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Conteú do
Abreviaçõ es
Introduçã o
1. O Esconderijo do Amado
Epílogo
Apêndice
Bibliografia
Mestre da Contemplação
Abreviaçõ es
Introduçã o
1. O Esconderijo do Amado
Epílogo
Apêndice
Bibliografia
—Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz, TOC), Ser Finito e Eterno
Um ú ltimo comentá rio poderia ser feito. A maioria das pessoas nunca
visitou um convento de clausura ou um mosteiro, embora certamente
todos nó s tenhamos conhecido alguém que é uma pessoa
profundamente devota, talvez na nossa pró pria família. Podemos nos
perguntar como é que algumas almas ficam tã o apaixonadas por Deus e
amam a oraçã o dessa maneira? É possível em nossas vidas? Uma
resposta poderia ser pensar na alma do contemplativo como uma
criança muito amada por um pai e uma mã e, que vêem algo incomum e
especial enquanto a criança ainda é muito jovem. Eles pressentem um
presente presente e vislumbram para esse filho ou filha alguma
possível grandeza desconhecida, sem saber o que poderá ser. Deus pode
nã o ser tã o diferente desses pais, exceto pelo fato de saber qual é essa
possibilidade. Ele olha para algumas almas com um desejo imenso de
que cheguem a uma grandeza no reino espiritual. Esta grandeza nã o é
para o reconhecimento pú blico, mas para o dom de uma uniã o oculta
consigo mesmo no caminho contemplativo da santidade. As almas
inclinadas à oraçã o, que começam a experimentar uma intensa
necessidade de uma proximidade mais pessoal com Deus, devem
considerar que também elas podem estar destinadas a essa grandeza
espiritual oculta. Talvez Deus já esteja tentando há algum tempo fazê-
los perceber isso.
E o que Deus desejaria especialmente para eles? Nã o atos de
realizaçã o pú blica ou uma influência espiritual que visivelmente toca
muitas vidas de uma maneira claramente evidente, mas um impacto
oculto no reino espiritual que virá das suas relaçõ es secretas de amor
consigo mesmo. O seu encontro constante com Ele na obscuridade de
uma fé intensa, o seu conhecimento da sua presença amorosa nas
sombras da escuridã o e os seus repetidos actos de auto-oferta podem
tornar-se a fonte de uma influência oculta sobre os outros que nã o pode
ser medida. Ele valoriza as almas que nunca abandonam o seu desejo
apaixonado por ele, uma vez que o encontram tã o inegavelmente
pró ximo, nas proximidades de um taberná culo cató lico. Sã o Joã o da
Cruz ensina muitas coisas que nã o estã o explicitamente escritas.
Certamente uma verdade que ele ensina continuamente é que a alma
contemplativa é um belo segredo do amor de Deus pelas vidas
humanas. Deus mostra especial favor e amor por essas almas, mas
também pede muito delas em oferta pró pria. Sã o almas escolhidas para
uma rara forma de amizade. Mas nunca é só por isso que sã o
escolhidos. A amizade deles com ele leva ao seu pró prio Calvá rio, onde
encontram um grande amor por Jesus na sua crucificaçã o e por Maria,
sua mã e, que está por perto, e onde descobrem um poder de
intercessã o pelos outros que nunca devem negar ou negligenciar.
1
O Esconderijo do Amado
Ele tinha trinta e cinco anos e dez anos de sacerdó cio quando foi
levado cativo durante um período de tensa hostilidade contra a reforma
do Carmelita Descalço iniciada por Santa Teresa de Á vila em 1562.
Depois de conhecer Santa Teresa em setembro de 1567, logo apó s seu
mandato sacerdotal ordenaçã o, e com o convite dela para se juntar ao
movimento reformista, ele pró prio se tornou uma figura proeminente
no início da reforma no ramo carmelita masculino e, eventualmente, um
alvo de ira para os superiores superiores dos Carmelitas Calçados, que
naquela época ressentiu-se profundamente da reforma. Durante cinco
anos, até sua prisã o em 2 de dezembro de 1577, ele viveu uma vida
relativamente tranquila como confessor e capelã o de cerca de 130
freiras carmelitas no Carmelo da Encarnaçã o em Á vila, onde dividiu
uma pequena cabana com outro frade carmelita em a borda da
propriedade. Santa Teresa de Á vila estava terminando um mandato
como Madre Prioresa durante seus primeiros oito meses lá . O grande
comentá rio do Cântico Espiritual , uma exposiçã o estrofe por estrofe do
poema, servindo como um tratado de teologia mística para ajudar na
compreensã o dos significados místicos escondidos no poema, foi
solicitado por Madre Ana de Jesú s, prioresa do Carmelo. em Granada, e
concluído em 1584. Isso foi seis anos depois de sua fuga da prisã o de
Toledo em uma noite sem lua durante a oitava da Assunçã o de Maria
em 1578. Sua porta foi deixada destrancada, permitindo-lhe escalar
uma janela em outro e desceu, apoiado em cobertores amarrados, até a
saliência de um muro de pedra, além do qual, se nã o aterrissasse
corretamente, haveria um mergulho longo e mortal nas rochas abaixo,
margeando o rio Tejo. Sã o Joã o da Cruz, com trinta e poucos anos,
durante os nove meses brutais de sofrimento isolado e privaçã o física
no mosteiro de Toledo, tinha escrito muito pouco antes disso, apenas
alguns aforismos e cartas. Ele se tornou o poeta e escritor místico que
conhecemos apó s a sombria desolaçã o daqueles meses de extrema
provaçã o. A fecundidade excepcional que surge de sofrimentos graves é
uma marca ú nica do homem e do seu ensinamento.
Ah, entã o, alma, a mais bela entre todas as criaturas, tã o ansiosa por
conhecer a morada do seu Amado para ir em busca dele e se unir a ele,
agora estamos lhe dizendo que você mesmo é sua morada e seu
segredo sala interna e esconderijo. Há motivos para você ficar exultante
e alegre ao ver que todo o seu bem e esperança estã o tã o pró ximos que
estã o dentro de você, ou melhor, que você nã o pode existir sem ele. . . .
O que mais você quer, ó alma! E o que mais você busca lá fora, quando
dentro de você possui suas riquezas, deleites, satisfaçã o, plenitude e
reino – seu Amado, a quem você deseja e busca? Alegre-se e alegre-se
no seu recolhimento interior com Ele, pois você o tem tã o perto de
você. Deseje-o ali, adore-o ali. Nã o vá atrá s dele fora de você. Você
apenas ficará distraído e cansado com isso, e nã o o encontrará ou
desfrutará dele com mais segurança, ou mais cedo, ou mais
intimamente do que procurá -lo dentro de você. (SC 1.7, 8)
Pelo contrá rio, Sã o Joã o da Cruz insiste que deve ser feito quase o
contrá rio. Devemos buscar a Deus com fé, oculto em seu mistério
transcendente e além de nosso alcance. Só assim somos atraídos para a
presença pessoal dAquele que se esconde em nossa alma. Somos
levados a ele quando o procuramos precisamente como estando fora do
nosso alcance e fora do nosso sentimento. A verdadeira experiência de
Deus é necessariamente uma experiência do seu mistério
transcendente. Isto nã o significa que ele seja desconhecido; antes, que
ele é conhecido mais profundamente quando é conhecido como Alguém
que está além do nosso conhecimento. Esta experiência é o que leva a
alma ao seu pró prio esconderijo e a prepara para o encontro misterioso
com o Deus oculto. O pará grafo seguinte transmite a verdadeira
natureza paradoxal da descoberta de Deus de uma forma experiencial.
Encontrar Deus no silêncio da oraçã o é experimentar a ocultaçã o de
Deus no seu mistério absoluto. A seguinte declaraçã o é sem dú vida uma
das passagens mais significativas de todos os escritos de Sã o Joã o da
Cruz:
Você faz muito bem, ó alma, em buscá -lo sempre como alguém oculto,
pois você exalta a Deus e se aproxima muito dele quando o considera
mais alto e mais profundo do que qualquer coisa que você possa
alcançar. Portanto, nã o preste atençã o, nem parcial nem totalmente, a
nada que suas faculdades possam compreender. Quero dizer que você
nunca deve buscar satisfaçã o naquilo que entende sobre Deus, mas sim
naquilo que nã o entende sobre ele. Nunca pare para amar e deleitar-se
em sua compreensã o e experiência de Deus, mas ame e deleite-se
naquilo que você nã o pode compreender ou experimentar dele. Esta é a
maneira, como dissemos, de buscá -lo com fé. Por mais certo que possa
parecer que você encontra, experimenta e compreende Deus, porque
ele é inacessível e oculto, você deve sempre considerá -lo oculto e servir
aquele que está oculto de maneira secreta. (SC 1.12)
Pode ser ú til, apó s esta passagem, encerrar este capítulo com uma
recapitulaçã o essencial do desafio espiritual deste ensinamento. A
ocultaçã o de Deus no seu mistério transcendente nã o é primariamente
uma afirmaçã o teoló gica nos escritos deste santo, mas uma proposta de
oraçã o. Como expressa esta verdade Sã o Joã o da Cruz, a ocultaçã o de
Deus implica uma presença de Deus escondida e certamente nã o uma
ausência de Deus. A sua ocultaçã o nã o prejudica nem despoja a
natureza pessoal de um encontro com Deus na oraçã o. Pelo contrá rio,
provoca a nossa alma a uma fé e um amor mais intensos. A ocultaçã o de
Deus, como tal, nunca é uma palavra conclusiva nos lá bios de Sã o Joã o
da Cruz. Se a ocultaçã o de Deus, por outro lado, se tornar um foco
demasiado exclusivo na oraçã o, o resultado poderá ser que, durante a
nossa oraçã o, nos desviaremos para pensamentos nebulosos sobre um
Deus desconhecido. Deus nã o é uma entidade vaga encerrada sob a
capa de sombras impenetráveis. Ele é conhecido e encontrado na
identidade real de Jesus Cristo e pró ximo de nó s fisicamente na
proximidade de um sacrá rio ou no Santo Sacrifício da Missa. Mas
precisamente aí, na Presença Real da Eucaristia, encontramos a grande
verdade de quã o escondido ele está .
Ó lâ mpadas de fogo!
em cujos esplendores
as cavernas profundas do sentimento,
outrora obscuras e cegas,
agora emitem, tã o raramente, tã o primorosamente,
calor e luz ao seu Amado.
É contado sobre nosso Pai Elias que no monte ele cobriu o rosto (cegou
o intelecto) na presença de Deus [1 Reis. 19:11–13]. Ele fez isso porque,
em sua humildade, nã o ousou contemplar algo tã o elevado, e percebeu
claramente que qualquer coisa que pudesse contemplar ou
compreender em particular estaria muito distante de Deus e muito
diferente dele. Nesta vida mortal, nenhum conhecimento ou apreensã o
sobrenatural pode servir como meio imediato para uma elevada uniã o
com Deus através do amor. Tudo o que o intelecto pode compreender, a
vontade desfruta e a imagem da imaginaçã o é muito diferente e
desproporcional a Deus. (AMC 2.8.4–5)
Com efeito, Sã o Joã o da Cruz, ao longo dos seus escritos, repete este
princípio apofá tico de que o que é compreensível sobre Deus deve ser
visto como um conhecimento inferior ao que é incompreensível. Este
ú ltimo é o conhecimento mais verdadeiro de Deus e, igualmente, é a
experiência mais genuína de Deus na oraçã o contemplativa. Avançar na
oraçã o significa, por um lado, um encontro mais pessoal com a
presença de Deus. Mas significa também um encontro mais profundo
com a sua incompreensibilidade como Deus. Nã o rebaixamos Deus, por
assim dizer, à s limitaçõ es da nossa capacidade. Mas também é verdade
que Deus nã o se diminui nem renuncia à sua pró pria grandeza infinita
ao aproximar-se da alma que tanto ama. Ele continua sendo o Deus de
amor infinito e sempre além do nosso alcance ou experiência. Esta
verdade rege o ensinamento constante de Sã o Joã o da Cruz. A pobreza
experiencial da alma em oraçã o diante da majestade transcendente do
amor de Deus nunca é superada. Esta verdade aplicável à contemplaçã o
deve ser acompanhada por uma rejeiçã o deliberada de atividades
menores no momento da oraçã o. Mais uma vez, na seçã o sobre a
memó ria, ouvimos esta ênfase: “A mais elevada lembrança. . . consiste
em concentrar todas as faculdades no Bem incompreensível e retirá -las
de todas as coisas apreensíveis, pois essas coisas apreensíveis nã o sã o
um bem que está além da compreensã o” (AMC 3.4.2).
Na escuridã o, e segura,
pela escada secreta, disfarçada
— ah, que pura graça! —
na escuridã o e na ocultaçã o,
minha casa agora está toda silenciosa.
Podemos deduzir do que foi dito que para estar preparado para esta
uniã o divina o intelecto deve ser limpo e esvaziado de tudo o que se
relaciona com os sentidos, despojado e libertado de tudo claramente
inteligível, interiormente pacificado e silenciado, e apoiado apenas pela
fé, que é o ú nico meio pró ximo e proporcional de uniã o com Deus. Pois
a semelhança entre a fé e Deus é tã o pró xima que nã o existe outra
diferença senã o aquela entre acreditar em Deus e vê-lo. Assim como
Deus é infinito, a fé nos propõ e-no como infinito. Assim como há três
Pessoas em um Deus, ele nos apresenta desta forma. E assim como
Deus é escuridã o para o nosso intelecto, a fé nos deslumbra e nos cega.
Somente por meio da fé, na luz divina que excede todo o entendimento,
Deus se manifesta à alma. Quanto maior for a fé, mais estreita será a
união com Deus . (AMC 2.9.1; ênfase adicionada)
Uma palavra final pode ser oferecida no final deste capítulo. Talvez,
num primeiro encontro sério com Sã o Joã o da Cruz, possamos ser
tentados a pensar que nos é pedida uma espécie de humilhaçã o do
intelecto na incompreensã o que devemos experimentar na fé em Deus,
pelo menos no que diz respeito a contemplaçã o. A primeira exposiçã o a
esta doutrina pode parecer quase propor um sentido impessoal de
Deus, que estaria muito longe e remoto, escondido atrá s de um muro de
silêncio distante. A humilhaçã o consistiria na frustraçã o de querer
alguma experiência definida da sua presença real, alguns pensamentos
de compreensã o mais profunda de Deus, e ser dito sem rodeios para
nã o procurar tais coisas. Talvez o corretivo ú til para essas dú vidas fosse
lembrar o nome deste santo Doutor da Igreja. A sua denominaçã o de
Sã o Joã o da Cruz implica um profundo apego na sua pró pria vida ao
Senhor Jesus crucificado. Ele era conhecido por esculpir crucifixos em
madeira. Ele pode ter esboçado o notável desenho de Cristo crucificado
na capa do livro como uma meditaçã o sobre o Pai contemplando o
sofrimento de seu Filho no Calvá rio. A incompreensã o que encontramos
na oraçã o pode ser continuamente alimentada pela lembrança do
acontecimento singular na histó ria, quando o nosso Deus morreu como
homem no horror de uma crucificaçã o romana. Olhar mais para um
crucifixo mergulha-nos na incompreensã o da infinidade do amor divino
pregado numa cruz romana. O abandono de Cristo à vontade do Pai
encontra paralelo na nossa pró pria incapacidade de compreender o seu
amor infinito. Nã o temos outra opçã o senã o abandonar-nos cegamente
a um amor além da nossa compreensã o.
4
Comunicaçõ es Divinas? Cuidado e Cuidado
Ele afirma que deveríamos viver nas trevas, com os olhos fechados para
todas as outras luzes, e que nesta escuridã o somente a fé – que também
é escuridã o – deveria ser a luz que usamos. Se quisermos empregar
essas outras luzes brilhantes de conhecimento distinto, deixamos de
fazer uso da fé, da luz escura, e deixamos de ser iluminados no lugar
escuro mencionado por Sã o Pedro. Este lugar (o intelecto – o suporte
onde a vela da fé é colocada) deve permanecer nas trevas até o dia, na
pró xima vida, quando a visã o clara de Deus surgir na alma. (AMC
2.16.15)
Uma ilustraçã o usada por Sã o Joã o da Cruz pode ser instrutiva. Uma
alma experimenta intenso desejo de ser má rtir e entã o, em oraçã o, ouve
uma comunicaçã o de Deus: “Você será um má rtir”. Ao mesmo tempo,
Deus concede à alma “profunda consolaçã o interior e confiança na
verdade desta promessa” (AMC 2.19.13). E assim essa pessoa começa a
conviver com esse pensamento de uma morte inevitável por martírio.
Contudo, a pessoa nã o acaba morrendo como má rtir. O que aconteceu?
A pessoa deixou de viver de acordo com o padrã o de virtude necessá rio
para o prêmio do martírio? Este nã o é um entendimento correto,
segundo Sã o Joã o da Cruz, se de fato se seguiu uma vida santa. Em vez
disso, Sã o Joã o da Cruz comenta que a promessa de Deus ouvida nestas
palavras era verdadeira e foi uma promessa que foi cumprida, mesmo
sem cumprimento literal. No entanto, foi cumprido na verdade de uma
maneira muito melhor. Como pode ser isso se uma pessoa nã o morreu
como má rtir? Ele responde:
Deus pede por todos ; mas damos tudo a ele? Este é um claro desafio
se aspiramos à s graças contemplativas. É claro que isso nã o significa
vender tudo e doar todos os nossos bens – no sentido material. Mas
pode exigir a necessidade de um espírito de maior auto-oferta à medida
que a nossa vida continua. A alma contemplativa é certamente formada
pelo desejo interior de esquecer-se de si mesmo e entregar-se mais
plenamente a Deus. A maneira pela qual a vontade é central para esta
disposiçã o é o nosso foco atual. Dada a importâ ncia da mente na sua
influência sobre a vontade, como já foi afirmado, é, no entanto,
essencial afirmar que o esforço para amar com todo o nosso ser e força
é, em ú ltima aná lise, uma questã o da nossa vontade. A presença da
caridade teoló gica, ou seja, do amor sobrenatural , reside na vontade e
nas suas três operaçõ es. A força da alma para amar, para o bem ou para
o mal, está sempre sujeita à vontade. Conforme nossa vontade governa
e escolhe, nossa alma é moldada e moldada, com a ajuda da graça. E o
que a vontade governa exatamente? Toda a vida corporal, mental e
emocional da pessoa humana está sob o governo da vontade – todas as
faculdades, paixõ es e apetites. Os pensamentos e a vida mental, os
sentimentos tolerados, saboreados e perseguidos, as escolhas adotadas
na açã o, tudo isso está sob o domínio da vontade. Um pequeno
pará grafo na seçã o de abertura sobre a vontade no livro 3 de A
Ascensão ao Monte Carmelo atesta a importâ ncia da vontade em
determinar quã o plenamente a alma responde à graça e direciona toda
a sua força de amor para Deus. Na medida em que a contemplaçã o
depende do amor, a purificaçã o da vontade para um amor maior é uma
condiçã o essencial para qualquer uniã o contemplativa mais profunda
com Deus. “A força da alma compreende as faculdades, as paixõ es e os
apetites. Toda essa força é governada pela vontade. Quando a vontade
dirige essas faculdades, paixõ es e apetites para Deus, afastando-se de
tudo o que nã o é Deus, a alma preserva suas forças para Deus e passa a
amá -lo com todas as suas forças” (AMC 3.16.2).
Nã o se pode alcançar esta uniã o sem uma pureza notável, e esta pureza
é inatingível sem uma mortificaçã o vigorosa e uma nudez em relaçã o a
todas as criaturas. . . . Pessoas que se recusam a sair à noite em busca do
Amado e a despojar-se e mortificar a sua vontade, mas procuram o
Amado na sua pró pria cama e conforto, como fez a noiva [Sg. 3:1], nã o
conseguirá encontrá -lo. Como declara esta alma, ela o encontrou
quando partiu na escuridã o e com anseios de amor. (DN 2.24.4)
Todo este dano tem a sua origem e raiz num dano privado principal
incorporado nesta alegria: o afastamento de Deus. Assim como
aproximar-se de Deus através da afeiçã o da vontade dá origem a todo
bem, o afastamento dele através da afeiçã o da criatura gera todo dano e
mal na alma. A medida do dano reflete a intensidade da alegria e do
carinho com que a vontade se une à criatura, pois nessa proporçã o ela
se afasta de Deus. (AMC 3.19.1)
Os cristã os devem ter em mente que o valor das suas boas obras, jejuns,
esmolas, penitências, etc., nã o se baseia tanto na quantidade e na
qualidade, mas no amor de Deus praticado neles; e conseqü entemente
que essas obras sã o de maior excelência na medida em que o amor de
Deus pelo qual sã o realizadas é mais puro e completo e que o interesse
pró prio diminui com respeito ao prazer, conforto, louvor e alegria
terrena ou celestial. Eles nã o devem concentrar-se no prazer, no
conforto, no sabor e em outros elementos de interesse pró prio que
essas boas obras e prá ticas geralmente envolvem, mas recordar sua
alegria em Deus e o desejo de servi-lo por esses meios. E através da
purgaçã o e das trevas quanto a esta alegria nos bens morais, eles
deveriam desejar em segredo que somente Deus se agradasse e se
alegrasse com suas obras. (AMC 3.27.5)
De que adianta você dar uma coisa a Deus se ele lhe pede outra?
Considere o que Deus quer e entã o faça-o. Como resultado, você
satisfará melhor o seu coraçã o do que com algo para o qual você mesmo
está inclinado. (SLL 73)
Quando a noite chegar, você será examinado em amor. Aprenda a amar
como Deus deseja ser amado e abandone seus pró prios modos de agir.
(SLL 60)
7
barricadas no caminho da contemplaçã o
Podemos ver este pró ximo capítulo como um argumento em defesa dos
rigores da purificaçã o propostos nas muitas instruçõ es anteriores. É
um capítulo preparató rio para um exame mais concentrado da oraçã o
de contemplaçã o nos capítulos subsequentes. O tratado de A Noite
Escura começa no livro 1 com um tratamento vívido de certas
imperfeiçõ es comumente vistas naqueles que ainda estã o nos está gios
iniciais da busca espiritual. Sã o Joã o da Cruz refere-se aqui a pessoas
que já se comprometeram com o há bito dos exercícios espirituais e da
oraçã o diá ria, geralmente no contexto estruturado da vida religiosa,
mas também entre os leigos, mas que normalmente ainda nã o
compreendem a seriedade de se entregarem totalmente a Deus. Eles
nã o foram experimentados nos rigores da virtude dedicada e ainda nã o
enfrentaram as á rduas lutas interiores que devem ser suportadas
durante algum tempo antes que uma profundidade de qualidade
espiritual envolva a alma. Nã o pode haver resistência testada em uma
alma que nã o teve tempo suficiente para perseverar em duras
provaçõ es.
Conheci uma pessoa que, durante mais de dez anos, lucrou com uma
cruz toscamente feita de uma palma abençoada e mantida unida por
um alfinete enrolado nela. Essa pessoa carregava tudo e nunca se
separaria dele até que eu o pegasse – e a pessoa nã o era alguém de mau
julgamento ou pouca inteligência. Vi outra pessoa que orava com contas
feitas de espinhas de peixe. Certamente, a devoçã o nã o foi por isso
menos preciosa aos olhos de Deus. . . . Portanto, aqueles que sã o bem
orientados desde o início nã o se apegam aos instrumentos visíveis nem
se sobrecarregam com eles. (DN 1.3.2)
A gula espiritual é a pró xima na lista das imperfeiçõ es. Como escreve
Sã o Joã o da Cruz: “Muitos, atraídos pelo deleite e satisfaçã o obtidos nas
suas prá ticas religiosas, lutam mais pelo sabor espiritual do que pela
pureza e discriçã o espirituais; no entanto, é esta pureza e discriçã o que
Deus procura e considera aceitável ao longo de toda a jornada
espiritual de uma alma” (DN 1.6.1). Mais uma vez, vemos que a
motivaçã o primá ria nas boas prá ticas pode ser um desejo egocêntrico
de experimentar algum sentimento espiritual de deleite. Sã o Joã o da
Cruz comenta que o sintoma desta imperfeiçã o é, por vezes, adotar
prá ticas excessivas de penitência ou jejum. A açã o nã o ocorre
puramente por um desejo de mortificaçã o ou de oferecer penitência
pelo bem dos outros, mas por algum motivo impuro de satisfaçã o. Estas
almas carecem de discriçã o e moderaçã o; ainda mais, eles falham em
buscar conselhos e conselhos de outra pessoa. Preferem empreender
penitências por vezes extremas e cansativas, que ocasionalmente
resultam em algum dano à sua saú de.
A escuridã o pode ser vista em parte como uma metá fora para a
incapacidade da alma de compreender o que está acontecendo. Mas é
também uma descriçã o, como veremos, dos benefícios da pró pria
experiência neste período agraciado de purificaçã o na oraçã o. Uma
entrada mais profunda no mistério do amor infinito de Deus exige,
como vimos no capítulo sobre a fé, que a nossa alma sofra uma certa
cegueira do intelecto enquanto exercemos a certeza da nossa fé. E,
infelizmente, as almas quase sempre resistem a este efeito de graça
mais profunda. Nã o se rendem à iniciativa da graça de Deus porque nã o
compreendem o que está acontecendo. Todas as indicaçõ es parecem
apontar para algo que deu errado na oraçã o, como se tivesse ocorrido
um desvio na estrada e o caminho correto tivesse sido perdido. A
pró pria ignorâ ncia se torna um sério obstá culo neste momento. A alma
se recusa a avançar na graça porque nã o sabe o que significa avançar.
Para a maioria das pessoas, a experiência parece inicialmente ser mais
um colapso na oraçã o do que um convite a uma intimidade mais
profunda com Deus. A grande necessidade neste momento, que Sã o
Joã o da Cruz pretende suprir, é o conhecimento do que está
acontecendo, seguido de um adequado ajuste na oraçã o de acordo com
instruçõ es confiáveis. Sem uma orientaçã o só lida, é improvável que a
nossa alma faça a escolha necessá ria para alterar a forma como reza de
uma forma que responda adequadamente à s graças contemplativas.
Este ajustamento exige o abandono dos métodos familiares de oraçã o e
a adopçã o de novas abordagens. Uma declaraçã o do Pró logo de The
Ascent é descritiva a esse respeito:
Talvez deva ser dito também que muitas pessoas que abordam a
oraçã o com seriedade suficiente para dedicar tempo a uma oraçã o
diá ria de meditaçã o nã o percebem quã o seriamente Deus leva a alma. O
que possivelmente começa a acontecer – o início das graças
contemplativas na oraçã o – é um sinal de que Deus nã o busca apenas
uma forma devota de oraçã o de uma alma, seja lá o que isso possa
significar. Ele deseja que a alma se entregue a ele, para que ele, por sua
vez, possa dar à alma um dom mais completo de si mesmo. A discussã o
da oraçã o contemplativa nunca é simplesmente para ajudar uma alma
no avanço da oraçã o. Esse objetivo está sempre subordinado ao
propó sito mais primá rio da oraçã o interior de abrir uma porta dentro
de nossa alma para uma uniã o progressiva da alma com Deus. Duas
passagens substanciais de The Ascent que incluem observaçõ es
preliminares sobre a oraçã o contemplativa podem ser ú teis neste ponto
para expor o cená rio contextual da oraçã o em que uma alma se
encontrará necessitada deste ensinamento sobre a contemplaçã o. A
incapacidade de praticar a oraçã o da meditaçã o é enfatizada nestes
pará grafos. No entanto, a questã o mais crítica é a falha da alma em
compreender a necessidade de um ajuste na oraçã o neste momento. A
reaçã o comum por ignorâ ncia é fazer escolhas na oraçã o que minam a
graça e trabalhem em detrimento da alma.
Eles entã o ficam cansados e se esforçam, como era seu costume, para
concentrar suas faculdades com alguma satisfaçã o em um assunto de
meditaçã o, e pensam que se nã o fizerem isso e nã o sentirem que estã o
trabalhando, nã o estarã o fazendo nada. Este esforço deles é
acompanhado por uma relutâ ncia e repugnâ ncia interiores por parte da
alma, pois teria prazer em permanecer naquela quietude e ociosidade
sem trabalhar com as faculdades. Conseqü entemente, prejudicam a
obra de Deus e nã o lucram por conta pró pria. Na busca pelo espírito,
perdem o espírito que era a fonte da sua tranquilidade e paz. Sã o como
quem abandona o que já foi feito para fazer de novo, ou como quem sai
de uma cidade para voltar a entrar nela, ou como um caçador que
abandona a presa para voltar a caçar. É inú til, entã o, que a alma tente
meditar porque nã o aproveitará mais este exercício. (DN 1.10.1)
A razã o desta aridez é que Deus transfere os seus bens e a sua força do
sentido para o espírito. Como a parte sensorial da alma é incapaz dos
bens do espírito, ela permanece privada, seca e vazia. Assim, enquanto
o espírito prova, a carne nã o prova absolutamente nada e torna-se fraca
no seu trabalho. Mas através deste alimento o espírito fica mais forte e
mais alerta, e torna-se mais solícito do que antes em nã o falhar com
Deus. Se no início a alma nã o experimenta esse sabor e deleite
espiritual, mas sim secura e desgosto, a razã o é a novidade envolvida
nesta troca. (DN 1.9.4)
Custou muito a Deus trazer essas almas a este está gio, e ele valoriza
muito o seu trabalho de tê-las introduzido nesta solidã o e vazio em
relaçã o à s suas faculdades e atividades para que pudesse falar aos seus
coraçõ es, que é o que Ele sempre deseja. Visto que é ele quem agora
reina na alma com abundâ ncia de paz e calma, ele mesmo toma a
iniciativa de fazer falhar os atos naturais das faculdades, pelos quais a
alma trabalhando a noite inteira nada realizou [Lc. 5:5]; e ele alimenta o
espírito sem a atividade dos sentidos porque nem o sentido nem a sua
funçã o sã o capazes do espírito. (LF 3,54)
E ainda que mais escrú pulos venham à tona quanto à perda de tempo e
à s vantagens de fazer outra coisa, já que nã o pode fazer nada nem
pensar em nada na oraçã o, a alma deve suportá -los pacificamente,
como se ir orar significasse permanecer tranquilo. e liberdade de
espírito. Se os indivíduos desejassem fazer algo por si mesmos com as
suas faculdades interiores, impediriam e perderiam os bens que Deus
grava nas suas almas através dessa paz e ociosidade. Se um modelo
para pintura ou retoque de um retrato se deslocasse por vontade de
fazer algo, o artista nã o conseguiria terminar e a obra ficaria estragada.
Da mesma forma, qualquer operaçã o, afeiçã o ou pensamento a que uma
alma se apegue quando deseja permanecer na paz interior e na
ociosidade causaria distraçã o e inquietaçã o, e a faria sentir secura e
vazio sensorial. Quanto mais a pessoa busca algum apoio no
conhecimento e no afeto, mais a alma sentirá a falta deles, pois esse
apoio nã o pode ser fornecido por esses meios sensoriais. (DN 1.10.5)
Agora que a alma está vestida com essas outras vestes de trabalho,
secura e desolaçã o, e suas antigas luzes foram obscurecidas, ela possui
luzes mais autênticas nesta virtude mais excelente e necessá ria do
autoconhecimento. Considera-se nada e nã o encontra satisfaçã o em si
mesmo porque tem consciência de que por si só nã o faz nem pode fazer
nada. Deus estima esta falta de auto-satisfaçã o e o desâ nimo que as
pessoas têm por nã o servi-lo mais do que todos os seus feitos e
gratificaçõ es anteriores, por mais notáveis que tenham sido, visto que
foram ocasiã o de muitas imperfeiçõ es e de muita ignorâ ncia. (DN
1.12.2)
Um comentá rio final neste capítulo pode ser feito sobre quanto
tempo dura a experiência purificadora de uma contemplaçã o á rida e
sombria. A alma, mesmo nesta aridez e escuridã o, saboreia a graça da
contemplaçã o. Dependendo da sua resposta à inclinaçã o para
permanecer quieto e afastar-se do pensamento, abre-se à graça da
contemplaçã o. No entanto, a aridez e a ausência de satisfaçã o
acompanharã o este avanço na contemplaçã o ao longo dos pró ximos
anos. Os benefícios que acabamos de mencionar como frutos desta
experiência também irã o se aprofundar. Nã o há como saber como Deus
trata uma alma de maneira diferente de outra. Mas uma longa
experiência de aridez regular deveria ser esperada como um curso
normal na oraçã o contemplativa. Sã o Joã o da Cruz reconhece que um
fator que pode desempenhar um papel será a coragem ou a fraqueza
que uma alma demonstra ao suportar a purificaçã o. Deus nã o força
muito uma alma que nã o está disposta a enfrentar o sofrimento; mas tal
alma leva muito mais tempo para percorrer o caminho do encontro
divino. A coragem assume um papel fundamental na contemplaçã o,
especialmente no que diz respeito à aridez e à incapacidade de
satisfaçã o na oraçã o. A alma deve desviar os olhos das suas pró prias
lutas e entrar mais puramente no caminho da graça que leva a Deus.
Sã o Joã o da Cruz oferece uma passagem marcante sobre a questã o da
duraçã o da purificaçã o que se realiza na contemplaçã o.
Nã o podemos dizer com certeza quanto tempo uma alma será mantida
neste jejum e penitência dos sentidos. Nem todos passam por isso da
mesma forma, nem as tentaçõ es sã o idênticas. Tudo é distribuído de
acordo com a vontade de Deus e a maior ou menor quantidade de
imperfeiçã o que deve ser eliminada de cada um. Na medida do grau de
amor ao qual Deus deseja elevar uma alma, ele a humilha com maior ou
menor intensidade, ou por mais ou menos tempo. Aqueles que possuem
maior capacidade e força para o sofrimento, Deus expurga com mais
intensidade e rapidez. Mas aqueles que estã o muito fracos ele mantém
esta noite por muito tempo. . . . Deus age com outras almas mais fracas
como se estivesse se mostrando e depois se escondendo; ele faz isso
para exercitá -los em seu amor, pois sem esses afastamentos eles nã o
aprenderiam a alcançá -lo. No entanto, como é evidente através da
experiência, as almas que passam para um estado tã o feliz e elevado
como é a uniã o de amor geralmente devem permanecer nesta aridez e
tentaçõ es por um longo tempo, nã o importa quã o rapidamente Deus as
conduza. (DN 1.14.5, 6)
Quando uma alma se aproxima deste estado, esforce-se para que ela se
desapegue de toda satisfaçã o, prazer, prazer e meditaçõ es espirituais, e
nã o a inquiete com cuidados e solicitudes com coisas celestiais ou,
menos ainda, com coisas terrenas. Leve-o ao mais completo
recolhimento e solidã o possível, pois quanto mais solidã o ele obtiver e
quanto mais se aproximar dessa tranquilidade ociosa, mais
abundantemente o espírito da sabedoria divina será infundido em sua
alma. Esta sabedoria é amorosa, tranquila, solitá ria, pacífica, branda e
inebriante do espírito, pela qual a alma se sente terna e suavemente
ferida e levada, sem saber por quem ou de onde ou como. A razã o é que
esta sabedoria é comunicada sem a atividade da pró pria alma. (LF 3.38)
É bom repetir, depois de ouvir estas instruçõ es, que a nossa alma
deve fazer a sua parte. Nem tudo é passividade na contemplaçã o.
Embora a contemplaçã o seja principalmente uma obra de Deus
recebida pela alma, nó s mesmos devemos ter cuidado para nã o
escolher atividades que impeçam esta obra da graça, que podemos
facilmente realizar por ignorâ ncia. Nossa alma deve se esforçar para
aceitar a lembrança silenciosa para a qual somos atraídos, ao mesmo
tempo em que nos protegemos contra distraçõ es. Quanto mais
entramos numa solidã o de aparente “inatividade”, de nã o fazer nada no
nosso espírito interior, e abraçamos a tranquilidade que a acompanha,
mais a graça da contemplaçã o tem a oportunidade de atrair a nossa
alma para camadas mais profundas de inclinaçã o no alma. A solidã o,
curiosamente, consiste em estar sozinho e vazio, sem reflexõ es e
conhecimentos ou satisfaçõ es sentidas; uma solidã o, ou seja, sem a
companhia dessas reflexõ es e satisfaçõ es. É uma solidã o de desapego
vazio que pode parecer ociosa e infrutífera, sem conseguir nada. E, no
entanto, o efeito deste vazio solitá rio é separar cada vez mais a alma do
desejo por qualquer coisa que nã o seja o pró prio Deus. Sã o Joã o da Cruz
insiste na necessidade de acalmar a ansiedade a este respeito, se esta
for sentida. A inatividade da alma em relaçã o à s atividades anteriores
na oraçã o pode causar um pensamento ansioso de retrocesso ou perda
de tempo. Mas o vazio da “inatividade” na verdade grava na alma um
grande presente de desapego interior. Este desapego de buscar
qualquer coisa na oraçã o que nã o seja o pró prio Deus terá frutos
espirituais significativos. Como insiste Sã o Joã o da Cruz:
Mesmo que a alma nã o esteja fazendo nada, Deus está fazendo algo
nela. Os Diretores devem esforçar-se para desembaraçar a alma e levá -
la à solidã o e à ociosidade, para que ela nã o fique presa a nenhum
conhecimento particular, terreno ou celestial, ou a qualquer cobiça por
alguma satisfaçã o ou prazer, ou a qualquer outra apreensã o; e de tal
forma que seja vazio pela pura negaçã o de cada criatura, e colocado na
pobreza espiritual. Isto é o que a alma deve fazer de si mesma, como
aconselha o Filho de Deus: Quem não renuncia a todos os bens não pode
ser meu discípulo [Lc. 14:33]. . . . Quando a alma se liberta de todas as
coisas e atinge o vazio e o despojamento delas, o que equivale ao que
ela pode fazer de si mesma, é impossível que Deus deixe de fazer a sua
parte comunicando-se a ela, pelo menos silenciosa e secretamente. É
mais impossível do que seria que o sol nã o brilhasse em terreno claro e
organizado. (LF 3.46)
Deus infunde este amor na vontade quando esta está vazia e desligada
de outros prazeres e afetos particulares, terrenos ou celestiais. Cuide,
entã o, de esvaziar a vontade de seus afetos e desvinculá -la deles. Se nã o
retroceder pelo desejo de alguma satisfaçã o ou prazer, avança, embora
nã o experimente nada de particular em Deus, ascendendo acima de
todas as coisas até ele. Embora nã o desfrute de Deus de maneira muito
particular e distinta, nem o ame num ato tã o claro, desfruta-o obscura e
secretamente naquela infusã o geral, mais do que todas as coisas
particulares, pois entã o vê claramente que nada o satisfaz tanto. como
aquela quietude solitá ria. E o ama acima de todas as coisas amáveis. (LF
3.51)
Este efeito contemplativo sobre a alma tem razõ es teoló gicas, como
observa Sã o Joã o da Cruz: “Quanto mais claras e ó bvias sã o as coisas
divinas em si mesmas, mais escuras e ocultas elas sã o naturalmente
para a alma” (DN 2.5.3). Podemos recordar dos capítulos anteriores a
ocultaçã o de Deus dentro da alma e os efeitos da fé mais profunda no
intelecto. Pairando sempre no pano de fundo da compreensã o da
contemplaçã o de Sã o Joã o da Cruz está a verdade da
incompreensibilidade ú ltima de Deus e da necessidade da alma de se
prostrar na fé diante do seu mistério infinito. Por exemplo, por mais
calmo que seja o tom da afirmaçã o a seguir, as palavras implicam quã o
difícil é para uma alma apaixonada por Deus experimentar a escuridã o
da contemplaçã o. Deus é conhecido no amor, mas apenas por um
conhecimento que excede os limites de todas as noçõ es familiares de
conhecimento. É um “saber pelo desconhecer”. Como escreve Sã o Joã o
da Cruz numa passagem do Cântico Espiritual :
Oh, entã o, alma espiritual, quando você vir seus apetites escurecidos,
suas inclinaçõ es secas e constrangidas, suas faculdades incapacitadas
para qualquer exercício interior, nã o se aflija; pense nisso como uma
graça, pois Deus está libertando você de si mesmo e tirando de você a
sua pró pria atividade. Por mais que suas açõ es tenham sido bem-
sucedidas, você nã o trabalhou tã o completa, perfeita e seguramente -
por causa de sua impureza e estranheza - como faz agora que Deus o
pega pela mã o e o guia nas trevas, como se você fosse cego. ao longo de
um caminho e para um lugar que você nã o conhece. Você nunca teria
conseguido chegar a este lugar, nã o importa quã o bons fossem seus
olhos e seus pés. (DN 2.16.7)
Por isso o Apó stolo diz que a pessoa espiritual penetra todas as coisas,
até mesmo as coisas profundas de Deus [1 Cor. 2:10]. O que o Espírito
Santo diz através do Sá bio aplica-se a esta sabedoria geral e simples,
isto é, que toca em todos os lugares por causa de sua pureza [Sb. 7:24],
porque nã o é particularizado por nenhum objeto distinto de afeto. E
isto é característico do espírito purificado e aniquilado de todo
conhecimento e afeto particular: nã o encontrando satisfaçã o em nada
nem compreendendo nada em particular, e permanecendo em seu vazio
e escuridã o, ele abraça todas as coisas com grande preparaçã o. E as
palavras de Sã o Paulo sã o verificadas: Nihil habentes, et omnia
possidentes (Nã o tendo nada, mas possuindo todas as coisas) [2 Cor.
6:10]. Tal pobreza de espírito merece esta bem-aventurança. (DN 2.8.5)
Devemos acreditar que Deus ama esta pobreza na alma humana se
pretendemos percorrer o caminho da contemplaçã o. Mas estejamos
conscientes de que a pobreza tem sempre uma companheira tranquila.
A pobreza e as trevas operam juntas para trazer profundidade
contemplativa à alma. Nã o há necessidade de temê-los. A escuridã o
talvez seja difícil até começarmos a nos ajustar a uma percepçã o
diferente. Mas a alma deve conhecer também a sua pobreza essencial, a
sua pró pria incapacidade natural na busca de Deus. Esta nã o é apenas
uma atitude de tolerâ ncia. A necessidade é permanecer sempre um
pobre mendigo de amor esperando em Deus. A compreensã o de que
Deus ama a nossa alma mais intensamente quando esta é pobre e
desamparada no seu anseio por Ele é um limiar por si só para relaçõ es
mais profundas com Deus. A receptividade a Deus, ao silêncio de Deus e
ao nosso pró prio vazio torna-se entã o a tarefa imperativa. O
esvaziamento da alma na contemplaçã o nã o é uma prova pequena.
Significa despedir-se de um eu que está destinado a desaparecer.
Devemos abrir mã o do controle e permitir que Deus remodele a nossa
alma à sua maneira. O nosso esforço essencial deve ser simplesmente
cultivar uma acessibilidade à acçã o divina do amor, muitas vezes sem
saber o que Deus está a fazer nas camadas mais profundas da nossa
alma. Podemos confiar que assim ocorrerá um afastamento gracioso de
nó s mesmos, deixando-nos abertos ao ato de amor de Deus, vivo nas
profundezas da nossa alma. Em certo sentido, esta perda de nó s
mesmos é a ú nica coisa necessá ria se quisermos amar como Deus
deseja ser amado, ou seja, amar com o seu amor presente dentro de
nó s. Uma progressã o dolorosa, talvez, esta perda de si mesmo por amor
a Deus, e ainda assim, em qualquer dia de oraçã o, abre a passagem
através de uma fronteira de silêncio solitá rio para o encontro eterno
com a presença infinita do amor de Deus.
13
A Vontade na Oraçã o Inflamada pelo Amor Puro
Visto que a vontade nunca provou Deus tal como ele é, nem o conheceu
através de alguma gratificaçã o do apetite e, conseqü entemente, nã o
sabe como é Deus, ela nã o pode saber o que é o prazer de Deus; nem
seu ser, apetite e satisfaçã o podem desejar a Deus, pois ele transcende
toda a sua capacidade. Assim, é ó bvio que nenhuma dessas coisas
específicas nas quais ela pode se regozijar é Deus. Para estar unida a
ele, a vontade deve, conseqü entemente, ser esvaziada e desapegada de
todo apetite desordenado e satisfaçã o com respeito a cada coisa
particular em que possa regozijar-se, seja terrena ou celestial, temporal
ou espiritual, para que seja purificada e limpa de todas as satisfaçõ es,
alegrias e apetites desordenados, ele poderia estar totalmente ocupado
em amar a Deus com suas afeiçõ es. (L13)
Você faz muito bem, ó alma, em buscá -lo sempre como alguém oculto,
pois você exalta a Deus e se aproxima muito dele quando o considera
mais alto e mais profundo do que qualquer coisa que você possa
alcançar. Portanto, nã o preste atençã o, nem parcial nem totalmente, a
nada que suas faculdades possam compreender. . . . Nunca pare para
amar e deleitar-se em sua compreensã o e experiência de Deus, mas
ame e deleite-se naquilo que você nã o pode compreender ou
experimentar dele. Esse é o caminho. . . de buscá -lo com fé. Por mais
certo que possa parecer que você encontra, experimenta e compreende
Deus, porque ele é inacessível e oculto, você deve sempre considerá -lo
oculto e servir aquele que está oculto de maneira secreta. (SC 1.12)
Portanto, seriam muito tolos aqueles que pensassem que Deus está
falhando com eles por causa de sua falta de doçura e deleite espiritual,
ou se alegrariam, pensando que possuem Deus por causa da presença
dessa doçura. E eles seriam mais tolos se fossem em busca dessa
doçura em Deus e se regozijassem e ficassem detidos nela. Com tal
atitude, eles nã o estariam mais buscando a Deus com suas vontades
fundamentadas no vazio da fé e da caridade, mas estariam buscando a
satisfaçã o e a doçura espirituais, que sã o criaturas, seguindo seu
pró prio prazer e apetite. E assim nã o estariam mais amando a Deus
puramente, acima de todas as coisas, o que significa centralizar nele
toda a força da vontade. Ao estar ligada e apegada a essa criatura por
meio do apetite, a vontade nã o se eleva acima dela até Deus, que é
inacessível. É impossível que a vontade alcance a doçura e o deleite da
uniã o divina e receba e sinta os doces e amorosos abraços de Deus sem
a nudez e o vazio do seu apetite com respeito a cada satisfaçã o
particular, terrena e celestial. (L13)
David diz dele: Ad nihilum redactus sum et nescivi [Fui reduzido a nada e
nã o entendi] [Sl. 73:22], para que aqueles que sã o verdadeiramente
espirituais possam compreender o mistério da porta e do caminho (que
é Cristo) que conduz à uniã o com Deus, e que possam perceber que sua
uniã o com Deus e a grandeza do trabalho que realizam irã o ser medido
pela aniquilaçã o de si mesmos para Deus nas partes sensoriais e
espirituais de suas almas. Quando forem reduzidos a nada, o mais alto
grau de humildade, a uniã o espiritual entre suas almas e Deus será um
fato consumado. Esta uniã o é o estado mais nobre e sublime que se
pode alcançar nesta vida. O caminho, portanto, nã o consiste em
consolaçõ es, delícias e sentimentos espirituais, mas na morte viva da
cruz, sensorial e espiritual, exterior e interior. (AMC 2.7.11)
O que devemos fazer com tal descriçã o do amor? Aonde tudo isso
leva? E o que ele está nos ensinando sobre o amor na oraçã o? Para Sã o
Joã o da Cruz, uma verdade essencial da contemplaçã o, mesmo na
experiência das trevas e da provaçã o interior, é o modo de comunicaçã o
do amor de Deus. Nas correntes ocultas da alma, nos anseios mais
profundos e despercebidos dentro da alma, Deus expressa seu amor. A
experiência de um desejo de amar, penetrando nas “camadas” mais
profundas da alma, é uma melhor indicaçã o de um encontro com Deus
do que qualquer sentido de experiência direta. Desejos, anseios, as
feridas de um amor impaciente por Deus - estes sã o os meios pelos
quais Deus informa à alma que ele está pró ximo. A experiência de uma
saudade de Deus na insatisfaçã o pode parecer contradizer a ideia da
sua presença pró xima. Mas isso está incorreto. A alma deve aprender os
caminhos de Deus, tã o contraditó rios em alguns aspectos ao amor
humano, e escolher aceitá -los, nã o desanimando nem oprimindo o
difícil caminho do amor. A breve declaraçã o que se segue pode trazer
benefícios tanto para os nossos esforços fora da oraçã o como para a
busca contemplativa de permanecermos fixos no Amado em oraçã o,
apesar das dificuldades. “Ela o ama mais do que todas as coisas, quando
nada a intimida em fazer e sofrer por amor a ele tudo o que estiver a
seu serviço” (SC 2.5).
Deus fica mais satisfeito com uma obra, por menor que seja, feita
secretamente, sem o desejo de que seja conhecida, do que com mil
obras feitas com o desejo de que as pessoas as conheçam. Aqueles que
trabalham para Deus com o mais puro amor nã o apenas nã o se
importam se os outros vêem as suas obras, mas nem sequer procuram
que o pró prio Deus as conheça. Tais pessoas nã o deixariam de prestar a
Deus os mesmos serviços, com a mesma alegria e pureza de amor,
mesmo que Deus nunca soubesse disso. (SLL 20)
Para nã o falhar com Deus ela falhou com tudo o que nã o é Deus, isto é,
ela mesma e todas as outras criaturas, perdendo tudo isso por amor a
ele. Quem está verdadeiramente apaixonado abrirá mã o de todas as
outras coisas para se aproximar da pessoa amada. Por isso a alma
afirma aqui que se perdeu. Ela conseguiu isso de duas maneiras:
perdeu-se em si mesma ao nã o prestar atençã o a si mesma em nada, ao
concentrar-se no seu Amado e entregar-se a ele livre e
desinteressadamente, sem nenhum desejo de ganhar nada para si;
segundo, ela se perdeu para todas as criaturas, nã o prestando atençã o a
todos os seus pró prios assuntos, mas apenas aos do seu Amado. E isso é
perder-se propositalmente, que é desejar ser encontrado. (SC 29.10)
E aqui deve ser salientado por que tã o poucos alcançam este elevado
estado de perfeita uniã o com Deus. Deve-se saber que a razã o nã o é que
Deus queira que apenas alguns desses espíritos sejam tã o elevados; ele
preferiria querer que tudo fosse perfeito, mas encontra poucos vasos
que suportem um trabalho tã o elevado e sublime. Visto que ele os prova
nas pequenas coisas e os acha tã o fracos que imediatamente fogem do
trabalho, nã o querendo ficar sujeitos ao menor desconforto e
mortificaçã o, segue-se que nã o os achando fortes e fiéis naquela
pequena [Mt. 25:21, 23], em que os favoreceu começando a talhá -los e
poli-los, ele percebe que eles serã o muito menos fortes nessas
provaçõ es maiores. Como resultado, ele nã o prossegue purificando-os e
levantando-os do pó da terra através do trabalho da mortificaçã o. Eles
precisam de maior constâ ncia e coragem do que demonstraram. (LF
2.27)
Muitos desejam que Deus nã o lhes custe mais do que palavras, e mesmo
estas falam mal. Eles desejam fazer por ele quase nada que possa
custar-lhes alguma coisa. Alguns nem sequer se levantariam de um
lugar de sua preferência se nã o recebessem assim algum deleite de
Deus em sua boca e em seu coraçã o. Eles nã o darã o nem um passo para
se mortificarem e perderã o algumas de suas satisfaçõ es, confortos e
desejos inú teis. No entanto, a menos que procurem a Deus, nã o o
encontrarã o, por mais que clamem por ele. (SC 3.2)
A custosa busca de Deus, dentro e fora da oraçã o, é um caminho
estreito, como ouvimos fortemente nestas palavras. Mas recordemos do
segundo capítulo a imagem das cavernas da alma e “ o vasto vazio da
sua capacidade profunda ” (LF 3.18; grifo nosso). Na graça da
contemplaçã o, o sofrimento do amor pelo Amado desce até estas vastas
profundezas da alma. Uma fome ilimitada de Deus impulsiona a busca
apaixonada por Deus na oraçã o. Existe uma profundidade infinita na
alma que pode ser entregue a Deus. Esta é a realidade por trá s das
palavras duras que acabamos de ouvir de Sã o Joã o da Cruz. Uma fome
sem limites deve surgir do “vasto vazio” dos recantos interiores da
alma. Mas para que isso ocorra, uma dispendiosa purificaçã o do desejo
deve ocorrer em nossa alma, para que somente Deus seja buscado com
o mais profundo desejo. É a vasta e ilimitada imensidã o dentro da alma
que exige a necessidade de auto-esvaziamento e que explica o
sofrimento da alma na contemplaçã o. O sofrimento do amor intensifica-
se na medida em que a fome de amar encontra pouca ou nenhuma
saciedade. Nã o podemos viver sem esta fome de possuir Deus em amor
se quisermos trilhar o caminho da contemplaçã o. A fome, se for para
sustentar a nossa oraçã o, é como um grito abafado da alma, sem
resposta, se nã o inédito, um grito para que Deus levante a barreira do
seu esconderijo dentro das cavernas interiores da alma. Se à s vezes se
realiza um encontro mais tangível com Deus na oraçã o, é sempre
insuficiente que uma alma que anseia e tem uma fome sem limites do
nosso amado Senhor se manifeste mais plenamente. Mas Sã o Joã o da
Cruz assegura-nos que esta frustraçã o é um sinal de progresso na
contemplaçã o e aumenta o amor da alma. A alma ganha no amor e
intensifica o seu amor justamente sofrendo por amor. No Cântico
Espiritual , Sã o Joã o da Cruz escreve sobre o misterioso processo em
açã o no amor contemplativo:
É digno de nota que qualquer alma com amor autêntico nã o pode ficar
satisfeita até que realmente possua Deus. Todo o resto nã o só nã o
consegue satisfazê-lo, mas, como dissemos, aumenta a fome e o apetite
de vê-lo como ele é. Cada vislumbre do Amado recebido através do
conhecimento ou sentimento ou qualquer outra comunicaçã o (que é
como um mensageiro trazendo à alma a notícia de quem ele é) aumenta
ainda mais e desperta seu apetite, como as migalhas dadas a alguém
que está faminto. Achando difícil atrasar-se tã o pouco, ela implora:
“Agora entregue-se totalmente!” (SC 6.4)
Pois o salá rio do amor nada mais é, e a alma nã o pode desejar outra
coisa senã o mais amor, até que o amor perfeito seja alcançado. O amor é
pago apenas com o pró prio amor. . . . A alma que ama nã o espera o fim
do seu trabalho, mas o fim do seu trabalho. O seu trabalho é amar, e
deste trabalho, que é o amor, ela espera o fim, que é a perfeiçã o e a
plenitude dele. Até que este trabalho seja realizado. . . ela considera
seus dias e meses vazios e considera suas noites longas e cansativas.
(SC 9.7)
Poderíamos fazer uma pausa para um comentá rio que possa lançar
luz sobre o significado espiritual do que está acontecendo em tais
descriçõ es. Para as almas sérias com Deus, o mistério do sofrimento
pelo Amado pode ultrapassar um limiar do amor em determinado
momento da vida. O limiar do significado é perceber que a habitaçã o do
Senhor na alma é uma presença interior do Cristo da Paixã o. Jesus
crucificado vive a sua Paixã o de modo misterioso, numa alma de grande
amor e, de modo particular, através do dom da contemplaçã o. A alma
nã o se une simplesmente a Deus no vasto anseio que sente por Nosso
Senhor dentro de si. Ele passa a conhecer pessoalmente dentro de si
uma contínua imitaçã o e replicaçã o da Paixã o de Jesus. Naturalmente,
isto é uma mera amostra do sofrimento de Cristo, mas mesmo assim é
uma amostra real. As palavras de Jesus para que permaneçamos nele, e
ele permaneça em nó s (Jo 15,4-5), agora assumem uma qualidade e um
significado diferentes. Já nã o é simplesmente a sua presença que atrai a
atraçã o da alma nestas palavras. Agora compreende que estas palavras
significam permanecer na sua Paixã o, para que a sua Paixã o habite na
alma. Esta realizaçã o secreta, totalmente pessoal e direta, desperta na
alma uma capacidade diferente de amar. A comunicaçã o do amor de
Deus a uma alma exprime-se agora no sabor da sua Paixã o
misteriosamente unida à pró pria vida e existência da alma. Isto pode
acontecer na oraçã o, mas também fora da oraçã o. A Paixã o de Cristo já
nã o é um acontecimento do passado, ponderado com amor e
distanciado dele. A alma experimenta agora como uma verdade
misteriosa que o pró prio Cristo revive elementos da sua Paixã o na vida
da alma. Este limiar contemplativo, uma vez ultrapassado, coloca toda a
purificaçã o e luta anteriores sob uma nova luz. A presença permanente
do pró prio Cristo na sua Paixã o permeia agora o caminho espiritual. E o
amor pode, como resultado, saltar para grandes profundezas dentro
das cavernas ilimitadas da alma.
Embora as pessoas que sofrem esta purgaçã o saibam que amam a Deus
e que dariam mil vidas por ele (de fato, pois as almas que passam por
essas provaçõ es amariam a Deus com muita sinceridade), elas nã o
encontram alívio. Em vez disso, esse conhecimento causa-lhes uma
afliçã o mais profunda. Pois amando a Deus tã o intensamente que nada
mais lhes preocupa, e conscientes da sua pró pria miséria, sã o incapazes
de acreditar que Deus os ama. Eles acreditam que nã o têm nem nunca
terã o dentro de si nada que mereça o amor de Deus, mas sim todas as
razõ es para serem odiados nã o apenas por Deus, mas por todas as
criaturas para sempre. Eles lamentam ver dentro de si motivos para
merecer a rejeiçã o por parte daquele a quem tanto amam e por quem
anseiam. (DN 2.7.7)
Ele aborda o que considera uma tarefa imediata para quem ingressou
na vida religiosa. A necessidade, escreve Sã o Joã o da Cruz, de evitar o
mundanismo exige que a alma “tenha um amor igual e um
esquecimento igual por todas as pessoas” (P 5). Ele exorta fortemente
estas irmã s a se afastarem do apego aos parentes, nã o porque as
famílias nã o sejam amadas, mas porque a fraqueza natural do coraçã o
pode facilmente preocupar-se com relaçõ es de sangue. Ele exorta estas
religiosas a “considerarem todos como estranhos” (P 6), mesmo dentro
do convento, o que é uma forma de evitar serem apanhadas na procura
de amizades que aliviem uma fome humana natural, mas que apenas
impeçam um amor puro e dedicaçã o para Deus. Ele escreve de uma
maneira que pode parecer um tanto severa aos nossos ouvidos: “Nã o
ame mais uma pessoa do que outra, pois você errará ; quem ama mais a
Deus é o mais digno de amor e você nã o sabe quem é” (P 6). A
necessidade sentida por algumas pessoas de relaçõ es estreitas no
contexto de um convento de clausura abre as almas ao grave erro de
pensar que amam mais se cultivam um amor especial por uma ou outra
pessoa. Ele insiste que, em ú ltima aná lise, devemos viver somente para
Deus em tal ambiente e amar os outros com serenidade e serenidade
por causa da caridade. Nas relaçõ es comunitá rias, o objectivo deve ser
um elevado padrã o de caridade, e nã o um amor sentimental pelos
outros que seja instável e desigual. A segunda precauçã o contra o
mundanismo é “abominar todo tipo de posses e nã o se preocupar com
esses bens” (P 7). Mais uma vez, no contexto de um convento, a
preocupaçã o com a alimentaçã o, o vestuá rio ou os bens pessoais é
contrá ria à pobreza que deve estar presente em tais vidas. A terceira
precauçã o contra o mundanismo é mais subtil, mas ainda assim forte na
sua advertência. Ele exorta as freiras a permanecerem desligadas da
turbulência e da perturbaçã o que podem ocorrer mesmo num convento
entre pessoas destinadas à santidade. Ele escreve sobre essa precauçã o:
Entenda que você veio ao mosteiro para que todos possam moldá -lo e
experimentá -lo. . . . Você deveria pensar que todos na comunidade sã o
artesã os – como de fato sã o – presentes ali para provar você; que alguns
irã o moldá -lo com palavras, outros com açõ es e outros com
pensamentos contra você; e que em tudo isso você deve ser submisso,
assim como a está tua, ao artesã o que a molda, ao artista que a pinta e
ao dourador que a embeleza. Se você nã o observar esta precauçã o, nã o
saberá vencer a sensualidade e os sentimentos, nem se dará bem na
comunidade com os religiosos, nem alcançará a paz santa, nem se
libertará de muitos tropeços e males. (P 15)
Você deveria gravar esta verdade em seu coraçã o. E é que você nã o veio
ao mosteiro por nenhum outro motivo que nã o seja para ser trabalhado
e provado na virtude; você é como a pedra que deve ser cinzelada e
moldada antes de ser colocada no edifício. Portanto, você deve
compreender que aqueles que estã o no mosteiro sã o artesã os ali
colocados por Deus para mortificá -los, trabalhando e cinzelando vocês.
Alguns esculpirã o palavras, dizendo o que você preferiria nã o ouvir;
outros, por atos, fazendo contra você o que você preferiria nã o
suportar; outros por seu temperamento, sendo em sua pessoa e em
suas açõ es um incô modo e um aborrecimento para você; e outros pelos
seus pensamentos, sem estimar nem sentir amor por você. Você deve
sofrer essas mortificaçõ es e aborrecimentos com paciência interior,
calando-se por amor a Deus e entendendo que nã o entrou na vida
religiosa por outro motivo senã o para que outros o trabalhassem dessa
maneira, e assim você se tornou digno do céu. (CR 3)
Você deve ter sempre o cuidado de estar sempre inclinado mais para o
difícil do que para o fá cil, para o á spero mais do que para o suave, para
o duro e desagradável em um trabalho mais do que para seus aspectos
deliciosos e agradáveis; e nã o escolha o que é menos uma cruz, pois a
cruz é um fardo leve [Mt. 11h30]. Quanto mais pesado é um fardo, mais
leve ele se torna quando carregado por Cristo. Você também deve
tentar, ocupando sempre o lugar mais baixo, para que nas coisas que
trazem conforto aos seus irmã os na religiã o eles sejam preferidos a
você. (CR 6)
Afinal, esse amor é o fim para o qual fomos criados. Que aqueles, entã o,
que sã o singularmente ativos, que pensam que podem ganhar o mundo
com suas pregaçõ es e obras exteriores, observem aqui que
beneficiariam muito mais a Igreja e agradariam a Deus, sem falar no
bom exemplo que dariam, se fossem passar pelo menos metade deste
tempo com Deus em oraçã o, mesmo que nã o tenham alcançado uma
oraçã o tã o sublime como esta. Eles certamente realizariam mais, e com
menos trabalho, com um trabalho do que de outra forma fariam com
mil. Pois através de sua oraçã o eles mereceriam esse resultado e seriam
fortalecidos espiritualmente. Sem oraçã o, eles martelavam muito, mas
realizavam pouco, e à s vezes nada, e à s vezes até causavam danos. Deus
nã o permita que o sal comece a perder seu sabor [Mt. 5:13]. Por mais
que pareçam realizar externamente, em substâ ncia nã o realizarã o
nada; nã o há dú vida de que boas obras só podem ser realizadas pelo
poder de Deus. (SC 29.3)
O que você mais busca e deseja você nã o encontrará por este seu
caminho, nem através de elevada contemplaçã o, mas com muita
humildade e submissã o de coraçã o. (40)
Reflita que a flor mais delicada perde a fragrâ ncia e murcha mais
rá pido; portanto, guarde-se para nã o tentar andar com um espírito de
deleite, pois você nã o será constante. Escolha antes para si uma
aguardente robusta, desapegada de tudo, e descobrirá paz e doçura
abundantes, pois frutos deliciosos e duradouros sã o colhidos num clima
frio e seco. (42)
Deixe Cristo crucificado ser suficiente para você, e com ele sofra e
descanse, e assim aniquile-se em todas as coisas interiores e exteriores.
(92)
Tenha grande amor pelas provaçõ es e pense nelas apenas como uma
pequena forma de agradar o seu Noivo, que nã o hesitou em morrer por
você. (94)
O Pai falou uma Palavra, que era seu Filho, e esta Palavra ele fala
sempre em silêncio eterno, e em silêncio deve ser ouvida pela alma.
(100)
Para se deixar levar pelo amor de uma alma, Deus nã o olha para a sua
grandeza, mas para a grandeza da sua humildade. (103)
O diabo teme uma alma unida a Deus como teme ao pró prio Deus.
(126)
Velhos amigos de Deus quase nunca falham com ele, pois estã o acima
de tudo que pode fazê-los falhar. (130)
Meu Amado, tudo que é á spero e trabalhoso eu desejo para mim, e tudo
que é doce e delicioso eu desejo para você. (131)
Ame ser desconhecido por você mesmo e pelos outros. Nunca olhe para
o bem ou o mal dos outros. (135)
Fique em silêncio sobre o que Deus pode ter lhe dado e lembre-se
daquela palavra da noiva: Meu segredo para mim [Is. 24:16]. (153)
Se você deseja ser perfeito, venda a sua vontade, dê-a aos pobres de
espírito, venha a Cristo com mansidã o e humildade e siga-o até o
Calvá rio e o sepulcro. (165)
Quem foge da oraçã o foge de tudo que é bom. (169)
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