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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS ARAPIRACA

UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

MARIA TAIANA SIQUEIRA FERRO

A ESQUIZOFRENIA À LUZ DA PSICOLOGIA ANALÍTICA:

uma análise do filme cisne negro

Palmeira dos Índios

2023
MARIA TAIANA SIQUEIRA FERRO

A ESQUIZOFRENIA À LUZ DA PSICOLOGIA ANALÍTICA:

uma análise do filme cisne negro

Trabalho de Conclusão apresentado ao curso


de Psicologia da Universidade Federal de
Alagoas/Unidade Educacional Palmeira dos
Índios, como requisito parcial para obtenção
do grau de Formação de Psicologia.

Orientadora: Profª Drª Flávia Regina Guedes


Ribeiro

Palmeira dos Índios

2023
Universidade Federal de Alagoas – UFAL

Campus Arapiraca

Unidade Educacional Palmeira dos Índios

Biblioteca Setorial Palmeira dos Índios - BSPI

F395e Ferro, Maria Taiana Siqueira


A esquizofrenia à luz da psicologia analítica: uma análise do filme cisne negro / Maria
Taiana Siqueira Ferro. – Palmeira dos Índios, 2023.
79 f.

Orientadora: Prof. Dra. Flávia Regina Guedes Ribeiro.


Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Psicologia) - Universidade Federal de
Alagoas, Campus Arapiraca, Unidade Educacional Palmeira dos Índios, Palmeira dos Índios,
2022.
Disponível em: Universidade Digital (UD) – UFAL (Campus Arapiraca).
Referências: f. 77 - 79.

1. Psicologia. 2. Esquizofrenia. 3. Psicologia junguiana. I. Ribeiro, Flávia Regina Guedes.


II. Título.
CDU 159.9

Bibliotecária responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza

CRB - 4 / 1844
MARIA TAIANA SIQUEIRA FERRO

A ESQUIZOFRENIA À LUZ DA PSICOLOGIA ANALÍTICA:

uma análise do filme cisne negro

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Federal de


Alagoas/Unidade Educacional Palmeira dos Índios, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Formação em Psicologia e aprovado em 01 de dezembro de 2022.

Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS

Venho por meio deste, externar minha alegria em ter produzido este Trabalho de
Conclusão de Curso com a ajuda da minha orientadora Profa. Flávia Regina. Todo o processo
da graduação foi árduo e cheio de desafios, tanto academicamente, quanto pessoalmente.
Apesar disso, tive uma rede de apoio muito grande e repleta de pessoas incríveis, e é por isso
que decidi escrever estes agradecimentos, pois sem elas, nada disso seria possível.
Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus por seus direcionamentos em minha vida.
Segundo, sou grata aos meus pais, Tadeu e Ana, por todos os esforços que fizeram para que
eu realizasse os meus sonhos. Ao meu pai, tenho gratidão eterna, pois ele sempre me aplaudiu
em toda a minha trajetória desde meu nascimento e durante a graduação não seria diferente,
ele esteve ao meu lado em todos os momentos, me dando força e motivação para continuar. À
minha mãe, agradeço imensamente por ter cuidado de minha filha para que eu pudesse estudar
todos os dias e me dedicar ao máximo na produção deste TCC, se não fosse ela, eu não teria
conseguido concluir o curso e nem este trabalho ao final do 10° período.
Agradeço também à minha filha Heloísa, que nasceu quando eu estava na metade da
graduação, pois ela me mostrou que eu tenho mais força e persistência do que eu imaginava
para enfrentar os obstáculos da vida. Ser mãe e estudante não é fácil, mas isto fez com que eu
me dedicasse ainda mais para dar um futuro para minha filha. Talvez, sem ela, eu não tivesse
conseguido.
Agradeço às minhas amigas de graduação, Roberta, Vanessa, Millena e Maria de
Fátima por me apoiaram em todas as circunstâncias, elas foram meu grupo para os trabalhos e
são parceiras de vida! Agradeço a minha amiga Jária que surgiu, como ela mesma fala, como
uma surpresa, pois ficamos próximas após o início do estágio na Defensoria Pública de
Palmeira dos Índios. Ela acompanhou todo o processo de escrita do meu TCC, escutou meus
anseios e me encorajou a não desistir. Outra amiga que merece meus agradecimentos é Salete,
que está comigo em todos os momentos de minha vida desde o ensino médio, sendo meu
consolo em qualquer situação e me aplaudindo, mesmo de longe.
Sou imensamente grata a todos os meus professores e supervisores por todo o
conhecimento transmitido para meu aprendizado, mas em especial, a três. Primeiramente, à
minha orientadora Flávia Regina, que dedicou parte de seu tempo para orientações e
correções. Uma mulher incrível que me ensinou como ser uma profissional humana e ética.
Entretanto, foi além, sem nem imaginar, pois me ajudou em meu autoconhecimento através
do curso de meditação ministrado por ela na UFAL. Por isso, comecei a gostar da teoria
Junguiana e decidi embasar meu TCC a partir dessa base teórica.
Outra mulher admirável é a professora Caroline Padilha. Ela me mostrou que o
profissional da Psicologia pode atuar na área da saúde mental a partir de uma lógica contrária
a da patologização, considerando cada ser humano em sua totalidade, especificidade e
concepção de mundo. Por tal fato, comecei a me interessar por esta área de atuação tão
desafiadora e cheia de possibilidades e o tema escolhido para meu TCC está relacionado a
uma psicopatologia, a esquizofrenia.
Sou imensamente grata ao meu supervisor de estágio do CAPS AD, Marcos Leandro.
Ele, mais do que ninguém me mostrou a importância de estudar continuamente, da atuação a
partir do embasamento teórico, mas principalmente, aprendi com ele como atuar na prática
dentro do campo da saúde mental. Além disso, agradeço pelas árduas correções dos relatórios
de estágio que eu produzia, isso me ajudou na melhoria da minha escrita para o TCC.
Agradeço pelos direcionamentos tanto profissionais, como pessoais.
Por fim, agradeço a mim mesma por insistir, persistir e não desistir da graduação e de
cada processo para sua conclusão, principalmente o TCC que me empenhei por meses de
pesquisa para produzi-lo.
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar os sintomas da esquizofrenia apresentados pela
personagem principal do filme intitulado Cisne Negro (2010) sob a perspectiva junguiana. Este conta a
história de uma bailarina, denominada Nina, que a partir do contexto no qual está inserida desenvolve
sintomas psicóticos, típicos da esquizofrenia. Nina é uma personagem fictícia, não se pretende, neste
trabalho de pesquisa, elaborar um diagnóstico psicopatológico ou tratar a personagem como uma
paciente, mas sim analisar as manifestações dos sintomas psicóticos apresentados por ela, durante a
narrativa do filme em tela. Tal análise está baseada nos conceitos e perspectivas da Psicologia
Analítica, teoria fundada por Carl Gustav Jung. Este autor contribuiu muito no entendimento das
psicopatologias e, principalmente, na compreensão do ser humano como um todo e, também, defendeu
uma atuação terapêutica diferente da lógica da medicalização para pessoas que apresentam transtornos
mentais. Assim, o foco desta compreensão são os conteúdos inconscientes, principalmente os ligados
às psicoses, que desdobram os fenômenos humanos desde o início dos tempos através da
decomposição e descrição das cenas do filme “Cisne Negro” (2010) e posterior análise. Isto fez chegar
à conclusão de que a manifestação de uma psicopatologia está atrelada a fatores biológicos,
psicológicos e sociais e, segundo a Psicologia Analítica, à ausência do processo de individuação o qual
leva à totalidade psíquica.

Palavras-Chave: Cisne negro; esquizofrenia; psicologia analítica; Jung.


ABSTRACT

The present work aims to analyze the symptoms of schizophrenia presented by the main character of
the film entitled Black Swan (2010) from the Jungian perspectiv. It tells the story of a ballerina named
Nina, who develops psychotic symptoms, typical of schizophenia, from the contetxt in which she is
inserted. Nina is a fictional character, it is not intended, in this research work, to elaborate a
psychopathological diagnosis or to treat tha character as a patient, but rather to analyze tha
manifestations of the psychotic symptoms presnted by her, during the narrativa of the filme on screen.
Such na analysis is based on the concepts and perspectives of Analytical Psychology, a theory founded
by Carl Gustav Jung. This author contributed a lot to the understanding of the humen being as a whole,
and also defended a therapeutic approach different from the logic of medicalization for peoplo with
mental disorders. Thus, the focus of this understanding is the unconscious contentes, mainly those
related to psychoses, which unfold human phenomena since tha beginning of time through the
decomposition and description of scenes from the movie Black Swan (2010) and subsequente analysis.
This led to the manifestation of psycopathology is linked to biological, psychological and social
factors and, according to Analytical Psychology, to the absence of the individuation process which
leads to psychic totality.

Keywords: Black swan; schizophrenia; analytical psychology; Jung.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8
2 CONTEXTUALIZANDO A ESQUIZOFRENIA: SURGIMENTO DO 11
CONCEITO, COMPREENSÕES AO LONGO DA HISTÓRIA E
ATUALIZAÇÕES
2.1 Significado do Conceito da Esquizofrenia no Contexto Contemporâneo 11
2.2 Histórico do Surgimento do Conceito de Esquizofrenia 12
2.3 As pesquisas e as Compreensões Atuais sobre a Esquizofrenia, suas Causas, 15
Manifestações e Tratamento
3 COMPREENSÃO DA ESQUIZOFENIA COM BASE NA PSICOLOGIA 27
ANALÍTICA
4 CONCEITOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA 37
4.1 Arquétipos 38
4.2 Complexos 39
4.3 O Modelo Psíquico de Jung 42
4.4 Persona 43
4.5 Sombra 44
4.6 Anima e Animus 44
4.7 O Processo de Individuação 46
4.8 Modelo Psicoterápico Junguiano 48
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 51
6 O CONTEXTO DA HISTÓRIA “CISNE NEGRO” (2010) 54
7 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO FILME CISNE NEGRO (2010) 56
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 75
REFERÊNCIAS 77
8

1 INTRODUÇÃO

Este Trabalho de Conclusão de Curso tem por finalidade analisar os sintomas da


esquizofrenia apresentados pela personagem principal do filme intitulado Cisne Negro sob a
perspectiva junguiana. Este longa metragem foi lançado no ano de 2010, tem a duração de
1h43min e foi dirigido por Darren Aranofsky.
O filme conta a história de uma bailarina chamada Nina Sayers, interpretada por
Natalie Portman que sempre teve o sonho de ser a artista principal da companhia de balé na
qual trabalhava. Por tal fato, era muito detalhista em seus ensaios, pois queria ser perfeita. No
desenrolar do filme, ela desenvolve sintomas psicóticos que vão se agravando cada vez mais,
e ao final, Nina acaba se ferindo fatalmente devido às suas alucinações e delírios.
A personagem principal tinha problemas de relação com sua mãe, interpretada por
Barbara Hershey, que a tratava como uma criança. Além disso, Nina era assediada
sexualmente e muito pressionada pelo diretor artístico da companhia de balé, pois ela havia
sido escolhida por ele para interpretar a rainha cisne de “O lago dos cisnes”. Nina ainda fica
desnorteada por causa da suposta concorrência com suas colegas de trabalho, em especial com
Lilly (Mila Kunis). Com todos esses impasses, a organização psíquica da personagem não
consegue lidar com tudo o que está ocorrendo em sua vida e Nina desenvolve sintomas
psicóticos que, posteriormente, serão aqui expostos e analisados.
É importante enfatizar que, segundo Hall e Nodby (2021), o interesse sobre a
Psicologia analítica vem aumentando cada vez mais na era contemporânea, principalmente
pelos psicólogos(as) recém formados(as), estudantes e até mesmo leigos(as), apesar da escrita
muito rebuscada de Jung, produto da época em que este estudioso viveu. Estes dois autores
enfatizam a importância das produções do fundador da Psicologia Analítica, pois ele foi um
dos pensadores mais inovadores da era moderna, estudando o inconsciente humano, tanto o
pessoal, quanto o coletivo, assim como os sonhos, arquétipos, símbolos e mitos produzidos
pela humanidade desde o início dos tempos.
Carl Gustav Jung foi médico e se especializou em Psiquiatria. A partir de seus estudos,
fascinou-se pela psique humana e começou a estudá-la, criando assim, sua própria teoria, a
qual ajuda a compreender o funcionamento psíquico humano e enfatiza a importância do
inconsciente (que muitas vezes é deixado de lado por não ser algo palpável ou mensurável)
para entender comportamentos, personalidades e psicopatologias (JUNG; JAFFÉ, 2021).
Falando mais especificamente sobre psicopatologia, Jung destacou a importância das
imagens e símbolos para o tratamento de transtornos mentais, inclusive da psicose. Este
9

estudioso contribuiu para a compreensão deste tema e destacou a relevância da compreensão


do desenrolar da psicose de forma individual, pois, para ele, cada sujeito é singular, e por isso
a compreensão da manifestação da psicopatologia também deve ser. Além disso, Jung
quebrou estigmas e retirou o foco da compreensão da esquizofrenia como uma doença
totalmente incurável e prejudicial em potencial, pois trouxe a possibilidade de cura e evolução
no tratamento de sujeitos com este diagnóstico (ROCHA, 2011).
Essa pesquisa, portanto, foi instigada pelo interesse em estudar o desenrolar da psicose
a partir de um enredo, mesmo que cinematográfico, o qual demonstra a história da
personagem e a sequência dos sintomas, assim como os motivos pelos quais eles surgem. Isto
facilita o estudo e a compreensão da psicose a partir da Psicologia Analítica.
Segundo Rocha (2011), há incertezas em relação à origem da esquizofrenia, pois
existem muitas teorias que defendem perspectivas distintas entre si. Tal fato faz com que a
compreensão desta psicopatologia se torne complexa e muitas vezes inconclusiva. Estudá-la a
partir da Psicologia Analítica é uma forma de procurar entender melhor os processos
desencadeantes e sintomáticos. Isto propicia uma prática profissional comprometida com o
bem estar dos sujeitos e embasada em pressupostos éticos e teóricos os quais geram resultados
positivos. Desse modo, a teoria Junguiana tem condições de contribuir no tratamento de
psicopatologias, pois propicia a busca pela totalidade humana que é o equilíbrio entre os
conteúdos inconscientes e conscientes da psique (JUNG et al, 2021).
A “loucura” é um tema existente há séculos e é possível perceber que sua história
passou por vários estágios: “[...] que vão desde a confusão de situar a loucura como de origem
demoníaca, como problema da alma, de caráter, moral e como pecado, até, após fazer um
longo percurso, situá-la como de origem biológica, que necessitava de cuidados médicos.”
(ROCHA, 2011, p. 15).
Desse modo, a compreensão das psicopatologias pela sociedade até os dias atuais é de
que os sujeitos que apresentam transtorno mental são perigosos ou incapazes de exercer
qualquer tipo de atividade, sendo assim, isolados do convívio social. Por tal fato, a partir de
todo esse isolamento (lógica advinda dos hospitais psiquiátricos), muitos indivíduos acabam
não tendo a oportunidade de viver com qualidade e assim, a manifestação dos sintomas fica
cada vez mais intensa (TENÓRIO, 2002).
Estudar a esquizofrenia a partir da Psicologia Analítica é uma forma de contribuir com
o acesso à Saúde Mental, pois o próprio Jung atendia pessoas de todas as classes sociais e,
além disso, proporciona que a compreensão desta psicopatologia mude progressivamente,
10

pois a compreensão Junguiana prega que cada um é singular, como enfatizado anteriormente.
A prática terapêutica, nesta perspectiva, permite formas de expressão através da pintura, do
desenho, da música, da escultura, da arte no geral as quais propiciam autonomia e
demonstram o que o inconsciente está expressando. Assim, as pessoas com estas condições
podem integrar esses conteúdos inconscientes em seu cotidiano e terem uma melhor qualidade
de vida.
Por fim, a autonomia gerada nos pacientes psiquiátricos a partir da expressão, através
do trabalho embasado na Psicologia Junguiana, ajuda na quebra de estigmas relacionados à
“loucura”, pois: “Na loucura, a esquizofrenia é o maior expoente quando comparada a outras
patologias psiquiátricas, porque comumente ao se pensar em louco com delírios e alucinações,
são dos esquizofrênicos que estão falando.” (ROCHA, 2011, p. 20).
Destarte, a sociedade ao perceber que os indivíduos considerados “loucos” possuem
sua forma singular de vida e que podem e tem o direito de se expressar e fazer atividades pode
mudar seu pensamento, mesmo que de forma lenta em relação às psicopatologias em geral e
principalmente à esquizofrenia.
Estudar a esquizofrenia a partir das produções de Carl Gustav Jung, portanto é uma
forma de contribuir cientificamente no tratamento e na melhoria da qualidade de vida dos
indivíduos que apresentam esta condição. Assim como, a partir de seus resultados, mostra a
sociedade que as pessoas que apresentam esses sintomas estão expressando uma forma de ser
e estar no mundo e que isto não impede a construção da autonomia.
11

2 CONTEXTUALIZANDO A ESQUIZOFRENIA: SURGIMENTO DO CONCEITO,


COMPREENSÕES AO LONGO DA HISTÓRIA E ATUALIZAÇÕES

Este capítulo tem como objetivo apresentar a esquizofrenia, um tema investigado com
profundidade desde as primeiras identificações dos sintomas característicos desta forma de
existência humana, como as denominações de idiotia por John Aslam, demência precoce por
Benedict Morel, as identificações dos sintomas por categorias como a hebefrênica, catatônica
e paranoide por Emil Kraepelin, e a designação do conceito de esquizofrenia por Eugene
Bleuler, até as concepções dos dias atuais (DALGALARRONDO, 2019) Assim, serão
explanados o significado e o surgimento do conceito, os estudos realizados por pesquisadores
da esquizofrenia, as descobertas sobre a manifestação deste transtorno mental, as
compreensões atuais e o tratamento.

2.1 Significado do Conceito da Esquizofrenia no Contexto Contemporâneo

A esquizofrenia, segundo Dalgalarrondo (2019), é uma síndrome psicótica complexa


caracterizada por delírios e alucinações, que para Barlow e Durand (2015) modifica a vida e o
cotidiano tanto dos sujeitos nos quais ela se manifesta, quanto das pessoas de suas
convivências. Segundo Padín (2012) tal psicopatologia suscita o rompimento do indivíduo
com a “realidade concreta e material”, e isto tem como consequência vivências e experiências
a partir de alterações da sensopercepção, do juízo, do pensamento, da fala, da motricidade e
da interação com o mundo.
A definição de psicopatologia em questão, para Dalgalarrondo (2019, p. 387), é
crônica na maioria dos casos. O autor expõe que a partir dela podem acontecer “[...] surtos
recorrentes; não há, de modo geral, remissão completa depois dos surtos”. Além disso, este
estudioso explica que isto tem consequências como menores possibilidades de entrada no
mercado de trabalho e consequente dependência financeira, e ainda há a probabilidade alta de
isolamento social, prisão e mendicância. Dessa forma, as pessoas que apresentam esta
condição de vida, por não responderem as expectativas da sociedade do que é considerado
normal e aceitável, acabam sendo estigmatizadas, sofrendo assim preconceitos e
discriminação (BARLOW; DURAND, 2015).
Segundo Jablensky (2012 apud BARLOW; DURAND, 2015) a esquizofrenia é
manifestada de modo equivalente entre os sexos feminino e masculino e, estatisticamente
12

falando, alcança entre 0,2% e 1,5% da população mundial. Dessa forma, tal transtorno mental
atinge cerca de 1% das pessoas em geral. Além disso, Dalgalarrondo (2019) considera que,
mundialmente, novos casos desta psicopatologia surgem anualmente. Em relação à
expectativa de vida, Jablensky (2012 apud BARLOW; DURAND, 2015) enfatiza que é
abaixo da média, devido ao índice elevado de morte por suicídio e acidentes entre indivíduos
em que essa psicopatologia se manifesta.
A ocorrência do aparecimento da esquizofrenia diminui para os homens com o avanço
da vida, entretanto, pode ser externado até os 75 anos de idade. Já para as mulheres, a sua
frequência de manifestação é menor do que no sexo masculino até os 36 anos de idade.
Contudo, a população feminina pode ser mais atingida no fim da vida (JABLENSKY, 2012,
apud BARLOW; DURAND, 2015). Ademais, é importante enfatizar sobre o prognóstico para
mulheres ser mais positivo em relação ao sexo oposto (BARLOW; DURAND, 2015).
Dalgalarrondo (2019) aponta sobre o surgimento dos sintomas psicóticos da
esquizofrenia que aparecem com mais frequência na fase da adolescência ou início da vida
adulta, e geralmente estes são apresentados em homens mais cedo do que em mulheres.
Apesar de a maioria dos casos de esquizofrenia se desenvolver nestas fases, Murray e Castle
(2012 apud BARLOW; DURAND, 2015) apontam que alguns sintomas podem se apresentar
ainda na infância apesar de haver a possibilidade de ser a manifestação de algum
funcionamento neurológico atípico.

2.2 Histórico do Surgimento do Conceito de Esquizofrenia

Após a exposição dos dados mencionados acima, para entender como a esquizofrenia
é explicada na atualidade, é importante rememorar o passado no qual o conceito desta
psicopatologia surgiu. Padín (2012) enfatiza sobre o conceito de esquizofrenia ter passado por
mudanças ao longo do tempo, ou seja, houve e ainda há formas distintas de se referir a este
transtorno mental.
Segundo Barlow e Durand (2015), entre os anos de 1801 e 1809, Philippe Pinel
descrevia casos os quais denominava de idiotia. John Aslam, também em 1809, delineava
sintomas desta psicopatologia. Já em 1852, Benedict Morel 1definiu a esquizofrenia como

1
Segundo o site Rede Psi, Benedict Morel (1809- 1873) foi um psiquiatra franco-austriaco que contribuiu com
os estudos sobre transtornos mentais e foi médico chefe no asilo de Saint-Yon (Seine- Inférieure). Além disso,
foi um dos pioneiros da medicina legal na França e proporcionou um curso teórico e clínicoo sobre doenças
mentais no ano de 1851. Esse trabalho foi publicado entre os anos de 1852 e 1853.
13

demência precoce pelo fato de os sintomas aparecerem na adolescência. Este médico


explicava a psicopatologia como uma perda prematura da mente (BARLOW; DURAND,
2015).
No fim do século XIX, entre 1898 e 1899, Barlow e Durand (2015) expõem que Emil
2
Kraeplin estudou as concepções de seus antecessores sobre o tema, observou os sintomas
deste transtorno mental e assim “unificou as categorias distintas de esquizofrenia
(herbefrênica, catatônica e paranoide) sob o nome de dementia praecox” (BARLOW;
DURAND, 2015, p. 496, grifo do autor). Apesar de ter sido Benedict Morel o primeiro a fazer
esta denominação, foi com Kraeplin que houve a popularização do termo.
Emil Kraeplin também havia observado que os sintomas dessa psicopatologia surgiam
na adolescência ou início da fase adulta e por isso causavam uma “fraqueza mental”. Para este
estudioso tal condição de vida evoluía de forma crônica e causava alterações nas funções
mentais e consequente mudança de comportamento (PALMEIRA; GERALDES; BEZERRA,
2009).
Além disso, Kraepelin, em 1898, diferenciou a então chamada dementia praecox da
“doença maníaco depressiva”, hoje denominada de transtorno bipolar. Para o autor, a maioria
dos casos de “demência precoce” tinha início na juventude e o prognóstico era negativo,
entretanto, na “doença maníaco depressiva” os resultados a partir de um acompanhamento
poderiam ser mais positivos (BARLOW; DURAND, 2015).
A visão sobre o transtorno na época desta distinção era a seguinte:

Alterações da vontade (perda do elã vital 3, negativismo); aplainamento até


embotamento afetivo; alterações da atenção e da compreensão, transtorno do
pensamento no sentido de associações frouxas; alterações do juízo, da avaliação
da realidade; alucinações, especialmente auditivas; vivências de influência sobre
o pensamento; evolução deteriorante (83% dos casos) no sentido de
embotamento geral da personalidade (DALGALARRONDO, 2019, p. 381).

2
Segundo o dicionário virtual Infopédia, elaborado pela Porto Editora, Emil Kraepelin (1886-1926) foi um
psiquiatra alemão o qual deixou contribuições significativas para o estudo de psicopatologias. Em 1881,
publicou um estudo sobre a influência das doenças infecciosas na manifestação de transtornos mentais; em 1883,
publicou o Compedium der Psychiatric no qual descreveu a nosologia e a classificação de psicopatologias; além
disso, este autor distinguiu as características e variações da esquizofrenia.
3
Elã vital é um conceito filosófico enfatizado por Henri Bergson, o qual corresponde à capacidade do ser
humano de adaptação às situações que surgem ao longo da vida (SILVA, 2006, p.01).
14

O termo esquizofrenia segundo Barlow e Durand (2015), foi cunhado por Eugen
4
Bleuler , no ano de 1908. Tal palavra significa “mente fendida ou desagregada”. Bleuler
acreditava na existência de cismas mentais. Isto modificou a ideia de que esta psicopatologia
surgisse de forma precoce sempre e que em todos os casos evolui cronicamente. Para este
estudioso, a esquizofrenia poderia estacionar em uma de suas fases, ou até mesmo os sintomas
diminuírem (PALMEIRA; GERALDES; BEZERRA, 2009).
As concepções de Bleuler sobre a esquizofrenia foram:

Alterações formais do pensamento, no sentido de afrouxamento até perda das


associações; aplainamento até embotamento afetivo; ambivalência afetiva; afetos
contraditórios vivenciados intensamente ao mesmo tempo; “autismo”, como
tendência a isolamento psíquico global em relação ao mundo; Dissociação
ideoafetiva, desarmonia profunda entre ideias e afetos; evolução muito
heterogênea; muitos casos podem apresentar evolução benigna
(DALGALARRONDO, 2019, p. 381).

Um tempo após, no início da década de 1910, Karl Jaspers 5 deu sua contribuição do
que seria esta psicopatologia:

Ideias delirantes primárias, não compreensíveis psicologicamente; humor


delirante precede o delírio; alucinações verdadeiras, primárias; vivências de
influência, vivências do “feito”; analisando-se a vida total do paciente, nota-se
que ocorreu a quebra na curva existencial, transformação radical da
personalidade e da existência da pessoa (DALGALARRONDO, 2019, p. 381).

Kurt Schneder6, a partir do fim da década de 1910, começou a estudar a fundo as


psicopatologias e assim, deu sua colaboração sobre a esquizofrenia e a caracterizava como
“Percepção delirante; vozes que comentam a ação; vozes que comandam a ação; eco ou
sonorização do pensamento; difusão do pensamento; roubo do pensamento; vivências de

4
Segundo o dicionário virtual Infopédia, elaborado pela Porto Editora, Eugene Bleuler (1857-1939) foi um
psiquiatra Suíço que contribuiu com a formação de vários psiquiatras de seu país, inclusive de Jung. Bleuler
desenvolveu estudos sobre a “demência precoce”, termo cunhado por ele.
5
Segundo o dicionário virtual Infopédia, elaborado pela Porto Editora, Karl Jaspers (1883-1969) foi um filósofo
alemão que também se dedicou à medicina e consequentemente à psiquiatria, ele se formou em 1909 pela
Universidade de Heildeberg.
Suas obras mais importantes são: Filosofia (1932), em três volumes, sendo o primeiro Orientação Filosófica do
Mundo, o segundo Esclarecimentos da Existência, e o terceiro Metafísica; Razão e Existência (1935); Filosofia
da Existência (1938); A Fé Filosófica (1948); e Introdução à Filosofia (1950).
6
Segundo o site “A mente é maravilhosa” (2020), Kurt Schneider (1887- 1967) foi um filósofo e psiquiatra
alemão pioneiro na classificação da psicopatia. Ele e Karl Jaspers foram os principais representantes da Escola
de Heidelberg. Esta considerava a importância dos fatores biológicos na caracterização das
psicopatologias.
15

influência no plano corporal, dos afetos, das tendências, da vontade ou do pensamento”


(DALGALARRONDO, 2019, p. 381).
A partir de todas essas conceituações, pode-se perceber que muitos estudiosos se
debruçaram sobre o estudo da esquizofrenia, não só da psiquiatria, mas também de outras
áreas do conhecimento como a fenomenologia e a psicodinâmica (DALGALARRONDO,
2019).

2.3 As Pesquisas e as Compreensões Atuais sobre a Esquizofrenia, suas Causas,


Manifestações e Tratamento

Atualmente, a partir da contribuição de todos os estudiosos citados, a esquizofrenia é


definida como um transtorno mental que envolve comportamentos psicóticos, os quais,
segundo Barlow e Duran (2015, p. 498) abrangem: “[...] delírios (crenças irracionais) e/ou
alucinações (experiências sensoriais na ausência de eventos externos)”. Mas é importante
enfatizar que estes mesmos autores exprimem que existem espectros da esquizofrenia, ou seja,
há diferentes variantes: transtorno psicótico esquizofreniforme, esquizoafetivo, delirante e
transtorno psicótico breve e, além disso, há um transtorno de personalidade denominado de
esquizotípica. Estes espectros têm características em comum como alucinações e delírios que
são distorções da realidade.
Dalgalarrondo (2019, p. 387) assinala que existe uma heterogeneidade entre os
sujeitos que apresentam esquizofrenia, principalmente relacionados a “bases biológicas,
manifestações clínicas, curso e resposta ao tratamento”. Assim, é de suma importância que na
descrição de seus sinais e sintomas sejam levadas em consideração o histórico familiar
relacionado a esta e/ou outras psicopatologias e a averiguação do uso de substâncias
alucinógenas, drogas que afetam o funcionamento habitual do sistema nervoso central, além
da importância da investigação dos acontecimentos emocionais atuais do sujeito avaliado
(PINHEIRO et al, 2017).
Através disso, pode-se perceber que as causas desta psicopatologia envolvem os
componentes genético, psicológico e contextual, ou seja, a sua manifestação se dá através de
aspectos multifatoriais. Em virtude da complexidade desse transtorno psicótico, ainda não há
uma definição unânime sobre sua fisiopatologia já que várias teorias tentam explicá-lo
(PINHEIRO et al, 2017).
16

Desse modo, é possível concluir que não há possibilidade de ser apontado um único
fator que designe o diagnóstico desta psicopatologia, pois: “Esquizofrenia é um número
variado de comportamentos ou sintomas não necessariamente compartilhados por todas as
pessoas que recebem esse diagnóstico” (BARLOW; DURAND, 2015, p. 496 - 497).
Tal mistura de sintomas foi percebida tanto por Kraepelin quanto por Bleuler.
Atualmente, os estudiosos do tema conseguiram identificar um agrupamento dos fenômenos
que caracterizam tal psicopatologia (BARLOW; DURAND, 2015). Esses grupos são
denominados e classificados de sintomas positivos, sintomas negativos, sintomas de
desorganização, sintomas psicomotores/catatonia, sintomas/prejuízos cognitivos e sintomas
de humor (DALGALARRONDO, 2019).
Barlow e Durand (2015, p. 498) expõem que os sintomas positivos tem a ver com o
que é acrescentado ao comportamento do sujeito em que predominam as psicoses (delírios e
alucinações): “Entre 50% e 70% das pessoas com esquizofrenia vivenciam alucinações,
delírios ou ambos” (LINDENMAYER; KHAN, 2006 apud BARLOW; DURAND, 2015, p.
498).
Os delírios são alterações do juízo e ocorrem quando um indivíduo possui uma crença
irreal da realidade. Existem vários tipos e variam de acordo com o conteúdo que aparece no
pensamento, exemplos serão citados a seguir.
O delírio de perseguição, um dos mais comuns, faz com que um sujeito acredite estar
sendo vítima de um complô e por isso é perseguido por algo ou alguém que deseja lhe fazer
mal; o delírio de referência tem como consequência um sujeito crer ser alvo de depreciações e
julgamentos negativos das pessoas ao seu redor (DALGALARRONDO, 2019).
O delírio de relação está atrelado à ligação de fatos passados com acontecimentos do
presente, os quais tem como consequência crenças bizarras geralmente atreladas a coisas
ruins, como o exemplo, o que Dalgalarrondo (2019) expõe sobre um sujeito achar que as
chuvas do verão no ano anterior somadas ao inverno mais rigoroso do ano atual resultam
numa invasão alienígena.
O delírio de influência tem a ver com a vivência que um indivíduo tem de estar sendo
controlado, comandado ou influenciado por uma força, pessoa ou entidade externa; o delírio
de grandeza faz uma pessoa ter a autoestima extremamente inflada e acreditar ser
demasiadamente especial, dotada de capacidades e poderes, com um destino espetacular ou
uma grande missão (DALGALARRONDO, 2019).
17

O delírio religioso/místico é o segundo ou terceiro dos delírios mais comuns e também


está atrelado a grandiosidade do sujeito delirante (COOK, 2015 apud DALGALARRONDO,
2019) que acredita ter poderes místicos ou estar ligado a uma divindade/santo e ser
responsável para melhorar e mudar o mundo; o delírio de ciúme ocorre quando um indivíduo
se percebe traído de uma forma terrível e por isso acaba se tornando totalmente dependente
emocional do ser amado, além disso, esse ciúme patológico gera uma ideia fixa de traição e
leva ao estado de alerta e possessividade (DALGALARRONDO, 2019).
O delírio erótico ocorre quando um sujeito afirma que alguém famoso ou destacado
socialmente está loucamente apaixonado por ele; o delírio de falsa identificação ocorre no
momento no qual há a crença de que, por exemplo, os familiares ou pessoas próximas foram
substituídas por outras para fazer o mal ao indivíduo cujo delírio está se manifestando; o
delírio depressivo e o de ruína estão ligados, pois seus conteúdos geram sentimentos de
tristeza, angústia e de que somente coisas ruins vão acontecer; o delírio de culpa/autoacusação
faz com que haja a crença de que a pessoa é culpada por todas as coisas ruins que ocorrem ao
seu redor (DALGALARRONDO, 2019).
O delírio hipocondríaco é a aquele cuja crença é a de que o sujeito tem uma doença
muito grave e sem cura; o delírio de negação de órgãos ocorre quando há a afirmação do
indivíduo de que ele já morreu ou não tem mais seus órgãos; o delírio cenestopático está
ligado aos dois últimos, pois nele, a pessoa afirma estar tendo sensações dentro do corpo as
quais levam a um mal-estar (DALGALARRONDO, 2019). Os tipos de delírios menos
frequentes são o de reinvindicação, o de invenção/ descobertas o de reforma/salvacionista, o
de infestação e o fantástico/mitomaníaco (DALGALARRONDO, 2019).
Já as alucinações são alterações da sensopercepção que afetam as sensações, o olfato,
o tato, o paladar, a audição e a visão (BARLOW; DURAND, 2015). Dalgalarrondo (2019, p.
110) cita a explicação de Esquirol sobre o tema, o qual define alucinação como a percepção
sem o estímulo sensorial, ou seja, um sujeito que apresenta alucinações tem percepções e
sensações reais somente para ele, mas não para os outros ao seu redor.
Dalgalarrondo (2019) apresenta os tipos de alucinações mais comuns observadas no
atendimento clínico. As auditivas são as mais recorrentes e podem aparecer em outros
transtornos mentais além da esquizofrenia. Existem dois tipos de tal manifestação, as
alucinações auditivas simples caracterizadas por ruídos, zumbidos, estalos, batidas etc. Além
destas também há as alucinações complexas ou audioverbais as quais propiciam o escutar de
vozes que em geral tem conteúdos negativos como ameaças e insultos. Outro tipo de
18

alucinação auditiva menos frequente é a musical em que a pessoa ouve tons, melodias, toques
de instrumentos (DALGALARRONDO, 2019).
As alucinações visuais também são divididas em simples (fotopsia) e complexas. As
primeiras manifestam a visão de “cores, bolas e pontos brilhantes”; já as segundas fazem com
que um indivíduo enxergue imagens, pessoas, animais, seres sobrenaturais e ainda podem
ocasionar a visão de cenas totalmente completas de acontecimentos (alucinações
cenográficas). Outro tipo de alucinação visual menos recorrente é a liliputiana, na qual “o
individuo vê cenas com personagens diminutos, minúsculos, entre os objetos e pessoas de sua
casa” (DALGALARRONDO, 2019).
As alucinações táteis são aquelas as quais geram sensações de animais ou insetos
andando sobre a pele, choques, espetadas ou cutucadas. E ainda, algumas pessoas que
apresentam esquizofrenia “sentem de forma passiva que forças estranhas tocam, cutucam ou
penetram seus genitais” (DALGALARRONDO, 2019, p. 117).
Também existem as alucinações olfativas (fantosmias) que são na maioria das vezes
acompanhadas por emoções e caracterizadas por sentir “[...] o odor de coisas podres, de
cadáver, de fezes, de pano queimado, gás, gasolina, etc.” (DALGALARRONDO, 2019, p.
117).
Outro tipo de alucinação é a gustativa (fantageusias), a qual geralmente ocorre
associada às alucinações olfativas e nestas “[...] os pacientes sentem, na boca, o sabor de
ácido, de sangue, de urina, etc., sem qualquer estímulo gustativo presente”
(DALGALARRONDO, 2019, p. 118).
Existem também as alucinações cenestésicas/somáticas e as cinestésicas. Nas
primeiras aparecem sensações atípicas no corpo de um sujeito como, por exemplo, “[...] sentir
o cérebro encolhendo, o fígado despedaçando, as mãos se esfarelando [...]” e até mesmo
podem aparecer sensações de que há algo se mexendo dentro do organismo
(DALGALARRONDO, 2019, p. 118). Já as segundas são manifestadas através dos
movimentos corporais, “[...] como sentir o corpo afundado, as pernas encolhendo ou um braço
se elevando” (EY, 2009/1973 apud DALGALARRONDO, 2019, p. 118).
Outro tipo de alucinação é a funcional ou reflexa, está se apresenta quando o sujeito
associa um estímulo sensorial a uma visão que somente ele tem, como: “Alguns pacientes
relatam, por exemplo, que, quando abrem o chuveiro ou a torneira da pia, começam a ouvir
vozes” (NARANG et al, 2015 apud DALGALARRONDO, 2019, p. 118).
19

Mais uma manifestação é denominada de alucinações combinadas, multimodais ou


polimodais. Nestas, um sujeito pode experimentar sensações de dois ou mais sentidos, de
modo que, podem aparecer alucinações de modalidades distintas no mesmo momento.
Dalgalarrondo (2019, p.119) ilustra um exemplo: “[...] o indivíduo vê uma pessoa
(inexistente) que fala com ele e toca em seu corpo”.
Também há as alucinações extracampinas, as quais ocorrem fora do campo
sensoperceptivo do sujeito como, por exemplo, enxergar um objeto atrás de uma parede
(DALGALARRONDO, 2019, p. 119). Além disso, neste tipo de manifestação podem ser
acrescentadas as sensações visuais e auditivas e ainda: “[...] sentir a presença de uma pessoa,
bem como seus movimentos fugazes, atrás ou do lado de si mesmo” (WOOD et al, 2015 apud
DALGALARRONDO, 2019, p. 119).
Outro tipo de alucinação é a autocóspica que também é visual e pode também estar
associada às sensações táteis e cenestésicas. Nesta um sujeito o vê como se estivesse fora de
seu corpo observando-o. Tal manifestação é uma das mais raras e também, pode ser
denominada de “fenômeno do duplo” já que, neste caso, o indivíduo sente que “[...] há um Eu
dentro do próprio corpo e um Eu fora dele” (DALGALARRONDO, 2019, p. 120).
Para finalizar, os últimos tipos de alucinação são denominados de hipnagógicas e
hipnopômpicas as quais estão atreladas ao sono-vigília. As primeiras ocorrem no momento do
adormecimento, as segundas se apresentam ao despertar. Além disso, tais manifestações estão
ligadas a sensações de desprazer. (DALGALARRONDO, 2019). E em ambas há: “[...]
alucinações visuais (86% dos casos), auditivas (8-34% dos casos) ou somáticas e cenestésicas
(25-44% dos casos)” (DALGALARRONDO, 2019, p. 120).
Voltando aos sintomas, os negativos são responsáveis por um déficit do
comportamento considerado normal. Assim, sujeitos os quais manifestam estes tipos de
sintomas (que são cerca de 25% das pessoas nas quais a esquizofrenia se apresenta) acabam
tendo um embotamento afetivo, ou seja, há uma dificuldade da exibição de expressões
emocionais e presença da indiferença; não conseguem fazer atividades até mesmo as básicas
do cotidiano, incluindo a higiene pessoal (avolia); exibem uma deficiência na comunicação
verbal, ou seja, falam muito pouco ou nada (alogia); não sentem prazer em fazer atividades as
quais em geral são consideradas benéficas como por exemplo “[...] alimentar-se, interagir
socialmente e ter relações sexuais” (anedonia) (BARLOW; DURAND, 2015, p. 500-502).
20

Os sintomas desorganizados são aqueles que afetam a fala, a motricidade, pode haver
catatonia, geram um afeto inadequado e desorganização do pensamento, dessa forma, eles são
uma diversidade de comportamentos (BARLOW; DURAND, 2015).
Por causa da desorganização do pensamento que é apresentada através dos sintomas
desorganizados, ter uma conversa ou conseguir informações com alguém que apresenta este
tipo de psicopatologia é uma tarefa difícil pelo fato da falta de consciência do sujeito de que a
esquizofrenia faz parte de sua vida. Além disso, a comunicação é realizada de forma ilógica,
pois na maioria das vezes há pulos de um tema o qual não foi concluído para outro
(BARLOW; DURAND, 2015).
Em relação ao afeto inadequado relacionado a expressões e comportamentos
considerados impróprios em determinadas situações, como por exemplo, rir em momentos
tristes, também está presente a partir dos sintomas desorganizados (BARLOW; DURAND,
2015).
Os sintomas psicomotores e catatonia são aqueles que ocasionam uma lentificação
psicomotora, mas também podem desencadear movimentos estereotipados, maneirismos que
são atitudes ou gestos incomuns e complexos. Alguns, também, acabam tendo
comportamentos considerados bizarros, como fazer caretas e usar adornos extravagantes
(DALGALARRONDO, 2019).
A catatonia, segundo Dalgalarrondo (2019, p.384), “é a manifestação psicomotora
mais marcante na esquizofrenia”. Nesta condição, os sujeitos que manifestam este tipo de
transtorno mental podem demonstrar sintomas de estupor, embora os níveis de consciência
possam estar preservados. É comum que nesse estado um indivíduo fique parado, sem realizar
atividades, sem responder as pessoas, sem comer e até mesmo sem ir ao banheiro para realizar
necessidades básicas.
Além disso, há sujeitos que apresentam a catalepsia: “(o paciente fica na posição que o
colocam, mesmo em posições dos membros contra a gravidade)”; também há os que repetem
de forma mecânica comportamentos que veem em outras pessoas (ecopraxia)
(DALGALARRONDO, 2019, p.384).
Os sintomas/ prejuízos cognitivos, para Dalgalarrondo (2019, p.384) alteram a
“atenção, memória episódica, memória de trabalho, velocidade de processamento e funções
executivas frontais (inclusive fluência verbal)”. Além disso, o autor continua explicando que
também é comum a apresentação de dificuldades de percepção, de lidar com sentimentos e
21

emoções que surgem no dia a dia e ainda há impasses para entender contextos sociais e se
relacionar interpessoalmente (DALGALARRONDO, 2019).
As pessoas nas quais a esquizofrenia se manifesta tem uma diminuição de suas
expressões emocionais, o que na maioria das vezes são combinadas com uma reatividade
emocional causada pelos sintomas positivos. Tal fato é denominado de “paradoxo emocional
da esquizofrenia” (ALEMAN; KAHN, 2005 apud DALGALARRONDO, 2019, p.385).
Dalgalarrondo (2019) ainda explica que indivíduos que apresentam este transtorno
podem demonstrar sintomas de ansiedade e de depressão. Além disso, os sintomas de humor
também podem estar ligados aos efeitos colaterais de medicamentos antipsicóticos. Os
sintomas de humor ocasionados pela esquizofrenia causam dificuldade no âmbito tanto
pessoal quando social.
Dalgalarrondo (2019, p. 385) faz a seguinte consideração sobre indivíduos cuja
esquizofrenia é desenvolvida apresentarem alguns sintomas neurológicos inespecíficos:
“prejuízo na função olfativa (déficits na identificação e na discriminação de odores),
hipoalgesia (sensibilidade diminuída à dor) e alterações na motilidade dos olhos
(anormalidades oculomotoras, dos movimentos sacádicos dos olhos)”. Além disso, esses
indivíduos podem ter a coordenação motora fina prejudicada.
Ressalta-se que a maioria dos sujeitos nos quais a esquizofrenia se manifesta não
conseguem entender ou identificar que possuem tal condição e, por isso, não aceitam que
precisam de acompanhamento profissional médico e psicológico ou tratamento
medicamentoso. Em alguns casos, estas pessoas reconhecem os sintomas e aceitam o auxílio o
qual lhes é oferecido, entretanto não atribuem isto à esquizofrenia, mas a outras variáveis
como “(nervosismo, influências espirituais, religiosas, ação do demônio, dificuldades na vida
que todos têm, etc.)” (DALGALARRONDO, 2019, p. 385).
A partir do estudo desses tipos de sintomas existem os critérios diagnósticos para a
esquizofrenia. Há uma descrição numa tabela elaborada por Dalgalarrondo (2019, p. 381)
através da Classificação Internacional de Doenças (CID-11). Nessa tabela, o autor expõe que
na esquizofrenia pode haver mudanças nas dimensões mentais, no comportamento e no
pensamento a partir de delírios ou pensamento desorganizado; na percepção, a qual
frequentemente é afetada através de alucinações; nas experiências de alterações do self, como,
por exemplo, a crença do sujeito de que sua subjetividade está sob controle de algo externo a
ele; alterações na cognição como diminuição da atenção, declínio da memória verbal e
cognição social; falta de motivação; escassez de afetos; mudanças psicomotoras e por fim, na
22

tabela em questão está exposto que os sintomas centrais para o diagnóstico de esquizofrenia
são os delírios e/ou alucinações persistentes, alterações do pensamento e vivências
relacionadas a influências, passividade, ou controle. Os sintomas citados acima devem
persistir por pelo menos um mês para que o diagnóstico seja fechado.
A versão revisada do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM – 5
- TR) (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2022, p. 212) demonstra todos os critérios diagnósticos
para a esquizofrenia os quais serão expostos a seguir tal como está exposto no manual ainda
não traduzido para o português. Dessa forma, a pesquisadora que produziu este trabalho,
traduziu esta parte do manual para inseri-la nesta explanação:

A. A presença de um (ou mais) delírios com duração de 1 mês ou mais.


B. O critério A para a esquizofrenia nunca foi atendido.
Nota: Alucinações, se presentes, não são proeminentes e estão relacionadas ao
tema delirante (por exemplo, a sensação de estar infestado de insetos com
delírios de infestação).
C. Além do impacto do(s) delírio(s) ou suas ramificações, o funcionamento não é
marcadamente prejudicado, e o comportamento não é obviamente bizarro ou
estranho.
D. Se ocorreram episódios maníacos ou depressivos maiores, estes foram breves
em relação à duração dos períodos delirantes.
E. A perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou
outra condição mental como transtorno dismórfico corporal ou transtorno
obsessivo compulsivo.

Nos critérios diagnósticos do DSM – 5 - TR, versão revisada (AMERICAN


PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2022) ainda é recomendando que seja especificado o tipo
dos sintomas psicóticos do sujeito avaliado. O primeiro episódio da manifestação do
transtorno, os seguintes, o tempo de duração e se houve remissão parcial ou total. É relevante
enfatizar que para a conclusão do diagnóstico para tal transtorno mental seja realizada uma
avaliação psicológica (PINHEIRO et al, 2017).
Além dos sintomas, Barlow e Durand (2015, p. 209) enfatizam que existem quatro
estágios da esquizofrenia e o primeiro ocorre ainda na gestação e posteriormente após o
nascimento. Este é denominado de estágio pré-morbido e nele há a presença de
“comprometimentos motores, cognitivos e sociais leves”. A próxima fase é a prodrômica, esta
antecede a aparição da psicose e ocorre entre meses ou até dois anos. Neste tempo o sujeito
pode apresentar comportamentos incomuns como apreensão, perplexidade, também falta de
foco, isolamento e comportamentos peculiares, muitas vezes exóticos. Esta fase pode
progredir para os episódios psicóticos caracterizados pela segunda fase. A terceira e última é o
momento de estabilização do sujeito, mas com a possibilidade de haver recaídas, já que há um
23

abafamento dos sintomas e o indivíduo tende a ter um declínio do desempenho intelectual


associados à um embotamento afetivo (TARRIER; TAYLOR, 2016).
Como já enfatizado nesta explanação, apesar dos fatores biológicos ainda serem
atualmente os mais levados em consideração para a maioria das teorias que estudam a
esquizofrenia, as variáveis psicológicas e sociais influenciam o desenrolar desta
psicopatologia e por isso, dependendo desses fatores, a manifestação das psicoses pode
aumentar ou diminuir (NUERCHTERLEIN, 1887 apud TARRIER; TAYLOR, 2016).
A partir disso, serão explanados os fatores que mais influenciam na manifestação da
psicopatologia em questão. Começando pelas variáveis culturais, existe uma visão de que a
esquizofrenia como uma patologia é uma descrição cultural a partir do que é considerado
normal e anormal na sociedade contemporânea. Entretanto, as vivências e experiências dos
profissionais da saúde mental provam o contrário, ou seja, que tal transtorno mental existe e
muda a vida do sujeito no qual ele se apresenta e das pessoas de sua convivência (BARLOW;
DURAND, 2015).
Ademais, Kraepelin nos tempos de sua pesquisa sobre o tema, no século XX, viajou
para continentes além da Europa como a África, América Latina e Ásia e a partir disso, pôde
comprovar que os sintomas da esquizofrenia apareciam em todos esses locais. Provando,
assim, que a esquizofrenia é um fenômeno mundial que afeta todas as culturas e etnias
(BARLOW; DURAND, 2015).
Destarte, é importante enfatizar que o desenvolvimento deste transtorno mental varia
entre as etnias e continentes, pois segundo Jablensky (2012) citado por Barlow e Durand
(2015), os fenômenos políticos na África, América Latina e Ásia podem ocasionar o
desenrolar da esquizofrenia por serem fatores de estresse e incômodo. Além disso, pesquisas
revelam que negros e pessoas de etnias as quais são discriminadas pela sociedade podem
receber com facilidade diagnósticos de esquizofrenia, por isso, há a grande probabilidade de
muitos laudos médicos serem equivocados (BARLOW; DURAND, 2015).
Gottesman (1991) citado por Vallada e Samaia (2000) expõe sobre os fatores
genéticos relacionados à esquizofrenia e evidencia que a probabilidade de um sujeito
apresentar tal psicopatologia aumenta em 10% a partir de graus de parentesco mais próximos
como, por exemplo, através dos genes dos pais, irmãos e filhos. É importante ressaltar que
para Murray e Castle (2012) citados por Barlow e Durand (2015) não existe apenas um gene
que define a manifestação deste transtorno mental, mas há uma combinação deles que levam a
alterações e assim, a manifestação da esquizofrenia.
24

Os estudos sobre os genes que desencadeiam a esquizofrenia avançaram muito e já se


tem algumas localizações deles nos cromossomos 1,2,3,5,6,8,10,11,13, 20, e 22 (KIROV;
OWEN, 2009 apud BARLOW; DURAN, 2015).
Apesar de o fator genético ser relevante no estudo do tema em questão, somente ele
sozinho não dá conta da complexidade do desenvolvimento desta condição de vida, pois
mesmo que pessoas da mesma família tenham maior predisposição genética, nem todos
apresentam o transtorno. Isto ocorre pelo fato das variáveis ambientais (RANGEL; SANTOS,
2013). Foram realizados estudos com gêmeos monozigóticos, dizigóticos e crianças adotadas.
Barlow e Durand explicam: “Se criados juntos, os gêmeos idênticos compartilham 100% de
seus genes e 100% de seu ambiente, ao passo que gêmeos fraternos compartilham apenas 50
% de seus genes e 100% de seu ambiente” (BARLOW; DURAND, 2015, 510).
No caso de gêmeos idênticos criados no mesmo lar, ainda assim estes podem
desenvolver ou não a esquizofrenia e mesmo que ela se manifeste, seu curso, apresentação e
sintomas podem ser distintos para ambos os irmãos. Isto é explicado pelo fato de mesmo
vivendo na mesma casa, a criação e interação com os pais, familiares e as relações
interpessoais com outras pessoas é distinta para cada um, assim, a esquizofrenia irá se
desenvolver através das vivências de cada sujeito em particular (BARLOW; DURAN, 2015).
Sobre filhos adotivos, Barlow e Durand (2015) mencionam uma pesquisa realizada na
Finlândia por Tienari (1991) a qual conclui que indivíduos com predisposição genética para
esquizofrenia mesmo vivendo sem a presença dos pais biológicos tem uma probabilidade
grande de manifestarem a psicopatologia. Todavia, se houver uma interação saudável entre
sujeito e ambiente, há uma diminuição desta possibilidade.
Segundo Barlow e Durand (2015), muitas pesquisas sobre a esquizofrenia estão
atreladas as neurociências. Os autores mencionam uma teoria ligada a um neurotransmissor
denominado de dopamina. Rangel e Santos (2013) enfatizam que esta é uma das hipóteses
mais analisada no estudo de tal psicopatologia, pois o excesso de tal neurotransmissor
causaria os sintomas deste transtorno mental. Tal teoria é sustentada pelo fato de que o uso de
antipsicóticos que são antagonistas a dopamina, diminuírem a manifestação dos sintomas
através do bloqueio de receptores para ela. Ainda foi descoberto que a indução da liberação
deste neurotransmissor leva a psicoses. Contudo, outros estudos foram realizados e mostraram
que tal teoria não explica totalmente a complexidade das causas da manifestação da
esquizofrenia, já que apesar de o bloqueio dos receptores da dopamina diminuir os sintomas,
isto não é algo absoluto pelo fato de nem todos os sujeitos os quais apresentam a
25

psicopatologia em questão darem a mesma resposta a partir do consumo destes fármacos


(RANGEL; SANTOS, 2013).
Também existem estudos sobre o glutamato, outro neurotransmissor o qual excita as
atividades do sistema nervoso central. A partir de pesquisas, pôde-se constatar que a baixa da
atividade dos receptores do glutamato denominados de N-metil D-Aspartato (NMDA)
também estaria relacionada à manifestação da esquizofrenia. A chegada de tal conclusão foi
através de estudos do uso da fenciclidina, uma droga que causa sintomas psicóticos, esta é
uma antagonista do glutamato, portanto, diminui os receptores do neurotransmissor
(RANGEL; SANTOS, 2013).
Também foram realizadas pesquisas sobre a estrutura cerebral e a manifestação da
esquizofrenia. Barlow e Durand (2015) citam Harrison (2012) que enfatiza a possibilidade de
lesões ou disfunções no cérebro poderem levar ao surgimento deste transtorno mental.
Todavia, ainda não há indícios de uma localidade específica no órgão. Dessa forma, existem
estudiosos que consideram esta condição de vida como uma disfunção do
neurodesenvolvimento e uma neurodegeneração (RANGEL; SANTOS, 2013).
Outras características cerebrais são destacadas através dos estudos neurológicos sobre
a esquizofrenia como: “[...] aumento no tamanho ventricular, alterações no córtex pré-frontal
e hipocampo, decréscimo no número de neurônios em algumas áreas do cérebro e diminuição
no número de iterneurônios [...]” (RANGEL; SANTOS, 2013, p. 28).
Segundo Rangel e Santos (2013) existem hipóteses que precisam ser mais bem
estudadas em relação ao desenvolvimento da esquizofrenia através de acontecimentos durante
a gravidez. Barlow e Durand (2015) complementam que os fenômenos perinatais, ou seja,
ocorrências próximas à época do nascimento de uma criança, também podem ocasionar o
desenvolvimento do transtorno. Os autores citam alguns exemplos como a exposição do feto a
infecções virais a exemplo da gripe, gestações de risco as quais levam a sangramentos,
momentos conturbados durante o parto como “asfixia ou falta de oxigênio”.
Apesar de todos esses fatores mencionados, como já explicitado nesta explanação, a
manifestação e forma da esquizofrenia diferem de sujeito para sujeito, pois, “[...] nem todas as
pessoas com esquizofrenia possuem ventrículos aumentados e nem todas exibem
hipofrontalidade ou atividade anormal do sistema dopaminérgico” (BARLOW; DURAND,
2015, p. 516).
Tal citação é explicada através do fato dos fatores psicológicos e sociais. O estresse é
um deles. Pessoas com predisposição a desenvolver o transtorno mental em questão, podem
26

apresentá-lo a partir de eventos estressores frequentes (BARLOW; DURAND, 2015). Além


disso, as relações familiares não saudáveis podem também aumentar as chances da
manifestação desta psicopatologia, pois, “[...] se os níveis de crítica (desaprovação),
hostilidade (animosidade) e envolvimento emocional excessivo (intromissão) expressos pelas
famílias fossem altos, os pacientes tendiam a recair” (BROWN et al., 1962 apud BARLOW;
DURAND, 2015, p. 517).
Além disso, Kymalainem e Weisman de Mamani (2008) citados por Barlow e Durand
(2015), afirmam que famílias as quais vivem em conflito frequente e demonstram muitas
emoções e afetos considerados prejudiciais às relações interpessoais, como por exemplo,
raiva, mau humor, violência, elevação do tom de voz etc., podem gerar reincidências de
sintomas nos sujeitos os quais manifestam a esquizofrenia.
Assim como as causas da apresentação da esquizofrenia são multifatoriais, o
tratamento atual para esta condição de vida também é. Desse modo, ele pode incluir o uso de
fármacos antipsicóticos; ações psicossociais, como por exemplo, ação de profissionais da
saúde mental além dos consultórios, ou seja, nas comunidades, com intervenções para a
assistência às famílias em relação a explicações sobre o tema e auxílio em como lidar com os
parentes em que tal transtorno mental se manifesta, o que ajuda muito na diminuição das
tensões dentro do âmbito familiar. Além disso, é importante que os indivíduos nos quais a
esquizofrenia se desenvolve tenham apoio em seus empregos para que assim possam
continuar fazendo seu trabalho e que também haja o incentivo a esses sujeitos a participarem
do tratamento. Isto pode ser feito através de explicações sobre como lidar com a condição,
ajuda com o autoconhecimento e com estratégias de enfrentamento e incentivo a seguir o
tratamento (BARLOW; DURAND, 2015).
27

3 COMPREENSÃO DA ESQUIZOFRENIA COM BASE NA PSICOLOGIA


ANALÍTICA

Este capítulo tem como objetivo expor a compreensão junguiana sobre o


entendimento, análise, acompanhamento e desenvolvimento de sujeitos que apresentam a
esquizofrenia.
Os estudos iniciais de Carl Gustav Jung estão mais atrelados à Medicina e em seguida
à Psiquiatria. Dessa forma, a esquizofrenia foi um dos primeiros temas estudados por este
autor. Tal assunto está minuciosamente descrito em um livro da coleção de sua obra completa
denominada “Psicogênese das Doenças Mentais”, elaborado a partir “de pesquisas
experimentais e observações clínicas realizadas durante três anos”, segundo ele mesmo
enfatiza no prefácio do livro, escrito em julho de 1906 (JUNG, 2021b, p. 185).
Estes três anos de estudos foram possíveis através das atividades de Carl Gustav Jung
no Sanatório Cantonal e na clínica psiquiátrica da Universidade de Zurique. Estas observações
também foram realizadas a partir do trabalho com August Forel e Eugen Bleuler, pois Jung
inicialmente era aprendiz de ambos. Além disso, o compartilhamento de materiais empíricos
do Dr. Riklin de Rheinau também o ajudou muito. O autor em questão também enfatiza a
importância de Sigmund Freud na sua formação profissional, pois, como seu discípulo,
aprendeu muito com ele, apesar das objeções e refutações às suas concepções (JUNG, 2021b).
Desde a época de seus estudos sobre a esquizofrenia, Jung (2021b) criticava os
intelectuais que mencionavam o transtorno mental a partir de uma única perspectiva. Assim,
apesar de alguns escritos deste autor hodiernamente terem apenas um valor histórico, já que as
pesquisas avançaram muito, a maioria deles condiz com as concepções atuais sobre a
esquizofrenia, inclusive o fato de que está se manifesta de forma particular em cada indivíduo
em que ela se apresenta. O fundador da Psicologia Analítica ainda expõe sobre o ser humano
saber pouco sobre a manifestação das psicopatologias, principalmente a esquizofrenia, um
campo que merece ser mais explorado (JUNG, 2021b).
Jung (2021b) enfatiza sobre a psiquiatria estar baseada na materialidade, ou seja, a
partir desta, há a investigação do cérebro, mas não de sua função. Desse modo, é como se a
psique não fosse levada em consideração:

Enquanto foram feitos grandes progressos no campo da anatomia cerebral, quase


nada sabemos sobre a psique, talvez menos do que antes. A moderna psiquiatria
se comporta como alguém que pretendesse descobrir o sentido e a finalidade de
um edifício, fazendo a análise mineral de suas pedras (JUNG, 2021b, p. 180).
28

Para Jung (2021b), a psique é muito importante na compreensão das psicopatologias,


assim, ele considera que as causas da esquizofrenia são predominantemente psíquicas, já que,
segundo o autor, ainda não existem consensos científicos em relação aos originadores
orgânicos e genéticos desta psicopatologia e os sintomas variam de indivíduo para indivíduo.
Além disso, ele expressa que em muitos casos o desencadeamento de tal transtorno mental
advém de choques emocionais, decepções, fases difíceis na vida de uma pessoa e, ainda que
os sintomas pioram ou melhoram a depender destas condições. O autor explica:

Ao invés de supor que um processo orgânico de doença seja introduzido por uma
disposição hereditária ou por uma toxina, inclino-me a pensar que, por uma
disposição de natureza ainda desconhecida, aparece uma função psicológica
inadequada, que pode desenvolver até uma manifestação de distúrbio mental e
provocar secundariamente, manifestações de degeneração orgânica (JUNG,
2021b, p. 176).

Jung (2021b) ainda esclarece que a maior parte dos indivíduos que manifestam a
esquizofrenia não possuem alterações anatomopatológicas no cérebro, ou seja, lesões. Assim,
o autor ressalta que a psicologia é muito importante no auxílio da psiquiatria para o
entendimento sobre psicopatologias e tratamento de sujeitos os quais as manifestam, pois ao
adentrar na investigação de todas as áreas da vida de um indivíduo, o terapeuta pode entender
melhor o que se passa em sua psique e começa a compreender que o transtorno mental
manifestado é “[...] apenas uma reação inusitada a problemas emocionais que pertencem a
todos nós” (JUNG, 2021b, p. 185).
Outro ponto interessante que Jung (2021b) expõe, é sobre o princípio da causalidade
originado da objetividade científica que é embasada a partir da universalidade de fatos. Isto é
sempre levado em consideração no entendimento das psicopatologias. Entretanto, o autor
destaca que a compreensão da psique somente através da causalidade seria um trabalho
realizado pela metade, e por isso, ressalta a importância da atribuição dos sentidos, ou seja, da
subjetividade para o estudo e compreensão de fenômenos deste tipo. Dessa forma, este
estudioso enfatiza mais uma vez a importância da Psicologia no estudo de transtornos
mentais, pois esta área do conhecimento procura observar, entender e explicar as várias
formas de expressão da subjetividade humana:

Se pretendemos conhecer mais profundamente a questão psicológica, devemos


ter em mente que todo conhecimento, no fundo, é condicionado pela
subjetividade. O mundo também é como nós o vemos, e não puramente objetivo;
isso vale ainda mais para a psique (JUNG, 2021b, p. 203).
29

Tal estudioso deu importância relevante aos afetos, já que estes estão ligados às
emoções, sensações e aos processos psíquicos os quais podem desencadear em determinado
sujeito os sintomas da esquizofrenia a partir da expressão de um complexo 7a depender de
uma situação, pois “A base essencial de nossa personalidade é a afetividade. Pensar e agir são,
por assim dizer, meros sintomas da afetividade” (JUNG, 2021b, p. 48, grifo do autor).
Além disso, quando um complexo é de forte envergadura, ele pode dominar o eu do
sujeito, ou seja, assumir o comando de sua vida por um bom tempo, causando “[...]distúrbios
gástricos e cardíacos, insônia, tremedeiras etc.” (JUNG, 2021b, p. 52 - 53). Segundo Jung
(2021b), os efeitos do complexo afetivo vão diminuindo progressivamente até desaparecem e
somente reaparecem quando alguma situação emocional os ativa. Todavia, quando um
indivíduo apresenta a esquizofrenia, as coisas não ocorrem desta forma, pois um ou mais de
um complexo, podem levar a efeitos crônicos na vida de um sujeito e ainda, o constante
estímulo deles através do desencadeamento de emoções, acaba causando uma fragmentação
da personalidade. O autor fala sobre as reações de complexos afetivos: “Estas surgem de
maneira conflitual, escapam ao complexo do eu, possuem formas singulares, constituindo, em
geral, produtos estranhos que o próprio complexo do eu não sabe de onde vem [...]” (JUNG,
2021b, p. 56).
O que este estudioso enfatiza na citação acima também está atrelado ao fato de esses
complexos afetivos de forte envergadura, na maioria das vezes estarem reprimidos no
inconsciente, assim, quando ativados, se expressam de tal forma. Além disso, esses
complexos, não estão à disposição do complexo do eu, e por isso acabam adquirindo um
caráter autônomo (JUNG, 2021b).
Dessa forma, a partir dessa dominação de um complexo, num sujeito:

7
Ao longo de seus estudos Jung estudou os complexos a partir de duas perspectivas. A primeira está mais
atrelada aos conteúdos emocionais e afetivos que o autor denominou de complexos e estes estariam relacionados
à vida consciente, possuindo uma função compensatória em relação aos aspectos negativos deles. Isto é bem
exemplificado através do teste de associação de palavras, em que o médico diz uma palavra e o paciente fala o
que lhe vem à cabeça. Tal teste foi realizado por Jung com vários sujeitos porque as palavras tem um conteúdo
afetivo muito forte (JUNG et al, 2021).
A segunda perspectiva está relacionada à formação da totalidade psíquica. Por isso, é importante ressaltar que o
conceito de complexo antecede o de arquétipo, mas ambos estão interligados, pois os arquétipos são fenômenos
universais ou culturais que são compartilhados por toda a humanidade. Já os complexos que são conteúdos
afetivos, seriam a manifestação individual de cada ser humano a partir de um arquétipo, como por exemplo, há a
figura, o significado universal do que é ser mãe, entretanto, a partir da experiência, cada sujeito irá ter uma
concepção de mãe (JUNG et al, 2021).
Tal conceito será abordado com maior profundidade no capítulo seguinte.
30

Subsiste-lhe uma segunda essência que sobrevive a seu modo, impedindo e


perturbando o desenvolvimento e o progresso do complexo do eu, já que as
ações sintomáticas exigem, muitas vezes, tempo e esforço que o complexo do eu
vem a perder (JUNG, 2021b, p.58).

A partir disso, todas as energias psíquicas ficam a dispor da vontade do complexo:


“Aparece um embotamento aperceptivo parcial acompanhado de um empobrecimento
emocional de todos os estímulos que não estejam relacionados ao complexo” (JUNG, 2021b,
p. 59). Apesar de em muitos casos haver a ativação de um complexo afetivo reprimido, ele
pode se manifestar mesmo sem estar presente na consciência, já que através dessa repressão,
ele também pode bloquear os conteúdos conscientes, prejudicar a atenção, a concentração, o
desenvolvimento intelectual, a dedicação a outras atividades não relacionadas ao complexo,
pode haver pausas no pensamento, lapsos na fala, leitura e escrita. Dessa forma, Jung (2021b)
exprime que o complexo se expressa de maneira simbólica através do comportamento do
indivíduo, pois “Muitas vezes, apenas um detalhe, um mero símbolo, é suficiente para liberar
um complexo” (JUNG, 2021b, p. 85)
Na esquizofrenia, não se manifestam somente os contrastes relacionados a emoções,
mas também, os verbais, ou seja, a oralidade pode se tornar de difícil entendimento para as
outras pessoas. Isto ocorre devido a rigidez do complexo e consequente não libertação do
sujeito (JUNG, 2021b). Pode-se também perceber em indivíduos nos quais está
psicopatologia é manifestada, principalmente em seu estágio agudo uma indiferença
emocional: “(...) são capazes de descrever seus sofrimentos com um sorriso tranquilo,
causando-nos uma impressão inadequada, ou que falam com equanimidade sobre coisas que,
certamente, os atingem muito profundamente” (JUNG, 2021b, p. 83).
A partir disso, pelo fato da não libertação de uma pessoa em relação ao complexo,
Jung (2021b), discorre que a esquizofrenia não preserva a unidade potencial da personalidade,
ou seja, não há a junção e comunicação de nenhuma forma entre o eu interior do sujeito com
os complexos existentes em sua psique. Dessa forma, um delírio ou alucinação não podem
voltar para o controle da consciência, já que o indivíduo que apresenta a esquizofrenia está
totalmente direcionado aos seus conteúdos inconscientes, e isto marca a cisão com a realidade
objetiva. Mais uma citação do autor explica a manifestação dos complexos a partir da
psicopatologia em questão: “[...] na esquizofrenia, os complexos tornam-se fragmentos
autônomos e independentes que não se reintegram na totalidade psíquica, ou então se
interligam, de modo inesperado, como se nada tivesse acontecido” (JUNG, 2021b, p. 263).
31

Pelo fato dessa dissociação da personalidade ocorrer, o eu interior de um sujeito o qual


manifesta este tipo de psicopatologia fica muito abalado, pois acaba sendo atormentado de
diversas formas: “Trata-se visivelmente de um caos de visões, vozes e tipos desconexos, todos
de natureza violenta, estranha e incompreensível [...] está fora do alcance de qualquer
possibilidade de compreensão do paciente” (JUNG, 2021b, p. 264).
O complexo esquizofrênico se autodestrói, pois permanece em sua forma arcaica e
isso se dá “[...] pelo distúrbio da capacidade de expressão e de comunicação” (JUNG, 2021b,
p. 284). Por tal fato, a esquizofrenia impede o controle de si mesmo, há uma fragmentação de
ideias, distorção e diminuição da capacidade de transmissão de conteúdos, pensamentos
sequenciados e falas ordenadas. Além disso, as pessoas as quais manifestam esta condição
acabam perdendo a sensibilidade e respondem emocionalmente “[...] de maneira ilógica ou
parecem ausentes e desintegrados tanto quanto os elementos mentais” (JUNG, 2021b, p. 284).
Dessa forma, é possível perceber que pode haver uma destruição da afetividade (JUNG,
2021b).
Além disso, esta psicopatologia leva a ausência da capacidade de diferenciação de
ideias, crenças irreais e consequente alienação da realidade, e principalmente, há um
rebaixamento da consciência o que causa a manifestação exacerbada de conteúdos
inconscientes, na maioria das vezes reprimidos. Ocorre algo parecido com uma invasão da
consciência, pois os conteúdos reprimidos do inconsciente são liberados “como numa grande
enchente”. Muitas vezes o sujeito já tem lutado por um bom tempo para manter a integridade
da sua personalidade, mas chega uma hora em que não consegue mais (JUNG, 2021b, p. 284).
Outras características comuns observadas por Jung (2021b) em relação à manifestação
da esquizofrenia são maneirismos, catatonia, perda do senso de humor, comportamentos
excêntricos e bizarros, desinteresse por acontecimentos objetivos, manias, ausência da
atenção, estupor, delírios, alucinações que são uma forma de projeção da psique para o
exterior, automatismos, percepções incompletas e inseguras com o ambiente, pensamentos
obsessivos, estereotipias como verborragia, catalepsia, chavões, perseverações, distúrbios do
sono, e no tratamento, uma falta de conexão com o médico ou terapeuta:

Os doentes não conseguem sintonizar seus sentimentos com a psique do médico,


prosseguem, com suas afirmações delirantes, atribuindo motivos hostis à análise.
Numa palavra, eles são e permanecem refratários a qualquer influência (JUNG,
2021b, p. 87).
32

É importante ressaltar que um sujeito no qual a esquizofrenia se apresenta enxerga a


expressão de seus sintomas como reais, não sendo mais capaz de identificar os fatos lógicos e
não lógicos. E isto ocorre justamente a partir do momento em que tal psicopatologia
desencadeia a invasão da consciência pelos conteúdos inconscientes, não havendo um
equilíbrio entre ambas as estruturas psíquicas (JUNG, 2021b). O autor deixa isto claro quando
enfatiza que as soluções de fuga da realidade usadas pelos indivíduos que apresentam a
psicopatologia em questão são: “[...] ilusões insatisfatórias e a sua cura, uma renúncia
temporária ao problema. Este permanece ativo e sem solução no inconsciente, emergindo, em
determinado momento, para criar novas ilusões num outro cenário” (JUNG, 2021b, p. 191).
Jung (2021b, p. 268) expressa que uma neurose pode se desenrolar em uma psicose.
Todos os seres humanos entram em contato com conteúdos inconscientes através de símbolos,
da arte, dos sonhos. Entretanto, a psicose é gerada não pelo fato da existência desses
conteúdos inconscientes, mas pelas condições dos sujeitos de “suportar um certo pânico ou
resistir à tensão crônica de uma psique que se encontra em luta consigo mesma”. Desse modo,
é possível entender que alguns sujeitos podem desenvolver psicoses por estarem em
sofrimento psíquico há muito tempo e não aguentarem mais. Então, a única forma de lidar
com isso acaba sendo mergulhar nos conteúdos inconscientes de forma emergencial.
A esquizofrenia pode ser comparada ao estado de sono no qual a consciência é
rebaixada e há a manifestação do inconsciente através dos sonhos. Essa comparação é feita
por Jung (2021b, p. 269-271), pois os sonhos tanto vindos do inconsciente pessoal, quanto do
coletivo “[...] estão espelhadas na sintomatologia da esquizofrenia”. É por isso, que os
sintomas deste transtorno mental, na maioria das vezes, também são expressos de forma
simbólica através de falas e pensamentos confusos e enigmáticos, como nos sonhos (JUNG,
2021b).
Dessa forma, esta psicopatologia dispõe de temas localizados no inconsciente pessoal
e também no inconsciente coletivo8, demonstra uma mistura entre ambos. Entretanto, o
material coletivo predomina nesses casos e por isso, são muito encontrados ao estudar a
esquizofrenia (JUNG, 2021b).

8
Para Jung existem o inconsciente pessoal e o coletivo. O primeiro é individual e incialmente composto por um
caráter emocional. Dessa forma, os complexos estão localizados nele. Já o segundo, é composto por
comportamentos e experiências comuns a todos os seres humanos, assim os arquétipos fazem parte dele. O
contato com o inconsciente coletivo pode ser feito através dos sonhos e pelo processo de imaginação ativa no
qual os conteúdos arquetípicos são transformados em complexos e podem ser aplicados na consciência e na vida
objetiva (JUNG et al., 2021).
33

Ademais, Jung compara a esquizofrenia com os grandes sonhos 9os quais transmitem
informações do inconsciente coletivo:
[...] por apresentar um material arcaico, a esquizofrenia tem todas as
características de um “grande sonho” – ou, em outras palavras, consiste num
acontecimento importante, evidenciando as mesmas particularidades
“numinosas” que, nas culturas primitivas, pertencem ao ritual mágico (JUNG,
2021b, p. 271).

É importante ressaltar que existe diferença entre os sonhos e a esquizofrenia. Os


primeiros ocorrem enquanto o sono se faz presente, ou seja, a consciência está na
obscuridade, já na esquizofrenia, as psicoses não ocorrem enquanto um sujeito está dormindo
(JUNG, 2021b, p. 292). Além disso, o sonho, segundo Jung (2021b, p. 169) “[...] é uma
alucinação da vida normal [...]”, expressando assim durante o sono os complexos reprimidos
de um sujeito. Mas na esquizofrenia, tais complexos não se manifestam de tal modo, mas sim
em forma de alucinações a partir de sua sobreposição à consciência.
A partir do que já foi explanado neste capítulo, Jung destacou que para ele era uma
tarefa difícil dizer se a causa primária da esquizofrenia seria enfraquecimento da consciência
ou um fortalecimento do inconsciente, pois esse transtorno se manifesta através de conteúdos
arcaicos e primitivos, os quais são impulsos e formas instintivas herdadas caracterizadas pelos
arquétipos10: “Considero com seriedade a possibilidade de uma espécie de ´inibição do
desenvolvimento` onde uma quantidade maior do que o normal de psicologia primitiva
permanece intacta não se adequando às condições modernas” (JUNG, 2021b, p. 272).

9
Jung estabeleceu quatro tipos de sonhos, os compensadores, redutivos ou retrospectivos, reativos e prospectivos
ou grandes sonhos. Os sonhos compensadores são aqueles que servem para compensar situações da vida
consciente atual de um sujeito (JUNG, 2012).
Os sonhos redutivos ou retrospectivos aparecem com o objetivo da autorregulação da psique de indivíduos que
se percebem mais superiores do que realmente são, em outras palavras, ajudam no desinflar do ego (JUNG,
2012).
Os sonhos reativos se manifestam quando um acontecimento advindo do consciente é carregado de afeto e por
isso ele é novamente reproduzido durante o sono. Por isso, Jung afirma ser importante investigar o aspecto
simbólico por trás de tal reprodução (JUNG, 2012).
Os sonhos prospectivos ou grandes sonhos são uma antecipação do inconsciente do que poderá vir a ocorrer no
futuro da mesma forma do sonho ou em partes, é como se fosse algo profético. Este tipo de sonho concilia
sentimentos, percepções, pensamentos e resíduos de memórias inconscientes, portanto, está mais atrelado ao
inconsciente coletivo (JUNG, 2012).
10
O conceito de arquétipo é indispensável para explicar o inconsciente coletivo já que este o constituído por
aquele. Os arquétipos, portanto, são formas presentes na psique humana de modo inconsciente, desde o início
dos tempos e adquiridas através da hereditariedade, ou seja, “estão presentes em todo tempo e lugar” (JUNG,
2021, p. 52). Por serem formas preexistentes, modelos, os arquétipos designam o comportamento humano,
participam da formação da personalidade e quando integrados na vida consciente, proporcionam o
desenvolvimento saudável da psique (JUNG et al., 2021). Este conceito será abordado em maior profundidade
no capítulo seguinte.
34

Jung (2021b) continua explicando que uma psicose é gerada quando um sujeito que
dispõe de muitos conteúdos primitivos em sua psique tenta se adaptar à modernidade exigida
pela consciência. Entretanto, para se adaptar, as fontes do inconsciente acabam sendo
recorridas, e isto leva a um conflito. Por tal fato, o autor enfatiza que a esquizofrenia bloqueia
a compreensão e integração de um sujeito, justamente por esse excesso arcaico advindo do
inconsciente coletivo onde estão localizados os arquétipos.
Assim, o indivíduo enxerga o mundo e investe sua energia a qual Jung chamou de
libido, na sua própria personalidade e sua compreensão subjetiva (Jung denominou tal
fenômeno de introversão). Por isso, na sociedade acaba sendo considerado como “[...] doente
mental [...]”, pois sua forma de ser e estar na sociedade, não condiz com os padrões de
normalidade (JUNG, 2021b, p. 210 - 211).
Apesar de levar muito em consideração os fatores psíquicos, Jung (2021b) não exclui a
possibilidade de o desenvolvimento da esquizofrenia também poder ter causas tóxicas que
estão ligadas a modificações fisiológicas as quais foram consequência de emoções causadas
na vida de um indivíduo. Dessa forma o autor considera que esta psicopatologia é composta
tanto pelo aspecto bioquímico, quanto pelo psicológico.
Jung (2021b) esclarece que estas causas tóxicas podem acionar os complexos que
desencadeiam a esquizofrenia em um determinado sujeito. Entretanto, não exclui a hipótese
de o complexo também poder ser a causa da psicopatologia: “[...] na dementia praecox não
temos clareza se causa ou precipita a doença nas pessoas assim predispostas, ou se o
complexo apenas surge no momento de irrupção da doença, determinando assim os sintomas”
(JUNG, 2021b, p. 112, grifo do autor).
Os editores da 6ª edição do livro “Psicogênese das doenças mentais” (2021b),
enfatizam que a partir do início do século XIX, Carl Gustav Jung foi um dos pioneiros no
trabalho da psicoterapia individual para indivíduos que apresentavam a esquizofrenia. Isto
ocorreu através de seus estudos, prática profissional e observações das “[...] relações
psicológicas entre funcionários e pessoal da administração dos hospitais psiquiátricos de um
lado, e a evolução da doença de seus pacientes, de outro, extraindo conclusões devidas para o
tratamento” (JUNG, 2021b, p.8).
Assim, Jung percebeu que a esquizofrenia pode ser tratada através da psicoterapia e da
terapia ocupacional ainda que numa escala pequena:

Os resultados alcançados pela terapia ocupacional nos hospícios mostraram


claramente que o estado dos casos considerados sem esperança pode melhorar
35

muitíssimo. Também os casos menos graves que não chegam à clínica


psiquiátrica podem chegar a resultados bastante encorajadores através da
psicoterapia ocupacional (JUNG, 2021b, p. 276).

Além disso, o autor enfatiza que não existem padrões de tratamento, pois cada caso é
diferente e por isso o profissional deve estudar bem e conhecer o sujeito em todas as suas
dimensões antes de iniciar seu trabalho. O autor elenca três coisas essenciais para o sucesso
em um tratamento de esquizofrenia: “[...] o sacrifício pessoal, a seriedade de propósito, a
abnegação dos que tratam” (JUNG, 2021b, p. 300). Desse modo, a dedicação ao paciente é
imprescindível, possibilitando a formação de vínculo e consequentemente a melhora do
sujeito. Tal dedicação acaba exigindo muito do terapeuta, e por isso é importante que este
cuide de sua saúde mental já que isto “[...] pode também induzir algum contágio psíquico no
próprio terapeuta” (JUNG, 2021b, p. 301).
Sujeitos nos quais a esquizofrenia é manifestada, mesmo tendo um tratamento que tem
êxito, podem ter recaídas psicóticas advindas de alguma emoção. Isso acontece quando os
sintomas os quais alertam que um surto pode chegar como os sonhos destrutivos, não são
identificados a tempo. Para que este tipo de recaída seja evitada, ao identificar esses sinais,
podem ser realizadas atividades simples como desenhos ou pinturas feitas pelo sujeito as
quais expressem a situação de sua psique. Representando isso, o indivíduo pode ver
objetivamente através do desenho, tornando a expressão do inconsciente em consciente, e
assim, a crise pode ser impedida (JUNG, 2021b).
Jung dava muita importância à explicação ao paciente em relação a sua situação
psíquica, ou seja, o esclarecimento dos sintomas, pois, para este estudioso, quanto mais o
indivíduo sabe sobre o que ocorre consigo mesmo, melhor o seu prognóstico, já que ele terá
mais subsídios para assimilar os conteúdos inconscientes e integrá-los em sua vida objetiva
(JUNG, 2021b).
Mas ele dá um alerta de que os detalhes minuciosos só devem ser explicados para os
pacientes com um maior nível de inteligência e instrução, já com os sujeitos os quais estão
mais fascinados ou mergulhados nos conteúdos arquetípicos a explicação deve ser mais
superficial, pois: “Esses complexos são, em última instância, as causas originárias que
evocam as reações e compensações arcaicas, podendo a qualquer hora gerar as mesmas
consequências” (JUNG, 2021b, p. 302).
Para que um (a) terapeuta possa realizar este tipo de atividade com êxito, além dos
conhecimentos psiquiátricos, ele(a) deve saber sobre outras áreas como mitologia e psicologia
primitiva: “[...] não se pode considerar a mente humana, sobretudo em seu estado patológico,
36

com a mesma ignorância do leigo que só conhece seus complexos pessoais” (JUNG, 2021b,
p. 302).
Jung (2021b) considera importante o diálogo entre os saberes psicológicos e
biológicos para a melhor compreensão das psicopatologias, pois estes se complementam e
permitem que haja respostas positivas no entendimento e tratamento de transtornos mentais.
Assim, este autor deixa essa reflexão, também expressa a importância de entender os sujeitos
em sua totalidade, e principalmente enfatiza a relevância de estudar o inconsciente para a
compreensão da vida humana.
37

4 CONCEITOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

O presente capítulo tem o objetivo de apresentar a teoria da Psicologia Analítica


elaborada por Carl Gustav Jung cuja base é o inconsciente individual, mas principalmente o
coletivo, dando ênfase na importância dos arquétipos e símbolos criados pelo ser humano
desde o início de sua existência até os dias atuais (JUNG et al., 2021). Dessa forma, a teoria e
os conceitos elaborados por Jung como, arquétipos, complexos, o modelo psíquico, persona,
sombra, anima, animus, o processo de individuação e o modelo psicoterápico, serão mais bem
abordados no decorrer deste capítulo, pois embasarão a análise do filme Cisne Negro (2010).
Para Jung, os símbolos estão presentes cotidianamente na vida das pessoas e eles
podem ser expressos pela linguagem oral, verbal, poética, artística, gestual e através de
imagens e objetos. Assim, pode-se concluir que os símbolos são as formas com que os seres
humanos se expressam. Além disso, eles estão totalmente ligados às manifestações
arquetípicas, pelo fato de surgirem de fenômenos inconscientes que na maioria das vezes
impedem uma racionalização do entendimento deles (JUNG et al, 2021).
O fato de o ser humano não entender um símbolo em sua totalidade, está ligado aos
seus sentidos serem limitados como expressa Jung, sobre a importância do inconsciente para
entender a manifestação dos símbolos, já que a realidade também é percebida através deles.

Os sentidos do homem limitam a percepção que este tem do mundo a sua volta.
Utilizando instrumentos científicos ele consegue, em parte, compensar a
deficiência dos sentidos. Consegue, por exemplo, aumentar o alcance de sua
visão através do binóculo ou apurar a audição por meio de amplificadores
elétricos (...). Não importa que instrumentos ele empregue; em um determinado
momento há de chegar a um limite de evidências e de convicções que o
conhecimento consciente não pode transpor (JUNG et al, 2021, p. 21).

A partir do que foi exposto até aqui, através da teoria da Psicologia Analítica é
possível perceber a existência do inconsciente, atualmente encoberto por uma racionalização
trazida a partir dos paradigmas da ciência que acarretaram a dissociação dos sujeitos com seu
eu interior, com seus símbolos, com seus mitos, ou seja, o ser humano passou a usar
demasiadamente a consciência e isto impossibilita o conhecimento total da psique (JUNG et
al, 2021). Por tal fato, Hilman (1978) expõe sobre a despersonalização que ocorre justamente
quando um indivíduo perde sua realidade pessoal, sua identidade através do fracionamento de
sua psique, e isto leva ao surgimento de psicoses.
A teoria Junguiana contribui, portanto, para a compreensão da totalidade humana
através da manifestação de símbolos e arquétipos e esclarece em como a demasiada
38

racionalização, a tecnologia, o consumo exagerado, a pressa, e a massificação podem


prejudicar a qualidade de vida dos sujeitos e, também, indica caminhos para que estes
conheçam a si mesmos através do processo de individuação o qual será explicado adiante
(JUNG et al, 2021).
A seguir serão mencionados conceitos da Psicologia Analítica que são de suma
importância para a intervenção baseada nesta teoria.

4.1 Arquétipos

Os arquétipos, segundo Jung (2021a), fazem parte do inconsciente coletivo, são


figuras, significados, modelos compartilhados pela humanidade, ou seja, são percebidos de
maneira semelhante pelos seres humanos, e, portanto, universais e aparecem nos sonhos. Por
serem ideias preexistentes, os arquétipos existem desde o início da espécie humana e pré-
formam o pensar, o agir e o sentir: “Os arquétipos não se fundem por toda a parte mediante a
simples tradição, linguagem e migração, mas ressurgem espontaneamente em qualquer tempo
e lugar, sem a influência de uma transmissão externa” (JUNG, 2021a, p.86).
Eles são transmitidos no dia a dia das pessoas, nos ensinamentos tribais, nos rituais
religiosos, nos mitos, nos contos de fada, nos filmes. Desse modo, são formas de explicar
acontecimentos e fenômenos. Além disso, consistem numa ponte do inconsciente para o
consciente, pois quando identificados, podem ser integrados na vida consciente e
consequentemente imitados pelas pessoas. Por esse fato, os arquétipos não consistem em
ideias, mas sim em formas que dão a possibilidade através da experiência individual do
sujeito de se manifestarem (JUNG, 2021a). Um exemplo disto é a imitação de indivíduos ou
figuras as quais um sujeito quer parecer, como fazer um penteado e vestir roupas parecidas
com as de alguém famoso, ter atitudes do modelo ideal de pai ou mãe. Tal fato se dá através
da vivência de cada um e da manifestação dos arquétipos (JUNG et al., 2021).
Jung deixa claro que, assim como os complexos tem seus aspectos positivos e
negativos, os arquétipos também funcionam dessa forma, como, por exemplo, o arquétipo
materno tem aspectos positivos como a proteção, o cuidado, a bondade, a fertilidade, o
renascimento; e negativos como superproteção, sufocamento do filho. Assim, o arquétipo da
mãe tem “sua bondade nutritiva e dispensadora de cuidados, sua emocionalidade orgiástica e
a sua obscuridade subterrânea”. A manifestação deste irá depender da experiência pessoal do
sujeito com sua figura materna e de projeções arquetípicas e fantasias que partem
principalmente da fase infantil (JUNG, 2021a).
39

Para o autor, a cognição que está atrelada a aquisição de conhecimento precisa estar
bem incorporada nos arquétipos para que o sujeito possa integrá-los a sua vida consciente,
pois, “Um arquétipo, por sua natureza, não é de modo algum um preconceito simplesmente
irritante. Ele só é quando não está em seu devido lugar” (JUNG, 2021a, p. 90). Quando os
arquétipos não estão em seu devido lugar, eles tendem a ser projetados externamente por não
terem sido trabalhado internamente e é a partir disso que surgem as neuroses e psicoses
(JUNG, 2021a).

4.2 Complexos

Para Jung (1985 apud FERRANDIN, 2014, p. 35), os complexos são o “[...]
aglomerado de associações que formam grupos autônomos, com tendência de movimento
próprio e vivem independentemente da nossa intenção”. Desse modo, quando instalados na
psique, influenciam a vida e as ações de um sujeito de forma inconsciente e por isso não
podem ser controlados pelas disposições conscientes sem a integração psíquica a qual leva à
totalidade. Assim, a partir da dissociação entre consciente e inconsciente um complexo pode
ocasionar processos patológicos, pois as emoções e atos acabam sendo dominadas, é como se
um indivíduo nessa situação fosse literalmente possuído e isto prejudica o funcionamento do
ego (JUNG, 2000 apud FERRANDIN, 2014).
Stein (2006 apud FERRANDIN, 2014) deixa claro este processo:

Nesse sentido, de acordo com a teoria dos complexos, as perturbações da mente


consciente são decorrentes de associações inconscientes estimuladas por
experiências concretas, que evocam conteúdos que se juntam a outros conteúdos
ocultos em torno de um tema comum, formando uma rede de lembranças,
fantasias, imagens e pensamentos e promovem a perturbação mental (STEIN,
2006 apud FERRANDIN, 2014, p. 35-36).

Por tal fato, os complexos são importantes na formação da personalidade de um


sujeito, pois além de fazerem a ligação dos conteúdos psíquicos individuais com os
arquetípicos, expressam o desenvolvimento da consciência, autoconscientização e ajudam na
detecção de possíveis ausências de conexão entre consciente e inconsciente, elementos
essenciais para o processo de individuação, ou seja, a formação da totalidade da psique
humana (FERRANDIN, 2014).
O complexo materno e o paterno são importantes para a análise do filme Cisne Negro
(2010), por isso serão abordados neste capítulo. Segundo Jung (2021a), o complexo materno é
40

gerado através do arquétipo materno e por isso, a figura da mãe sempre influencia na
formação da personalidade do(a) filho(a), já que tal complexo é constituído através da
experiência com a figura materna. O autor destaca que este pode auxiliar do desenvolvimento
da identidade do sujeito, mas também pode levar ao desenvolvimento de neuroses fazendo
com que os arquétipos fiquem no meio da relação mãe-filho, causando incômodos: “Quando
os filhos de uma mãe superprotetora, por exemplo, sonham com frequência que ela é um
animal feroz ou uma bruxa, tal vivência produz uma cisão na alma infantil e
consequentemente a possibilidade da neurose” (JUNG, 2021a, p. 90).
Para a análise do filme Cisne Negro (2010), é relevante explanar sobre o complexo
materno da filha. Jung (2021) expõe que este complexo pode gerar no feminino o seu
desenvolvimento (aspecto positivo do complexo) ou seu atrofiamento (aspecto negativo do
complexo). Existem quatro aspectos do complexo materno na filha, a hipertrofia do aspecto
maternal, a exacerbação do eros, a identificação com a mãe e a defesa contra a mãe.
A hipertrofia do aspecto maternal corresponde à alta intensidade do feminino,
principalmente do instinto materno. Diz respeito à mãe doadora, amorosa, cujas lembranças
são prazerosas e “[...] representa a raiz secreta de todo vir a ser e de toda a transformação, o
regresso ao lar, o descanso e o fundamento originário, silencioso, de todo início e fim”
(JUNG, 2012, p. 98). Dessa forma, este aspecto está atrelado ao exagero: “[...] peso enorme
de significados, responsabilidades, e missão no céu e na terra, a criatura fraca e falível, digna
de amor, de consideração, de compreensão, de perdão” (JUNG, 2021a, p. 98).
Todo esse peso de caráter divino atribuído à figura materna pode levar a prisão da
filha em relação à mãe e a ruína do vínculo entre ambas já que a mãe acaba sendo autoritária
ao ponto de ver a filha como uma propriedade a partir de uma relação pessoal inconsciente:

Um eros inconsciente sempre se manifesta sob a forma de poder, razão pela qual
este tipo de mulher, embora sempre parecendo sacrificar-se pelos outros, na
realidade é incapaz de um verdadeiro sacrifício. Seu instinto materno impõe-se
brutalmente até conseguir o aniquilamento da própria personalidade e da de seus
filhos. Quanto mais inconsciente de sua personalidade for uma mãe deste tipo,
tanto maior e violenta será sua vontade de poder inconsciente (JUNG, 2021a, p.
94).

A exacerbação do eros acontece quando há um desaparecimento do instinto materno,


dessa forma, a filha acaba vendo a mãe como uma inimiga e tem ciúmes dela com o pai: “O
ciúme da mãe e a necessidade de sobrepujá-la tornam-se os motivos preponderantes de
empreendimentos futuros desastrosos” (JUNG, 2021a, p.95). Por tal fato, a exacerbação do
eros é um processo inconsciente que se não for trabalhado na infância a partir da relação mãe-
41

filha, pode gerar consequências na vida adulta, como por exemplo, a vontade constante por
poder que pode levar ao interesse por homens comprometidos, isto se esvai quando a
conquista é feita e a mulher parte para outra conquista, como um ciclo repetitivo (JUNG,
2021a).
Segundo Jung (2021a), a mulher que tem como aspecto do complexo materno o eros
exacerbado, também pode se relacionar com um homem que vive a partir dos ditames de sua
figura materna e isto vai gerar conflitos. O autor complementa que só existe a conscientização
se houver o conflito e a diferenciação dos opostos:

Nem o princípio materno nem o paterno podem existir sem o seu oposto, pois
ambos eram um só no início e tornar-se-ão um só no fim. A consciência só pode
existir através do permanente reconhecimento e respeito de inconsciente: toda
vida tem que passar por muitas mortes (JUNG, 2021a, p. 102).

O próximo aspecto do complexo materno é a identificação com a mãe que também é


um processo inconsciente e ocorre quando não há a existência da exacerbação do eros e isto
acaba gerando um bloqueio da inciativa feminina da filha, o que tem como consequência a
projeção da personalidade da filha sobre a mãe. Assim, a filha não desenvolve sua própria
personalidade de modo consciente, se torna dependente e vive conforme a figura materna, que
considera perfeita em todos os sentidos:

Tudo o que nessas mulheres lembra maternidade, responsabilidade, vínculo


pessoal, e necessidade erótica suscita sentimentos de inferioridade, e as obriga a
fugir naturalmente para a mãe, a qual vive tudo aquilo que as filhas consideram
inatingível, digno de uma superpersonalidade: a mãe (JUNG, 2021a, p.95).

A vulnerabilidade e dependência gerada pela identificação com a mãe segundo Jung


(2021a) faz com que os homens enxerguem este tipo de mulher da forma que quiserem e
inconscientemente, também há um processo de projeção do sexo feminino em relação ao
masculino e o cumprimento dos desejos destes, tudo a partir do sentimento de inferioridade e
da dependência.
Já o quarto aspecto do complexo materno na filha, a defesa contra a mãe, segundo
Jung (2021a), é um estágio intermediário dos aspectos mencionados anteriormente. Ele tem
dois lados, no primeiro a filha tem um fascínio para com a mãe, mas que nunca gera uma
identificação, já no segundo há uma exacerbação do eros que leva a uma relutância e ciúmes
contra a figura materna. Assim, a mulher que possui este estágio do complexo, cria
mecanismos de resistência contra a mãe o que pode acabar gerando um desenvolvimento
42

intelectual acima da média para que ela se sinta superior à figura materna. Além disso, este
complexo pode levar a resistência enquanto uterus e matéria:

A resistência contra a mãe, enquanto uterus, manisfesta-se muitas vezes através


de distúrbios da menstruação, dificuldade de engravidar, horror a gravidez,
hemorragias e vômitos durante a gravidez, partos prematuros etc. A mãe
enquanto matéria provoca impaciência em relação ao objeto, desajeitamento na
manipulação de ferramentas e louças, bem como o mau gosto no vestir (JUNG,
2021a, p. 97,grifo do autor).

Falando sobre o complexo paterno, Ferrandin (2014) destaca que este também é
relevante no desenvolvimento da personalidade feminina, pois ele está carregado das ideias,
sentimentos e emoções geradas a partir da figura paterna, principalmente do animus do pai, o
qual “[...] representa a masculinidade, o ímpeto de ação, a capacidade de julgamento e
discriminação da mulher” (WHITMONT, 2009, p.179 apud FERRANDIN, 2014, p. 37).
Dessa forma, a menina, a partir do animus gerado através da figura paterna, projeta
seu lado masculino em outros homens ou em sua vida intelectual. Já no caso de mulheres as
quais não tem uma figura paterna presente em suas vidas, seu lado masculino é gerado a partir
do animus da mãe (FERRANDIN, 2014).
A partir do que foi exposto é possível perceber a importância dos complexos na
formação da psique, assim como o entendimento de suas configurações para a compreensão
dos processos saudáveis e não saudáveis da vida humana (JUNG, 2021a, p. 106).

4.3 O Modelo Psíquico de Jung

Segundo Jung, na psique há a existência do inconsciente pessoal e do coletivo. O


inconsciente pessoal advém da experiência individual, e possui caráter emocional, nele, estão
localizados os complexos. Este componente da psique também é um reservatório de
conteúdos que foram conscientes no passado, mas, no presente, estão esquecidos ou
reprimidos no inconsciente. Tais conteúdos são reprimidos através do ego, quando, por
exemplo, um sujeito não está suportando determinada situação e não quer lidar com ela
(JUNG et al, 2021). Já o inconsciente coletivo não está atrelado às experiências pessoais,
portanto, seus conteúdos nunca estiveram na consciência, mas sim, são herdados, ou seja,
hereditários, compartilhados por toda a humanidade (JUNG, 2021a).
O modelo psíquico junguiano, é baseado nos inconscientes pessoal e coletivo como
demonstra a figura a seguir:
43

Figura 1- Modelo psíquico junguiano

Fonte: VALENTE (2018)

O componente da figura denominado de si mesmo é o Self, o centro do inconsciente


coletivo e a meta dele é sair do inconsciente e se tornar complexo. Dessa forma, o Self envia
símbolos do inconsciente coletivo para a consciência para que estes sejam interpretados e
integrados na vida consciente. Já a parte consciente onde o ego, está localizado é chamada de
self, este é representado pelas atitudes movidas a partir da consciência e guiadas pelo ego que
em alguns casos, não entram de encontro com os aspectos inconscientes, gerando
desequilíbrio psíquico (JUNG et al., 2021).
Portanto o eixo Self<>self precisam estar em comunicação para haver o equilíbrio da
personalidade. Por isso, nesse modelo psíquico existe o eixo ego-si mesmo, é nele que ocorre
o processo de individuação no qual os conteúdos arquetípicos são transformados em
complexos e podem ser aplicados na consciência e na vida objetiva (JUNG et al., 2021).

4.4 Persona

A persona é um arquétipo social formado na infância e representa os papéis que os


sujeitos cumprem em sociedade, por exemplo, uma mulher que é mãe, filha, esposa,
professora, vai agir de acordo com o padrão que a sociedade espera desses papéis, atendendo
assim as exigências sociais como se estivesse se expondo em uma vitrine a partir da criação
de um personagem que não corresponde de fato a quem ela é realmente, não expressando
desejos nem comportamentos que gostaria de expor (JUNG et al., 2021).
44

Este arquétipo é uma manifestação do ego, atendendo suas necessidades e auxilia na


convivência em sociedade. Apesar disso, é um obstáculo para o processo de individuação,
pois o Self do sujeito e sua persona precisam estar em equilíbrio, ou seja, deve haver uma
flexibilidade entre ambos e quanto mais preso um indivíduo estiver a sua persona, mais difícil
é o processo de individuação o qual proporciona o equilíbrio entre os processos conscientes e
inconscientes (JUNG et al., 2021).

4.5 Sombra

Todos os comportamentos indesejáveis para a persona e o ego vão para a sombra que é
tudo aquilo o que cada um não suporta em si mesmo, nela estão os aspectos esquecidos da
psique, por isso muita energia acaba sendo gerada e quanto mais a sombra é ignorada, mais
ganha energia. Assim, ela vai sendo manifestada em sonhos que geralmente são expressões
opostas a persona. Além disso, a sombra está atrelada ao arquétipo do inimigo, pois os seres
humanos as projetam, ou seja, seus aspectos indesejáveis, naqueles os quais consideram
inimigos (JUNG et al., 2021).
A doutrinação cultural ajuda na formação da sombra, pois as normas vigentes em uma
sociedade acabam moldando os sujeitos em seus comportamentos e faz com que alguns de
seus aspectos sejam reprimidos para o inconsciente por não condizerem com o que a cultura
prega e exige (JUNG et al., 2021).
Um ponto o qual deve ser levado em consideração é sobre a sombra ser um aspecto
individual, mas também coletivo e apesar de ser inconsciente, ela pode se tornar consciente
através do processo de individuação ou da interpretação de sonhos. A partir disso, o indivíduo
pode tornar conscientes os aspectos de sua sombra, assimilando-os e trazendo-os para suas
experiências diárias. Desse modo, ao aceitar suas características consideradas negativas, elas
não serão mais reprimidas para o inconsciente e o sujeito não precisará mais projetá-las em
outras pessoas, pois saberá lidar com elas (JUNG et al., 2021).

4.6 Anima e Animus

A anima e o animus são energias femininas e masculinas inconscientes que


compensam o ego, são duas polaridades no homem e na mulher, como Yin (feminino) e Yang
(masculino). A anima é o lado inconsciente feminino no sexo masculino e o animus é o lado
inconsciente masculino no sexo feminino (JUNG et al., 2021).
45

Falando um pouco sobre a anima, seus aspectos positivos são a sensibilidade,


relacionamento interpessoal e percepção dos aspectos inconscientes. Já seus aspectos
negativos se manifestam quando o homem está com a anima distorcida, o que acarreta
comportamentos ranzinzas, falas de reclamação, isolamento. Isto pode levar a uma patologia.
Tal fato geralmente ocorre quando um homem tem sentimentos negativos a partir da relação
com a mãe, pois a anima é desenvolvida através desta (JUNG et al., 2021).
É importante ressaltar que o homem tende a projetar sua anima em uma mulher como,
por exemplo, quando se apaixona loucamente. Essa projeção ocorre quando o homem não
consegue exercer sua anima na vida consciente, mas quando ele consegue, a projeção não
ocorre mais (JUNG et al., 2021).
Existem quatro estágios de desenvolvimento da anima, o primeiro é o da mulher
primitiva que está mais ligado ao instinto, a terra, a conexão com a intuição e a essência; o
segundo é o da Helena de Tróia, atrelado ao amor romântico, a sedução, o desejo, o erótico; o
terceiro é o da Virgem Maria, voltado para o amor incondicional, ao cuidado; e o quarto é o
da Atena, ligado a sabedoria feminina e a realização interior (JUNG et al., 2021).
O animus, que é a personificação masculina no inconsciente feminino, também tem
aspectos positivos e negativos e é moldado pela relação da mulher com o pai. Através deste,
se a relação paterna for negativa, o sexo feminino cria convicções “verdadeiras” sobre o
mundo as quais em hipótese alguma podem ser refutadas e na maioria das vezes estas são
expressas de forma impositiva e violenta, demonstrando assim, um animus distorcido. O
animus quando é expresso dessa forma, é totalmente destrutivo para a psique feminina, pois
impede a mulher de enxergar suas potencialidades por causa de uma masculinidade
exacerbada (JUNG et al., 2021).
Entretanto, assim como a anima, quando a mulher torna seus aspectos inconscientes
em conscientes e os integra em seu cotidiano, o animus acaba se tornando muito positivo e
proveitoso para a sua vida, pois ajuda o sexo feminino a não ser dominado por relações
destrutivas e a se impor quando necessário de forma assertiva e sábia (ESTÉS, 2018).
O animus também possui quatro estágios de desenvolvimento, o primeiro é o do
Tarzan, o homem selvagem, instintivo, com conexão com a terra; o segundo é o homem da
ação, como a figura de um soldado, voltado a fazer e resolver coisas; o terceiro é o condutor
do verbo, ligado ao poder da oratória, ou seja, tem a ação através da fala e da racionalidade e
não mais da força ou da agressividade; e o quarto é o sábio o qual não utiliza nem a força,
46

nem a ação e nem a oratória, pois sua sabedoria é conduzida por sua força interior (JUNG et
al., 2021).
A anima e o animus também se expressam em relacionamentos. Jung fez sua teoria
baseada nos relacionamentos heterossexuais e homoafetivos. Nos relacionamentos entre
homem e mulher, o sexo feminino projeta seu animus no sexo masculino e este projeta sua
anima na mulher. É importante ressaltar que o arquétipo materno e paterno interferem no
relacionamento entre pessoas do sexo oposto (JUNG et al., 2021).
Já nos relacionamentos homoafetivos, por exemplo, se uma mulher é lésbica, ela se
identificará com seu pai que possui uma anima, e se um homem é homoafetivo, ele se
identificará com sua mãe a qual possui um animus. Assim, a mulher irá projetar a anima em
outra mulher e o homem irá projetar o animus em outro homem (JUNG et al., 2021).

4.7 O Processo de Individuação

Através do processo de individuação, um sujeito pode entrar em contato com o


inconsciente e os arquétipos podem ser transformados em complexos, proporcionando ao
indivíduo conseguir conhecer quem ele realmente é, ou seja, superar sua persona e poder
viver em totalidade. É importante ressaltar que este processo é uma jornada para a vida
inteira, pois em cada momento, cada pessoa precisará entrar em contato com um arquétipo
diferente, pois estes aparecem e reaparecem nos momentos específicos que cada um necessita
integrar em sua vida (JUNG et al., 2021).
Como o processo de individuação ajuda no desapego da persona, a partir dele há a
possibilidade de um sujeito parar de projetar sua sombra em outras pessoas, assim como há o
enfrentamento da anima e do animus para que os opostos sejam incorporados e a relação com
o sexo oposto seja harmoniosa (JUNG et al., 2021).
Algumas ferramentas podem ser utilizadas no processo em questão como, por
exemplo, as mandalas que são como fotografias do inconsciente no momento no qual são
desenhadas, ou seja, expressam o que está se passando nele. Elas sempre são desenhadas do
centro para as bordas e são feitas em círculo que é o símbolo da totalidade psíquica (JUNG et
al., 2021). As mandalas podem ser desenhadas através de sonhos e do processo de imaginação
ativa os quais serão explicados a seguir.
Jung enfatiza que entender os sonhos é difícil, pois eles não são transmitidos pela
lógica consciente, mas sim, inconsciente: “Neles se acumulam imagens que parecem
47

contraditórias e ridículas, perde-se a noção de tempo e as coisas mais banais podem se revestir
de um aspecto fascinante ou aterrador” (JUNG et al., 2021, p. 43)
Por tal fato, os sonhos muitas vezes são deixados de lado pelo sonhador, o qual não
entende o que eles querem dizer através do inconsciente, já que este demonstra seus
conteúdos de forma poética e não racional, modo com que o ser humano está acostumado a
entender as coisas (JUNG et al., 2021).
Para Freud, pai da Psicanálise, os sonhos são acontecimentos do dia anterior ou a
realização de desejos, principalmente sexuais os quais um sujeito não pode realizar. Jung
concordava com isso, mas através de seus estudos constatou que os sonhos eram mais do que
isso, ou seja, são a expressão do inconsciente coletivo e é a partir deles que nascem a maioria
dos símbolos e que estes também são expressos. Os sonhos ainda possuem uma função
prospectiva, dessa forma, o inconsciente coleta fatos do dia a dia e é possível que um sujeito
acabe sonhando com algo que ainda não ocorreu. É importante ressaltar que tal fato ocorre,
pois os inconscientes dos indivíduos estão sempre se comunicando fazendo assim com que os
sonhos possuam uma função transcendente e não premonitória (JUNG et al., 2021).
Vale ressaltar que os sonhos ocorrem independente da vontade, desejo ou intenção
consciente, ou seja, as pessoas sonham espontaneamente, pois este é um evento natural da
vida humana intencionado pelo inconsciente, além de serem compensatórios no sentido de
servirem para o equilíbrio da psique quando há uma energia a qual gera tensão (JUNG et al.,
2021).
Jung et al. (2021) deixa claro que na interpretação dos sonhos é preciso levar em
consideração o contexto destes na vida de quem sonha, assim como o contexto cultural do
sonho e o conteúdo arquetípico expressado.
A imaginação ativa, outra forma de contato com o inconsciente, propicia a
confrontação deste com o consciente. Assim, é possível com que o sujeito lide de maneira
dialética com o inconsciente e que integre seus conteúdos na vida cotidiana, ou seja, faz com
que estas duas instâncias entrem em equilíbrio, e isto acarreta em benefícios e qualidade de
vida, pois as imagens simbólicas transmitidas pelo inconsciente são uma fonte criativa da
psique humana (SCHWARZ; PAULLI, 2019).
A técnica da imaginação ativa pode ser expressa através da meditação, um método de
treinamento mental em que mente e corpo compartilham sensações e informações, fazendo
com que o mundo seja experimentado pelos sentidos. Isto leva a uma intimidade com a
48

própria psique e faz com que o indivíduo foque no tempo presente e faça o exercício de não se
auto julgar (SCHWARZ; PAULLI, 2019).
Na meditação através da imaginação ativa há o acompanhamento por um terapeuta e o
indivíduo o qual está se submetendo a ela tem a possibilidade de interagir com os arquétipos e
símbolos os quais aparecem a partir desta prática que proporciona a ação através da
imaginação (JUNG et al., 2021).
Para que os conteúdos advindos da imaginação ativa se tornem conscientes e sejam
integrados no dia a dia de quem faz esta prática, é imprescindível que sejam feitos registros
através da escrita, pintura, desenho, escultura, dança, representações, pois isto propicia a
reflexão e ajuda a lidar com aspectos os quais o indivíduo tentar fugir (JUNG et al., 2021).

4.8 Modelo Psicoterápico Junguiano

Neste trabalho é relevante a explanação sobre o processo psicoterapêutico com base na


Psicologia Analítica, uma forma inovadora de tratamento para pessoas que apresentam
transtornos mentais, pois rompe com a lógica da patologização e da normatização e leva em
consideração a manifestação dos conteúdos inconscientes que são a chave para o
entendimento da apresentação de sintomas, sejam psicóticos ou não e o consequente
tratamento através da própria expressão dos sujeitos (JUNG et al., 2021).
Além disso, esta perspectiva rompeu com o modelo do divã freudiano que segundo
Estevam (2008) consiste em o paciente deitar de costas para o analista para que o processo de
transferência seja evitado e as expressões do terapeuta não interfiram na associação livre,
método utilizado por Freud o qual consiste em o terapeuta deixar o paciente falar o que lhe
vier à cabeça sem interrupções.
Lourenço (2005) enfatiza que para Freud a transferência ocorre através da confiança
que o cliente desenvolve em relação ao terapeuta e neste processo, o primeiro pode se
apaixonar pelo segundo ou ter sentimentos de raiva por ele a partir do movimento de entrar
em contato com aspectos os quais causam desconfortos ou lembram vivências anteriores.
Assim, o sujeito não está necessariamente apaixonado ou com raiva do analista em si, ele
projetou seus sentimentos nele.
Jung em entrevista (FAJARDO, 2015) concorda em parte com a conceituação de
Freud sobre a transferência, mas enfatiza sobre a transferência ocorrer quando o sujeito conta
ao analista todos os seus sentimentos e emoções mais profundos, ficando “nas mãos” do
terapeuta e assim pode surgir um vínculo emocional, pois o primeiro acaba enxergando o
49

segundo a partir de uma relação paterna ou materna, pois há uma projeção destas. Tal
projeção é arquetípica. A partir disso, o papel do analista é fazer com que o indivíduo cesse
com este tipo de projeção, ou seja, trabalhe para que o sujeito não o veja mais como pai ou
mãe ou como a figura emocional de suas fantasias.
Jung popularizou o acesso terapêutico, pois atendia pessoas de todas as classes sociais,
diferentemente da configuração de sua época em que só fazia psicoterapia quem fosse de uma
classe social abastada. Além disso, para ele o processo terapêutico sempre deve ter início a
partir da análise da história de vida do sujeito e seu contexto (JUNG et al., 2021).
Quando o paciente inicia um processo terapêutico através da Psicologia Analítica, ele
tem a oportunidade de entrar em contato com seu sofrimento e o significado dele. A partir
disso, é possível o confronto com o inconsciente, pois o sofrimento psíquico é uma
comunicação de que algo não vai bem e precisa ser resolvido. É importante ressaltar que se a
psique está com problemas, haverá uma tentativa de individuação e sem o auxílio necessário,
podem surgir sintomas neuróticos, psicóticos ou perversos (JUNG et al., 2021).
A neurose ocorre quando há a extroversão da libido, a energia psíquica. Dessa forma,
há uma identificação demasiada com a persona, e com o ego, assim há uma dissonância com o
inconsciente, ou seja, um neurótico ainda não se conhece verdadeiramente, portanto, não
iniciou seu processo de individuação e por tal fato, surge uma incapacidade de enfrentar as
circunstâncias da vida (JUNG et al., 2021).
A psicose como já explicado anteriormente, ocorre através da introversão da libido,
desse modo, há uma identificação demasiada com o inconsciente, não havendo a ligação e o
equilíbrio entre este e o consciente. A psique de sujeitos psicóticos demonstra sofrimento,
portanto arquétipos são disponibilizados para haver condições desses indivíduos
sobreviverem às suas realidades. Nesse movimento, os arquétipos são disponibilizados de
forma emergencial, não sendo transformados em complexos e é por isso que surgem os
sintomas delirantes. A psicose, portanto, faz com que os arquétipos sejam vivenciados em sua
realidade (JUNG et al., 2021).
A perversão acontece quando há a identificação com a sombra, são os indivíduos
psicopatas ou de personalidade antissocial. Este fenômeno ocorre quando o vínculo afetivo
com os pais ou cuidadores não fazem uma pessoa em sua infância se sentir cuidada e amada e
ainda há negligencias e maus tratos (JUNG et al., 2021).
Pelo fato de o sofrimento psíquico ser transmitido através de manifestações do
inconsciente, o processo terapêutico só pode ser realizado com pessoas as quais não estejam
50

consumindo drogas psiquiátricas, já que estas inibem os sintomas e assim, a expressão do


inconsciente em relação ao desequilíbrio psíquico não é mais demonstrada e o terapeuta junto
com o paciente não tem condições de identificar o problema e ajudar a resolvê-lo (JUNG et
al., 2021).
No processo terapêutico os inconscientes do cliente e do terapeuta se comunicam e por
isso é importante que este também faça terapia para reconhecer suas feridas e assim poder ter
empatia com o paciente o qual poderá acessar seu curador interno e projetar no curador
interno do terapeuta. Dessa forma é possível concluir que o psicoterapeuta que busca se curar,
cura a pessoa a qual ele está atendendo (JUNG et al., 2021).
No início da terapia de base analítica, geralmente o paciente se encontra com o
terapeuta duas vezes por semana, entretanto depois há uma redução para uma sessão semanal
e por fim, é imprescindível que o analista perceba quando o analisando está sabendo
interpretar sozinho seus sonhos, por exemplo, pois quando chega este momento, deverá haver
a alta, já que para Jung o ser humano também precisa passar por seu processo de individuação
sozinho, para não gerar uma dependência do terapeuta (JUNG et al., 2021).
A partir dos conceitos expostos neste capítulo, que são base para a compreensão da
Psicologia Analítica, a análise do filme Cisne Negro (2010) com o foco na manifestação dos
sintomas psicóticos da personagem principal será realizada.
51

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo tem como objetivo apresentar os passos realizados para a produção deste
Trabalho de Conclusão de Curso, desde o método de pesquisa escolhido para descrição da
teoria de base, até a metodologia utilizada para a análise do filme “Cisne Negro” (2010).
Para esta pesquisa, o método utilizado foi o qualitativo. Este leva em consideração a
subjetividade humana. Além disso, a pesquisa qualitativa não é rigidamente estruturada,
permite a criatividade e imaginação dos investigadores o que possibilita novos enfoques.
Entretanto, os autores enfatizam o manejo da subjetividade neste tipo de pesquisa para que os
vieses do pesquisador não interfiram na cientificidade do material. Por tal fato, a manutenção
de anotações dos dados do fenômeno estudado em sua íntegra é necessária para que haja uma
interpretação de resultados de forma crítica, aprofundada e verídica (PATIAS;
HOHENDORFF, 2019).
Minayo (2012) ressalta que para a realização de uma pesquisa qualitativa com
fidedignidade é necessário que exista uma estrutura de investigação: “[...] que são os verbos:
compreender e interpretar; e os substantivos: experiência, vivência, senso comum e ação
social” (MINAYO, 2012, p. 621).
Minayo (2012) expõe 10 passos para a execução de uma pesquisa qualitativa. O
primeiro é conhecer os termos estruturantes das pesquisas qualitativas, pois estes possuem
sentidos, significados e subjetividades adquiridos através da experiência e do senso comum; o
segundo está atrelado à definição do objeto de estudo; o terceiro é o delineamento das
estratégias que serão utilizadas durante a pesquisa, como por exemplo, os instrumentos e a
teoria de base; o quarto é a observação do cenário da pesquisa para que haja uma maior
segurança em relação ao método escolhido; o quinto é a aproximação do objeto de estudo com
um embasamento teórico válido; o sexto é a ordenação e a organização do material colhido
durante a investigação; o sétimo é a construção da tipificação dos dados coletados; o oitavo é
o exercício de interpretação do material, o nono é a produção do trabalho e o décimo é a
asseguração de que a produção é fidedigna e válida cientificamente, ou seja, que a teoria, o
método e técnicas são universais, podendo ser aplicados por outros pesquisadores. Além
disso, a décima etapa visa a exposição de como ocorreu o processo da investigação.
Este estudo também foi realizado a partir da pesquisa bibliográfica. Entende-se por
pesquisa bibliográfica a revisão de literatura sobre as principais teorias que norteiam o
trabalho científico. Essa revisão é chamada de levantamento bibliográfico ou revisão
52

bibliográfica, a qual pode ser realizada em livros, periódicos, artigo de jornais, sites da
Internet, entre outras fontes. Esta tem por objetivo o aprendizado sobre o tema escolhido de
pesquisa e sobre a área do conhecimento estudado; facilitar a identificação e seleção dos
métodos e técnicas a serem utilizados pelo pesquisador; além de, oferecer subsídios para a
redação da introdução, revisão da literatura e redação da discussão do trabalho científico.
(PIZZANI et al., 2012).
O delineamento da pesquisa deste TCC foi iniciado a partir da identificação da
pesquisadora com a Psicologia Analítica e com temas relacionados à psicopatologia, mas
especificamente às psicoses. A partir disso, a orientadora deu a sugestão de ser realizada a
análise de um filme que foi aceita pela estudante. A partir disso, houve a seleção de três
filmes que contavam a história de personagens que manifestavam psicoses para que a
pesquisadora assistisse e escolhesse um deles para a análise: Cisne Negro (2010) encontrado
no site Mega Filmes, Anticristo (2009) e Uma Mente Brilhante (2002) ambos encontrados no
YouTube. Esta etapa durou três dias, a cada 24 horas a pesquisadora assistiu a um longa
metragem.
Em seguida, o filme Cisne Negro (2010) foi selecionado, pois houve uma maior
identificação da pesquisadora, além do enredo ser interessante e nas cenas haver uma
manifestação intensa de sintomas psicóticos na personagem principal. A partir disso, o objeto
de estudo foi definido: analisar os sintomas da esquizofrenia apresentados pela personagem
principal do filme intitulado Cisne Negro (2010) sob a perspectiva junguiana.
Posteriormente, foi realizada uma pesquisa bibliográfica de materiais relacionados à
esquizofrenia, as psicoses e a teoria Junguiana para o embasamento teórico deste TCC e para
a análise do filme “Cisne Negro” (2010). Esta fase durou aproximadamente três meses, foram
feitas leituras diárias, assim como a seleção dos textos necessários. Logo após, a pesquisadora
iniciou o processo de escrita deste TCC até o capítulo 4.
Sequencialmente, o filme Cisne Negro foi assistido quatro vezes seguidas. A cada vez,
a pesquisadora anotava todas as informações surgidas nas cenas em sua íntegra até todos os
detalhes estarem fidedignamente colhidos e registrados em um caderno. Tal etapa teve a
duração de sete dias. Logo após, houve a elaboração dos capítulos 5 e 6 que foram concluídos
em cinco dias.
Posteriormente houve a realização da descrição de todas as cenas do longa metragem
em ordem cronológica, esta etapa foi concluída após sete dias de trabalho. A partir da
descrição devidamente feita, a pesquisadora começou o processo de análise das cenas do
53

filme nas quais havia a manifestação dos sintomas psicóticos na protagonista a partir da teoria
da Psicologia analítica. Esta etapa do processo teve a duração de quinze dias. Para finalizar, a
conclusão do trabalho foi elaborada em dois dias.
O método de análise de imagens em movimento foi utilizado na análise do filme Cisne
Negro (2010). É importante ressaltar este tipo de metodologia é recente, pois emergiu apenas
a partir do surgimento das primeiras projeções de imagens em movimento, principalmente a
partir dos escritos de Ricciotto Canudo, a primeira pessoa que definiu o cinema como a sétima
arte (PENAFRIA, 2009). Este método se faz presente em estudos acadêmicos e, para isto, é
preciso decompor (descrever) o filme escolhido em sua íntegra e em seguida interpretar os
elementos decompostos a partir de uma teoria (VAYONE, 1994 apud PENAFRIA, 2009).
Dessa forma, este TCC foi produzido através da realização de uma pesquisa
bibliográfica a partir da seleção de textos que fornecem informações sobre a esquizofrenia,
sua manifestação e tratamento, principalmente com base na Psicologia Analítica e em seguida
foi feita a descrição das cenas do filme “Cisne Negro” (2010) e, por fim, a análise da
manifestação dos sintomas psicóticos na protagonista.
54

6 O CONTEXTO DA HISTÓRIA “CISNE NEGRO” (2010)

O filme norte americano de suspense e terror psicológico intitulado “Cisne Negro”,


lançado no ano de 2010, tem a duração de 1 hora e 43 minutos, foi dirigido por Darren
Aranofsky, produzido por Arnold Messer, Brian Oliver, Mike Medavoy e Scott Franklin e o
roteiro foi criado através de Mark Heyman e Jonh J. McLaughilin.
Tal produção conta a história de Nina Sayers interpretada por Natalie Portman, uma
bailarina profissional de 28 anos de idade, a qual trabalha em uma companhia nova-iorquina
de balé clássico. Apesar de ser adulta, ela é muito infantilizada por sua mãe, Erica Sayers,
interpretada por Barbara Hershey, a única pessoa com quem tem intimidade e que a chama de
“garota doce”. É importante enfatizar que Erica é uma bailarina aposentada que interrompeu
sua carreira para se dedicar à filha.
No decorrer do filme, fica nítido que Nina não tem amigos ou familiares fazendo parte
de sua vida social e pessoal, dessa forma, ela fica muito presa a sua mãe a qual a superprotege
e controla tudo o que ela faz como será demonstrado no decorrer dessa análise. Além disso, o
quarto da bailarina tem cores infantis e muitos brinquedos de pelúcia, demonstrando ainda
mais esta infantilização e ainda, a porta não tem chave o que mostra um controle exacerbado
de Erica exercido sobre a filha que não tem privacidade nenhuma.
A única coisa que permitia a personagem principal sair de casa com frequência era o
trabalho na companhia de balé. Esta ocupação era muito importante para ela, pois, como ela
sempre dizia, queria ser perfeita nos movimentos de dança, por isso, levava muito a sério seus
ensaios e técnicas, e isto chegou a se tornar algo mecânico, sem naturalidade.
Além disso, a partir do momento em que Beth MacIntyre, interpretada por Winona
Ryder, a primeira bailarina da companhia, estava prestes a se aposentar, Nina teve o desejo
muito grande, que se tornou realidade, de ser a nova bailarina principal da sua companhia,
para dar vida aos cisnes branco e negro na peça “O lago dos Cisnes”.
Entretanto, Nina sofreu muita pressão psicológica, manipulação, humilhação e
assédios moral e sexual de seu diretor, Thomas Leroy, interpretado por Vicent Cassel, pois ela
era impecável como cisne branco, mas encontrou muitas dificuldades nos ensaios para a
interpretação do cisne negro. Nestes ensaios, Leroy chegava a ser invasivo, tocando nas partes
íntimas de Nina e a beijando na boca, com o “argumento” de isto ser uma ajuda para fazer
com que a sensualidade da bailarina fosse despertada. A partir de tais impasses, a personagem
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principal acaba desenvolvendo sintomas psicóticos, tendo delírios e alucinações, o que será
mais bem descrito e analisado posteriormente.
Para esta análise, é necessário entender como funciona a peça de ballet clássico “O
lago dos cisnes”, pois esta está relacionada ao filme Cisne Negro (2010). Bonato (2016)
explica que este espetáculo estreou no ano de 1877, em Moscou, no Teatro de Bolshoi, com a
coreografia de Julius Reisinger e composição de Tachaikovsky. Entretanto, esta primeira
versão não obteve sucesso. Somente em 1895, quando houve uma segunda apresentação em
São Petersburgo a partir de uma nova coreografia de Marius Petipa e Lev Ivanov, esta peça
ficou famosa no mundo inteiro.
“O lago dos cisnes” é apresentado em quatro atos e relata a história de uma princesa,
chamada Odette, que tem uma irmã gêmea, Odile. A primeira é amaldiçoada por um
feiticeiro, chamado Von Rothbart, a viver no corpo de um cisne durante o dia e somente poder
ficar na sua forma human horas durante a noite, vivendo assim em um lago feito das lágrimas
de sua mãe. Odette somente pode ser liberta de tal condição se um homem virgem se
apaixonar por ela e declarar seu amor. Entretanto, se ocorresse o contrário e a princesa fosse
traída, nunca mais voltaria à forma humana (BONATO, 2016).
A peça inicia com um príncipe denominado de Siegfried, o qual havia completado 21
anos de idade. Este sai para caçar e encontra vários cisnes, inclusive Odette, que ao anoitecer
o surpreendeu com sua beleza ao virar uma bela mulher em sua frente e lhe contar sua
história, mas o dois são interrompidos pelo feiticeiro. O príncipe tenta matá-lo, contudo
Odette o impede, pois se Von Rothbart morresse, o feitiço duraria para sempre. Após isso,
Siegfried volta para o castelo, pensando em Odette (BONATO, 2016).
O príncipe ganhou uma festa para comemorar seu aniversário, pois estava sendo
pressionado pela família para se casar, mas, no baile recusou todas as pretendentes que
apareciam, pois já estava apaixonado por Odette. Todavia, Odile, a irmã gêmea de Odette e
filha de Von Rothbart, aparece na festa e engana Siegfried, fazendo-o achar que ela era sua
amada, por tal fato, ele declara seu amor e fidelidade a Odile e quando percebe o que
aconteceu foge para o lago e encontra com Odette, este é o último ato, no qual o casal se joga
no lago com a esperança de viverem juntos após a morte. Com esta atitude de amor
verdadeiro do casal, o feiticeiro acaba recebendo um choque mortal, ou seja, seu feitiço virou
contra ele próprio (BONATO, 2016).
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7 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO FILME CISNE NEGRO (2010)

Sobre o filme Cisne Negro (2010), este inicia com um sonho da personagem principal,
no qual ela estava dançando o prólogo do Cisne Branco da peça “O lago dos cisnes”, em que
Von Rothbart coloca um feitiço na princesa que vira um cisne branco. Assim, Nina estava
vestida de branco fazendo os movimentos de dança com seu par, o príncipe, num teatro sem
plateia e totalmente escuro, a única parte iluminada era a da apresentação. No meio da
atuação, aparece o feiticeiro com uma roupa totalmente preta e chifres na cabeça, jogando o
feitiço.
Estés (2018) expõe que quando em um sonho, nas histórias, nos contos, e no processo
de imaginação ativa o escuro predomina, o inconsciente está sendo manifestado. Entretanto,
apesar de no sonho de Nina isso acontecer, ainda há uma luz iluminando a sua dança com o
príncipe, fato que demonstra que a personagem principal iniciou um processo de contato com
seu inconsciente, mas não mergulhou em seus conteúdos totalmente e com profundidade, o
que não é algo negativo, já que quando isto ocorre, podem ser geradas psicoses, por isso, a
importância do equilíbrio entre inconsciente e consciente.
Além disso, como enfatizado anteriormente, Nina gostaria muito de interpretar o papel
principal em “O lago dos cisnes” e esse desejo é realizado no sonho, dessa forma, este pode
ser classificado como um sonho compensador, pois na vida real, Nina não era ainda a primeira
bailarina da companhia e por não conseguir realizar tal desejo, o inconsciente compensou essa
falta a partir do sonho (JUNG, 2012).
O cisne branco, interpretado pela personagem principal no sonho expõe a persona de
Nina. Segundo Herder Lexion (2009 apud FERRANDIN, 2014) este arquétipo representa a
pureza, a graciosidade, a fragilidade, a ingenuidade, o aspecto virginal, a doçura e a
submissão, características demonstradas no decorrer do filme através das falas e do
comportamento da personagem. Já o feiticeiro representa a sombra da bailarina, ou seja, os
aspectos da psique que ela não suporta em si mesma e, por isso, são inconscientes. Por tal
fato, o feitiço ao ser lançado, representa a sombra atingindo a persona ao demonstrar os
aspectos que Nina considera negativos em si mesma e não tem consciência (JUNG, 2021a).
Voltando ao relato do filme, ao amanhecer a bailarina acorda feliz e conta o sonho
para Érica, sua mãe, dizendo que este demonstrava uma coreografia diferente, mais parecida
com a de Bolshoi. Nina não estava animada somente por causa do sonho, mas também porque
nesse dia voltaria de férias e reiniciaria sua rotina de trabalho e, além disso, o diretor da
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companhia havia prometido lhe dar oportunidades melhores na nova temporada que estava
iniciando.
Após a conversa, Erica ajuda Nina a vestir-se. Logo no início do longa metragem é
possível perceber o controle que a mãe exerce sobre a filha, a qual é sempre muito obediente.
Nesse movimento de vestir Nina, Erica percebe que tinham marcas de arranhões nas costas
dela e acha estranho, mas a filha fala que não era nada. Tal fato demonstra que a personagem
principal já estava entrando em um processo ansiogênico, tanto pelo retorno ao trabalho e
desejo de se destacar, quanto pelo comportamento de superproteção da mãe. Jung (2021b)
destaca que situações que levam à ansiedade exagerada, podem ajudar no desenvolvimento de
processos psicopatológicos.
Na cena seguinte, a bailarina sai de casa e vai para o metrô onde uma alucinação
denominada por Dalgalarrondo (2019) de autocóspica é manifestada, pois Nina vê uma
mulher com sua mesma fisionomia vestida de preto. É importante ressaltar que a personagem
principal no filme só usa roupas brancas e de tons claros. Ao avistar esta pessoa, Nina fica
fixada e intrigada a olhando até a pessoa sumir. Tal fenômeno demonstra, mais uma vez, a
manifestação da sombra de Nina que, segundo Moraes (2011) é totalmente afetada pela
relação dela com a mãe, visto que ao se identificar com a figura materna, Nina acaba se
tornando submissa às suas vontades.
Jung (2021b) expõe que a sombra tenta se manifestar de várias formas para que possa
ser integrada na vida consciente e no caso de Nina, até esse momento do filme, isso ocorreu
através do sonho e, como não houve essa integração, a sombra começou a se apresentar a
partir do fenômeno alucinatório descrito, demonstrando o início de um processo
psicopatológico.
Avançando no relato do longa metragem, ao sair do metrô e chegar à companhia de
balé, as bailarinas estão conversando no camarim sobre a saída de Beth dos palcos e Nina fala
que acha isso muito triste, e as outras colegas riem, enfatizando que Beth já estava “velha
demais”. No meio da conversa, aparece uma nova colega de trabalho no local, uma mulher
chamada Lilly, interpretada por Milla Kunis que cumprimenta todas.
Neste dia, todas as bailarinas e bailarinos da companhia estavam ensaiando com uma
professora e no meio da atividade, Thomas, o diretor aparece e observa o ensaio, falando que
quer renovar a temporada com “O lago dos cisnes” e precisa de uma nova bailarina, a qual
possa incorporar os dois cisnes, o branco e o negro. Nina e algumas de suas colegas são
selecionadas para uma audição no mesmo dia, para que Thomas as avalie e tome uma decisão.
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Antes da seleção, a personagem principal treina muito para a sua apresentação e nesse
momento ouve Beth, com muita raiva, quebrando as coisas em seu camarim, ela estava
furiosa porque iria ser substituída. Nina chegou perto do camarim e a observou saindo do
local, após isso, entrou e pegou, sem pedir permissão, um batom de Beth, pois, segundo a
protagonista explica em uma cena posterior, a considerava perfeita e de alguma forma queria
ser como ela, sentia que se usasse as coisas dela, poderia chegar ao seu nível como bailarina.
Percebe-se que, nesse momento, a sombra de Nina se manifesta novamente, mas ainda
de uma forma velada, pois a personagem tem o desejo de ser como Beth, mas ainda não expõe
seu lado mais sensual de forma explícita. Além disso, o fato de Nina treinar muito antes da
audição evidencia, mais uma vez, a identificação exagerada com a persona, ou seja, seu papel
de bailarina que preenche os requisitos sociais exigidos (FERRANDIN, 2014).
Na audição, Nina se apresenta dançando o cisne branco com perfeição e Thomas fala
que se ele estivesse escolhendo somente o cisne branco seria ela, mas ele precisava do negro
também e, por isso, necessitava de uma bailarina que também soubesse seduzir, pois Nina era
muito controlada em seus passos, mais um aspecto que segundo Ferrandin (2014) representa a
identificação de Nina com sua persona.
Logo após, a personagem principal dançou o cisne negro, que no filme também
simboliza a sua sombra e, segundo Herder Lexikon (2009 apud FERRANDIN, 2014, p. 38),
“[...] representa o oposto da luz, com capacidade de vaticinar e predizer a morte”. No
momento da demonstração de Nina, Lilly chegou abrindo a porta e ela se distraiu e
desequilibrou. Thomas, com arrogância, disse que não precisava repetir os movimentos
fazendo com que a protagonista saísse desolada do local.
Na volta para casa, a personagem principal passa por um corredor e vê novamente a
mesma mulher idêntica a ela, com as roupas pretas, só que, dessa vez, com um ar de sedução
e cabelos soltos. A partir desse momento é possível perceber que os aspectos da sombra da
psique de Nina começam a se manifestar de modo mais intenso, demonstrando seus conteúdos
ocultos e considerados por ela imorais através de suas vivências, como destaca Jung (2021b).
Nesse meio tempo, Erica ficou ligando para a filha, já que por causa da audição ela
estava demorando a chegar. Quando entrou em sua residência, a bailarina começou a chorar
sendo consolada por Erica. A partir das informações transmitidas sobre o relacionamento da
personagem principal com sua mãe até o momento, é possível concluir que Nina tem um
complexo materno negativo, pois suas vivências com Erica não permitem o desenvolvimento
da sua personalidade, deixando-a na sombra de sua mãe. A superproteção também corrobora
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nesse processo, pois faz com que a personagem principal corra para o colo da mãe quando os
acontecimentos e problemas da vida adulta aparecem, como no caso da audição na companhia
de balé (JUNG, 2021a).
Outro ponto importante para o desenvolvimento do complexo materno negativo de
Nina é que, como exposto anteriormente, Erica tinha o sonho de ascender como bailarina
profissional em sua juventude, mas isto foi interrompido pela responsabilidade da
maternidade. Assim, essa mãe acabou inibindo o instinto feminino da filha gerando
dependência através do controle exacerbado, fazendo com que Nina vivesse a vida que ela
desejava, mas não pôde alcançar. Ou seja, a personagem principal não estava vivendo a partir
de suas escolhas, mas sim, das de sua figura materna (JUNG, 2021a).
Recapitulando a cena do filme na qual Nina desabafa com a mãe, após se acalmar, a
personagem começa a ensaiar repetidas vezes os passos do cisne negro, com essa obsessão,
ela acabou se machucando, uma de suas unhas do pé rachou no meio e começou a sangrar.
Assim, sua mãe começou a cuidar do ferimento e nesse momento, Nina demonstra ódio/afeto
negativo por Lilly, a culpando por ter errado na audição. Segundo Jung (2021a), isto é um
mecanismo de projeção da sombra, pois as características indesejáveis e inconscientes de um
sujeito são projetadas em outras pessoas gerando uma aversão.
Essa cena expõe outro aspecto para o desenvolvimento psicopatológico de Nina. Para
Jung (2021b), sujeitos que manifestam transtorno psicótico acabam adquirindo ideias fixas
por causa da dominação do complexo e consequente cisão com a realidade, processo
perceptível na personagem principal no momento em que ela ensaia sem parar, com o intuito
de ser perfeita.
Na mesma cena, após a demonstração de raiva de Nina por Lilly, a bailarina é
consolada pela mãe, que tira seus brincos, coloca uma caixa de música para tocar e em
seguida, coloca Nina para dormir. Todos esses atos são como uma mãe cuidando de uma
criança, ou seja, a superproteção que sacrifica a filha, impedindo o desenvolvimento de
habilidades necessárias para a execução de tarefas diárias de modo autônomo e independente
(JUNG, 2021a).
No dia seguinte, a personagem principal decide falar com Thomas para dizer que
conseguiu terminar os passos do cisne negro e pedir o papel. Para isso, ela solta o cabelo,
passa o batom que furtou do camarim de Beth e vai até ele de uma forma muito tímida e
retraída, como se estivesse com vergonha e diz que ensaiou a noite passada. Entretanto, o
diretor falou sobre ela fazer tudo perfeito, mas nunca se entregar na dança, ao que Nina
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respondeu que queria ser perfeita. Thomas rebateu sobre não ligar para toda a sua técnica e
falou ter escolhido outra bailarina, Verônica, para o papel principal. Após a notícia, ela se
despede e agradece por ele tê-la escutado e, quando estava prestes a sair, Thomas a impede,
pergunta se ela não vai insistir mais pelo papel e em seguida a beija na boca, mas a bailarina o
morde, pede desculpa e sai da sala com pressa e assustada. É a partir desse momento em que
os assédios do diretor para com a bailarina se iniciam.
Essa cena demonstra a tentativa fracassada de integração da sombra de Nina, pois
apesar de ela ter remodelado sua aparência, seu comportamento continuou o mesmo, com a
predominância da timidez, da delicadeza e da submissão. O único momento de expressão de
sua sombra foi a partir do instinto quando a bailarina morde o diretor. Jung (2021b) expõe que
a tentativa de integração da sombra não surte efeito quando a psique humana entra em um
processo de cisão com a realidade através do distanciamento da conscientização e foi isso o
que ocorreu com a personagem.
A próxima cena ocorre no mesmo dia em que Nina fala com Thomas para pedir o
papel. Nesta, Verônica e algumas bailarinas estavam sentadas conversando no corredor da
companhia e Nina estava sozinha de frente para elas. Nesse momento, a personagem principal
ficava olhando muito para Verônica e mesmo tentando disfarçar, ela percebeu, ficou
incomodada e comentou com as amigas, estas zombaram dizendo que Nina estava obcecada
por ela, e por isso, a observava com frequência. Tal fato revela, mais uma vez, o desejo
inconsciente de expressão da sombra da personagem principal, já que Verônica tinha as
habilidades necessárias para a interpretação dos cisnes negro e branco.
Em seguida, todas receberam a notícia de que o resultado da nova primeira bailarina
do grupo havia saído. Nina, já sabendo quem seria, parabenizou Verônica com um meio
sorriso, um ar de tristeza e saiu desanimada. Na sequência da cena, Verônica foi até ela
furiosa e a perguntou se as felicitações eram uma piada de mau gosto e isto fez Nina ficar
confusa. Na sequência, a protagonista foi até o local onde foi feita a divulgação e viu que ela
tinha sido selecionada para interpretar o papel de rainha dos cisnes e suas colegas, as quais
estavam presentes, a parabenizaram.
A personagem principal fica muito feliz e vai direto para o banheiro, se tranca em uma
das cabines, liga para Erica e conta a novidade emocionada, chorando de alegria. Esta é uma
cena na qual a dependência de Nina em relação à mãe é expressa mais uma vez. Quando ela
saiu da cabine, viu no espelho escrito de batom vermelho o nome “vadia” e apagou com
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papel. Nesta parte do filme, não fica nítido se tal acontecimento foi uma alucinação visual, ou
alguém realmente escreveu, pois Verônica estava furiosa com Nina.
A bailarina chega em casa, mas não encontra sua mãe, vai até o quarto dela procurá-la,
e vê uma das pinturas do cômodo a olhando, se assusta e sai, mais uma manifestação de
alucinação visual. Após o banho, ela se olha no espelho, percebe alguns arranhões sangrando
na parte superior de suas costas e fica intrigada. Este fenômeno segundo Dalgalarrondo
(2019) é uma alucinação tátil.
Nesse momento, Erica aparece e a chama, pois estava a esperando com um bolo para
comemorarem a notícia, mas Nina não quis comer, disse que seu estômago ainda estava
embrulhado, dando a entender que esse comportamento de ingerir quantidades insuficientes
de alimentos era frequente. Assim, Erica se chateia e quase joga o bolo no lixo, mas sua filha
a impede, pede desculpas e ressalta sobre a aparência da guloseima estar ótima. Assim, Erica
passa o dedo na cobertura do bolo e coloca na boca de Nina, esta foi a única coisa que ela
provou do alimento. Esta é mais uma cena de submissão da filha em reação à figura materna.
No dia seguinte, a personagem principal do filme vai ensaiar na companhia e é
elogiada pelo diretor na interpretação do cisne branco, mas ele ressalta que a dificuldade seria
a da encenação do cisne negro e, finaliza: “eu sei que vi um flash dele ontem, então prepare-se
para me dar uma mordida igual”, no que Nina aparentou ficar apreensiva. Após seu ensaio, a
bailarina observa o de suas colegas de trabalho, nesse momento, Lilly estava dançando e
Thomas se aproxima de Nina e fala sobre Lilly dançar livremente, sem estar fingindo e isto a
deixou pensativa. É a partir desse momento que a personagem principal inicia o processo de
projeção de seus aspectos sombrios na colega, pois segundo Ferrandin (2014) ela tem as
características do arquétipo do cisne negro que Nina não havia integrado em sua
personalidade.
A cena seguinte retratou um evento de gala em que Nina, Thomas, os membros da
companhia de balé e pessoas influentes estavam presentes. Nesta ocasião, o diretor apresentou
Nina como a nova rainha dos cisnes da companhia de balé. Em seu discurso, ele lamenta
sobre Beth sair da companhia e esta sai do local, pois estava se sentindo rejeitada e, por isso,
não quis assistir a fala até o final. Enquanto Thomas fazia o discurso com a nova rainha dos
cisnes ao seu lado, Nina começou a ver em seu dedo um corte, alucinação que segundo
Dagalarrondo (2019) é visual e ao mesmo tempo tátil, já que causa sensação no corpo. A
personagem é aplaudida por todos, menos por Lilly, a qual estava conversando e rindo alto,
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com espontaneidade, como se não estivesse prestando atenção, Nina percebeu isso e não
gostou, pois a colega parecia estar demonstrando ser uma ameaça.
Quando Thomas acabou de falar, a bailarina foi direto ao banheiro para lavar o dedo,
esfregou as mãos e os dedos e arrancou a pele do dedo que estava com o corte. Apesar de ver
o sangue escorrendo e ter sentido dor, segundos depois, ela percebeu que seu dedo estava sem
nenhum ferimento. Nesse meio tempo, Lilly estava batendo na porta com frequência, dizendo
que precisava usar o banheiro, mas Nina demorou a abrir por causa da alucinação. Quando as
duas se encontraram, Lilly tentou puxar assunto, mas a personagem principal não quis
conversar e se retirou de forma educada.
Ao término do evento, Thomas convida a nova rainha dos cisnes para ir até sua casa,
para conversar e tomar um drink, mas no momento em que eles estavam saindo do local da
festa, o diretor foi chamado para falar com as pessoas. Nina ficou esperando no saguão onde
tinha uma estátua de um homem com asas e sem braços e fica admirando, esta estátua pode
simbolizar a figura do cisne negro e por isso o fascínio de Nina. Nesta hora, Beth aparece
alcoolizada e começa a xingá-la dizendo que ela tinha virado amante de Thomas para
conseguir o papel de rainha dos cisnes, alegando sobre o diretor sempre ter dito que Nina era
uma “garotinha frígida”. Thomas apareceu e levou Nina para sua residência.
Chegando à casa de Thomas, ele disse não querer que houvesse limite entre os dois e
Nina concordou. Assim, o diretor começou a fazer perguntas indiscretas, invasivas e íntimas,
a primeira foi se a bailarina tinha um namorado e ela respondeu que não. Na segunda, ele
perguntou se ela era virgem e isto a fez ficar envergonhada, mas ela disse que também não
era. Na terceira, Thomas indagou se a moça gostava de “fazer amor”, deixando-a ainda mais
sem graça, ao ponto de não conseguir responder. A partir disso, mais uma vez Thomas reforça
sobre eles precisarem ter a liberdade de falar sobre o tema e ela balançou a cabeça
consentindo, mas envergonhada. Em seguida, vendo que não conseguiu ter um momento
“satisfatório” com Nina, Thomas a deu uma “lição de casa”, ordenando para ela se masturbar
e se divertisse com isso, em seguida, a mandou para casa através de um táxi.
Ao chegar em casa, Nina contou a sua mãe como foi o evento enquanto, esta a ajudava
a tirar os acessórios e a roupa, mesmo a bailarina dizendo que ela mesma faria isso. Ao tirar a
parte de cima do vestido da filha, Erica percebeu os arranhões nas costas dela (a qual usava
sempre um casaquinho para esconder), isto a fez ficar irritada, dizer que a protagonista havia
voltado a praticar este “hábito nojento” e perguntar se o motivo para ela ter se arranhado era o
papel. Depois da bronca, Erica a puxou para o banheiro e cortou as suas unhas. Esses
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arranhões que a bailarina fez na própria pele, demonstram tanto a ansiedade ligada à pressão
psicológica que ela vinha sofrendo, quanto a manifestação da sombra de Nina na tentativa de
integração do cisne negro (FERRANDIN, 2014).
No dia seguinte, ao acordar, a bailarina começa a se masturbar, como recomendou
Thomas, mas ela não sabia que sua mãe estava dormindo na poltrona de seu quarto e quando a
viu se assustou, parou com o ato e se cobriu toda com o lençol. Pelo fato de ser tratada por
Erica como criança, Nina não tinha a privacidade de ficar sozinha nem em seu próprio quarto.
Essas cenas foram momentos nos quais ficou mais nítida a infantilização da
personagem principal, pois esta agiu como se estivesse sendo repreendida pela mãe por
travessura de criança, ficando quieta, de cabeça baixa e voz tímida, além da vigilância
frequente.
Na sequência do desenrolar dos fatos, a personagem principal foi trabalhar e lá
recebeu a notícia de que Beth havia sofrido um acidente quando atravessou a rua bêbada na
noite anterior. Nina começou a se sentir culpada pelo ocorrido e conversou com Thomas. Ele
comentou sobre desconfiar de Beth ter feito isso de propósito, pois ela se entregava demais
em tudo o que fazia, chegando a ser perfeita, mas também muito destrutiva e Nina começou a
ficar pensativa e mais obcecada em ser perfeita como Beth, pois ela também queria ser
admirada e reconhecida pelo diretor o qual chamava a ex rainha dos cisnes de minha
princesinha.
Pelo fato de se sentir culpada pelo acidente da ex colega de trabalho, a personagem
principal foi ao hospital fazer uma visita e levou flores, mas Beth estava dormindo, assim,
Nina levantou o lençol que a cobria, viu os ferimentos, se assustou, ficou atordoada e saiu do
local. Depois deste episódio, a bailarina ficou ainda mais preocupada e começou a organizar
os objetos que havia furtado de Beth em seu camarim, na companhia. Segundo Jung (2021b),
fatores que causam impactos emocionais intensos podem aumentar ansiedade e a reincidência
da manifestação de psicoses, fato que ocorreu com Nina ao se sentir culpada pelo acidente de
Beth, como será exposto nas cenas seguintes.
O filme também mostra Nina ficando cansada da superproteção da mãe e da falta de
privacidade, assim, ela arranja um bastão que poderia ser encostado na porta de seu quarto,
impedindo que outra pessoa entrasse, desse modo, ela não seria incomodada por Erica. Além
disso, a personagem começou a ficar com problemas de tensão muscular por causa dos
ensaios e da pressão psicológica, tanto em casa quanto no trabalho, ela até precisou de
massagens com uma profissional da companhia. Todos esses movimentos de Nina
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demonstram novamente a expressão da sombra em uma forma descontrolada pela necessidade


de integração na vida consciente da personagem, algo que não estava ocorrendo
(FERRANDIN, 2014).
Em um dos ensaios da personagem principal com seu par na peça, Thomas estava
assistindo e perguntou para o rapaz se, honestamente, ele faria sexo com Nina, o qual ficou
sem jeito e não respondeu, entretanto, o diretor respondeu por ele, dizendo que não, pois
ninguém faria e ainda continuou falando sobre a dança da bailarina ser muito frígida. A partir
disso, mandou todos irem embora, menos ela, e dançou com a protagonista fazendo o papel
do príncipe. Esse foi mais um momento no qual Thomas a assediou e a seduziu, passando as
mãos em suas pernas, a beijando na boca, tocando em seus seios, vagina e pedindo para ela
sentir os toques e correspondê-los. Contudo, após isso, ele parou abruptamente e disse: “Isso
fui eu seduzindo você, agora preciso que você faça o contrário” e, em seguida, saiu. A
personagem principal ficou no local, sentada no chão, triste e pensativa.
Das cenas descritas até o momento, é possível perceber que o diretor da companhia de
balé é um homem abusivo e exigente, e, pelo fato de Nina ter o complexo materno negativo,
ela tem relacionamentos verticais com o sexo oposto e não consegue lidar com situações de
repressão como as de assédio sexual e moral, justamente por não ter tido a oportunidade de
autodesenvolvimento em decorrência do controle exacerbado exercido por sua mãe. Isto tem,
como consequência, uma fixação de Nina na fase infantil, o que além de levar à dependência
em relação à mãe, leva à dependência em relação ao diretor (FERRANDIN, 2014).
Na cena após o assédio de Thomas para com a personagem principal, Lilly a avistou e
foi conversar com ela cujo choro não conseguiu controlar e isto fez com que a colega de
trabalho a consolasse e perguntasse se Thomas estava pegando muito pesado e ainda o
chamou de “cretino”. Todavia, a personagem principal, como já estava seduzida por ele,
rebateu e falou sobre Lilly não o conhecer, isto fez com que esta indagasse se ela estava
apaixonada pelo diretor, mas Nina não respondeu e saiu para casa, mesmo Lilly dizendo que a
pergunta havia sido somente uma brincadeira. Tal fato demonstra sobre Nina ter se
incomodado com a pergunta, tanto pelo fato de ser muito tímida, quanto por Thomas estar
mexendo com seus sentimentos e causando emoções através de tanta pressão psicológica e
assédio.
Chegando em casa, a personagem principal foi tomar banho na banheira e começou a
se masturbar, como Thomas pediu. Fica claro que tal ato não era costumeiro na vida da
personagem, justamente pela fixação na fase infantil, assim, foi algo totalmente novo na vida
65

dela e levou aos seus aspectos sombrios e inconscientes que ela ainda não havia integrado na
consciência (FERRANDIN, 2014).
No momento no qual a bailarina mergulhou na banheira e ficou totalmente submersa
na água, durante o banho, ela começou a ver pingos de sangue caindo na água e uma mulher
igual a ela em sua frente. Tais alucinações, visual (pingos de sangue) e autocóspica (ver a si
mesma), a assustaram, e isto fez com que as imagens desaparecessem. Entretanto, outras
alucinações surgiram, concomitantemente. Primeiro todas as unhas de suas mãos começaram
a sangrar e depois apareceram mais arranhões nas costas da bailarina, assim como o início do
aparecimento de escamas no mesmo local (alucinações táteis ou cenestésicas), ambas
simbolizando a manifestação patológica do cisne negro. A partir disso, a personagem
começou a cortar suas unhas e realmente feriu seus dedos com a tesoura. Com toda essa
demora dentro do banheiro, Erica percebeu e perguntou o que tanto a filha fazia lá dentro,
mas ela não respondeu.
Nessa cena, Nina apresenta três tipos de alucinações, tal fenômeno é denominado por
Dalgalarrondo (2019) de alucinação combinada, multimodal ou polimodal e é designada
assim quando há a manifestação de duas ou mais alucinações ao mesmo tempo.
No dia seguinte, durante o ensaio no qual Nina está dançando com seu parceiro,
Thomas assiste e manda ambos repetirem os passos inúmeras vezes e isto deixou a bailarina
intrigada, fazendo-a parar a dança e perguntar ao diretor se tinham correções para fazer, ele
respondeu com arrogância e na frente dos presentes, sobre Lilly ter lhe dito que tinha a visto
triste, chorando e pediu para ele pegar mais leve. A personagem principal negou ter dito isso à
colega de trabalho e o diretor rebateu perguntando se ela não gostaria de tirar uma folga de
meses e ainda disse que a protagonista poderia ser brilhante se não fosse covarde, fraca e não
ficasse choramingando. Nina pediu desculpas, demonstrando seu comportamento
infantilizado e Thomas rebateu falando para ela parar de se desculpar e de ser fraca. Logo
após, ele pediu para que os dois bailarinos refizessem a cena novamente. Nina não gostou de
saber que Lilly foi conversar sobre ela com Thomas e por isso foi falar com a colega para que
isso não ocorresse mais.
Segundo Jung (1985 apud FERRANDIN, 2014) o complexo paterno é muito
importante nas relações de trabalho da mulher, assim como, a figura paterna é o primeiro
componente na formação do animus. No caso de Nina, a figura paterna é inexistente,
Ferrandin (2014) expõe que o lado masculino da bailarina é composto pelo animus de sua
mãe, o que causa dificuldades de enfrentamento de desafios no âmbito de sua vida,
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principalmente no trabalho, como o assédio sexual e moral do diretor e a competição com as


colegas.
Entretanto, além do animus de Erica, Nina tem outra figura masculina muito
impactante em sua vida, Thomas. O animus “[...] é decisivo para determinar como ocorre a
interação de Nina com as figuras masculinas e, ao mesmo tempo, como ela lida com os
elementos que são inerentes à sua vida profissional” (FERRANDIN, 2014, p. 37). Entretanto,
como exemplificado na cena acima, o diretor acaba não sendo positivo para o
desenvolvimento da personalidade de Nina, pois não ofereceu o suporte emocional e nem o
apoio profissional na passagem da dependência da mãe para a vivência fora do mundo
familiar, processo necessário para a individuação da personagem. Dessa forma, a postura de
Thomas “[...] aciona o aspecto negativo do complexo paterno de Nina e a faz sucumbir à
própria sombra” (FERRANDIN, 2014, p. 37).
A próxima cena do filme retrata a volta de Nina para casa no metrô, onde ela estava
sentada lixando suas unhas e teve outra alucinação polimodal, um idoso sentado de frente para
ela fazendo gestos os quais remetem a atividades sexuais e mandando beijos (alucinação
visual complexa), a moça escutava até os barulhos que o senhor fazia com a boca (alucinação
auditiva). Nesta cena, é possível perceber em como o assédio, pressão psicológica e a “lição
de casa” que Thomas passou (para ela ter práticas masturbatórias), assim como a falta de
expressão sexual da personagem, são fatores que levaram a esta alucinação através da
manifestação dos seus aspectos sombrios (FERRANDIN, 2014).
Com todos esses acontecimentos e a mudança de comportamento da filha, Erica
começa a perceber que ela não está bem e pergunta se Thomas está a seduzindo, já que ela
estava chegando tarde em casa e ele já tinha uma fama de assediar as alunas, mas Nina negou.
Erica também a indagou se o comportamento de se arranhar havia cessado e pede para ver
suas costas, entretanto, a filha impediu e, nesse momento, a campainha tocou, era Lilly a qual
Erica dispensou dizendo que Nina não estava em casa, mas a personagem principal foi até a
colega de trabalho e perguntou qual o motivo dela ter ido até lá. Lilly a chamou para jantar e
pediu desculpas pelo ocorrido com o diretor.
A mãe de Nina ficava a chamando para entrar, mas Nina pegou seus sapatos e casaco e
saiu com Lilly, sem dizer nada a Erica. Esta e as próximas cenas descritas foram tentativas de
Nina de desligamento da mãe para o seu desenvolvimento próprio (FERRANDIN, 2014).
As garotas foram a um bar e Lilly começou a puxar conversa com a personagem
principal sobre Thomas, mas esta alegou não querer falar sobre isso, em seguida, sua colega
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disse que ela precisava relaxar e tirou um comprimido da bolsa, um tipo de droga, e a
ofereceu, nesse momento Nina não aceitou. Lilly também a emprestou uma blusa de cor preta,
esta é a primeira vez que ela veste uma roupa desta cor no filme. Ao voltar do banheiro, após
trocar a vestimenta, a bailarina vê a colega conversando com dois rapazes e a chama para ir
até onde eles estavam. Nesta hora, Nina queria ir embora, mas os três a convenceram a ficar,
todos ficaram conversando e se divertindo, ao mesmo tempo em que Erica ligava
insistentemente para a filha cujo celular não atendia.
Nina acaba pedindo para Lilly o comprimido e o ingere com bebida alcoólica e
começa a conversar com um dos rapazes que começa a flertar com a personagem principal.
Nessa conversa, este homem pergunta quem é ela e a mesma responde que é bailarina,
entretanto, o rapaz diz que queria saber seu nome, e ela responde, mas o assunto sempre acaba
ficando atrelado ao trabalho dela. Esta é mais uma prova de sua persona enraizada, Ferrandin
(2014) enfatizam a fixação exagerada da personagem em sua profissão.
No meio da conversa, o efeito da droga junto com o álcool começa a aparecer, assim,
Nina sente suas mãos suarem e começa a sorrir, assim como a encostar o rosto em Lilly, a
qual a leva para a pista de dança. Nesse momento a bailarina começa a dançar, beija homens,
fica tonta e começa a escutar, repetidamente, a voz de sua mãe dizendo “garota doce”, mas
depois volta a dançar. Posteriormente vai até o banheiro com outro rapaz e depois sai
atordoada da boate. Lilly percebe e a chama de volta, contudo, ela não volta.
Nesta parte do filme a personagem principal experimenta coisas as quais nunca viveu,
como sair a noite para uma balada, fazer o consumo de álcool e droga e flertar com homens.
Pelo fato de os conteúdos inconscientes estarem dominando sua psique, ela por não saber lidar
com este tipo de experiência, começa a se distanciar da realidade e a expressão da sombra é
invadida pela expressão da persona, quando ela escuta a voz de sua mãe a chamando de garota
doce. Jung (2021b) esclarece que a esquizofrenia é manifestada através de conteúdos
desconexos, como é demonstrado nessa cena em que dois opostos da personalidade de Nina
são expostos sem haver uma integração, fato que também demonstra o início da dominação do
complexo sombrio de Nina sobre sua psique.
Ainda nesta cena, Nina tem outros sintomas psicóticos, os quais podem ter sido
ativados pelo álcool e a droga, mas também pelo transtorno mental (esquizofrenia), o qual
estava se desenvolvendo em sua psique. Eles iniciam a partir de uma alucinação polimodal
que incluíram alterações da sensopercepção táteis, visuais e auditivas. Na cena, Nina e Lilly
pegam um táxi e no caminho esta toca nas partes íntimas daquela, a qual retira a sua mão
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mesmo sentindo prazer. Ao chegar em casa, rindo com a colega de trabalho, em um horário
muito tarde, a mãe da personagem está esperando, a repreende por ter chegado naquele
horário e pergunta com quem e onde a moça havia ido, ela disse que estava na lua, rindo
muito, e depois disse ter feito sexo com dois homens. Isto fez com que Erica desse uma
bofetada no rosto da filha, a qual saiu correndo para o quarto com Lilly e colocou o bastão
que ela havia pego entre a porta e a parede para que a mãe não pudesse entrar.
A imagem de Lilly se transforma na própria imagem de Nina através do espelho
(alucinação autocóspica) e esta começa a beijar a colega de trabalho, depois, ambas tem um
momento íntimo. Nessa hora, Nina acaba vendo flashes do seu próprio rosto no da colega de
trabalho e escamas em suas pernas, além disso, nas costas de Lilly havia uma tatuagem de
asas e Nina as viu se mexendo. Tudo isso ocorreu enquanto a personagem principal se
masturbava. Segundo Ferrandin (2014), isto demonstra mais uma vez a expressão da sombra
através do arquétipo do cisne negro, o qual já havia dominado a psique de Nina nesse
momento, levando a psicose como será exposto na descrição das próximas cenas.
No dia seguinte a bailarina perdeu a hora para ir ao ensaio na Companhia e sua mãe
não acordou, ao sair de casa correndo para o trabalho, disse a Erica que iria se mudar de lá.
Chegando ao local, Lilly estava a substituindo por causa do atraso, ela não gostou disso e tão
pouco de ver Thomas elogiando a outra bailarina. Nesse momento, o diretor deu alguns
minutos de pausa e pediu para Nina se vestir, então Lilly se aproximou dela, as duas
conversaram e a personagem principal perguntou por que a colega tinha colocado algo na
bebida dela e tinha ido embora de manhã, entretanto a moça disse que não dormiu em sua
casa e deduziu sobre Nina ter tido uma fantasia erótica lésbica com as duas. A partir disso,
Nina a mandou calar a boca e saiu furiosa, pois não tinha consciência de que este episódio da
noite anterior havia sido uma alucinação.
No ensaio, enquanto Nina estava dançando com seu par, ficou olhando para Thomas, o
qual não estava com a expressão de aprovação, este também olhava para Lilly como se
estivesse fazendo um gesto de que não estava gostando do ensaio da personagem principal.
Isto deixou Nina apreensiva e esta, ao chegar em casa, tentou vomitar no banheiro, logo após
quebrou a caixinha de música que sua mãe sempre colocava para tocar na hora dela dormir,
jogando no lixo todos os seus brinquedos de pelúcia, o que configura mais uma tentativa, de
Nina, de se desvencilhar da fixação da fase infantil (FERRANDIN, 2014).
Nos ensaios seguintes, a bailarina começa a usar roupas pretas, mais uma expressão da
sombra segundo Ferrandin (2014). Tal mudança fez com que Thomas a elogiasse mais,
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todavia, as alucinações continuaram acontecendo. Em uma cena, a costureira, a qual percebeu


a moça mais magra, estava tirando as medidas dela para as roupas do dia do espetáculo e
nessa hora ela tem mais uma alucinação visual, em que através do espelho, ela vê uma mão
coçando suas costas (expressando a tentativa de irrupção do cisne negro), depois vê seu
próprio reflexo sorrindo. É possível perceber que a dominação da sombra estava tão forte que
Nina não estava nem se alimentando direito e perdeu peso por causa da obsessão de chegar à
perfeição na interpretação do cisne negro. Segundo Jung (2021b), a dominação do complexo
sobre a psique como no caso de Nina, faz com que um sujeito não consiga focar em outros
âmbitos de sua vida.
No término da tiragem de medidas de Nina, Lilly aparece para a costureira fazer as
dela, pois Thomas a nomeou como substituta da rainha dos cisnes, caso algo errado ocorresse
no dia do espetáculo. Nina, ao saber da notícia, ficou furiosa e ao mesmo tempo desesperada,
saiu correndo atrás do diretor para pedir, chorando, para ele não colocar a colega como sua
substituta, pois ela queria roubar seu lugar no espetáculo. Esse pensamento se tornou uma
obsessão, algo que a deixou fora de si, mesmo Thomas tentando tranquilizá-la, dizendo sobre
ser necessário haver uma substituta por precaução e que o momento era somente dela e ela
precisava descansar, pois no dia seguinte aconteceria a estreia do espetáculo.
Tal fenômeno é caracterizado por Dalgalarrondo (2019) como um delírio de
perseguição, já que Nina acreditava realmente que a colega iria tomar seu lugar e destruí-la.
As crenças irreais também são mencionadas por Jung (2021b), que enfatiza que sujeitos que
manifestam a esquizofrenia acreditam, veementemente, em seus delírios e alucinações,
mesmo estes não sendo reais.
A partir das cenas do longa metragem descritas até o momento, é possível concluir que
Nina manifesta os sintomas positivos da esquizofrenia, pois segundo Barlow e Durand (2015)
estes representam acréscimos de fenômenos no comportamento. No caso de Nina, foram as
alucinações e os delírios que ela apresenta no decorrer do filme, típicos da esquizofrenia
denominada por Nunes et al. (2020) de pananóide.
Após o acontecimento descrito anteriormente, a protagonista, ao invés de ir para casa,
ficou até tarde da noite na Companhia de balé, ensaiando ininterruptamente. Em determinado
momento, ela tem novamente uma alucinação polimodal com alterações auditivas, visuais e
autocóspica. Inicialmente a bailarina vê seu reflexo no espelho fazendo movimentos os quais
não condiziam com os dela, logo após ouve risadas de Lilly, as luzes se apagam e ela vê a
sombra de um homem com capa, o segue, mas ele some. Nina volta a ouvir o som da voz da
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colega de trabalho vai em direção a ela, nesse momento a alucinação continua acontecendo, e
a protagonista vê Lilly a ponto de ter relações sexuais com Thomas. Entretanto, a personagem
principal acaba novamente enxergando seu próprio rosto, ao invés do de Lilly, e o diretor se
torna o feiticeiro Von Rothbart e olha para ela.
A partir dessa cena, a personagem principal entra no ápice de sua psicose. Jung
(2021b) destaca que quando isso ocorre, um sujeito não consegue mais identificar fenômenos
reais e irreais por causa da dominação dos conteúdos arcaicos sobre a psique. Além disso, no
caso de Nina, é perceptível que a manifestação do transtorno em questão decorreu da
necessidade de adaptação da personagem ao contexto no qual ela estava inserida, e como ela
não conseguiu fazer isso através do equilíbrio entre consciente e inconsciente, a única forma
foi a partir da manifestação dominadora desses conteúdos primitivos de forma emergencial, o
que teve como consequência a desintegração da personalidade.
A alucinação descrita anteriormente fez com que a bailarina saísse correndo assustada
até seu camarim, onde recolheu todos os pertences de Beth que ela havia se apropriado de
forma indevida. Em seguida, ela foi até o hospital, atordoada, devolver as coisas da antiga
colega de trabalho, e a encontra de cabeça baixa, numa cadeira de rodas, virada para o lado
contrário da direção da porta. Então, Nina coloca todas as coisas que levou em cima de uma
mesa ao lado, mas Beth toca em sua mão e pergunta o que ela estava fazendo lá. A bailarina
se assusta e fala, desesperada, sobre sentir muito e agora saber como ela se sente, pois estão
querendo tomar o lugar dela no espetáculo, demonstrando mais uma vez, segundo Ferrandin
(2014), o delírio de perseguição em relação à Lilly.
Beth percebeu que Nina havia pegado suas coisas e a protagonista respondeu que fez
isso, pois queria ser como ela, perfeita. Nessa hora, a primeira deu um meio sorriso, pegou a
lixa de unhas a qual recebeu de volta e começou a enfiar no próprio rosto fazendo muitos
cortes, dizendo não ser perfeita e não ser nada, algo condizente com a crença que a própria
Nina tinha de si mesma. Nesse momento, novamente, a personagem principal enxerga seu
rosto no de Beth. Isto mostra que tal acontecimento também demonstra sintomas psicóticos
com alucinações polimodais, pois podem ser identificadas as audiovisuais e as que
Dalgalarrondo (2019) denomina de cinestésicas, já que Nina sentiu o toque da ex colega de
trabalho em sua mão e tentou impedi-la de se ferir, tomando dela a lixa de unhas.
Em seguida, a personagem principal saiu correndo e entrou no elevador com a lixa de
unhas nas mãos, as quais estavam cheias de sangue, depois jogou o objeto no chão. Chegando
em casa, vai até a cozinha lavar as mãos, apaga a luz, mas volta a acender e tem outra
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alucinação autocóspica vendo-se novamente em pé com as mesmas roupas de hospital de


Beth, sujas de sangue. Isto faz com que a bailarina se assuste de novo e corra para o banheiro,
onde vomita.
É importante ressaltar que as alucinações relacionadas à Beth também são a expressão
dos aspectos sombrios da personagem principal, pois ela queria ser perfeita como a colega e
não tinha integrado em sua personalidade as características condizentes. Tais aspectos, neste
momento, já dominaram a psique de Nina de tamanha forma que agora é como se ela
estivesse sendo perseguida por si mesma, já que, nesse momento, ela não consegue mais
integrar esses conteúdos, devido ao que Jung (2021b) chama de rebaixamento da consciência.
Ao sair do banheiro, Nina ouve vozes de choro vai até o quarto de sua mãe e tem uma
alucinação audiovisual que demonstra o choque entre os aspectos de sua persona e de sua
sombra. Nessa alucinação, ela presencia todas as pinturas do cômodo chorando, se mexendo e
falando ao mesmo tempo com a voz de Lilly: “É minha vez”, de Erica: “Garota doce” e,
ainda, intercalando com uma voz dizendo: “Mamãe”. A moça começa a gritar pedindo para as
vozes pararem de falar e começa a arrancar os desenhos da parede. Nesse momento, a
protagonista tem novamente a alucinação de sua própria imagem com as roupas de hospital de
Beth a qual se aproxima, mas quando chega perto, Erica aparece a chamando, perguntando o
que estava acontecendo.
A bailarina sai correndo para seu quarto, coloca o bastão entre a porta e a parede para
que sua mãe não entrasse. Nesse momento, Nina sente uma dor nas costas, como se algo
estivesse saindo de dentro do corpo, alucinação denominada por Dalgalarrondo (2019) de
cenestésica, em seguida vai até o espelho e vê seus olhos vermelhos (alucinação visual), assim
como penas saindo das costas, ela arranca uma delas e sente dor (alucinação cenestésica). Esta
é a hora que Erica, de tanto forçar a porta, consegue romper com o bastão e entrar no cômodo,
mas a personagem principal grita com a mãe mandando-a sair, a empurra e fecha a porta com
força três vezes contra a sua mão e se tranca novamente, fazendo sua mãe gritar de dor e cair
no chão. Logo após, Nina sente suas pernas se entortarem como as de um cisne (alucinação
cinestésica), isto faz com que ela se desequilibre, bata a cabeça na cabeceira da cama e
desmaie.
A personagem principal acorda no dia seguinte deitada em sua cama, com meias em
suas mãos e com sua mãe ao lado dizendo que ela havia se arranhado a noite toda. Quando
percebe que seu relógio sumiu, Nina se desespera e pergunta a Erica onde ele está e a hora
naquele momento, mas ela fala sobre ter ligado para o teatro e dito que sua filha não iria para
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a apresentação pois estava doente, além disso, não a deixou sair do quarto. Antes da bailarina
acordar, ela havia tirado a maçaneta da porta para que a moça não pudesse abri-la.
Quando percebe que estava trancada, Nina fica agressiva mais uma vez, machuca a
mãe novamente, acha a maçaneta, abre a porta, sai do quarto e vai correndo para o local do
espetáculo. É possível perceber que Nina está totalmente dominada por sua sombra, através da
expressão do cisne negro, como Jung (2021b), expõe que quando um complexo domina a
psique acaba criando uma autonomia sobre o sujeito. Isto ocorreu com a personagem
principal, pois em sã consciência ela não machucaria Erica e nem a desobedeceria, dois
comportamentos extremos e expressos de modo desequilibrado.
Chegando ao teatro, todos ficaram surpresos, principalmente Lilly, mas ela não
cumprimentou ninguém, nem mesmo Thomas, indo direto para o camarim se arrumar, ou seja,
o complexo cumprindo seu objetivo. O diretor vai conversar com ela e pergunta se a moça
está bem, a resposta é bem tranquila e positiva, Thomas fala sobre já ter pedido a Lilly para
substituí-la, mas ela responde que estava lá e que vai fazer o papel. Assim, o diretor chegou
perto de seu ouvido e falou sobre a única pessoa a qual estava no caminho dela era ela mesma,
e pediu para a bailarina se soltar.
Poucos minutos para a entrada do cisne branco na peça, Nina tem uma alucinação
cenestésica, percebendo que os dedos dos seus pés estão juntos, ela consegue descolar os de
um deles com certo incômodo, mas os do outro não, pois já se encontravam muito unidos. A
bailarina calça, mesmo assim, a sapatilha e vai se apresentar.
Nos bastidores do palco, enquanto espera para entrar, a personagem mais uma vez
começa a delirar e a alucinar através de alterações audiovisuais e autocóspica. Inicialmente
ela vê o bailarino que interpretava o príncipe abraçado com Lilly, a qual tocava em suas partes
íntimas. Ela ficou atordoada, mas ainda controlada. Em seguida chegou a hora de ela entrar no
palco, juntamente com o príncipe, e outras bailarinas nas quais ela viu seu próprio rosto,
ouviu risadas e por isso acabou caindo durante a apresentação. Ao fim do ato, ela começa a
chorar e Thomas fica furioso.
Pelo fato de o aspecto sombrio de Nina, nesse momento do filme, já ter dominado sua
psique, a personagem, no momento da dança do cisne branco, não consegue o interpretar bem,
por causa da desintegração de sua persona, o que segundo Jung (2021b), é prejudicial já que a
protagonista não estava mais conseguindo se adaptar àquela situação. Além disso, a
alucinação relacionada à ideia de estar sendo perseguida por Lilly, que para a personagem
principal queria tomar seu lugar, roubar a atenção do diretor e agora estava tendo um
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relacionamento íntimo com o bailarino que iria interpretar o príncipe, também ajudou na
interpretação mal sucedida do cisne branco.
Na próxima cena, a personagem principal volta ao camarim para se arrumar como
cisne negro. Nessa hora, ela tem alucinações polimodais mais uma vez: Ao abrir a porta,
encontra Lilly com o figurino e se maquiando de cisne negro, falando que ela não servia para
interpretar o papel e ainda completou: “Que tal eu interpretar o cisne negro por você?”
(alterações audiovisuais da sensopercepção). Nesse momento, o rosto de Lilly é substituído
novamente pelo da personagem principal (alucinação autocóspica), a partir disso, as duas
começam uma luta corporal (alucinação cinestésica) e Nina joga a sua outra versão no
espelho, a qual tenta enforcá-la e fica repetindo: “é minha vez”. Vendo os estilhaços de vidro,
a personagem principal pega um deles e apunhala sua alucinação no abdome, e diz: “é minha
vez”. Logo após, seus olhos ficam vermelhos e o rosto dela na alucinação é substituído pelo
de Lilly. Percebendo ter matado a colega de trabalho, Nina se desespera e a arrasta para o
banheiro do camarim, onde esconde o corpo.
Na entrada do Cisne Negro no espetáculo, Nina parece outra pessoa, totalmente
diferente daquela mulher frágil e doce representada na maior parte do filme. Ela realmente
sente que está incorporando o cisne negro, seu aspecto sombrio. Seus olhos continuam
vermelhos, em sua pele o surgimento de penas inicia, ao ponto de virarem belas asas de cisne
negro (alucinação cenestésica). Esse foi o momento no qual a bailarina se entregou
completamente a sua interpretação, e todos, tanto a plateia, quanto os colegas de trabalho e o
diretor ficam admirados com a apresentação. Mesmo sendo muito ovacionada, ela saiu do
palco, foi até Thomas e o beijou como se estivesse o seduzindo, como ele pediu nos ensaios.
Em seguida, voltou ao centro, onde o público estava jogando flores.
Ao término da cena, Nina vai ao seu camarim para se caracterizar novamente de cisne
branco, vê os cacos de vidro do espelho e o sangue de Lilly (alucinação visual) escorrendo
pela brecha da porta do banheiro, pega uma toalha e coloca por cima e vai se arrumar. Quando
ela está quase pronta, alguém bate à porta, a bailarina abre e dá de cara com Lilly,
entusiasmada, a parabenizando pela apresentação. Nesse momento, Nina fica surpresa e não
consegue dizer nada, assim, Lilly sai do local para não atrapalhar a colega.
A partir disso, a personagem principal olha para todos os cantos do camarim, vendo
ainda os estilhaços e a toalha cobrindo o sangue, mas a levanta e percebe que não havia
nenhuma sujeira, nem mancha. Em seguida, abre a porta do banheiro e não vê o corpo de
Lilly. Logo após, abaixa a cabeça e percebe que seu abdome está sangrando e retira um
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estilhaço de vidro do espelho de dentro do seu próprio corpo. A bailarina se deu conta de que
ela mesma havia se machucado e lágrimas começaram a cair de seus olhos. Mesmo assim,
Nina continua se maquiando e vai dançar o ato final no palco, afinal, seu aspecto sombrio
precisava cumprir o objetivo.
No fim da peça, o cisne branco pula de uma montanha e morre. Na encenação, ao
chegar no topo do penhasco, o sangue começa a tomar conta da roupa branca da personagem,
a qual está mais uma vez com lágrimas no rosto, ela olha para a plateia e para a sua mãe que
estava assistindo ao espetáculo, pula, cai em um colchão e fica paralisada. Os bailarinos e o
diretor (que nessa hora chama Nina de “minha princesinha”, assim como falava com Beth)
vão até ela felizes e aplaudindo, mas percebem a moça sangrando. Nina olha para Thomas e
diz: “Eu senti a perfeição, foi perfeito”. Em seguida aparece uma luz branca e o filme é
finalizado.
Isto pode ter várias interpretações, tanto de morte física, ou da morte da personalidade
condizente com o cisne branco e até mesmo outra alucinação de Nina. Entretanto, o que fica
nítido é representado em uma frase de Thomas no início do longa metragem: “O cisne branco
pula de um penhasco e na morte encontra a liberdade”. Foi realmente isto o que aconteceu
com Nina, ela se tornou livre de sua personalidade totalmente doce, frágil e submissa
(FERRANDIN, 2014).
É importante ressaltar que o filme mostra cenas sequenciadas, contudo, para a
elaboração de uma peça de balé da magnitude de “O lago dos Cisnes”, provavelmente, os
ensaios duram alguns meses, portanto, fica evidente no longa metragem que a personagem
principal foi apresentando os sintomas progressivamente, numa sequência de menor
magnitude para maior, e isto não ocorreu em poucos dias. Jung (2021b) expõe que quando
algo impede o desenvolvimento saudável de um sujeito, o inconsciente se manifesta para que
haja a conscientização e uma consequente mudança, mas como no caso de Nina isso não
ocorreu pelos fatores já mencionados anteriormente, o inconsciente foi se manifestando com
cada vez mais intensidade, levando à psicose.
Além disso, é possível perceber que uma série de fatores de longo prazo ocorreu na
vida da personagem para o desenvolvimento dos sintomas psicóticos demonstrados no filme.
Assim, para a ocorrência da fragmentação da personalidade de Nina, três fatores que
Dalgalarrondo (2019) destaca para o desenvolvimento de psicopatologias tiveram suma
importância: o biológico, o psicológico e o social.
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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este TCC teve como objetivo analisar os sintomas da esquizofrenia apresentados pela
personagem principal do filme intitulado Cisne Negro (2010) sob a perspectiva junguiana.
Durante esta análise, ficou perceptível que a personagem principal, chamada Nina, começou a
ter manifestações psicóticas típicas da esquizofrenia paranóide, que é caracterizada pelos
sintomas positivos como alucinações e delírios, explanados no decorrer deste trabalho. Dessa
forma, a análise deste TCC ficou focada neste tipo de fenômeno.
Para isso, também foram elaborados os objetivos específicos deste trabalho, que
foram: discorrer sobre a teoria e a prática da Psicologia Analítica, descrever a psicose
(esquizofrenia) com base na Psicologia Analítica, identificar os sintomas psicóticos
manifestados na personagem principal do filme “Cisne Negro” (2010) e analisar as cenas do
longa metragem, “Cisne Negro” (2010), em que a personagem principal expressa sintomas
psicóticos, à luz da abordagem da Psicologia Analítica.
Apesar de a empiria deste estudo ter sido realizada a partir da análise de um caso
fictício, a metodologia de análise de imagens em movimento, como os filmes, segundo
Rockenbach (2020), é uma forma dinâmica e inovadora na compreensão de processos
psicopatológicos, pois, estes são um modo de expressão artística que expressam vários
significados através da oralidade, da trilha sonora, do enredo e dos gestos das personagens.
Além disso, para a realização de um longa metragem, os profissionais envolvidos realizam
pesquisas sobre o tema referente ao enredo.
Este estudo, com base na Psicologia Analítica, trouxe contribuição para a Psicologia
com a ótica contrária à lógica da medicalização, do foco somente nos fatores biológicos e
respalda o preconceito do DSM – 5 – TR (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2022) referente à patologização. Desse modo, como enfatizado no decorrer desta pesquisa,
Jung (2021) concentra sua atenção na importância do equilíbrio dos fatores biológicos,
psicológicos e sociais do ser humano para a formação da totalidade psíquica e harmonia entre
o inconsciente e o consciente.
Para a pesquisadora que produziu este Trabalho de Conclusão de Curso, a escolha da
teoria de base tem uma importância pessoal, pois houve uma identificação através do contato
terapêutico e consequente acesso aos conteúdos inconscientes que levaram ao
autoconhecimento e melhoria da qualidade de vida.
Já de forma profissional, a escolha do tema deste TCC foi realizada pela percepção da
pesquisadora sobre a compreensão do ser humano em sua integralidade, e a teoria junguiana
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fornece suporte para isso, pois tem como base os estudos sobre o inconsciente pessoal e,
principalmente, o coletivo, os quais são importantes para a compreensão dos processos
humanos, já que, ao se manifestarem mostram os caminhos para o autoconhecimento e
consequente melhoria da qualidade de vida. Ademais, ainda existem poucos estudos e análises
de filmes com base na Psicologia Analítica que tenham como temas centrais o
desenvolvimento e manifestação de psicopatologias.
Portanto, este estudo contribui para o conhecimento e aprendizagem de uma visão da
esquizofrenia com percepções mais humanizadas, que rompe com interpretações
fragmentadas e reducionistas do ser humano, além disso, agrega ao fornecer um material
inovador e acessível para o entendimento desta psicopatologia, tanto em seu percurso
histórico, quanto em relação às compreensões atuais acerca dessa temática, especialmente, a
partir da teoria junguiana.
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