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Olá pessoal, sejam muito bem-vindos à terceira aula do nosso curso "Como Escrever um Livro" e hoje

vamos falar sobre como buscar inspirações, como buscar influências, ou seja, como imitar e se inspirar
nos grandes autores. Como a gente falou, toda nossa criação é subcriação. Deixem pra lá essa ideia de
ser totalmente original, de não se inspirar em nada, de não querer fazer algo que pode soar parecido ou
igual a alguém. Geralmente, pra você fazer isso, você tem que ter um domínio técnico muito grande.
Pensem na pintura, quem são os pintores extremamente originais que nós conhecemos? A gente
poderia citar, por exemplo, Picasso ou até mesmo Van Gogh. Porém, é o seguinte, até Picasso e Van
Gogh chegarem à sua originalidade, ou seja, o estilo próprio de Van Gogh, aquele que a gente bate o
olho e fala "Nossa, esse aqui é um quadro do Van Gogh" ou "Nossa, esse aqui é um quadro do Picasso".
Até eles atingirem esse grau de originalidade levou muito tempo. E o que eles fizeram durante esse
tempo? Trabalharam nas formas que todo mundo conhecia. Então você vai ter pinturas do Van Gogh e
do Picasso de início da sua carreira, onde o estilo era muito mais voltado para aquele estilo convencional
que todo mundo conhece e nem parece com o Picasso ou com o Van Gogh que a gente conhece nos
dias de hoje.

O que isso quer dizer? Que primeiro você treina imitando os grandes modelos, depois você tenta fazer
algo original. Então é sempre necessário buscar a imitação. Mas, espera aí, imitação não é plágio, não?
Plágio é você copiar o texto e dizer que é seu. Imitação é você produzir um texto parecido. É você tentar
chegar a um texto parecido. É você, através da prática, obter as ferramentas linguísticas com as quais
um autor escreveu a sua obra. Então é imitando que se evolui. Pense bem, você pode enxergar um certo
perímetro da sua vista, mas se você sobe no ombro de alguém, você enxerga ainda mais. Se você vai
subindo no ombro, com essa expressão de subir no ombro dos gigantes e observar a partir dele, você vê
muito mais. Então, se eu começo a enxergar a literatura ou a escrita como Machado de Assis, tentando
imitar Machado de Assis, eu vou enxergar muito mais, eu vou ser muito mais capaz. Machado de Assis,
ou Eça de Queiroz, ou Graciliano Ramos, ou Guimarães Rosa. Depois eu posso pensar na minha
originalidade. Porque a primeira fase da escrita é a imitação e não a busca da originalidade.

Geralmente aquele que busca a originalidade é aquele que menos consegue ser original. Porque ele tem
pouca bagagem literária e acaba sendo igual a todo mundo. Ou seja, todo mundo escreve daquele jeito
porque todo mundo tem pouca bagagem literária. A maioria das pessoas que escrevem tem pouca
bagagem literária. E acabam produzindo coisas que são irrelevantes, são iguais. Você pega o mercado,
por exemplo, de livros de fantasia no Brasil. Quase todos os livros são iguais. Mais ou menos a mesma
estrutura, os mesmos defeitos, os mesmos problemas de diálogo, os mesmos problemas de
contextualização, os mesmos problemas de narração, de estilo. Os mesmos problemas porque eles
estão se imitando, se imitando, se imitando, no fim das contas querendo ser originais. Então, você imitar
sabendo que você está imitando e sabendo que é uma imitação, é um exercício libertador. Libertador
porque, no fundo, você sempre quis ser aqueles autores. Sempre quis escrever como eles. Então, se
você se propõe a escrever como tal autor, pense num livro que você admira e que você diria "eu queria
escrever algo parecido com isso". E aí você começa a praticar para tentar escrever algo parecido com
isso, mas contando outra história. A sua história, a história que você pensou, a biografia que você está
escrevendo, o ensaio que você está querendo produzir.
Mas tendo aquele modelo em mente. Pense sempre no modelo. Eu quero imitar este modelo aqui.
Então, você tem que perder o medo de imitar. Imitar não é errado. Imitar não é feio. Imitar não é ser
menos autor, menos escritor. Os grandes escritores, pelo contrário, imitavam sempre os melhores. Essa
busca pela originalidade é recente na literatura. Veja que até a Idade Média, muitas obras não eram nem
assinadas, não eram nem colocadas o nome do autor. Então você tem grandes obras medievais que a
gente nem sabe quem foi que escreveu. Porque eles não faziam a menor questão de colocar ali o seu
nome. Falam "bom, não importa. O que é autoria? O que é ser autor?" Pouco importa. Então foi com a
questão moderna, principalmente com essa questão do foco na individualidade, com foco no homem, ou
seja, nas glórias daquele que fez a obra, que começou-se a assinar as obras. Então, essa obra foi de tal
pessoa e ela é muito boa porque ela escreveu essa obra. Questão de alavancar o próprio nome. E claro,
não estou dizendo que nada disso é injusto, mas estou dizendo que é uma questão razoavelmente nova
na literatura. Durante muito tempo as obras nem assinadas foram.

É tanto que se você vai até o século 18 mesmo, 19, há dúvidas sobre "Olha, será que esse poema é
realmente desse autor? Será que esse livro é realmente desse autor?" O quanto desse livro é realmente
desse autor? Há várias obras que possuem sua originalidade questionada. Será que é uma falsa
atribuição? Existem vários poemas, por exemplo, que são falsamente atribuídos a, sei lá, a Olavo Bilac.
Ele tem um poema que todo mundo diz que é dele, que não é dele. Foi falsamente atribuído. Então, veja,
essa questão da originalidade é muito difícil. Se você quer realmente buscá-la, você primeiro deve imitar
os autores. Porque aquilo que eu falei sobre criação é combinar a partir do seu centro, o seu centro
dessa combinação, ou seja, o centro é a sua personalidade, e você vai imitar esses autores, inserindo
nesses modelos que você vai imitar a sua própria voz, os seus conflitos, as suas ideias, os seus insights,
as suas pulsões, suas paixões, seus desejos. Então quando você insere isso nesses modelos literários,
esses modelos literários ganham vida e passam a ser seus. Aí as pessoas vão falar "nossa, que
original!" Você vai dizer "não, na verdade eu estava imitando um outro autor, mas com a minha veia, com
a minha voz, com a minha forma." E aí essa forma adquiriu um novo ar.

Mas não busquem a originalidade. Busque fazer um bom trabalho. A originalidade vem como
consequência. Mas buscar a originalidade é uma receita para o fracasso. Um exercício que eu proponho.
Pegue aí agora um papel e uma caneta. Tente listar dez autores que você gostaria de imitar. Podem ser
dez livros também, se você quiser. Veja, eu não estou pedindo seu livro favorito. Eu não estou pedindo
os maiores livros da humanidade. Eu estou falando dos livros que você gostaria de ter escrito. Por
exemplo, eu gosto muito de Dostoiévski. Mas eu não sei se eu gostaria de ter escrito, sei lá, Os Irmãos
Karamazov. Eu gosto de Dostoiévski do que de Kafka, mas eu gostaria de ter escrito o processo de
Kafka, É mais a minha veia. Mas acho que Kafka é uma coisa que eu tenho mais afinidade. Ou por
exemplo, Dante quando escreveu a Divina Comédia. Eu não sei se é meu objetivo escrever uma Divina
Comédia. Mas é meu objetivo escrever um bom livro de contos como Lygia Fagundes Telles.

Veja, Lygia Fagundes Telles é uma escritora de relevância mundial. Não é nada perto do Dante, mas eu
me identifico mais com ela. E você pode dizer assim "nossa, eu gostaria de escrever como esse cara"
"Eu gostaria de escrever como essa autora" "Eu gostaria de escrever um livro dessa forma aqui" "Não é
o maior, não é o que todo mundo fala". Escreva 10. "Ah, não consigo 10". Escreva 5. Mas escreva,
coloque no papel. A junção de todos esses autores e de todos esses livros que você listou com a sua voz
vai resultar na sua obra literária. Se você quer escrever uma biografia, se quiser escrever um livro de
desenvolvimento pessoal, se quer escrever um ensaio filosófico, se quer escrever uma ficção científica,
uma fantasia, a junção de todos esses autores que você colocou na lista, mais a sua personalidade, essa
sim é a sua originalidade, é o seu estilo. Se assim a gente pode dizer. É a sua voz. É quem você vai ser
como escritor. Só que é o seguinte, você precisa trabalhar essa imitação. Todo mundo fala de a imitação
dos autores.

É preciso imitar os autores. Muita gente fala. Eu concordo, mas o ponto é como imitar os autores. Como
é que você faz esse processo de imitação? Porque vejam bem, a imitação era sempre existiu. Se você
ler a poética de Aristóteles, que talvez seja o texto de crítica literária mais antigo de todos os tempos, ou
pelo menos que formulou uma teoria literária, talvez não de crítica literária. Alguns dizem que
Aristófanes, inclusive nas suas peças, é o primeiro crítico literário de todos os tempos, principalmente
quando ele critica Sócrates. Mas, tirando essa parte da crítica literária, da teoria, talvez o Aristóteles
tenha sido o primeiro que teorizou, num tratado, a literatura, ou o que se chamava de literatura. Ou o que
se chamava de a poética naquele tempo, nem se chamava de literatura. Que poetizou, que teorizou
acerca da poética. E Aristóteles, já naquele tempo, dizia que o melhor poeta era aquele que mais se
aproximasse de Homero, que era o modelo, ou seja, já naquele tempo, a literatura funcionava como a
eleição de um modelo Só que era um modelo do cosmos, um modelo de toda cidade, de toda pólis. Um
modelo de todo um povo, Homero. O melhor poeta era o que mais se aproximasse dele Se você se
distanciasse de Homero, você era pior. Se você se aproximasse dele, você era o melhor. Então você
elege um modelo e todos tem que se alçar a esse modelo.

Era assim em quase todos as artes. Eles não se preocupavam com imitação. É tanto que, dos poetas
que imitaram Homero, qual vai ser o melhor? Virgílio? O que mais se parece com Homero? Ainda sendo
bastante original. Mas o que mais tem semelhanças com Homero? Na verdade, ele tem semelhanças
com vários autores gregos, inclusive, por exemplo, com Hesíodo. Quando a gente fala da Eneida e você
vai ter uma aproximação com a Ilíada e a Odisseia. Tanto que a Eneida é dividida em duas partes, em
que se fala a Eneida iliádica e a Eneida odisséica. Na primeira parte ele imita a Odisseia, na segunda
parte ele imita a ilíada. Veja só, o estilo é parecido com o estilo de Homero e tudo mais. Então, sempre
foi uma tônica. O que é que acontece com a chegada da modernidade? Não é que você vai tirar. "Ah
não, agora você não precisa imitar ninguém, seja original." Não, não é assim. Todo autor vai imitar um
outro. Por mais que ele diga "Ah, não imitei ninguém." Mentira.

Outra coisa, desconfiem de autores de literatura. São todos mentirosos. E são mesmo. Eles adoram
inventar uma história pra parecer melhores, pra dizer que são isso, que são aquilo. Adoram fazer isso.
Então você vai pegar Clarice Lispector e "ah, só escrevo quando estou inspirada". Ou "não, para mim
não tem nenhuma técnica, é só o meu fluxo", para cima de mim, sem técnica? Não me vem com essa,
Clarice. Eu gosto da Clarice, mas é claro que ela tá fazendo uma pose. Gabriel García Marquez, aquela
pose dele de "Ah, sou o homem aqui do povo, tal". Muito natural. Muito natural nada. Há 20 anos antes,
já pensava em escrever Cem Anos de Solidão. Aí, diz "Não, veio uma ideia na minha cabeça". Mentira,
não veio. Ele tava planejando esse tempo todo. Então eles gostam de enfeitar a história pra parecer que
eles são muito espontâneos. Mas no fim das contas não são . Tem alguns autores que são sinceros. Por
exemplo, Flaubert, que nas suas cartas exemplares, é muito sincero, dizendo "Olha, pra mim é uma
tortura, eu tenho que escrever todo dia, é muito difícil, eu tenho esse ideal e tô buscando esse ideal" que
se parece com o ideal da poética clássica e tudo mais. Ele vai dizer qual é o seu ideal, o que acontece
na modernidade?

Cada um vai escolher o seu ideal, cada um vai escolher o seu modelo. Antigamente era um modelo pra
todo mundo, então você tinha escola, inclusive sei lá, renascentista. Os alunos daquela escola tem que
seguir aquele modelo tem que reproduzir o modelo. Aula de pintura muitas vezes não é assim? Você tem
um modelo, tem um quadro cada um dos alunos vai ter que reproduzir esse quadro, que reproduzir esse
modelo. Muitas vezes você tem que reproduzir aquele estilo. Claro, isso ainda vai continuar, por
exemplo, até o parnasianismo, que tem um modelo de poesia, todo mundo vai ter que produzir dentro
desse modelo. Então a coisa do modelo sempre percorreu toda literatura, toda escrita. Tudo que você
quer escrever, tudo que você escrevia, até, sei lá, início do século XX, tinha um modelo. Digamos que no
século XVII, a coisa começou a se flexibilizar mais, ou seja, você não tem um modelo único pra todo
mundo. Eu já posso começar a escolher o meu modelo. "Ah, esse aqui eu não gosto, mas eu quero esse
daqui". Ou, então, vou unir diversos modelos. No século XX, isso aí se tornou, bem dizer, a regra.

Olha, cada um tem seu modelo, cada um segue o que quiser. A tônica do modernismo é "não tem
tônica". A gente faz o que a gente quer. Então você tem essa liberdade para escolher os seus modelos.
Sempre foi assim. O processo criativo é desse jeito. Você escolhe seus modelos e trabalha em cima
deles. Então é o seguinte. Como que você vai imitar esses autores, esses modelos que você escolheu?
Eu fiz essa proposta de você escrever uma lista com dez autores. Como que você vai imitá-los?
Primeiro, imitar o quê? O que é imitar? Quando a gente fala imitar, a gente está falando de imitar o estilo.
Mas o que é o estilo? O estilo é a forma como você escolhe e dispõe as palavras. Presta atenção nessa
definição. A forma como você escolhe e dispõe as palavras. Ou seja, as palavras, elas têm uma função
no texto. Existe até uma frase que eu gosto muito é que diz "não existe sinônimo". Cada palavra tem
uma função. Se existe um sinônimo para uma palavra, mas essa outra palavra que tem um significado
parecido é uma palavra maior ou que tem uma sonoridade diferente, ela tem que ser utilizada por algum
motivo.

Então, nesse sentido, o estilo é a forma como você escolhe e dispõe as palavras. Tem um exemplo que
eu sempre dou e todo aluno meu entende. Pegue aqui dois versos, aqui estamos falando de poesia. Dois
versinhos, duas estrofes, vamos colocar assim. Uma de Augusto dos Anjos, outra de Camões. A de
Camões é assim: "Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um
contentamento descontente, é dor que desatina sem doer". Isso é uma estrofe de um poema de
Camões. Tem alguma palavra aqui que alguém não conhece? Desatina, amor, fogo... São palavras que
todo mundo conhece. Não tem palavra difícil. E tem uma estrutura que ele repete. Veja só. Ele tem uma
estrutura que é muito simples. Ele faz uma afirmação. Então, é fogo, é isso, é aquilo, é aquilo outro, é
aquilo outro. Até no final ele vai reiterando afirmações que concordam com a primeira, que são metáforas
para a primeira. Então é um estilo muito simples, de palavras correntes, com repetição de forma em cada
verso.
Cada verso é uma afirmação, sempre começando com "é", "é isso", "é aquilo", "é isso", "é aquilo". Isso é
Camões, esse é o estilo de Camões. É o tipo de palavra que ele gosta, o tipo de estrutura que ele gosta.
Agora, Augusto dos Anjos, autor completamente diferente, que começa assim: Eu, filho do carbono e do
amoníaco,Monstro de escuridão e rutilância,Sofro, desde a epigênesis da infância,A influência má dos
signos do zodíaco

veja que beleza. Eu, quando li isso na adolescência, falei "Nossa, isso é demais!" Adolescente roqueiro.
"Nossa, Augusto dos Anjos, é demais". "Olha como esse cara é revoltado." Notou a diferença? Notou a
diferença dos versos? Os dois são sonetos, inclusive. As duas estrofes são completamente diferentes.
Um começa com "Amor é fogo que arde sem se ver". Palavra é simples, tranquila, uma afirmação
interessante, uma afirmação contraditória. O outro começa com "eu", vírgula, "filho do carbono e do
amoníaco". Camões nunca usaria carbono e amoníaco. "Monstro de escuridão e rutilância". Já não tem
aquela repetição do Camões. "Sofro, desde a epigênesis". Olha a palavra, "Epigênesis da infância à
influência amado e signos do zodíaco". Olha o verso seguinte: "Produndissimamente hipocondríaco"
então veja, enquanto o outro ele vai colocar "eu filho do carbono e do amoníaco", aqui ele só coloca duas
palavras "profundissimamente hipocondríaco" e ele preencheu o verso todo.

Isso é muito difícil de fazer também. Então esse é o estilo de Augusto dos Anjos. E aquele é o estilo de
Camões. O estilo de Camões mais simples, rebuscado sim, mas mais simples, com repetições, com
afirmações metafóricas e aparentemente contraditórias, com belas imagens, um tanto melancólico,
talvez, um tanto tendente mais ao choro, à tristeza. Augusto dos Anjos, um tom de revolta, utilizando
palavras de caráter cientificista, ou seja, hipocondríaco, carbono, amoníaco, epigênesis, são tipos de
palavras que Camões não utilizaria, numa ordem que Camões também não fazia. Então perceba, isso é
estilo. É a forma como você escolhe as palavras e eles dispõe no texto. Machado de Assis dispõe o texto
de uma maneira diferente, por exemplo, de Dalton Trevisan. Você pega, por exemplo, Eça de Queiroz.
Ele vai descrever uma sala. Pode preparar aqui as três páginas. Pode escrever uma sala. Tem uma
cena, no Primo Basílio, em que ele vai descrever uma estátua. E ele passa um tempão descrevendo
aquela estátua e tudo mais e todos os detalhes dessa estátua e etc. Agora vai no Ernest Hemingway. Ele
olha pra montanha e diz "era uma montanha muito grande e a ponta dela atingia as nuvens e branca
porque era coberta de neve".

Pronto. Essa é a descrição. Imagina se fosse Tolkien descrevendo essa montanha? Prepare mais três
páginas. Por que? Tolkien, por exemplo, era muito chato com as palavras específicas. Istmo, é Istmo.
Ilha, é Ilha. Arquipélago, é Arquipélago. Quando eles estão ali dentro da montanha enfrentando os Orcs,
que as batidas dos tambores faziam "dum, dum, dum, dum". Ele escreve esse som "dum" e se você lê
em inglês "doom" significa perdição. Ao mesmo tempo que é o barulho do tambor, "doom" batendo, a
palavra significa perdição. Então ele gosta de um trocadilho. Existem autores que põem, por exemplo,
palavrões nas suas obras. Gírias! Então, Salinger coloca gírias. Tem autores que põem palavrões,
também. Sei lá, Bukowski, é uma coisa muito mais simples, que coloca palavrões nas obras. Tem
autores que são muito mais formais, tipo Machado, mas não é um formalismo que pende praquela coisa
extremamente rebuscada, que fica até chata, do Vitor Hugo, que é muito exagerado. Então você precisa
ler o autor entendendo porque ele escolheu essa palavra? Por que ele está narrando desse jeito?

Então, Hemingway usa frases curtas. Graciliano Ramos utiliza frases curtas. Por exemplo, Graciliano
Ramos não gostava de adjetivos. Não utilizava muitos. Vitor Hugo, por sua vez, é adjetivo para tudo que
é lado. Então você tem que ler tentando pensar o seguinte: por que o autor escolheu essa palavra? Por
que ele utilizou esse conjunto de palavras? Por que o parágrafo dele é muito grande? Por que o
parágrafo dele é pequeno? Por que ele utiliza poucos diálogos? Ou por que ele utiliza muitos diálogos?
Por que ele optou por essa palavra e não por outra? Tudo isso foi pensado em qual livro for. Os livros
passam pelo autor, às vezes passam pela mulher do autor, passam pelos amigos do autor. E aí vai para
o editor, que revisa, e ainda passa por mais outros dois revisores. E se o autor é como, por exemplo,
Cyro dos Anjos, que reescreve o seu livro diversas vezes, o Octavio de Faria, que reescreveu seus livros
diversas vezes. Ele ainda revisou mais e mais vezes depois de publicado, para publicar outras versões.
Então veja, sempre tem uma coisa assim. O autor pensou muito naquelas palavras. O estilo, pessoal, é
você entender o timbre do autor.

O timbre do autor. Sabe aquelas bandas que a gente gosta, que se toca 10 segundos da música, você já
sabe que é a banda que está tocando. Por exemplo, eu gosto de Beatles, mas não conheço todas as
músicas do Beatles. Mas se toca Beatles por 30 segundos eu falo " Caar, é Beatles, ou alguém que imita
muito bem". Tem banda que não, é tudo mais ou menos a mesma coisa. Cantora pop de hoje em dia,
pra mim é tudo mais ou menos a mesma coisa. Eu não sei a diferença. Entendeu? Pra mim, tocou, sei lá
o que é. Mas toca Beatles, eu sei. Ah não, isso aqui é Beatles. Isso aqui é muito característico deles. É
muito peculiar. A voz dele está ali muito presente. Então por que? O que eles fizeram pra isso? Na
escrita é mais ou menos a mesma coisa. Você tem que entender o modo como aquele autor escolhe e
dispõe as palavras. Por que ele utiliza vocabulário mais rebuscado ou por que ele quer fazer uma coisa
muito simples. Se ele utiliza gíria, se ele utiliza palavrão, se ele usa muito diálogo, se ele usa pouco
diálogo.

Como ele descreve as paisagens, se ele utiliza ponte vírgula, se ele utiliza travessão, se ele utiliza
aspas, você tem que pensar, entender o autor. Existe um exercício que eu sempre proponho aos meus
alunos que consiste na imitação de um desses dez autores que você listou. Na verdade você pode fazer
com todos eles, mas você vai fazendo com um de cada vez. Então pensa o seguinte. "Ah, eu gosto muito
do Machado de Assis, então deixa eu tentar imitar o Machado de Assis. No seguinte sentido, eu vou
tentar captar o timbre do Machado de Assis. Escutar o ouvido. Pensa na voz do autor. Quando você lê
Machado de Assis, você escuta uma certa voz. Você lê o seu texto, você escuta a sua voz. Mas imitar é
ler no seu texto a voz do autor. De machado. Nossa, parece que foi machado que escreveu. Ou é muito
parecido com dar o conto de machado. É igualzinho ao que machado fez. Ou se parece bastante. Ou é
uma tentativa de imitação do machado. Que você reconheça só de ouvir. Sabe aquelas pessoas que tem
uma voz muito parecida e que você confunde? Esse é o objetivo do seu exercício. Escutar o timbre do
Machado, o timbre daquele autor que você escolheu dentro do seu texto.
Pra isso você tem que observar o estilo muito bem. Ou seja, qual tipo de palavra que ele utiliza, se é
mais rebuscado, se tem muito adjetivo, se tem pouco adjetivo, se são frases mais curtas, frases mais
longas, que tipo de história ele gosta de contar, se tem muito diálogo, se tem pouco diálogo, se tem
palavrão, se tem gíria, se faz registro de oralidade, como por exemplo em José Lins do Rego, em Raquel
de Queiroz, se é mais conciso, se gosta de ser mais grandiloquente. Como é que é esse autor? Então
você vai tentar ler o autor com uma pinça, palavra por palavra, e a partir dessa compreensão você tenta
imitá-lo, tenta fazer igualzinho a ele. Então escreve um conto que é um exercício. No fim desse conto
você não precisa publicar, mas é um exercício para que você treine a sua capacidade linguística, porque
a partir daí você vai adquirindo as ferramentas linguísticas do autor que você está escrevendo. Do autor
com o qual você está imitando o texto. Então, imitar para adquirir capacidade linguística. Eu gostaria de
mostrar um pequeno exemplo aqui de um exercício que eu fiz, que é um conto meu, que foi publicado na
revista Unamuno, e vai ser o primeiro conto do meu livro que sairá no ano 2024, que se chama "Nunca
mais será domingo", o nome do livro.

E o nome desse conto é "O Doente". O título, inclusive, tem um propósito, que é imitar Kafka. Desde o
título eu quis imitar Kafka. Porque Kafka escreve histórias de cunho absurdo dentro de um cotidiano.
Então, um cacheiro viajante acorda e ele está metamorfoseado numa barata. Só que ele tem que ir para
o trabalho. O processo. O indivíduo acorda e tem três oficiais de justiça na porta dele dizendo que ele
está sendo processado e ele tem que se defender no tribunal. Sendo que ele não fez nada e não existe
nenhum crime e ninguém fala pra ele qual é o crime. Então assim, ele gosta de brincar com o absurdo
dentro do cotidiano. E eu pensei, no tempo da pandemia, em brincar com o absurdo dentro desse
cotidiano. Qual era o cotidiano? Todo esse cotidiano de pandemia, de uso de máscara, de restrição, de
você não poder sair e de não dever sair nem nada e não ter dificuldade para comprar, muitas vezes, fica
mais recluso. E eu pensei numa história que imitasse a história do processo. Do processo e da
metamorfose, ou seja, o indivíduo desperta num dia comum, mas tem algo errado, tem algo absurdo.

E qual é a semelhança? Tanto na metamorfose quanto no processo, o personagem acorda, ele vê o


absurdo, mas ele tenta seguir o seu dia normalmente, como se o absurdo não existisse. Então eu tentei
criar uma história semelhante, só que com uma pandemia. Para isso eu tive que imitar o estilo do Kafka.
Ou seja, eu tenho que fazer soar o meu texto parecido com o dele. Então, escrevi assim, nesse meu
conto, o Doente. (AQUI È O TRECHO DO CONTO)

Então, veja certa semelhança com o inicio de Kafka.

Então veja como é parecido primeiro na estrutura. Começa ali com esse cotidiano sendo quebrado, o
cara acordou, tem algo errado na vizinhança.

Então entra um homem e automaticamente o que acontece? É um homem esquisito, mas o narrador
descreve perfeitamente. Esbelto, aspecto robusto, recém-chegado e tudo mais. "O recém-chegado
envergava um fato escuro e justo, cheio de rugas, cinto, botões, bolsas, fivelas". É exatamente o que eu
faço ali. Então entram os homens e aí eu começo a descrevê-los. "vestidos com um grossosmacacões
amarelos, botas pretas e luvas verdes; usavam também máscaras deproteção brancas, "
Ou seja, eu fui empilhando descrições pra imitar o Kafka, que é exatamente isso que ele faz. E no início
do meu conto, inciei assim (AQUI O INICIO DO CONTO) da metamorfose, aí a coisa fica ainda mais
parecida, porque no início do meu conto, eu iniciei assim... E vinha do lado de fora do seu apartamento.
Na metamorfose, Kafka começa assim...

E veja só que interessante, eu utilizei a mesma estrutura nos parágrafos. Eu inicio com essa certa manhã
e tudo mais, vai uma tensão crescente que deságua num diálogo. O meu é "Departamento de Saúde
Pública", o de cáfrica O que aconteceu comigo? Então, assim, foram essas estruturas, algumas formas
de narrar, por exemplo, que pra muita gente poderia ser um excesso de vírgula, né? Por exemplo,
quando eu coloco um roupão longo e azul e, antes que chegasse à porta..." pelo menos na sua tradução
ele faz isso. Então eu tentei reproduzir o estilo de Kafka, claro, em língua portuguesa, numa história
parecida, que tinha um clima em comum, esse clima de tensão, de angústia, de supressão do indivíduo a
um poder maior, imitando expressões, o estilo, as palavras, as frases, as vírgulas, para tentar soar como
o káfka. Tanto que quem lê o káfka e lê esse conto fala "ah, ele está imitando o káfka, está parecido com
o káfka". Então, por que eu dei esse meu exemplo, pessoal? Não é para me vangloriar dizendo que eu
sou o grande cultista e que fiz coisas maravilhosas, não. É pra mostrar "Olha, olha o que eu faço. Esse é
o exercício que eu faço.

Quando eu quero treinar minha escrita, é mais ou menos assim que eu procedo e é o que eu recomendo
que vocês também façam, porque vocês vão ser muito bem sucedidos nisso. Então, se você quer uma
proposta aqui de exercício para melhorar o seu estilo, pegue aquela lista de 10 autores e comece a fazer
essa imitação, um por um, um por um. E aí, você vai começar finalmente a treinar o estilo e adquirir
ferramentas linguísticas para reproduzir aquelas formas de história que a gente havia conversado.
Beleza? Então é isso. Um abraço, tchau tchau e até a próxima aula.

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