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Semiótica

Material Teórico
Princípios lógicos da Semiótica contemporânea

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Elvair Grossi

Revisão Textual:
Profa. Ms. Fátima Furlan
Princípios lógicos da Semiótica
contemporânea

• Princípios lógicos da Semiótica contemporânea


• Semiótica lógica
• A semiótica da era medieval
• O modelo de signo diádico (séculos XVII-XVIII) – semiótica racionalista
• Semiologia e semiótica (Saussure/Peirce)
• O signo em Peirce

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Relacionar áreas do conhecimento filosófico e distinguir seus
formalismos e suas relações com as teorizações da lógica contem-
porâneas.

ORIENTAÇÕES
Nesta unidade, daremos início aos estudos de um importante ramo da ciência,
a Semiótica. Considerada a ciência dos signos, a ciência de toda e qualquer
linguagem. Para entender as suas diversas aplicações, principalmente o estudo
dos signos e como eles se relacionam, é preciso um olhar mais verticalizado
e situar no tempo e no espaço as ações processuais que possibilitaram a
constituição desse enorme campo do saber.

Para que você embarque nessa viagem de conhecimento, aprendizagem e


compreensão do assunto apresentado, leia com atenção o conteúdo desta
unidade e os materiais complementares, assista aos vídeos indicados e
procure conhecer as referências bibliográficas.
UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea

Contextualização
Atualmente, as formas de comunicação e todo o processo de aquisição e
incorporação de linguagem vêm progredindo de forma acelerada. É possível
verificar que a vida moderna é regrada por artefatos tecnológicos de ponta de
diversas naturezas que, além de povoarem todo o universo da vida contemporânea,
promovem, a cada dia de nossas vidas, um aumento significativo de palavras,
consequentemente, um aumento de novas mensagens, novos sentidos, novas
formas de se comunicar e novos significados.

Nesta esfera de suma importância, até mesmo para a sobrevivência, a Semiótica,


como ciência que interroga e analisa objetos existentes no mundo, sobretudo
o estudo dos signos, tem um expressivo lugar e uma relevante contribuição.
Pois ela procura estudar e entender todos os processos de comunicação, como
eles são feitos, quais são os seus sentidos, quais são os seus efeitos na vida do
homem e no quadro da vida social. Para isso, é preciso entender essa unidade e
estudá-la a fim de adquirir uma percepção e assimilar as questões pelas quais se deu a
constituição de uma ciência que hoje fornece material para entender os fenômenos
pós-modernos da língua e da forma de se estabelecer uma comunicação.

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Princípios lógicos da semiótica contemporânea
As fronteiras entre a semiologia, as linhas semióticas, a lógica, a
filosofia analítica e a filosofia da linguagem
Para falar da Semiótica, assim como conceituá-la na ordem do dia, não basta
apenas recorrer à etimologia da palavra ou pontuar uma simples definição.
É preciso, além de buscar um horizonte mais amplo, menos limitado, entender a
sua aplicabilidade, a sua relação no contexto atual e na prática do nosso dia a dia.
Também é válido dizer que, se fossemos, a fim de verificar as fronteiras, identificar
as linhas divisórias entre a semiologia, a semiótica, a lógica, a filosofia analítica e a
filosofia da linguagem, não seria possível chegar a um único viés conceitual, a uma
linha singular para cada uma dessas áreas do conhecimento. Isso porque, mesmo que
essas disciplinas tenham seus constructos teóricos amplamente enviesados, o que é
muito natural no estudo da ciência, elas estão interligadas, pois, em algum momento,
seja no fomento, na mobilidade ou nas articulações conceituais de uma pesquisa,
há notórias transgressões. Ou seja, as áreas se cruzam numa notável relação híbrida
e, por serem intercambiáveis, asseguram a vitalidade e a riqueza de todos os campos
de exploração do conhecimento. Esse é um fator determinante para entender a
semiótica, pois a semiologia, a matemática, a lógica, a filosofia analítica, a filosofia
da linguagem etc. são eixos do conhecimento que se cruzam e fornecem uma base
dinâmica para contemplar as investigações científicas. Entretanto, é preciso entender
que essa linha de raciocínio, ou seja, essa forma de abordagem e todas essas relações
não procuram delimitar uma determinada semiótica, muito menos especificar o seu
precursor ou seu teórico. Pelo contrário, a intenção, neste primeiro momento, é
compreender a semiótica na sua amplitude, bem como entender não só as suas
fronteiras, mas, principalmente, verificar como se deu a sua evolução.

Semiótica lógica
A semiótica, postulada no mundo grego, procurou por uma identidade entre
linguagem e pensamento. Estudos da semiótica na esfera platônica e aristotélica
foram objeto de controvérsia entre estoicos e epicuristas, mas tudo isso possibilitou
uma larga contribuição no campo do debate de ideias. Por exemplo, na Antiguidade,
Platão (427 a.C.-347 a.C.) foi considerado o primeiro pensador a organizar a
estrutura triádica do signo, pois, no diálogo Crátilo (ou Justeza dos Nomes), ele
sistematizou essa relação com a denominação de “nome”, “ideia” e “coisa”.

Crátilo, mestre de Platão e discípulo de Heráclito, propunha que os nomes fossem


Explor

atribuídos aos seres por convenção, doutrina que era estabelecida em Atenas no V século
a.C. (PLATÃO. Crátilo. Tradução Palmeira, Dias, Livraria Sá Costa Ed. 1994 p. LXIX)

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Platão Aristóteles
Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons

SIGNO

NOME IDEIA COISA

Afirmando que a verdade dita por palavras, mesmo que esta denote certa
semelhança com as coisas às quais se reportam, seria sempre inferior ao
conhecimento direto, não intermediário, das coisas. Essa observação de Platão
permite inferir que o mundo das ideias é apenas um mundo convencional, um
mundo de representações, pois, segundo ele, as palavras são independentes dessas
representações. Platão, com esse modelo, já no século IV a. C, prenunciava as
bases do que seria, bem mais tarde, denominado semiótica.

Avançando um pouco mais no tempo, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), veio


complementar o modelo platônico com uma linha de análise mais objetiva,
fundamentava a teoria dos signos no eixo da lógica e da retórica, o que lhe
permitiu estabelecer uma distinção entre signos incertos (semeîon) e signos certos
(temérion). Sendo que, para os signos incertos, ele os denominou como aquele
grupo de signos que não apresentaria nenhuma relação ou definição clara, por
possuir uma extensa diversidade de significados; já os signos certos, seria o grupo
dos signos que apresentaria apenas uma significação. Na verdade, Aristóteles tinha
como preocupação, naquele momento, edificar uma linha de estudos por meio
de um encadeamento lógico, para isso, conceituou o signo como uma relação
de “implicação das verdades lógicas”, onde: [ (“a” implica “b”); (“a” é condição
suficiente para “b”). (Para que “a” é necessário que “b”); (b é condição necessária
para “a”). (Se “a”, também “b”); (“b” cada vez que “a”); (“b” se “a”); (“b” sempre
que “a”) ]. Ou seja, “a” atua como signo de “b”, o que lhe possibilitou conferir a ideia

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de o signo como uma premissa que conduz a uma conclusão. Esse modelo descrito
por Aristóteles remonta à questão do “argumento” , cuja função das premissas é
possibilitar o caminho da conclusão. Portanto, a partir de várias linhas de estudo e
desenvolvimento das implicações, Aristóteles apresenta um modelo lógico, ou seja,
seu modelo de signo linguístico é concebido de forma composta. Primeiramente, ele
nomeia o signo linguístico de “símbolo”, symbolon, e, em seguida, o definiu como
sendo signo convencional das “afecções” da alma pathémata; depois, detalhou
essas afecções e estabeleceu-os como sendo “retratos” das coisas, prágmata.

SIGNO

SYMBOLON PATHÉMATA PRÁGMATA


Convenção Afecção Retrato

Desta forma, verifica-se que o modelo de signo, para Aristóteles, também


é triádico. Esse modelo triádico de composição do signo atravessa séculos e vai
ganhando cada vez mais contornos, cada linha de pensamento possibilita mais
aprimoramento com novos relevos. Tudo isso vai se consubstanciando, mas
sempre mantendo o foco triádico do modelo platônico e aristotélico como, por
exemplo, acontece como os estoicos (300 a.C.-200 d.C.), que retoma o modelo
platônico e aristotélico e instaura o signo em três componentes básico: semaínon,
o “significante”; semainómenon ou lékton, corresponde à “significação” ou ao
“significado” e, finalmente, o tygchánon, o “objeto”. Nesse modelo, percebe-se que
a teoria dos estoicos está intrinsecamente relacionada à lógica, ou seja, interpretam
a cognição de um signo a partir do desenvolvimento silogístico.

SIGNO

SEMAÍON SEMAINÓMENON TYGCHÁNON


(significante) (significação) (objeto)

Diferentemente dos epicuristas (século IV a.C.), que propuseram uma forma


diádica de estudar o signo, pois entendiam que o significado imaterial do signo,
semainómeno, não poderia ser considerado como um componente semiótico do
signo. Com isso, rompe com a tradição platônica, aristotélica e instaura-se um
processo diádico. Uma vez que considerava, como a origem das imagens, apenas
o objeto físico, ou seja, no processo de cognição do receptor, os átomos icônicos
reaparecem numa nova imagem denominada por eles de fantasia, representando
apenas os dois componentes do signo.
Explor

Epicurismo é um sistema criado, no século IV a. C, pelo filósofo ateniense Epicuro de Samos.

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SIGNO

SEMAÍON TYGCHÁNON
(significante) (objeto)

Concepção centrada no desenvolvimento “materialista”, uma vez que para fazer


parte do processo, o signo só se relacionava com as categorias materialistas.

Santo Agostinho
Fonte: Wikimedia Commons

Mas o grande salto acontece em Aurélio Agostinho, conhecido como Santo


Agostinho (354 d.C.-430 d.C.). Neste momento, a semiótica torna-se determinante
na área do conhecimento. Pois, Santo Agostinho, considerado o fundador da
semiótica, foi o primeiro pensador a intitular o termo signum, concebido como
instrumento através do qual a comunicação é levada a efeito, não importando o
tipo nem o nível. Santo Agostinho a princípio, defendeu o pensamento epicurista,
entretanto, consolidou-se a linha dos estoicos. Por exemplo, ajustou-se aos epicuristas
no que diz respeito ao signo na condição de representar alguma coisa atualmente
não perceptível, isto é, diz respeito ao signo como um fato perceptivo. Mas, na

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base de sua linha conceitual do signo, formalizou-se aos estoicos, destacando a
ação de interferência mental no desenvolvimento da semiose; distinguiu signos
naturais e signos convencionais. Para ele, os signos naturais não foram criados na
intenção de uso como signo. Mas eram signos que existiam na natureza: a fumaça
como índice de fogo, por exemplo, era entendido como um signo natural. Já os
signos convencionais ajustavam-se sob uma convenção, por isso foram criados
para estabelecer a comunicação. Santo Agostinho ainda se aprofunda nos estudos,
diferenciando “signos” e “coisas” e amplia os estudos dos signos não verbais. Por
exemplo, Santo Agostinho conseguiu desvendar e esclarecer a relação entre signo
e coisa. Segundo ele, o signo é uma coisa simplesmente pelo fato de estar no lugar
de outra coisa, ou seja, se o signo não fosse uma coisa, logo, não existiria. Com
isso, Santo Agostinho constituiu um modelo de signo que, mais tarde, iria delinear
os caminhos da doutrina dos signos ou a ciência do signo. Ou seja, ele forneceu as
bases para o estudo não só para um modelo específico de signo, mas um estudo
da semiótica que possibilite investigar qualquer tipo de comunicação e que abarque
toda a extensão das linguagens.

A semiótica da era medieval


A semiótica da era medieval, também conhecida como semiótica escolástica,
denominação atribuída pelo fato de conciliar a teologia e a filosofia, ou seja, a
fé cristã, das escolas monásticas cristãs, com o sistema de pensamento racional
da época, foi considerada um grande marco no questionamento científico da
linguagem. Pois, neste ambiente de fundo teológico consolidado às artes liberais,
como a gramática, a retórica, a dialética, possibilitou abrir um amplo debate na
questão do signo. Organizaram o estudo da ciência em: filosofia natural, filosofia
moral e ciência dos signos, conhecida também como ciência racional, denotando
certa afinidade com a lógica. Neste espaço de extremo rigor sistemático, algumas
contribuições foram significativas para abertura de novos horizontes. Por exemplo,
Roger Bacon (1215-1294), conhecido como Doctor Mirabilis (doutor admirável
em latim), foi um influente frade na área do conhecimento filosófico, escreveu
um importante tratado sobre o signo, intitulado De signis. Outro tratado sobre o
signo foi publicado por João de São Thomás (1589-1644), conhecido como Jean
Poinsot, intitulado, Tractatus de Signis, em que, no campo da lógica, procura
divisar o signo através de duas características: na primeira, o signo é tido como
um instrumento da comunicação, como um meio; na segunda, os signos não são
apenas instrumentos da comunicação, mas são também instrumentos da cognição,
uma definição muito próxima da semiótica dos nossos dias. Além de tudo, essas
obras procuraram, no seio da semiótica escolástica, demonstrar também a questão
da doutrina do realismo e do nominalismo, surgindo, neste momento, a divisão
entre denotação e conotação, avançando assim no estudo das funções semióticas
de signos, símbolos e imagens.

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UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea

A semiótica, neste momento da era medieval, foi contemplada pelo renascimento


e pelas grandes transformações científicas, sociais e culturais, considerado um
momento de intenso fomento cultural. Não se pode deixar de lado dois modelos que
estariam vinculados a todo esse contexto: os quatro sentidos do mundo medieval,
conhecido como o “Modelo dos Quatro Sentidos”, muito menos deixar também de
falar na “Doutrina das Assinaturas”, outra contribuição para entender os avanços
da semiótica na esfera medieval.

Doutrina dos quatro sentidos


A semiótica neste momento tem como base um referencial religioso, no caso, a
Bíblia, considerada, nesta época, como sendo o livro dos ensinamentos sagrados,
cujo alcance procurava explicar parte da existência desse mundo. Mas, para
interpretá-la, era necessário um sistema dividido em quatro níveis, pois, dessa
forma, era possível contemplar quatro sentidos diferentes de interpretação. Este
modelo, também conhecido como “os quatro sentidos exegéticos” ou “doutrina
dos quatro sentidos”, caracterizava-se em quatro níveis de interpretação:
o primeiro nível procurou pontuar o sentido literal ou histórico, seriam os
sentidos da forma como eles aparecem no texto; o segundo nível seria o sentido
tropológico ou moral, responsável por revelar a vida do homem; o terceiro nível
caracterizava a alegoria, revelava uma relação direta entre Cristo e a Igreja e,
finalmente, o quarto sentido, denominado como sendo anagógico, diz respeito
aos mistérios celestes. Portanto, esse modelo semiótico, os quatro sentidos, teve
uma importância muito forte para interpretar e ler o mundo real, pois tudo se
apoiava nessas bases.

Doutrina das assinaturas


Foi um modelo significativo e de muita contribuição para a semiótica, formulado
pelo médico suíço Paracelso (1493-1541). Este modelo semiótico entendia que o
mundo estava povoado por uma variada tipologia de signos e Paracelso, a fim de
estudar e detalhar esse modelo criou a chamada Doutrina das Assinaturas, cujo
objetivo era o de estruturar um sistema de códigos para interpretar os signos naturais.
Portanto, para isto, esta doutrina considerava, nas suas formulações conceituais,
que os signos não só se originavam de Deus, mas também se originavam de vários
outros sujeitos, considerados, aqui, como os “assinantes” de signos naturais, e
se dividiam em: primeiro, o homem; segundo, um princípio interior e, terceiro,
as estrelas ou planetas. Ainda segundo esse modelo semiótico de Paracelso, as
características indiciais deixadas no mundo por esses eminentes são denominados
de “assinaturas” e poderiam povoar e ser percebidas em várias zonas do mundo.

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O modelo de signo diádico (séculos XVII-
XVIII) – semiótica racionalista
A semiótica, neste momento, sofre uma forte influência do racionalismo na
Europa, seu percurso compreende a adesão de três grandes correntes filosóficas do
século XVII e XVIII: o racionalismo, o empirismo e o iluminismo. René Descartes
(1596-1650), representante máximo do racionalismo cartesiano, formulou a
teoria das três ideias inatas: a primeira, ideias adventícias, chegam à mente a
partir do sentido; a segunda, ideias fictícias, são produzidas pela imaginação; e, a
terceira, ideias inatas, são ideias essenciais que existem na mente sem auxílio de
um histórico. Com isso, a semiótica de Descartes lança por terra o signo com seu
caráter referencial. Ou seja, o modelo triádico de signo torna-se obsoleto frente
ao modelo diádico da semiótica racionalista. Versão difundida amplamente pela
abadia de Port-Royal, a ideia da coisa representada corresponde ao significado
do signo. Vejamos a proposta racionalista cartesiana:

SIGNO

Ideia da coisa Ideia da coisa


que representa representada

A semiótica racionalista, ao embasar que esta concepção diádica não consiste


numa entidade material e noutra mental, mas em duas mentais, ou seja, a ideia
ou imagem do som de um lado e o conceito de outro, já prenunciava o modelo
de semiótica atual: significante – imagem acústica; e significado – conceito. Por
exemplo, a fim de exercitar esse modelo, é possível entendê-lo da seguinte forma:
quando um interlocutor pronuncia “cavalo”, o significante do cavalo não é a palavra
pronunciada, mas sim o modelo mental de cavalo, que está elaborado na mente
do interlocutor.

Esse modelo de semiótica, cartesiano, que explicava a relação do signo, logo


foi contestado por um interventor inglês. Por sinal, o ideólogo do liberalismo, o
filósofo John Locke (1632-1704), que teve um lugar de destaque na construção da
semiótica moderna, considerado também como o criador do termo “semiótica”.

Pois Locke discordava das “ideias inatas” proferidas por Descartes. Segundo ele,
não existiriam princípios inatos na mente. Locke afirmava que as ideias são signos
que representam as coisas na mente do interlocutor, as palavras representam as
ideias e elas não podem ser separadas.

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UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea

SIGNO

PALAVRA IDEIA

Essa relação estabelecida por Locke tornou-se objeto central para a abertura
de dois caminhos importantes na esfera dos estudos do signo: Ferdinand Saussure
(1857-1914), semiótica estrutural ou semiologia, e Charles Sanders Peirce (1939-
1914), semiótica peirceana.

Semiologia e semiótica (Saussure/Peirce)


Primeiramente, são duas notáveis linhas do estudo do signo. A semiologia,
conhecida como linguística saussureana (Ferdinand Saussure, 1857-1914) tem
como preocupação os estudos da ciência da linguagem verbal. Diferentemente
da semiótica peirceana (Charles Sanders Peirce, 1939-1914), cujo foco é a ação
do signo, razão pela qual é a ciência de toda e qualquer linguagem. Entretanto,
para verificar mais de perto essas relações, vamos nos reportar aos dois teóricos
embasadores dessas linhas.

Saussure
Fonte: Wikimedia Commons

Saussure (1857-1914)
Em Saussure, vamos encontrar uma linha de exploração de grande contribuição,
pois os princípios científicos e metodológicos da linguística, segundo ele, são regidos
por regras e princípios comuns a todas as línguas. Por exemplo, nos estudos da
ciência verbal, vamos nos deparar como uma explicação de que a “língua” não é

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o mesmo que a linguagem, ela é multiforme e demanda uma abordagem física,
fisiológica e psíquica, atua no individual e no social. Por isso, a língua é social, ela é
adotada no corpo social, sendo um conjunto puramente de convenções. Saussure
ainda vai nos dizer que a união entre palavras e coisas não tem uma correspondência,
uma relação entre si, mas ambos formam uma unidade linguística. Ambos são
termos “psíquicos”, ou seja, o signo linguístico não une uma coisa e uma palavra,
mas um conceito e uma imagem acústica – tal combinação é denominada de signo.
O conceito é denominado de significado e a imagem acústica, de significante.
Ou seja:

SIGNO

SIGNIFICADO SIGNIFICANTE

Vejamos um exemplo prático, segundo esse esquema de Saussure, quando


alguém diz “cavalo”:

SIGNIFICANTE
Imagem acústica,
aspecto material,
desenho, som etc.
Signo Linguístico
(Convencional)
(c + a + v + a + l + o)
SIGNIFICADO
Conceito: animal mamífero,
da família dos equídeos, com
cauda e crina longa etc.

Fonte: Adaptado de iStock

A associação entre significante e significado é arbitrária. As duas faces do signo


são puramente convencionais e, reafirmando, ambas são psíquicos. Isto é, o signo
“c + a + v + a + l + o” não está ligado e não tem nenhuma relação à cadeia de
sons (significante), que poderia ser representado por outro qualquer. Isso possibilita
entender a diferença entre as línguas e a existência de línguas diferentes. Como
podemos perceber, desde Platão, passando pelas várias linhas da semiótica e
contemplando todo o legado da Idade Média, há algum elemento “mental” entre a
“coisa” e sua denominação. Razão pela qual a questão da referência do signo não
é resolvida pela linguística e, sim, pela filosofia da linguagem. A preocupação e o
foco central da filosofia da linguagem não é estudar os elementos constitutivos da
língua, mas estudar as relações que esses elementos estabelecem, ou seja, estudar
as representações e pensamentos seguindo as formações gramaticais através das
quais elas foram expressas.

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UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea

Peirce (1939-1914)

Peirce
Fonte: Wikimedia Commons

Peirce vem propor uma nova fase do conhecimento, e é o mais importante dos
fundadores da semiótica moderna. Tornou-se cada vez mais familiar nos meios
intelectuais, pois, ao dar destaque e elaborar um estudo da filosofia, matemática
e da lógica, consegue, a partir do legado grego e da Idade Média, fundamentar a
doutrina dos signos. Peirce, com sua noção de interpretante, permite enxergar
mais longe do que a dicotomia proposta por Saussure langue/parole. Razão
pela qual a semiótica peirciana é utilizada como ferramenta para aprimorar e
promover pesquisas em várias esferas culturais, sociais e acadêmicas, como,
por exemplo, nas artes visuais, na dança, arquitetura, matemática, medicina,
engenharia etc. Para entender por que hoje há uma abrangência de estudos a
partir da semiótica peirceana, é preciso atentar a uma classificação didática e
metodológica, em três momentos:
a) No primeiro momento, quando surgem as primeiras obras dos estudos
peirceanos, os comentadores, os críticos e os pesquisadores se limitam a
fomentar e aplicar seus estudos apenas na esfera filosófica tradicional, dando
total vazão apenas a esse viés do conhecimento;
b) No segundo momento, há uma tímida expansão, pois os estudiosos
peirceanos pontuam mais os aspectos matemáticos e lógicos, destacando
certo formalismo com relação à lógica;
c) No terceiro momento, há um volume de estudos em vários setores, a
semiótica ganha total relevo, principalmente ao se inserir nos contextos
literários, críticos, culturais, artísticos, linguísticos etc.

Nesta perspectiva, as aplicações e análises contempladas pela semiótica


peirceana, além de dar conta dos seus objetos de análise, auxiliam na promoção de
outras linhas teóricas. Para um amplo entendimento, a fim de conhecer as bases

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da semiótica peirceana, os leitores e comentadores reconhecem e recorrem à sua
obra máxima: Os collected papers of Charles S. Peirce, publicado em 1931, seria
a fonte disponível para qualquer leitura e aprofundamento.

Peirce utilizou o mesmo termo semiótica já usado por John Locke no final do século
Explor

XVIII, cuja raiz vem da língua grega, semeion, que quer dizer signo. A ciência dos signos.

O signo em Peirce
Peirce, ao buscar uma fundamentação na tradição inaugurada pela lógica
aristotélica, epicurista, estoica e a lógica escolástica, sofre todas essas influências
na formulação de sua doutrina geral dos signos, a semiótica. Vejamos: Peirce
constrói uma base muito sólida ao afirmar que todo o processo de pensamento
é um processo de transformação de signos, cuja descrição se faz em termos de
semiótica. Torna-se evidente que Peirce não tinha interesse em estudar uma classe
particular de coisas que seriam signos, em oposição às coisas que não o seriam,
mas sim estudar qualquer coisa que quisermos considerar como signo, ou seja,
objeto do pensamento. Portanto, ser signo, para Peirce, é incorporar a noção de
relação triádica.

Para Peirce, o signo não é somente o “elemento” abstrato mínimo e formal


de toda a representação do pensamento. Ele é tudo que estabelece ou participa
de uma relação triádica, que podemos denominar de relação-signo. Por exemplo,
Peirce afirma que “só vale ao que chega a três”, exigência que vem desde Heráclito
(540 a.C.-470 a.C.) e através de Hegel (1770-1831) (tese, antítese e síntese), mas,
na concepção peirceana, temos a primeira de todas as tríades por onde começa o
nosso mundo: um “signo”, um elemento de cognição, por um lado determinado por
um signo que não é ele mesmo, seu “objeto”, e por outro determinado em alguma
mente potencial ou efetivamente presente, um outro signo, seu “interpretante”,
sendo mediatamente determinado pelo objeto-signo.

Então temos:
(2) Signo
(boi)

(1) Objeto (3) Interpretante


(boi) (gado, o animal que puxa carroça)

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UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea

1. Objeto: compreende todo o domínio da natureza.


2. Signo: é todo elemento lógico que fica no lugar do objeto, representa esse objeto.
3. Interpretante: é uma rede de signos dentro do qual o signo é programado.

O interpretante é, portanto, um conjunto de signos que continua ou conclui o


sentido do signo. O interpretante também é uma conduta lógica que assumimos
em face ao signo. Podemos acertar como podemos errar. Um exemplo para ainda
ilustrar mais essa ação – vejamos no tradicional jogo da “cabra-cega”:

Primeiro: as buscas são variadas de alguém;

Segundo: é a ação de encontrar ou escolher alguém (decisão, ação, afirmação);

Terceiro: é a constatação do erro ou do acerto, consequências semiótica.

Como vimos, a ideia central de Peirce é de que a presença de um ser humano,


em qualquer evento, encerra uma reação necessariamente triádica, como acontece
nos pronomes de 1º, 2º e 3º pessoa: eu, tu, ele. Vejamos um desdobramento de
forma ainda mais detalhada:

1º Nome → Coisa → Sentir

2º Ação → Ação → Fazer

3º Lei, Abstrato → Pensamento → Pensar

(1) Nome
(objeto)

(2) Relação dinâmica (3) Lei


(ação) (interpretante)

De forma mais prática, e utilizando um exemplo mais próximo de nossa realidade,


temos a mesma situação produzida da seguinte forma:

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Criança (nome)

Brincadeira (ação) Infância (interpretante)

É possível perceber que o “primeiro” é qualquer um, o “segundo” é uma ação


e o “terceiro” é a finalidade dessa ação, ou seja: “possibilidade”, “realidade” e
“necessidade”. Razão pela qual, segundo Santaella (1983, p. 59), o signo pode ser
mais bem definido da seguinte forma: o signo tem dois objetos e três interpretantes.
Vejamos:
Signo

interpretante dinâmico
(intérprete)
in ime
te
ed to

rp dia
to
im bje

re to
ia

ta
o

nt
e

objeto fundamento
dinâmico interpretante em si
Fonte: SANTAELLA (1983, p, 59)

Tentando esclarecer de forma mais detalhado temos:

Imediato (dentro do signo)


Dois objetos
Dinâmico (aquilo que o signo substitui)

Imediato (apto a produzir numa mente interpretadora qualquer)

Três interpretantes Dinâmico (aquilo que o significado efetivamente produz na sua mente)

Em si (de caráter lógico, convencional)

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UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea

A partir do entendimento desse percurso é possível acompanhar o caminho


percorrido pela semiótica desde os gregos, chegando praticamente às primeiras
reflexões conceituais de Peirce. Com a assimilação da interação, os desdobra-
mentos e a constituição dos signos, será possível compreender a rede de classifi-
cação triádica e as várias formas de constituição do signo, o que será desenvolvi-
do no conteúdo da nossa próxima unidade. Até lá.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Semiótica
Perguntas e respostas sobre semiótica.
https://goo.gl/PVSdbm

Livros
O que é semiótica.
SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.
Escritos coligidos. Seleção de Armando Mora D´Oliveira.
PEIRCE, Charles Sanders. Escritos coligidos. Seleção de Armando Mora
D´Oliveira. Trad. Oliveira e Sérgio Pomerangblum. In: Os pensadores. São
Paulo, Abril Cultural, 1983.

Vídeos
Open Learning: Semiótica Peirceana
https://goo.gl/qT0TnL

Leitura
Comunicação e Semiótica:
Visão geral e introdutória à Semiótica de Peirce
https://goo.gl/rhVMkj

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UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea

Referências
ARISTÓTELES. A arte retórica e arte poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho.
São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1959.

NORTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. 4 ed. São


Paulo: Annablume, 2008.

PEIRCE, C. S. Collected Papers: vol. 1, 2, 3. Cambridge: Harvard Univ.


Press,1966.

PESSANHA, José Américo Motta - “Aristóteles: Vida e Obra” In Os Pensadores,


Nova Cultural, São Paulo, 1987, pág. XVI.

______. Charles S. Peirce: Semiótica. Trad.: José T. C. Neto. São Paulo:


Perspectiva, 1985.

SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

STIRN, F. Compreender Aristóteles. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:


Vozes, 2006.

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