
apareceram ao lado de conhecidos meus. A comunidade de jogadores
dentro da nobreza é muito reduzida, ainda mais durante o inverno, quando
muitos estão distantes.
— Mas...
— Talvez ela possa lhe explicar melhor do que eu — Alex a
interrompeu e conduziu para fora do estábulo, pedindo a um criado que o
coche fosse aprontado imediatamente.
Liz subiu no coche, a mente focada apenas no que a mãe poderia dizer
para explicar o relato bizarro que ela ouvira do marido.
Alex sentou-se a seu lado, embora não fizesse menção de abraçá-la.
Liz, no entanto, queria que ele o fizesse. Precisava de seu calor.

Allegra Gray
183
À Sombra de um Escândalo

Houve pouca surpresa na expressão da baronesa quando ela os viu. Na


verdade, parecia alguém que havia se resignado a um encontro tão
aguardado quanto evitado.
— Mamãe.
— Liz. Vossa Graça... — Ela se curvou numa mesura.
Liz respirou fundo. A mãe parecia mais envelhecida do que ela se
lembrava.
— Mamãe, esta noite ouvi algo que minha mente tem dificuldade em
aceitar.
A mãe concordou.
— Imagino que sim. Estava fadado a vir à tona algum dia, uma vez que
se casasse com o duque.
— É verdade, então? Sobre papai?
Lady Medford manteve os olhos fixos em Alex. Ao menor aceno,
contou à filha:
— É verdade que a morte de seu pai não foi causada por nenhum
acidente de carruagem. É verdade também que ele foi morto por seu
marido... Mas a culpa não foi do duque.
— Papai o ameaçou?
Os ombros de lady Medford pesaram, a voz perdeu a força.
— James não devia ter ido à festa, naquela noite. E eu não devia tê-lo
deixado ficar, quando o vi ali. No mínimo, devia ter ficado a seu lado e não
ter deixado que se embebedasse tanto. Mas cada um de nós seguiu seu
caminho, como normalmente fazíamos, embora tivéssemos concordado em
voltar para casa juntos.
— E papai...
— Sim, ele ameaçou Sua Graça. Estou certa de que, caso James não
estivesse bêbado, teria pensado melhor em suas atitudes. Eu não sabia o
quanto desesperadoras eram as circunstâncias dele, ou melhor, as nossas,
até aquele momento.
— Como isso é possível? — Liz teve ciência da presença sólida de Alex
a seu lado.
Lady Medford torceu as mãos, nervosa.
— Eu sabia que seu pai gostava de jogar; às vezes, além da conta. Mas
jamais discuti com ele a respeito. Seu tio George não é nenhum exemplo de
homem, mas, em uma coisa, ele tem razão: eu enganei a mim mesma,
pensando ter me alçado um degrau acima ao me casar com James. Eu o fiz,
realmente, porque seu pai tinha um título... E, no início, nós nos demos bem.

Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

Porém eu nunca quis questionar seus hábitos, portanto não soube de nada
até que fosse tarde demais.
A aceitação tomou conta de Liz aos poucos, assim como o perdão.
— Eu compreendo. De verdade. Papai era tão afável, tão divertido.
— O barão também me iludiu com seu jeito fácil e cordial — Alex falou
finalmente. — De outra forma, eu jamais teria jogado com ele.
— Eu estava procurando por James, para dizer-lhe que queria partir,
quando ouvi vozes do lado de fora — prosseguiu a mãe dela, como se
revivendo o pesadelo. — Fui até a porta e vi como tudo aconteceu. Fiquei
horrorizada, chamei por ele, implorei para que parasse... Mas James não me
ouviu. — Ela fechou os olhos com força. — Eu devia ter feito algo, mas fiquei
tão assustada...
— A senhora não tinha como fazer nada — Alex a lembrou, gentil.
— Não sei, eu...
— A senhora viu tudo? — perguntou Liz, chocada.
— Sim.
— E mesmo assim concordou em fazer parecer com que papai
houvesse morrido em um acidente de carruagem.
— Sim — a mãe respondeu. — Não é bonito quando alguém da
nobreza morre sob circunstâncias vergonhosas. Especialmente quando a
causa da morte é um ferimento à bala. Eu não conheci a extensão dos
problemas da família até mais tarde, mas sabia que uma investigação sobre a
morte de James com certeza provocaria um escândalo. Seu marido pensou
rápido, e isso nos poupou de consideráveis constrangimentos. Até porque eu
vi minha filha, como seu pai o tratou. Tudo o que pedi depois foi que Alex
fizesse uma promessa: de que, após aquela noite, depois que tudo estivesse
devidamente encoberto, ele jamais entrasse em contato com a nossa família
outra vez. Eu só queria esquecer.
Liz apertou os lábios, assimilando a informação. Então outro
pensamento lhe ocorreu.
— Mais tarde, quando eu estava procurando por pretendentes e você
me disse que preferia que eu ficasse longe de Alex... Foi por isso, não foi?
Lady Medford concordou.
— Espero que me perdoe Vossa Graça. Mas, na época, seu interesse
em Liz não parecia sério, e estávamos desesperados em busca de um noivo
para minha filha. Pensei que, quanto menos Liz estivesse envolvida com o
senhor, menor seria a probabilidade de que o passado viesse à tona.
— Compreendo — ele murmurou, tomando a mão de Liz.

Allegra Gray
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À Sombra de um Escândalo

— É claro que, meses depois, quando milord chegou para pedir a mão
de Liz, considerei a proposta perfeita. Era evidente que vocês dois tinham
sido feitos um para o outro. — Lady Medford avançou um passo em direção
ao duque. — Posso entender por que Liz deveria saber a verdade agora, pois
a decepção arruína um casamento. Ainda assim, eu me confortaria bastante
se soubesse que essa história não se espalhará. Se não por minha própria
reputação, ao menos pela de minha outra filha.
— É claro que não — Liz garantiu, sentindo alguma simpatia pela mãe
pela primeira vez em muitos meses. — Eu também não gostaria de ver o
nome de papai na boca da sociedade... Desde que o de meu marido também
se mantenha limpo. Posso encontrar Fuston e explicar-lhe que ele se
equivocou.
— Na verdade, ele foi pago para que não comentasse nada — lembrou
Alex. — Mesmo assim, posso perdoá-lo pela tentativa de avisar minha
esposa. — Pousou um braço protetor sobre seus ombros.
Imediatamente, ela sentiu um calor percorrê-la. Foi preciso muito para
que não se virasse e se abrigasse nos braços do marido.
Sim, o homem disparara o tiro que tirara a vida de seu pai.
Mas ela compreendia agora que não havia existido uma escolha. Sabia
também que, muito antes daquela noite, o pai tinha se perdido num hábito
que havia lhe extraído o que ele possuía de melhor.
— Mesmo assim, deviam ter-me contado — ela disse à mãe e ao
marido. — Talvez não logo em seguida, mas há bastante tempo. Antes que
Alex e eu nos casássemos. Afinal, não sou nenhuma criança. Eu merecia
saber. Especialmente se minha vida seria tão afetada. Nestas últimas
semanas... — interrompeu-se, comovida, enquanto pensava no quão
abalado estivera seu casamento.
— Eu sei. E lamento muito — disse-lhe Alex mais uma vez. — Se eu
tivesse a mínima noção sobre o que a estava deixando tão nervosa, teria
contado; mesmo que isso representasse perdê-la para sempre. Eu quis
protegê-la e, admito, temi que, acidente ou não, minha ofensa fosse grande
demais para ser perdoada.
— Pode me perdoar? — lady Medford perguntou ansiosa. Liz encarou
a baronesa. O marido, ela estava preparada para perdoar, mas não a mãe.
— E quanto a Harold?
A mulher desviou o olhar.
— Eu não me dei conta de como Harold a tratava — disse pesarosa. —
Pensei que estivesse agindo apenas como uma menina mimada... Você
sempre foi, afinal de contas, uma criança caprichosa. Nós precisávamos lhe
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À Sombra de um Escândalo

encontrar um marido e, como você nunca havia demonstrado qualquer


interesse em procurar por um pretendente... — Deixou que a voz sumisse. —
Para mim você estava recusando uma oferta sólida de Wetherby, apenas
para apostar em algum outro que poderia ou não aparecer... E àquela altura,
eu já estava cansada de apostas.
Liz engoliu com dificuldade.
— De qualquer modo, imaginei que nenhuma mãe desejasse ver a
filha apanhando.
— Harold e seu tio tramaram o plano para levá-la daqui sem meu
conhecimento. Quando George me contou, fiquei preocupada, mas me
convenci de que, se os dois fossem deixados a sós, talvez pudessem chegar a
algum acordo. Era uma última esperança, pois, àquela altura, você havia
afastado suas outras opções por conta de seu próprio comportamento
inconsequente. Liz nada disse.
— Tive minhas razões, mas agora vejo que devia ter examinado tudo
mais de perto — admitiu lady Medford. — Eu poderia tê-la ouvido quando
me contou sobre sua antipatia por Wetherby. Poderia ter feito mais
perguntas. Se eu soubesse o que estava se passando, Liz teria feito algo,
acredite.
Liz fechou os olhos. Com certeza, era o melhor que conseguiria da
mãe. Elas podiam não compartilhar muitos pontos de vista, mas não
desejava viver aquele ressentimento pelo restante de seus dias.
Abriu os olhos outra vez.
— Eu a perdoo — falou num fio de voz.
A exaustão pareceu se dissolver no rosto da baronesa. E então,
milagrosamente, a mulher fez o que Liz esperava que fizesse: uma mesura, e
se retirou rapidamente, deixando-a a sós com o marido.
Alex a virou para que ela o encarasse.
— Pode me perdoar também? — perguntou ansioso. — Sei que não é
fácil, Liz. Mas gostaria de...
Liz o interrompeu, pressionando um dedo contra os lábios benfeitos.
— Apenas me abrace. — Suspirou quando o marido a envolveu nos
braços, protegendo-a.
Alex inalou o perfume que emanava dela, como um homem em busca
de oxigênio.
— Liz?
Ela ergueu a cabeça para fitá-lo.
— Quero levá-la para casa...
Liz o abraçou outra vez, puxando-o para mais perto.
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À Sombra de um Escândalo

— Mas, antes, quero fazer amor com você — completou Alex.


Ela sorriu, deliciada.
— Creio que eu ainda tenha um quarto aqui.

Fim

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