Você está na página 1de 135

Para Cynira,

Carlos
e Sérgio
Sumário

Apresentação à segunda edição


Prefácio — Alegria libertária, Heloisa Maria Murgel Starling
Introdução

PRIMEIRA PARTE: A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA: DETERMINAÇÕES ESTRUTURAIS

SEGUNDA PARTE: A CLASSE OPERÁRIA E SEU MOVIMENTO (1890-1917)


1. Correntes organizatórias e seu campo de incidência
2. O trabalhador urbano
3. A dinâmica do movimento operário

TERCEIRA PARTE: A CONJUNTURA (1917-20)


4. As grandes linhas
5. Política e sindicato
6. Duas mobilizações
7. Assimilação e repressão

Epílogo

Notas
Fontes citadas
Apêndice
Apresentação à segunda edição

Quando este livro foi escrito, há quase quarenta anos, a sociologia do trabalho e a história da classe
operária davam seus primeiros passos em nosso país. Para muitos, o tema era irrelevante, em comparação
com a temática tradicional: que sentido teria tentar reconstituir vidas, organizações, lutas de gente de
classe baixa cujo lugar na história, a rigor, não existia?
Um ponto de partida importante para a alteração desse quadro foi o surgimento do Centro de Estudos
de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit), na antiga Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH), do qual participaram, entre outros, Fernando Henrique Cardoso, Lourdes Sola e
Leôncio Martins Rodrigues. Leôncio fez uma incursão histórica pioneira, ao dedicar dois capítulos de seu
livro Conflito industrial e sindicalismo no Brasil (1966), ao movimento operário nas primeiras décadas do
século XX e no período posterior a 1930. Ele contrariou, com boas razões, a imagem de uma “idade de
ouro”, gerada por antigos militantes anarquistas, em que supostamente teriam predominado um forte
movimento operário e um sindicalismo independente que repudiava os “krumiros” — os pelegos, em
linguagem mais recente —, e recusava a política de colaboração de classes e a mediação promovida pelo
Estado.
A visão triunfalista do anarquismo era certamente ilusória, mas tinha o mérito de desmentir a
afirmação segundo a qual, antes de 1930, os trabalhadores não passavam de desvalidos, inermes diante
de uma oligarquia insensível. Foi sobre essa base que o getulismo edificou o carisma de um presidente
generoso que supostamente doou aos trabalhadores direitos sociais e a legalização dos sindicatos.
Curiosamente, foi nos primeiros anos da ditadura militar — quando as lideranças operárias sofriam
uma dura repressão — que muitos estudos se voltaram para o tema dos trabalhadores urbanos. Havia
mesmo quem se perguntasse por que a “classe universal” não resistira ao golpe militar de 1964 —
pergunta que hoje nos parece ingênua. Aliás, a multiplicação de textos sobre o tema relacionou-se com
duas conjunturas opostas: de um lado, os anos de chumbo do regime militar; de outro, seu gradual
desmantelamento no processo de transição democrática, em que o movimento operário ressurgiu à luz do
dia.
Trabalho urbano e conflito social foi escrito nos anos de apogeu da ditadura e originou-se das
discussões travadas no que então se chamou de “grupo da classe”, integrado no Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (Cebrap). Além de mim, dele fizeram parte Francisco Weffort, Regis de Castro
Andrade e Fabio Munhoz. No recorte cronológico que então fizemos, preferi ficar com a história da classe
operária no período anterior a 1930, por várias razões. Dentre elas, o fato de que, sem recusar a validade
da chamada história imediata, sempre tive atração por épocas mais distantes, cujos ecos chegaram até
nós. É o caso do anarquismo e dos anarquistas com quem convivi quando eles já tinham ficado à margem
do movimento social. É o caso também das greves gerais de 1917-20, das quais eu tinha apenas uma
noção, graças à voz dos velhos anarquistas e das referências de jornal.
É possível ainda que, diante das agruras de um duro presente, eu tenha preferido me voltar para um
passado atraente e pouco conhecido. Desse modo, eu asseguraria um objetivo que sempre persegui: fazer
da pesquisa e da escrita uma atividade em que o prazer se sobrepõe à transpiração.
Se os sociólogos saíram na frente nos estudos sobre os trabalhadores urbanos, antropólogos e
historiadores vieram se juntar a eles. No caso dos historiadores, o novo interesse tinha a ver com a
inclinação a buscar novos objetos além dos tradicionais, que vem caracterizando a historiografia nos
países do Ocidente.
Depois da partida inicial, ao longo de mais de dez anos, os textos históricos se multiplicaram na
academia até que a partir do início da década de 1990, aproximadamente, a onda declinou em favor de
outros temas. O declínio teve a ver com o fato de que a sociedade de classes mesmo morfologicamente
imperfeita deu lugar a uma sociedade de assalariados, em que os integrantes do setor de serviços
passaram a ter uma crescente visibilidade. Ao mesmo tempo, na esfera acadêmica, a busca de novos
objetos prosseguiu. O estudo da classe operária passou de arrojado a “convencional”, cedendo terreno
para a história da mulher, a história do crime e da criminalidade, a história multifacetada do cotidiano
etc., com predominância de um enfoque micro-histórico.
Se é assim, por que reeditar este livro? Ouso dizer, em primeiro lugar, que ele permaneceu, ao longo do
tempo, como um dos poucos que tiveram a preocupação de tratar o tema em seus diferentes aspectos,
lidando com a história da classe operária no período considerado, ou seja, uma análise estrutural da
classe, as formas de organização sindical e de partidos embrionários, os movimentos reivindicatórios, as
ideologias predominantes e o esboço de uma cultura operária de inspiração anarquista.
Depois, porque a história dos trabalhadores urbanos anterior a 1930 é expressiva não só em si mesma,
como também por ser parte da explicação dos anos que se seguiram ao movimento revolucionário de
outubro daquele ano. Exemplificando, a repercussão dos direitos sociais outorgados pelo governo
provisório chefiado por Getúlio Vargas e a expansão do sindicalismo submetido ao Estado foram
facilitadas pelo fato de que a ação governamental se deu em terreno propício: os sindicatos eram frágeis e
os direitos alcançados pelos trabalhadores inconstantes e limitados a setores estratégicos.
Um exemplo de traços históricos que ganharam nítida configuração a partir dos anos posteriores à
revolução de 1930 encontra-se nas diferenças entre as massas populares — movimento operário aí
incluído — de São Paulo e do Rio de Janeiro, que no livro procurei ressaltar. Na capital da República,
desde o tempo dos jacobinos e de Floriano esteve no ar um clima social e político com notas próprias.
Floriano foi glorificado como a quintessência do nacionalismo e tornou-se ao mesmo tempo ícone de
setores do movimento operário propensos à colaboração de classes, sob a égide do Estado. Esses traços
prenunciaram a implantação do regime nacional populista encarnado em Getúlio Vargas, com maior
irradiação do que em São Paulo, chegando a anos relativamente recentes, pela via muito popular do
brizolismo.
Em outra chave, faço uma breve consideração da efêmera cultura anarquista, expressa nas
comemorações do Primeiro de Maio como dia de luta, nos piqueniques de fins de semana, nos espetáculos
teatrais doutrinários etc.
A cultura anarquista, limitada a círculos restritos, não resistiu ao colapso do movimento, que se
desenhou a partir de 1920, provocado pela inviabilidade de seus propósitos, pela expulsão de militantes
estrangeiros, pela atração de trabalhadores nacionais de outros estados para os centros dinâmicos do
Sudeste do país. Ainda assim, não seria justo encarar os velhos anarquistas como peças de museu, como
uma gente puritana que condenava o Carnaval e fazia restrições aos bailes “imorais” e mesmo ao futebol.
Há mais de um século, assediados por uma sociedade hostil, eles tiveram o mérito de denunciar o
fanatismo religioso, o sistema educativo, os abusos sexuais atribuídos a membros do clero, a praga do
alcoolismo, o horror das carnificinas guerreiras, especialmente no curso da Primeira Guerra Mundial.
Em contrapartida, entre outros pontos, defenderam a igualdade entre os sexos, o controle da
natalidade, a paz universal pregada por Kant, que certamente não era anarquista.

BF
Prefácio
Alegria libertária
Heloisa Maria Murgel Starling

Trabalho urbano e conflito social, do historiador Boris Fausto, foi publicado pela primeira vez em 1976.
Não era o primeiro livro do autor. Alguns anos antes, em 1970, a editora Brasiliense já havia lançado A
Revolução de 1930, a tese de doutorado que transformou o episódio de encerramento da Primeira
República em um acontecimento da historiografia contemporânea brasileira: tanto pelo evento em si, que
passou a ser analisado daí por diante como o resultado da rebelião das oligarquias dissidentes regionais
contra o governo de Washington Luís, quanto pelas consequências produzidas por esse evento nos anos
seguintes, na economia, na política, na sociedade e na cultura, e que transformaram radicalmente a
história do país.
Mas, de alguma maneira, o projeto de redação de Trabalho urbano e conflito social estava conectado ao
livro inaugural de Boris Fausto. Depois de passada a limpo, a Revolução de 1930 havia se convertido
numa formidável mola propulsora para novas leituras sobre o Brasil republicano e era até possível
escolher o objeto de investigação, valorizando seu ineditismo: voltar no tempo e investir no entendimento
estratégico da Primeira República ou avançar pelas décadas seguintes, entre 1940 e 1950, para examinar
os caminhos e os procedimentos da modernização do país. A opção de Boris Fausto pela Primeira
República possivelmente teve a ver com a ordem prática das coisas: a produção existente sobre o período
era praticamente nenhuma. Fausto já havia feito uma revisão rigorosa sobre os acontecimentos da década
de 1920 e dispunha de material documental para servir de base ao seu concurso de livre-docência na
Universidade de São Paulo (USP). O tema escolhido, porém — a história da formação da classe
trabalhadora e do movimento operário no Rio de Janeiro e em São Paulo, entre 1880 e 1920 —,
seguramente era fruto de uma opção política do autor.
Em 1976, nos anos difíceis do governo do general Geisel, escrever acerca dos movimentos populares,
em especial sobre a classe operária e suas formas de organização e ação, significava adotar uma
estratégia de resistência e de enfrentamento oposicionista. Era uma forma de o autor se inserir no longo e
custoso processo de luta contra a ditadura militar — e ajuda a entender o título anódino com que Boris
Fausto tratou de proteger do arbítrio a si próprio e ao seu livro. Contudo, investigar o passado operário,
em meados dos anos 1970, atraía um intelectual como Fausto também por outra razão: ele queria
investigar a história do país em busca de uma explicação a respeito do comportamento da classe operária
naquela conjuntura sombria — e encontrar uma indicação de suas expectativas para o futuro. Por que
desconcertante razão essa classe não correspondia — ou não parecia corresponder — a tudo o que as
diferentes correntes do pensamento marxista, praticamente hegemônico entre a intelectualidade
brasileira da década de 1970, entendiam ser suas qualidades características? Por que ela não se
comprometia de uma vez por todas com o papel que se esperava ansiosamente dela: tornar-se a força de
repulsão do capitalismo, a promotora de uma iminente explosão social, o instrumento decisivo para operar
a derrubada da ditadura? O que tinha ocorrido?
Não se sabe se Boris Fausto encontrou resposta para todas as inquietações que o atormentavam
enquanto redigia seu livro, mas uma coisa é certa: Trabalho urbano e conflito social anuncia até hoje
novos caminhos e possibilidades de análise para quem pretende entender a história das lutas operárias e
da classe trabalhadora no Brasil. Afinal, esse era, até então, um assunto escassamente estudado. As
poucas pesquisas existentes estavam restritas ao caso de São Paulo e o livro de Fausto cruza essa linha
em várias direções. Seu eixo temático concentra-se no Rio de Janeiro e em São Paulo; e o autor sugere a
presença embrionária de núcleos de trabalhadores urbanos em outras regiões do país, especialmente em
algumas capitais do Norte e do Nordeste. Além disso, a obra investiga um conjunto de mudanças
profundas que aconteceram no país e foram decisivas para o desenvolvimento inicial da indústria durante
os últimos anos do século XIX: os processos de transformação da economia do café; o final derradeiro da
escravidão em 1888 e a urgente substituição da mão de obra por causa da demanda cafeeira — tanto por
deslocamentos migratórios internos quanto pela vinda de imigrantes, principalmente europeus, ao Brasil
—; a nova dinâmica das cidades que cresciam aceleradamente gerando empregos, sobretudo nos setores
secundários e de serviços.
Mas Trabalho urbano e conflito social ainda tem muito enredo. Naquela que talvez seja a parte mais
original do livro, a aparição de uma classe trabalhadora urbana e industrial no Brasil é acompanhada de
perto pela reconstituição de suas formas de organização e mobilização política, e pela entrada
intempestiva na cena pública do mundo do trabalho que se auto-organiza. É bem verdade que a
industrialização brasileira, iniciada por volta de 1840, quando as novas fábricas demandaram cada vez
mais mão de obra operária — especialmente na construção civil e ferroviária —, disparou a partir de 1880
e se beneficiou da modernização especialmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Contudo, havia
outro lado: a industrialização era incipiente, e o cotidiano urbano vinha acompanhado de crises cíclicas de
carestia e aumento constante do custo de vida. O crescimento acelerado de algumas capitais, com a
entrada em massa de novos contingentes populacionais, sobretudo imigrantes, multiplicou a pobreza,
rebaixou as condições de vida e escancarou a face socialmente excludente da República.
É nesse cenário que Boris Fausto reconstitui a história das lutas e da mobilização dos trabalhadores —
com suas dificuldades essenciais para se organizar por meios próprios. São os primeiros trinta anos de
uma luta forjada na adversidade de seus personagens: as diversas maneiras como os trabalhadores
impuseram seu protagonismo na cena pública, defenderam a legalidade de suas formas de representação
sindical e política, reagiram às péssimas condições de trabalho nas fábricas. São também os anos em que
a classe trabalhadora brasileira buscou desenvolver uma visão de mundo característica, em um cenário
excludente — além de sustentar um programa de transformação sociocultural e produzir um esforço
coletivo de construção de autoimagem. Não por acaso, essa é a história das aventuras que acompanharam
a instalação definitiva da tradição anarquista entre nós, a maneira como se aclimatou no ambiente político
da Primeira República foi decisiva na politização e na sociabilidade dos trabalhadores urbanos e, muito
depressa, ganhou peso e relevância entre eles, sobretudo através de duas de suas vertentes: os
anarcossindicalistas, que predominaram em São Paulo e no Rio de Janeiro e apostavam nas associações
como principal espaço de atuação política; e os anarcocomunistas, que sempre foram minoritários, ainda
que fizessem barulho, e acreditavam na insurreição como caminho de ação revolucionária.
Embora a existência de núcleos anarquistas e socialistas utópicos remonte ao século XIX — a colônia
Cecília, no Paraná; o Falanstério do Sahi, em Santa Catarina; a comunidade livre do Erebango, no Rio
Grande do Sul —, a tradição anarquista só desembarcou de vez entre nós metida na bagagem dos
imigrantes espanhóis, portugueses e italianos — e reza a boa prática revolucionária, um anarquista
italiano, ao imigrar, transforma-se invariavelmente num missionário dos ideais libertários. Trabalho
urbano e conflito social reconstrói assim (e também) a trajetória rica e agitada desse desembarque e da
rápida conversão do anarquismo na principal força de organização dos trabalhadores urbanos durante a
Primeira República. E, no esforço de reconstruir essa história, Boris Fausto acabou por apontar um
terreno vastíssimo de pesquisa ao esmiuçar dois elementos decisivos para caracterização da tradição
anarquista. Um deles, as formas de mobilização e os instrumentos de luta política sustentados pela ação
direta: greve (geral ou parcial), boicote, sabotagem, comícios, protestos, passeatas. O outro aspecto: o
modo como, durante a Primeira República, uma linguagem libertária começou a ser falada no Brasil —
não apenas no plano da ordenação de ideias e constituição de vocabulário, mas também no âmbito das
práticas simbólicas e da imaginação.
Contudo, não é só o tema que é novo no livro; também o modo de tratá-lo. A historiadora Ângela de
Castro Gomes costuma dizer que o leitor de Boris Fausto aprende história e historiografia ao mesmo
tempo, e aqui não se foge a essa regra. A pesquisa que sustenta Trabalho urbano e conflito social faz uso
de uma diversidade impressionante de documentos: impressos, publicações oficiais, panfletos, jornais,
pronunciamentos, relatórios. Perspicaz, o autor recorre ainda a outro tipo de fonte: a narrativa de
testemunho, pouco utilizada por historiadores no contexto da época; e acaba por prenunciar suas
possibilidades de uso: o poder de atualização da memória, a abertura ao presente, a capacidade de
iluminar os contextos subjacentes aos eventos e as conexões entre eles. Há, por fim, no artesanato desse
livro, o exercício de uma imaginação disposta a ouvir o que os documentos têm a dizer ao historiador. A
ferramenta utilizada por Fausto para afinar essa escuta é a interdisciplinaridade — que comparece aqui
na fina articulação entre o campo da história, da sociologia e da cultura.
Em maio de 1978, menos de dois anos após a publicação da primeira edição deste livro, cerca de 80 mil
trabalhadores entraram em greve em São Bernardo, Santo André, São Caetano e Diadema — o ABCD
paulista, coração industrial do país. São Bernardo detonou um ciclo grevista que seguiu quase
ininterrupto até 1980, espalhou-se pelo país e chegou a atingir, nos dois anos seguintes, mais de 4 milhões
de trabalhadores, em quinze dos 23 estados brasileiros. Boris Fausto não podia adivinhar o futuro, mas,
visto com olhos de hoje, essa foi provavelmente a primeira vez que Trabalho urbano e conflito social fez as
vezes do fio que restabelece as ligações perdidas no tempo — entre indivíduos, entre eventos, entre
lugares.
No início do ano de 1917, conta Fausto na parte final do livro, a greve explodiu no Cotonifício Crespi,
em São Paulo, e levou tudo de roldão: envolveu fábricas, serviços urbanos e ferrovias, mobilizou têxteis,
sapateiros, gráficos, padeiros, metalúrgicos, lixeiros, marítimos, espalhou-se pelo interior do estado,
tomou conta do Rio de Janeiro. Mobilizou entre 50 mil e 70 mil trabalhadores e detonou o impressionante
ciclo de greves e grandes manifestações de massa que se estendeu até 1920 — com as paralisações dos
tecelões em São Paulo e dos ferroviários no Rio de Janeiro. A conjuntura de 1917-20 produziu o avanço da
sindicalização, ancorou uma quantidade extraordinária de publicações — O Amigo do Povo, A Voz do
Trabalhador, Terra Livre, A Plebe, A Lanterna — e revelou questões internas cruciais ao movimento dos
trabalhadores, sobretudo no que se refere à sua capacidade de representação e negociação política na
esfera pública. Havia ali uma conexão inesperada com o futuro: entre a conjuntura de 1919-20 e a de
1978-80, é possível encontrar uma série de ressonâncias no tempo — uma espécie de atualização
temporal —, em que os dois acontecimentos se cruzam em diálogo na transitoriedade da passagem do
passado ao presente.
Talvez essa seja uma das chaves para a reedição de Trabalho urbano e conflito social, quarenta anos
após sua publicação: permitir ao leitor experimentar a perturbadora sensação de que, por vezes, é
possível reacender no presente algo da antiga chama de um evento do passado.
Há, nos procedimentos de formação da classe trabalhadora no Brasil descritos por Boris Fausto, a
manifestação do desejo meio turbulento de ser incluído no espaço das atividades e das práticas do mundo
público; há, também, a reiteração de uma mal disfarçada alegria libertária que moveu aquela gente toda,
fez emergir uma espécie de contracultura cuja lembrança se perdeu no curso da República e converteu a
rua no local privilegiado de uma longa luta por direitos e visibilidade política. Um entendimento sobre isso
pode reemergir aqui e agora, ao final da leitura deste livro. Quem sabe, então, Trabalho urbano e conflito
social seja uma ferramenta que incite os brasileiros a compreenderem que o passado não é lá tão remoto,
o presente supervalorizado não é nosso único horizonte possível, e o futuro não desapareceu da linha do
nosso olhar. Algo dessa alegria libertária que se revela na história contada por Fausto ainda pode inspirar
nossa compreensão do presente. Pode, por exemplo, contribuir para o melhor entendimento da grande
explosão social que veio às ruas das principais cidades do país, em junho de 2013; e pode nos ajudar a
conhecer um pouco mais sobre a natureza política de movimentos essencialmente impulsivos como esses.
Desprovidas de formas de organização associativa ou de capacidade de interlocução duradoura na cena
política institucional, as “jornadas de junho de 2013” — o nome pelo qual essa explosão se tornou
conhecida — tiveram um desenrolar e uma debandada rápidas, como se a multidão enfurecida depressa se
fatigasse e, esgotada, logo se desagregasse.
Enxergar algo dessa alegria libertária presente nas raízes dos processos de formação da classe
trabalhadora urbana também nos ensina a perceber outra série de paralelos em relação à nossa própria
contemporaneidade. Um desses paralelos: a invenção da arte livre, anônima e coletiva, étnica e
culturalmente mestiça que brota na periferia e nas quebradas do Brasil, apropria-se do espaço urbano e
de seus códigos, convida à reunião e rompe com a solidão dentro da qual vive jogado o habitante das
nossas metrópoles. Como se vê, reunir pontas de fios desfiados pelo tempo é parte do ofício do
historiador. E também para isso pode servir um bom livro de história.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FAUSTO,Boris. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1970.


GOMES, Ângela de Castro (Org.). Leituras críticas sobre Boris Fausto. Belo Horizonte: Editora UFMG; São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008.
Introdução

O tema central deste livro é a classe operária de São Paulo e do Rio de Janeiro, no primeiro período de
sua formação. Por razões de interesse e possibilidade de pesquisa, estabeleci esse limite regional, o que
não significa ignorar a presença embrionária dos trabalhadores urbanos em outras regiões do país,
sobretudo em algumas capitais do Nordeste e no Sul.
Busquei abordar o tema a partir de duas proposições iniciais básicas: de um lado, a consideração do
estudo da classe operária como parte integrante de uma história global do país, no pressuposto de que
esta incide sobre os próprios destinos da classe e que as contradições sociais envolvem sempre uma dupla
relação, em dois sentidos; de outro lado, a consideração da classe como sujeito de sua história.
O primeiro nível de abordagem conduz às questões mais gerais da natureza da sociedade do período,
do Estado oligárquico, do comportamento das demais classes e grupos sociais em suas relações com o
proletariado. O segundo, na perspectiva indicada em um trabalho de Hobsbawm,1 leva a distinguir entre a
classe operária no seu sentido mais genérico, abrangendo a massa majoritária dos não organizados, e o
núcleo minoritário de quadros e da liderança.
Não pretendo ter avançado muito neste último caminho, mas espero ter apontado algumas direções.
O estudo de um grupo social, nas suas grandes linhas, diz respeito a condições materiais de existência
e à mentalidade coletiva, que ganha forma em uma ideologia, em comportamentos e atitudes.
Do ponto de vista das condições materiais de existência, o mundo do trabalho aparece no caso como
espaço relevante, onde temporalmente o operário vive grande parte de uma jornada de dez a dezesseis
horas. Qual a experiência cotidiana, na esfera da produção, dessa classe operária nascente? Por certo,
suas condições genéricas são conhecidas, mas é possível especificá-las apreendendo situações diversas,
nas quais aparecem, lado a lado, as formas artesanais e o sistema de fábrica, o trabalho industrial e os
serviços. Ao mesmo tempo, tais condições materiais referem-se à própria sobrevivência (alimentação e
habitação sobretudo). O indicador mais importante é o salário real, mas não apenas ele, bastando lembrar
o significado da adoção de padrões alimentares em alguma medida independentes do nível salarial.
Deliberadamente, tratei essas questões que requerem técnicas quantitativas bastante refinadas de modo
sumário. Elas pressupõem todo um programa de trabalho cuja viabilidade, apesar da escassez de
documentação, estudos como os de Eulália Maria Lahmeyer Lobo relativamente ao Rio de Janeiro
confirmam.
Por sua vez, a análise de uma mentalidade coletiva ganha sentido a partir da inserção da classe social
no conjunto da sociedade, de cujo quadro mental participa a seu modo, assim como a partir de
representações nascidas nas relações de trabalho e nas outras esferas de existência. Parece quase
desnecessário dizer que a política tem uma incidência bastante relativa nessa área, onde as dificuldades
de reconstrução histórica não são poucas. Em um país de tradições profundamente elitistas, não apenas
entre a classe dominante, mas também entre os que despontam como organizadores das camadas
populares, o discurso já difícil das classes dominadas deixa pouquíssimos traços. Com frequência, não o
recebemos de forma direta, porém transcrito e reelaborado nas alusões de uma liderança. A apreensão de
comportamentos e atitudes tem um bom campo na análise das ações coletivas. Entretanto, não se resume
a esse aspecto, pois há necessidade de confrontar os momentos de tensão com seus atos de heroísmo e
capitulação, com um dia a dia obscuro que constitui um tempo mais conservador, igualmente relevante
para definir um padrão ideológico. Evitemos, nesse terreno, cair nas malhas de uma história edificante: a
grande massa, individual e coletivamente, assume a exploração a que está submetida sob formas diversas,
em que se estampam a revolta, a solidariedade, o preconceito, a resignação. Sob esse ângulo, conscientes
e “krumiros” integram a experiência da classe operária.
A distinção entre a classe e seu movimento conduz a um difícil problema que não tem resposta apenas
no plano quantitativo. Se a força de uma classe social dominada se mede pelos organizados, a
contrapartida é óbvia, tratando-se pois de medir também a sua fraqueza. Quais os canais de comunicação
existentes entre o núcleo de vanguarda e a grande massa que pode relativizar o corte, não obstante a
debilidade ou a inexistência de laços formais? Quais os limites dessa comunicação que permitem traçar,
não obstante as ressalvas, um corte entre minorias militantes e a grande massa dos desorganizados?
Por outro lado, o interesse pela liderança é relevante desde que não se transforme paradoxalmente a
história do movimento operário em uma história de “grandes personagens”. Não só porque a análise da
liderança, de sua ideologia e comportamento, tem implicação direta no problema das orientações. Como
disse uma das maiores figuras políticas de nosso tempo, o homem não vive somente de política. As
concepções do núcleo anarquista, por exemplo, encerram um código moral, estendem-se a uma ampla
área de relações sociais, não redutíveis ao universo político. Se é possível delimitar o campo ideológico
específico dessas concepções, nem por isso se pode ignorar que elas fazem parte de um sistema cultural,
embora voltadas explicitamente para destruí-lo.
Essa temática, indicada sumariamente, não se contém nos limites de uns poucos livros e constitui todo
um programa. Procurei tão somente desenvolver alguns de seus aspectos, com o implícito reconhecimento
de ter dado maior ênfase aos problemas do movimento da classe operária do que aos da análise da classe
em si, às ações coletivas do que à reconstrução de atitudes individuais, desequilíbrio imposto em parte
pela disponibilidade das fontes. De qualquer forma, não é razoável transformar o limite das fontes em um
obstáculo intransponível. Para ficar em um exemplo, vejam-se as possibilidades prementes e quase
inexploradas da história oral, das memórias condenadas via de regra ao esquecimento.
Uma das objeções implícitas que se oferecem ao estudo das camadas dominadas, em sociedades onde
sua presença é ainda secundária, é a da relevância. No caso deste trabalho, a contradição entre a
burguesia agrária e a classe operária não se define como fundamental, nem constitui o eixo da crise do
Estado oligárquico. Convém evitar também o risco de inverter as lentes, com a consequência de dar à
mobilização do proletariado urbano — pequena mancha em um imenso oceano agrário, mudo do ponto de
vista dos movimentos políticos — uma dimensão que ela não tem. Sem embargo o destino dessa classe,
nos primeiros anos de sua formação, não é indiferente à história global do país e à história da própria
classe. Nas alternativas de uma ordem democrática ou autoritária, nas possibilidades abertas à
autonomia/ heteronomia da categoria social, estará presente, ao longo da década de 1920 e nos primeiros
anos de 1930, a marca das definições de um período anterior.
Além disso, não tenho nenhum entusiasmo por um critério de relevância estrito que lembra apenas os
vencedores e esquece as causas perdidas. Não se trata de defender uma história esotérica, valorizando
grupos ou eventos de muito reduzida significação.
Por exemplo, pouco sentido teria um interesse excessivo pelos natimortos partidos socialistas que
surgiram em algumas dezenas de anos, em vez de indagar as razões mais gerais de seu fracasso. Mas não
se pode dizer o mesmo da gente e dos movimentos que estiveram no centro das opções de um grupo
social, em um período histórico. Não estamos impedidos de fazer-lhes a crítica, com a condição de
restituí-los à dimensão de seu tempo e relativizar a dimensão do nosso. A eles se aplica, em outro
contexto, o que E. P. Thompson disse a respeito dos artesãos ingleses, diante da Revolução Industrial:

Sua hostilidade frente ao novo industrialismo podia ser retrógrada. Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos. Suas
conspirações insurrecionais podiam ser temerárias. Mas eles viveram nesses tempos de aguda perturbação social, e nós não.
Suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência; se foram vítimas acidentais da história, continuam a ser,
condenados em vida, vítimas acidentais.
Não deveríamos ter como único critério de julgamento o fato de as ações de um homem se justificarem, ou não, à luz da
evolução posterior. Afinal de contas, nós mesmos não estamos no final da evolução social. Podemos descobrir, em algumas das
causas perdidas do povo da Revolução Industrial, percepções de males sociais que ainda estão por curar.2

O trabalho intelectual não é quase nunca exclusivamente um ponto de partida ou um ponto de chegada.
Considero muito confortante não fugir à regra e inserir este livro na trilha dos estudos sobre a classe
operária de Azis Simão, Juarez Brandão Lopes, Leôncio Martins Rodrigues, José Albertino Rodrigues.
Metodologicamente, beneficiei-me bastante do contato pessoal e dos recentes trabalhos de Francisco C.
Weffort: meu interesse pela questão das orientações, o esforço por delimitar o espaço e o desfecho de uma
conjuntura têm nele uma direta inspiração. Nem poderia deixar de mencionar a excelente tese de Sheldon
Leslie Maram (Anarchists, Immigrants and Brazilian Labor Movement, 1890-1920) sobre o período objeto
deste estudo, cujo mérito transcende o simples rigor empírico.
Mesmo quando trabalhado em condições bastante artesanais, um livro se faz com a boa vontade e o
auxílio de muitos. Uma enumeração exaustiva seria impossível. É justo porém que se destaque a sempre
presente ajuda dos servidores do Arquivo do Estado, da Biblioteca Municipal e da Biblioteca Nacional, a
colaboração de Fabio Munhoz e Régis Andrade, na colheita de dados no Rio de Janeiro, e, sobretudo, o
apoio das pessoas ou entidades que me proporcionaram o acesso ao arquivo particular de Edgard
Leuenroth: em uma primeira fase, Hermínio Saccheta e Germinal Leuenroth; em um segundo momento, a
Universidade de Campinas, através de Paulo Sérgio Pinheiro e Francisco Foot Hardman.
Em sua versão original, parcialmente modificada, o livro constituiu tese de livre-docência que defendi
no FFLCH-USP. Pela pertinência das observações, acolhidas em boa parte no texto final, agradeço aos
integrantes da Comissão Julgadora, professores. Candido Procópio Ferreira de Camargo, Francisco C.
Weffort, Leôncio Martins Rodrigues, Michel Debrun e Vicente Marotta Rangel.
PRIMEIRA PARTE

A formação da classe operária:


determinações estruturais
A primeira etapa de formação da classe operária brasileira ocorreu a partir dos últimos anos do século
XIX,ligada a um processo de transformações cujo eixo foi a expansão da economia cafeeira.
O processo é bastante conhecido e quero apenas referir-me a ele em linhas muito gerais. As
necessidades da economia exportadora, baseada no café, propiciaram profundas modificações no sistema
de transportes e nos serviços portuários, desde meados daquele século. À medida que a exportação
assumiu proporções consideráveis, gerando um significativo excedente econômico, colocou-se o problema
do escoamento da mercadoria para os portos, a baixo custo e em larga escala. Os caminhos precários,
percorridos por tropas conduzidas por escravos desviados da atividade das fazendas, foram sendo
substituídos pelas vias férreas, que se implantaram como um elo entre as regiões produtoras e os centros
exportadores. A rede ferroviária impulsionou em um caso e deu origem em outro à expansão desses
centros. O Rio de Janeiro concentrou todo o movimento comercial da área cafeeira do vale do Paraíba, do
leste fluminense e mineiro, abrangendo também a velha região canavieira do baixo Paraíba. Na província
de São Paulo, a construção da estrada de ferro Santos-Jundiaí, inaugurada em 1867, representou a ruína
dos pequenos portos e a consolidação de Santos como o grande porto do comércio externo da província,
excluída a região do vale.1 As docas de Santos reuniram o primeiro grupo importante de trabalhadores em
todo o Estado, cujas lutas se iniciaram em fins do século e permaneceram constantes no correr dos anos.
O avanço da economia capitalista de exportação gerou assim diretamente as condições para que se
constituísse um núcleo de trabalhadores no setor de serviços. Indiretamente, preencheu os requisitos
para o surgimento do proletariado fabril, concentrado em algumas poucas cidades. A pequena empresa
industrial, dispersa em vários pontos do país, existiu antes da afirmação do polo cafeeiro e ao lado dele,
graças à proteção representada pela dificuldade de comunicação, à proximidade das fontes de matéria-
prima, à existência de um pequeno mercado consumidor de bens como alimentos, bebidas, tecidos de
qualidade inferior. Os trabalhadores desse tipo de indústria, espalhados em um imenso espaço geográfico,
nunca tiveram condições objetivas para dar origem a um movimento operário. Eles ficariam nas fímbrias
do que Antônio Barros de Castro chamou de a industrialização descentralizada do Brasil.
O deslocamento no espaço da indústria de tecidos de algodão indica a importância gradativa que o
Centro-Sul passou a assumir, em confronto com outras áreas. O estado da Bahia — especialmente
Salvador e arredores — foi o primeiro núcleo das atividades do ramo, de 1844 até fins da década de 1860,
reunindo cinco das nove fábricas existentes no país em 1866. Em 1885, antes mesmo que na província de
São Paulo a produção industrial tivesse algum significado, observava-se a existência de maior número de
empresas no Centro-Sul. Dentre 48 fábricas arroladas em todo o país, 33 se localizavam nessa região.
Minas Gerais aparecia como a primeira província (treze unidades), tendo a Bahia doze, a província do Rio
de Janeiro onze e a de São Paulo nove unidades.2
Por muitos anos, o Rio de Janeiro reuniria a maior concentração operária do país, sendo superado pela
capital de São Paulo, em algum momento entre 1920 e 1938. A instalação no antigo Município Neutro de
algumas fábricas, a partir de meados do século XIX, deveu-se a um conjunto de fatores. Aí haviam se
acumulado capitais provenientes da empresa agrícola ou dos negócios do comércio exterior. Com a
decadência do vale do Paraíba, novas inversões no setor cafeeiro tornaram-se limitadas, pois não se abria,
como em São Paulo, uma grande fronteira em expansão.3 Era viável contar com o financiamento dos
grandes bancos, cuja sede estava localizada na capital do país, embora a destinação de recursos para fins
industriais fosse encarada com reservas. O mercado de consumo tinha proporções razoáveis, abrangendo
não só a cidade como a região tributária, servida pela rede de ferrovias. No que diz respeito à força de
trabalho, ainda que houvesse problemas no tocante ao suprimento de trabalhadores especializados, o
mesmo não ocorria com operários de baixa qualificação. Por último, ressalte-se o papel da energia a
vapor, em uma época prévia à introdução da energia elétrica, sobretudo no crescimento da grande
manufatura de algodão, no Rio de Janeiro e cidades próximas (Petrópolis). O emprego de água como força
motriz apresentava inconvenientes derivados em grande parte do suprimento irregular. Sua substituição
pela energia a vapor, cujo combustível era o carvão, tornou-se viável, graças à possibilidade de obter
carvão importado sem novos ônus de transporte, o que acontecia quando o combustível se destinava ao
interior.4
Sumariamente, foram essas as condições que permitiram o surgimento na capital do país do embrião de
um proletariado de fábrica, concentrado na Gamboa e em São Cristóvão, nos subúrbios ou no fundo dos
vales na antiga periferia da cidade — Gávea, Tijuca e Laranjeiras.
As manifestações iniciais da atividade industrial na província de São Paulo vinculam-se estreitamente
às alterações introduzidas no interior da empresa cafeeira, a partir da extinção do tráfico externo de
escravos, e à expansão urbana no interior da província. A velha fazenda de café não se distinguia
essencialmente do latifúndio açucareiro como núcleo gerador do desenvolvimento capitalista. Nela,
apenas a produção para exportar era mercantil, e as necessidades de consumo satisfaziam-se no interior
da própria empresa. Nas fazendas do vale do Paraíba, quase dois terços dos escravos não se dedicava à
lavoura do café, cabendo a eles plantar gêneros alimentícios, cuidar do gado e outros animais de corte,
construir casas, canalizar a água, abrir caminhos.5
A alta de preços dos escravos provenientes da região central do país e do Nordeste e sua posterior
escassez resultou na concentração da força de trabalho escrava nas atividades mercantis, com efeitos
diretos relativamente à divisão social do trabalho em toda a província. Ao mesmo tempo, esboçou-se uma
substituição parcial dessa força de trabalho por máquinas, em especial no processo de beneficiamento do
café.6 Quando na década de 1870 surgiram em São Paulo as primeiras fábricas têxteis, conjugaram-se
para o surto não só os reflexos da Guerra da Secessão americana no tocante à abundância de matéria-
prima, como também a ampliação do mercado. O último fator resultava do processo de crescente divisão
do trabalho, das migrações internas de pessoas livres do Nordeste para São Paulo, da entrada de
imigrantes.
Em meio à crise do sistema escravista, estendiam-se as relações mercantis como pré-requisito ao
desenvolvimento capitalista. São Paulo começava a se definir como centro urbano, tornando-se
gradativamente o grande mercado distribuidor de produtos e de mão de obra. Entretanto, a germinação
de atividades industriais tinha ainda limites bastante evidentes. Do ponto de vista da formação da classe
operária, a dispersão pesava como elemento negativo. Em 1886, havia na província doze fábricas de
tecidos de algodão das quais dez estavam localizadas no interior: quatro em Itu (principal centro da
região algodoeira), uma em Piracicaba, uma em Jundiaí, uma em Santa Bárbara, uma em Tatuí, uma em
Sorocaba e uma em São Luís do Paraitinga. Esboçava-se porém a concentração do capital na cidade de
São Paulo. As dez fábricas do interior reuniam um capital de 2950 contos e as duas paulistanas — as
lendárias empresas de Diogo Antônio de Barros — somavam 1050 contos.7
Como se sabe, o momento decisivo em que se constituíram relações capitalistas de produção na área de
São Paulo ocorreu com a liquidação final do sistema escravista e a entrada das grandes levas de
imigrantes. O papel desempenhado por estes no primeiro surto de industrialização foi crucial, sob vários
aspectos: pela ampliação do mercado de trabalho e de consumo; pela preferência em inverter a poupança
no setor comercial e industrial, tendo em conta as dificuldades impostas ao acesso à propriedade da terra;
pelo impulso dado ao crescimento da cidade de São Paulo.8 A ampliação do mercado de consumo rural
através da substituição dos escravos pelos imigrantes assalariados é um tema aberto a controvérsias. Sem
dúvida, não se pode dar a esse fator importância exagerada, considerando que o processo de incremento
da divisão do trabalho era anterior à entrada das grandes levas migratórias e que os imigrantes tinham
uma forte tendência a poupar. Não parece desprezível, ainda assim, o papel do imigrante na ampliação do
mercado rural, vinculada à possibilidade de obter excedentes agrícolas através do plantio de gêneros —
sobretudo nos contratos de formação do café —, os quais eram vendidos nas cidades, aumentando a
capacidade de consumo. Lembrando também que a força de trabalho estrangeira não veio apenas
substituir a mão de obra escrava, mas representou um grande aumento do potencial de trabalho,
destinado a atender aos requisitos de uma economia em plena expansão. Em 1887, havia 107 mil escravos
na província de São Paulo; entre esse ano e 1900, a imigração líquida externa somou 599 426 pessoas.9
A partir de 1890, a cidade de São Paulo começou a crescer em ritmo acelerado. O crescimento
significativo se iniciara nos anos 1872-86, quando foi de 52% (de 31 385 para 47 697 habitantes), a uma
taxa geométrica anual de 3%. Nos anos 1886-90, alcançou 36% (de 47 697 para 64 934 habitantes), o que
representa uma taxa geométrica anual de 8%. Mas a grande arrancada se deu entre 1890 e 1900, período
em que a população paulistana passou de 64 934 habitantes para 239 820, registrando uma elevação de
268% em dez anos, a uma taxa geométrica de 14% de crescimento anual.10 Em 1890, São Paulo era a
quinta cidade brasileira, abaixo de Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém. No início do século, chegaria
ao segundo lugar, embora ainda muito distante dos 688 mil habitantes da capital federal.
O crescimento da cidade deveu-se não só a sua consolidação como grande mercado distribuidor, mas
também ao influxo da massa de imigrantes. Apesar da escassez de dados, há indícios de que imigrantes
subvencionados ou não permaneceram na cidade, onde as oportunidades de ascensão eram maiores. É
provável também que o fluxo rural-urbano no estado tenha ocorrido já na última década do século, logo
após o fim dos primeiros contratos de formação do café. Seja como for, a afirmação da capital como centro
integrador regional se deu na medida em que as relações capitalistas de produção se estenderam,
intensificando a divisão do trabalho e o consequente crescimento do pequeno comércio, da classe média
profissional ou burocrática, dos primeiros núcleos operários. A empresa agrícola de base escravista fizera
baixar a proporção entre habitantes da capital e do interior, em favor dos últimos. Segundo o censo de
1872, 3,7% da população da província morava na capital, enquanto 11,6% aí viviam em 1816. No fim do
século, a capital já concentrava 10,5% da população do estado, índice que chegou a 12,9%, em 1920.11
Em meados da última década do século XIX, a cidade de São Paulo contava com 121 estabelecimentos
que se utilizavam de energia mecânica, dos quais 52 eram realmente industriais. A referência aos ramos
mostra a vinculação das empresas com as necessidades de consumo ou sua conexão com o setor de
serviços: dentre os onze estabelecimentos que empregavam mais de cem operários, havia três fiações,
uma fábrica de cerveja, três fábricas de chapéus, uma fábrica de fósforos, uma fundição e duas oficinas
ferroviárias.12 Nessa época, começaram a surgir os bairros operários, local de instalação de fábricas e
moradia de trabalhadores. A cidade se implantara no interior de um maciço, cercado de planícies
varzianas e insalubres, sujeitas às inundações do Tamanduateí e do Tietê. Essas planícies foram se
integrando ao núcleo urbano, à medida que iam sendo atravessadas pelas estradas de ferro — a Inglesa, a
São Paulo-Rio de Janeiro, a Sorocabana. O baixo preço dos terrenos e a proximidade das estações
ferroviárias atraíam as novas indústrias e muitos dos imigrantes recém-chegados para o Brás, o Bom
Retiro, a Mooca. O processo de formação dos bairros, em função da constituição da sociedade de classes,
é simétrico: enquanto a massa de imigrantes se concentra nas várzeas, bordando as faces sul e leste do
maciço paulistano, vão surgindo neste os bairros residenciais que sobem as encostas em busca de
terrenos altos e saudáveis (Higienópolis) até atingir o alto espigão, onde se abre a avenida Paulista.
De um lado, delineia-se um ininterrupto suceder de pequenas habitações

quase sempre térreas e sem nenhum jardim à frente, geralmente geminadas (duas a duas, quatro a quatro), todas mais ou
menos iguais, de estilo pobre ou indefinível. Estendem-se assim, em sua monotonia e em sua humildade, em filas intermináveis,
que chegam a ocupar quarteirões inteiros. No meio delas, porém, surge de quando em vez a pesada e característica fachada de
uma fábrica ou, então, pequenas oficinas ou fabriquetas.13

Do outro lado, residência e trabalho estão separados, a triste uniformidade desaparece, despontando as
construções onde se reúnem

desde a pureza de uma frontaria fria à normanda, dos arabescos sinuosos e ilógicos da arte nova, até o risonho “cottage”
inglês, do pontiagudo dos chalés da neve aos alpendrados espanhóis, às cúpulas e minaretes orientais, às varandas cobertas do
norte, às vilas graciosas da Itália, às galerias do Renascimento, ao exagero do barroco ou do plateresco, ao rústico suíço, até a
horrível simetria esburacada do estilo pombalino, pesado e bruto.14

Procurei lembrar, em linhas muito gerais, como o primeiro surto industrial do Brasil surgiu a partir do
desenvolvimento do capitalismo de base agrária, na região Centro-Sul. Apesar das grandes
transformações regionais operadas por esse desenvolvimento, o raio de sua ação, no sentido de
diversificar a estrutura social do conjunto do país, foi como se sabe bastante limitado (tabela 1.1). A
concentração da maioria absoluta da população nas atividades agrícolas não só permanece ao longo do
período, como se torna mais acentuada. Os números relativos à indústria e aos serviços revelam o avanço
das atividades industriais, a partir da base incipiente de 1872, devendo-se considerar que aí estão
englobadas tanto as atividades fabris como as artesanais. Por sua vez, a queda do setor de serviços, à
primeira vista surpreendente, se deve à grande diminuição de empregados domésticos, com direta
influência no cômputo total, não obstante a expansão dos serviços de transporte, comércio em geral,
servidores públicos, profissionais liberais.15

TABELA 1.1
BRASIL POPULAÇÃO OCUPADA (EM MILHARES)
Total = 100
1872 1900 1920
SETORES
% % %
1. Agricultura 3671 = 64,1 5071 = 53,4 6377 = 69,7
2. Indústria 282 = 4,9 321 = 3,4 1264 = 13,8
3. Serviços 1773 = 31,0 4111 = 43,2 1509 = 16,5
Total 5726 = 100 9503 = 100 9150 = 100

FONTE: Extraído de Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan. Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-
1943. Rio de Janeiro: IPEA/Inpes, 1973.

Localizou-se assim no campo a maioria dos setores econômica e socialmente dominados, em todo o
período de predominância do polo agrário-exportador e mesmo em época posterior. Aí não surgiram
porém movimentos de vulto, cujas características ultrapassassem os limites pré-políticos. As explosões
rurais desse tipo ocorreram aliás fora da região que constituía o eixo básico da formação social. Nas
grandes fazendas de café do estado de São Paulo, a insatisfação do proletariado rural exprimiu-se de
forma semelhante às do meio urbano, mas a possibilidade de manifestá-la foi bastante limitada. As
condições específicas do meio rural dificultaram ao extremo a organização dos trabalhadores e a eclosão
de greves. A massa de imigrantes, introduzida em terra estranha, dispersou-se por fazendas isoladas,
impossibilitando contatos que reforçassem a tomada de consciência de uma condição comum e o esboço
de uma ação reivindicatória. No interior da fazenda, o fazendeiro detinha poderes absolutos, além de
dominar as instituições do estado (polícia, magistratura), colocadas a seu serviço. Era fácil também isolar
os portadores do bacilo radical, pela simples proibição da entrada de elementos estranhos. Não por acaso
a única greve rural de grande vulto no estado, entre 1870-1914, ocorreu na zona de Ribeirão Preto (abril
de 1913) próxima a um centro urbano e onde havia significativo grau de concentração de trabalhadores.16
Não obstante os vários fatores que entravaram a formação de um movimento operário, a cidade reuniu
os requisitos mínimos para seu surgimento. Existia aí um quadro objetivo de exploração que podia ser
interiorizado coletivamente, dada a facilidade de contatos; os ideólogos revolucionários e organizadores,
apesar das restrições a sua atividade, não eram, no meio urbano, um peixe estranho. Desse modo, embora
o núcleo estrutural da economia residisse no campo, o conflito social concentrou-se nos setores
secundário e de serviços. O primeiro tinha pequena importância do ponto de vista econômico, enquanto o
segundo era estrategicamente relevante para o desempenho do núcleo estrutural.
A restrição do movimento social das camadas dominadas em grande medida aos centros urbanos
representou um sério limite. É certo que as reivindicações ganharam ressonância ao se produzirem em
cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, que, em grau variável, desempenhavam um relevante
papel político, comercial e administrativo. Mas, como o peso da urbanização era relativo e não só o eixo
básico da economia como a fonte de poder das oligarquias se encontravam fundamentalmente no campo,
a massa urbana dominada ficava ilhada nos muros ideais da cidade, com escassas condições de alterar a
correlação de forças entre as classes.
Duas outras determinações estruturais devem ser levadas em conta no primeiro período de formação
da classe operária. Uma diz respeito às condições de oferta do mercado de trabalho; outra, à composição
étnica da classe, com predominância de estrangeiros.
Uma discussão rigorosa acerca da oferta da força de trabalho constitui todo um programa de pesquisa,
e sua abordagem em algumas linhas pretende ser apenas indicativa. Os autores que vêm se dedicando ao
estudo da marginalidade urbana, a partir de perspectivas diversas, têm concordado em distinguir dois
momentos históricos no processo de acumulação capitalista, no que diz respeito à absorção de mão de
obra. Como assinala Lúcio Kowarick,17 a primeira fase de industrialização tinha sua dinâmica de
crescimento alicerçada fundamentalmente na incorporação cada vez maior de volume de trabalho,
enquanto as inovações tecnológicas e a racionalização dos processos produtivos desempenhavam papel
secundário. Por outro lado, boa parte da população estava fixada de forma até certo ponto estável nas
atividades agrícolas e os migrantes encontravam condições de se inserir no sistema urbano de trabalho:

a própria oferta de mão de obra industrial não podia ainda ser excessiva para as necessidades da produção industrial
crescente, se é levado em consideração que o grosso da população estava incorporado às atividades agroextrativas estáveis,
não obstante seu relativo estancamento, e as condições socioculturais inerentes às sociedades destes países (latino-americanos)
neste primeiro período antes dificultavam, que estimulavam, o desenraizamento maciço e violento da mão de obra dos setores
primários.18

Em um segundo momento, caracterizado por um tipo de dependência estruturalmente diverso de


período anterior, dois fenômenos produzem a crescente disparidade entre a oferta de força de trabalho e
sua absorção no sistema industrial: de um lado, sob o impacto da industrialização, parte do setor agrícola
se moderniza e passa a liberar mão de obra; de outro, a grande indústria se expande com altas densidades
de capital que passam a utilizar maior proporção de capital constante em relação ao variável.
A distinção entre dois tipos históricos de acumulação capitalista, assim como de dependência entre a
periferia e o centro, é bastante clara, mas caberia indagar se, ao menos no caso brasileiro, ocorreu a
relativa adequação entre oferta de mão de obra e crescimento industrial, no primeiro momento descrito.
Os dados existentes apontam em sentido negativo, ainda que a desproporção tenha outra natureza e vulto
no momento posterior.
Um primeiro indício muito genérico, pois se refere ao país como um todo, encontra-se nos cálculos
efetuados por Villela e Suzigan acerca da população ocupada e da população economicamente ativa
segundo os quais as proporções seriam de 74,7% em 1872 e 42,6% em 1920. O número de pessoas
ocupadas passou, entre 1872 e 1920, de 5 726 000 para 9 150 000, com um crescimento de 59,8%,
enquanto o número de pessoas na faixa de idade economicamente ativa subiu de 5 999 000 para 16 257
000, com um crescimento de 171%.19
Para os fins desta discussão, é importante analisar as condições de oferta de força de trabalho urbano
em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em São Paulo, a questão se liga diretamente à forma pela qual se
resolveu o problema da força de trabalho na empresa agrícola cafeeira, com a vinda das grandes levas de
imigrantes, no interior de um quadro cujas linhas gerais têm pouco a ver com uma incorporação estável
da população nessa atividade agrícola. O suprimento de trabalhadores sobretudo até os primeiros anos do
século XX foi abundante em razão de três fatores: a crise crônica no campo, em várias regiões da Itália; o
fato de que a imigração para o estado de São Paulo foi em larga medida subsidiada, permitindo aos
fazendeiros adequar a oferta a seus interesses; a consciência cristalina desses interesses por parte da
burguesia do café. As análises de Michael M. Hall mostram como ao longo de todo o período em que a
imigração estrangeira para as fazendas foi a fonte essencial de mão de obra não ocorreu “falta de braços”,
mas com frequência uma grande e calculada oferta de trabalho. Por exemplo, em 1897 o secretário da
Agricultura se referia à existência de um “excesso de trabalhadores” no estado. No entanto, o governo
estava providenciando a vinda de mais 60 mil imigrantes nos meses seguintes e, dois anos após, aquela
autoridade aludia a um acentuado declínio no salário rural como consequência da contínua chegada de
trabalhadores. Para cuidar de uma produção média anual de 10 milhões de sacas de café (1910-4) eram
necessárias cerca de 300 mil pessoas, enquanto pelo menos 750 mil trabalhadores entraram no estado
depois de 1884, em sua esmagadora maioria com destino ao campo.20
Embora faltem dados da migração rural-urbana da época, é bastante plausível a hipótese de que uma
parcela significativa dessa sobrepopulação se transferiu para os centros urbanos, tendo em conta as fases
de depressão do setor cafeeiro e as dificuldades de acesso à propriedade da terra. Por certo, houve muitas
alternativas para a inserção no conjunto de atividades que a capital do estado em especial estava
desenvolvendo. Mas os indícios da formação de um exército industrial de reserva, previamente a um
momento de decisiva arrancada da industrialização da cidade, são bastante claros. Assim, quando São
Paulo iniciou essa arrancada, a partir de 1905 aproximadamente, não se registrou nenhuma crise de mão
de obra, o que de resto favoreceu o processo de acumulação. É tentadora a hipótese de que na própria
cidade tinha se criado um reservatório de força de trabalho, expulsa do campo tanto pelo processo geral
descrito como por seu agravamento, com a crise da cafeicultura iniciada em fins do século.21
Em suma, o setor cafeeiro desempenhou, a partir de sua própria lógica, um papel fundamental na
oferta de mão de obra urbana, através de seu movimento cíclico. Como observa Wilson Cano, ao promover
na expansão um fluxo imigratório que excedia suas próprias necessidades, proporcionava um excedente
de trabalhadores para as cidades. Na crise, não restava alternativa aos trabalhadores do café senão
emigrar para os núcleos urbanos, pois os outros complexos exportadores eram incapazes de absorvê-los.22
Por caminhos até certo ponto diversos, o Rio de Janeiro também reuniu contingentes de população em
proporção superior às limitadas necessidades do setor industrial e dos serviços. O elemento mais
relevante é a atração exercida pela capital da República nos migrantes internos de todo o país. Nos anos
de desagregação do sistema escravista, parece ter ocorrido um fenômeno distinto do verificado em São
Paulo, onde ao que tudo indica a Abolição não provocou um grande fluxo de negros do campo para a
cidade, havendo mesmo referências a um retorno de certo vulto de antigos escravos do estado de São
Paulo para regiões do Norte, de onde haviam sido arrancados em decorrência do tráfico interno.23 O fato
se explica, aliás, entre outras razões, pela avassaladora presença dos imigrantes externos e seu
preenchimento das melhores oportunidades ocupacionais. No Rio de Janeiro, os dados revelam ao
contrário um considerável afluxo de migrantes internos. Um importante contingente deve ter sido o dos
antigos escravos que abandonaram a região fluminense em decadência. Entre 1890-1900, a migração
líquida interna de nacionais alcançou a cifra de 85 547 pessoas, sendo significativo observar que, no
mesmo período, o estado do Rio apresentou uma migração interna líquida de nacionais negativa, de –84
280 pessoas. A própria corte continha uma ponderável parcela de escravos, nos anos prévios à Abolição:
em 1872, para uma população total de 274 972 habitantes, o número de escravos ascendia a 48 939, ou
seja, cerca de 18% da população.24
As indicações existentes permitem distinguir o significado diverso do antigo agrupamento escravo em
São Paulo e no Rio de Janeiro, do ponto de vista ocupacional. No primeiro caso, sua inserção no sistema
socioeconômico se dá no terciário de mínima produtividade, constituindo o que se tem denominado “mão
de obra sobrante”; no segundo, tem funções de um exército industrial de reserva,25 como revela sua
contribuição até certo ponto expressiva nas atividades manufatureiras (tabela 1.2):

TABELA 1.2
RIO DE JANEIRO 1890
POPULAÇÃO EMPREGADA NA INDÚSTRIA MANUFATUREIRA E POPULAÇÃO TOTAL SEGUNDO A COR
POPULAÇÃO TOTAL
INDÚSTRIA MANUFATUREIRA
HOMENS MULHERES
Brancos 33 941 = 69,8 200 049 127 740
Pretos 4362 = 8,9 29 530 35 008
Caboclos 759 = 1,6 8830 8615
Mestiços 9599 = 19,7 55 248 57 631
Total 48 661 = 100 293 657 228 994

FONTE: Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Diretoria-Geral de Estatística. Recenseamento de 1890. Distrito Federal.
Rio de Janeiro, 1895. Não há distinção entre patrões e operários.

A importância das migrações internas — até 1920 a capital da República atraiu maior volume de
migrantes dessa origem do que todo o estado de São Paulo, tanto em termos absolutos como relativos —
não pode obscurecer o fato de que a entrada de estrangeiros pelo porto do Rio de Janeiro manteve sempre
um fluxo significativo. Infelizmente, não há dados que permitam comparar o Rio de Janeiro com outras
cidades, mas apenas com estados. Entre 1890-1900, a cidade recebeu uma imigração líquida de 70 298
estrangeiros, superada apenas pelos estados de São Paulo (412 297) e Rio Grande do Sul (108 771); entre
1900-20, o total chegou a 88 590 pessoas, somente inferior ao estado de São Paulo, com a cifra de 274
250.26
Por certo, é necessário esclarecer qual o destino na estrutura ocupacional do Rio de Janeiro dos
contingentes que para aí se deslocaram ao longo do período, a fim de compreender o alcance da oferta de
força de trabalho. Uma indicação de sua grande amplitude se encontra na proporção entre população
economicamente ativa e população ocupada; outra, no peso dos serviços domésticos no setor terciário, na
medida em que se trata de elementos em disponibilidade, não integrados no processo de acumulação de
capital como ocorre com outros segmentos ligados à circulação de mercadorias. Os dados da tabela 1.3,
com todas as ressalvas, são reveladores:

TABELA 1.3
RIO DE JANEIRO
EMPREGADOS DOMÉSTICOS E PARTICIPAÇÃO NO SETOR TERCIÁRIO

%
1890 46,9
1906 48
1920 24,6

FONTES:Censos nacionais de 1890 e 1920. Censo do Distrito Federal de 1906. A proporção que se pode a rigor levar em conta é a
de 1920. Além de outros erros, os censos de 1890 e 1906 confundiram serviços domésticos remunerados e donas de casa.

Por impressionista que seja o quadro esboçado, aponta para a existência de uma abundante oferta de
força de trabalho nos centros urbanos, ao longo do período que se está considerando.27 Essa
determinação estrutural contribuiu permanentemente para deprimir salários e reduzir o alcance das lutas
operárias por melhores condições de existência. Do ponto de vista organizatório, as possibilidades
restritas dos sindicatos de minorias, no sentido de alcançar êxitos palpáveis, tiveram um papel de relevo
na enorme dificuldade que encontraram para se converter em órgãos representativos de grandes camadas
da população trabalhadora.
Pareceria à primeira vista excessiva a ênfase na análise da oferta de força de trabalho — um dos
elementos de formação de seu preço — sem considerar a categoria básica do valor, correspondente ao
custo de reprodução. Cabe, porém, lembrar que, no período considerado, a oferta em larga escala, em
graus variáveis, constitui uma determinação permanente com reflexos diretos na formação do preço. Além
disso, ao contrário do valor, ela não é uma categoria abstrata, mas um elemento material visível. Nesse
sentido, atua negativamente no nível da consciência operária para desalentar mobilizações e se torna um
recurso recorrente, utilizado pelos empresários, em inúmeras greves do período.
Com essa ressalva, o problema do valor da força de trabalho ganha relevância sobretudo quando é feita
uma análise comparativa entre São Paulo e o Rio de Janeiro, lançada pela primeira vez por Wilson Cano.
Tomando os dados de 1919, esse autor observa que a indústria carioca era obrigada a pagar a maior taxa
média de salário do país, sendo a relação entre o total de salários e o valor da transformação industrial de
34% no Rio de Janeiro, 26% em São Paulo e 27% para a média brasileira. Como a produtividade industrial
(valor de transformação industrial/operário) em 1919 era inferior à de São Paulo, isso importa em dizer
que a indústria carioca era menos competitiva do que a paulista.28
Cano acredita, com boas razões, que o motivo principal da maior taxa de salário no Rio de Janeiro
residia no elevado preço do custo de alimentação da mão de obra local, por força da inexistência de
agricultura local e da precariedade agrícola da região fluminense. Isso significa, obviamente, que do
diferencial de salários não se pode extrair afirmativa alguma de melhores condições de vida dos
trabalhadores do Rio de Janeiro com relação aos de São Paulo. Mas, para os fins das possibilidades de
barganha dos trabalhadores, pareceria estarem os de São Paulo mais bem colocados, pois as vantagens
comparativas dos empresários (menor valor da força de trabalho, maior produtividade) abririam algum
campo às concessões. Entretanto, por dois motivos básicos isso não ocorreu: de um lado, por causa da já
analisada oferta abundante de força de trabalho talvez em maiores proporções do que na capital da
República; de outro, devido ao tipo de padrão dominante nas relações diretas de classe e no aparelho de
Estado.
A segunda determinação estrutural apontada — composição étnica da classe operária em formação —
não pode ser apreendida apenas de modo negativo, pois incidiu contraditoriamente no comportamento
operário em geral e nas concepções ideológicas dos setores organizados da classe.
Começo por uma menção ao peso quantitativo representado pela força de trabalho estrangeira, no
período 1890-1920, através de dados meramente aproximativos. De acordo com o censo de 1893 da
capital de São Paulo, os estrangeiros constituíam 54,6% da população total e uma proporção ainda maior
da população ocupada (tabela 1.4).
TABELA 1.4
SÃO PAULO (CAPITAL)
ESTRUTURA OCUPACIONAL — 1893
ESTRANGEIROS NACIONAIS
SETORES OU RAMOS TOTAL
% %
Indústria manufatureira 2893 = 79 774 = 21 3667
Indústria artística 8760 = 85,5 1481 = 14,4 10 241
Transportes e conexos 8527 = 81 1998 = 18,9 10 525
Comércio 6776 = 71,6 2680 = 28,3 9546
Administração pública, sacerdócio e profissões liberais* 330 = 13,5* 2110 = 86,5 2551
Banqueiros, capitalistas e proprietários 267 = 29 651 = 71 918
Serviços domésticos 8226 = 58,3 5879 = 41,6 14 104
Atividade agropastoril** 783 = 31,8** 1673 = 68,1 2483
Sem profissão declarada 360 = 70,7 149 = 29,2 509
Diversos — 86
Total 36 992 = 68 17.394 = 32 54.540
FONTE: Relatório apresentado ao cidadão dr. Cesário Motta Jr., secretário dos Negócios do Interior do estado de São Paulo, pelo
diretor da Repartição da Estatística e Arquivo, dr. Antônio de Toledo Piza, Rio de Janeiro, 31/07/1894.

* As cifras totais não coincidem com a discriminação entre nacionais e estrangeiros por terem sido excluídos os farmacêuticos (96)
e os enfermeiros (15), sobre os quais não há discriminação.
** Idem, por exclusão de atividades pecuárias (27). Não é possível distinguir o que constitui a força de trabalho. Na indústria
manufatureira, estão presumivelmente reunidos empresários, mestres e operários. Não se distingue também entre comerciantes e
comerciários etc. A vaga expressão “indústria artística” parece abranger categorias díspares: artesãos em geral, empresários e
operários da construção civil, gráficos, músicos. Estão excluídos menores de catorze anos e donas de casa. Entre os “sem profissão
declarada”, incluem-se as prostitutas.

Vários anos mais tarde, o censo de 1920 arrolou 100 388 pessoas no estado de São Paulo dedicadas a
atividades industriais (fábricas e pequenas oficinas), alcançando 51% a porcentagem de estrangeiros;
entre os 13 914 indivíduos ocupados em transporte e comunicação, a proporção destes atingia 58%.29 De
modo geral, embora o vulto da força de trabalho estrangeira tendesse a decrescer com o correr dos anos,
foi majoritária na capital de São Paulo, tanto no setor industrial como no de serviços em todo o período
considerado (1890-1920). Algumas cifras para ramos específicos chegam a ser surpreendentes. Assim, o
conhecido relatório publicado pelo Departamento Estadual de Trabalho sobre as condições de trabalho na
indústria têxtil (1912), abrangendo 31 fábricas de tecidos da capital, uma de Santos e uma de São
Bernardo revela que, dos 10 204 operários classificados, apenas 1843 eram brasileiros natos, isto é 18%.
Os trabalhadores de origem italiana somavam 6044 (59%), havendo 824 portugueses (8%) e o restante de
outras nacionalidades. Dentre os braçais dos serviços públicos (capital, 1912), havia 871 nacionais, 1408
estrangeiros e vinte de nacionalidade ignorada. Os estrangeiros estavam assim discriminados: 865
portugueses, 320 italianos e 165 espanhóis. Como é sabido, os italianos predominavam esmagadoramente
nos ramos industriais da capital, havendo maior porcentagem de portugueses e espanhóis em serviços
pesados braçais, especialmente no porto de Santos.30
Os dados referentes ao Rio de Janeiro mostram também a importância da população ocupada
estrangeira, ainda que em menor escala do que em São Paulo (tabelas 1.5 e 1.6).
A porcentagem de estrangeiros, segundo o censo de 1920, caiu para 35,2% na indústria e 38,8% nos
transportes em geral, sendo, porém, de 53,2% nos transportes terrestres e aéreos. Em certos ramos
industriais (construção civil, vestuário e toucador, madeira, alimentação e outros menos expressivos),
constatou-se a presença majoritária de elementos estrangeiros.31

TABELA 1.5
RIO DE JANEIRO
POPULAÇÃO OCUPADA — 1890
ESTRANGEIROS NACIONAIS
SETORES TOTAL
% %
Indústria manufatureira 19 011 = 39 29 650 = 61 48 661
Indústria artística 2365 = 40,3 3494 = 59,3 5859
Transportes terrestres 5121 = 54 4349 = 46 9470
Transportes marítimos 593 = 47 670 = 53 1263
Comércio 24 477 = 51 23 571 = 49 48 048
Total 51 567 = 455 61 734 = 54,4 113 301

FONTE: Censo de 1890. Os números são simples indicações. Sheldon L. Maram assinala que o censo não adotou o critério da
ocupação principal, contando diversas profissões exercidas por uma mesma pessoa. Os estrangeiros foram computados ora pelo
local de nascimento, ora pela cidadania. O autor citado considera que a população ocupada estrangeira foi subestimada. A tabela
refere-se apenas a alguns setores ou ramos mais expressivos.
É desnecessário ressaltar o imenso significado da imigração no surgimento de ideologias negadoras do
sistema vigente no país e na adoção de modelos organizatórios pela classe operária. A crítica a posteriori
às concepções anarquistas, predominantes entre os trabalhadores organizados nos primeiros vinte anos
do século XX, não pode obscurecer sua importância na aparição de novas formas de luta e de uma visão
crítica radical da sociedade. Ao mesmo tempo, um setor da massa de imigrantes cristalizou-se como
classe trabalhadora urbana, em um processo pelo qual se frustrou o projeto de imigrante e se definiu a
contradição entre estrangeiro/assalariado, com a dominância do segundo elemento, sem a supressão do
primeiro. Como observou Fernando Henrique Cardoso, independentemente da origem rural ou urbana do
imigrante pobre, o que caracterizava sua conduta era o projeto da ascensão através do esforço individual.
Tal projeto encontrou algumas possibilidades de realizar-se, pois o “sistema industrial” do país era ainda
sobretudo um “sistema artesanal” que começava a diversificar-se. De posse de uma técnica manual de
trabalho mais elaborada, tornava-se viável passar da condição de trabalhador especializado a proprietário
de pequena oficina e mesmo a industrial, ou fixar-se nas oportunidades industriais oferecidas pelas
cidades.32

TABELA 1.6
RIO DE JANEIRO
POPULAÇÃO OCUPADA — 1906
ESTRANGEIROS NACIONAIS
SETORES OU RAMOS TOTAL
% %

Agropecuária e atividades extrativas 8006 = 31,3 17 569 =68,6 25 575


Indústria, transporte e comércio 100 160 = 49,4 101 201 = 50,6 201 361
Administração pública e profissões liberais 4415 = 9,9 40 078 = 90,1 44 493
Total 112 581 = 41,5 158 848 = 58,5 271 429
FONTE: Rio de Janeiro. Diretoria-Geral de Polícia Administrativa, Arquivo e Estatística. Recenseamento do Rio de Janeiro. (Distrito
Federal), realizado em 20 de setembro de 1906. Rio de Janeiro, 1907. Na tabela está excluída uma grande categoria sob a rubrica
de “diversos”. Os dados são bastantes imprecisos. Maram observa que o censo computa 2934 pessoas reunindo todo o pessoal
têxtil, enquanto o Censo Industrial do Brasil (1907), mais próximo da realidade, arrola um número quatro vezes maior somente de
trabalhadores têxteis. Este último levantamento não discrimina, entretanto, os operários por nacionalidade.

Mas as oportunidades não se abriram para toda a massa de imigrantes e nem todos estavam em
condições de aproveitá-las. Por heterogêneos que fossem os motivos de inserção na ordem industrial, um
segmento se consolidou como núcleo importante na formação da classe operária; e os primeiros
movimentos reivindicatórios envolvendo operários não qualificados ganharam impulso a partir da
contradição entre as aspirações desses operários como imigrantes e a realidade de suas condições de vida
e de trabalho.
Por sua vez, em cada grupo de trabalhadores estrangeiros, a identidade de classe, com todos os limites,
tendeu a superar a identidade nacional. Isso se deveu à diferenciação social interna do grupo e à
inexistência de uma xenofobia manifesta permanente, por parte da oligarquia dominante. Veja-se o
exemplo expressivo dos italianos de São Paulo, que constituíram em grande maioria mão de obra
transplantada para o país, por uma opção da burguesia cafeeira. Esta não pretendia nem se via forçada a
abrir aos imigrantes caminhos que lhes permitissem uma participação política na sociedade. Porém não
tinha razões para incentivar uma xenofobia contraditória com seu projeto de estimular a vinda do
estrangeiro na condição de força de trabalho “industriosa e dócil”. O preconceito contra os “italianinhos”
na sociedade paulista chegou a expressar-se por ações coletivas, tendentes a reforçar os laços
comunitários do grupo imigrante, somente na primeira fase da imigração em massa. Nesse período, os
problemas socioculturais decorrentes da inserção no meio brasileiro provocaram resistências maiores.
Mais tarde, assumiu em regra formas latentes, cujo significado no campo das relações pessoais deve ter
sido considerável, sem impedir, entretanto, o processo geral de gradativa simbiose dos grupos envolvidos
e consequente desaparição do preconceito. O conflito de maior vulto se deu em agosto de 1896, na capital
do estado, tendo como detonador o caso do “Protocolo Italiano”. A Câmara Federal vinha discutindo a
ratificação de um acordo firmado entre os governos brasileiro e italiano, estabelecendo o pagamento de
indenização a súditos da Itália por prejuízos sofridos durante a revolução federalista. No curso do mês,
surgiram sintomas de atritos quando estudantes de preparatórios e da Faculdade de Direito começaram a
realizar comícios contra a aprovação do protocolo. O choque explodiu em 22 de agosto, pondo a nu o nível
das tensões acumuladas na cidade. Por quatro dias, ocorreram lutas no centro, nos bairros italianos do
Brás e do Bom Retiro, com um saldo de vários mortos e feridos. O posto policial de Santa Ifigênia foi
atacado por italianos, enquanto nacionais invadiam e depredavam a sede do Fanfulla, um dos jornais da
colônia. No Bom Retiro, forças de cavalaria sufocaram um grande tumulto depois que um grupo de
populares arrancou a placa da rua dos Italianos.33
A explosão inusitada das relações entre os dois grupos se explica a partir da enorme transformação
demográfica e ocupacional que São Paulo vinha sofrendo na última década do século XIX. Tal
transformação, além de provocar o abalo de antigos valores e de um estilo de vida, caracterizava-se pelo
desalojamento da pequena burguesia nacional de suas antigas posições. Um comentário do Diário
Popular, escrito alguns anos antes do choque, expressa o processo com clareza. Depois de assinalar as
dificuldades resultantes da carestia de vida e dos desastres financeiros posteriores ao Encilhamento,
ressalta: “a classe média está sendo absorvida pelo elemento estrangeiro, pela considerável massa dos
que emigraram para aqui e tomaram conta de toda a pequena indústria, de todo o pequeno comércio, de
toda a pequena propriedade e que enriquecida porque trabalha e gasta pouco, tem amplo e incontestável
direito de fazer imposições em seu exclusivo proveito”.34
Tudo indica que as camadas médias — mais do que a estreita faixa da grande burguesia — constituíram
o núcleo social gerador do conflito, expresso em seus primeiros momentos pelos estudantes como grupo
capaz de dar expressão ideológica ao ressentimento. Assim, o Correio Paulistano, após ressaltar que
durante os choques se pusera ao lado do país, insistia em amenizar seus efeitos: “nem os italianos se
prestarão a ser instrumentos contra o povo que os recebe e os trata como irmãos, explorados pelos
agitadores patrícios, nem os gritadores brasileiros encontram eco na sociedade brasileira, formada por
forças conservadoras”.35
A estabilização relativa da estrutura ocupacional da cidade, a crescente diferenciação interna da massa
imigrante contribuíram para tornar raras as explosões capazes de reforçar a “consciência nacional”.
Mesmo na década de 1890, há exemplos de como a diferenciação social e ideológica entre os italianos era
significativa. Não se trata apenas, sob o ângulo da mobilidade ascendente, do conhecido fato de que um
núcleo de imigrantes começou a ganhar postos expressivos no comércio e na indústria. No meio urbano,
alguns elementos buscaram adaptar-se às funções de controle de seus conacionais cujo preenchimento
era difícil por parte dos quadros burocráticos de origem brasileira. Pouco mais de dois anos depois do
episódio do Protocolo Italiano, ocorreu um atrito exemplar no interior do grupo. Em setembro de 1898, a
Unione Meridionale do Bom Retiro, dirigida pelo subdelegado do bairro — Nicolau Matarazzo —, decidiu
promover manifestação nas ruas, comemorando a independência italiana. Socialistas e anarquistas
organizaram uma contramanifestação “para mostrar que a data era liberal e não patriótica, pois marcava
a queda do poder temporal dos papas”. As facções se chocaram na praça da República, daí resultando a
morte do militante anarquista Polinice Matei.36
Os autores que enfatizaram a origem de classe como determinação estrutural limitativa das
possibilidades de afirmação de um movimento operário37 referem-se tanto aos atritos entre estrangeiros
de várias nacionalidades como entre estrangeiros e nacionais. A rigor, as diferenças não se explicam em
termos estritamente “étnicos”. A língua, os costumes tendiam a acentuar a percepção de cada grupo como
estranho um ao outro, mas essa estranheza tinha um fundamento último na concorrência da força de
trabalho no mercado, em condições desfavoráveis. Os portugueses eram tidos em São Paulo, pelos
organizadores do movimento operário, como elementos dóceis, destituídos de consciência de classe, uma
visão que seu comportamento muitas vezes confirmava. Sem dúvida, a menor propensão dos portugueses
a organizar-se, constatada sobretudo na capital, relacionava-se em algum grau com sua experiência
prévia. Enquanto os italianos vinham de regiões em que os sindicatos começavam a surgir38 ou os
movimentos milenaristas deixavam marcas, os portugueses se originavam de uma área bem mais atrasada
no contexto europeu. Entretanto, se foram menos reivindicativos, se engrossaram por vezes as fileiras dos
“krumiros”, isso se deve em grande parte, como observa Maram, ao fato de que constituíam um grupo de
baixa qualificação, tardiamente chegado a São Paulo, tendo de lutar em condições desiguais pelos
limitados empregos ocupados pelos italianos. Em Santos, onde eram maioria ao lado dos espanhóis,
estiveram entre os principais responsáveis pelas frequentes paralisações da área portuária.
O porto do Rio de Janeiro foi onde surgiram com maior intensidade os desentendimentos entre
nacionais e estrangeiros. Em 1908, por exemplo, os portugueses assumiram por via eleitoral o controle da
Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, durante muitos anos nas mãos de
brasileiros negros ou mulatos. O episódio provocou um grande conflito na sede do sindicato, na
significativa data de Treze de Maio, de que resultou um morto, vários feridos e o declínio de membros do
sindicato de 4 mil para duzentas pessoas. O fato de os atritos terem se concentrado no porto do Rio de
Janeiro não é acidental. Durante muitos anos, o serviço portuário, pela própria natureza do trabalho,
absorvera contingentes de antigos escravos deslocados de outras atividades urbanas ou oriundos das
zonas agrícolas em decadência, em torno da capital da República. Sob esse aspecto, o choque citado pode
ser entendido como uma reação dos nacionais à contínua invasão de uma área que lhes parecia reservada,
certamente aproveitada pelos empresários e pela polícia.
Sem subestimar o papel das divisões nacionais como elemento limitador da organização da classe
operária, não penso entretanto que se deva privilegiá-lo em demasia. A condição de assalariado tendeu a
predominar sobre a de estrangeiro, tanto no interior de cada grupo como em seu inter-relacionamento. Ao
lado dos exemplos de divergências, ao menos no nível dos setores organizados, abundam as expressões de
mútua solidariedade, particularmente em São Paulo, onde por muitos anos a Comuna de Paris, o Primeiro
de Maio são comemorados por oradores que se expressam em português, italiano, espanhol e, por vezes,
em alemão e francês.39 À maior homogeneidade étnica da classe operária de São Paulo, com a presença
dominante de italianos, não correspondeu um índice organizatório mais alto em comparação com o Rio de
Janeiro. Seu significado foi relevante somente em relação à maior influência difusa das ideologias
revolucionárias.
SEGUNDA PARTE

A classe operária e
seu movimento
(1890-1917)
1. Correntes organizatórias e seu campo de incidência

Dos fins do século XIX até o início dos anos 1920, três correntes em grau variável tiveram influência no
movimento operário: o anarquismo, o socialismo reformista e o “trabalhismo”. Nem sempre é fácil
distinguir, em situações concretas, entre as duas últimas. De modo geral, os socialistas reformistas, como
se sabe, buscam a transformação gradativa do sistema social existente e defendem a autonomia
organizatória dos trabalhadores; o grupo dos trabalhistas, no caso, corresponde aos que pretendem obter
tão somente a conquista de alguns direitos operários, sem pôr em questão os fundamentos do sistema
social, inclinando-se a incentivar implicitamente a heteronomia sindical.1

O “TRABALHISMO” CARIOCA

O papel do “trabalhismo” não é desprezível no Rio de Janeiro. Dominante na última década do século
XIX, cedeu terreno ao anarquismo, mas nunca desapareceu de todo, expressando em embrião dois
fenômenos significativos: a existência no interior do movimento operário de um núcleo disposto à
colaboração de classes e a aceitar a dependência com relação ao Estado; e a presença de setores sociais
propensos a algum tipo de aliança com a classe operária.
Quais as razões da maior influência trabalhista no Distrito Federal? Em fins do século XIX, a capital da
República não só é a única cidade brasileira de tamanho considerável como também é a única que tem
uma estrutura social diversificada. Aí se concentra um segmento menos dependente das classes agrárias,
constituído pela classe média profissional e burocrática e sobretudo por grupos funcionais inclinados a
não se identificar com a burguesia cafeeira: militares de carreira, alunos da Escola da Praia Vermelha,
subsidiariamente estudantes das escolas superiores.2 Por outro lado, forma-se um núcleo de
trabalhadores em setores vitais dos serviços (ferroviários, marítimos, doqueiros), intocados na época pela
ideologia anarquista. Sem dúvida, os setores intermediários carecem social e politicamente de
homogeneidade. Ainda assim, a existência desses setores em uma situação de menor dependência das
classes agrárias e as características apontadas do proletariado nascente dão fundamento aos tímidos
projetos de constituição de partidos operários de tipo trabalhista. Os indícios de uma tentativa de atração
da classe surgem com maior clareza quando o projeto hegemônico da burguesia do café começa a se
implantar, com a ascensão de Prudente de Moraes à presidência da República (1894). O “jacobinismo”
carioca toma conteúdo mais definido, expressando o inconformismo pelo triunfo da oligarquia paulista por
parte de quadros das Forças Armadas, de políticos das áreas desvinculadas do núcleo hegemônico.3 Ao
mesmo tempo, deita raízes na insatisfação social reinante em amplas camadas da população do Rio de
Janeiro, atingidas pela inflação e pelas más condições de vida, que veem no comércio em mãos dos
portugueses a origem ostensiva de suas dificuldades. O pasquim O Jacobino, publicado intermitentemente
por Deocleciano Martir, ao lado de apelos aos trabalhadores, insiste com enorme virulência nessa tecla.4
De um ângulo mais pragmático, o fato de que os operários do quadro das empresas estatais eram
brasileiros e eleitores — sendo o alistamento condição para o ingresso ao serviço — incentivou também a
tentativa de formação de partidos operários com fins eleitorais.5
Dentre os três “partidos operários” fundados no Rio de Janeiro na década de 1890, dois são de menor
significado e um deles é mais expressivo não tanto pela organização em si como pela figura de seu
principal dirigente. O frágil Partido Operário encabeçado por Gustavo de Lacerda surgiu em 1890 e
desapareceu após uma breve atividade. Lacerda era ex-militar e jornalista e, segundo parece, fora forçado
a deixar as fileiras por sustentar pontos de vista socialistas. Na realidade, seu comportamento pouco ou
nada tinha a ver com o socialismo: defendia a criação de cooperativas, em vez de sindicatos militantes, e
considerava a greve uma arma ineficiente, utilizável somente em último recurso. O agrupamento se
esfacelou após ser derrotado nas eleições de 1890. As dissensões internas levaram seu órgão (Voz do
Povo) à falência.
Na mesma época, Luiz França e Silva promoveu a formação de outro Partido Operário e a edição do
jornal Eco Popular. O núcleo de França e Silva se declarava também contrário às greves, defendendo a
necessidade de conceder direitos aos trabalhadores através de negociações. O partido e o jornal
desapareceram depois das eleições de 1890, quando seu principal animador e outro candidato receberam
juntos somente 804 votos. Em 1892, França e Silva organizou o chamado I Congresso Operário Nacional,
ao qual compareceram cerca de quatrocentas pessoas. O programa aprovado na reunião foi lido na
Câmara dos Deputados pelo deputado Lauro Muller, que defendeu a instituição das oito horas diárias de
trabalho.6 Mas não há notícia de atividade do partido, novamente fundado por França e Silva e seu grupo
nessa reunião.
Em 1890, o Centro Artístico do Rio de Janeiro transformou-se em Partido Operário, sob a presidência
do tenente da Marinha José Augusto Vinhaes. Vinhaes simbolizava a figura do militar de ideias
socializantes, com contatos no meio operário, para quem a República de 1889 não deveria se identificar
com 1789, mas com a “república social”. Esse precursor dos Cascardo, dos Sisson, figura de exceção de
uma corporação marcadamente conservadora, nasceu no Maranhão (1857), filho de um rico comerciante
português. Educado na Europa, regressou ao Brasil e ingressou na Marinha. Abolicionista e republicano,
esteve presente no episódio de 15 de novembro, elegendo-se deputado à Constituinte, em 1890. Sua
principal base se encontrava nos empregados e trabalhadores da estrada de ferro Central do Brasil.
Graças às boas relações entre Vinhaes e Deodoro, o Partido Operário obteve deste uma alteração de
dispositivos do Código Penal de 1890 que definiam como crime a paralisação do trabalho.7
O tenente-deputado tratou de se ligar às lutas operárias nascentes, ao mesmo tempo que buscava
colocá-las a serviço de determinadas facções políticas, em disputa nos primeiros e incertos anos da
República. Em fevereiro de 1891, defendeu na Câmara os ferroviários da Central em greve; em maio do
mesmo ano, foi a Santos por ocasião de uma greve de doqueiros, reprimida com grande aparato. Após
tentar servir sem êxito de intermediário, Vinhaes solidarizou-se com os grevistas, aconselhando-os a
prosseguir na luta. Pressionado pelo comércio local, o delegado de Santos acabou por forçar seu regresso
ao Rio de Janeiro. No curso de 1891, Vinhaes afastou-se gradativamente de Deodoro e não por acaso foi
reformado, a pretexto de invalidez. Ligou-se em novembro daquele ano aos florianistas, desencadeando
uma greve na Central do Brasil durante o movimento que forçou a renúncia de Deodoro. Por algum
tempo, sua adesão ao florianismo levou-o a desestimular as mobilizações operárias. Pequenos interesses
de grupo e essa circunstância explicam suas críticas ao Congresso Operário de maio de 1892, do qual
esteve ausente: “a questão operária atravessa no Brasil uma fase brilhante e não deve, de modo algum,
manchar-se na politicalha que se faz em revindita, ao chefe do Estado”. Como defensor da classe que é a
base da sociedade e como florianista não podia admitir que se especulasse com ela.8
Mas ele também especulava. Em agosto de 1893, quando Floriano se recusou a cumprir habeas corpus
concedido pelo Supremo Tribunal Federal em favor de federalistas do navio mercante Júpiter, rompeu
violentamente com o marechal e renunciou ao mandato. Um mês depois colocava-se ao lado do contra-
almirante Custódio José de Mello, na Revolta da Armada, tentando mais uma vez articular uma greve na
Central do Brasil. Exilado após a derrota da revolta, reapareceu em 1899-1900 em uma conspiração
envolvendo republicanos desencantados e monarquistas. Há ainda uma última referência a sua atividade
nos meios operários em 1903, quando foi eleito para a diretoria do Centro Doméstico, precursor do
Centro Cosmopolita, e presidiu uma reunião do Centro das Classes Operárias que planejava o Primeiro de
Maio.9
A heterogeneidade dos grupos em que Vinhaes se apoiava e a reduzida importância da classe operária
impediram que sua política chegasse a frutificar. Entretanto, quaisquer que fossem seus limites e
contradições, representou uma das raras vozes democráticas e progressistas no rústico cenáculo
parlamentar da época, onde, como dizia Lopes Trovão, até os congressistas cuspiam no chão. Na Câmara,
denunciou os efeitos do inflacionismo de Rui Barbosa sobre os salários reais da população trabalhadora,
defendeu a eleição direta do prefeito do Distrito Federal e, com protestos gerais, o direito de voto do
estrangeiro nas eleições municipais da capital da República.10
No curso dos anos, enquanto o anarquismo ia se tornando a corrente mais forte no movimento
operário, surgiram partidos e organizações efêmeros, dirigidos em regra por elementos da classe média,
com o objetivo de defender um programa mínimo em favor dos trabalhadores. À frente desses “Partidos
Operários”, “Partidos Operários Socialistas”, estiveram advogados criminalistas de prestígio no Rio de
Janeiro, figuras como Evaristo de Moraes e Caio Monteiro de Barros, que combinaram a retórica das
grandes questões no júri com a difícil defesa dos direitos operários.11 Um núcleo de certa importância foi
o Centro das Classes Operárias que existiu entre 1902 e 1904, sob a liderança de Vicente Ferreira de
Souza, integrado sobretudo por marítimos.12 Em junho de 1903, o Centro participou ativamente de uma
greve do Lloyd Brasileiro, visando a obter a demissão de um de seus diretores. Vicente de Souza levantou
fundos para os grevistas e defendeu suas reivindicações perante o ministro da Indústria, Viação e Obras
Públicas. Um ano mais tarde o Centro envolveu-se nas lutas contra a vacina obrigatória e foi fechado
pelas autoridades. Seu líder morreria poucos anos depois.
Uma referência à parte deve ser feita aos positivistas. Como grupo, constituíram um núcleo estranho às
tentativas de organizar a classe operária, à qual pretenderam apenas conceder direitos sociais. Em
termos muito gerais, o princípio básico das concepções de Comte residia na conhecida lei dos três
estados, segundo a qual a mente teria uma tendência inata a passar das interpretações teológicas da
experiência para as de tipo abstrato ou metafísico até chegar ao ponto de alcançar a compreensão
científica ou positiva. Essa doutrina era a um tempo uma teoria do conhecimento, uma filosofia da história
e um programa de reconstrução social. Concebia a história moderna da humanidade como uma luta
gradativa pela qual se foi progressivamente substituindo um regime teológico e militar, representado pelo
papado e pelo feudalismo, por um novo regime científico e industrial. Entretanto, nessa passagem o
movimento de decomposição fora mais rápido que o de reorganização da sociedade, e o mundo moderno
conservava o caráter egoísta e desordenado de suas origens. O equilíbrio social, quando existente,
resultava do equilíbrio momentâneo de interesses privados muitas vezes antagônicos, abandonando a
cultura dos elementos socioafetivos que a Idade Média assegurara pela vida rústica e os antigos pela vida
cívica.
A reconstrução social devia ser alcançada essencialmente pela evolução intelectual. Como os marxistas
mais tarde, mas com um sentido diferente, Comte valorizou a formação de uma categoria de intelectuais
capazes de criar uma doutrina comum e um sistema de educação. O proletariado — classe social menos
tocada pelos desvios da sociedade — teria o papel de sustentar a potência espiritual, realizando o reino da
opinião pública ao unir uma grande ideia e uma grande força. A reconstrução social não implicava alterar
as relações de propriedade, mas incentivar a concentração privada dos meios de produção, por razões de
eficiência. O poder temporal seria exercido por um triunvirato de banqueiros influenciados pela moral
positivista e o espiritual — que daria coesão à sociedade — pelos intelectuais formados na doutrina, com
apoio do proletariado.
Entretanto, para que os operários pudessem cumprir seu papel, era necessário incorporá-los à
sociedade moderna onde até então tinham estado acampados. A incorporação exprimia: 1o o direito a um
salário suficiente para que a mulher do trabalhador pudesse exercer seu papel de preparo espiritual da
família, definida como fonte de toda a cultura moral; 2o o direito de receber instrução englobando todos
os resultados essenciais da evolução científica, filosófica e estética da humanidade; 3o a necessidade de
atribuir ao proletariado no seu conjunto um papel social e torná-lo digno de exercê-lo.13
Parece inútil lembrar que o positivismo era uma ideologia conservadora, ou do comportamento
reacionário de Comte — defensor de Napoleão III — em seus últimos anos de vida. Entretanto,
excepcionalmente, surgiram algumas figuras positivistas que, a partir do “programa mínimo” comtiano, se
empenharam na luta pelos direitos operários, inclusive o direito de greve, e no reforço das organizações
sindicais.14
Embora nunca se tenha imposto como ideologia hegemônica, o positivismo teve sua voga na América
Latina sob formas variadas, sobretudo no México e no Brasil, a partir da segunda metade do século XIX.
Em nosso país, como é sabido, desempenhou nessa época um papel importante de coesão dos grupos
nascentes de profissionais voltados para o aprendizado e o ensino da ciência pura e aplicada. Esses
grupos encontraram na teoria positivista seu lugar na sociedade e um lugar de não pequena importância.
Eles poderiam ser a verdadeira “potência espiritual” de renovação da sociedade, tarefa que a
“pedantocracia” dos bacharéis do Recife e de São Paulo, ideólogos das classes agrárias, não poderiam
cumprir.15 O esboço de formação de uma intelligentsia constituiu efetivamente uma descontinuidade no
preparo de quadros destinados a exercer a representação dessas classes. As novas escolas de ensino
técnico-científico, exceto de medicina, nasceram vinculadas ao Exército, sob o impulso das necessidades
de modernização do país e da própria corporação militar.16
Por um breve período, logo após a Proclamação da República, os positivistas tentaram “incorporar o
proletariado à sociedade moderna”, nos limites brasileiros, defendendo o reconhecimento de vários
direitos sociais, em oposição ao liberalismo do século XIX que idealizava as relações de suposta igualdade
entre capital e trabalho, confrontados no mercado. Agradecendo a manifestação das Forças Armadas por
ter sido empossado no Ministério da Agricultura do Governo Provisório, o gaúcho Demétrio Ribeiro — na
época um positivista ortodoxo algo distante do “castilhismo” — referiu-se à incorporação do proletariado
como “uma questão capital para a República”. Em dezembro de 1889, um dos chefes do Apostolado
Positivista, após consulta e troca de opiniões com cerca de quatrocentos operários das oficinas do Estado,
encaminhou ao Governo Provisório, por intermédio de Benjamin Constant, um projeto de melhoria das
condições de vida da classe operária. Precedido por uma série de considerações acerca da natureza do
salário, das relações entre capital e trabalho, o projeto propunha entre outros pontos: a supressão do
pagamento por tarefa e a divisão do salário em duas partes, sendo uma fixa e outra variável de acordo
com a produtividade; sete horas de trabalho diário, descanso dominical e nos dias de festa nacional, além
de quinze dias de férias anuais; salário-enfermidade correspondente pelo menos à parte fixa das
remunerações; garantia de permanência no emprego após sete anos de serviço, permitida a demissão
somente através de processo que demonstre infração prevista no regulamento e para a qual comine tal
pena; aposentadoria, pelo menos com a parte fixa dos salários, por invalidez ou por atingir 63 anos o
trabalhador, desde que no último caso não tivesse filhos ou netos maiores que fossem empregados nas
oficinas públicas; pensão por morte do operário, concedida à viúva e, na falta desta, aos avós, filhas
solteiras, filhos menores de 21 anos, correspondendo a dois terços do salário fixo; admissão de aprendizes
somente depois dos catorze anos, com vinte horas semanais de trabalho, prolongando-se o aprendizado
até os 21 anos.17 O projeto, entretanto, não teve andamento. Ao criticar o novo Regulamento das Escolas
do Exército, baixado por Benjamin Constant, Teixeira Mendes lamentou que ele desse absoluta prioridade
ao Regulamento e esquecesse uma proposta cuja realização — depois da plena constituição da liberdade
espiritual — constituía o mais seguro concurso prestado pelo governo brasileiro para a regeneração
humana.18
Ao longo da Primeira República, o positivismo cedeu terreno na esfera ideológica, reduzindo-se como
grupo ao pequeno círculo ortodoxo do Apostolado, destituído de maior importância. Teixeira Mendes
voltou a defender o programa de integração do proletariado em 1912 e combateu as concepções
anarquistas. Ainda assim, nem sempre sustentou uma atitude de oposição frontal a eles. Manteve uma
breve correspondência com Kropotkin e, em 1908, em nome do Apostolado, aplaudiu a formação da
Confederação Operária Brasileira (COB), considerando-a apesar das divergências um órgão pacifista,
adversário da guerra.19
Entre os elementos estranhos ao meio operário que tentaram organizar os trabalhadores ou considerar
seus problemas a presença de militares, em maior ou menor grau, é uma constante. Como se sabe, atinge
seu clímax com a ruptura de Prestes (1930) e o posterior surgimento de facções tenentistas integradas na
Aliança Nacional Libertadora. A disposição de grupos militares em tomar a classe operária como um dado
ou mesmo como um ator do jogo político se liga à situação específica das Forças Armadas e de setores da
classe média no sistema de dominação oligárquica. Por frágil que fosse o proletariado, por contaminado
que estivesse pelas ideologias revolucionárias, era sempre possível tentar algum tipo de “aliança para
baixo”, na busca de introduzir brechas no sistema.20
Do ângulo da classe operária, a existência no Rio de Janeiro dos germes de uma corrente limitada à
defesa de reivindicações mínimas, pela via da colaboração de classes e da proteção do Estado, explica-se
em grande medida por duas circunstâncias: pela maior presença de nacionais na composição da classe,
mais receptivos a um tipo de política que se coadunava com as velhas relações tradicionais e
paternalistas; pelo papel de alguma importância correspondente ao núcleo estatal de serviços, em
especial na área de navegação e ferrovias. O campo de possibilidades de uma ação de tipo “trabalhista”
era nessa área relativamente maior do que no setor industrial. Isso se devia não apenas à existência de
representantes contestadores das camadas intermediárias, em busca de uma base de apoio entre os
trabalhadores de ramos estratégicos, mas também à própria relação que aí se estabelecia entre
trabalhadores e Estado. As reivindicações operárias incidiam no caso em um terreno onde predominava o
“interesse público”. Por limitada que fosse a margem de manobra, havia maior viabilidade em obter do
Estado aumentos salariais e vantagens correlatas, pois ele podia até certo ponto operar em condições
onerosas. No setor industrial — de mercado —, a lógica da acumulação levava os patrões a adotar uma
atitude de inflexível resistência às mínimas pretensões operárias.21
Ressalve-se porém que me refiro a germes, a sintomas. O estado oligárquico deixou apenas uma
estreita faixa de possibilidades de obtenção de algumas vantagens corporativas; ao mesmo tempo, tendeu
sempre a adotar uma atitude de força quando a “colaboração” se rompia e as greves surgiam em uma
área estratégica para o sistema agroexportador.
Duas figuras se destacaram no meio operário entre os sindicalistas pragmáticos, embriões de uma
burocracia sindical que não tinha condições de consolidar-se: Mariano Garcia e Antonio Augusto Pinto
Machado. Mariano Garcia, trabalhador de uma indústria de cigarros em seus primeiros tempos de
atividade, fundou em 1895 o jornal O Operário, lançando o programa e os estatutos de um “partido
socialista”. Na primeira década do século XX, tentou seguidamente organizar um partido e esteve à frente
da Gazeta Operária, jornal que combinou a defesa dos direitos dos trabalhadores com o ataque ao
anarquismo.22 Colocou-se ao lado da candidatura de Hermes da Fonseca à presidência da República em
1909, tendo sido um dos organizadores do Congresso Operário de 1912. Pinto Machado surgiu no Rio de
Janeiro como organizador dos trabalhadores têxteis entre fins de 1902 e começo de 1903. Logo depois,
quando a influência anarquista cresceu nesse ramo, deslocou sua atividade para a União dos Operários,
em Engenho de Dentro, constituída principalmente de ferroviários. Tornou-se seu presidente em julho de
1903, ampliando os quadros associativos. Machado defendia a colaboração da classe operária com outros
setores sociais e a eleição de candidatos reformistas, e manifestava muitas ressalvas acerca da eficácia
das greves. Seus esforços para formar sindicatos concentraram-se nas regiões mais atrasadas, no estado
do Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Nordeste. Por um breve período, teve contato até certo ponto
menos conflituoso com os anarquistas, comparecendo ao I Congresso Operário realizado no Rio de
Janeiro, em abril de 1906, onde suas teses, apoiadas por Mariano Garcia, Melchior Pereira Cardoso e
outros, foram rejeitadas. Um mês depois destacou-se no movimento de solidariedade aos trabalhadores
em greve da Companhia Paulista, tendo sido preso. Daí para a frente, denunciou a ação da Confederação
Operária Brasileira controlada pelos anarquistas, aproximou-se da candidatura de Hermes da Fonseca,
surgindo como o principal organizador do Congresso Operário de 1912, em nome da Liga do Operariado
do Distrito Federal.23
Os memorialistas do movimento operário nunca pouparam ataques ao que denominam “Congresso-
pelego de 1912” e certamente o qualificativo não é sem propósito. A reunião, realizada em novembro
daquele ano no Palácio Monroe, teve caráter oficial, com o transporte gratuito de delegados em navios do
Lloyd Brasileiro, alojamento no Rio de Janeiro etc. Mas o rótulo adequado não pode servir de obstáculo
para que se capte sua significação.
Os partidários da candidatura Rui Barbosa procuraram transformar a campanha pela sucessão
presidencial de 1910 em uma luta, tão a gosto dos liberais, entre “a civilização e a barbárie”. Rui não
demonstrou entretanto interesse algum pelos setores dominados das cidadelas civilizadas. Hermes, ao
contrário, ainda que vagamente, referiu-se em sua plataforma a uma preocupação pela sorte das “classes
menos favorecidas”. No curso de seu governo, fez alguns minguados acenos às classes populares,
promoveu a construção de casas operárias, incentivou a formação da Liga do Operariado do Distrito
Federal, atendeu ao pedido de trabalhadores para que se considerasse o Primeiro de Maio ponto
facultativo nas empresas estatais.24 Embora tivesse subido ao poder comprometido com o sistema
oligárquico, graças ao apoio de três grandes estados — Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco —,
seu triunfo recolocava no centro do governo, entre outras forças, um grupo militar disposto a levar avante
um programa de maior reforço do Estado nacional, passando pela limitação do poder das oligarquias
regionais. Desse grupo de “salvacionistas” partiram as tentativas de estabelecer uma base de apoio na
classe operária do Rio de Janeiro.
A ideia da convocação de um Congresso Operário foi lançada em agosto de 1912 pelo tenente Mário
Hermes, filho do presidente da República, que se elegera deputado pela Bahia, afirmando ser “um
delegado das aspirações proletárias no Congresso Nacional”. Por certo, Mário Hermes tinha uma
concepção muito peculiar dessa delegação, pois em sua permanência na Câmara não demonstrou
nenhuma simpatia pelas greves deflagradas em São Paulo, Santos e Belo Horizonte, em 1912. O objetivo
declarado da reunião seria o de sistematizar reivindicações que o deputado se propunha a levar ao
Parlamento. Seus participantes foram além, criando a Confederação Brasileira do Trabalho, definida
confusamente como “partido político”, para a qual Pinto Machado foi eleito secretário.
Burocratas sindicais os Mariano Garcia, os Pinto Machado, os Cruz e Silva? Sem dúvida. Mas é difícil
aplicar o rótulo aos participantes da reunião que aparecem nas fotografias pontilhadas pela presença de
homens negros, com um aspecto desajeitado e plebeu. Os organizadores do encontro atraíram
principalmente associações pouco expressivas do Distrito Federal e dos estados, afora outras existentes
apenas no papel. A ausência dos sindicatos da capital de São Paulo foi total; dentre as organizações
presentes pelo Distrito Federal, tinham certa expressão as associações de ferroviários e o Centro
Cosmopolita, que não era porém um sindicato operário, pois reunia empregados em hotéis e restaurantes,
abrangendo 2456 membros no ano de 1912.25 Ao fazer um balanço do encontro, Pinto Machado apontou
não só a ausência dos anarquistas como também “dos que vivendo à sopa dos políticos, falsos políticos
que subiram à custa de curvaturas não tiveram ordem para vir tomar parte na grande assembleia
operária”.26 A alusão parece dirigir-se a todo o importante setor dos marítimos que durante anos esteve
sob controle de um núcleo de burocratas, conhecidos como “coronéis marítimos”. É difícil afirmar quais as
razões de divergência entre o grupo de Machado e o dos “coronéis”. Uma hipótese provável é a de que,
além das rivalidades pessoais, a separação se devesse a efetivas diferenças de comportamento. Enquanto
o primeiro procurava situar-se no interior do movimento operário, com uma posição moderada e
colaboradora, o segundo se aproximava das formas de um verdadeiro gangsterismo sindical.
O confronto entre o conteúdo das reivindicações da reunião de 1912 e o das reuniões anarquistas
assinala muitos pontos coincidentes: oito horas de trabalho, limitação do trabalho de mulheres e menores,
descanso semanal, indenização por acidentes, pagamento por semana, melhoria de condições de higiene.
Mas as concepções globais acerca dos objetivos da organização dos trabalhadores, assim como dos
instrumentos para alcançar as reivindicações mínimas, são radicalmente diversas. A introdução às teses
aprovadas em 1912 resume as perspectivas dos “trabalhistas”. Começa-se por rejeitar qualquer teoria
sobre os fins da ação da classe operária para encerrá-la em um estrito terreno corporativo. Há muitas
teorias, divergentes e opostas entre si, sendo dificílimo decidir com toda a segurança qual delas seja a
verdadeira ou a mais conveniente. Além disso, a grande maioria do proletariado brasileiro as ignora ou
não se interessa por elas. Daí dever o movimento operário limitar-se ao ponto de convergência de todas as
vontades — a questão dos melhoramentos econômicos, de elevação social, intelectual e moral da classe —,
não se ocupando de doutrinas internacionalistas, antimilitaristas e antiestatais, nem do problema de
organização da propriedade que se colocará no futuro. A conquista dos direitos sociais não pode ser
alcançada apenas pela ação direta. Esta só proporciona resultados locais e, como necessita de um
exercício contínuo e intenso, fortalece alguns homens talhados para a luta, mas enerva e desanima a
grande maioria dos proletários. O caminho preferencial é o da política, dentro dos quadros do sistema. Em
um país como o Brasil, regido por instituições democráticas, o abandono por parte do proletariado do
exercício dos direitos políticos conduz inevitavelmente ao predomínio dos elementos mais conservadores e
plutocráticos que não duvidam em servir-se da formidável máquina governamental para esmagar
impiedosamente qualquer agitação, mesmo legal e ordeira. Disso decorre a necessidade de a classe
organizar-se em uma grande associação nacional de caráter político e autônomo, seja para eleger seus
candidatos seja para eleger pessoas de outros quaisquer partidos que se comprometam a trabalhar, no
todo ou em parte, em favor das medidas reclamadas pelo proletariado. O texto não faz referência expressa
aos políticos dos quais se podia esperar o compromisso. Mas um gesto simbólico ajuda a entender em que
direção iam as expectativas: uma comissão de membros do Congresso foi depositar flores no túmulo dos
inolvidáveis brasileiros Deodoro, Benjamin Constant e Floriano.
As resoluções aprovadas constituíam um programa amplo de legislação trabalhista, em alguns aspectos
idêntico, segundo Pinto Machado, às propostas do Partido Socialista Coletivista, fundado em 1902 por
Vicente de Souza e Gustavo de Lacerda. Previa, além dos pontos já citados: o seguro-doença e contra o
desemprego em caráter obrigatório, criando para esse fim uma caixa com a contribuição em partes iguais
de patrões, operários e do Estado; pensão por velhice ou invalidez, cujos recursos seriam constituídos
pelo patrimônio de instituições já existentes com essa finalidade, outras fontes de receita a juízo do Poder
Legislativo e uma pequena cota mensal dividida entre patrões, empregados e o Estado; instituição do
contrato coletivo de trabalho para garantir a elevação e a estabilidade dos salários, pois, quando o
contrato é individual, há uma relação de desigualdade entre patrão e operário, especialmente se a oferta
de mão de obra excede a procura; criação de um tribunal de “árbitros-avindores”, para dirimir os conflitos
entre patrões e operários, com representação igual “e sem outros membros, além, quando for preciso, do
desempatador”; decretação de um salário mínimo indispensável à subsistência. A realização desse
programa só poderia ser atingida pela fixação dos direitos em lei, cabendo à classe operária pressionar
por seu êxito, através de uma agitação “legal e ordeira”.
Um mundo separava esses “trabalhistas” dos militantes libertários. Estes, em seus esforços em
constituir um movimento operário independente, estavam qualitativamente em um campo diverso e
superior com relação aos primeiros, aproximando-se das tendências espontâneas do proletariado de
origem imigrante. É quase desnecessário ressaltar, do ponto de vista da prática, as diferenças entre os
núcleos anarquistas, bem ou mal ligados à classe operária, e o punhado de burocratas em embrião,
buscando a sombra protetora de Hermes. Convém, porém, observar que o programa de 1912 continha um
grau de verdade, em sua contraposição aos pontos de vista do anarquismo, onde este se apresentava mais
débil, isto é, no não reconhecimento da luta política e na incompreensão do significado do Estado. Não só
percebiam os “trabalhistas” a impossibilidade de concretizar um conjunto de reivindicações mínimas sem
sua fixação em lei, como delineavam um programa nacional, estranho às preocupações dos anarquistas
que acabavam por ser mais economicistas do que os defensores expressos dessa posição. Ao propor
alguns pontos centrais de debate, Pinto Machado incluía a instrução primária obrigatória, a simplificação
do processo eleitoral para expressar a verdade das urnas, a abolição de monopólios e privilégios, a
decretação do imposto territorial sobre a grande propriedade, a criação do imposto de renda, a
diminuição de impostos de importação de gêneros alimentícios e matérias-primas para a indústria, o
aumento da taxação dos objetos de luxo.
A análise do encontro de 1912 tem interesse como sintoma e não por sua significação prática. A
Confederação Brasileira do Trabalho nasceu morta e, no frágil movimento operário da época, os grupos de
“trabalhistas” tornaram-se gradativamente minoritários, exceto na importante área dos marítimos. A
política dos moderados só poderia frutificar por meio de dois fatores: a existência na sociedade brasileira
do período de uma classe média com suficiente autonomia para buscar uma aliança com os setores
populares; a presença no nível do Estado de grupos interessados em cumprir o papel de mediadores da
colaboração de classes, viabilizando aos olhos dos trabalhadores uma política desse tipo. O fato de que a
última década do século XIX tenha sido o período de maior influência dos pequenos partidos trabalhistas e
do sindicalismo moderado no Rio de Janeiro liga-se não só à relevância do setor de serviços como à
conjuntura de indefinição do Estado. Nos primeiros anos deste século, estarão já traçadas as linhas de um
Estado oligárquico, sustentado pelas classes agrárias das maiores unidades estaduais e estranho a
qualquer compromisso com as classes dominadas urbanas.
Entretanto, tanto o predomínio libertário como a decadência relativa do “trabalhismo” no Rio de
Janeiro se deram através de um processo gradual e matizado. Ainda em 1904, o Primeiro de Maio era
comemorado como “qualquer festa religiosa”, segundo a desanimada descrição da imprensa anarquista:

a União Operária de Engenho de Dentro deu salvas de 21 tiros e foi à residência do Deputado Américo de Albuquerque para lhe
dar diploma de sócio benemérito; a União dos Artistas Sapateiros realizou uma sessão solene e convidou para falar um
intendente municipal; os operários da fábrica de calçados “Globo” fizeram manifestação de apreço aos patrões, por estes não
haverem aderido ao “Centro Industrial dos Fabricantes de Calçado”, oferecendo-lhes uma cesta de flores, retribuída com um
almoço de confraternização; a Federação Artística Operária fez uma sessão solene e chamou Irineu Machado para presidi-la. É
justo que se diga que só houve uma nota discordante. O Centro das Classes Operárias, capela do dr. Vicente de Souza, negou-se
a festas, quando os trabalhadores passam dificuldades.27

Até o período das grandes greves (1917-20), o protesto popular policlassista teve no Rio de Janeiro
maior ressonância do que as paralisações especificamente operárias.28 O exemplo mais expressivo é o
episódio da revolta contra a vacina obrigatória, ocorrida em novembro de 1904, misto de rebeldia com
ressonâncias arcaicas, contestação antioligárquica e reivindicação social. Duas correntes socialmente
distintas convergem para a revolta, tocadas por objetivos até certo ponto diversos: oficiais do Exército e
alunos das Escolas Militares, encabeçados por homens como Lauro Sodré e Barbosa Lima;29
trabalhadores e outros elementos populares, organizados em torno da associação dirigida por Vicente de
Souza. Entretanto, são muitos os pontos de contato entre ambas as correntes, que, durante alguns dias,
tendem a confundir-se em um único movimento.
Ao contrário do que sucedeu na capital da República, as primeiras manifestações do movimento
operário em São Paulo surgiram já sob a inspiração de ideologias revolucionárias ou classistas — o
anarquismo e, em muito menor grau, o socialismo reformista. As condições sociopolíticas tendiam a
confirmar as ideologias negadoras da organização vigente na sociedade aos olhos da marginalizada classe
operária nascente, estrangeira em sua grande maioria. Era inviável uma tentativa de aliança com outros
setores sociais pela simples ausência de determinados grupos (os jovens das escolas militares e alguns
oficiais das Forças Armadas em especial) e pelas características da classe média. O segmento estrangeiro
desta, em processo de crescimento, estava voltado para o projeto de ascensão e carecia de condições ou
razões que o levassem a aparecer como força social. A “velha classe média” girava em torno da burguesia
do café, da qual era econômica e culturalmente dependente e com frequência tratava de colocar a marca
da exclusão sobre todo o contingente de estrangeiros, embora o alvo principal fossem os elementos
integrantes do setor terciário.
Convém ressalvar que estou me referindo às grandes linhas do processo sociopolítico e não às
tendências de menor significação. Algum tipo de jacobinismo florianista existiu episodicamente, girando
em torno de estudantes de direito. Ao mesmo tempo, houve tentativas de atrair o apoio de trabalhadores
da São Paulo Railway quando os “deodoristas” paulistas buscaram apoiar a Revolta da Armada. Mas trata-
se sempre de fatos de pouca expressão que não desmentem a linha geral de hegemonia do liberalismo
oligárquico, representado pela burguesia do café. Por sua vez, o positivismo deitou poucas raízes em São
Paulo, tendendo a confundir-se, como observou Morse, com o “darwinismo social”. Seu mais conspícuo
representante, o heterodoxo Pereira Barreto — progressista em seu ataque à monocultura, ao
clericalismo, à retórica vazia como padrão cultural produzido pela Faculdade de Direito —, moveu-se em
um universo dominado pela força social hegemônica, completamente diverso da atmosfera da Escola
Militar ou dos debates populares do Rio de Janeiro.
O protesto social em São Paulo identificou-se com o protesto operário, e as manifestações populares
contra as condições gerais de existência se deram em pequeno número. Houve também maior
entendimento entre as facções que pretendiam organizar a classe operária, dada a hegemonia das
tendências situadas em posição de combate ao sistema vigente. As polêmicas entre anarquistas e
socialistas chegaram às vezes a ganhar um tom inflamado,30 mas a colaboração em ações concretas,
apesar das divergências, se estabeleceu em vários momentos. As duas correntes apareceram juntas, no
longínquo 15 de abril de 1894, quando foram presos nove militantes reunidos para deliberar acerca do
Primeiro de Maio, por denúncia atribuída ao cônsul italiano; nas manifestações de protesto contra o
massacre de janeiro de 1905 na Rússia tsarista; contra a Guerra Mundial, a 1o de maio de 1915 etc.
Em contraste, os anarquistas nunca pouparam ataques aos “trabalhistas” cariocas de Pinto Machado e
seu grupo, por estarem voltados para uma política de colaboração de classes. Dentre os inúmeros
exemplos, em 1908, A Voz do Trabalhador ridicularizou a fundação de um quarto ou quinto partido
socialista, por meia dúzia de indivíduos reunidos na sede dos carroceiros e estivadores, com fins
eleitorais. Alguns meses depois, o jornal atacou Mariano Garcia, Pinto Machado e outros, por se
aproximarem de Hermes da Fonseca, definindo-os como “operários que bajulam os potentados, em
prejuízo da autonomia da classe”.31
A maior receptividade da classe operária de São Paulo às ideologias revolucionárias constituía um dado
assente para os contemporâneos. Procurando explicar o fato, o anarcossindicalista Amaro Porto referia-se
em lúcido artigo de agosto de 1912 à impossibilidade de aplicar no Rio de Janeiro “a tática e a orientação
tal qual nos veio da Europa”. Definia a capital da República como uma cidade de população heterogênea,
com uma grande porcentagem de analfabetos, cuja classe operária estava dispersa em bairros de difícil e
dispendiosa comunicação. Para ressaltar o relativo êxito da propaganda anarquista em São Paulo,
destacava que a capital paulista era uma “cidade italiana”, com um meio social mais homogêneo. Sua
conclusão ressaltava a “maior intensidade do movimento operário”, embora envolvesse menor número de
pessoas.32
O anarquismo se converteria entretanto na principal corrente organizatória do movimento operário,
tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. Mas a influência do sindicalismo moderado ou dos “coronéis
marítimos” seria mantida intacta em algumas áreas e revelaria certo peso no curso das grandes greves de
1917-20.

ANARQUISMO

O pensamento reacionário forjou a imagem botânica da “planta exótica” para rotular as correntes
revolucionárias que deitaram raízes na sociedade brasileira. Planta exótica as “ideias francesas” dos
liberais brasileiros, em voga a partir de fins do século XVIII, o anarquismo de cem anos depois, o
socialismo inspirado na III Internacional, a partir da década de 1920. Mantendo a imagem, convém
lembrar que as espécies ideológicas dos países dependentes, qualquer que seja sua classificação,
germinaram sempre com o auxílio das sementes importadas. No caso do anarquismo, o papel da
importação foi considerável: através dos imigrantes, chegaram ao país não só os intelectuais portadores
da ideologia como massas de trabalhadores pelo menos em algum grau tocados por ela.

As grandes linhas ideológicas

Sem pretensões à originalidade, recordo o conteúdo das principais correntes em que se dividiu o
movimento libertário, entre meados do século XIX e o início da Primeira Guerra Mundial, começando por
identificar seus traços comuns.33 Como diz George Woodcock, a despeito de suas variações, o anarquismo
pode ser tratado como um sistema de pensamento social visando a modificações fundamentais na
estrutura da sociedade com o objetivo de substituir a autoridade do Estado por alguma forma de
cooperação não governamental entre indivíduos livres. Esse objetivo — que pressupõe a supressão do
capitalismo — deve ser alcançado pela via da ação direta, limitada ao terreno econômico e ideológico, com
a recusa da luta política. Cada indivíduo ou o povo, considerado como um agregado de indivíduos
soberanos, faz sua escolha no sentido de integrar um sindicato, participar de uma greve ou de um
movimento insurrecional. A “ação direta” vincula-se ao princípio de que as transformações sociais só são
possíveis através de órgãos não coercitivos, expressando a decisão individual de seus membros. A
negativa da instância política decorre da concepção anarquista acerca do caráter do Estado. Este é a
corporificação da ideia de autoridade, correspondendo à necessidade subjetiva da classe dominante de
contar com um instrumento de tal natureza. Por isso, toda a prática política, que tem como nível
específico o Estado, é um “jogo corruptor, dentro dos limites da autoridade”. A ação das classes
dominadas deveria reduzir-se ao nível econômico e ideológico: os conflitos de classe decorrem das
relações econômicas de produção/exploração e é no terreno dessas relações que se pode encontrar o
método revolucionário para pôr fim à desigualdade social. Ao mesmo tempo, a adesão dos trabalhadores
às associações livres, derivadas da luta econômica, pressupõe a evolução da consciência dos setores
explorados da sociedade ao nível libertário. Por meio das associações livres, sem ingerência dos patrões
ou a regulamentação do Estado, os produtores diretos acabariam por suprimir o poder estatal e todo o
sistema opressivo através do ato revolucionário.
Como se sabe, as correntes anarquistas não consideram o proletariado como “classe universal”. A
sociedade se divide nas categorias básicas de “exploradores e explorados”, e estes abrangem os
camponeses, a classe operária, o lumpenproletariado, enfim os “deserdados da fortuna”. Bakunin, por
exemplo, julga ser injusto o desprezo manifestado por Marx e Engels pelo lumpenproletário “porque nele
e somente nele, e não na camada aburguesada da massa operária, residem o espírito e a força da futura
revolução social”.34
É a partir desse tronco comum que se distinguem o mutualismo proudhoniano, o anarcocoletivismo, o
anarcocomunismo e o anarcossindicalismo. O mutualismo proudhoniano investia contra o capital e o
Estado capitalista, pretendendo substituí-lo por uma livre associação de produtores diretos, possuidores
dos meios de produção. O mundo do futuro era concebido como uma grande federação de comunas e
cooperativas de trabalhadores, ligadas por contratos de troca e crédito mútuo que assegurariam a cada
indivíduo o produto de seu trabalho.
O anarcocoletivismo, que teve em Bakunin sua figura mais importante, distinguia-se do mutualismo por
optar claramente pela coletivização dos meios de produção, por sua defesa da violência e a ênfase no
papel que os sindicatos desempenhariam na obra emancipadora da sociedade. A autogestão contém em si
os germes da libertação econômica das massas trabalhadoras, mas é uma premissa insuficiente para
impedir o surgimento de uma classe de exploradores. Ela só poderá se desenvolver realmente quando “os
capitais, os estabelecimentos industriais, as matérias-primas e instrumentos de trabalho se tornarem
propriedade coletiva das associações operárias produtivas, tanto industriais como agrícolas, livremente
organizadas e federadas entre si”. Enquanto a revolução social não se realiza, as cooperativas de
produção podem ter um papel no sentido de habituar os operários a autodirigir-se, mas sua eficácia como
instrumento de luta é limitada, e Bakunin incita os trabalhadores a “se ocupar mais de greves do que de
cooperação”.35 A ênfase no papel do sindicato representa uma ponte entre o anarcocoletivismo e o
anarcossindicalismo. Não é, entretanto, uma constante do pensamento de Bakunin e seus seguidores
cujas concepções de uma revolução espontânea se baseiam com frequência nos camponeses e no
lumpenproletariado. Foi durante a década de 1970, especialmente, que Bakunin acentuou a importância
do trabalho dos anarquistas nos sindicatos como “organização natural das massas” e como “único
instrumento de guerra verdadeiramente eficaz”. O sindicalismo operário seria o articulador da autogestão
e um instrumento do plano econômico e da unidade da produção. As diversas associações produtivas
deveriam ser coordenadas pelas federações sindicais, que impediriam a “gestão egoísta” capaz de gerar
novas diferenças sociais. Por fim, enquanto os proudhonianos optaram pela multiplicação pacífica das
organizações cooperativas, os bakuninistas se inclinaram para o caminho revolucionário, a que Bakunin
aliás dedicou toda sua vida.
As relações de produção/apropriação no interior da comuna libertária constituíram o ponto central de
divergência do anarcocomunismo com as duas correntes anteriores. Kropotkin submeteu à crítica as
noções de “mutualismo” e “coletivismo”, afirmando que elas mantinham intactas as formas de exploração
e abriam caminho a novas desigualdades. O sistema de distribuição, no pensamento de Proudhon e
Bakunin, baseava-se na quantidade e na qualidade do trabalho e pressupunha a permanência de alguma
forma de salário, através dos Bancos Operários ou dos cheques de trabalho. Os anarcocomunistas
sustentaram a necessidade de realizar de imediato a tese marxista: “de cada um segundo sua capacidade;
a cada um segundo suas necessidades”. O critério de distribuição de bens e serviços deveria ser a
necessidade e não o trabalho, suprimindo-se assim o salário como fonte de desigualdades no interior da
comuna. Kropotkin combinou esse programa estratégico radical com uma tática até certo ponto
moderada: sua relutante aceitação da violência se baseava no fato de que esta ocorreria para bem ou para
mal no curso das revoluções — estágios inevitáveis do progresso humano. Porém, o evolucionismo de
Kropotkin tendia a conceber as revoluções muito mais como um produto espontâneo de condições sociais
do que da ação humana: “a evolução nunca avança tão vagarosamente e sem sobressaltos como se tem
afirmado. Evolução e revolução se alternam e as revoluções — isto é, os períodos de evolução acelerada —
pertencem à unidade da natureza tanto quanto os períodos em que a evolução se realiza mais
vagarosamente”.36
No curso dos anos 1890, nas organizações sindicais francesas desenvolveu-se o anarcossindicalismo,
com ênfase no papel do sindicato não só como órgão de luta (cuja principal tática era a greve geral) mas
também como núcleo básico da sociedade do futuro. Bakunin e outros haviam dado importância
instrumental ao sindicato e à greve. Porém, a originalidade do anarcossindicalismo consistia na adaptação
de elementos do passado às circunstâncias do mundo industrial de fins do século XX, considerando o
sindicato e não a comuna a unidade social fundamental, e ressaltando a ação operária, oposta à
conspiração ou à insurreição popular.37
Por último, resta referir-se ao terrorismo anarquista, que se transformou em uma espécie de clichê do
movimento. Embora alguns terroristas fundassem suas iniciativas no individualismo anárquico, na
concepção da revolução como fruto de uma série de atos de violência individual, não se pode falar
propriamente de uma teoria de terrorismo anarquista. Com frequência, ele foi encarado (e utilizado) como
tática paralela para reforçar, através da “propaganda pela ação”, a estratégia central das diversas
correntes ou representou o ato apaixonado e cheio de encanto trágico de indivíduos ou grupos isolados.

O ascenso na América Latina

Como se sabe, a hegemonia anarquista no interior do movimento operário até a Revolução Russa é um
padrão comum a quase todos os países latino-americanos. As razões tradicionalmente apontadas para
esse fato destacam o papel ideológico representado pelos imigrantes e a relativa similaridade do estágio
de desenvolvimento do capitalismo industrial em seu país de origem e na América Latina. De fato, as
doutrinas anarquistas propagaram-se em regra nas áreas de menor concentração industrial (Itália,
Espanha, França, Portugal), onde predominava a pequena indústria de propriedade individual ou familiar,
na qual a organização do trabalho se baseava amplamente em trabalhadores qualificados, nos ex-artesãos
convertidos em assalariados. Como lembra Leôncio Martins Rodrigues, as doutrinas que apregoam a
gestão operária, a ação direta e a importância das minorias militantes têm nessa forma de produção um
campo propício. Na medida em que as funções patronais limitam-se à comercialização do produto e ao
fornecimento do capital, as soluções de tipo anarquista ou anarcossindicalista se apresentam como
claramente exequíveis.38 Por outro lado, a crença libertária na virtude individual, na “nobreza dos homens
livres” em contraponto com a “liberdade da nobreza”, pode corporificar-se em uma valorização da
dignidade do trabalho, tão cara ao trabalhador especializado de tipo semiartesanal.
Sheldon Maram criticou essa conhecida versão, procurando demonstrar que não há relação entre o
grau de desenvolvimento capitalista e a maior ou menor influência do anarquismo. Segundo seu
argumento, o problema da organização dos trabalhadores até a Revolução de Outubro não deve ser visto
sob o ângulo de ideologias mais ou menos adaptáveis a determinadas formas produtivas. Os operários
especializados teriam se organizado primeiro simplesmente pela maior facilidade de se articular,
enquanto a sindicalização da massa dos não qualificados surgiu posteriormente, após décadas de esforço.
Quando esse esforço frutificou, o sindicalismo revolucionário entrara em declínio, sendo suplantado pelo
socialismo marxista. A crise do anarquismo não estaria ligada às condições da indústria moderna, mas
sobretudo à atração exercida por um modelo em funcionamento na União Soviética. Lembra Maram que
afinal os libertários foram os primeiros responsáveis pela organização dos trabalhadores da grande
empresa têxtil no Brasil, assim como constituíram um movimento de vital importância na Espanha, depois
dos anos 1920, tendo sua maior força no proletariado industrial de Barcelona. Por outro lado, critica a
constatação trivial da procedência dos imigrantes vindos para o Brasil, ao dizer que não apenas o
anarquismo mas outras correntes existiam no movimento operário da Itália, da Espanha e de Portugal.
Seria necessário explicar por que essas correntes nunca adquiriram no Brasil força proporcional aos
países de origem.39
Não obstante os reparos de Maram, penso que as constatações tradicionais contêm uma boa dose de
verdade. É óbvio que não se pretende estabelecer uma correlação entre forma de produção e influência
ideológica sem a interveniência de outros fatores: a grande indústria não é uma área inteiramente
fechada à penetração anarquista até a Primeira Guerra Mundial, nem é o reino milenar do socialismo
reformista ou revolucionário. Só uma análise da formação social de cada país mostraria de modo
abrangente como o anarquismo se estabeleceu, em países europeus de industrialização tardia, nos
bolsões industriais de Barcelona ou Milão, e como mesmo após a Revolução Russa manteve e reforçou seu
prestígio na Espanha até a Guerra Civil. Entendida, porém, dentro desses limites, a correlação conserva
sua força explicativa. Qualquer que tenha sido a dificuldade ou por vezes o desinteresse em organizar os
trabalhadores pouco qualificados, as correntes socialistas (abstraída aqui sua diversidade), com sua
ênfase no papel transitório do Estado, na ação do partido, no uso de aparelhos largamente centralizados
para responder à centralização do capital, exerceram forte atração nos países de grande indústria (Grã-
Bretanha, Alemanha, Bélgica), antes da Primeira Guerra Mundial. E, afinal de contas, se a Revolução
Russa teve um importante papel na difusão do socialismo revolucionário, caberia lembrar que sua força
social básica localizava-se na classe operária dos núcleos industriais capitalistas de Petrogrado e
secundariamente de Moscou. Também é difícil reduzir o significado dos imigrantes na implantação do
anarquismo na América Latina e a importância de sua proveniência de países onde o movimento libertário
tinha pelo menos bastante prestígio. Entretanto, apesar das restrições ao argumento de Maram, ele tem o
grande mérito de chamar a atenção para as razões específicas da ascensão e do posterior declínio do
anarquismo na área latino-americana. Se logrou relativo êxito nessa área, isso se deve não só ao fato de
ter encontrado bom campo de germinação na pequena empresa de base artesanal, mas a outros
elementos que é necessário examinar com algum detalhe.
A recusa à luta política e o implícito economismo tinham particular atração sobre a massa de
imigrantes, chegados à nova terra em busca de ascensão social e não de um mundo político estranho.
Frustradas as primeiras expectativas, defrontavam-se com o Estado — inimigo longínquo que seria um dia
necessário suprimir. Sem muita sofisticação, o anarquista corporificava esse sentimento e lhe dava um
conteúdo de luta, pela via da organização dos sindicatos e da greve geral revolucionária. A classe
dominante e o Estado tinham um comportamento tendente a reforçar tal apreensão da realidade.
Restringindo-me ao caso brasileiro, não havia interesse (nem necessidade) de favorecer a incorporação
das massas, inclusive as de origem nacional, ao processo político. Os imigrantes estavam sendo
transplantados para o país não como cidadãos mas, tanto quanto possível, como “força produtiva pura”. A
política oligárquica podia assim ser facilmente identificada com a política em geral, um sujo e monótono
jogo destinado a perpetuar o autoritarismo dos exploradores. Em um país como o Brasil, onde imperava
uma ordem política fortemente excludente, é fácil perceber como a rejeição dessa instância podia ser
atraente também para elementos das classes populares nacionais. O reino da política não era o campo
específico de confrontação dos diferentes interesses de classe, mas a área privilegiada de ação dos
“ricos”, todos eles mais ou menos iguais em suas intenções de explorar em proveito próprio e de seus
afilhados a máquina estatal. Mais uma vez, o Estado oligárquico parecia confirmar em larga medida a
teoria anarquista, ao negar o reconhecimento dos mínimos direitos operários, ao optar pela repressão nos
momentos de confronto aberto de classes.40
Alguns outros elementos ideológicos parecem ter contribuído para a difusão do movimento anarquista
na América Latina até o início dos anos 1920, em conexão com a situação social e psicológica do
trabalhador imigrante. O componente utópico — milenarista das doutrinas libertárias — deve ter
compensado em parte as frustrações das expectativas de ascensão social. Ao mesmo tempo, é tentadora a
hipótese de uma correspondência entre o cosmopolitismo anarquista e os sentimentos que muitos
imigrantes abrigavam. Como observa Julio Godio,

a recusa destes à ordem existente encontrava no anarquismo uma resposta simples mas satisfatória: os “grandes culpados”
eram os patrões e o Estado; onde eles existissem os males dos trabalhadores imigrantes estavam presentes. Por isso, sua
condição de explorado era ideologizada pelo anarquista como necessário cosmopolitismo de todo trabalhador. O
internacionalismo proletário se transformava assim em uma espécie de universalismo obreirista, cujo sentido último era a
“irmandade universal dos explorados”.41

Em seu livro clássico sobre a imigração italiana, Robert Foerster referiu-se precisamente à tendência
ao cosmopolitismo observável entre camponeses do norte da Itália, sintetizada nesta resposta de
trabalhadores agrícolas da Lombardia a um decreto ministerial procurando restringir a emigração:

O que o sr. ministro entende por nação? É a massa dos infelizes? Sim, então somos mesmo a nação […]. Plantamos e colhemos
trigo, mas nunca experimentamos pão branco. Cultivamos a vinha, mas não bebemos vinho. Criamos animais para dar alimento,
mas não comemos carne. Estamos vestidos de farrapos […]. E apesar de tudo isto, o sr. ministro nos aconselha a não abandonar
nosso país. Mas a terra, em que não se pode viver apesar do trabalho duro, é a terra da gente?42
Esse quadro contribui para explicar a ascensão do anarquismo, em maior ou menor grau, nos países da
América Latina. Porém, seu declínio tem como ponto básico a conjuntura histórica de 1917-20. Ao menos
no caso brasileiro, os anarquistas fizeram naqueles anos seu grande teste político, malgrado o horror que
a palavra lhes pudesse causar. A derrota dos trabalhadores, sob sua direção, levou-os à decadência e
deprimiu o movimento operário por muitos anos. Certamente, isso não teve nada a ver com alterações na
forma da produção, pois esta não mudou significativamente nos anos 1920, ou mesmo nos anos 1930.
Quando de algum modo a presença operária ressurgiu na cena política, logo após a Revolução de 1930, o
padrão da sociedade se alterara bastante, tudo concorrendo para que o anarquismo desaparecesse em
definitivo como força social: radicalização de setores da classe média com conteúdo nacionalista-popular,
exercendo atração nos meios operários, prestígio da União Soviética, alteração na composição da classe
operária, mudança de comportamento do Estado.

O anarquismo brasileiro

Ao mesmo tempo que se esboça como doutrina emancipadora das camadas dominadas da sociedade, o
anarquismo brasileiro está associado a um sistema de pensamento cientificista, corporificado no
evolucionismo e no livre-pensamento, cujo raio de influência não é desprezível nos núcleos urbanos
brasileiros dos primeiros anos do século. Em sua versão conservadora, esse sistema de pensamento
constituiu uma tentativa de implantar uma racionalidade burguesa consentânea com as transformações da
infraestrutura da sociedade que apontavam para a emergência do capitalismo. Assim como na Europa
lutara-se contra o poder da Igreja — expressão do mundo feudal —, o anticlericalismo assumia no Brasil a
forma de um combate contra a velha ordem patrimonialista, em nome de uma nova ordem baseada no
progresso e na verdade científica. Se o cientificismo laico não chegou a se transformar em ideologia
hegemônica, contribuiu para dar origem a uma elite dirigente republicana anticlerical e pouco receptiva a
encontrar na Igreja um aparelho ideológico de sustentação do regime.43
A campanha contra a Igreja ganhou forma em círculos que não se limitaram aos libertários, nas ligas
anticlericais de São Paulo44 e do Rio de Janeiro, ou em torno de jornais como O Livre Pensador, A
Lanterna, L’Asino Umano — os dois primeiros com uma longa existência. Esses jornais e as próprias ligas
converteram-se em um elo entre o ramo mais democrático do anticlericalismo e as doutrinas de
transformação radical da sociedade. O Livre Pensador, publicado intermitentemente entre 1902 e 1914,
era dirigido pelo gráfico maçom Everardo Dias, que aderiu ao anarquismo após uma breve passagem pelo
grupo dos partidários da candidatura Hermes da Fonseca, em São Paulo (1909). Ostentando em seus
primeiros números as epígrafes panfletárias “Fugi, vampiros sociais”, “Abaixo o Vaticano”, o jornal
combinava o elogio de Lamarck, Darwin, Haeckel, Spencer, com artigos socialistas e anarquistas, o
noticiário das lojas maçônicas, a defesa da emancipação da mulher, articulada pela socialista Ernestina
Lesina.45
A oposição aos dogmas católicos aparece como momento relevante na formação de duas das mais
importantes figuras do movimento libertário. José Oiticica, filho de senador, com estudos incompletos de
direito e medicina, diretor de uma escola municipal em Laguna (Santa Catarina), onde segundo se diz
procurou aplicar intuitivamente concepções anarquistas, foi em 1912 um dos líderes da Liga Anticlerical
do Rio de Janeiro, entrando posteriormente em contato (1913) com o movimento libertário; Astrojildo
Pereira, filho de um pequeno comerciante do estado do Rio, antes de iniciar sua carreira como anarquista
entre os tecelões fluminenses do Grupo Operário Germinal, por volta de 1910, foi também um anticlerical,
admirador de Benjamin Constant e Rui Barbosa.46
Do ponto de vista das concepções teóricas, paradoxalmente, Spencer figura nas folhas anarquistas
como fonte inspiradora, ao lado de Bakunin, Proudhon, Malatesta. Tanto quanto camadas da elite, das
quais estavam socialmente distantes, alguns anarquistas adotaram as concepções gerais de Spencer,
sobretudo a identificação da evolução social com a do organismo vivo, sujeita ao mesmo tipo de
transformações.47 O que os atraía em Spencer, sob o ângulo programático, não era o progresso, ou
obviamente o darwinismo social, mas outros aspectos do liberalismo spenceriano: a redução das grandes
fortunas, o equilíbrio entre os produtores, a forte limitação do poder do Estado.48
O entroncamento do anarquismo com o pensamento cientificista e laico levava-o por vezes a concentrar
fogo em uma instituição, ao acordo com elementos estranhos à área libertária. Esses “desvios” não
deixaram de provocar críticas. Em 1912, um ano após uma cerrada campanha contra a Igreja, Gigi
Damiani defendia uma estratégia puramente anárquica, abandonando a luta anticlericalista, realizada no
interesse de terceiros, que se servem do gato para tirar a castanha do fogo. Afinal, dizia: “quem não crê
em Deus, mas crê no Estado, não mudou nada: não se inclina ao padre mas se inclina ao patrão”.49
A luta “puramente anárquica”, reclamada por Gigi, era o anarcossindicalismo, inspirado na CGT
francesa e que se tornara a tendência predominante nos círculos libertários. O sindicato — a um tempo
instrumento de conquista dos mínimos direitos da classe trabalhadora e prefiguração da sociedade futura
— seria o único órgão capaz de agrupar, de solidarizar os operários conscientes, com base em seus
interesses econômicos comuns. Tais interesses constituem o eixo da luta política e da rejeição das “táticas
políticas”. Estas dividem o proletariado e são o campo dos partidos, organismos autoritários onde se
imiscuem burgueses, semiburgueses, literatos, idealistas.50
Nas condições brasileiras de princípios do século, trata-se sobretudo de criar o sindicato. De início,
acredita-se na tendência espontânea da classe operária à organização sindical e no papel da
propaganda.51 Ao mesmo tempo porém inclinações arraigadas entre os trabalhadores qualificados, que
implicam indiretamente técnicas de organização mais coercitivas, encontram um eco favorável nos meios
anarquistas. É o caso, por exemplo, das medidas tendentes a impedir a obtenção de emprego, por parte
dos operários não sindicalizados. Apesar dos vínculos existentes entre a defesa da closed shop e a forma
de consciência corporativa, a imprensa libertária relata com entusiasmo, em 1909, a imposição da regra
aos operários da construção civil de Santos.52 Em algumas reivindicações, aliás, como entre os gráficos
cariocas (1917), a closed shop aparece associada a toda uma visão do sindicato como órgão regulador da
oferta da força de trabalho, responsável pela qualidade deste; como órgão normativo de conduta dos
associados e mediador de conflitos no nível das empresas:

1o — Nas oficinas, não serão admitidos empregados que não sejam sócios da Associação; 2o — A Associação responsabiliza-se
pela conduta de seus sócios dentro das oficinas; 3o — Quando, por qualquer circunstância, qualquer gráfico não satisfaça em
suas condições artísticas e morais, o industrial deverá comunicar à Associação, por intermédio do delegado, e esta, averiguadas
as causas, providenciará de forma que o industrial não seja lesado e evitará que o gráfico fique sem trabalho; 4o — Serão
criadas categorias para fornecimentos de pessoal às oficinas, acompanhadas das respectivas tabelas de ordenados; 5o — A
Associação resolverá, amigavelmente, qualquer atrito entre a corporação e o respectivo industrial sem desdouro para qualquer
das partes; 6o — Será isento de serviços estranhos à sua profissão, todo o aprendiz de qualquer ramo das artes gráficas; 7o —
Logo depois do reconhecimento, a Associação iniciará uma ativa propaganda para o levantamento moral e artístico da classe,
por meio do seu órgão oficial, conferências e publicações educativas, criando, também, uma oficina própria para o ensino
técnico e escolas de português e desenho.53

Há também indicações de que, mesmo entre os operários não qualificados, afloravam atitudes
favoráveis à organização por via coercitiva. No curso de um movimento de criação de comissões de
fábrica, em 1919, os operários da fábrica têxtil Ítalo-brasileira reuniram-se para deliberar acerca dos
trabalhadores não associados à União dos Operários em Fábricas de Tecidos. A decisão lhes deu quinze
dias de prazo para aderir, sob pena de “serem tomadas medidas enérgicas contra estes companheiros”.54
No plano dos princípios, o anarcossindicalismo brasileiro definia o sindicato como órgão de luta, que
recusa funções assistenciais (em contraposição às associações mutualistas), aberto aos operários de todas
as tendências políticas. A verdadeira força do sindicato repousa na solidariedade e não nos recursos
materiais. Quando reúnem grandes fundos, os sindicatos se tornam “timoratos, inativos, conservadores”.
O dinheiro corruptor pode constituir apenas uma caixa de resistência e deve ser gasto sem muita demora
na propaganda, na agitação. Nas greves, é preferível contar com o apoio mútuo entre os operários do que
com esse tipo de recurso.55 A defesa de reivindicações imediatas tinha o mesmo objetivo de reforçar a
solidariedade, despertar a consciência dos trabalhadores, em busca da emancipação final. Mas em si
mesma essa luta não era considerada incapaz de trazer alguns resultados. Em um artigo de 1913, Neno
Vasco fazia a crítica do anarquismo retórico, produto da derrota da Comuna de Paris, dos anos de
repressão que deram origem às capelinhas destinadas a masturbações doutrinárias, onde se magnifica o
poder do verbo, da educação, na linha de Tolstói e outros religiosos como ele. Defendia os elementos mais
sérios, partidários da organização operária, e se distanciava dos que desdenhavam “das impotentes
greves parciais e das escaramuças de cada dia”, pretendendo gastar todos seus esforços no preparo da
greve geral expropriadora e da revolução social. Insistia na importância da luta por medidas transitórias,
através da ação direta, com o objetivo central de reforçar a solidariedade, mas também de obter
vantagens limitadas. Investindo contra a “lei de bronze do salário”, dizia que o salário não é um absoluto,
reduzido ao estritamente mínimo, podendo se elevar até certo limite.56
Os instrumentos de luta — a greve geral ou parcial, o boicote, a sabotagem, a manifestação pública —
fundam-se sempre na ação direta. O recurso à atividade normativa do Estado é visto como inútil, mesmo
em áreas de alcance restrito. Uma resolução do Primeiro Congresso Operário (1906), considerando que as
leis de acidentes de trabalho nunca são executadas, aconselha os sindicatos a arbitrar a indenização que o
patrão deve pagar, forçando-o a isso pela ação direta. O pequeno desvio acolhido por esse Congresso, ao
admitir o uso de todos os meios, inclusive os tribunais, para receber salários no caso de fechamento ou
falência das empresas, é corrigido no Segundo Congresso (1913), suprimindo a alusão aos tribunais por
ferir os mesmos princípios da ação direta.
Instrumento privilegiado, a greve geral surge como arma reivindicatória e premonição do ato
emancipatório final: a “greve única, mundial, precursora do grande cataclismo de que brotará a sociedade
nova, liberta de privilégios e opressão”. A sabotagem assume as formas da queda do ritmo de trabalho, da
produção deliberadamente defeituosa, da destruição de máquinas. Um exemplo desta última se encontra
na greve desfechada pelos têxteis da fábrica carioca Cruzeiro (18/11/1908), resultante da demissão de
dois operários que faziam propaganda do sindicato.57
O “emprego da química” aparece associado às acusações contra a atividade dos anarquistas desde seus
primeiros tempos. Mas é relativamente raro, surgindo sobretudo em conexão com as duas tentativas
insurrecionais, de novembro de 1918 e outubro de 1919. No curso dos anos 1919-21, a polícia anunciou a
descoberta ou a explosão de bombas em várias ocasiões. Provavelmente, a maior parte delas não foi
colocada pelos anarquistas, servindo de excelente pretexto à repressão lançada naquele período.58
Tanto a organização interna do sindicato como os laços entre ele e organismos mais amplos são
concebidos com base no princípio da soberania individual dos membros. Tal princípio impõe a necessidade
de não distinguir entre base e direção — germe do autoritarismo — e de evitar qualquer tipo de
centralização. Por considerar que “o sindicato é a coesão de operários que se unem para a ação contra o
capital e que, portanto, essa ação deve ser de todos, pois do contrário seria insubsistente; e que as
delegações de poder ou mando levam os operários à obediência passiva e prejudicial nas suas lutas”, o
Primeiro Congresso Operário aconselha a substituição das diretorias sindicais por simples comissões
administrativas, com mera delegação de funções. A diferença sibilina entre “delegação de mando” e
“delegação de função” é fundamental. Não se cogita aqui o princípio democrático de revocabilidade do
mandato conferido pela vontade geral soberana. A associação dos trabalhadores não tem por base a
soberania da classe mas a individual de seus membros, que não pode ser delegada através de um
mandato.59 Da mesma forma, quando o Segundo Congresso Operário postula a abolição de estatutos
calcados em fórmulas burocráticas e coercitivas, propõe que sejam substituídos por “simples normas
administrativas, despidas de qualquer determinação que fira a autonomia individual dos associados ou
que conceda atribuições de mando a qualquer deles”.
Se a delegação de poderes era condenada no interior do sindicato, as formas centralizadoras nas
relações entre sindicatos, federação, confederação deveriam ser combatidas pelos mesmos motivos. Ao se
decidir criar no Primeiro Congresso Operário a Confederação Operária Brasileira, ressalta-se que
constitui seu objetivo estreitar os laços de solidariedade entre os trabalhadores, tendendo a abolir as
barreiras que separam as corporações de ofício. Devia-se, porém, conservar a mais larga autonomia do
indivíduo no sindicato, do sindicato na Federação regional e da Federação na Confederação. Não se
concebe a Confederação como uma central sindical, elaboradora de uma estratégia de lutas válidas para
todo o país. Pelo contrário, qualquer centralização de poderes embaraçaria “a ação operária constante,
maleável e pronta, sujeita às diversas condições de tempo e lugar”.
Antes de ser submetido à prova de fogo dos anos 1917-20 — momento crucial de sua ascensão e crise
—, o anarcossindicalismo esteve sujeito a restrições e a ataques no interior dos círculos anarquistas. Em
escala reduzida, surgiram divisões entre organizadores e antiorganizadores, críticas à eficácia da greve
parcial ou geral, posições de aberta rejeição a seus princípios. Com ressonâncias de Stirner, perguntava
uma voz anônima, em fins de 1906: por que não se age contra todos os vis que nos tiram o direito à vida,
expondo-os no pelourinho e sovando-os sempre que for possível, em vez de perder tempo fazendo reclamo
a ligas que não existem? Não é verdade que há cinco anos ou mais se faz reclamo às ligas sem nenhum
resultado? Não é verdade que se fizeram nascer mortas certas ligas, duas ou três vezes, com resultado
sempre negativo? Como se explica esse fato, após cinco ou seis anos de propaganda associativa feita pelos
anarquistas e socialistas? Onde estão os sócios da liga dos sapateiros que figura como ativa na “Luta
Proletária”? Onde estão os sócios da liga dos carpinteiros? Quantos são os da liga dos pedreiros? Quantos
são os sindicatos dos marmoristas?… O problema é fácil de formular: ou a organização não é daqui ou
seus propagandistas são incapazes e em cinco ou seis anos só fizeram adormecer quem queria despertar e
agir. Nesse caso, bom seria que cada um procurasse, sobretudo, emancipar-se a si próprio, para depois
emancipar os outros.60
Como entender, dentre as dissonâncias, o insólito documento de setembro de 1916, em que um grupo
de anarquistas justifica sua saída do Sindicato de Ofícios Vários do Rio de Janeiro? O texto começa por se
apoiar em uma pronunciada corrente de opinião descrente do sindicalismo como instrumento capaz de
levar o proletariado à transformação social ou mesmo como meio de proporcionar elementos para que se
desenvolvam as ideias libertárias. Passa a seguir a uma análise do sindicalismo no Brasil, insistindo em
sua artificialidade: as melhores mobilizações operárias sempre se realizaram antes da existência das
associações, e estas foram consequência e não causa das mobilizações. A incoerência entre as pomposas
declarações sindicalistas e a mesquinhez de ação dos sindicatos resulta em confusão e mistificação do
anarquismo, que passa a ser compreendido de forma diferente do que realmente é. Assim, seria nocivo
prosseguir na propaganda sindicalista ou na direção dos sindicatos existentes. Caberia aos operários
fundar sindicatos quando sentissem necessidade de organizá-los; os anarquistas poderiam até pertencer a
essas associações, em caráter individual, mas sua atividade estaria voltada essencialmente para a
propaganda anárquica.61
Os autores do texto demonstram uma grande decepção com os magros resultados da atividade
organizatória, com a distância entre o discurso dirigido à emancipação final e a dificuldade da luta
cotidiana. De seus três redatores, dois pelo menos — José Elias da Silva e Manuel Campos — estavam
profundamente ligados à militância operária e retomariam logo a seguir o caminho do
anarcossindicalismo. Mas o parêntese de decepção contém mais do que um simples parêntese: operários
de vanguarda, eles se referem no documento à grande massa com os mesmos estereótipos de uma visão
paternalista patronal: “as concepções da mentalidade infantil do operariado, ou melhor, da massa
anônima, são sempre muito exíguas. O seu cérebro embrutecido só lhe deixa conceber o que seja
imediatamente palpável, concreto. Não lhe é dado abstrair, ponderar, deduzir”.
Por certo, o texto revela a influência do quadro mental da classe dominante da época e uma profunda
decepção gerada pela distância entre o projeto de emancipação final e a dura realidade cotidiana de uma
massa “atrasada”, com poucas condições para organizar-se de maneira estável, mesmo em defesa de
reivindicações econômicas. Mas um elemento latente aí aflora, um dado que com frequência integra o
universo da vanguarda dos movimentos sociais cujo objetivo expresso consiste em operar uma
transformação da existência em bases racionais: a tendência a estabelecer uma rígida fronteira entre
“conscientes” e “inconscientes”.
No caso do anarquismo, à medida que se acentua o significado da opção individual, com menor ênfase
nas determinações sociais, tende-se a estabelecer um corte entre os elementos conscientes e a massa
informe, corte que aparece em mais de um escrito e no comportamento de muitos libertários.

A) A subcultura
A utopia anarquista tem paradoxalmenete uma grande contemporaneidade. Sua crítica ao sistema
educativo e à Igreja, à família burguesa, através da temática da igualdade dos sexos, volta-se contra os
núcleos básicos de reprodução do sistema e do comportamento autoritários da época.62 Para além da
defesa de pontos tópicos, há a tentativa de criação de uma subcultura, buscando modelar um homem novo
em contraposição ao que é fruto da sociedade de classes, abrangendo aspectos tão amplos como a
educação ou um código moral, com suas normas e sanções implícitas.
Se a recusa da instância política formal debilita os libertários em sua tentativa de organizar as camadas
populares, a ênfase na crítica da cultura e das instituições aponta em princípio para uma problemática da
maior atualidade — a da constituição dos micropoderes integrantes da relação de dominação, na linha
desvendada por Foucault. A crescente burocratização dos partidos, o reforço do capitalismo de Estado
reintroduziram no mundo de hoje o tema da transformação da sociedade no plano cultural-afetivo,
associada à gestão do processo produtivo pelos produtores. Embora de forma muitas vezes inadequada, o
anarquismo busca dar resposta a um difícil problema: como criar, com gente dominada, uma sociedade
livre?
Contudo, o anarquismo brasileiro oscilaria entre a crítica das instituições com o enfoque apontado e a
que correspondia aos interesses da burguesia ascendente, na esteira da luta da classe burguesa europeia
contra aparelhos ideológicos identificados com a ordem feudal. Isso transparece claramente no ataque à
educação vigente e à Igreja. No primeiro caso, os esforços estavam permeados, de um lado, pelos
objetivos de oferecer um modelo educativo que representasse uma contrapartida à formação ministrada
pelo sistema dominante, sob forma laica ou religiosa; de outro, pelos objetivos de desenvolver uma
instrução racional, científica e laica, ainda que não houvesse entre as duas linhas uma rígida separação de
fronteiras. Um exemplo da última tendência foi a natimorta Universidade Popular de Ensino Livre, criada
no Rio de Janeiro em março de 1904. Entre seus professores mencionavam-se Sílvio Romero (psicologia),
José Veríssimo (história da literatura), Felisberto Freire (história do Brasil), Fábio Luz (higiene), Vicente
de Souza (antropologia), Elísio de Carvalho (sociologia), Eliseu Visconti (arte decorativa).63
Após o fuzilamento de Ferrer — fundador das Escolas Modernas de Barcelona —, começou um
movimento aparentemente semelhante ao anterior, envolvendo socialistas, alguns professores da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, além dos anarquistas. As duas escolas criadas em São Paulo a
partir desse momento, que conseguiram manter-se por vários anos até serem fechadas pelas autoridades
em 1918, pretenderam converter-se, entretanto, em núcleos de ensino profissional e educação libertária.
Eram seus fins expressos: 1o libertar a criança do progressivo envenenamento moral que por meio do
ensino baseado no misticismo e na bajulação política lhe comunica hoje a escola religiosa ou do governo;
2o provocar junto com o desenvolvimento da inteligência a formação do caráter, apoiando toda concepção
moral sobre a lei de solidariedade; 3o fazer do mestre um vulgarizador de verdades adquiridas e livrá-lo
das peias das congregações ou do Estado, para que sem medo e sem restrições lhe seja possível ensinar
honestamente, não falseando a história e não escondendo as verdades científicas.64
Como afirmava uma resolução do Segundo Congresso Operário, chegara o tempo de enfrentar o ensino
burguês baseado não só no misticismo, como “nas doutrinas positivistas e nas teorias materialistas
sabiamente invertidas pelos cientistas burgueses”. Dirigidas por Adelino de Pinho e João Penteado, as
Escolas Modernas do Brás e do Belenzinho propunham-se a ministrar um ensino racional “que não
engendre fanáticos de seita alguma, nem militares fanfarrões, nem jacobinos ridículos”.65 Escolas mistas,
sem exames, sem promoções, sem castigos ostensivos, combinando um currículo convencional com a
difusão dos princípios anarquistas refletida nas festas e comemorações. No melhor estilo da época, em
uma reunião beneficente de 1914, após o hino dos trabalhadores, executado pela banda de música, e uma
conferência sobre “A Escola Moderna e o problema social”, os alunos recitam versos de Guerra Junqueiro
e cantam um hino aos operários, original de Neno Vasco.66
A luta anticlerical constitui um expressivo exemplo de uma crítica quase sempre afastada de uma
percepção mais aguda do nexo entre a Igreja e a educação repressiva, que, aparentemente, a doutrina
libertária permitiria estabelecer. As dissenções entre a Igreja e o Estado, nos primeiros anos da
República, correm aliás o risco de ser exageradas quando a observação se volta apenas para os círculos
dirigentes. No plano educativo, a presença da Igreja continua sendo dominante nas faixas estratégicas do
ensino fundamental e médio, a tal ponto que somente no início do século XX surge a primeira escola leiga
gratuita de São Paulo.
A Lanterna é o veículo mais consistente do anticlericalismo anarquista, embora seja razoável supor que
ele tenha sido temperado pelo propósito de aglutinar outros círculos além dos libertários. O jornal
apareceu em março de 1901, sob a direção do advogado maçom Benjamin Motta. Este figurou nas
primeiras convocações da reunião socialista de 1902, inclinando-se depois para o anarquismo. No
primeiro número do jornal, fazia-se referência aos anticlericais como um grupo reduzido. Entretanto, seu
público não parece desprezível, por excessiva que possa ter sido a tiragem do órgão: 10 mil exemplares,
que logo chegaram a 26 mil, para depois declinar e se estabilizar em 6 mil números. Interrompida a
publicação em 1904, reapareceria em 1909, tendo como diretor Edgard Leuenroth.
Em linhas gerais, A Lanterna pode ser definida como um irreverente órgão franco-maçom, com uma
linguagem insólita que rompe com o estilo alambicado do jornalismo brasileiro. Fico nesse aspecto com
um exemplo, o editorial-bomba profano, lançado por ocasião da morte do papa Leão XIII:

Morreu o Papa Leão XIII. A mentira convencional e a hipocrisia interesseira traçam neste momento encomiásticas necrologias
do velho inútil que expirou no Vaticano, em dias da semana que hoje se finda. Durante 25 anos Joaquim Pecci (note-se aqui o
efeito de dessacralização) ocupou o sólio pontifício e nesse longo reinado nada mais fez do que mentir àqueles que esperavam
ouvir de sua boca a suprema verdade! Ele… se não fosse um padre romano no rigor da palavra, repeliria a tiara, símbolo de
mentira; não cingiria essa coroa de rei da terra, enlameada nos festins incestuosos dos Bórgias e de João XXII… Vigário de
Cristo! Leão XIII, vigário de Cristo? Admitindo-se os Evangelhos como traduzindo os ensinamentos de Cristo, Leão XIII foi
apenas um vilíssimo traidor à doutrina do Mestre. Cristo revoltou-se contra os tiranos e combateu-os; Leão XIII foi um servil
lacaio dos grandes e um inimigo encarniçado de suas vítimas.
Fez ele acaso ouvir um grito de compaixão em favor dos armênios massacrados barbaramente pelos turcos? Condenou ele a
selvageria inglesa no Transval e as infâmias europeias na China? Verberou ele as infâmias do Estado-Maior da França, fazendo
falsos sobre falsos para ver se não lhe escapava a vítima inocente que agonizava na ilha do Diabo? Apiedou-se ele dos pobres
pretos africanos que os marchands dos exércitos europeus friamente assassinaram, queimando suas aldeias, em nome da
civilização? Ouviu-se-lhe uma censura sequer contra o espingardeamento que, um pouco em toda parte, tem feito os governos,
dos trabalhadores que procuravam reivindicar seus direitos? Não! Antes, numa encíclica famosa, a de 1o de janeiro de 1900,
disse o papa que vem de morrer, que os reis precisam se unir para opor um dique ao apetite insaciável dos povos!67

A temática básica de A Lanterna insiste em dois pontos: a luta contra a Igreja como produto do
“obscurantismo medieval”; a denúncia da violação das normas sexuais de continência por parte de padres
e, em menor grau, de freiras. Em nome da família e das “luzes”, o editorial do primeiro número de A
Lanterna acusa

o exército negro do Vaticano que vem aqui semear a discórdia nos lares e na sociedade, estabelecer a guerra entre a esposa e o
esposo, esperançados de levantarem, sobre as ruínas da nossa sociedade civil, a bandeira negra de uma teocracia nefasta,
salpicada de sangue e reluzente de ouro… As hostes clericais movem a guerra contra a sociedade moderna, a fim de fazer
voltar os povos à era que precedeu à Renascença.68

Uma crítica do papel da Igreja como instrumento fortemente articulado de repressão da sexualidade
teria dado aos libertários um enorme avanço com relação a todo o discurso de seu tempo. Esse nexo não
chega, porém, a se aprofundar e a tônica se concentra na violação pela Igreja de seu próprio código de
conduta. É o caso da seguida denúncia de violências sexuais praticadas por padres. A princípio as
acusações se fazem em colunas discretas de A Lanterna para gradativamente ganhar destaque em
caricaturas e nos primeiros leads sensacionalistas da imprensa paulistana.
Reverso da medalha das primeiras e ascéticas folhas anarquistas, o jornal arremete contra uma insólita
parelha — o Carnaval e o clero — em uma caricatura anticarnavalesca, onde um padre de cara devassa
carrega uma freira com roupas e meias de cancã. Embora o programa das Ligas anticlericais dê ao
combate ao confessionário o objetivo de tornar mais conscientes as mulheres e os trabalhadores, A
Lanterna prefere uma corrente imagem popular. A caricatura ingênua com o título “Contra a pornografia”
aproxima um padre inevitavelmente gordo e uma donzela de tranças, encimando a legenda: “No
confessionário deves contar-me tudo o que se der na noite de núpcias”.
Os leads acentuam os atentados sexuais, seguidos por vezes de um exemplar castigo:

Padre castrado por fazendeiro por ter desonrado sua filha e manter relações com ela na própria Igreja.

Em São Sebastião das Correntes, Minas, um padre deflora uma moça na igreja, que é depois abandonada pelo seu noivo — Uma
órfã confiada à sua guarda é deflorada e tem diversos abortos por ele provocados — Grande indignação do povo — Fuga do
sátiro.

Ou ainda este texto, onde se combinam o clichê moralista e o reforço de horror dado pela metáfora
licantrópica:
Tragédia clerical no Rio — Marido ultrajado e padre degolado — Um lobo de batina, ao devorar a presa, é atacado no covil —
De como a religião e os seus sacerdotes atentam contra a virtude das famílias, a título de as proteger.69

Quando a partir dos últimos meses de 1910 se realiza em São Paulo uma mobilização de certo vulto, a
propósito da desaparição de uma menina de um orfanato religioso do Ipiranga, ocorrida quatro anos
antes, A Lanterna revela o mesmo tipo de preferência. A denúncia dos orfanatos como grandes cárceres
disciplinadores é apenas aflorada; as manchetes e textos se concentram no detalhe escabroso — o
estupro, a ocultação do cadáver —, ainda que obviamente a apuração da verdade tivesse no caso grande
relevância.70
Não se trata de negar a possível veracidade de grande parte dessas acusações, nem sua esporádica
vinculação, na imprensa anarquista, com o voto de castidade. Assim, o voto de castidade é analisado como
“instrumento de reforço da hierarquia eclesiástica que, por representar uma violação das leis biológicas,
acaba incentivando os atentados ao pudor nos colégios e a formação de idiotas ou de sátiros”.71 A
denúncia das violações à pureza, os ataques contra as riquezas acumuladas pela Igreja desviam-se,
entretanto, da crítica radical, aproximando o anticlericalismo libertário do tom geral do anticlericalismo
ilustrado.
Caberia, porém, indagar por que nesse terreno a crítica assume formas tão pouco convencionais, ao
contrário do que ocorre no campo do discurso estritamente doutrinário. A resposta deve ser buscada no
terreno emocional e inconsciente, tendo como núcleo a figura do padre — o pai a quem se interditou a
prática das relações sexuais. A Lanterna, não obstante seu conteúdo manifesto, é uma folha religiosa,
integrada em um universo maniqueísta onde os signos do demônio se exprimem nas imagens dos frades
bêbados e concupiscentes. A insistência na temática das relações sexuais proibidas ou perversas não é
outra coisa senão a projeção dos impulsos de um grupo marcadamente puritano. O padre impuro recebe o
anátema libertário através de uma simbologia sexual permeada de alusões sádico-devoradoras. “Com
quem se parece o padre? Parece-se com a aranha, que com a teia caça moscas e lhes chupa o sangue. Mas
não lhe basta a teia: ele tem uma infinidade de armadilhas e é um terrível estuprador que não olha os
sexos.”72
O mecanismo de projeção de impulsos inconscientes se torna mais claro quando se tem em conta que o
código moral libertário promove um comportamento ascético, no plano da vida afetiva, das formas de
evasão do cotidiano. Sob o primeiro aspecto não se trata apenas de condenar genericamente a riqueza,
mas de regular toda a conduta, como se evidencia nas normas alimentares, com o incentivo à alimentação
vegetariana, a sanção contra os excitantes, particularmente o álcool, condenado nos congressos
operários, em folhetos e cartazes expostos nas sedes sindicais. Quando em 1910 Oreste Ristori vai ao
interior de São Paulo realizar conferências em benefício das Escolas Modernas, inclui-se entre os temas,
anunciados com um tom entre funambulesco e aterrorizante,

o flagelo do alcoolismo, com umas quarenta projeções impressionantes relativas aos efeitos desastrosos produzidos pela lenta
intoxicação alcoólica no organismo do indivíduo, nas condições da família e nas relações sociais; perda do sentimento, da
dignidade pessoal, de amor à família, aos filhos, ao estudo; tendência para o crime, enfraquecimento físico, ulceração dos
órgãos internos, atrofia da memória, espantosas alucinações, delirium tremens, loucura, morte.73

As formas de evasão do cotidiano tidas como legítimas negam um campo específico de vida lúdica,
associando-se à noção do divertimento instrumental e moralmente sadio. Um jogo de futebol realizado por
iniciativa de operários da Votorantim, em uma festa na empresa, é objeto de críticas não apenas porque
redunda em colaboração de classes: “Vamos ter também o elegante jogo do foot-ball, depois do qual os
jogadores fatigados, aborrecidos, vão brigar com a família; é um jogo bom para os parasitas e os ociosos
que precisam de exercitar os músculos em um trabalho inútil, desprezando ao mesmo tempo o trabalho
útil e os que o fazem. Quanto a nós, temos exercício de sobra. Exercício até rebentar”.74
Condenação esporádica de nascente futebol, reiterada preocupação com a dança que logo se converte
em combate. Na entrada do século, a típica festa libertária em São Paulo associava uma parte destinada a
reforçar a consciência social com o simples divertimento. Assim, no nostálgico teatrinho Andrea Maggi, na
rua dos Imigrantes, o Círculo Educativo Libertário Germinal comemorava seu primeiro aniversário com
este longo programa: 1o Conferência da camarada Elisabetta Valentini sobre “La Donna nell’avviamento
alla emancipazione del proletariato”; 2o Peça dramática La Miseria, de A. Bandoni; 3o Lotaria
gastronômica, artística e humorística; 4o Conferência de A. Bandoni; Le Piague Sociale; 5o Baile
familiar.75 Na primeira reunião operária estadual (dezembro de 1906), a União dos Trabalhadores
Gráficos levantou a questão da vantagem ou não de as associações de resistência organizarem festas
dançantes; a segunda conferência, de abril de 1908, aconselhou os sindicatos a fundar Centros
Dramáticos Sociais e a realizar sessões onde se entretivessem os sócios em palestras amigáveis, excluindo
o baile e qualquer espécie de jogo.76 A preocupação com o baile não era acidental. Mais do que qualquer
outro divertimento, ele simboliza as normas vigentes nas relações entre os sexos, e a tentativa de
proscrevê-lo se fazia em nome da repulsa a essas normas.
Nem se pode deixar de valorizar a preocupação dos libertários com o significado dos atos da vida
cotidiana que, como diz Reich, são os artesãos do progresso ou, inversamente, da regressão social,
enquanto os belos discursos políticos despertam apenas um entusiasmo passageiro.77 Porém, a crítica
enfatiza um moralismo de estilo religioso onde o impulso sexual tem a marca do impuro, associado no
caso da mulher ao fantasma da prostituição:

Quando começa o baile assiste-se à cena mais repugnante deste mundo, capaz de nausear as próprias meretrizes. A orquestra
entoa as primeiras notas para saltar, e todos aqueles espasmados mancebos correm como loucos em busca da mais bem-feita,
para satisfazerem a ânsia de a apertar nos braços, de lhe revelar todo o seu desejo de posse, pois daquele amplexo, daquele
enlace libidinoso, daquele recíproco roçamento, daquelas cócegas, não pode resultar senão a excitação dos sentidos de ambos.
Então ali está o homem, o macho, não para conhecer e conquistar uma alma, uma companheira, mas para gozar a fêmea,
corrompê-la e abandoná-la à prostituição.78

Outro texto condenava a dança em nome não só da moral como do utilitarismo: “o baile só serve para
manter os sentidos excitados, não é ginástico, nem higiênico, nem moral”.79
Convém lembrar de passagem que o conteúdo fortemente ideológico e em certa medida ascético das
formas de evasão do cotidiano parece ter sido uma característica específica dos libertários. Com maior
facilidade, os socialistas tenderam a transformar as efemérides do movimento operário em um misto de
reforço da solidariedade e simples divertimento, como transparece do relato de uma comemoração em
São Paulo do Primeiro de Maio — data cujo conteúdo dramático os anarquistas trataram sempre de
ressaltar: o Centro Socialista Internacional realizou um piquenique comemorativo no Bosque da Saúde,
contratando bondes especiais para o transporte. No primeiro deles, seguia o flamante estandarte do
Centro e uma pequena banda de música que, no trajeto, tocava a Internacional. Ao meio-dia, havia mais
de mil operários no Bosque. Correu abundantemente a cerveja e o vinho, participando das libações
trabalhadores, músicos e soldados — estes enviados desnecessariamente ao local — “em comovente
acordo”. Um jovem operário discursou, sob muitos aplausos, concitando à solidariedade. À tarde, ao som
de três bandas, iniciou-se um baile monstro, com mais de duzentos pares dançando até o cair da noite.80
Até que ponto o código puritano foi seguido pelo pequeno círculo dos expoentes anarquistas e pela
camada mais ampla de seus seguidores ou simpatizantes? Em regra, o dirigente libertário era um homem
sóbrio, na vida material e na vida afetiva, obediente aos preceitos da família monogâmica, não obstante o
discurso em favor do amor livre. Os impulsos refreados encontravam, aliás, uma forma de expressão
desviada mas legítima aos olhos da doutrina, na descrição das diversões pervertidas da sociedade
burguesa, dos atos concupiscentes do clero. Em alguns casos, a adesão ao anarquismo vinculava-se a uma
tendência prévia a esse tipo de conduta. Em O Livre Pensador, Everardo Dias combatia a tirania do tabaco
e do álcool; José Oiticica fazia conferências denunciando seu uso e, antes de ser anarquista, já era
vegetariano.81 Para o círculo mais amplo dos aderentes ou simpatizantes, o código moral tinha um sentido
contraditório. De um lado, promovia a dignidade das camadas dominadas, no interior de um sistema social
que lhes negava abertamente reconhecimento;82 de outro, restringia formas de evasão do cotidiano
incorporadas à vida social urbana. Sem dúvida, as necessidades dos aderentes, nesse terreno, eram
atendidas em parte pelas manifestações de caráter político ou pelas expressões aceitas de lazer. Ao lado
do discurso político, cheio de emotividade, o comício ou a passeata tinham um forte conteúdo simbólico,
com suas bandeiras vermelhas, a banda de música, as moças de braços dados que, nas primeiras fileiras,
cantavam hinos revolucionários. O teatro social, formado por atores operários, funcionava como uma
verdadeira catarse: os trabalhadores viviam as figuras do operário consciente, do ex-operário que
ascendeu e se corrompeu pelo dinheiro, do patrão explorador, do alcoólatra etc.
Mas um campo de composição e de tensões permaneceu. A dança continuou a ser incluída em muitos
festivais libertários, para garantir-lhes o êxito.83 O Carnaval, anatematizado pelos folhetos da propaganda
anarquista, exerceu uma poderosa atração sobre os trabalhadores, gerando a crítica cerrada das folhas
libertárias:

O que mais nos desagrada e indigna é que são sobretudo os operários que levam os filhos e as mulheres ao apalpamento e
beliscão no meio da turba ébria e inconsciente e que depois têm escrúpulo — os patifes — de lhes darem a ler algum opúsculo
ou de as levarem a alguma conferência de propaganda pela emancipação, pela redenção deles próprios, deste corrupto meio de
rufiões, padres e policiais.84

Por maiores que tenham sido as diferenças de meio social, a atitude ascética dos libertários brasileiros
se assemelhava à dos anarquistas andaluzes, descritos por Hobsbawm, com sua recusa a ouvir falar de
religião, as tendências vegetarianas, a repulsa ao álcool, ao fumo, à promiscuidade dos sexos. Hobsbawm
vincula esse comportamento ao desejo de não apenas destruir o mundo do mal como de rejeitá-lo
imediatamente. O anarquista consciente era um revolucionário no sentido mais completo que um
camponês andaluz podia conceber, condenando o passado em bloco; era, de fato, um milenarista.85 A
rejeição da vida mundana integrou, porém, a prática da vida de aldeia na Andaluzia, nos anos 1930, até a
ocupação franquista. Os libertários brasileiros não puderam viver essa experiência, a não ser em seu
reduzido círculo. As normas puritanas que adotaram estavam implícitas no ideal anarquista de
solidariedade, mas foram reforçadas pela condição de pequeno grupo de “eleitos”, apóstolos da
transformação radical de um país tão distante dela. Tentaram assim viver aqui e agora seu restrito milênio
cuja extensão à sociedade sentiam ser uma tarefa para várias gerações.

B) Um instrumento
Mais importante talvez do que o frágil sindicato, o jornal constitui um dos principais centros
organizatórios anarquistas e de difusão da propaganda. Veículo de expressão escrita, transforma-se
também com frequência em veículo oral, ao ser lido em voz alta para os trabalhadores analfabetos.
Quando consegue manter certa continuidade ao longo dos anos, espelha as condições do movimento
social. Nas fases de ascensão, predomina o esforço por ressaltar uma linha política associada ao noticiário
da vida dos trabalhadores nas empresas, das tentativas de organização sindical e das greves; nas fases de
descenso, a linha política e o noticiário se diluem, ganhando destaque um doutrinarismo tendente a se
transformar em catecismo monótono. Inovadora e mesmo insólita em seu conteúdo, a folha anarquista
está presa às formas de seu tempo, com uma linguagem em regra rebuscada, as imagens de gosto
neoclássico, onde despontam as figuras femininas simbolizando a liberdade, os poemas acadêmicos que
exaltam a emancipação futura ou descrevem a miséria presente dos trabalhadores.
Em fins do século XIX, L’Avvenire, II Risveglio (São Paulo, 1893), Gli Schiavi Bianchi (São Paulo), O
Despertar (Rio de Janeiro, outubro de 1898), O Protesto (Rio de Janeiro, 1899) estampam em seus títulos
as primeiras tentativas da propaganda, a referência crítica a uma sociedade recém-saída da escravidão
que começa a construir uma ideologia de igualdade e progresso.86 Esses jornais tiveram uma vida
efêmera e deram lugar a publicações mais regulares, fruto de certo reforço dos quadros anarquistas e das
lutas operárias. A Perra Livre, O Amigo do Povo, La Battaglia, A Lanterna foram os jornais de duração
mais longa publicados no período, em São Paulo. À frente da maioria deles, estavam alguns quadros
estrangeiros já formados nas concepções libertárias, que chegaram ao Brasil entre fins do século XIX e
princípios do XX. La Battaglia foi fundada por Oreste Ristori, italiano proveniente do Uruguai. Lembrado
como grande propagandista e orador, Ristori sofreu duas deportações do Brasil, a última em 1936. Juntou-
se à Brigada Internacional durante a Guerra Civil da Espanha, sendo morto na Itália, como refém dos
nazistas em 1944.87 Em princípios de 1912, assumiu a direção do jornal Luigi (Gigi) Damiani, uma figura
de traços psicológicos diversos de Ristori — “homem de poucas palavras e de sorriso irônico” —, mas com
formação semelhante. Chegado ao Brasil em 1899, proveniente da Itália, onde já fora perseguido como
anarquista, passou seis anos no Paraná. Aí trabalhou como pintor de paredes e fundou um jornal,
procurando influir sobre os trabalhadores locais. Colaborou com frequência em La Battaglia, antes de
assumir sua direção em O Amigo do Povo, e foi expulso do Brasil em 1919, na vaga de deportações
daquele ano, tornando-se bastante conhecido nos círculos anarquistas europeus por sua atividade na
Itália, ligado a Malatesta.88 À frente de O Amigo do Povo, participando da direção de A Terra Livre, da
revista Aurora, surgia a figura tímida, avessa às aparições públicas, de Gregório Nazianzeno de
Vasconcelos — Neno Vasco. Foi ele talvez o mais lúcido expositor das ideias anarquistas do período,
combinando a capacidade de perceber as alternativas centrais da estratégia libertária com a análise das
condições da sociedade brasileira, além de ter sido um eficiente organizador. Nascido em Portugal, filho
de um rico comerciante, chegou ao país em 1900 ou 1901, após obter o grau de bacharel em direito por
Coimbra. Sua permanência no Brasil estendeu-se até abril de 1911, quando regressou a Portugal, onde
morreu em setembro de 1920.89 Ao lado de Neno Vasco, na direção de A Lanterna, na atividade sindical, o
brasileiro que acabou por simbolizar todo o movimento anarquista. Embora nascido no interior de São
Paulo (Mogi Mirim, 1881), Edgard Leuenroth formara suas concepções entre a redação dos jornais e o
bairro operário do Brás, onde viveu grande parte da vida. Tipógrafo aos catorze anos, a seguir jornalista,
teve uma breve inclinação para o socialismo, no contato com o socialista baiano Estêvão Estrela. Por volta
de 1903, iniciou sua longa militância sindical, no Centro Tipográfico de São Paulo, e aderiu ao
anarquismo.90
Nenhum jornal explicitamente anarquista do Rio de Janeiro (Novo Rumo, A Guerra Social, Na
Barricada) conseguiu manter-se por muito tempo, com exceção significativa de A Voz do Trabalhador.
Embora surgisse como jornal da COB, assumiu as posições do anarcossindicalismo aí dominantes,
convertendo-se em um exemplo de equilibrada combinação entre a divulgação teórica, a propaganda e a
temática do movimento operário. Sobretudo em sua primeira fase, constituiu-se também em um canal de
expressão dos problemas dos trabalhadores no nível da empresa.91

C) O núcleo dirigente
No primeiro número do jornal que iria se transformar no mais influente órgão anarquista, comentava-se
com melancolia que a propaganda tinha mais de duas décadas, mas era intermitente, seguida de quando
em quando de agitações populares e mobilizações da classe operária. Até hoje — dizia A Plebe ao apelar
para uma iniciativa maior — “os nossos camaradas quase que atestam sua adesão ao movimento libertário
tomando assinaturas dos jornais, dando alguma subscrição”.92
O comentário de A Plebe era em grande parte, mas não inteiramente, verdadeiro. Apesar da sua
fraqueza numérica,93 da inconsistência organizatória, os anarquistas constituíam a maioria da vanguarda
operária e, ao menos, figuras de respeito para a grande massa. Tinham sido os maiores responsáveis pelos
esforços em construir um sindicalismo revolucionário, haviam se integrado nas maiores mobilizações do
período. Por volta do início da Primeira Guerra, o núcleo libertário de vanguarda reunia condições para se
pôr à cabeça de lutas mais amplas, influindo diretamente em seu rumo, como se tornaria claro nos anos
1917-20.
A ausência de uma estrutura formal do movimento anarquista torna precária qualquer tentativa de
traçar os limites desse núcleo. Aqui não há comitês centrais, direções regionais abertos à análise. Há
figuras cuja maior ou menor continuidade militante varia no tempo e, embora a definição de um grupo
dirigente possa ser feita por critérios relevantes (organizador da imprensa, do movimento operário, alvo
especial de repressão etc.), nem sempre eles são suficientes para estabelecer uma diferença com os
ativistas. Utilizando os critérios apontados, selecionei 33 nomes, entre os anos 1900-17, abrangendo onze
pessoas pertencentes grosso modo à média burguesia intelectual e 22 trabalhadores manuais.94 A
discriminação por ramo de atividade do último grupo revela a presença de dez gráficos; quatro operários
da construção civil;95 um sapateiro (Antonio Nalipinski); um chapeleiro (José Sarmento Marques,
responsável pelo jornal sindicalista O Baluarte, deportado do país em 1917); um estivador (Manoel
Campos) e cinco pessoas que não é possível ligar especificamente a um ramo: Manoel Perdigão Saavedra
e João Perdigão Gutierrez — cuja atividade concentrou-se em Santos —, José Romero, Pedro Matera e José
Elias da Silva.
Um ramo numericamente restrito, onde os anarquistas nem sempre predominaram — o dos gráficos —,
surge como dominante. A profissão desenvolve a capacidade organizatória e o domínio do jornal como
instrumento. É em volta da imprensa que se formam, aliás, várias figuras definidas como pertencentes à
classe média intelectual — Leuenroth, Astrojildo, Palmeira. No grupo dos trabalhadores gráficos se
encontram um líder da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, Ulisses Martins; o diretor de Novo Rumo e um
dos organizadores do Primeiro Congresso Operário, Luiz Magrassi; o secretário da COB, Rosendo dos
Santos; Mota Assunção, Manuel Moscoso, Carlos Dias, Everardo Dias, Antônio Bernardo Canelas, João da
Costa Pimenta, Florentino de Carvalho.96
Em contraposição aos gráficos, os têxteis — quantitativamente importantes — não estão representados.
José Romero e Pedro Matera, que se dedicaram particularmente a sua organização, não podem ser
considerados integrantes da categoria. Uma figura operária de grande prestígio entre a massa dos
tecelões surgiria por volta de 1919, a princípio ligada aos anarquistas. Trata-se de José Righetti — um dos
representantes da União dos Operários em Fábricas de Tecidos de São Paulo no Terceiro Congresso
Operário (1920), profundamente envolvido nas lutas da categoria desde então. Nos anos 1920, tornou-se
sindicalista desligado do anarquismo e logo após a Revolução de 1930 esteve à frente das greves têxteis,
associando-se ao mesmo tempo com o general Miguel Costa.
Refletindo as condições da industrialização brasileira da época — com suas longas jornadas de
trabalho, a presença da mão de obra feminina e infantil —, o proletariado de fábrica quase não aparece no
grupo dirigente. Seu campo de atividade liga-se muito mais à pequena organização informal na empresa,
que emerge no instante das greves, deixando traços impessoais de uma linha de lutas de base, talvez
contínua, mas difícil de reconstruir.
É significativo observar também a quase inexistência de elementos do setor de serviços no núcleo
dirigente libertário, como um indício de suas dificuldades em organizar essa área estratégica.
Por toscos que sejam os dados, a supremacia dos trabalhadores manuais sobre os intelectuais de classe
média é indicativa das raízes do anarquismo entre os elementos de vanguarda das camadas dominadas.
Em uma época em que uma forte dose de autodidatismo está presente em ambos os grupos, separados
mesmo um pouco artificialmente, seria errôneo pensar em uma subdivisão de funções muito clara no
interior das fileiras anarquistas; se alguma distinção intelectual se pode fazer, por exemplo, entre Gigi
Damiani e Fábio Luz, ela favorece o primeiro e não o segundo. Mas, a partir dessa constatação, ainda fica
por esclarecer o alcance da influência libertária sobre o movimento operário e as relações difíceis de
decifrar entre o movimento e a própria classe.

SOCIALISMO

A história do socialismo foi a história do pequeno círculo, com escassa penetração nos meios populares.
Cronologicamente, porém, nos últimos anos do século XIX e em princípios do XX, os sinais da atividade
socialista em São Paulo eram mais visíveis do que o anarquismo. Dentre os vários centros criados nessa
época, conservam-se maiores traços do Centro Socialista de Santos, fundado em 1895, por Silvério
Fontes, Sóter de Araújo e Carlos Escobar, após uma primeira tentativa em 1889.97 O surgimento desse
grupo em Santos guarda relação com as condições específicas da cidade: núcleo de propaganda
republicana e abolicionista, já concentrava no porto um contingente de trabalhadores que começava a
realizar algumas greves de certa importância. É difícil esclarecer se os componentes do grupo tinham
algum conhecimento direto do marxismo. O artigo de apresentação de seu quinzenário A Questão Social
revela a influência evolucionista e uma propensão pelo reformismo. Depois de afirmar que o socialismo é
“o resultado de estudos acurados de uma plêiade de pensadores, representando o primus inter pares Karl
Marx”, o artigo estabelece como objetivo do jornal a luta tenaz “para que sejam mais rápidos os efeitos do
movimento evolucionista científico”, visando à nova organização da sociedade. Ao mesmo tempo, rejeita o
caminho de uma “agitação revolucionária”, dadas as condições gerais existentes no país.
Um modelo social claramente evolucionista fundamenta o pensamento de um dos mais conhecidos
socialistas da época, Antonio Piccarolo, doutor em literatura, filosofia e direito pela Universidade de
Turim, que chegou a São Paulo nos primeiros anos do século XX. Sua versão do materialismo histórico em
O socialismo no Brasil ressoa como um eco spenceriano e não como uma síntese das ideias de Marx e
Engels.98 Concebidos como uma lei natural interna a cada sistema societário, os modos de produção se
reproduzem rigorosamente em todos os povos, embora as fases de desenvolvimento possam ser mais ou
menos rápidas. Como manifestação da natureza, a história também não dá saltos. A inelutabilidade desse
processo leva os imigrantes a estabelecer nos países novos a escravidão já superada em suas pátrias. No
Brasil, a Lei Áurea fecha o período escravista e abre outro que, segundo as leis da evolução, só poderia
ser o período feudal, reproduzindo as condições específicas do ano 1000 à Revolução Francesa. À noção
de escassa distinção de classes, Piccarolo acrescenta uma nota característica da visão do imigrante: a
classe dominante se forma de brasileiros tradicionais; dela se distinguem os recém-chegados, os quais
“trabalham, produzem e aguentam a política dos outros”. Os que irão constituir a futura burguesia
industrial e comercial, mesmo compreendendo as vantagens da política, ainda não se consideram em
condições de lutar, enquanto à classe operária nascente falta consciência de classe. E Piccarolo se
pergunta: quando chegará o dia em que a burguesia brasileira, formada por esses “homines novi” que
representam a moderna indústria, se decidirá a fazer o seu 1789? E quem será o Babeuf que guiará o
proletariado brasileiro à sua primeira derrota que representará também sua primeira vitória?99
Descartadas as diferenças de ênfase, a noção de uma série evolutiva linear de modos de produção teria
uma grande ressonância na ideologia marxista vulgar, anos mais tarde. Ao mesmo tempo, apesar de
conceber a sociedade brasileira como um sistema tendente a repetir as etapas históricas da Europa
ocidental, Piccarolo não deixou de descrevê-la em sua especificidade, situando-se em plano superior à
regra do discurso libertário.
A atividade dos socialistas, após a curta vida do Centro Socialista de Santos, concentra-se em torno da
Liga Democrática Italiana e do jornal Avanti, publicado intermitentemente a partir de 1900, sob a
responsabilidade de Alceste de Ambrys. O surgimento do jornal coincide com uma conjuntura econômica
adversa, em cujo curso se originam em São Paulo alguns sindicatos e as primeiras greves têxteis. As
tentativas iniciais de organização da categoria partem do grupo socialista que chega a conseguir um
efêmero êxito: em uma reunião realizada na Liga Democrática, em agosto de 1901, há seiscentas
inscrições para o sindicato têxtil, comparecendo vários delegados de fábrica.100 No correr daquele ano,
com o engenheiro Alcebíades Bertolotti à frente, os socialistas tinham acompanhado comissões de
operários em várias greves e obtido algum prestígio. Desde esse tempo, seu propósito consistia em fazer
reconhecer os direitos da classe operária para aumentar concomitantemente as possibilidades de
conciliação social. Logo após a primeira greve desfechada na empresa Regoli & Crespi, dizia o Avanti que
“a formação dos sindicatos — e tenham isto presente também os industriais — é um remédio preventivo
das greves, para torná-las menos frequentes, menos impulsivas, sempre mais razoáveis e pacíficas; pois a
organização forte e compacta impõe por si só muitas vezes mais do que cem greves”.101
Foi nesse clima de relativo ascenso que se realizou em São Paulo o Segundo Congresso Socialista, entre
28 e 1o de junho de 1902, com a presença de pouco mais de cinquenta pessoas.102 Como resultado do
encontro, criou-se uma comissão encarregada de organizar um partido e de fazer executar o programa
aprovado. O manifesto introdutório ao programa oscila entre um ritualismo marxista e a defesa de um
partido democrático policlassista.103 Toda sua primeira parte inspira-se no Manifesto Comunista. A
história da sociedade é a história da luta de classes, reduzida na sociedade atual a duas classes
fundamentais e antagônicas: a burguesia e o proletariado. Na raiz desse antagonismo, que se concretiza a
partir do desenvolvimento da grande indústria, está o fato de que, enquanto os capitalistas dispõem dos
meios de produção, os operários dispõem apenas de sua força muscular ou de suas aptidões intelectuais e
se veem compelidos pela necessidade primordial de viver a ceder sua força de trabalho por uma vantagem
inferior à que eles próprios produzem. O Estado é a “vera efígie da burguesia”. Sua intervenção se faz
sempre no sentido de amparar os interesses dos espoliadores, e as contramarchas resultam da maior
força dos que clamam. Daí a necessidade — expressa no programa máximo — de organizar o proletariado
em partido de classe, com o objetivo de alcançar o poder, para transformá-lo de agente de exploração
capitalista em instrumento para anular o monopólio econômico e político da classe dominante.
Mas, não obstante a menção expressa ao socialismo, ao “brado simbólico” de Karl Marx, outro discurso
se insinua no texto. Nele, o reformismo de origem europeia se funde com os estereótipos da grandeza
geográfica da pátria e do caráter brasileiro. Do partido socialista devem fazer parte todas as pessoas que,
por sentimentos humanitários, ou pela razão, estejam convencidas de que a felicidade do indivíduo está na
proporção direta do bem-estar econômico de todos os membros da sociedade. Monarquistas ou
republicanos desiludidos podem colaborar na tarefa das reformas, com o mínimo possível de comoções
violentas. E ao brasileiro, mais que a nenhum outro, compete colocar-se à frente do movimento; ao
brasileiro, cujo coração é reconhecidamente tão afetivo, tão altruísta, e cujo espírito é tão grande e tão
rico de ideias liberais, como é rica de elementos de vida a região em que nasceu, acariciadora e generosa
a natureza que o cerca.
O programa mínimo do partido, em quase todos os pontos uma reprodução do programa do partido
socialista argentino,104 contém uma parte de reivindicações específicas para a classe operária (oito horas,
proibição do trabalho de menores de catorze anos, limitação do trabalho das mulheres, do serviço noturno
etc.) a ser alcançadas através da pressão sobre o Estado e de seu reconhecimento no plano legislativo.
Propõe-se a luta pela revogação dos artigos do Código Penal que limitam o direito de greve e a ação das
associações de resistência, espera-se que o Estado seja compelido a pagar comissões inspetoras das
condições de trabalho nas fábricas, oficinas e fazendas, eleitas pelos trabalhadores. No campo da reforma
das instituições, o programa defende o divórcio, a instrução laica e obrigatória aos menores de catorze
anos, o voto para todos os cidadãos inclusive as mulheres após os dezoito anos. Curiosamente, não há
expressa referência à grande panaceia dos anos 1920 — o voto secreto. Por sua vez, é clara a intenção do
grupo socialista de integrar a massa imigrante na vida política, quando advoga o reconhecimento da
cidadania brasileira a todos os estrangeiros com um ano de residência no país. Proposta de pouca
ressonância, pois, como dizia um crítico dessa integração, a massa dos italianos não estava disposta a
naturalizar-se, preferindo assegurar o relativo amparo de seu governo.105 A noção de desenvolvimento
nacional está ausente do programa, recusando-se o protecionismo na área do comércio exterior. Ao lado
de medidas tributárias redistributivas como o estabelecimento do imposto direto e proporcional sobre a
renda, o imposto progressivo sobre a herança até sua extinção, postula-se a abolição do imposto
alfandegário, vinculada à expectativa de reduzir o preço de bens de consumo.
Apesar das tentativas de aproximar-se da classe operária, é claro que aí não se encontrava o pequeno
público dos socialistas. Desde seus primeiros números, o Avanti publicava uma página de anúncios onde
ostentavam suas qualidades, restaurantes que serviam macarrão à napolitana e vinho de Salerno, médicos
e cirurgiões formados nas universidades italianas, dispostos a dar consulta gratuita aos pobres,
fabricantes de chapéus, proprietários de oficinas gráficas capazes de executar trabalhos artísticos. O
grupo dos organizadores era constituído de elementos da classe média intelectual e de alguns gráficos,
dentre os quais se destacou Valentim Diego, desde os primeiros anos do século XX. A categoria dos
gráficos foi, aliás, a única em que os socialistas tiveram alguma influência duradoura em São Paulo: a
União dos Trabalhadores Gráficos, fundada em março de 1904, assumiu em muitos momentos uma atitude
trade-unionista e de seu seio partiram propostas de formar partidos operários com inclinações
reformistas.106
Do ponto de vista programático, os socialistas se colocavam em um plano aparentemente superior com
relação aos anarquistas, ao pretender atuar na esfera política, ao compreender a necessidade de
estabelecer um programa mínimo democrático, de pressionar o Estado no sentido da extensão da
cidadania social e política, ao afirmar o objetivo de formação de um partido. No entanto, suas propostas
em princípio mais viáveis tiveram insignificante ressonância. As razões do fracasso se encontram nas
condições objetivas da sociedade brasileira. A constituição de um partido de tipo socializante dependia de
uma base de apoio entre as camadas médias urbanas e núcleos operários, assim como de certo grau de
legitimação por parte da classe dominante. As camadas médias urbanas dissidentes inclinaram-se no Rio
de Janeiro, como já se acentuou, por algumas tentativas de “aliança para baixo”. Mas essas tentativas,
além de débeis, não se voltavam para a organização horizontal da sociedade civil, tendo como objetivo
básico o ataque imediato ao aparelho de Estado.107 No que se refere aos núcleos operários, a atração por
um socialismo moderado dependia da margem existente no país para as reformas sociais e para a
participação no sistema político, na realidade muito reduzida.
Aos olhos dos operários de vanguarda, o reformismo encerrava assim paradoxalmente um vício que
seus defensores mais exorcizavam: a noção pragmática de que o importante é o movimento e o chamado
fim último do socialismo não é nada, convertia-se, nas condições brasileiras, em uma utopia.
Por contraste, o exemplo do êxito relativo do Partido Socialista argentino é revelador. A viabilidade de
seu projeto se assenta nas condições conhecidas daquele país nos últimos anos do século XIX: intensa
acumulação de capital com base na matriz agrária; rápido surgimento de um setor industrial e de
serviços, no bojo de um processo histórico no qual tinham estado ausentes as relações escravistas e o
grau de inserção no sistema colonial fora muito menor. Tais premissas conferem viabilidade ao projeto de
“modernização política” elaborado em especial por Justo, sob influência direta bernsteniana. O
fortalecimento do socialismo reformista se baseia na ampliação dos graus de participação política, em
alguns resultados obtidos pela via das pressões reivindicativas sobre o Estado, na crescente aceitação por
parte dos círculos dirigentes de um partido “socializante civilizador”, integrado nas pautas liberais
oligárquicas e capaz ao mesmo tempo de refrear o alcance do anarquismo.108 Condições ausentes no
Brasil, onde a morte do jacobinismo não dá lugar a pressões democratizantes de nenhum tipo de partido
radical; onde o Estado não se vê forçado a fazer concessões às débeis camadas populares urbanas; onde a
fragilidade do anarquismo e do movimento operário tornam desnecessário o papel moderador de um
partido reformista.
Mas os partidos socialistas que lograram consolidar-se na América Latina, antes da Revolução Russa,
contiveram em seu interior, esquematicamente, tendências reformistas e revolucionárias, em escala
variável. Tanto assim que, no início dos anos 1920, ou houve a adesão dos Partidos Socialistas à III
Internacional com algumas dissidências (Chile, Uruguai) ou de suas fileiras originaram-se grupos
favoráveis à adesão, como é o caso do Partido Socialista Internacional argentino. A inexistência de um
Partido Socialista no Brasil significou também a falta de um núcleo inclinado às posições do marxismo
revolucionário, resultando na forma específica tantas vezes citada da constituição do Partido Comunista
por uma crise no interior do anarquismo. A constatação é banal, mas não seu significado. Qual a razão da
ausência de um núcleo desse tipo em um país onde a margem para o reformismo era tão escassa? Uma
parte da resposta à pergunta deveria ser encontrada na análise do sistema cultural, tarefa a que não me
proponho. Do ponto de vista das chamadas condições objetivas, o peso restrito da classe operária tornava
inviável o surgimento dessa espécie de direção prévia cujo projeto deveria basear-se na concepção do
proletariado como classe universal, capaz de liderar as camadas dominadas na transformação
revolucionária da sociedade. Nem chegara o tempo em que nações de base esmagadoramente agrária,
com base na experiência chinesa, iriam readaptar a seu âmbito específico os princípios do marxismo.
Lembre-se que, se o anarcossindicalismo voltou seu discurso e sua atividade para os trabalhadores
manuais, nem por isso privilegiou o proletariado como classe revolucionária. O alvo a alcançar consistia
em infundir a consciência libertária nas “massas exploradas” para a destruição de um sistema dominado
pelos “exploradores”. Faltavam assim no país as condições materiais objetivas para que se constituísse um
núcleo dirigente inspirado no socialismo revolucionário — os capitães sem exército, na expressão de
Gramsci.
2. O trabalhador urbano

As condições gerais do trabalho urbano no Brasil nos trinta primeiros anos do século XX são conhecidas,
correspondendo, nas empresas maiores, ao modelo de acumulação da primeira fase do capitalismo
industrial. Por toda parte, impera o reino da liberdade; a legislação fabril, essa “primeira reação
consciente e sistemática da sociedade contra a marcha elementar do processo produtivo”, é muito restrita
e ineficaz. Sobre o trabalhador recai não só a forma absoluta de extração do excedente como ainda a
contínua insegurança. Em regra, nada impede a despedida imediata após longos anos de serviço, os
acidentes frequentes não são indenizados, inexiste a previdência social; no horizonte, não se desenha a
expectativa da aposentadoria, por magra que seja. Tudo isso é trivial como trivial é a referência às épocas
de vigência do laissez-faire nas relações de trabalho e de início da intervenção do Estado. Convém, porém,
acentuar o alcance da interiorização da insegurança, pois começa-se hoje a esquecer outra trivialidade: o
enorme significado na consciência do trabalhador dos germes mitificados de sua quebra e o
correspondente rendimento político associado à imagem de Getúlio Vargas.
Se o quadro genérico é esse, as diferenças específicas de setor, de ramo a ramo, são muito grandes.
Quantitativamente, a estrutura da indústria se caracteriza pela pequena empresa, de mínima
capitalização e base técnica artesanal. Observe-se, entretanto, que as unidades maiores concentram uma
parcela considerável da população trabalhadora (tabela 2.1). Na pequena empresa predomina o operário
especializado, conhecedor do uso da ferramenta, prolongamento da mão e da habilidade manual.

TABELA 2.1
ESTADO DE SÃO PAULO E DISTRITO FEDERAL
CONCENTRAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS
SEGUNDO O NÚMERO DE OPERÁRIOS OCUPADOS — 1919
ESTABELECIMENTOS OPERÁRIOS OCUPADOS
OPERÁRIOS OCUPADOS
% %
SP DF SP DF

Até 4 57,3 30,5 6,4 2,1


De 5 a 9 21,7 22,9 6,7 4,2
De 10 a 19 9,8 19,9 6,3 7,4
De 20 a 49 5,1 15,4 7,9 13,3
De 50 a 99 2,5 5,0 8,2 9,7
De 100 a 199 1,7 3,6 10,9 13,9
De 200 a 499 1,1 1,8 17,2 13,7
De 500 a 999 0,6 0,4 19,7 8,5
1000 ou mais 0,2 0,5 16,7 27,2
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte, pp. 164-5.

A separação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho só se concretiza de fato no momento da


apropriação e nem mesmo está ainda inteiramente realizado o corte entre o operário e os instrumentos de
produção. Entre os gráficos, os sapateiros, há vários exemplos de trabalhadores que no curso das greves
retiram-se das oficinas levando suas ferramentas.
Nessa área e inclusive em certos ramos em trânsito para a mecanização, o operário pode encontrar
algumas fontes compensatórias das condições gerais de insegurança. Por exemplo, a maior satisfação no
trabalho — que assume excepcionalmente a forma extrema do lazer como prolongamento da atividade
profissional —1 combinada à identificação com o produto. De modo geral, a satisfação se mescla com a
responsabilidade. Em seu estudo da greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro, Maria Cecília Baeta
Neves dá um bom exemplo dessa consciência de artesão: durante o movimento a União Auxiliadora dos
Artistas Sapateiros denuncia o emprego de papelão por alguns industriais, expediente “formalmente
condenado pela arte cujos ideais cumpre à União defender”. Nas palavras da autora, “o sapateiro
identifica-se pessoalmente com o produto manufaturado, considerando-o como uma obra artística que
pode enaltecer ou denegrir seu confeccionador e toda a classe”.2
A menor distância social entre patrão e empregado completa o universo da pequena empresa. Estão aí
ausentes todas as mediações da hierarquia de comando. O patrão não constitui uma figura de difícil
acesso que detém o poder último, por razões de fortuna; sua presença é tangível e desperta menores
contradições. Saído com frequência dos meios operários, o pequeno empresário é antes um modelo viável
de ascensão para cada um de seus empregados; sua supremacia hierárquica se legitima pelo relativo êxito
do self-made man e não está dissociada do conhecimento da técnica profissional. Evite-se, porém, o
quadro idílico. A maior satisfação no trabalho, o menor distanciamento social não correspondem
objetivamente a uma comunidade de interesses nem são percebidos desse modo pelos trabalhadores.
Esses fatores dão origem a relações de oposição menos conflituosas, ao mesmo tempo que, em regra,
acrescem o poder de pressão e a margem das concessões.
Em contraste com a oficina metalúrgica, gráfica, a pequena empresa de mobiliário, a indústria têxtil é o
único ramo realmente fabril, apresentando o maior grau de mecanização, de concentração de operários
por unidade, de utilização de energia elétrica em lugar da precária máquina a vapor. Com algumas
exceções, referir-se ao proletariado de fábrica significa referir-se aos trabalhadores têxteis. Isso
transparece claramente, tanto no censo de 1907 como no de 1920 (tabelas 2.2 e 2.3).
Os números se tornam ainda mais expressivos com relação ao Rio de Janeiro, em 1907, se tomarmos
como indicador empresas com mais de mil operários. Há apenas uma, fora do ramo têxtil — Lage &
Irmãos, dedicada à construção naval com 1500 trabalhadores —, e quatro fábricas têxteis: a Cia.
Progresso Industrial, em Bangu (1651); a Aliança, em Laranjeiras (1650); a Confiança Industrial, em Vila
Isabel (1350); a Carioca, no Jardim Botânico (1300); sem contar a América Fabril com 1320 operários
distribuídos nas unidades do Andaraí, São Cristóvão e Raiz da Serra. Em 1919, em todo o país, o ramo
concentra 46% da força de trabalho industrial, chegando a 559 o número médio de operários nas
empresas de fiação e tecelagem.

TABELA 2.2
ESTADO DE SÃO PAULO E DISTRITO FEDERAL — CONCENTRAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS
INDUSTRIAIS POR RAMOS SEGUNDO O NÚMERO DE OPERÁRIOS OCUPADOS — 1907
SP DF

EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS


RAMOS COM 200 OU COM 500 OU COM 1000 OU COM 200 OU COM 500 OU COM 1000 OU
+ OPERÁRIOS + OPERÁRIOS + OPERÁRIOS + OPERÁRIOS + OPERÁRIOS + OPERÁRIOS

Alimentação 2 — — 1 1 —
Cerâmica 2 — — 1 — —
Construção de aparelhos de transporte — — — 1 1 —
Construção naval — — — 1 1 1
Metalurgia 3 — — 4 — —
Móveis — — — 1 — —
Química 1 1 — 1 — —
Têxtil 12 5 2 1 2 5
Vestuário e toucador 7 — — 6 — —

FONTE: Centro Industrial do Brasil. O Brasil: suas riquezas naturais, suas indústrias. Rio de Janeiro, 1907. Obs.: Está excluída a
agroindústria açucareira.
TABELA 2.3
ESTADO DE SÃO PAULO E DISTRITO FEDERAL — CONCENTRAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS
INDUSTRIAIS POR RAMOS SEGUNDO O NÚMERO DE OPERÁRIOS OCUPADOS — 1919
SP DF
EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS
RAMOS COM 200 OU COM 500 OU COM 1000 OU COM 200 OU COM 500 OU COM 1000 OU
+ OPERÁRIOS + OPERÁRIOS + OPERÁRIOS + OPERÁRIOS + OPERÁRIOS + OPERÁRIOS
Alimentação 4 2 1 5 2 1
Cerâmica 1 2 1 1 1 —
Construção de aparelhos de transporte — — — 2 1 —
Indústria cultural 1 — — — — —
Metalurgia 10 — — 3 — —
Móveis — — — 2 — —
Prod. e transf. de forças físicas — — ___ 1 — —
Química 5 1 — — — —
Têxtil 16 17 7 4 1 7
Vestuário e toucador 10 1 — 9 2 —

FONTE:Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte, pp. 294-5, e v. II, 2a parte, pp. 75-81. Obs.: Está excluída a agroindústria açucareira.
Não há dados da indústria de construção naval.

Os componentes clássicos do sistema de fábrica, analisados por Marx e Engels, se reproduzem no


interior da grande empresa têxtil. A introdução da maquinaria tende a reduzir o valor da força de trabalho
e lança ao mercado crianças e mulheres em maior proporção, embora o fenômeno não esteja restrito aos
têxteis.3 As mulheres, em 1919, são majoritárias no ramo no estado de São Paulo e representam uma
parcela significativa no Distrito Federal. Por sua vez, constituem maioria no ramo de vestuário e toucador
na capital da República e um contingente importante porém mais reduzido no estado de São Paulo
(tabelas 2.4 e 2.5).
A força muscular, associada à habilidade decorrente de um longo aprendizado, é substituída pela
simples tarefa de vigilância acrescida da flexibilidade manual. Na descrição de Engels, o trabalho
mecanizado, tanto na fiação como na tecelagem, consiste principalmente em reatar os fios que se
rompem, exigindo dedos ágeis. Os homens não só deixam de ser indispensáveis, como o desenvolvimento
maior dos músculos e dos ossos de suas mãos torna-os menos capacitados para esse tipo de serviço.4
Do ponto de vista salarial, os dados de 1919 indicam a inferioridade dos têxteis com relação a ramos
como metalurgia, calçados, mobiliário, onde em regra existe escassa mecanização e reduzida presença de
mulheres e crianças. De acordo com os dados referentes a todo o país, 63,2% dos têxteis adultos do sexo
masculino localizam-se na faixa mais baixa — os que ganham até 5$900 diários —, situando-se no outro
extremo a indústria do mobiliário, com 24,5%.5 Entretanto, considerados outros ramos de elevada
presença feminina e de menores, embora com menor índice de mecanização, a situação dos têxteis não é
particularmente desfavorável (tabela 2.6). Parece claro assim que a variável composição da força de
trabalho é mais relevante do que o grau de mecanização para determinar o preço da força de trabalho.

TABELA 2.4
DISTRITO FEDERAL
DISTRIBUIÇÃO DE OPERÁRIOS PELOS PRINCIPAIS RAMOS INDUSTRIAIS,
SEGUNDO O SEXO E A IDADE — 1919
DISTRIBUIÇÃO MAIORES DE 14 ANOS MENORES DE 14 ANOS TOTAL GERAL
RAMOS
GLOBAL % % %
% HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES

Têxtil 40,1 57,2 42,8 93,6 58,6 41,4 6,4 57,3 42,7
Alimentação 15,2 71,2 28,8 90,9 69,9 30,1 9,1 71,1 28,9
Vestuário e toucador 22,2 55,7 44,3 92,1 45,0 55,0 7,9 54,9 55,1
Cerâmica 4,9 94,3 5,7 84,9 96,6 3,3 15,1 94,6 5,4
Metalurgia 10,4 94,5 5,5 91,5 87,1 12,9 8,5 93,6 6,1
Químico e produtos análogos 7,2 69,2 30,8 91,8 69,1 30,9 8,2 69,2 30,8

FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte, pp. 254-5. Obs.: Com relação ao trabalho do menor, as proporções ficariam muito
alteradas se fosse adotado o critério de distinguir entre maiores e menores de dezoito anos. É muito indicativa a não
correspondência entre “minoridade civil” e “minoridade da força de trabalho”.
TABELA 2.5
ESTADO DE SAO PAULO
DISTRIBUIÇÃO DE OPERÁRIOS PELOS PRINCIPAIS RAMOS INDUSTRIAIS,
SEGUNDO O SEXO E A IDADE — 1919
DISTRIBUIÇÃO MAIORES DE 14 ANOS MENORES DE 14 ANOS TOTAL GERAL
RAMOS
GLOBAL % % %
% HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES
Têxtil 45,7 44,7 55,3 92,1 45,6 54,4 7,9 44,8 55,2
Alimentação 14,7 82,9 17,1 92,0 69,9 30,1 8,0 81,9 18,1
Vestuário e toucador 13,8 62,6 37,4 90,5 56,0 44,0 9,5 61,9 38,1
Cerâmica 12,3 88,6 11,4 94,7 81,2 18,8 5,3 88,2 11,8
Metalurgia 7,3 94,0 6,0 92,3 92,3 7,7 7,7 93,9 6,1
Químico e produtos análogos 6,2 71,0 29,0 97,4 66,4 33,6 2,6 70,8 29,2

FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte, pp. 270-1. Ver a observação da tabela 2.4.

TABELA 2.6
SALÁRIO MÉDIO NA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO, 1919
(MIL-RÉIS POR DIA)
ADULTOS MENORES
LOCAIS HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
INDÚSTRIA TÊXTIL
Distrito Federal 6720 5165 2479 2825
São Paulo 5729 4684 2211 2272
Brasil 5329 3738 1973 1994
INDÚSTRIA DA ALIMENTAÇÃO
Distrito Federal 5845 3856 2617 878*
São Paulo 5616 3567 2028 2403
Brasil 5111 2957 2004 1858
INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO
Distrito Federal 7582 4216 2376 2049
São Paulo 6382 3467 2142 1773
Brasil 6712 3652 2174 1885
INDÚSTRIA INDÚSTRIA
METALÚRGICA DE CALÇADOS
HOMEM ADULTO HOMEM ADULTO
FUNDIDOR TORNEIRO CORTADOR ACABADOR
Distrito Federal 6853 8887 8747 7679
São Paulo 8405 7506 5687 5286
Brasil 7483 8107 7656 7076

FONTE:Resumo de um quadro elaborado por Wilson Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo. Tese de doutorado.
Campinas: Unicamp, 1975, v. II, p. 124. A fonte é o Recenseamento de 1920, v. V, 2a parte, pp. XI-XVI.
* Provável erro tipográfico.

A indústria capitalista mecanizada associa em seus primeiros tempos tanto a exploração extensiva
como intensiva da força de trabalho. Do ponto de vista do empresário, o prolongamento da jornada
estende a escala da produção sem alterar a parte do capital investida em maquinaria e edifícios. Isso
ocorre sempre que se usa o expediente, mas no caso tem uma importância maior, pois a parte de capital
convertida em meios de trabalho torna-se mais relevante.6 Esse fato, aliado à fraca possibilidade de
resistência dos trabalhadores, explica a média proporcional mais longa da jornada de trabalho entre os
têxteis. Dados gerais levantados em São Paulo (1911) referem-se a dez a doze horas de trabalho no ramo,
ao passo que se trabalha oito horas na construção civil, nove na indústria de chapéus, nove a onze nas
fundições e oficinas mecânicas.7 Trata-se, porém, do que se considera a jornada normal de trabalho, além
da qual se paga por vezes maior remuneração de 10% a 25% sobre o salário ordinário. Há exemplos
extremos de cardadores que trabalham dezesseis horas por dia, das cinco às dez da noite, com uma hora
para refeição, ou da imposição do serviço aos domingos até às três da tarde.
A intensificação do trabalho combina formas veladas — o aumento de velocidade das máquinas, por
exemplo — com os incentivos materiais e a violência. O salário se torna proporcional não só ao número de
horas de trabalho como a seu raio de alcance: na fábrica Mariângela (São Paulo), em 1907, as tecelãs
ganham 2$000 diários, passando a 3$500 e 5$000 se dão conta respectivamente de dois ou três teares. Ao
mesmo tempo, o sistema de máquinas exige a observação, a continuidade da vigilância que o estilo das
construções procura reforçar, com suas paredes elevadas e as janelas abertas no alto, impedindo a visão
do exterior. No curso da jornada, coíbem-se as mínimas conversas, o uso das privadas por tempo julgado
excessivo.
Entre os incentivos e a extração do excedente pela coação aberta, o segundo expediente predomina.
Em linhas gerais, a visão do empresário industrial corresponde ao quadro traçado por Hobsbawm,
referindo-se ao empregador inglês de meados do século XIX. Os empresários consideram que a menor
folha de salário em pagamento ao maior número de horas se traduz no mais baixo custo do trabalho por
unidade de tempo; que o esforço dos trabalhadores não pode ser muito acrescido acima de determinada
norma, embora sejam muitas vezes demasiado preguiçosos para alcançá-la; que o problema da
produtividade se resolve pela mecanização combinada com disciplina; e que os incentivos são úteis
quando muito como simples auxílio a essa combinação.8
Não apenas a diferenciação de funções como a necessidade da disciplina impõem, no interior da grande
indústria, uma nítida hierarquia social. No topo, o patrão ou o diretor, figura de difícil acesso com quem os
trabalhadores não têm contato na vida cotidiana e que em regra se recusa a recebê-los por ocasião dos
conflitos coletivos; como instância intermediária — barreira estancadora das queixas coletivas — surge o
gerente; na base, o mestre e o contramestre, manifestações tangíveis da hierarquia. São eles os
responsáveis imediatos pela disciplina em geral, pela violência contra as crianças — expressão
exacerbada da pedagogia vigente na sociedade —, pela dupla exploração das mulheres como força de
trabalho e como objeto sexual. É contra eles que se volta, por sua vez, a fúria dos trabalhadores,
explodindo na troca de tijoladas, cacetadas, tiros.
Convém, entretanto, matizar o quadro da frontal luta de classes cotidiana. A introdução da força de
trabalho feminina e infantil resulta em novas fontes de atrito, mas também em mais de uma ambiguidade.
No plano afetivo, multiplicam-se as críticas ao comportamento de mestres e contramestres que chegam a
dar origem a grandes explosões coletivas. Assim, os trabalhadores das fábricas Aliança e Cruzeiro
deflagram a primeira grande greve têxtil da capital da República (agosto de 1903) porque uma operária,
ao voltar da maternidade, é despedida pelo mestre com quem tivera um filho.9 Porém, para os homens, o
trabalho feminino — excetuados os casos em que constitui suplementação do salário familiar — se
transforma em um temível concorrente. É possível entrever na reivindicação de igualdade salarial entre
os sexos, quando sustentada por eles, não apenas a defesa de um princípio mas uma necessidade
imediata. Em 1917, no curso de uma assembleia da União dos Operários em Fábricas de Tecidos do Rio de
Janeiro, convocada para discutir a situação existente em uma fábrica onde os tecelões estavam sendo
gradativamente substituídos por mulheres, um operário insurge-se contra esse processo em nome da
divisão tradicional dos papéis sociais:

nós não devemos ensinar (o trabalho) a essas mulheres que amanhã nos virão a substituir, mas devemos fazer-lhes
compreender que o seu lugar é em casa, a tratar e educar seus filhos […]; oxalá que elas saibam compreender seu papel de
educadoras daqueles que amanhã serão os nossos substitutos na luta do pão e na conquista do bem-estar da humanidade, pois,
assim, demonstrarão à sociedade serem as verdadeiras rainhas do lar; o papel de uma mãe não consiste em abandonar seus
filhos em casa e ir para a fábrica trabalhar, pois tal abandono origina muitas vezes consequências lamentáveis, quando melhor
seria que somente o homem procurasse produzir de forma a prover as necessidades do lar.10

Com relação ao trabalho infantil, as acusações contra os espancamentos, a denúncia de mutilações de


crianças pelas máquinas quando adormecem em serviço, demonstram a repulsa a seu emprego. Lembre-
se, contudo, que o trabalhador menor é com frequência proveniente da família operária, estabelecendo-se
uma espécie de triste pacto desigual entre adultos, em sua exploração. A imprensa anarquista recolhe
alguns desses casos: um relato das condições de trabalho na fábrica de tecidos Cruzeiro, no Andaraí,
refere-se à atividade das crianças ao lado dos pais, que parecem conformados com a brutalidade reinante;
caso extremo, na fábrica Carioca, uma menina é espancada pelo pai após ser esbofeteada e despedida
pelo mestre, por ter perdido um gancho para tirar algodão dos cilindros.11
A grande empresa têxtil, sobretudo quando localizada na periferia das cidades, tendeu a converter-se
em um núcleo até certo ponto autônomo, com a implantação de serviços que revelam a mudança de
comportamento de alguns industriais. Creches, jardins de infância, armazéns, restaurantes, casas
fornecidas pela companhia, assistência médica começaram a surgir em grau variável, em fábricas como a
Votorantim, a Maria Zélia dirigida por Jorge Street. Warren Dean vincula essa mudança de
comportamento a uma inspiração “behaviorista”, pela qual os operários passam a ser tratados como
extensão da maquinaria, ou a um paternalismo autoconsciente — forma de exploração mais racional da
força de trabalho.12 É provável que os benefícios, envolvendo um cálculo mais complexo, fossem
percebidos pelos trabalhadores como efetivas vantagens. De qualquer forma, a arregimentação nas
“modernas aldeias” resultou em fonte adicional de poder dos empresários sobre os trabalhadores, a ponto
de alcançar sua vida privada. Street impunha o toque de recolher às nove horas e a abstinência de
bebidas fortes. Na Votorantim, situada a alguns quilômetros de Sorocaba, os gerentes impediam as uniões
livres e obrigavam os operários a casar-se, sob pena de despedida. Eram frequentes os casos de revista
por guardas armados ou o controle das pessoas que iam visitar os operários. A escassez dos trens, o
elevado preço das passagens na estrada de ferro controlada pela companhia entre Votorantim e Sorocaba
indicam um interesse em evitar contatos amiudados com o mundo exterior.13 O fornecimento de casas de
aluguel pela grande empresa — não restrito aliás ao ramo têxtil — acentuou também o grau de
dependência dos trabalhadores. Em resposta às greves, eles foram com frequência desalojados de suas
casas ou delas arrancados à força e compelidos ao trabalho. Para ficar apenas em um dentre as dezenas
de exemplos, operários em greve da Vidraria Santa Marina (São Paulo, 1909) sofreram o despejo e foram
obrigados a viver em habitações precárias, construídas em um terreno baldio. Aí levaram por alguns dias
uma vida em comum, tratando de reforçar a resistência com o canto da Internacional e da Carmagnole —
a ronda revolucionária de 1793.14
Na indústria mecanizada, desaparece a relativa satisfação no trabalho e a tendência a identificar-se
com o produto. Incorporado como apêndice vivo a um mecanismo morto, o operário é submetido à triste
rotina em que repete continuamente o mesmo processo mecânico. O produto se configura, em sua
consciência, como resultado da atividade das máquinas, guardando uma relação distante com os
“apêndices vigilantes”. A imprensa operária denunciava seguidamente as multas impostas aos
trabalhadores por defeito de fabricação, atribuindo as falhas à má qualidade da matéria-prima. Sem
dúvida tinha razão nisso, e a própria multa constituía um instrumento de coação disciplinar ou de
deprimir o salário. Mas não haveria aqui, ao mesmo tempo, um indício de desinteresse do produtor pela
qualidade de um produto que lhe era literalmente estranho?
Entre a pequena unidade de base técnica artesanal e a fábrica, alguns ramos apresentam um quadro de
transição, como é o caso da indústria de calçados, cujas características (Rio de Janeiro, 1906) foram tão
bem descritas por Maria Cecília Baeta Neves. Ao lado da “oficina” quantitativamente predominante, há
um processo de concentração de capital nas mãos de alguns industriais que começam a modificar o
processo de produção em suas empresas e a absorver as que dependem de seu crédito. Enquanto o
trabalho domiciliar realizado sobretudo por mulheres e crianças se mantém, a mecanização dá nas
indústrias seus primeiros passos, constituindo o trabalhador das máquinas — onde se incluem muitos
menores — um grupo específico, ao lado dos antigos artífices.
A gradativa introdução de maquinaria, a consequente desvalorização da força de trabalho provocam em
certos ramos as despedidas, o ressentimento contra os novos recrutas do exército industrial. Procurando
enfrentar esses problemas no serviço de linotipia, A Voz do Trabalhador defende o uso das máquinas e a
manutenção no emprego de todos os trabalhadores, com uma jornada de quatro horas e salários mais
elevados. Associa, lucidamente, os dois últimos pontos à natureza do trabalho e sua intensidade, dizendo
que a posição do corpo e o emprego simultâneo de todos os sentidos do operador tornam a fadiga
inevitável ao cabo de quatro horas.15 Porém, a fadiga sem compensações associa-se também a atividades
com o dispêndio de grande energia muscular. No porto de Santos,

além dos horários obrigatórios, havia, todos os anos, o período das safras do café, forçando horários extraordinários, cujo
embarque era feito por processos desumanos, carregados nas costas dos trabalhadores. Os guindastes, então existentes, eram
hidráulicos e de pouco porte. Os navios ancoravam encostados uns aos outros, e o embarque do café se processava como um
formigueiro humano, carregando sacos nos ombros, subindo e descendo pranchas do cais para o convés dos navios e de um
navio para o outro. Na rua, o transporte era feito por carroças puxadas a burro, e os cocheiros corriam a pé, ao lado dos
animais […]. Os ferroviários, por falta de rodovias, trabalhavam descarregando galeras e vagões, e transportando nas costas,
até aos armazéns, onde era empilhado o café.16

Ao mesmo tempo, em alguns casos, a completa mecanização representa a superação de processos que
arruinavam a saúde do trabalhador:

Na Vidraria Santa Marina, as garrafas e outros recipientes grosseiros de vidro que lá se fabricavam eram feitos à força de
sopros humanos. O operário vidreiro, passava o dia, de manhã à noite, junto às matérias incandescentes e tinha que encher as
bochechas de ar, forçar os pulmões e soprar em canudos […]. Fazia isso durante 10 a mais horas por dia, até ficar tuberculoso
[…]. Este processo de trabalho levou à greve os operários vidreiros que pleiteavam uma modernização do fabrico, substituindo
o sopro humano pelo ar condicionado, artificial, comprimido.17

Entre os têxteis não faltaram denúncias contra a lançadeira, instrumento que os tecelões levavam à
boca para “chupar” o fio da trama, responsável pelo contágio de moléstias, pela absorção de pó e anilinas.
A reunião operária de 1913 pediu que se proibisse seu uso e se utilizassem os processos mecânicos
vigentes na Europa.
A mobilização dos trabalhadores entre os fins do século XIX e os primeiros anos da Guerra Mundial tem
limites bastante conhecidos. Sua fraqueza está estampada na baixa representatividade e descontinuidade
da organização sindical, na história de seguidas derrotas dos movimentos coletivos. Por vezes, o sindicato
nasce de um pequeno núcleo cujo esforço não logra correspondência na categoria que pretende
representar ou resulta do entusiasmo despertado por uma greve, sem conseguir desprender-se de sua
origem. À medida que o entusiasmo decai, o organismo começa a declinar até se transformar em uma
simples referência nominal. As federações regionais e a confederação nacional não poderiam deixar de ter
uma história semelhante. A Federação Operária de São Paulo nasce em fins de 1905, reunindo em sua
fundação a União dos Chapeleiros, a Liga dos Trabalhadores em Madeira, a Liga dos Pedreiros e a União
Internacional dos Sapateiros. Esses sindicatos, com raras exceções, são pouco expressivos, abrangendo
núcleos reduzidos de ativistas. A Federação Operária surge em consequência dos esforços desses grupos
e não como resultado do crescimento das ligas que a integram.18 Sua presença ativa em alguns momentos
— como na greve dos ferroviários da Companhia Paulista, em 1906 — decresce ao longo dos anos até
desaparecer pouco antes da Primeira Guerra Mundial. A Federação Operária do Rio de Janeiro — que se
origina da Federação das Associações de Classe no Estado do Rio, criada em outubro de 1903 — promove
o Primeiro Congresso Operário, mas entra em declínio após cair em “mãos ineptas e impuras”, sendo
reorganizada a partir de maio de 1912. A proposta de criação da COB é aprovada no Congresso de 1906,
concretizando-se apenas em março de 1908. Em grande medida, sua existência se limita ao Rio de
Janeiro, onde se confunde com a Federação Regional. Após publicar os primeiros números de A Voz do
Trabalhador e realizar manifestações contra a lei de sorteio militar, o fuzilamento de Ferrer na Espanha,
deixa praticamente de ter existência. Reaparece em janeiro de 1913 e tem uma vida ativa até a entrada da
Primeira Guerra Mundial: promove o Segundo Congresso Operário (setembro de 1913), organiza comícios
contra a carestia, denuncia as condições de trabalho, a lei de expulsão de estrangeiros, envia
representantes ao Nordeste para tentar estender seu raio de influência. A depressão iniciada em 1914
iria, porém, arrastá-la à crise e a um virtual desaparecimento.19
A fraqueza do movimento operário não é apenas um dado da realidade, constatado a posteriori, mas
integra a consciência dos contemporâneos. Anarquistas e socialistas procuram seguidamente desvendar
as razões dessa fraqueza, com argumentos nada desprezíveis. Respondendo a um inquérito promovido por
A Guerra Social sobre o problema, Neno Vasco identifica as dificuldades centrais na composição da classe
operária e na estrutura da indústria. Elementos incultos, provenientes do trabalho agrícola de caráter
colonial, com ressaibos da escravatura recente, combinam-se nas regiões do sul com os trabalhadores
imigrantes. Estes são em geral rústicos, saídos de regiões miseráveis, desejando apenas juntar um pecúlio
e voltar à pátria. Não se deve, entretanto, culpá-los porque há até antigos propagandistas que pensam em
“fazer a América” e regressar à Europa. Por seu turno, a incipiência da estrutura industrial reforça as
dificuldades, pois impede a suficiente coesão e homogeneidade dos trabalhadores. O Avanti, apesar das
diferenças ideológicas, descreve um quadro análogo, ao qual se acrescentam mais alguns elementos: o
caráter descontínuo do processo de industrialização que redunda em uma instabilidade dos efetivos da
classe; a possibilidade de ascensão social dos elementos mais ativos; as relações muito próximas entre
patrão e trabalhador na pequena empresa.20
O comportamento operário vincula-se ao débil padrão organizatório. A solidariedade, a aberta rebeldia
— como opção de consciência ou resposta a condições insuportáveis de vida — são frequentes mas têm
uma feição heroica, tendo-se em conta essa debilidade e a natureza do sistema de dominação. Não é
surpreendente por isso o conformismo revelado pelos inconscientes, “trabalhadores que se não
consideram com mais valor do que uma besta de carga”, ou a aberta capitulação dos “krumiros”,
apontados ao desprezo da classe como “sabujos, traidores, no último grau da abjeção e da imundície”.
Mas a recusa da mitologia do movimento operário pode ter como contrapartida uma visão
desqualificadora da mobilização dos trabalhadores, identificada em expressões do tipo “explosão
repentina”, “resposta automática a condições insuportáveis de existência”. Com essa ênfase na
espontaneidade economicista, correm-se pelo menos dois riscos. De um lado, tende-se a ignorar a história
da organização dos trabalhadores — que não se restringe às associações formais — e os vínculos, por
débeis que sejam, entre a organização e os movimentos coletivos; de outro, empobrece-se a imaginação
social da classe operária, reduzindo-a quase a um reflexo das condições materiais existentes. Não é
possível também esquecer o óbvio: em uma sociedade recém-saída da escravidão, a organização operária
aparece como o primeiro movimento social das camadas dominadas voltado, por seus objetivos
manifestos, modelos ideológicos, métodos de ação, para a mudança de aspectos básicos da estrutura do
poder.
No interior do quadro genérico de fraqueza do movimento operário e das ações coletivas, as distinções
de setor a setor, de ramo a ramo, combinadas com as de natureza regional, de composição étnica da
classe trabalhadora, têm particular interesse.
O setor de serviços (ferrovias e portos) é estrategicamente o mais relevante, dele dependendo o
funcionamento básico da economia agroexportadora, assim como o que apresenta o maior grau de
concentração de trabalhadores. Essa determinação estrutural tenderá a se impor ao longo do tempo, na
década de 1920 e sobretudo na primeira metade dos anos 1930, quando ferroviários e portuários se
converterão no núcleo mais estável do sindicalismo brasileiro. Mas a tendência ao fortalecimento
organizatório terá sua história marcada por não poucas vicissitudes. Na medida em que o padrão das
relações de dominação se caracteriza pelo enfrentamento aberto de classes, a relevância setorial resulta
em uma ambiguidade: o sindicalismo independente é reprimido com severidade; as greves — muito
significativas por suas repercussões econômicas — enfrentam por isso mesmo uma violenta resposta
repressiva.
Do ponto de vista da qualificação profissional, a força física constitui um fator favorável aos
trabalhadores. As repetidas tentativas de substituir portuários por ocasião das greves esbarram sempre
nessa dificuldade. Em Santos, por exemplo, durante a grande paralisação das docas entre dezembro de
1920 e janeiro de 1921, elementos recrutados no Rio, “dos baixos fundos sociais” na linguagem da
imprensa anarquista, acabam por se revelar inadaptados ao trabalho e provocam vários conflitos entre si.
Entretanto, a especialização de certas tarefas — maquinista, foguista, entre os ferroviários — produz
consequências contraditórias. Instrumento de elevação salarial, de maior poder de barganha, acentua a
divisão hierárquica interna dos trabalhadores, com consequências gerais bastante negativas nos
momentos de conflito aberto. O exemplo da greve de marítimos cariocas dos primeiros meses de 1921,
embora fuja cronologicamente ao período que estou considerando, pode ser tido como exemplar. De
acordo com o relato da imprensa libertária, a greve começa pelos sempre esquecidos taifeiros,
estendendo-se depois aos marinheiros. Em um segundo momento, os foguistas entram em cena, a
princípio confraternizando-se mas logo pretendendo impor uma “humilhante autocracia política” aos
taifeiros, que ficam sozinhos por não aceitarem a tutela. Afinal, os vários grupos se desentendem e cada
qual procura o socorro de protetores estranhos ao meio operário: os marinheiros apelam ao ministro da
Viação e os foguistas ao nacionalista Alcebiades Delamare, chefe de um núcleo de fascistas.21 Por outro
lado, nas situações extremas, a greve de setores especializados convida à intervenção estatal direta, pois
só a Armada está em condições de substituir certo tipo de grevistas.
No estado de São Paulo, as greves em serviços não são só qualitativa como quantitativamente
dominantes entre 1888-1900, nas condições de um incipiente desenvolvimento industrial, perdendo
terreno à medida que o setor secundário começa a fortalecer-se.22 Após a importante greve da Cia.
Paulista (1906), por causa da repressão e de algumas concessões, os ferroviários aparecem menos, no
plano das mobilizações ostensivas: ausentes das greves generalizadas de 1907 e 1912, não têm papel
central na grande greve de 1917. Com as lições do passado em mente, a Cia. Paulista apressa-se em
conceder aumentos, após uma breve paralisação, enquanto a repressão produz efeitos na São Paulo
Railway. Em agosto de 1917, o movimento sindical ganha aí bastante impulso, constituindo-se a União
Geral dos Ferroviários, que em pouco tempo obtém mais de 3 mil adesões. No mês seguinte, a polícia
prende seus diretores, ocupa vários pontos da estrada e organiza uma lista de nomes dos sindicalizados
sobre os quais cai a perseguição da Companhia.23 Ainda assim, segundo os dados de Azis Simão, tomando-
se o período 1901-14, as greves setoriais de ferroviários, em número de cinco, só são igualadas pela
construção civil.24
Os portos favorecem os primeiros contatos de trabalhadores brasileiros com o movimento operário de
outros países sul-americanos, especialmente a Argentina. Depois de uma greve do Lloyd Brasileiro, dois
delegados da Federación Obrera Regional Argentina vêm ao Rio de Janeiro, em novembro de 1904, daí
resultando um acordo entre a Sociedad de Resistência Obreros del Puerto de Buenos Aires e a União dos
Operários Estivadores. Pelo convênio, ambas se comprometiam a tomar medidas de solidariedade, sempre
que houvesse greve em um dos portos, ou boicote dos navios de determinadas companhias. O sindicato
brasileiro dispunha-se ainda a organizar sociedades de resistência, na medida do possível, em todos os
portos do Brasil, integrando-as em uma federação nacional.25 A retórica de Melchior Pereira Cardoso,
representante da Federação das Associações de Classe do Rio de Janeiro — disposto a combater “os
parasitas de toda a espécie, os falsos apóstolos da burguesia, em nome da luta de classes e da
emancipação operária pela ação dos próprios trabalhadores” —, teria pouco alcance prático. Tanto ele
pessoalmente quanto as organizações de marítimos e portuários cariocas estavam pouco inclinados a esse
tipo de iniciativa.
De fato, há na época um grande contraste entre o porto de Santos e o do Rio de Janeiro. Santos —
centro de influência anarquista — caracteriza-se pelo sindicalismo autônomo, pela maior explosividade.
Em junho de 1905, um órgão único de organização dos trabalhadores — A Internacional — conduz a
primeira grande greve no estado, com repercussões na capital e no porto do Rio. Após 27 dias de lutas e
contínuas prisões, os portuários são derrotados. Pouco mais de três anos depois (setembro de 1908),
estoura um movimento pelas oito horas de trabalho que acaba por se estender a toda a cidade. A
ambiguidade das paralisações nos ramos estratégicos aparece aí claramente. A Força Pública desloca
efetivos para Santos, fura-greves são trazidos das fazendas do interior do estado, três navios de guerra
desembarcam tropas federais. Ao mesmo tempo, a Associação Comercial de Santos — diante do problema
criado pelo café estocado no porto — pressiona a Cia. Docas e o governo para que se chegue a um acordo.
Afinal, o movimento termina, com a promessa, aliás não cumprida, do ministro da Viação de garantir um
reajuste salarial por parte da empresa concessionária.26 O mesmo padrão de combatividade e violenta
repressão constitui o traço comum das novas greves portuárias de 1912 e sobretudo de dezembro de 1920
a fevereiro de 1921. Ressalve-se apenas que a maior presença libertária em Santos não pode ser tomada
em sentido absoluto. No curso da greve de 1908, negociações com a Cia. Docas são estabelecidas por
elementos alheios ao anarquismo; vários anos depois, em um período de efervescência, a imprensa
anarquista assinalaria uma reorganização dos trabalhadores dos portos constituída infelizmente “com
espírito reacionário, de estreito exclusivismo de classe, moldada em princípios autoritários”.27
No porto do Rio de Janeiro e entre os marítimos, a explosividade das relações de classe é menor. A
violência desvia-se frequentemente para as disputas internas entre grupos, enquanto do ponto de vista
organizatório reina uma cerrada burocracia sindical. Assim, um “coronel marítimo” — Petronilho
Fernandes Guimarães — de 1906 a 1916 controla como presidente ou vice-presidente a Associação dos
Marinheiros e Remadores, geralmente em dupla com Eduardo Pereira Santana. Um breve relato da vida
do sindicato, publicado por um órgão da imprensa corrente, faz contínuas referências à pressão sobre
rivais, desfalques, falsificação de atas.28 No início de 1915, a União dos Operários Estivadores é palco de
uma violenta disputa entre o grupo dominante e os defensores do sindicalismo de resistência,
acompanhada de conflitos sangrentos na região do porto. A chapa “antipolítica” obtém a vitória e propõe-
se “a limpar a União dos contrabandistas, ladrões do mar, desordeiros profissionais, cabos eleitorais,
acobertados com o título de sócios e diretores”.29 O êxito seria porém transitório. De modo geral, não
obstante alguns avanços do anarquismo entre 1920-1, o porto do Rio de Janeiro manteria a tradição de um
sindicalismo limitado a reivindicações corporativas, convertido muitas vezes em um apêndice do estado.
As organizações de estivadores e marítimos colocam-se à margem das grandes greves cariocas a partir de
1917, afirmando sua disposição de utilizar-se apenas de meios pacíficos. Várias entidades, sobretudo na
área dos marítimos, iriam mais longe, ao colaborar com o governo na liquidação da greve da Leopoldina.
Mesmo tendo em conta uma relativa distância entre as inclinações dos organismos sindicais e a massa
operária, os perfis de comportamento nos portos de Santos e do Rio de Janeiro distinguem-se assim
claramente. As razões da diferença devem ser buscadas no contexto geral das duas cidades e na
composição étnica da classe trabalhadora. Santos se define como centro de lutas frontais, sob inspiração
libertária, abrangendo tanto portuários como outros ramos, em especial a construção civil. Uma classe
operária relativamente homogênea, composta em grande parte de estrangeiros (espanhóis e
portugueses), constitui o núcleo básico dos trabalhadores quando a cidade começa a se desenvolver.30 No
Rio de Janeiro, estrangeiros — em menor número — vêm concorrer no porto com elementos nacionais aí
já instalados. A rivalidade étnica potencia a disputa e favorece a divisão interna da classe. Por sua vez, as
posições tendentes ao paternalismo ou à conciliação encontram campo na maior incidência do Estado e
nas expectativas dos trabalhadores nacionais. Entre estes, há muitos antigos escravos ou integrantes de
uma geração para a qual a escravidão tem ainda um peso considerável culturalmente.
No setor industrial, por entre as variações do comportamento dos indivíduos, dois grandes braços inter-
relacionados definem os têxteis: a explosividade e a fraqueza da organização. Eles foram os responsáveis
pela primeira greve geral do Rio de Janeiro (1903) e tiveram papel importante nas paralisações
generalizadas de São Paulo, em 1907 e 1912. Durante os anos 1917-20, as maiores mobilizações
iniciaram-se na categoria, que esteve em certa medida associada à tentativa insurrecional de novembro
de 1918.
Entretanto, até 1917, o grau de mobilização contrastou com a descontinuidade organizatória. Em São
Paulo, a União dos Operários em Fábricas de Tecidos, cuja primeira notícia data de 1907, teve uma
existência vegetativa. No Rio de Janeiro, o primeiro sindicato têxtil (Federação dos Operários em Fábricas
de Tecidos) surgiu em princípios de 1903, “trazendo para a Capital Federal o método da resistência ou do
sindicalismo francês”. Segundo um relato da imprensa operária, a Federação conseguiu agremiar quase
todos os trabalhadores do ramo, daí nascendo as condições para a greve decretada em 15 de agosto de
1903, abrangendo 25 mil trabalhadores têxteis e cerca de 15 mil de outras categorias. As reivindicações
dos grevistas (oito horas de trabalho; 40% de aumento) praticamente não foram atendidas, pois os
empresários concederam um aumento insignificante e aceitaram, aliás por pouco tempo, a redução da
jornada normal de trabalho para nove horas e meia. A derrota da greve, seguida da dispensa de muitos
trabalhadores, repercutiu na Federação, que rapidamente se esvaziou e desapareceu. Anos depois,
formou-se o Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, nas fábricas de Vila Isabel, onde havia
em média oitocentos sindicalizados, com ramificações no Andaraí e Sapopemba. Novamente, o fracasso
das greves — que giravam agora em torno do direito de organização — levou ao esfacelamento do
organismo sindical: no Andaraí, após a greve na fábrica Cruzeiro (novembro de 1908), resultante da
demissão de dois operários por fazerem propaganda do sindicato; em Vila Isabel, depois da greve/lockout
da fábrica Confiança (março de 1909), quando os operários exigiram a demissão de um mestre que
pretendia despedir um trabalhador responsável pela cobrança das mensalidades sindicais. Com o fim do
sindicato de Sapopemba em condições semelhantes, deixou de existir qualquer organização autônoma dos
têxteis cariocas até 1913. Nesse ano, voltou a ressurgir, logo sujeita às vicissitudes dos primeiros anos da
guerra.31
A história do sindicato têxtil do Rio de Janeiro indica uma correlação entre a seguida derrota das
greves — não tão elementares como se poderia supor — e o esfacelamento organizatório. A dificuldade de
êxito das mobilizações liga-se a dois fatores comuns tanto à capital da República como a São Paulo; a
articulação relativamente maior dos empresários têxteis e, em especial, a natureza pouco especializada do
trabalho. As condições estruturais de oferta abundante de força de trabalho encontram nessa área seu
melhor exemplo; a existência de um grande exército de reserva torna muito difícil o êxito das greves, com
reflexo direto no nível de organização.
Por sua vez, a explosividade e o baixo grau organizatório dos têxteis se inter-relacionam. Se a primeira
tem origem nas más condições de trabalho, nos salários insignificantes, na solidariedade impulsionada
pela concentração industrial, vincula-se também à inexistência de núcleos sindicais ou a sua capacidade
de exercer apenas funções de mobilização e não de controle. Quando se alude ao baixo grau de
articulação dos têxteis, relaciona-se com frequência o fato à composição da categoria. Sem dúvida, a
presença de crianças e mulheres era um fator desfavorável, mas seria necessário esclarecer melhor o
significado do trabalho feminino nesse aspecto. Como grupo, apto a mobilizar-se, nada indica que as
mulheres estivessem em plano inferior aos homens. Há referências constantes a sua destacada presença
nas greves e, por vezes, a sua maior propensão a protestar.32 Da menor continuidade no trabalho —
resultante do papel de complementação do salário familiar — e sobretudo da condição geral da mulher,
decorreu, porém, uma barreira ao exercício de uma atividade organizatória formal. Por isso, as figuras
femininas deixaram traços anônimos nas ações coletivas, estando quase ausentes do rol dos
organizadores.
Dentre os ramos semiartesanais, os trabalhadores da construção civil se destacaram pelo maior padrão
cultural, melhores condições de trabalho e salário, maior força e continuidade associativa. Uma enorme
distância separa a estrutura do ramo, de princípios do século XX aos dias de hoje, tanto sob o aspecto da
organização das empresas como da qualificação operária. Um antigo militante de Santos contrasta em
suas memórias o estivador oprimido, descalço, propenso à bebida, com o trabalhador da construção civil,
“que almoçava na obra, tinha hora de café, trocava de roupa para trabalhar, andava calçado”. Depois de
lembrar que a vantagem era relativa, pois a insegurança no emprego, os acidentes integravam o quadro
geral da vida operária, ressalta o maior nível de cultura da categoria, associada à natureza do serviço:

Os trabalhadores da construção civil tinham um índice menor de analfabetos; liam alguma coisa e tinham certas veleidades
artísticas. Naquele tempo, as fachadas dos prédios eram bastante enfeitadas e mesmo os interiores. Daí o esforço que muitos
faziam para adquirir conhecimentos de escultura, modelagem e, principalmente, desenho geométrico, para conhecer escalas e
rudimentos de arquitetura.33

Até a Primeira Guerra Mundial, os trabalhadores da construção civil estiveram na vanguarda do


movimento operário de Santos. Foram eles os principais organizadores da Federação Operária local, com
sua escola noturna, seu salão de leitura, onde os livros anarquistas se misturavam com as publicações
didáticas, com periódicos de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Buenos Aires ou de Barcelona. Em 1907,
juntamente com seus companheiros da capital, obtiveram a jornada de oito horas, que conseguiram
manter por bastante tempo como demonstra a continuidade de comemoração da conquista através dos
anos.34
Embora no conjunto do país (dados de 1919) a construção civil se encontrasse em posição
intermediária no tocante ao nível de salário,35 sua superioridade em confronto com o ramo têxtil é
evidente:

TABELA 2.7
DISTRITO FEDERAL — 1919
SALÁRIO MÉDIO DIÁRIO ADULTO MASCULINO

TÊXTEIS

Batedor 5$533
Cardador 5$971
Maçaroqueiro 6$006
Fiandeiro 5$067
Bobineiro 5$369
Tecelão 8$812
Urdidor 7$062
Engomador 7$347
Alvejador 5$778
Tintureiro 5$686
Acabador 5$803
CONSTRUÇÃO CIVIL
Canteiro 8$250
Estucador 9$000
Marmorista 9$572
Pedreiro 8$565

FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 2a parte. Salários. Os dados não exprimem a diferença real, pois a jornada normal de trabalho
entre os têxteis era maior do que na construção civil.
Em São Paulo, no segundo trimestre de 1912, no curso de um período de boom industrial e imobiliário,
constatam-se também nítidas diferenças: um frentista ganha de 12$000 a 16$000 diários; um estucador,
12$000; um pedreiro, de 4$500 a 7$000; um servente de pedreiro, de 3$000 a 4$000. No ramo têxtil, os
fiandeiros ganham de 4$200 a 4$800, os tecelões de 4$200 a 5$100, os batedores de 4$300 a 5$000.36
Ao mesmo tempo, os sindicatos da construção civil eram mais representativos e com frequência
conseguiam impor aos empregadores suas reivindicações: os canteiros de São Paulo, por exemplo,
ganharam praticamente todas as greves desfechadas entre 1907 e 1913.37 A maior capacidade
organizatória não se devia ao grau de concentração. Como em quase todos os demais ramos, refletindo as
condições da estrutura industrial, a organização correspondia aos ofícios: sindicatos de pedreiros,
marmoristas, canteiros, espalhados estes pelas pedreiras dos arredores de São Paulo, em Cotia, Ribeirão
Pires, Itaquera.
Em algumas das associações, há indícios de um espírito corporativo militante que se reflete no estrito
controle dos membros e nem sempre se enquadra no horizonte do anarcossindicalismo.38 A União de
Canteiros submetia os sócios a julgamento, por atitudes inconvenientes, impondo-lhes multas e a
suspensão do direito ao trabalho. Um caso curioso ocorreu entre os marmoristas cariocas, quando um
operário se recusou a participar de greve, sob a alegação de doença, e a assinar um documento em favor
de colega preso. O Centro dos Operários Marmoristas, no fim da greve, forçou o empregador a demitir o
operário e, como este recorresse à polícia, impôs-lhe o boicote. A eficácia da medida está retratada em
carta publicada na imprensa, na qual o trabalhador faz uma espécie de autocrítica e pede ao Centro que
reconsidere sua decisão, pois está desempregado há um mês.39
O maior êxito relativo dos trabalhadores da construção civil40 na conquista de melhores condições de
vida e no nível de articulação explica-se por sua qualificação, pela qualidade dos empresários41 e,
sobretudo, pelas características do ramo. Como mostra Maram, o empregador era, tipicamente, um
pequeno empreiteiro que só recebia após o término do serviço e tinha de arcar com o custo do
fornecimento de materiais. Qualquer paralisação do trabalho, dadas essas condições, produzia um sério
impacto.42 Ainda assim, é possível constatar diferenças regionais ao menos no que diz respeito à
vitalidade organizatória entre Santos e São Paulo, de um lado, e o Rio de Janeiro, de outro.
Provavelmente, no caso de São Paulo, o intenso desenvolvimento urbano gerou uma procura de trabalho
especializado no ramo que, durante alguns anos, representou um caso excepcional no quadro da oferta de
mão de obra.
Para além das diferenças específicas que procurei salientar, torna-se viável estabelecer um padrão
genérico de organização e de inclinações ideológicas da classe operária nascente, nos anos prévios à
Primeira Guerra Mundial. No setor de serviços, a distinção diz respeito menos à continuidade
organizatória do que à maior inclinação por um sindicalismo corporativo; no setor industrial, havia uma
extrema dificuldade articulatória entre o proletariado de fábrica e formas associativas mais estáveis nos
ramos semiartesanais, onde de algum modo a ideologia anarquista tinha maior peso.
3. A dinâmica do movimento operário

Uma visão impressionista do movimento operário de fins do século XIX até a entrada da Primeira
Guerra Mundial indica, no interior de um quadro geral de debilidade, uma fase ascensional entre 1905-8
aproximadamente, a que se segue a depressão dos anos 1909 a 1912; uma relativa retomada a partir
dessa data, interrompida em meados de 1913. O primeiro período de ascenso se define pelo maior êxito
organizatório, maior número de mobilizações, surgimento de leis repressivas. Assim, nos anos 1905-8, dá-
se a formação da Federação Operária de São Paulo e se realiza o Primeiro Congresso Operário; ocorrem
duas grandes greves em Santos (1905 e 1908), a greve ferroviária da Paulista, a greve generalizada de
maio de 1907 em São Paulo, a paralisação dos sapateiros na capital da República (1906). Ao mesmo
tempo, promulga-se em janeiro de 1907 (Decreto n. 1641, de 7 de janeiro) a lei prevendo a expulsão de
estrangeiro por qualquer motivo que comprometa a segurança nacional e a tranquilidade pública. De
meados de 1911 a 1914, apesar da realização de duas reuniões operárias, o nível organizatório é mais
baixo e mais pronunciado o caráter espontâneo das mobilizações, que têm seu ponto alto na greve
generalizada de maio de 1912 em São Paulo, seguida da greve de Santos, dois meses depois.
Simetricamente, reforça-se a legislação repressiva (Decreto n. 2741, de 8 de janeiro de 1913),
suprimindo-se um artigo da lei vigente que impedia a expulsão de estrangeiro quando residisse no país
por pelo menos dois anos contínuos ou por tempo inferior, quando fosse casado com brasileira ou viúvo
com filho brasileiro.
Na delimitação dessas fases, a conjuntura econômica tem uma importância considerável, coincidindo
com a tese geral de Hobsbawm de que, ao contrário do sucedido antes do predomínio industrial na
economia, em épocas mais recentes tende a ocorrer uma relação positiva entre períodos de prosperidade
e o aumento da mobilização operária.1 Ressalve-se, porém, que, mesmo em tais períodos, parece ter
aumentado apenas o incentivo à atividade mas não o poder de barganha, ao menos se julgarmos pelo
resultado frequentemente negativo das paralisações.
De modo geral, em contraste com a depressão iniciada nos últimos anos do século XIX, os anos 1905-13
se definiram pelo chamado reerguimento econômico — que apontava em 1903, com o programa de obras
públicas de Rodrigues Alves —, em que o surto industrial desempenhou papel de relevo. O segundo
semestre de 1913 marcou precisamente o início de uma recessão agravada com o início da Primeira
Guerra Mundial.2 O hiato ocorrido entre 1909 e o início de 1912 e a posterior reativação também se
vincularam em parte a razões de conjuntura econômica: em fins de 1908, o Brasil foi momentaneamente
atingido por uma crise internacional que acarretou a redução dos níveis globais do comércio exterior;3
1911 até meados de 1913 foram anos de verdadeiro boom, acompanhado de fortes pressões
inflacionárias.
É óbvio que essa correlação tem seus limites explicativos. O surgimento de São Paulo como centro
urbano-industrial, a chegada de quadros anarquistas e socialistas em princípios do século, a constituição
de um proletariado com certo grau de homogeneidade criaram as condições básicas para um ascenso do
movimento operário, que se concentrou aliás predominantemente no estado de São Paulo.

TRÊS GREVES EM SÃO PAULO

O Movimento da Companhia Paulista (1906)

Quando os trabalhadores da Companhia Paulista lançaram pelo telégrafo da empresa, a 14 de maio de


1906, uma mensagem cifrada de paralisação do serviço, estavam iniciando a principal greve ferroviária do
estado, em toda a história da Primeira República. Na base do descontentamento, encontrava-se uma
política de modernização da companhia que, em sua forma clássica, afetava o nível de emprego e o salário
dos operários, ao lado de medidas contrárias à organização autônoma destes.
A partir de outubro de 1905, com a chegada de novas máquinas do exterior, a Paulista institui três
feriados não pagos por mês, resultando em uma redução salarial de 10%. Em princípios do ano seguinte,
começam as despedidas, que alcançam, com o correr do tempo, centenas de trabalhadores.4 As ligas
operárias canalizam o descontentamento e buscam uma saída em repetidas tentativas de contato com a
direção da empresa. Esta pressiona os dirigentes sindicais, fazendo sondagens acerca de seus propósitos.5
Um atrito provocado pela transferência considerada injusta de um empregado é o detonador do
movimento que abrange 3800 trabalhadores. A Liga Operária de Jundiaí esclarece as razões da greve e
seus objetivos. Além das queixas contra a redução do trabalho e as despedidas, denuncia a quebra da
antiga hierarquia profissional, a intensificação do trabalho, o congelamento dos salários. Os “velhos
tempos” são vistos como os “bons tempos”, quando todos os empregados eram considerados segundo suas
categorias: hoje rebaixa-se um maquinista a foguista, um foguista a limpador de máquina, obrigam-se
maquinistas e foguistas a carregar lenha e carvão, a construir pontes, a limpar lixo. Preocupado sobretudo
com os mais qualificados, o sindicato não deixa de aludir à condição dos operários da conserva:

Trabalhando ao rigor do tempo, debaixo das ordens de diversos engenheiros e mestres de linha são da mesma forma
maltratados, chegando o sacrifício deles ao excesso, pois tem de trabalhar das 6 horas da manhã às 6 da tarde pelo grande
ordenado de 2$600 a 3$000! Além disso, se trabalham num domingo, para não ganhar esse dia, não os deixam trabalhar um dia
qualquer da semana. Para mais serem sacrificados, acontece que tendo lastro longe da turma onde trabalham, saem de casa às
5 horas da manhã, para voltar às 8 da noite, sem ganhar sobretempo; e se um dia perdem uma hora de serviço por causa da
chuva é esta descontada de seu ordenado. Existe ainda uma seção em que os trabalhadores precisam, depois das 6 da tarde, vir
trazer o mestre de linha com o troly à distância de 18 a 20 quilômetros, e isto também sem ganhar sobretempo.6

As reivindicações, expostas em tom respeitoso — os dirigentes da empresa são sempre “excelentíssimos


senhores, senhor doutor” —, concentram-se na exigência de demissão do engenheiro Francisco de
Monlevade e no cancelamento da obrigatoriedade de contribuir para a sociedade beneficente mantida
pela empresa. Monlevade — chefe de locomoção da companhia — personifica as medidas de dispensa e de
redução das horas de trabalho, assim como o tratamento rude dispensado aos operários no contato
pessoal. O cancelamento de inscrição obrigatória na associação beneficente é um ponto básico da luta
pela autonomia sindical.7
A Paulista não é uma empresa qualquer. Fundamental do ponto de vista econômico para os interesses
da cafeicultura, simboliza a eficiência empresarial da burguesia paulista. À sua frente, a figura ilustre do
conselheiro Antonio Prado, futura bandeira do Partido Democrático. Desde o início do movimento, o
“Moltke ferroviário”, na imagem do Fanfulla, recusa-se a negociar e apela para uma posição de força: a
greve é afinal de contas uma inadmissível quebra de respeito hierárquico, o momento propício, pois não
há interesse em manter o número existente de empregados, os laços entre a empresa e o estado
tentadoramente estreitos. Assim, o conselheiro Prado entrevista-se com o chefe de polícia e acerta o envio
de 75 praças da Força Pública a Jundiaí. Ao mesmo tempo, os grevistas são ameaçados de demissão,
enquanto os jornais publicam um anúncio para a contratação de novos maquinistas e foguistas.
Três dias após o início do movimento, a situação se agrava bastante. A tentativa de colocar em marcha
trens conduzidos por maquinistas e foguistas da Armada, requisitados no Rio de Janeiro através do
governo federal, se revela precária. Segundo um relato do conselheiro Prado, um trem faz o percurso de
Jundiaí a Campinas em dez horas encontrando a linha totalmente danificada com o uso de sabão, placas
de junção arrancadas e várias armadilhas. Cresce a repressão policial: os dirigentes das ligas operárias
sofrem perseguições, seus advogados são obrigados a sair de Jundiaí e a buscar sem êxito um habeas
corpus no fórum da capital, a Força Pública se coloca ao longo dos trilhos.
A 19 de maio, a greve ganha seu mais alto grau de intensidade e extensão. Duas grandes empresas de
Campinas (Mac Hardy e Lidgerwood) paralisam o trabalho, ao lado de outras menores; após pintar
inscrições nas calçadas dessa cidade — “hoje há ensaio” —, os ferroviários da Mogiana entram em greve
de solidariedade. Entretanto, o movimento não chega a estender-se à São Paulo Railway (SPR), o que
provocaria a interrupção do tráfego de Santos ao interior. Em um de seus muitos manifestos a respeito, a
Federação Operária apelaria inutilmente para a solidariedade e a semelhança de situação entre os
ferroviários da SPR e da Paulista:

Companheiros! A vossa atitude é triste! Não somente recusais a vossa solidariedade aos vossos irmãos em greve, mas
colaborais na obra infame de violência, de coação, que a polícia, aliada dos patrões, está executando contra os grevistas! Vós
cooperais com as Companhias e com as autoridades parciais no esmagamento dum justíssimo protesto de trabalhadores
vilipendiados! Sois vós que transportais os soldados, armados em guerra, que vão fazer aparato de força e exercer prepotências
contra homens que, como vós, são vítimas de companhias mais cuidadosas dos dividendos do que do bem-estar dos operários!
Não podeis amanhã precisar da solidariedade que hoje negais aos vossos companheiros? Não tendes porventura os mesmos
motivos de queixa que os da Paulista? Não podeis a tornar a ser vítimas dos “três quartos” de jornada, como são hoje os da
Paulista, das três segundas-feiras? Não tendes vós a entrada obrigatória na “Beneficente” a 3$000 por mês, em troca de
cuidados e remédios ridículos ou ilusórios? Não tendes vós chefes arbitrários e diretores que fecham os olhos e os ouvidos às
injustiças que sofreis? Não são muitos de vós obrigados a pagar 9$000 por passes mensais que não servem para nada? Não tira
a Cia. proveito dos próprios aleijados, explorando-os? Não seria ela capaz de aproveitar até os ossos dos vossos esqueletos, se
lhes servissem para pregos?8

Diante da ameaça de ampliação da greve ao porto de Santos, o presidente do estado, Jorge Tibiriçá,
pede intervenção da força federal. O governo da União envia um cruzador e coloca de sobreaviso dois
batalhões do Exército que poderiam marchar no sentido do vale do Paraíba, na hipótese de um movimento
na Central do Brasil.
Uma semana depois surgem os primeiros sinais de desarticulação, sob fortes medidas repressivas:
Jundiaí e Campinas encontram-se sob verdadeiro estado de sítio, inúmeros grevistas são presos e levados
para São Paulo. Alguns trens começam a correr com escolta militar. Após várias reuniões, a Federação
Operária tenta dar alento à luta dos ferroviários, decretando uma greve geral de solidariedade na capital.
O apelo é atendido em parte e 4 mil operários, sobretudo gráficos, sapateiros, chapeleiros, trabalhadores
da indústria mecânica, suspendem suas atividades. Em fins de maio, o movimento entra em declínio. Os
trabalhadores da Mogiana decidem voltar ao trabalho “sem prejuízo da solidariedade moral para com os
grevistas”, diante das promessas de lhes serem feitas algumas concessões, entre elas a jornada de oito
horas, que seria de fato estabelecida a partir de janeiro de 1907. A Liga Operária de Rio Claro faz um
apelo para que os ferroviários da Paulista resistam ainda e lembra a existência do movimento de São
Paulo. A 30 de maio, entretanto, a Federação Operária aconselha a volta ao trabalho, por terem sido
realizados os objetivos da greve de solidariedade, “mostrando a força que reside em nós se quisermos e
soubermos querer”.
Os últimos dias da greve são particularmente violentos: a Federação Operária, a sede do Avanti, a de La
Battaglia sofrem a invasão da polícia; em Jundiaí, um choque entre a Força Pública e operários demitidos
resulta na morte de um soldado e dois trabalhadores. Em princípios de junho, demitidos os principais
dirigentes grevistas e sem que nenhum dos objetivos da paralisação fosse alcançado, os ferroviários da
Paulista voltam ao trabalho.9
As análises em elevado grau de generalidade sobre o movimento operário do primeiro período
republicano têm insistido na natureza espontânea das mobilizações. Convém esclarecer, porém, o que se
deve entender por espontaneidade. Tomada no sentido de ausência de uma organização que elabore uma
estratégia, coordene e aperfeiçoe um conjunto de lutas, a expressão é sem dúvida verdadeira; se a
identificarmos como uma resposta “selvagem” a condições demasiado penosas de existência, há boas
razões para duvidar da generalização em algumas situações específicas. A greve da Paulista é uma delas.
Em primeiro lugar, ela se insere em um quadro de contatos das direções operárias, de comícios cuja
temática — violência antioperária no plano internacional — favorece a identificação de classe: fevereiro
de 1906, comício em praça pública em São Paulo contra o “domingo sangrento” na Rússia tsarista; abril
de 1906, Primeiro Congresso Operário; Primeiro de Maio, atos com significativa presença não só no Rio
de Janeiro e em São Paulo, como em Campinas e Jundiaí.10 Esse clima mobilizador, esses contatos
explicam a repercussão do movimento da Paulista entre os trabalhadores, estendendo-se a solidariedade a
São Paulo, Santos e Rio de Janeiro.11
Mas há uma relação mais direta entre os esforços organizatórios e a greve. Nos primeiros meses de
1906, o descontentamento reinante nos meios ferroviários favorece a criação das Ligas Operárias de
Jundiaí, Campinas e Rio Claro, onde surgem anarquistas, socialistas ou elementos simpáticos aos
trabalhadores.12 Às vésperas da greve, as três organizações abrangem 3500 dos 3800 empregados da
Paulista, tendo a Liga de Jundiaí uma posição de comando. São esses sindicatos — cujo direito à existência
é um dos pontos do conflito — que representam os ferroviários nas tentativas de entendimento prévio; são
eles que deflagram a paralisação e desenvolvem a luta, formando piquetes, distribuindo boletins,
escolhendo direções alternativas para o caso de prisões. A Federação Operária prepara a greve de
solidariedade, ajuda a articular o movimento em Rio Claro, para onde se dirige seu secretário Julio Sorelli,
enquanto se bate também no plano ideológico. A desmistificação dos apelos ao pacifismo, aos quais não
está imune a consciência dos ferroviários, aparece límpida neste boletim:

De todos os lados partem conselhos de calma e de paz aos grevistas. Proclama-se a violência como o mais feio dos pecados e o
mais hediondo dos crimes, comprovador da mais completa ausência de senso moral, quando é praticado, porém, pelos
grevistas. Mas o decidido apoio prestado pelo governo à Companhia Paulista, o aparato de força, as provocações e
intimidações, o fornecimento de maquinistas da Armada para traírem os grevistas, exercendo ou tentando exercer sobre eles a
violência indireta de os obrigar a ceder nas suas justas e calmas reclamações, a submeter-se a todas as condições impostas, aos
desgraçados inconscientes da necessidade da solidariedade operária que se prestaram ao ignominioso papel de fura-greves,
tudo isso não encontra um só protesto da parte dos partidários da paz e da harmonia!13

O movimento da Cia. Paulista afasta-se dos casos extremos de espontaneidade. Ressalve-se, porém, que
os sindicatos ferroviários não estavam solidamente implantados na massa de trabalhadores. Nasceram na
crista de uma situação particular e quase desapareceram na vaga repressiva. As Ligas não parecem ter
apreendido também um dos aspectos centrais dos problemas com que se defrontavam os operários. Elas
foram capazes, sem dúvida, de criticar a hierarquia salarial da empresa como fonte da restrição de gastos.
Assim, em carta dirigida ao inspetor-geral indicam medidas onde a crítica à escala de salários se associa à
defesa dos próprios interesses da Paulista:

Os trabalhadores da conserva recebem ordenados miseráveis e isto não pode ser por menos porque é preciso pagar fabulosos
ordenados aos srs. drs. Henrique Burnier, Gabriel Penteado, Maciel, os quais não concorrem com nenhum benefício a bem da
Companhia e não são mais do que uns algozes a mando do sr. dr. Monlevade. É por aqui, sr. dr. Torres Neves, que devem ser
feitas as economias.14

Mas o problema clássico da introdução de novas máquinas gerando desemprego parece escapar-lhes.
Em nenhum momento os sindicatos se referem a esse aspecto estrutural da luta, apreendendo-a de forma
personalizada. Épocas distintas da vida da empresa associam-se ao comportamento de dois homens — os
bons tempos são os tempos do antigo chefe da locomoção, o exmo. sr. Silveira; os novos são o fruto da
prepotência do dr. Monlevade, em quem se concentram todas as queixas, resumindo-se a reivindicação
central da greve em sua demissão:

O Conselho Administrativo da Liga Operária vem trazer a v. exa. (Torres Neves) os motivos por que nos últimos tempos os
operários em geral se têm manifestado desgostosos. 1o Todos os empregados subordinados ao sr. dr. F. Monlevade acham-se
descontentes com aquele senhor: porque no tempo do Exmo. sr. Gustavo da Silveira todos os empregados eram considerados
segundo suas categorias; os maquinistas e foguistas, logo que atingissem a 5 ou 6 anos de serviço, ganhavam na classe de
máquinas entre Jundiaí e Campinas, 280$000 os maquinistas e 170$000 os foguistas.[…] Atualmente, sacrificando-se e fazendo
o serviço com lenha em vez de carvão, há maquinistas de 14 anos de serviço que ainda não atingiram aqueles ordenados. O
mesmo acontece com os foguistas, sabendo-se que entre eles há quem tenha 10 anos de serviço.
[…]
No tempo do sr. ex-chefe da locomoção, reconhecedor do serviço de seus subordinados, quando acontecia um deles ficar
doente, nunca lhe era descontado seu ordenado. Até para esse fim existia uma circular nas oficinas da casa da máquina, a qual
mão oculta retirou.
[…]
O Conselho Executivo da Liga Operária tem v. exa. em toda consideração (e mentiria se dissesse o contrário) e pelo que
dizem todos os operários da Cia. Paulista nenhuma destas injustiças é atribuída a v. exa. O mesmo Conselho pode garantir
também que todos são por índole pacíficos: só o que se tem manifestado e procurado alguma exaltação de espírito, no que não
será atendido, é o sr. dr. Francisco de Monlevade.15

Uma declaração do principal líder do movimento, Manuel Pisani, tipifica essa atitude, diretamente
associada à ênfase na dignidade do trabalho:

nós não pedimos aumento de salário, nem redução de horas: o que queremos é um superior digno, correto, humanitário, que
compreenda que o operário não é uma máquina inconsciente, mas um homem que trabalha com consciência e tem necessidade
não só do vil metal em pagamento de seu trabalho, mas também da satisfação moral que lhe dá direito sua cultura.16

Um ponto que permanece obscuro é o das inclinações ideológicas dos dirigentes das Ligas Operárias.
Se o exemplo de Pisani for generalizável, as concepções “trade-unionistas” predominam no plano dos
objetivos estratégicos, não obstante a adesão às formas organizatórias libertárias. Em uma grande
assembleia realizada pela Liga de Jundiaí logo no início da greve, ele declara que o conselho
administrativo resigna de seus poderes, passando-os aos companheiros que, sendo em número de 3800,
poderiam defender os interesses coletivos. O escopo da greve na atualidade, esclarece, não é mais o de
obter vantagens imediatas, mas de preparar melhores condições de vida de toda a classe operária. Por
isso,

é necessário demonstrar ao mundo que o operário não é um elemento de desordem mas um homem que lança mão de um meio
de luta para alcançar um justo fim. Por isso, é preciso que cada trabalhador seja fiscal dos próprios companheiros para prevenir
os eventuais excessos, a incandescência inoportuna, a fim de não dar pretexto à repressão por parte das autoridades.

Afinal, após ressaltar mais uma vez a dignidade do trabalho, abre uma via de entendimento: “a força
(isto é, o trabalho) e o capital devem marchar unidos para deste modo participar dos benefícios da
moderna civilização”.17
Dentre todas as mobilizações anteriores à Primeira Guerra Mundial, a greve da Paulista foi a que
conseguiu alcançar a maior simpatia não só nos meios operários, como entre outros grupos e setores de
classe. Em toda a região do interior afetada pela greve, a atitude da população, com os comerciantes à
frente, chegou a ser de franca solidariedade. Dois dias após o início do movimento, duzentos comerciantes
de Jundiaí lançaram um manifesto em que apoiavam “as justas reivindicações dos operários”; a 17 de
maio, atendendo ao apelo das Ligas Operárias, o comércio fechou as portas em Jundiaí e Rio Claro,
voltando à mesma atitude no fim da greve. Quando os comerciantes de Rio Claro se reuniram em um
teatro da cidade para insistir na mediação da Associação Comercial, com sede na capital do Estado, não
ocultaram para onde pendiam suas simpatias: de um lado está a Cia. Paulista, “depositária de enormes
capitais”, e de outro “operários que se conservam em atitude resignada e pacífica até a satisfação de seus
pedidos”.18
A simpatia da classe média do interior para com os grevistas, recebida na época com certa surpresa e
sem muitas explicações, parece ter origem em um conjunto de fatores. Considerando que o movimento
operário não representava uma ameaça contínua à ordem estabelecida, a nascente classe média tendia a
ver com bons olhos as reivindicações de trabalhadores dos quais não estava tão distanciada socialmente,
ao contrário do que acontecia com uma empresa poderosa, “depositária de enormes capitais”.19 No caso
do comércio, é provável que as vicissitudes dos ferroviários viessem resultando em uma contração das
atividades do setor. Lembre-se ainda que a violenta repressão atraiu a população para o lado dos
grevistas, sobretudo porque ela não se restringiu aos meios operários. Exemplificando, há notícias de
espancamento, em um caso até a morte, de um negociante sírio e de dois italianos, por soldados que
guardavam os trilhos da estrada de ferro.20
A posição tomada pela Associação Comercial de São Paulo — que abrigava indistintamente
comerciantes e industriais — me leva a relativizar o contexto social do interior como razão da simpatia
pelos ferroviários. Logo no início do movimento, a entidade — presidida por uma figura da elite paulista,
Augusto da Silva Telles — recebeu um pedido dos comerciantes de Jundiaí para que intendesse na solução
do conflito. Ela não se negou a fazê-lo, servindo como instrumento da Cia. Paulista. Depois de condenar a
greve, “primeira refrega de uma agitação extremamente perigosa”, representantes da Associação
Comercial foram a Jundiaí e propuseram aos operários, sem êxito, uma arbitragem condicionada à volta
ao trabalho.
Pareceria clara assim uma divisão entre comerciantes do interior e a entidade representativa, com sede
na capital. Entretanto, nos últimos dias da greve, Silva Telles teve o desgosto de ver rejeitada, por mais de
dois terços de votos, moção por ele apresentada, congratulando-se com o governo do estado e o
conselheiro Prado, pelo restabelecimento do tráfego. Divisão entre o pequeno e o alto comércio? A
hipótese tentadora não se confirma. A proposta foi rejeitada sobretudo pelo voto dos comerciantes
italianos, pois apenas um dentre eles se declarou solidário com Telles. Dois grandes importadores
explicaram sua atitude. Nicola Puglisi Carbone afirmou que recusava a moção porque ela implicava uma
censura aos operários, cujas reclamações eram procedentes. Egidio Pinotti Gamba chegou mais longe, ao
contrastar implicitamente as relações de trabalho vigentes na Europa e no Brasil: “são os operários que
sustentam o capital, que sem eles não pode viver; aqui não se está acostumado às lutas do operariado e
por isso não se quer dar-lhes o merecido valor”.21 É clara assim a divisão momentânea entre a burguesia
paulista e os grupos imigrantes ascendentes, acima dos interesses gerais de classe, que dificilmente iria
se repetir em outras ocasiões. A divisão teve maiores condições de se delinear pelo fato de a greve atingir
principalmente um setor reservado à elite nacional e pelos prejuízos que a intransigência da empresa
vinha ocasionando ao comércio e aos bancos.
Termômetro ideológico dos grupos ilustrados, os estudantes de direito mostram também com sua
atitude o alcance da simpatia que a greve ferroviária desperta. Quando irrompe a greve decretada pela
Federação Operária, a União dos Trabalhadores Gráficos promove um comício no largo de São Francisco
para pedir a solidariedade aos estudantes. Em um comício com cerca de mil pessoas na praça e com a
faculdade repleta de alunos, dois acadêmicos — Freitas Valle e Ricardo Mendes Gonçalves, este último
simpatizante do anarquismo — falam em favor dos trabalhadores. Quando Gonçalves dá vivas ao
proletariado e à greve geral, a polícia dissolve a reunião e efetua várias prisões, enquanto muitos se
refugiam no interior do prédio da escola. A partir dessa invasão do “território livre”, sucedem-se nos dias
seguintes as discussões no largo, passeatas no centro da cidade promovidas por estudantes e
trabalhadores, choques violentos entre os manifestantes e a cavalaria.22

A greve pelas oito horas de trabalho (1907)

Um ano após a greve da Paulista, o movimento operário de São Paulo voltaria à cena com a greve pelas
oito horas de trabalho, que se concentrou na capital, abrangendo também Santos, Ribeirão Preto e
Campinas.
A 3 de maio de 1907, operários de duas fundições solicitam a fixação da jornada de oito horas e
pagamento semanal, sendo atendidos. Os pedidos se estendem, com muitas recusas, e a greve se inicia na
construção civil, na indústria metalúrgica e da alimentação, abrangendo, a 8 de maio, 2 mil grevistas.
Alguns dias depois, aderem ao movimento gráficos, sapateiros, parte dos empregados da limpeza pública
e os têxteis, que, pela primeira vez, realizam uma greve de todo o ramo na cidade. Eles reclamam não só
as oito horas, como um aumento de salários, na base de 25% para os operários pagos por dia e 35% para
os que trabalham por tarefa.
Escassamente organizados, sem o apoio de um jornal que se mostra simpático aos demais operários em
greve,23 os têxteis enfrentam o núcleo dos grandes empresários industriais. Sob a presidência do conde
Álvares Penteado, estes se reúnem a 13 de maio, negando-se a fazer qualquer concessão. Aceitar a
proposta dos grevistas significaria deixar a indústria paulista em situação de tamanha desigualdade com
relação aos outros estados, a ponto de obrigá-la a fechar as portas; estender a todo o Brasil a jornada de
oito horas, ainda não implantada na Europa, provocaria a ruína da indústria nacional e dos próprios
operários; os trabalhadores têxteis, pela natureza leve de seu serviço, não podiam se comparar com os
outros ramos, e a redução do horário deveria nascer da evolução natural, tal a ordem de interesses
econômicos e sociais afetados.24
Nesse ínterim, a polícia efetua a prisão de alguns pedreiros que tentam impedir o trabalho. Um conflito
de maiores proporções na Barra Funda fornece o pretexto para o fechamento provisório da Federação
Operária e a proibição de manifestações de grevistas. A repressão não tem, porém, como estratégia
liquidar o movimento em uma prova de força, mas limitar seu alcance. Os dirigentes da Federação
Operária, não obstante a invasão de sua sede, conseguem reunir-se em outro local.
Alguns dias após seu primeiro encontro, os industriais têxteis elegem uma comissão para tomar várias
providências: entender-se com o governo do estado, a fim de solicitar garantias aos que desejem
trabalhar; empregar seus bons ofícios junto à imprensa, no sentido de conseguir que sejam as mais
resumidas possíveis as notícias sobre a greve, evitando incutir nos espíritos entusiasmos pelos
comentários pomposos ou exagerados, de modo a impedir que os operários, mais propensos sempre a
seguir os exaltados ou desarrazoados, se deixem por eles arrastar ou sugestionar; estudar as atuais
tabelas de salários para ver o que se poderia fazer em matéria de aumento e de redução de horas de
serviço; tratar da organização de uma associação industrial, abrangendo todos os ramos fabris.25
Enquanto a construção civil, os gráficos voltam a trabalhar com o atendimento de suas reivindicações,
as costureiras realizam uma breve paralisação, despertando a ironia fácil de jornalistas e transeuntes:

O centro da cidade despertou ontem com a matinada das costureiras. Nas proximidades das casas de modas e oficinas de
costuras formaram elas gárrulos grupos, assumindo algumas a empertigada atitude de oradoras, concitando as suas colegas à
greve. Mais loquazes que eloquentes as promotoras do movimento grevista não conseguiram com os argumentos empregados a
completa adesão à causa que defendiam, porquanto muitas mostravam-se dispostas a não abandonar o trabalho. [Horas mais
tarde,] diversos bandos de costureiras pervicazes percorreram as ruas centrais, seguidas de curiosos e admiradores que faziam
comentários grotescos sobre a atitude hostil das mesmas contra a linha e a agulha…26

Em fins de maio, a greve se concentra nos têxteis e em duas grandes empresas metalúrgicas, a
Lidgerwood e a Cia. Mecânica e Importadora. Com a volta dos têxteis ao trabalho alcançando pequenas
concessões, o movimento se reduz às últimas. Não obstante uma intensa mobilização,27 após mais de um
mês de resistência, os metalúrgicos voltam ao serviço sem nada alcançar.
Uma clara distinção entre a grande e a pequena empresa se revela no movimento de 1907. De um lado,
a disposição a conceder; de outro, a quase absoluta intransigência. Pequenas fundições, o ramo da
construção civil obtêm as oito horas espontaneamente ou após uma paralisação de alguns dias;28 o centro
do conflito reside no ramo têxtil e nas duas maiores metalúrgicas, impermeáveis às concessões.29 Às
razões econômicas dessa distinção, relacionadas sobretudo com a construção civil, juntam-se outras de
natureza social e ideológica. Um campo de relativo entendimento aproximava o pequeno empresário em
ascensão, tocado pelas ideologias socializantes ou revolucionárias, e o trabalhador que com ele convivia
diretamente. Como observa o Avanti, muitos operários se desculparam a seus patrões, dizendo que eram
arrastados à greve, e, de fato, muitos pequenos empresários, ainda de mãos calosas, recordando sua vida
recente, dispuseram-se a conceder.30
Em contraste, a greve pôs a nu o aberto conflito de classes na área da grande empresa nascente. As
reuniões dos industriais têxteis constituíram o embrião do único lobby industrial da Primeira República,
sensível já ao alcance dos meios de comunicação, à perspectiva de uma organização patronal centralizada,
que não chegou a constituir-se naqueles anos porque as mobilizações operárias perderam o ímpeto.
Menos articulado do que a greve da Paulista, o movimento de 1907 não constitui, porém, um caso-
limite de espontaneidade. Ele tem origem em uma resolução da reunião operária de 1906, no sentido de
“envidar os maiores esforços, de acordo com o método seguido pelos companheiros franceses, para que o
operariado do Brasil, no dia 1o de maio de 1907, imponha as oito horas de trabalho”. Entretanto, as
greves surgem de modo disperso, destacando-se de início dois sindicatos: a Liga dos Pedreiros e a União
dos Trabalhadores Gráficos, então em seu apogeu. Fiel às concepções libertárias, a Federação Operária
não aparece a princípio como centro organizatório. Gradativamente, vai assumindo, porém, essa função,
que se torna relevante, a partir dos últimos dias de maio. Na Federação se reúnem os delegados sindicais,
discute-se aí a marcha do movimento e de sua caixa saem — com parcimônia, dentro dos critérios
anarquistas — subsídios de ajuda a tecelões e metalúrgicos.

O movimento de 1912

A acentuada expansão da economia brasileira entre os anos 1910 e meados de 1913 foi acompanhada,
a partir de 1911, de uma tendência à elevação de preços. Na capital de São Paulo, os jornais apontavam
circunstâncias particulares para o agravamento do problema: a cidade recebera um grande afluxo
populacional sem que a oferta de bens fosse suficiente para atender às novas necessidades; a escassez de
casas de aluguel se tornara aguda, multiplicando-se as queixas contra o critério adotado pelo prefeito
Antônio Prado em seu esforço de remodelar a cidade.31
O comício de 1o de maio de 1912, promovido pelas organizações de canteiros, pedreiros, sapateiros e
associações libertárias surpreende por sua repercussão e parece ser o sintoma de ressurgimento das
mobilizações operárias. Seus lemas principais: organização dos trabalhadores e protesto contra a carestia
de vida. Alguns dias depois, socialistas e anarquistas fundam um Comitê de Agitação contra a Carestia de
Vida, que realiza pequenos comícios nos bairros denunciando “uma súcia de especuladores responsável
pela elevação de preço dos víveres e aluguéis a níveis tão altos quanto os de 1897”.32
Ao mesmo tempo, em fins de abril e princípios de maio, surgem as primeiras greves, na fábrica de
calçados Clark, onde os operários reclamam aumento de salário, a abolição do trabalho por peça, a
jornada de oito horas. A paralisação se desenvolve em uma linha semelhante à de 1907. Após abranger
cerca de 9 mil trabalhadores, acaba se concentrando em dois ramos importantes — têxteis e sapateiros. A
greve têxtil começa a 15 de maio na fábrica Mariângela, de Francisco Matarazzo, pelo aumento de 25% e
a redução do horário de dez horas e meia para nove horas, estendendo-se a várias outras empresas, entre
elas a Fábrica Santana, dirigida por Jorge Street.33 A Mariângela é, entretanto, o centro decisivo de uma
luta a que a direção da empresa busca pôr fim através de um sortido arsenal de expedientes. A gerência
tenta por vários dias dar a impressão de que a fábrica funciona, lançando ao ar repetidos apitos e pondo
alguns teares em movimento; pressiona também os mestres para que forcem os operários a voltar ao
serviço sob pena de suspender-lhes o salário. Não faltam ainda as tentativas de divisão regional. Os
operários da Mariângela eram em sua maioria italianos provenientes do Vêneto e de Bari. Procurando
explorar a solidariedade regional, um encarregado barês da empresa dirige-se a um cortiço da rua do
Gasômetro para concitar seus conterrâneos a voltar ao trabalho, mas é recebido hostilmente.34
No curso dos dias, a greve generalizada vai terminando. Os sapateiros retornam ao serviço após obter
um aumento de 10% no salário e o horário de oito horas e meia; os têxteis seguem o mesmo caminho sem
nada conseguir, não obstante a combatividade da Mariângela,35 onde a situação só se normaliza no mês
de junho.
A mobilização de 1912 tem origem no agravamento das condições de existência, em um período de
expansão econômica.36 De modo difuso, recebe o incentivo da propaganda dos grupos socialistas e
libertários, do clima dos atos de Primeiro de Maio. Não é, aliás, por acaso que muitas greves significativas
do período ocorram nesse mês. Organizatoriamente, dentre os três movimentos anteriores a 1917 objeto
dessa sucinta análise, é o que mais se aproxima de um caso-limite de espontaneidade. Os anos de
depressão das mobilizações operárias após 1908 espelham-se no declínio dos débeis núcleos
organizatórios. A Federação Operária desaparece na prática; os gráficos já não exercem o mesmo papel
dos anos 1906-7.37 Assim, um órgão da grande imprensa nota com satisfação:

A desorganização em que sempre viveu a classe operária, a maior parte das vezes movimentada por agitadores interesseiros
que atiçam o fogo, não leva à certeza de que a sua reclamação, até certo ponto justa, seja aceita pelos patrões. Desta vez
porém, segundo parece, o operariado não se deixou levar pelas cantigas de exploradores sobejamente conhecidos, agindo por
conta própria. Não organizou comissões agitadoras nem comissões incumbidas de se entender com os patrões. Declarada a
greve, procuraram lançar mão de uma arma, a resistência pacífica.38

O retrato de um movimento amorfo — erigido em virtude — é, entretanto, exagerado. O


desenvolvimento da greve na Mariângela parece típico das paralisações mais espontâneas do período. Ela
é antecedida por um encontro entre uma comissão de operários e a gerência da empresa. Fracassado o
entendimento, começa a greve, com uma intensa mobilização, na qual a comissão desempenha um papel
relevante: visita os grevistas de casa em casa, distribui volantes comunicando o andamento da greve, em
um trabalho cotidiano e tenaz.39 Infelizmente, não há dados que permitam confirmar a continuidade
desses organismos anônimos ao longo dos anos, embora se constate com frequência sua presença nos
momentos de tensão.40 De qualquer forma, na medida em que não se enlaçam com organizações mais
amplas, essas associações de base, tão atraentes, são sobretudo uma expressão de fraqueza.
TERCEIRA PARTE

A conjuntura (1917-20)
4. As grandes linhas

Em meados de 1913, encerra-se um período de boom da economia brasileira. Os preços dos produtos
de exportação caem abruptamente no curso do ano e a manutenção do elevado nível de importações
provoca um deficit na balança comercial pela primeira vez na história da República. O início do conflito
mundial acentua a recessão, agravando o problema crônico do balanço de pagamentos. A entrada de
capitais estrangeiros se paralisa, ao mesmo tempo que o país se vê obrigado a remeter 10 milhões de
libras esterlinas para atender a compromissos da dívida extensa. Afinal (outubro de 1914), o Brasil realiza
mais um oneroso acordo para consolidar a dívida.1
No plano interno, as consequências mais penosas da recessão se abatem sobre as classes populares,
que sofrem os efeitos do desemprego, da redução de salários, da perda de pequenas conquistas. Uma
publicação oficial do governo paulista alude em fins de 1913 à paralisação das grandes obras públicas, à
queda do salário entre 15% e 20%. Muitas fábricas fecham temporariamente ou definitivamente, e as que
trabalham não hesitam em despedir operários ante a menor exigência.2 No Rio de Janeiro, um documento
da Federação Operária refere-se aos ramos têxtil e da construção civil como os mais atingidos: há várias
grandes empresas funcionando três dias por semana, e as obras do estado se encontram suspensas. Os
cortes atingem servidores da União, chegando a 4 mil o número de despedidos. Com o início da Primeira
Guerra Mundial, a situação se agrava. Fala-se em 10 mil desempregados na capital de São Paulo, onde
figuras representativas da classe dominante criam uma comissão de socorro a fim de atender pessoas
desprovidas dos mínimos recursos para alimentar-se.3
Apesar dos seguidos esforços de anarquistas e socialistas no sentido de organizar as classes populares
em torno de um programa contra o desemprego e a carestia, os efeitos da recessão sobre o frágil
movimento operário são visíveis. De acordo com os dados da Federação Operária do Rio de Janeiro, a COB
tinha, em 1912, 57 400 membros no estado de São Paulo (22 500 somente em Santos), 15 mil no Rio
Grande do Sul e 5 mil no Rio de Janeiro. No ano seguinte, a Federação Operária Local de Santos afirmava
ter de 8 mil a 10 mil membros, dos quais quatrocentos estavam pagando contribuições, e a Federação
Operária de São Paulo desaparecera.4 Concomitantemente, as mobilizações declinam. Segundo o
levantamento efetuado por Azis Simão, ocorre em São Paulo apenas uma greve de fábrica em 1914; duas
greves setoriais (ramo) em 1915; uma em fábrica e uma setorial em 1916. Os grupos socialistas e
sobretudo os anarquistas tendem a abandonar o difícil trabalho da organização operária, concentrando-se
nas conhecidas tomadas de posição internacionalistas diante da guerra, em torno das quais lhes foi
possível manter um mínimo de coesão.
Entretanto, a greve geral de julho de 1917, em São Paulo, abriria uma conjuntura histórica cujos limites
se estendem cronologicamente até 1920. Ela se define antes de tudo pela emergência de um movimento
social de base operária, nos centros urbanos do país. Emergência que, no plano das ações coletivas e da
organização, se reflete em vários níveis: no maior número de greves da história brasileira, concentrado
em poucos anos, até o fim da Segunda Guerra Mundial; na realização de algumas grandes manifestações
de massa; no avanço da sindicalização; no surgimento de uma imprensa operária de maior amplitude;5 na
modificação das expectativas na vida cotidiana, onde se desenha a esperança de uma alteração
revolucionária do sistema social ou pelo menos a tangível possibilidade de uma vida melhor.
A esse ascenso da classe operária corresponde uma alteração nas relações entre as classes e os grupos
sociais. A chamada questão social sai de um quase esquecimento e se torna objeto de debate tanto no
nível da sociedade civil como do estado. Em sua imagem impressa, o conflito de classes salta das raras
aparições nas páginas internas dos jornais para as manchetes de primeira página, para as caricaturas de
capa das revistas humorísticas. Pela primeira vez, ele ecoa no Parlamento, onde durante a última década
do século XIX fora praticamente ignorado.6 A preocupação do Estado pelo problema — que um lastro
cultural se encarregava ainda por vezes de negar — se corporifica sobretudo no reforço do padrão
repressivo, com o aperfeiçoamento legislativo e a ampliação de medidas desse tipo. A repressão vem
acompanhada de uma ofensiva ideológica sistemática na sociedade contra as correntes revolucionárias,
em especial o anarquismo.
Por fim, esboçam-se tendências que defendem o reconhecimento dos direitos operários, em nome dos
ideais de uma democracia social. Elas se expressam por algumas poucas vezes no Parlamento e pela
aparição de uma imprensa diária com essa definição.7
No quadro geral da conjuntura, o ano de 1917 tem um ritmo ascendente, de seu início ao mês de
outubro. Ritmo a princípio quase imperceptível que se acelera com a greve geral de julho de 1917,
irradiando-se ao interior do estado de São Paulo, incentivando a eclosão de paralisações generalizadas no
Rio de Janeiro e outros pontos do país. A partir de fins de outubro, a curva ascendente declina, com a
entrada do Brasil na guerra, que pesa desfavoravelmente sobre o movimento operário de duas formas:
pela utilização por parte do governo do clima de exaltação patriótica, com o objetivo de amortecer os
conflitos; pelo emprego de medidas repressivas e a restrição geral das liberdades públicas, facilitados
com o decreto de estado de sítio, por parte do Congresso, no mês de novembro. Ao lado de uma repressão
seletiva, o tema da unidade nacional dá alguns frutos no Rio de Janeiro. A Liga dos Sapateiros, a União
dos Operários em Fábricas de Tecidos formam batalhões e percorrem as ruas da cidade, coletando fundos
para os aliados. Rui Barbosa é convidado a falar na sede dos sapateiros para explicar o sentido da
guerra.8
Em São Paulo, a composição étnica da classe, a amplitude do movimento de julho que provoca uma
forte onda repressiva, impede a formação do clima de unidade nacional, acentuando a tônica de combate
aberto à mobilização dos trabalhadores e as medidas contra a imprensa defensora de suas
reivindicações.9 Os instrumentos repressivos revelam maior eficácia. A desmobilização se opera em vários
níveis: a Aliança Anarquista aconselha os operários a não realizar nenhum ato alusivo a Primeiro de Maio,
para demonstrar que as liberdades estão sendo suprimidas; os dirigentes da União dos Trabalhadores
Gráficos queixam-se da apatia dos sócios que não comparecem às reuniões, preferindo discutir a
organização de um time de futebol.10 Em todo o estado, registram-se apenas uma greve na capital e duas
no interior em 1918,11 enquanto no Rio de Janeiro as mobilizações retomam seu curso, culminando com a
violenta greve da Cantareira, no mês de agosto, e a prolongada paralisação dos têxteis, a partir de
novembro, combinada com a tentativa insurrecional dos anarquistas.
O ano de 1919 e os três primeiros meses de 1920 delimitam o momento mais alto da conjuntura,
coincidindo com o fim da guerra e a expansão da vaga anticapitalista na Europa. São Paulo reaparece
como centro das mobilizações, com 64 greves na capital e catorze no interior, em 1919, onde se inclui a
grande paralisação do mês de maio, que abrange, só na capital, mais de 45 mil trabalhadores, e a greve
generalizada do mês de outubro (tabelas 4.1 e 4.2). Significativamente, crescem os movimentos que
mencionam entre seus objetivos o reconhecimento dos sindicatos ou expressam a solidariedade de classe.
Na capital, doze greves — além das duas mobilizações de maio e outubro — visam ao reconhecimento da
organização sindical pelos patrões, enquanto oito são desfechadas por razões de solidariedade (ver
Apêndice, p. 324). O número de greves é menor no Rio de Janeiro, destacando-se entre elas a longa e
violenta paralisação dos têxteis (junho-julho), tendo como um dos pontos centrais o direito de associação
(tabela 4.3). O clima de intensa mobilização está, entretanto, expresso no comício de massa de Primeiro
de Maio, quando cerca de 60 mil pessoas se reúnem na praça Mauá para ouvir os líderes anarquistas e
percorrem as ruas centrais da capital da República. Ao mesmo tempo, 1919 é o ano em que — a princípio
no Rio e depois em São Paulo — a repressão ao movimento operário e aos anarquistas se torna
sistemática, vindo acompanhada de uma ofensiva ideológica.

TABELA 4.1
SÃO PAULO — CAPITAL
NÚMERO DE GREVES, 1917-20
EMPRESA
ANOS RAMO INTERPROFISSIONAL GERAL TOTAL
(OU SEÇÃO)
1917 6 — — 1 7
1918 1 — — — 1
1919 56 6 1 1 64
1920 33 3 1 — 37
TOTAL 96 9 2 2 109

FONTE: O Combate, A Gazeta.


TABELA 4.2
SÃO PAULO — INTERIOR
NÚMERO DE GREVES, 1917-20
EMPRESA
ANOS RAMO INTERPROFISSIONAL GERAL TOTAL
(OU SEÇÃO)
1917 2 1 — 1 4
1918 2 — — — 2
1919 8 2 4 — 14
1920 7 4 1 — 12
TOTAL 19 7 5 1 32

FONTE: O Combate, A Gazeta. Obs.: Os dados numéricos sobre o interior se prestam a muitos equívocos. Por exemplo, uma greve
em empresa ferroviária, que se estende em regra a várias cidades, tem muito maior importância do que uma greve
interprofissional em um núcleo urbano de proporções reduzidas. Das quatro greves interprofissionais registradas em 1919, duas
são significativas: a de maio (considerada geral na capital), abrangendo em grande escala as maiores cidades, e a de outubro em
Santos (ver Apêndice).

O momento de inflexão descendente da onda de mobilizações se dá com o desfecho desfavorável de


duas grandes greves quase simultâneas: a greve do ramo têxtil de março-abril de 1920, em São Paulo, e a
dos ferroviários da Leopoldina em março, no Rio de Janeiro, que as federações operárias buscam
transformar, com êxito limitado, em greves gerais. A partir daí, a pulsação do movimento operário começa
a baixar de ritmo, de modo mais brusco em São Paulo e mais lento na capital da República, chegando,
porém, a uma depressão generalizada nos dois centros. Após o mês de abril de 1920, uma única greve tem
real importância no estado de São Paulo — a das docas de Santos, em fins daquele ano. Mas ela própria
liga-se às condições específicas de uma cidade onde o conflito aberto de classe não se aquieta de todo,
nem mesmo nas fases de descenso. Na capital, o número relativamente grande de 37 greves, em 1920, se
presta a enganos: as paralisações são de pequeno vulto e por vezes constituem uma resposta a
arbitrariedades patronais, na vazante da onda.12 O refluxo é ainda marcado por alguns movimentos de
vulto no Rio de Janeiro, como a greve dos sapateiros de outubro de 1920 contra o desaparecimento de um
dirigente sindical e sobretudo a greve dos marítimos que se prolonga de fins de 1920 a fevereiro de 1921.
Mas a curva descendente acaba por se impor.

TABELA 4.3
RIO DE JANEIRO
NÚMERO DE GREVES, 1917-20
EMPRESA
ANOS RAMO INTERPROFISSIONAL GERAL TOTAL
(OU SEÇÃO)
1917 6 5 — 1 12
1918 19 7 1 — 27
1919 7 8 2 — 17
1920 2 4 1 — 7
TOTAL 34 24 4 1 63
FONTE: A Razão, A Voz do Povo.

É trivial observar que o agravamento das condições de existência da classe operária no curso da
Primeira Guerra Mundial teve um papel importante na mobilização da classe operária (tabela 4.4).

TABELA 4.4
BRASIL — INDICADOR DE PREÇOS — 1912-21
PREÇOS — ÍNDICES
ANOS
1919 — 100,0
1912 37,9
1913 37,2
1914 35,1
1915 50,0
1916 52,7
1917 63,9
1918 75,9
1919 100,0
1920 109,8
1921 92,6
FONTE: Extraído de Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-
1943. Rio de Janeiro, 1973, p. 424. Esses autores mencionam como fonte dos dados um estudo de Eulália Lobo sobre a evolução
dos preços e do padrão de vida no Rio de Janeiro. O referido estudo toma por base, na elaboração dos índices, nove gêneros
alimentícios: açúcar, arroz, bacalhau, café, charque, farinha de trigo, farinha de mandioca, feijão e manteiga, abrangendo o
período 1820-1930. Como aí se indica, a confiabilidade dos índices é menor quando não foi possível obter a variação de preços de
todos ou da grande maioria dos produtos. É o caso de 1919 e 1920 (três produtos). Cf. Eulália Maria Lahmeyer Lobo, “Evolução
dos preços e padrões de vida no Rio de Janeiro, 1820-1930. Resultados preliminares”. Revista Brasileira de Economia, v. 25, n. 4,
out.-dez. 1971.

Na raiz da ascensão dos preços internos, encontram-se dois fatores principais. As emissões
inflacionárias, que se iniciam em agosto de 1915 para sustentar o café e financiar os deficits do
orçamento federal; o crescimento da exportação de gêneros alimentícios (em alta no mercado
internacional) para os beligerantes, combinado com a dificuldade de importar outros gêneros —
especialmente trigo —, cujos preços internacionais também se elevam. O movimento comercial de alguns
dos principais bens de consumo pelo porto de Santos é revelador:

TABELA 4.5
EXPORTAÇÕES PELO PORTO DE SANTOS, 1913-8
(quilos)
GÊNEROS 1913 1915 1916 1917 1918
Arroz 360 600 175 926 22 204 915 5 307 149
Feijão 410 64 367 29 929 987 48 699 724 54 749 120
Carne resfriada e congelada — 7 946 545 18 688 846 29 134 755 32 654 838
IMPORTAÇÕES DE TRIGO PELO PORTO DE SANTOS, 1913-8
GÊNEROS 1913 1915 1916 1917 1918
Trigo em grão 142 698 193 142 907 396 167 250 824 66 883 923 114 001 561
Farinha de trigo 20 060 448 15 620 416 11 225 502 29 378 806 43 837 198

FONTE: Diretoria de Estatística Comercial. Ministério da Fazenda. Comércio exterior do Brasil. Rio de Janeiro, 1921. Não há dados
para 1914.

A mesma tendência se observa com relação ao açúcar, exportado pelos portos do Recife, Rio de Janeiro
e Salvador: 226 mil quilos em 1913, quase 3 milhões em 1915, até atingir o ponto máximo de cerca de 105
milhões em 1917. É bem verdade que ao menos no estado de São Paulo, como observa Wilson Cano, o
extraordinário crescimento da produção agrícola nos anos da guerra foi suficiente para suportar a
expansão das exportações de alguns gêneros, sobretudo no caso do arroz, cuja produção passa de 80 mil
para 350 mil toneladas entre 1913-4 e 1920. Mas a especulação comercial, as pressões inflacionárias
internas e as decorrentes da elevação dos preços internacionais atuam no sentido de provocar a forte
elevação do custo de vida.13

TABELA 4.6
SÃO PAULO — INDICADORES DE PREÇOS E SALÁRIOS — 1913-20
GÊNEROS ALUGUEL SALÁRIOS DE SALÁRIOS DE
ANOS ALIMENTÍCIOS DE CASA OPERÁRIOS FERROVIÁRIOS
(A) (B) INDUSTRIAIS (C) (CIA. PAULISTA) (D)
1913 100 100 100 —
1914 105 106 100 100
1915 123 113 75 101
1916 125 120 86 101
1917 139 126 86 104
1918 155 133 130 122
1919 153 146 160 119
1920 181 160 147 117

FONTE: Mário Cardim. Ensaio de análise de fatores econômicos e financeiros do Estado de São Paulo e do Brasil. São Paulo:
Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio, 1936. Obs.: A e B referem-se à cidade de São Paulo, vinculando-se a orçamentos
de classe média; C diz respeito ao interior do Estado. Wilson Cano (Raízes da concentração industrial em São Paulo. Tese de
doutorado. Campinas: Unicamp, 1975, p. 162) observa que o cálculo de salários é apenas indicativo por ser precário o método
utilizado por Cardim (índices de médias simples). Note-se a nítida diferença dos índices salariais de operários industriais e
ferroviários da Cia. Paulista, a partir de 1917, em favor dos primeiros. A hipótese mais consistente é de que o fato resulta do maior
grau de mobilização dos trabalhadores fabris naqueles anos.

Uma discussão rigorosa acerca do grau em que a inflação afetou as condições de vida da classe
operária, no período considerado, dependeria de dois elementos essenciais: a elaboração de curvas de
preços e salários; dados acerca da composição do orçamento dos trabalhadores.14 Não obstante seus
defeitos, os índices levantados em 1936 por Mário Cardim representam um estudo pioneiro (tabela 4.6).
À falta, ao menos por ora, de indicações mais precisas, nem por isso devemos renunciar à constatação
de que a classe operária sofreu séria redução de seu salário real nos anos 1917-21. O fato é típico das
situações inflacionárias e mais se agrava se tivermos em conta, no caso, o baixo grau de organização dos
trabalhadores. Há claros indícios de que a queda do nível de vida atingiu seu ponto mais agudo antes de
julho de 1917. Muito embora o forte aumento de preços tenha se prolongado até 1919, foi em parte
compensado pelas elevações de salários iniciadas em julho de 1917, sob a pressão dos movimentos
grevistas. Entre meados de 1913 e 1917, nas condições de depressão da mobilização operária, houve
queda até mesmo do salário nominal, enquanto os preços dispararam a partir de 1919, alcançando no país
a maior variação de todo o período de guerra (cerca de 42%) nos anos 1914-5 (tabela 4.4).
Até que ponto teria sido mantida a correlação positiva entre mobilização operária e prosperidade
econômica, no período das grandes greves? A pergunta se liga à conhecida discussão historiográfica
acerca do significado da Primeira Guerra Mundial para a industrialização brasileira. A tese
aparentemente inabalável de que o conflito mundial — ao incrementar a substituição de importações,
dadas as dificuldades do comércio exterior — havia incentivado o primeiro surto industrial do país foi
posta em dúvida por Warren Dean, com boas razões. Dean criticou os índices de produção industrial
estabelecidos por Roberto Simonsen, em que se fundamentavam os defensores do ponto de vista
tradicional, entre eles o próprio Simonsen; chamou também a atenção para o fato de que a guerra gerou
um corte na importação de bens de capital e de bens intermediários.
Entretanto, como diz Albert Fishlow, talvez a importante reavaliação de uma velha tese tenha feito o
pêndulo deslocar-se para muito longe na outra direção. Há poucas dúvidas de que a indústria atravessou
um período de dificuldades no primeiro ano e meio de conflito, recuperando-se em vários ramos a partir
de meados de 1915. A produção de tecidos de algodão aumentou consideravelmente, graças à
substituição de importações, passando a atender a 85% do mercado, no fim da guerra, contra menos de
75% no período anterior. Em 1918, a produção excedeu a de 1914 em 57% e, mesmo calculando sobre a
base mais elevada 1911-3 — pois 1914 foi um ano de depressão —, o aumento foi superior a 25%. Como
nem os salários nem o preço do algodão acompanharam a ascensão dos preços dos produtos têxteis, os
empresários obtiveram em 1916 e 1917 grandes lucros e acumularam reservas.
Fishlow mostra como o fenômeno de crescimento não estava restrito aos têxteis. Um índice de
quantidade calculada com base na produção registrada para fins de cobrança de imposto de consumo,
ponderada pelos valores adicionados de 1919, revela uma tendência semelhante. De 1914 a 1918, esse
índice cresce a uma taxa anual de 8,5% e a uma taxa mais baixa, porém ainda assim apreciável, de 4,4%,
quando os pontos extremos são alterados para bases mais favoráveis — 1911-3 e 1919.15 Após o trabalho
de Fishlow, Wilson Cano realizou uma longa refutação da tese de Dean, da qual quero ressaltar apenas um
ponto diretamente relacionado com as condições do mercado de trabalho. Cano mostra como, no curso da
guerra, houve uma significativa expansão do emprego no principal ramo que concentrava em São Paulo o
proletariado de fábrica, ou seja, a indústria têxtil algodoeira. Ao mesmo tempo, lembra como as pressões
demográficas declinaram no estado, no período 1914-20, tanto pela diminuição dos fluxos imigratórios
quanto pela passageira queda do coeficiente de natalidade na cidade de São Paulo.16 A diminuição da
entrada de imigrantes em um momento de expansão do emprego não só na indústria têxtil como
sobretudo no setor agrícola alteraram momentaneamente as condições de oferta de força de trabalho.
Esse fator pode ter contribuído objetivamente para facilitar, em São Paulo, as mobilizações dos
trabalhadores cujo móvel consciente foi sem dúvida a queda do salário real. Mas, se esses elementos
incentivaram as ações coletivas que conseguiram reduzir em parte, a partir de 1917, o brutal impacto da
elevação do custo de vida, o balanço final dos anos de guerra revelou uma deterioração das condições de
existência da classe operária.
Não exageremos, porém, o significado das condições objetivas de maior exploração na conjuntura
1917-20. Por exemplo, na história da Primeira República, os trabalhadores sofreram os efeitos da inflação
entre 1922-5, sem que desencadeassem mobilizações semelhantes às da época da guerra. Poderia ser
lembrado, sem dúvida, que o crescimento industrial teve em cada um desses períodos um ritmo diverso,
porém não é esse o ponto decisivo. Para encontrá-lo, é necessário ampliar o campo de incidência da
análise de conjuntura.
Sobre os anos 1920 pesa um lastro negativo, com a derrota da vaga dos anos de guerra difundindo-se
pela massa de trabalhadores. Em 1917, abre-se uma batalha balizada não pela derrota, mas pelo
noviciado. Noviciado das frágeis organizações que entram em contato com grandes massas; noviciado
destas em ações de maior envergadura. O acirramento do confronto de classes, em 1917-20, dificilmente
se explicaria apenas pelo quadro das relações sociais internas. À semelhança do que ocorreria vários anos
depois, no fim da Segunda Guerra Mundial, a sobredeterminação da política internacional incide
diretamente sobre a conjuntura. Como é sabido, esses são anos de um grande ascenso revolucionário na
Europa, que põe em risco a ordem capitalista. A partir de outubro de 1917, os conflitos sociais internos
recebem alento e passam a ser vistos sob uma nova ótica. De um extremo ao outro do espectro de classes
e grupos tem-se a noção de viver um momento decisivo. O fato de que a imensa maioria das reivindicações
operárias não diga respeito a demandas revolucionárias17 poderia prestar-se a enganos. A luta pela
obtenção da cidadania social importa, nas condições da época, em um choque direto contra o estado.
Subjacente a ela, em cada pequena batalha ou grande mobilização, estão presentes os lances de um
cenário maior: a Revolução de Outubro, a Revolta espartaquista, a comuna húngara, os conselhos
italianos, que o comício de 1o de maio de 1919 sintetiza, com seus cartazes em defesa da Hungria livre e
da Bavária emancipada, os vivas a Lênin e à União Soviética.18
Na classe dominante, à medida que o poder soviético se mantém e os brotos revolucionários se
estendem à Europa, toma corpo o mesmo sentimento — por certo deliberadamente potenciado, para
justificar a repressão. Às vezes ele se tempera com a astúcia parlamentar dos que aguardam “a passagem
da onda”, ou com o ceticismo de um intelectual como Gilberto Amado, cujo discurso acentua, entretanto, o
tema do país-reflexo:

Se o maximalismo vencer na França, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, nós o adotaremos aqui, de um dia para o outro, haja
ou não haja preparo ou propaganda. Um primeiro soviete provisório copiará a constituição bolchevista, como a República fez
com a constituição dos Estados Unidos; banirá a propriedade privada, como a República baniu a Igreja do Estado, por um
simples decreto; desapropriará as fábricas, abolirá os títulos da dívida do Estado, como a República aboliu os privilégios da
coroa. Tudo serenamente, sem reação e sem luta.19

Conjuntura mental, em um campo e em outro, dominado pela falsa consciência da situação? A resposta
afirmativa estaria assentada no cômodo balanço a posteriori. Por maior que tenha sido o exagero das
visões triunfalistas ou apocalípticas, os anos posteriores a 1917 até 1923 se definem na Europa por um
embate entre dois sistemas sociais cuja sorte determinaria os rumos do processo histórico por muitos
anos. O efeito de um êxito revolucionário teria nos países da América Latina evidentes limites estruturais,
mas sua história certamente não seria a mesma. E essa alternativa alentou os trabalhadores de países
cujas condições internas eram tão diversas, das minas de estanho da Bolívia às ruas da cosmopolita
Buenos Aires.

TABELA 4.7
SÃO PAULO — CAPITAL
CAUSAS DE GREVES, 1917-20
DISCRIMINAÇÃO TOTAL
SALÁRIO 55
Aumento, horas extras 34
Descontos e multas 10
Atraso 7
Redução 4
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Gerais (trabalhos por peça, 37
matéria-prima, acidentes) 17
Contramestres 12
Menores, mulheres 5
Descanso semanal 2
A favor do mestre 1
SOLIDARIEDADE (com outras
23
greves, despedidos, prisões)
LEGALIDADE SINDICAL 14
HORÁRIO 12
NÃO CUMPRIMENTO DE ACORDO 6
CARESTIA, CONSUMO EM GERAL 3
TOTAL 150

FONTE:O Combate, A Plebe. Obs.: Foi utilizado o critério de computar as reivindicações sempre que mencionadas, incluindo por
exemplo as várias reivindicações de uma única greve. É muito difícil distinguir em regra o que constitui objetivo principal e
secundário de um movimento. Por outro lado, a discriminação é relativa: o subitem horas extras pode se referir tanto a salários
quanto ao horário. A regulamentação do trabalho noturno está englobada no subitem referente a mulheres e menores. O item
“Carestia, consumo em geral” diz respeito a medidas para reduzir o preço de gêneros, de aluguéis, controlar a qualidade dos bens
de consumo. Seu pequeno número se presta a enganos; a reivindicação se formaliza em três importantes movimentos: julho de
1917, maio de 1919 e março de 1920.
TABELA 4.8
SÃO PAULO — INTERIOR
CAUSAS DE GREVES, 1917-20
DISCRIMINAÇÃO TOTAL
SALÁRIO 18
Aumento, horas extras 14
Redução 3
Atraso 1
CONDIÇÕES DE TRABALHO 7
HORÁRIO 6
SOLIDARIEDADE 6
LEGALIDADE SINDICAL 5
CRITÉRIOS DE ADMISSÃO 3
POLÍTICA 1

TOTAL 46

FONTE: O Combate, A Plebe. Para o critério utilizado, ver a tabela 4.7.

TABELA 4.9
RIO DE JANEIRO
CAUSAS DE GREVES, 1917-20
DISCRIMINAÇÃO TOTAL

SALÁRIO 27
HORÁRIO 15
CONDIÇÕES DE TRABALHO 13
Gerais (trabalho por peça, higiene, acidentes) 6
Mestres 4
Menores, mulheres 3
LEGALIDADE SINDICAL, CLOSED SHOP 13
SOLIDARIEDADE 9
NÃO CUMPRIMENTO DE ACORDO 4
POLÍTICA 2
CARESTIA 1
TOTAL 84

FONTE: A Razão, A Voz do Povo. Para o critério utilizado, ver a tabela 4.7.
5. Política e sindicato

Os anos 1917-20 serão os anos do apogeu do anarquismo e de sua crise. Centro do debate ideológico,
os libertários prevalecerão no movimento operário, na maioria das ações coletivas. Isso equivale a dizer
que não amadureceram, na etapa de ascenso da conjuntura, as condições que permitiriam colocar o
problema da construção de um Partido. Como se sabe, o efêmero Partido Comunista, criado pelos
anarquistas em junho de 1919, pagou apenas tributo ao signo da Revolução Russa e não importou em
nenhuma modificação das concepções básicas da corrente.1 Os grupos socialistas reproduziram seus
minúsculos partidos nominais, mas foram incapazes de exercer influência nos meios operários.
A estratégia anarquista oscila entre dois extremos, baseados ambos na espontaneidade das
mobilizações dos trabalhadores. De um lado, a tendência a acompanhar as mobilizações em seu nível mais
elementar, assumindo as estritas reivindicações corporativas; de outro, o esforço por justapor às ações
espontâneas um complô insurrecional com o objetivo de destruir o Estado e instaurar a sociedade
libertária, através de um grande e único ato. A meio caminho, definem-se as tentativas mais próximas do
anarcossindicalismo, no sentido de articular greves gerais, por meio de uma paralisação importante que
se procura prolongar por razões ideológicas ou pela ausência de mecanismos de mediação.
As greves gerais de São Paulo de julho de 1917 e maio de 1919, cujo padrão é muito semelhante,
aproximam-se do primeiro tipo. Em maio de 1919, enquanto tratam de formar um Conselho Geral de
operários, integrado por delegados de fábrica e representantes dos sindicatos, os libertários descartam
seu papel organizatório inicial. Pelo contrário, assinalam que, se alguma intervenção eficaz pudessem ter
tido no começo do movimento, ela iria no sentido de desaconselhar a greve — uma verdadeira provocação
dos industriais de tecidos, com excesso de estoques, interessados em paralisar as empresas por alguns
meses.2
A perspectiva insurrecional aparece nos episódios de novembro de 1918, na capital da República, e em
outubro de 1919, em São Paulo. Em ambos, combina-se com as mobilizações operárias por objetivos
econômicos, entre os têxteis no primeiro caso e os trabalhadores nos serviços de bondes e de
fornecimento de gás no segundo. Por sua vez, a tentativa de articular greves gerais surge sobretudo no
curso dos anos 1920-1: em São Paulo, na greve têxtil de março de 1920; no Rio de Janeiro, na greve
ferroviária da Leopoldina, março de 1920, e dos marítimos, em fevereiro de 1921.
Do ponto de vista regional, os anarquistas reforçaram sua hegemonia em São Paulo, com brechas entre
os têxteis, e assumiram uma posição de vanguarda no Rio de Janeiro, graças a sua implantação sobretudo
na construção civil, metalúrgicos e, parcialmente, entre os têxteis e sapateiros. Mas essa posição foi
matizada pela presença de outras tendências, como a organização das federações indica. Em São Paulo, a
Federação Operária, sob controle dos anarquistas, reconstituída em agosto de 1917, dominaria a cena. No
Rio de Janeiro, em princípios de 1919, existiam, pelo contrário, três organizações desse grau. A União
Geral dos Trabalhadores, sob controle libertário, reunindo dezesseis sindicatos, em sua maioria dos ramos
industriais;3 a Federação dos Condutores de Veículos, defensora de uma posição sindicalista que
cooperaria muitas vezes com os anarquistas, como revela sua presença no Terceiro Congresso Operário,
em abril de 1920, e sua adesão à tentativa de greve geral desfechada pelas associações libertárias
naquele ano; a Federação Marítima, composta de doze sindicatos, onde predominavam os chamados
amarelos, fundada em 1916 após uma greve vitoriosa dos marítimos que se recusavam a ser enquadrados
como reserva naval.4
Manteve-se assim, embora com alguns novos contornos, a grande linha de diferenciação ideológica no
Rio de Janeiro entre o setor industrial e o setor de serviços. Mesmo nos ramos industriais, a presença não
libertária teve alguma significação. Duas facções, como veremos, disputaram ao longo dos anos o
comando da organização única dos têxteis — a União dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT),
fundada em agosto de 1917. Entre os sapateiros, existiram duas entidades em seguida disputa nos anos
1917-8: a Liga dos Operários em Calçado, de orientação sindicalista, herdeira da União Auxiliadora dos
Artistas Sapateiros; a União Geral dos Trabalhadores em Calçado, sob influência libertária. A primeira
dessas organizações teve nesses anos maior significado, dirigindo as principais greves do ramo, em uma
linha conciliatória. Assim, em abril de 1918, conduziu uma paralisação (combinada com um lockout) para
a qual pediu a mediação do presidente Venceslau Brás. Quando a greve terminou, realizou-se uma
assembleia sindical, onde grande número de oradores se declararam trabalhistas, não poupando elogios à
atitude presidencial. As duas associações acabaram por fundir-se em meados de 1919, formando a Aliança
dos Trabalhadores em Calçado, que compareceu ao Terceiro Congresso Operário representada por uma
ostensiva figura libertária — José Elias da Silva.5
No ramo gráfico, a Associação Gráfica do Rio de Janeiro seguiu, em linhas gerais, uma orientação
“trade-unionista”. Quando se cogitou da formação da UGT, em março de 1918, os gráficos dos grandes
jornais dirigiram uma petição à entidade, solicitando que ela não se incorporasse ao organismo. Uma
reunião sindical, entremeada de alguns ataques à estratégia anarquista, acolheu o pedido.6
No setor marítimo, o núcleo dos “coronéis” conservou sua importância, fazendo uma aparição
espetacular por ocasião da greve da Leopoldina. Curioso movimento, no quadro da época, onde a natureza
dos adversários permite que as reivindicações de sempre venham mescladas com um tom nacional: de um
lado, há grande porcentagem de trabalhadores brasileiros; de outro, um grupo inglês, com sede em
Londres. Nas assembleias de grevistas explodem os gritos de “morram os ingleses, viva a greve”. Em
carta dirigida à Voz do Povo, um operário alude à justiça das reivindicações, lembrando existir
trabalhadores na empresa com vinte anos de serviço cujo salário é de 200$000 mensais. Enquanto isso,
“um inglês estúpido e ignorante, desconhecendo por completo nosso idioma, é importado dos confins do
Judas, e apenas aqui chegado, com toda sua estupidez e ignorância é elevado a chefe de seção, com
ordenado superior a 1000$000, somente para dormir na seção, na hora do expediente”.7
A intervenção dos dirigentes dos sindicatos marítimos surgiu no momento de declínio da greve,
submetida a uma intensa repressão. Autointitulando-se representantes dos ferroviários, mantiveram um
encontro, em 27 de março de 1920, com o presidente Epitácio Pessoa, visando pôr fim ao movimento que
desembocara em uma greve operária generalizada. Em troca de uma vaga promessa presidencial — em
grande parte não cumprida — de libertar os presos que não tivessem cometido delitos e de restringir as
dispensas aos elementos incompatíveis com a Companhia, os “coronéis marítimos” conclamaram a volta
ao trabalho, com ampla cobertura da imprensa. A Federação de Condutores de Veículos lançou um
manifesto, denunciando a ação do grupo, “responsável pela entrega, em palácio, de mais de 60 000
homens de mãos amarradas, ao governo e à Leopoldina”.8 A atitude dos “coronéis” não foi um fator
decisivo na liquidação da greve, como pareceu aos contemporâneos. Mas foi um símbolo tanto da
fragilidade da organização dos trabalhadores da empresa ferroviária como do papel que a burocracia
sindical do porto se dispunha a desempenhar. Restaria verificar o grau de sua representatividade. O
simples fato de que seu desempenho tenha sido acompanhado de uma torrente de protesto das
organizações independentes e do silêncio do setor é um indício pelo menos de sua influência na área
marítima.
No declínio da vaga de ascenso do movimento operário, os anarquistas esforçaram-se por penetrar
nessa área estratégica. Os organizadores do Terceiro Congresso Operário lançaram um apelo para que as
associações representativas dos marítimos comparecessem à reunião, com algum êxito.9 A partir daí,
tentaram constituir uma Federação cujo objetivo era duplo: organizar trabalhadores, excluindo oficiais,
comissários, gerentes de docas; livrar-se do núcleo de burocratas, estes “nacionalistas que se
banqueteiam com capitalistas estrangeiros, pescadores de votos para se eleger ao Conselho Municipal,
antigos operários que renegam suas origens”.10 A tentativa fracassou, mas de sua base entre taifeiros e
cozinheiros de bordo, os libertários tiveram um papel de certa relevância nas greves marítimas de 1920-1.
Sua função detonadora aparece na longa greve iniciada em novembro de 1920 que abrangeu todo o setor.
Ao lado da Associação dos Marinheiros e Remadores, a paralisação foi desfechada por um sindicato de
influência libertária que se afastara do Centro Marítimo dos Empregados de Câmara. A direção deste
desaprovou a greve, condenou a propaganda anarquista e dispôs-se a “salvar o Lloyd Brasileiro”,
fornecendo taifeiros para o serviço de vários navios.11
A questão da organização autônoma da classe operária é um dos eixos da conjuntura 1917-20.
Gradativamente, ganham relevância os temas do reconhecimento do sindicato pelos empresários e de
modo implícito pelo estado; do direito de associação; da competência do sindicato para intervir na ordem
interna das empresas, através de seus delegados. Na raiz da luta, está o processo, ainda que efêmero e
desigual, da transformação das entidades sindicais em organismos representativos.
O Rio de Janeiro se encontra à frente desse processo através do qual os sindicatos se transformam, a
um tempo, em núcleo de organização e de controle. Desde o início de 1917, a Federação Operária carioca
realiza uma campanha nos bairros populares, a princípio contra a carestia da vida e depois pela
organização dos trabalhadores, da qual resulta o surgimento de alguns sindicatos dos mais combativos,
como a União Geral da Construção Civil e a União Geral dos Metalúrgicos.12 É significativo o fato de que
São Paulo, e não a capital da República, abra em julho de 1917 o período das grandes greves. No contexto
sociocultural da cidade, o espírito de revolta se combina com os profundos efeitos da desorganização do
movimento operário, a partir de meados de 1913. Daí decorre uma mobilização agressiva e mais próxima
dos casos-limite das ações espontâneas. Quando em julho de 1917 uma greve se generaliza no Rio de
Janeiro, em parte sob o impacto dos acontecimentos de São Paulo, chegando a abranger cerca de 100 mil
trabalhadores, seu padrão se define pelo menor índice de espontaneidade e de violência.
É difícil quantificar o grau de representatividade dos sindicatos. Os registros — quando existentes —
desaparecem nas frequentes invasões das sedes associativas; as associações autônomas não enviam cifras
para publicações oficiais, que têm pouco interesse por um levantamento de dados em uma área
considerada ilegítima. Admitida a enorme imprecisão, alguns números repontam aqui e ali. Assim, o
deputado Nicanor Nascimento afirmava haver em junho de 1918 cerca de 70 mil trabalhadores
sindicalizados no Rio de Janeiro, nos principais grêmios, excluída a área marítima, assim distribuídos:

TABELA 5.1
RIO DE JANEIRO — REPRESENTATIVIDADE SINDICAL, 1918
SINDICATOS No DE FILIADOS
União dos Op. em Fab. de Tecidos + de 19000
Centro Cosmopolita + de 4500
Associação dos Cocheiros e Carroceiros + de 4000
União dos Metalúrgicos 3500
Associação Gráfica + de 3000
Centro dos Choferes + de 3000
União da Construção Civil 3000
União dos Trabalhadores em Calçados 2500
Centro dos Emp. em Ferrovias 2500
Sindicato das Pedreiras 2500
União dos Alfaiates cerca de 2000
União dos Barbeiros cerca de 2000
Liga Federal dos Op. em Padarias cerca de 2000
União dos Chapeleiros cerca de 2000
Centro dos Carregadores cerca de 2000
Sindicato dos Entalhadores cerca de 2000
Sindicato dos Manipuladores cerca de 2000
Centro dos Marmoristas + de 1000
Sindicato dos Vassoureiros 1000

FONTE: Anais da Câmara dos Deputados (1918). Rio de Janeiro, 1919, v. III.

As demonstrações de rua, a frequência às assembleias sindicais são indícios de que, no curso de 1919,
esses números se ampliaram bastante. Em um balanço comemorativo de 1o de maio daquele ano, A Razão
assinalava existirem sindicatos expressivos, de todas as categorias de trabalhadores, exceto os
desorganizados empregados da Light e em grande medida os ferroviários.13 A União dos Operários em
Fábricas de Tecidos afirmou várias vezes contar com 40 mil sócios, mas a cifra deve ser vista com cautela,
pois se destinava a mostrar sua representatividade, diante dos centros dos industriais.
Ao longo do período, o sindicato ganha relevância não só como instrumento de luta pela cidadania
social, mas como núcleo organizador do lazer e de uma subcultura operária, apenas esboçada. É a época
dos grandes festivais no Parque São Jorge, em São Paulo, no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, com a
presença de milhares de pessoas. Neles se combinam a recreação, as expressões simbólicas de
solidariedade, tão vivas nesta festa da Construção Civil carioca de setembro de 1920, descontado o tom
edificante do relato:

O aspecto geral do Jardim Zoológico era encantador. Desde o meio-dia começaram a afluir ao logradouro centenas de operários
acompanhados de suas respeitáveis famílias. Num palanque logo à entrada desdobrava-se a bandeira vermelha da Construção
Civil. As alamedas apinhavam-se de operários em excursão e passeio. A orquestra da Construção Civil, afinada, chamava a
atenção dos que lá se achavam, executando escolhidos e harmoniosos trechos do seu repertório […]. Na grande arquibancada,
às duas horas, já era grande a afluência: lá iam ser disputadas as provas desportivas as quais transcorreram animadíssimas e
brilhantes. Houve corrida de bicicletas, luta romana, match de futebol entre os times de Vila Isabel e de Mangueira, jogo de
pau, corridas de obstáculos etc. […]. Avisada que o camarada Mâncio ia falar da arquibancada, toda a grande multidão, após a
terminação do match invadiu o campo, concentrando-se em frente à arquibancada. O camarada Mâncio […] declarou-se
sensibilizado com aquela festa brilhantíssima que era a prova da consciência e da solidariedade dos trabalhadores […]. Refere-
se ligeiramente à desigualdade econômica do regime burguês e declara que apesar de todas as ignomínias, de todas as
opressões, o proletariado continuará na sua luta tenaz e vigorosa à conquista de sua emancipação e sua liberdade. Continua
lutando em benefício da obra perene da justiça humana, forte e coeso nas trincheiras dos seus sindicatos, até que um dia as
suas bandeiras vermelhas de rebelião tremulem nas oficinas e nas fábricas, da mesma forma que flutuam neste momento nos
estabelecimentos industriais tomados ao patronato pelos companheiros italianos […]. Cerca de quatro horas foi cantada a
“Internacional”, por uma grande massa de operários entre declamações e vivas à solidariedade e emancipação dos
trabalhadores […]. Esteve animadíssima também a parte teatral. Subiu à cena a engraçadíssima comédia em três atos “Hotel
dos Sarilhos” e um bem organizado ato de cabaré com o acompanhamento da orquestra da Construção Civil.14
TABELA 5.2
SÃO PAULO — CAPITAL
GREVES POR CATEGORIAS PROFISSIONAIS, 1917-20
CATEGORIAS SEÇÃO DE EMPRESA EMPRESA RAMO TOTAL
Têxteis 5 25 1 31
Gráficos — 12 — 12
Sapateiros 3 8 1 12
Metalúrgicos 2 5 1 8
Chapeleiros — 5 1 6
Bebidas, alimentação 1 4 — 5
Construção Civil — 2 3 5
Vidreiros — 4 1 5
Cerâmica — 4 — 4
Madeira — 3 1 4
Canteiros — 2 1 3
Carga e descarga — 3 — 3
Ferroviários — 2 1 3
Máquinas — 3 — 3
Serviços Públicos — — 3 3
Carris Urbanos — — 1 l
Garçãos — 1 1
Padeiros — — l 1
Papel — 1 — 1
Vestuário e toucador — 1 — 1
TOTAL 11 85 16 112

FONTE: O Combate, A Gazeta, A Plebe. Obs.: Não estão computadas na discriminação as greves gerais de julho de 1917 e maio de
1919. O total de greves e a discriminação não coincidem porque, além da exclusão das greves gerais, foram decompostas as
interprofissionais. Ressalte-se a natureza meramente indicativa da tabela. Por exemplo, na impossibilidade de esclarecer algumas
paralisações ocorridas nas oficinas da SPR, considerei-as como movimentos de ferroviários, embora pudessem entrar no ramo dos
metalúrgicos.

Do ponto de vista setorial, a vaga de mobilizações tem um nítido recorte cronológico. O setor industrial
é o principal responsável pela grande onda, enquanto a maioria das greves em serviços se abre no limiar
ou no curso do descenso: março de 1920, as greves gêmeas no padrão sangrento e no tempo, da Mogiana
e da Leopoldina; julho e setembro, as paralisações no cais do Rio de Janeiro e entre taifeiros do Lloyd;
dezembro de 1920 e fevereiro de 1921, a greve das docas de Santos, muito próxima na sequência
temporal à paralisação dos marítimos na capital da República. Nessa diacronia se espelham a escassa
coordenação do movimento operário e as diferenças ideológicas prevalecentes nos dois setores, em suas
linhas gerais.
O proletariado de fábrica constitui a espinha dorsal de toda a etapa de ascenso (tabelas 5.2 a 5.4), e o
momento de sua derrota marca tanto no Rio de Janeiro (junho/julho 1919) como em São Paulo (março de
1920) uma virada decisiva. Gradativamente, sua velha combatividade se associa com um grande esforço
organizatório, que toma impulso nos dois sentidos — a partir da base e a partir da direção — até se tornar
o ponto fundamental do conflito de classe. Acompanhemos os passos mais expressivos desse conflito e de
seu desfecho.
Nas duas grandes greves de 1917, os têxteis se destacam, com um ímpeto mesclado à incipiente
organização. Sua mobilização se faz através das ligas de bairro, dos núcleos de empresa, sem que exista
um sindicato da categoria. Ele surge no Rio de Janeiro, no correr da greve, sob a liderança de uma figura
controvertida, José Pereira de Oliveira — acusado pelos comunistas, na década de 1920, de ser um agente
policial infiltrado entre os trabalhadores.15 No acordo que põe fim ao movimento, com a mediação do
chefe de polícia Aurelino Leal, fica assegurado o direito de associação dos têxteis, comprometendo-se
estes a não admitir em seu meio “pessoas estranhas”.
Os compromissos com as classes inferiores, nas condições da época, carecem de qualquer garantia
formal e passam diretamente pela prova de uma desfavorável relação de forças. Em novembro de 1917,
em meio ao clima patriótico que acompanha a entrada do Brasil na guerra, surgem greves nas grandes
fábricas cariocas, onde se condena o apoio ao governo e se pede de novo o reconhecimento da UOFT e de
seus delegados nas empresas.16 O primeiro item, em um nível um pouco mais formalizado, foi acolhido
através de um novo acordo firmado entre o sindicato e o Centro Industrial, prevendo o reconhecimento da
UOFT e seu direito de encaminhar reivindicações pessoais e coletivas; a possibilidade de reconsiderar
despedidas injustas, havendo concordância entre ambas as partes; aumento de 30% e 56 horas semanais
de trabalho; dispensa da obrigação de o operário ensinar o ofício.17 Não era estranha à viabilidade do
entendimento a crescente representatividade do sindicato, que, em novembro 1918, afirmava ter 30 mil
sócios.18

TABELA 5.3
SAO PAULO — INTERIOR
GREVES POR CATEGORIAS PROFISSIONAIS, 1917-20
CATEGORIAS EMPRESA OU SEÇÃO RAMO TOTAL
Têxteis 7 2 9
Canteiros 3 3 6
Construção Civil — 4 4
Ferroviários 3 1 4
Carris Urbanos — 3 3
Portuários — 3 3
Carga e Descarga — 2 2
Gráficos — 2 2
Indústria do Frio 1 1 2
Máquinas — 2 2
Padeiros — 2 2
Cerâmica — 1 1
Chapeleiros 1 — 1
Madeira 1 — 1
Metalúrgicos 1 — 1
Sapateiros — 1 1
TOTAL 17 27 44
FONTE: O Combate, A Plebe. Para o critério utilizado, ver a tabela 5.2.

TABELA 5.4
RIO DE JANEIRO
GREVES POR CATEGORIAS PROFISSIONAIS, 1917-20
CATEGORIAS EMPRESA RAMO TOTAL
Têxteis 22 4 26
Construção Civil 3 5 8
Sapateiros 4 4 8
Marítimos 4 3 7
Madeira 3 2 5
Carga e Descarga 4 — 4
Gráficos 3 1 4
Marmoristas 1 3 4
Metalúrgicos 1 3 4
Cocheiros 3 — 3
Ferroviários 2 — 2
Fumo e Bebidas — 2 2
Portuários 2 — 2
Vidreiros 1 — 1
TOTAL 53 27 80

FONTE: A Razão, A Voz do Povo. Não está computada na discriminação a greve geral de julho de 1917. Para o critério utilizado, ver
a tabela 5.2.

A resistência individual dos grandes empresários, os efeitos de gripe espanhola concorreram para a
rápida quebra das cláusulas do acordo, daí nascendo a tempestuosa greve de novembro e dezembro de
1918, combinada com a tentativa de insurreição anarquista. Apesar da repressão, a UOFT se reconstituiria
rapidamente sob a liderança de Pereira de Oliveira, em janeiro de 1919, e iria se envolver em um curioso
episódio revelador das diferenças organizatórias no movimento operário do Rio de Janeiro e de São Paulo.
No curso da greve generalizada de maio de 1919 na capital paulista, o Conselho Geral dos operários,
constituído efemeramente naqueles dias, apelou à UOFT e aos deputados Nicanor Nascimento e Maurício
de Lacerda para que viessem auxiliá-lo em uma difícil emergência. Formou-se uma delegação composta de
Nicanor, dois dirigentes têxteis — sendo um deles Pereira de Oliveira — e dois dirigentes dos sapateiros.
Os representantes da UOFT, em contato com Francisco Matarazzo, acabaram por se transformar no
interlocutor que permitiria dar uma saída ao conflito no ramo têxtil: um acordo, acolhendo boa parte das
reivindicações, posteriormente aceito por outras empresas, foi firmado entre as partes.19 Estranho acordo
onde um sindicato carioca representa operários paulistas, para nossos olhos habituados a uma estrita
formalização. Símbolo, entretanto, de uma época de conflito não institucionalizado entre duas classes,
onde os canais de contato são escassos e o estado não desempenha um papel regulador.
A sorte da associação têxtil de massas e o próprio destino das lutas da categoria jogou-se na greve de
junho e julho de 1919. Ela envolvia uma série de reivindicações acerca de salários, condições de trabalho,
readmissão de operários demitidos na greve de novembro de 1918, mas tinha como eixo o
reconhecimento da organização sindical por parte dos empresários. Estes dividiam-se em dois grupos: o
Centro Industrial do Brasil, sob a presidência de Jorge Street e cuja representação era minoritária e em
grande medida confinada à indústria de lã, dispunha-se a conceder, chegando mesmo a um acordo; em
campo oposto, situava-se o Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão (CIFTA), recém-
constituído, reunindo as maiores empresas. Suas concessões limitavam-se ao oferecimento de um
pequeno aumento salarial que seria anulado pela fixação das oito horas de trabalho, enquanto a recusa ao
reconhecimento do sindicato — uma das razões básicas da divisão dos industriais — era frontal. O CIFTA
tinha consciência do alcance da luta e seguiu uma linha de crescente intransigência, a ponto de negar
uma oferta mediadora do chefe de polícia. Não obstante a intensa mobilização operária, expressa em
manifestações de rua com cerca de 15 mil participantes, os têxteis acabaram por ceder aos golpes de uma
intensa repressão.
No Rio de Janeiro, esta seria a última grande aparição de toda a categoria, à luz do dia, por vários anos.
Ao mesmo tempo, a UOFT começaria a trilhar o caminho nem sempre linear do declínio. O comportamento
da direção sindical tornou-se alvo de fortes críticas após o desenlace da greve. Pereira de Oliveira e o
secretário do sindicato Rafael Garcia foram acusados de conduzir a greve com excessivo pacificismo, “só
justificável se estivessem à frente de uma área estratégica como a dos transportes”. Não faltaram também
censuras a seus contatos com a chefia da Polícia e ao fato de terem encaminhado um relatório ao
presidente Epitácio Pessoa.20 A pressão resultou na renúncia da diretoria em setembro de 1919, mas os
novos dirigentes, com forte influência libertária, não puderam evitar a crise da entidade. No terceiro
aniversário de sua fundação, já se formara a imagem de um grande passado que se procurava recuperar.
Apelando à volta da massa ao sindicato, a direção lamentava também a atração relativa exercida por
“amarelos e urubus de batina”.21
A UOFT de São Paulo surgiu somente durante a greve de maio de 1919, tendo, porém, um rápido avanço
no curso de alguns meses. Com uma sede central no Brás e várias sucursais de bairro, iniciou uma ampla
campanha de sindicalização, dentro de uma linha moderada e de controle das comissões de fábrica, cuja
existência tolerava desde que submetida ao organismo sindical como órgão de nível superior:

A União não aprova nenhum ato de indisciplina que se verifique dentro das fábricas (praticado) por operários e também não
aprova aqueles que incitem outros para a paralisação do serviço. Para os que assim procederem, a União intervirá com energia,
tomando as necessárias medidas para fazer-se respeitada em benefício da classe. O nosso programa é bem definido: conseguir
o máximo do bem-estar para os trabalhadores […]. As Comissões Internas não devem absolutamente consentir que o trabalho
seja interrompido, sem primeiro a União haver autorizado essa medida, da qual só se lançará mão quando se tratar de um caso
de importância e que não possa ser resolvido por negociações e discutido em Assembleia Geral, nas sedes da União e da
sucursal.22

Nos últimos meses de 1919, a UOFT dirigiu-se às maiores fábricas têxteis, pleiteando seu
reconhecimento e o das comissões internas. Estabeleceu-se por breve tempo um curioso diálogo no qual
se espelhou a intransigência dos industriais no tocante aos organismos de base e à expectativa de que o
sindicato pudesse exercer funções de controle. O Cotonifício Crespi, por exemplo, cuja direção estava
longe de constituir um modelo de flexibilidade, dizia-se disposto a aceitar entendimentos, desejando antes
saber quais as atribuições das Comissões internas e a forma de sua eleição. Quanto à UOFT, dispunha-se a
reconhecê-la desde que demonstrasse poder impor as mesmas condições gerais de trabalho e de salário
para toda a categoria e revelasse capacidade de garantir o cumprimento dos acordos por ela firmados,
por parte dos operários.23 Em meio à série de greves daquele ano, esses contatos tinham na verdade o
caráter de escaramuças, diante de uma crescente polarização de forças. Não por acaso,
concomitantemente com as mobilizações e com o ressurgimento da UOFT, os industriais haviam afinal
criado o Centro das Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo (CIFTSP), após a remota tentativa de
aglutinar todo o setor, que datava de 1907.
O confronto se abriu em março de 1920, quando o CIFTSP decidiu não permitir a cobrança de
mensalidades sindicais nas empresas. Operários de algumas firmas — entre elas os da anglo-argentina
São Paulo Alpargatas — responderam com a greve, que se combinou com um lockout parcial. A partir daí,
a paralisação se generalizou. Imediatamente, a UOFT publicou um longo manifesto, denunciando o lockout
como manobra destinada a liquidá-la. O tom do documento era moderado. Lembrava que a União
organizara a classe e tornara mais harmônica sua ação, fazendo com que seus movimentos passassem a
obedecer a deliberações coordenadas e metódicas. Tinha evitado assim agitações imponderadas, em
benefício da própria indústria. Por certo, conseguira controlar a vontade discricionária de industriais
gananciosos, obtendo melhorias salariais e de condições de trabalho. Mas exatamente para isso existiam o
sindicato e as comissões de empresa que não só haviam impedido a anulação dessas conquistas como
também dirimido muitos incidentes nos locais de trabalho, no interesse de patrões e operários. Diante do
lockout, a UOFT exigia o reconhecimento definitivo das comissões de empresa, o direito de cobrança das
mensalidades e o pagamento dos dias de greve. Não assumia, porém, responsabilidade pelo vulto do
movimento: dezenas de milhares de trabalhadores, dizia, tinham abandonado espontaneamente o serviço
em um momento de dificuldades econômicas, não obstante os conselhos da União e dos sindicalizados.24
O conflito desenvolveu-se dentro de linhas previsíveis. Enquanto a Federação Operária tentava realizar
uma greve geral em parte frustrada, a polícia espancava trabalhadores, efetuava prisões e impedia as
reuniões da UOFT, cuja sede foi afinal fechada. A repressão não cedeu, apesar da vinda a São Paulo do
deputado Maurício de Lacerda, a pedido da UOFT, para manter contato com as autoridades paulistas.25 O
tema do direito de associação, por sua vez, entrelaçou-se com reivindicações salariais, continuando a ser,
porém, o eixo do conflito. Afinal, sob forte pressão, os grevistas voltaram gradativamente ao trabalho em
fins de abril de 1920, após quarenta dias de greve, sem nada obter.
Tal como ocorrera no Rio de Janeiro, a derrota de um movimento que buscara alcançar um direito
fundamental não seria episódica. As mobilizações da categoria ficariam restritas ao mundo das empresas,
e a UOFT perderia sua representatividade. Em julho de 1920, uma direção libertária, sempre pronta a
atirar sobre as bases a responsabilidade pelas derrotas, apelava aos têxteis para que viessem reerguer
aquela que fora “a maior entidade operária da América do Sul”, reduzida à impotência por culpa dos
próprios trabalhadores, da astúcia patronal e da hipocrisia dos padres.26
A luta pela organização autônoma do proletariado de fábrica terminou assim com uma aberta derrota,
nos dois maiores centros urbanos do país. Mas a simples existência dessa luta mostra que do handicap
desfavorável representado por algumas condições estruturais conhecidas — composição interna da
categoria, oferta abundante de força de trabalho — não se pode deduzir um “estado natural” de
desorganização dos trabalhadores têxteis, por maior que tenha sido o peso de tais condições. No período
do primeiro desenvolvimento industrial do país, a organização/desarticulação dos têxteis tem uma
história, submete-se a uma prova de força cujo resultado não é conhecido antecipadamente. A orientação
estatal violentamente repressiva, a estratégia das lideranças operárias, o grau e o tipo de organização da
categoria são fatores importantes no desenlace do conflito.
Se os têxteis apareceram como eixo de toda a conjuntura, nem por isso os antigos sindicatos de ramos
onde predominavam as indústrias semiartesanais deixaram de ter relevância. As associações da
construção civil e dos metalúrgicos ressurgiram e ganharam maior representatividade.27 Ao lado delas, no
Rio de Janeiro, uma entidade de empregados, como o Centro Cosmopolita, desempenharia também um
papel de núcleo de aglutinação dos operários. Não por acaso, a União da Construção Civil, a União dos
Metalúrgicos e o Centro Cosmopolita foram o alvo constante da repressão entre 1919-20, sendo suas
sedes por várias vezes fechadas provisoriamente.28 Quando a UOFT entrou em declínio, esses sindicatos
sustentaram ainda uma luta de certa importância. Em outubro de 1920, por exemplo, a construção civil
desfecharia uma greve não econômica, com a adesão dos sapateiros, contra o desaparecimento do
dirigente sindical Antônio Silva e pela libertação de trabalhadores presos. Mas o refluxo geral, a partir da
derrota dos têxteis, acabaria por se espraiar a todo o mundo do trabalho.
6. Duas mobilizações

A GREVE PAULISTA DE 1917

A escolha de algumas mobilizações coletivas como objeto de uma análise mais detida, no quadro da
conjuntura 1917-20, tem muito de artificial. Há, porém, dois episódios que expressam, em sua semelhança
e diversidade, o padrão das relações sociais entre classes e grupos, o comportamento do Estado, as
orientações no campo sindical e da política, a aproximação e a distância entre base e direção: a greve
geral de julho de 1917, em São Paulo, e o movimento de novembro de 1918, no Rio de Janeiro.
Julho de 1917 assumiu na memória social o sentido de um ato simbólico e único. Símbolo de uma
mobilização de massas impetuosa, das virtualidades revolucionárias da classe operária, de organizações
sindicais representativas, não contaminadas pela infecção burocrática. Retomado em suas dimensões
históricas, o episódio se distancia da imagem da Idade de Ouro perdida. Dessa vez, longe de ser um
fenômeno isolado, abre com um imenso eco uma fase de ascenso do movimento operário.1
Os sintomas de ativação das reivindicações dos trabalhadores, após anos de profunda depressão,
surgem em São Paulo nos primeiros meses de 1917, localizando-se no ramo têxtil. O centro de
prolongados atritos é o Cotonifício Crespi, grande empresa de fiação e tecelagem de algodão, localizada
na Mooca, com mais de 2 mil trabalhadores. A 9 de junho de 1917, a resolução patronal prolongando o
serviço noturno é mal recebida pelos operários, que respondem com a exigência de aumento de 15% a
20% do salário. Uma seção da fábrica, abrangendo quatrocentos trabalhadores, entra em greve, e as
reivindicações se ampliam: abolição das multas, regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores,
modificação do regime interno da empresa, supressão da contribuição “pró-pátria”. A última exigência se
perderia na torrente das semanas seguintes, mas era bastante significativa. No curso da guerra, entre
alguns círculos da numerosa colônia italiana de São Paulo, desenvolveu-se uma intensa campanha de
apoio à Itália. A contribuição “pró-pátria”, cujas listas enchiam as colunas dos jornais da colônia,
entremeadas com a descrição das batalhas em que o país estava envolvido, era descontada do salário dos
trabalhadores de origem italiana. A presença dessa reivindicação é indicativa de que o surto patriótico
não alcançava os operários, pelo menos quando repercutia em seu minguado bolso.2
Depois de recusar-se a acolher as exigências, Crespi paralisa totalmente a fábrica, procurando forçar a
volta ao trabalho, em 22 de junho. Alguns dias depois, em 26 de junho, surge uma greve em outra
empresa têxtil — A Estamparia Ipiranga —, de Nami Jafet & Cia., localizada no bairro do Ipiranga,
abrangendo aproximadamente 1600 operários. As exigências são semelhantes às dos grevistas da Crespi,
com algumas variações: o aumento salarial pleiteado oscila entre 20% e 25%, não há contribuição “pró-
pátria” por suprimir, mas há dois meses de salários em atraso. A direção da empresa se inclina ao
compromisso. Após dez dias de greve, todas as reivindicações são aceitas e os trabalhadores voltam ao
trabalho.3 Até essa altura, apesar da extensão do movimento a algumas empresas menores, a paralisação
é restrita e parece concentrar-se no Cotonifício Crespi. Mas o ânimo dos grevistas e sua intransigência
são sintomáticos. As primeiras prisões provocam passeatas e comícios, tanto nos bairros operários como
no centro da cidade, onde se realizam manifestações diante dos jornais. A solidariedade começa a
reforçar-se: logo após a aceitação de suas exigências, os trabalhadores de Jafet se deslocam do Ipiranga
para a Mooca, a fim de expressar aos grevistas do Cotonifício Crespi a promessa de ajuda material. No
curso da paralisação, haviam recusado uma contraproposta da empresa pela qual os salários atrasados
seriam postos em dia e haveria um aumento médio de 13%; por sua vez, uma oferta de aumento entre 5%
e 15%, apresentada por Crespi, não alcançou êxito. Aí também a insuficiência da proposta se mesclava
com a solidariedade como razão da recusa, pois a firma negava-se a aceitar a volta ao trabalho de alguns
operários considerados responsáveis pela greve.
Em todas as mobilizações, destacam-se as mulheres. Sua participação é notada nos discursos de rua,
nas reuniões da Liga Operária da Mooca. Quando o delegado do bairro do Brás intima grevistas a
comparecer à delegacia, nos primeiros dias da paralisação na fábrica Crespi, formam-se duas comissões
— de homens e de mulheres —, que são atendidas separadamente pelo delegado Bandeira de Mello.
A 7 de julho, a greve alcança uma empresa importante fora do setor têxtil — a fábrica de bebidas
Antarctica, situada na Mooca, com cerca de mil operários. Anteriormente, os trabalhadores tinham
enviado, sem resultado, vários ofícios à direção da firma, solicitando aumento de 13% dos salários e a
fixação de nove horas de trabalho. Reclamava-se contra o prolongamento da jornada sem acréscimo nas
horas extras, durante o verão, quando a demanda de bebidas se incrementava, e contra as suspensões por
pequenas ou imaginárias faltas, no período de recesso do inverno. Ao mesmo tempo, começam a se
produzir choques entre a Força Pública e a massa popular, diante do Cotonifício Crespi e da Antarctica.
Na manhã de 9 de julho, piquetes grevistas conduzindo cartazes onde se pede o boicote dos produtos da
Crespi deslocam-se na direção da fábrica têxtil Mariângela (Brás) — de propriedade das Indústrias
Reunidas Francisco Matarazzo — para conclamar os operários a abandonar o trabalho. Um grupo espatifa
a tiros uma carroça da Antarctica, após fazer descer o carroceiro e o soldado que o protege. À porta da
Mariângela, arma-se um conflito. Para aí se dirigem o delegado de polícia (Tirso Martins) e um ajudante
de ordens do secretário da Justiça e Segurança Pública, Eloy Chaves, sendo recebidos com vaias e morras.
Tirso Martins se retira, conferencia com o presidente do estado Altino Arantes. Rapidamente, decidem
reforçar o policiamento e dispersar as manifestações. Uma tropa da Força Pública, formada por trinta
cavalarianos e cinquenta soldados armados de rifle, segue para o bairro do Brás. De volta à fábrica
Mariângela, avança sobre a massa a tiros e cargas de cavalaria. Há feridos de ambos os lados, em maior
proporção entre os operários. Atingido por uma bala no estômago, o sapateiro anarquista Antonio
Martinez morre no dia seguinte. Nesse ínterim, a paralisação se estende, abrangendo 35 empresas com
mais de 15 mil grevistas, entre os quais se encontram os trabalhadores da Mariângela e da Estamparia
Ipiranga, estes agora em greve de solidariedade.
O enterro do jovem Martinez simboliza o momento de passagem de uma grande greve para uma
paralisação total da cidade, com a multiplicação dos atos violentos. Sob uma chuva fina, em coluna
cerrada, cerca de 10 mil pessoas acompanham o cortejo que sai do Brás em direção ao cemitério do
Araçá, na manhã de 11 de julho, devendo passar inevitavelmente pelas ruas centrais. Uma tentativa de
forçar o caminho em direção à Central de Polícia para libertar vários grevistas é repelida pelos
destacamentos de milicianos, postados na via pública em vários pontos do cortejo. No cemitério, a tensão
cresce em meio às flores, ao choro, aos gritos de justiça, aos discursos com alusões a Réclus, Malatesta,
Kropotkin. Quase cinquenta anos mais tarde, Edgar Leuenroth relataria como o trabalho parou, por uma
espécie de comunicação afetiva:

Após o enterro, uma multidão estaciona na avenida Rangel Pestana e logo depois é assaltada uma carrocinha de pão. Essa
ocorrência teve o efeito de chispa lançada ao rastilho de pólvora. Parece ter servido de exemplo e estímulo para que a mesma
ação fosse praticada em muitas partes da cidade. Foi o que aconteceu com uma rapidez fulminante, como se um veículo de
comunicação de excepcional capacidade pusesse em contato todo o elemento popular paulista. As fábricas e oficinas esvaziam-
se, enquanto as ruas se povoam de multidões, movimentando-se agitadas em todos os sentidos.4

Nos três dias seguintes ao enterro, a greve se tornaria total. Os bondes deixam de funcionar, em parte
por iniciativa dos empregados, em parte por decisão da empresa concessionária (São Paulo Tramway,
Light and Power Co.), diante dos repetidos ataques aos veículos. Os trabalhadores do único núcleo
importante na cidade ligado aos serviços ferroviários — as oficinas da São Paulo Railway com 2 mil
operários — abandonam também o trabalho. Seguem-se os gráficos, cuja paralisação tardia foi parcial,
pois os jornais não cessaram de funcionar. O número de grevistas entre 12 a 15 de julho cresce de cerca
de 25 mil para 45 mil pessoas, ponto mais alto do movimento.
Por sua vez, as ações agressivas e os choques entre a massa e a Força Pública se multiplicam. Há
assaltos a armazéns, padarias, aos veículos que se arriscam a transitar pelas ruas, a algumas casas
particulares. Durante algum tempo, a massa toma conta dos arrabaldes, impede a vinda de alimentos para
os que habitam na área central. Grupos investem contra uma feira livre que se realiza no bairro do
Bexiga, destruindo o que lá se encontrava. Como na “revolta da vacina” do Rio de Janeiro (1904), na
semana trágica de Buenos Aires (janeiro de 1919), os lampiões de iluminação são o alvo preferido dos
garotos de rua. Simples manifestação de agressividade? É difícil discernir. Seja como for, as ruas escuras
facilitam à noite a ação dos revoltosos.
A tentativa de ataque a autoridades aparece em alguns episódios. No centro da cidade (praça da Sé),
surge um tiroteio entre a polícia e populares entrincheirados nas obras da nova catedral. Quando o
delegado Rudge Ramos aí chega, seu carro é alvejado e ele se vê forçado a retirar-se. Um grupo mais
afoito alcança a aristocrática avenida Paulista, tentando assaltar a casa do secretário da Justiça, sendo
repelido pela Força que guardava o prédio. Mas o maior foco das manifestações, dos choques, é o Brás,
onde se concentram não só muitas fábricas, como residências operárias. Na noite de 12 de julho, o largo
da Concórdia, a Estação do Norte estão cheios de gente, enquanto as tropas de infantaria e cavalaria
impedem o assalto ao posto policial. Quando os soldados tentam penetrar em um café, nas proximidades
da Estação, abre-se um violento tiroteio que se prolonga por cinco minutos, deixando vários feridos. Nem
todos os acontecimentos têm a mesma gravidade. O chamado “espírito de Carnaval” — expressão lúdica
de uma breve liberação dos rígidos quadros da existência cotidiana —5 aparece em alguns momentos.
Após narrar a invasão dos bondes pela massa de garotos que marcam passagens, forçam os motorneiros a
levá-los para onde querem, observa o circunspecto O Estado de São Paulo: “o mais deplorável, é que um
bando de mocinhas, infelizes operárias de fábricas, imitou o gesto da garotada, tomando conta de três
elétricos no largo da Sé”.6
No dia seguinte ao enterro de Martinez, a cidade se transforma em um desordenado campo de batalha.
Seria excessivo imaginar, porém, que o governo tenha perdido o inteiro controle da situação. A gravidade
da revolta provoca uma extensa mobilização militar, com o deslocamento de tropas do interior do estado e
o apoio do governo federal, calculando-se a 13 de julho em 7 mil o número de milicianos estaduais na
cidade. Por determinação do ministro da Marinha, dois navios de guerra partem para o porto de Santos.
Embora surgissem boatos de defecções no aparelho repressivo, não há provas de que isso tenha ocorrido
em maior escala.7 A retórica dos boletins de apelo aos soldados para que se recusassem a “cumprir o
papel de carrasco” não poderia suprir em poucos dias a ausência de contatos entre dois mundos tão
diversos. Ao mesmo tempo, inexistia uma estratégia de luta, conduzindo a massa revoltada nas ações de
rua. No plano puramente militar, a liquidação dos tumultos, em prazo maior ou menor, era inevitável.
Entretanto, se a repressão produzia seus frutos, não podia suprir a necessidade de entendimentos para
pôr fim à greve geral. À medida que o movimento se estendia, aumentaram os contatos entre os
industriais e o secretário da Justiça, que tratou de levá-los a conceder as reivindicações salariais. A 13 de
julho, algumas grandes empresas (Matarazzo, Companhia Mecânica Importadora, Moinhos Gamba)
declaram-se dispostas a conceder 20% de aumento. Nesse ínterim, formara-se um Comitê de Defesa
Proletária, integrado por líderes sindicais e de associações populares, que procurou unificar os
trabalhadores em torno de um programa, abrangendo reivindicações da classe operária como produtora e
das classes populares em geral como consumidoras. Exigia-se aumento de 35% nos salários inferiores a
5$000 e de 25% para os mais elevados; proibição do trabalho de menores de catorze anos; abolição do
trabalho noturno de mulheres e menores de dezoito anos; garantia de trabalho permanente; jornada de
oito horas, com acréscimo de 50% nas horas extras e ‘‘semana inglesa”; respeito ao direito de associação;
libertação dos grevistas presos; permanência no emprego dos participantes da greve. As propostas
relativas à defesa das classes populares enquanto consumidoras aludiam a medidas para baixar preços
dos gêneros de primeira necessidade com a requisição pelo Estado desses gêneros; a providências para
impedir a falsificação e a adulteração de produtos alimentares; à redução de 50% nos aluguéis. O Comitê
vinha se reunindo clandestinamente, mas, quando surgiu a possibilidade de um entendimento, foi
autorizado a realizar um encontro no hipódromo da Mooca, onde o programa pôde ser ratificado por uma
grande massa.
As dificuldades de estabelecer canais de comunicação são, entretanto, patentes. O Comitê de Defesa
Proletária recusa-se a negociar diretamente com os patrões ou com o governo; falta a experiência em
ambos os campos de uma “técnica de conflito”. A tal ponto que um Comitê de Jornalistas, constituído por
representantes da grande imprensa, se forma a 13 de julho, com o objetivo de mediar empresários e
trabalhadores.8 Em reunião com os grandes industriais — ausentes os representantes das empresas
estrangeiras São Paulo Railway, São Paulo Light —, os jornalistas ouvem a reiteração da proposta de 20%
do aumento, a promessa de respeitar os direitos operários e de não dispensar grevistas. Realizam a seguir
um encontro com os seis principais membros do Comitê de Defesa Proletária.9 Após várias objeções, estes
decidem aceitar a oferta, exigindo, porém, a palavra do governo para o atendimento das reivindicações
referentes à carestia e à garantia dos direitos operários. No contato com o presidente do estado e o
prefeito da cidade (Firmiano Pinto), surgem as promessas de libertação dos presos, de fiscalização do
trabalho de menores e estudo de medidas em favor destes e das mulheres; de medidas para impedir a
adulteração e a falsificação de gêneros alimentícios. Quanto ao preço destes, há uma vaga referência ao
“estudo de medidas viáveis” e ao “exercício oficioso da autoridade junto aos comerciantes atacadistas”. A
proposta dos industriais não é feita por qualquer órgão representativo, mas individualmente. Desde o
início aí aparecem os nomes mais importantes: Alexandre Siciliano, Jorge Street, Rodolfo Crespi,
Francisco Matarazzo, Pinotti Gamba, os dirigentes da anglo-argentina São Paulo Alpargatas etc.10
Enquanto a greve prossegue, embora os choques de rua arrefeçam, o Comitê operário aceita a proposta
patronal e do governo, em um domingo, 15 de julho. Decide marcar para o dia seguinte três comícios, com
o objetivo de comunicar aos operários o resultado das negociações e propor a volta ao trabalho. As
fotografias do maior desses comícios, realizado no Brás, nos mostra uma atenta massa de olhos voltados
para os oradores — Leuenroth, Candeias Duarte, Monicelli — calculada entre 5 mil e 8 mil pessoas. Os
operários aprovam uma resolução de encerrar a greve nas fábricas que firmaram o acordo, com a
disposição de retomá-la caso ele não seja cumprido ou as demais empresas recusem o compromisso.
Afirmam também assumir a tarefa de organizar toda a massa proletária. Nos teatros da Lapa e do
Ipiranga, vota-se no mesmo sentido e o canto da “Internacional” encerra as reuniões.
A greve se estende ao interior do estado. Na cidade de São Paulo, recomeça a vida cotidiana: os bondes
têm o itinerário indicado, as passagens são pagas, o apito matutino das fábricas impõe a rigidez das
longas horas de trabalho. O ritmo do refluxo lembra o da maré montante. A volta ao serviço é gradativa,
crescendo cada dia um pouco o número de indústrias que firmam o acordo. Em alguns casos, os operários
pagam pela timidez da reivindicação inicial, como na Companhia Antarctica, onde o aumento é inferior a
20%, exceto para os menores de dezesseis anos. Há além disso situações difíceis de enquadrar na
moldura do compromisso: como resolver o problema das crianças trabalhadoras de uma empresa têxtil
que se recusam a voltar à fábrica, temendo castigos corporais? Ainda a 22 de julho, os jornais se referem
ao prosseguimento da paralisação no setor de calçados e em várias pequenas empresas. Gradativamente,
porém, os últimos fogos se extinguem.
Parece inútil insistir sobre o papel da elevação do custo de vida no desencadear da greve de 1917.
Observo apenas que os dados gerais não dão conta da subida de preços concentrada em poucos meses do
ano,11 ou da coincidência entre o aumento e a escassez de certos produtos. Nos primeiros meses de 1917,
por exemplo, a Argentina suspendeu as exportações de trigo para o Brasil. Embora se chegasse a um
acordo para restaurar o fornecimento, a importação global pelo porto de Santos (farinha de trigo e trigo
em grão) foi em 1917 a mais baixa dos anos 1913-8, não se podendo cogitar no caso de substituição de
importações. O ataque às carroças do Moinho Gamba, o saque aos armazéns do Moinho Santista, durante
a greve geral, têm como alvo a obtenção de um bem escasso que, transformado em pão, simboliza o
atendimento dos requisitos elementares de subsistência.
Ao mesmo tempo, a indignação ganha força, porque é impossível lançar as dificuldades à conta de uma
conjuntura de depressão quando “todos devem partilhar os sacrifícios”. Pontilhando as leis impessoais do
mercado, aparecem não só os grandes lucros de algumas indústrias, mas especialmente uma figura
historicamente odiosa às massas populares: o açambarcador. O estado de espírito dos consumidores em
geral está refletido nas contínuas denúncias da grande imprensa contra os Matarazzo, os Gamba etc.,
acusados de desviar mercadorias para a exportação e estocar gêneros alimentícios.12 De forma simplista
mas eficaz, a revolta encontra seus alvos personalizados.
A sobredeterminação da política internacional, ao contrário do que iria suceder nos anos seguintes,
estaria quase ausente do episódio. A imprensa anarquista reflete em raros momentos o alento provocado
pela revolução de fevereiro na Rússia tsarista.13 O grande símbolo de libertação é o Catorze de Julho,
comemorado nas páginas da imprensa diária. Um símbolo tão arraigado que ainda em julho de 1920 daria
origem a uma greve em uma fábrica de chapéus por parte de operários que desejavam festejar a queda da
Bastilha.
Privação material interiorizada como insuportável, situação do movimento operário, corporificação dos
alvos da revolta, possivelmente a estrutura sociodemográfica da classe,14 encontram-se na base da greve
geral de 1917. Mas a microdinâmica do movimento é também relevante. Se o período das grandes greves
se insere nos marcos da conjuntura, nem por isso as paralisações parciais de 1917 deveriam desembocar
necessariamente em um episódio de tais proporções. A combatividade da massa operária em maio e junho
de 1917 ganha alento não só dos “agitadores”, mas da intransigência de Rodolfo Crespi. Conhecido por
sua recusa a negociar — ele seria um dos últimos dentre os grandes industriais a aceitar o compromisso
final —, Crespi transforma sua fábrica em um foco de contínuos atritos. Na última semana de junho, faz
um sério erro de cálculo apelando para um lockout que na verdade favorece a extensão do movimento
grevista.15 O momento era decisivo: por um breve período, a greve parecia arrefecer, com as concessões
feitas por Jafet, e o Cotonifício Crespi mantém-se como canal de passagem para a ampliação das
paralisações.16 Até aí, estamos no terreno da passagem de uma greve em algumas grandes empresas a
sua generalização. Em um segundo momento — o da sequência greve generalizada/greve geral,
acompanhada de choques —, a morte do sapateiro Martinez, o episódio de seu enterro surgem como fator
desencadeante, simbolizando de forma dramática uma série de privações vividas pelos operários em seu
conjunto.
Desde o depoimento de memoralistas à análise sociológica,17 tem-se ressaltado o caráter espontâneo da
greve de 1917, e não há motivo para rever o fundo dessa qualificação. A ausência de um plano, de uma
coordenação central, de objetivos predefinidos é patente. Os sindicatos têm restrito significado; o Comitê
de Defesa Proletária — expressão da liderança anarquista e em menor escala socialista — não só se forma
no curso do movimento como procura apenas canalizar reivindicações. O padrão de agressividade da
greve relaciona-se com o contexto sociocultural de São Paulo e com a fraqueza dos órgãos que poderiam
exercer funções combinadas de representação e controle.18
Porém, o espontaneísmo precisa ser mais bem qualificado. A “espontaneidade pura só existe nos livros
de contos de fadas acerca do movimento operário e não em sua verdadeira história”. O conteúdo da
atividade dos trabalhadores que deflagraram a greve nas maiores empresas, as várias formas de
comunicação pelos bairros industriais talvez estejam perdidas para sempre. Há, entretanto, um terreno
mais sólido de observação a indicar que, se a greve de 1917 foi uma explosão, teve pouco a ver com uma
“explosão repentina”. Os indícios de crescente tensão19 se acumulam nos meses que a antecedem,
acompanhados de um visível esforço organizatório, apesar de todos seus limites. O primeiro número de A
Plebe — e a criação do jornal é um reflexo da nova etapa que se abria — refere-se ao fato de que o
operariado de São Paulo parece despertar para a luta, sob o efeito da propaganda e dos comícios
recentemente realizados. O centro da aglutinação não é o clássico sindicato de resistência, mas as ligas
operárias de bairro, criadas por inspiração dos anarquistas, na Mooca, no Belenzinho, no Cambuci e na
Lapa.20 É provável que as ligas tenham tido maior possibilidade de êxito por serem um veículo não apenas
das reivindicações relativas à produção, assumindo as questões mais gerais da carestia, da habitação etc.
Ao longo dos primeiros dias da greve, até o fechamento a 9 de julho, a Liga Operária da Mooca aparece
claramente como núcleo de coordenação e de contatos: a paralisação parcial do Cotonifício Crespi decide-
se em assembleia realizada em sua sede; após o serviço os grevistas da Antártica dirigem-se à Liga, onde
se reúnem, inscrevendo-se como sócios, em grande número; é a entidade, junto com a Liga do Belenzinho,
que convoca as associações proletárias para a formação de um “Comitê Geral”.21
A greve geral não é previamente preparada por nenhuma organização, mas ao menos a consciência
dessa perspectiva existe no interior de um pequeno grupo. Em maio de 1917, o Centro Socialista
Internacional convida a Liga Operária da Mooca a enviar representante a uma reunião onde se pretende
cuidar “de questões organizatórias da ação operária, com o objetivo, se necessário, de preparar uma
greve geral, tendo em conta as atuais dificuldades da classe”. A Liga responde com uma olímpica recusa,
ressaltando que é adepta da ação direta para a obtenção de melhorias e para a emancipação final da
sociedade. Por isso, não deseja confundir-se com uma entidade “eminentemente burguesa” que espera
transformar-se em partido político e se utiliza com preferência da ação legal e eleitoral.22
Por outro lado, embora a deflagração da greve fosse espontânea, inevitavelmente em seu curso deveria
surgir o núcleo capaz, se não de conduzi-la, pelo menos de dar-lhe uma saída final. Esse núcleo — o
Comitê de Defesa Proletária — indica o tipo de relação que se estabelecera entre certos quadros de
preponderância anarquista e a massa operária, nos anos prévios ao episódio, envolvendo uma espécie de
liderança do prestígio, carente de maiores laços organizatórios. Dentro desses limites, a liderança é
incontestável: a representatividade do Comitê não sofre restrições, sua decisão de chegar a um
compromisso é acatada por uma ampla massa de trabalhadores.
Dois elementos se combinam no comportamento dos líderes anarquistas, em julho de 1917: a
incapacidade de assumir um verdadeiro papel dirigente; a dificuldade em encontrar as vias para garantir
ao menos o cumprimento das pequenas conquistas. Apesar dos apelos retóricos à organização, o ímpeto
da torrente atrai esses homens, ainda ontem embalados em seu pequeno círculo pela vaga fraseologia da
obra emancipadora final: de 9 a 21 de julho, A Plebe deixa de funcionar porque seus responsáveis se
ocupam em “emprestar sua atividade ao grande movimento”. O Comitê de Defesa Proletária se inclina,
por sua vez, à extrema prudência. As reivindicações buscam defender condições mínimas de
sobrevivência, a livre organização e expressão dos trabalhadores. Como viu com clareza A Plebe, a
proposta do Comitê teria sido feita na Europa pelas classes conservadoras, em seu próprio interesse. Mas
aqui, “dadas as condições existentes, o mínimo teve que ser pedido pelos que têm os olhos voltados para o
máximo”.23
Mesmo esse mínimo não foi, entretanto, consolidado. A rápida elevação do custo de vida começou a
corroer o aumento salarial, negado, aliás, por várias empresas. Passada a mobilização, o governo investiu
contra os sindicatos cuja atividade florescia sob o impulso da greve, especialmente entre os ferroviários
da São Paulo Railway. Em setembro de 1917, a repressão se abateu sobre as lideranças operárias, A Plebe
foi invadida e Edgard Leuenroth preso, acusado de ser o mentor intelectual do assalto ao Moinho
Santista.

***

Passemos para o outro lado da fronteira, para o campo dos empresários industriais, do estado, da
opinião pública. Leôncio Martins Rodrigues observou com justeza que a descentralização existia não só no
setor operário como entre os industriais. Em julho de 1917, os interesses destes apareciam confundidos
com os do comércio, no Centro do Comércio e Indústria. O órgão carecia, porém, de representatividade e
esteve ausente das negociações que se estabeleceram no curso da greve. Cada industrial apresentou-se
em nome próprio no contato com o governo, com o comitê de jornalistas, cada um deles firmou ou resistiu
a firmar o acordo com os grevistas.
Contudo, não há simetria nos efeitos da desorganização no campo operário e no dos empresários. Se a
indústria é pouco ou nada coordenada, encontra no estado oligárquico um protetor seguro. Uma longa
exemplificação seria inútil, mas um caso é bastante expressivo, por pairar acima das diferenças nacionais.
Apesar de o Brasil ter rompido relações com a Alemanha, perduraram os laços existentes entre o governo
paulista e a Cia. Antarctica, definida pela imprensa operária como “um amálgama de prussianos e
políticos locais”. Essa imprensa denunciou a transformação de prédios da empresa em caserna, prisão e
depósito dos móveis saqueados às Ligas Operárias, no curso da greve, assim como o uso de bombeiros
para substituir os carroceiros da firma.24
Tanto quanto os ideólogos revolucionários, o governo do estado foi surpreendido pela extensão e pela
agressividade do movimento. Os editoriais do Correio Paulistano — órgão oficial do PRP — são um bom
indício da maneira pela qual os círculos governantes encaravam a paralisação. Enquanto as ações
coletivas não chegaram ao ápice, o jornal manteve um enfoque até certo ponto objetivo, atribuindo-as ao
agravamento das condições de vida, sem enfatizar o papel dos militantes libertários. À medida que elas se
estenderam e se tornaram mais violentas, o tema central se deslocou para este último aspecto. O
secretário da Justiça chegou a atribuir a violência desencadeada em meio à greve à vinda de agitadores
anarquistas da Argentina, opinião semelhante aliás à do cônsul americano. No dia 1o de junho, dizia o
cônsul em relatório enviado ao secretário de Estado, “alguns agitadores, na maioria espanhóis, chegaram
da Argentina, onde não eram particularmente bem recebidos, e passaram a organizar as classes
trabalhadoras, o que não constituía tarefa muito difícil, visto que estas, sempre excitáveis, estão sempre
sujeitas a enxamear”.25 A mudança da ênfase governamental não é redutível apenas à óbvia tentativa de
deixar para segundo plano fatores tendentes a comprometer o estado e legitimar o movimento. A visão
conspirativa decorria também da “certeza” de que as camadas populares eram incapazes de chegar
espontaneamente a tal grau de mobilização e agressividade.
A prática estatal revela a alteração da perspectiva. A princípio, as autoridades intervêm com certa
cautela, procurando impedir o alastramento da greve e aparecer junto aos operários como mediadoras
desinteressadas do conflito.26 Quando o movimento se estende, a expressão dos interesses gerais da
classe dominante se encarna tanto nos esforços para quebrar a intransigência cega de alguns industriais
como na repressão aberta.
Do ângulo dos industriais, o episódio de julho de 1917 permite constatar diferenças na forma de gerir
as relações de trabalho. Dissociáveis para fins analíticos, embora combinadas por vezes em um mesmo
empresário, aparecem as técnicas da coerção aberta, de certo behaviorismo e sobretudo do paternalismo.
Dentro de limites relativos, em um extremo, Crespi; no outro, Jorge Street. Figura até certo ponto
mitificada de moderno capitão da indústria avant la lettre, Street fugiu ideologicamente ao estilo vigente
em seu tempo. Nos anos agitados de 1918-9, chegou a defender a autonomia sindical, tornando-se, porém,
um incentivador da formação de sindicatos católicos, sob inspiração patronal, quando o sindicalismo têxtil
passou no Rio de Janeiro para a liderança anarquista. Terminou sua carreira sob a atração de outro
modelo, como alto funcionário do Ministério do Trabalho. Como dirigente de empresa, manteve-se em
regra fiel às condições objetivas de exploração da força de trabalho e foi o mais ilustre representante da
conduta paternalista.27 Por exemplo, em setembro de 1917, opôs-se abertamente a uma lei municipal que
estabelecia restrições ao trabalho de menores. No contexto da greve geral, considerou o movimento justo,
concedendo os 20% de aumento na empresa sob sua direção. A greve aí se verificou, por razões de
solidariedade. O relato do episódio por Street é marcado pela visão paternalista dos subordinados, pelo
apelo à lealdade de empresa acima das diferenças de classe:

Eu já havia concedido o aumento de 20% nos salários e a fábrica trabalhava em plena força e na maior ordem, quando fui
procurado por uma comissão de operários grevistas que me pediu em termos perfeitamente comedidos que concedesse folga ao
nosso pessoal para que ele pudesse dar uma prova de solidariedade aos companheiros que ainda não tinham obtido o que
desejavam. Reuni, então, no pátio da fábrica, a totalidade dos nossos operários — homens, mulheres e crianças, mais de 2800 e,
comunicando-lhes o pedido recebido, disse-lhes conceder a folga solicitada pelos seus companheiros […]. Disse-lhes haver
muita justiça na sua causa e ser a greve um direito reconhecido por todos nós; pedi-lhes no entanto que não confundissem
greve pacífica com revolta tumultuária […]. Afirmei ter a certeza de que nenhum dos nossos homens seria colhido nessas
lamentáveis desordens, guardando todos a honra de nossa fábrica que era também a honra de todos eles. Eu estava só, no meio
deles com o meu ilustre gerente; nenhum constrangimento havia pois. Eles me compreenderam perfeitamente: numerosos
“muito bem”, “tem razão patrão”, “é isso mesmo” e uma estrondosa salva de palmas, partida de todos eles, trouxeram-me a
certeza de ter dado a justa nota.28

Admitamos certa distorção no relato. Ainda assim, como não pensar que o paternalismo produzia bons
frutos, como técnica de dominação, mesmo entre a massa tocada pela ideologia anarquista?
A ampliação dos limites da análise para além das classes polares do conflito industrial nos leva ao
terreno movediço da opinião pública e da classe média. Uma classe média que, em seus segmentos mais
altos, chega a se confundir socialmente com a grande burguesia agroexportadora, força hegemônica cuja
atração só encontra barreiras entre as camadas populares. Uma classe média subdividida horizontalmente
e verticalmente, abrangendo e separando imigrantes em processo de ascensão, profissionais liberais de
estirpe tradicional, empregados de comércio e dos bancos, de situação social e cultural tão diversa. Uma
classe média sem expressão organizatória independente, sem partidos e sem entidades realmente
representativas.
Ainda assim, há um núcleo sólido no terreno movediço: os jornalistas. Com a bênção do estado, eles
descem do universo da ideologia para assumir uma função conciliadora dos antagonismos sociais. Canal
de comunicação entre os representantes de duas classes que literalmente se recusam a sentar lado a lado,
surgem como a categoria capaz de expressar os interesses gerais e restabelecer o reino da ordem.29 Por
isso, uma breve menção aos órgãos formadores da opinião pública permitirá especificar um pouco mais as
posições ideológicas em face da greve.
A defesa das razões de estado pelo Correio Paulistano não necessita maior esforço de compreensão.
Mas o que representam e a quem se dirigem O Estado de S. Paulo, A Gazeta, O Combate, o Fanfulla? Até
que ponto a atitude abertamente simpática aos grevistas desse jornal diário, em língua italiana,
corresponderia aos sentimentos de uma ampla camada imigrante não restrita aos meios populares? Sem
tentar responder a todas as indagações, fiquemos com o exemplo de O Estado de S. Paulo e de O
Combate. O primeiro é o órgão mais respeitado da imprensa paulista e parece expressar, em sua
tradicional atitude de relativa distância do poder, o liberalismo de uma “oligarquia ilustrada” e das
camadas tradicionais de classe média. Simpático aos grevistas até o momento em que a paralisação se
estende, passa então a criticar os atos de violência. Entre 10 de julho até o fim da greve, o jornal condena
os excessos, “os indivíduos que procuram manter no espírito dos operários uma permanente aversão
contra as autoridades”, justifica a repressão.30 Com o término do movimento, os trabalhadores entram nos
limites adequados e os atritos com o PRP, em torno da chamada questão social, voltam a ganhar destaque.
Quando na Câmara Federal, o deputado Álvaro de Carvalho rotula a greve de conspiração minoritária, O
Estado o ridiculariza, dizendo que ele recorria “ao esquema oficial de todas as greves: anarquistas
perigosos… agitadores estrangeiros... governo forte… autoridades dispostas a cumprir a lei com energia…
aplausos da parte sã da sociedade”. Lembra que as condições de vida estavam se tornando cada vez mais
insuportáveis para as classes pobres de São Paulo. Os agitadores, se os houve, jamais poderiam levantar
“uma formidável massa de 40 mil grevistas, dispostos a todos os azares de um ajuste de contas, dispostos
a todos os perigos e riscos da resistência e da luta”.31 A linha do jornal seria exemplarmente definida no
artigo “A greve”, de 20 de julho:

Somos essencialmente conservadores, zelando como nos cumpre, pelos interesses fundamentais da sociedade em que vivemos.
Entendemos, porém, e este nosso modo de entender é antigo, que ser conservador não é fechar os olhos ao movimento
progressivo do espírito humano e erguer um dique, por sistema, a toda reforma que se anuncia. Isto não é ser conservador, mas
cego e reacionário. Os conservadores do nosso matiz, quando uma reforma se lhes apresenta, estudam-na e ou a aceitam ou a
combatem. Se a aceitam, incluem-na desde logo em seu programa, sem por isso deixarem de ser o que são. Se combatem,
distinguem. Ou a reforma é das que facilmente se removem da tela da discussão, ou das que surgem com inequívocos sinais de
triunfo inevitável. No primeiro caso, não deve haver contemporizações. No segundo, a contemporização impõe-se, e é melhor
canalizar a torrente avassaladora de que, à força, impedir-lhe por um momento o curso natural, para que ela, no momento
seguinte, mais impetuosa, zombe de todos os embaraços e produza estragos irremediáveis. O problema é o maior da atualidade
em todo o mundo: a preocupação capital de todo o mundo civilizado é, nos dias que passam, resolver da melhor maneira
possível a questão social.32

Se O Estado expressa o conservadorismo ilustrado, O Combate surge como o órgão da democracia


radical. No curso da greve, distancia-se do estilo conspícuo de O Estado, martelando:

O sr. Altino Arantes, o sr. Cardoso de Almeida, o sr. Candido Motta, o sr. Oscar Rodrigues Alves e o sr. Eloy Chaves fizeram esta
descoberta que os deixou estupefatos: por sob a casca dourada, em que se movem os mimosos da fortuna, há a massa, que
sofre e que protesta, que luta pelo pão e que prefere morrer de bala, a morrer de fome. Enquanto suas excelências gozam o
conforto dos palácios, exibem-se em automóveis oficiais, passeiam por Sorocaba ou pelo Guarujá, desfrutam a vida — o
proletário percebe ganhos mesquinhos e compra feijão, arroz e trigo por preços de “champagne” e “paté de fois gras”. Toda a
gente o sabia, exceto o governo! […]. O sabre reprime a desordem e é necessário que o faça. Mas o sabre não é a espada de
Alexandre e, portanto, não corta o nó górdio — o conflito de interesses entre o patrão e o açambarcador de um lado, e as
classes trabalhadoras, de outro. Amanhã a agitação terá passado. O operário voltará para a fábrica. A Terra continuará a girar
em torno do Sol. Não seja isso razão, porém, para que as questões proletárias fiquem olvidadas como problemas
secundários…33

A ênfase e o estilo variam, mas há um traço comum em toda a imprensa não comprometida diretamente
com o governo. Simpatia pelas reivindicações dos grevistas, recusa a enquadrar a greve como conspiração
minoritária, defesa da violência estatal a partir de dado limite: o sabre reprime a desordem e é necessário
que o faça. Em meio às dificuldades materiais crescentes, não confinadas estritamente às classes
populares, em meio à aversão aos parvenus da industrialização, essa atitude reflete o universo da
“oligarquia ilustrada” e da classe média tradicional. Ante o primeiro impulso das massas populares, tais
setores defenderiam com oscilações, no curso de 1917-9, uma linha de ampliação da cidadania social,
enquadrada na grande moldura do sistema oligárquico. Mas a resposta coercitiva do Estado acabaria por
triunfar e o movimento operário ficaria reduzido a um pequeno círculo. Quando em meados dos anos
1920, a disputa interoligárquica com a inclusão da classe média se acendeu, ela teve em São Paulo um
corte marcadamente elitista. A socialização das camadas dominadas parecia não só difícil como
desnecessária.

O MOVIMENTO “INSURRECIONAL” DE NOVEMBRO DE 1918

Ao contrário do que sucedeu com o movimento de julho de 1917, a greve de novembro de 1918 seria
borrada praticamente da memória social. No entanto, seus contornos se destacam, em meio às
mobilizações do período, por seu reduzido grau de espontaneidade. Preparada em larga medida pelos
anarquistas, que haviam assumido a direção da UOFT,34 ela deveria servir de base a uma insurreição
revolucionária combinada com a revolta dos escalões inferiores das Forças Armadas.35 À frente do grupo
insurrecional encontravam-se as figuras mais importantes dos meios libertários: José Oiticica, Astrojildo
Pereira, Manuel Campos, Carlos Dias, Álvaro Palmeira, José Elias da Silva, João Pimenta, Agripino Nazaré.
Segundo o depoimento do tenente do Exército, Jorge Elias Ajus, que se infiltrara no grupo e iria denunciá-
lo, esses homens acreditavam contar com tecelões e metalúrgicos dispostos a tudo, armados com grandes
quantidades de bombas de dinamite. Dada a palavra de greve geral, operários desceriam de Botafogo e
tomariam o palácio presidencial do Catete, nele içando uma bandeira vermelha; outros se reuniriam no
campo de São Cristóvão, onde seria fácil o ataque à Intendência da Guerra, a fim de se apossarem de
armas e munições; operários da Bangu, com o mesmo objetivo, tomariam uma fábrica de cartuchos no
Realengo, enquanto, na Saúde, Manuel Campos conduziria um ataque ao quartel de polícia. Contava-se
sempre obter a adesão dos quadros inferiores do Exército. Ajus teria convencido os conspiradores a
concentrar-se apenas no campo de São Cristóvão, para onde se deslocaria a massa de têxteis, cuja greve
estava em preparo.
Quando os últimos detalhes da insurreição se completavam, os principais conspiradores foram presos,
na tarde de 18 de novembro, por denúncia de Ajus. Poucas horas depois, os têxteis iniciaram a greve, mas
apenas algumas centenas de operários se dirigiram ao campo de São Cristóvão. Aí se produziram alguns
choques e a tomada pelos insurgentes de uma delegacia de polícia, até que a polícia e forças do Exército
os expulsaram do local. No dia seguinte, bombas de poder reduzido explodiram nas torres da Light,
enquanto o movimento dos têxteis, acompanhado pelos metalúrgicos e parte da construção civil, seguia
seu curso.
Parece inútil ressaltar que a insurreição anarquista não tinha nenhuma viabilidade de êxito. Porém, ela
exprime uma oscilação brusca de sua agulha estratégica, cujo alcance não se mede apenas, como pensava
o delegado Nascimento Silva, pela cópia simiesca de ideais liberatórios vigentes em países em dissolução.
Sem dúvida, a inspiração soviética era relevante, repercutindo em áreas bem mais moderadas do que os
círculos anarquistas. Pois não dizia o deputado Nicanor Nascimento, no curso da greve de 1917, como
figura de retórica, que só um comitê de operários e soldados poderia enfrentar o açambarcamento de
gêneros praticado por Matarazzo e outros industriais? Essa inspiração encontrava, porém, raízes em
certas condições vigentes no próprio país, projetadas na tela do imaginário social em grandes dimensões.
As forças de contestação no meio civil são basicamente populares até a década de 1920, quando elas saem
do proscênio, dando lugar às camadas intermediárias. Um fenômeno simétrico, concentrado nos anos
prévios a 1920, ocorre nas Forças Armadas: 1910, revolta dos marinheiros contra os castigos corporais;
janeiro de 1915, rebelião de soldados na cidade do Rio Grande, para exigir o pagamento do soldo em
atraso e a extensão de direitos políticos; fins de 1914 ao início de 1916, série de revoltas de sargentos
sobretudo por razões de enquadramento funcional.36 Quaisquer que tenham sido as diferenças entre cada
um desses movimentos e a presença em alguns deles de figuras políticas como Maurício de Lacerda, um
recorte social os separa tanto de um passado jacobino recente como das futuras explosões tenentistas.
Convém lembrar por último um episódio que viria contribuir para reforçar as ilusórias expectativas de
uma aliança entre operários e inferiores das Forças Armadas. Em agosto de 1918, por ocasião da violenta
greve da Cantareira em Niterói, a milícia estadual e um batalhão do Exército entraram em choque,
provavelmente incentivados por rivalidades corporativas. Nas manifestações seguintes, alguns soldados
tomaram o lado dos grevistas, participando de um confronto com a milícia do qual resultou a morte do
soldado Nestor Pereira da Silva e do cabo Antônio Lara. O caixão para o enterro do primeiro foi comprado
por subscrição popular e coroas cobriram sua cova, com dizeres em que ecoavam concepções caras a
Benjamin Constant e aos velhos positivistas: “Do povo de Niterói ao cidadão-soldado”; “dos operários da
fábrica têxtil São Joaquim aos soldados do 58o batalhão que caíram defendendo o povo”. Outras coroas
foram enviadas em nome dos colegas militares, dos carpinteiros dos caldeireiros, dos artesãos do Lloyd,
dos empregados da Central do Brasil etc.37
A perspectiva insurrecional encontrou certo eco entre os têxteis, mas a greve da categoria tinha
essencialmente um caráter econômico defensivo. Tanto assim que as linhas cruzadas do complô e da
greve se separaram e o movimento se prolongou por várias semanas, apesar do fracasso da conspiração.
As razões específicas de queixa dos têxteis se multiplicaram nos últimos meses de 1918. O acordo firmado
entre a UOFT e o Centro Industrial, em setembro daquele ano, em grande parte não foi cumprido. A gripe
espanhola atingiu o Rio de Janeiro, fazendo milhares de vítimas e obrigando muitos trabalhadores a faltar
ao trabalho por um longo período.38 As perspectivas do fim da guerra mundial — o movimento de
novembro coincidiu com o armistício — provocariam uma recessão na indústria têxtil, em consequência da
perda do mercado externo, à semelhança do que ocorreria em São Paulo. Em outubro de 1918, a UOFT
solicitou que fossem adotadas algumas medidas bem expressivas da mudança da situação. Pleiteava-se o
pagamento de 50% dos salários aos operários que tinham sido forçados a faltar ao serviço por causa da
gripe, o perdão de um mês de aluguel das casas que muitas empresas forneciam aos trabalhadores e o
aumento das horas de trabalho. Com o início da recessão, o trabalho se reduzira em média a 28 horas
semanais, representando um corte de 50% nos salários. A resposta do Centro dos industriais seria brutal:
recusa em atender qualquer reivindicação, acompanhada de um voto de pesar pelos operários mortos. Ao
contra-atacar, a UOFT não deixaria de tocar nesse ponto, em um texto onde transparecem a revolta e o
sentimento de inferioridade:

quanto ao voto de pesar lavrado em ata da sessão do Centro, pelos operários que sucumbiram em consequência da epidemia e
da miséria, sua aliada, cumpre assinalar que não somos simplórios e que os mortos referidos não necessitam de mais nada, mas
sim os vivos, que precisam de pão e um pouco mais de humanidade dos seus patrões que até agora usufruíram o suor dos
pequeninos.39
Havia assim razões corporativas para que surgisse uma ação coletiva da categoria, até certo ponto
independente da atividade dos anarquistas. A greve abrangeu mais de 20 mil trabalhadores, submetidos a
uma intensa repressão, não obstante os esforços desenvolvidos pela imprensa simpática aos grevistas em
separar o movimento do fracassado levante.40 Afora as centenas de prisões acompanhadas de ameaças de
deportação para Fernando de Noronha, as sedes da UOFT, da União dos Metalúrgicos e da Construção
Civil foram fechadas, sob o fundamento de que seus dirigentes estariam em conluio com os dinamiteiros
anarquistas. Um decreto do governo dissolveu a União Geral dos Trabalhadores.41
A 24 de novembro, o Centro Industrial lançou um ultimato aos têxteis, determinando que o trabalho
fosse retomado no dia seguinte, e declarando nulos os acordos anteriormente firmados com a UOFT. Esta
respondeu em manifesto que a volta ao trabalho estava condicionada à garantia de liberdade de
pensamento, das oito horas e salário mínimo, dos seis dias de trabalho por semana. Ao mesmo tempo,
lamentava a atitude apática das demais categorias, pois o movimento além do ramo têxtil abrangia apenas
metalúrgicos e parte da construção civil.42
O ultimato surtiu escasso efeito, calculando-se entre 10% e 20% o número de operários de volta ao
serviço. Mas, a 29 de novembro, uma reunião secreta do sindicato votou uma resolução para pôr fim à
greve sem nenhuma exigência, diante das violências, da fome, da impossibilidade de reunir-se. É difícil
esclarecer se essa deliberação foi tomada pelos dirigentes, sob influência dos anarquistas foragidos, ou
pelo grupo de Pereira de Oliveira. Seja como for, ela seria contestada por uma comissão de greve e
repercutiria negativamente nas bases têxteis. Em muitas empresas, como na Aliança, Botafogo, deliberou-
se prosseguir no movimento até a soltura e a readmissão de todos os grevistas; o comitê de operários das
fábricas de tecidos da Gávea tomou a mesma resolução, vinculando a volta ao trabalho à readmissão de
109 têxteis do bairro.43 Diante disso, a própria diretoria recuou, dizendo-se executora da vontade geral e
disposta assim a cumpri-la.
Entretanto, apesar desse último impulso, a greve dava de fato sinais de esmorecer. A coação exercida
por forças militares, na porta das empresas, nas residências dos operários literalmente arrastados para o
serviço, acabaria por levar o movimento à derrota em meados de dezembro.
7. Assimilação e repressão

OS CÍRCULOS DIRIGENTES E OS INDUSTRIAIS

O ascenso do movimento operário nos anos 1917-20 coloca pela primeira vez a “questão social” na cena
política. Nem os industriais, nem o estado oligárquico, nem outros grupos da sociedade podem ignorá-la
como tinham feito em larga medida até então. No nível da retórica ou das atitudes, encontra-se presente a
preocupação com um setor marginalizado que tenta converter-se em força social. Duas grandes linhas se
desenham, em meio às muitas variações: de um lado, tratar o problema operário como pura e simples
subversão da ordem a ser enfrentada com medidas repressivas; de outro, buscar legitimá-lo, integrando
os trabalhadores até certo ponto ao sistema vigente, através da outorga de um conjunto de direitos.
Comecemos por tentar recuperar os traços essenciais da segunda tendência, que é a menos conhecida,
do discurso para alcançar situações específicas. Um bom indício do grau de reconhecimento da classe
operária como setor definido da sociedade por parte da classe dominante e mesmo por outras camadas
sociais se encontra na temática da campanha dos candidatos à presidência da República. Nas eleições não
competitivas dos dez primeiros anos do século XX, em que típicos representantes da oligarquia paulista e
mineira assumiram o governo, a regra foi o silêncio. Ele veio a ser quebrado durante a primeira disputa
eleitoral de maiores proporções da República em 1910, quando se defrontaram o marechal Hermes da
Fonseca e Rui Barbosa. Como é sabido, a candidatura de Rui foi apresentada como expressão da luta da
inteligência pelas liberdades públicas, pela cultura, pelas tradições liberais, contra o Brasil inculto,
oligárquico e autoritário. A imagem liberal tinha, entretanto, um corte elitista, dado sobretudo pela visão
da oligarquia paulista, principal sustentáculo do candidato. Não é assim estranho que Rui revelasse pouco
interesse pela temática operária, apesar dos esforços de alguns de seus seguidores, com certos laços nos
meios populares do Rio de Janeiro. Na manifestação realizada em outubro de 1909, na capital da
República, o deputado Irineu Machado — antigo funcionário da Central do Brasil com influência entre os
ferroviários — tratou de associar artificialmente a campanha, concentrada no antimilitarismo, às
reivindicações dos trabalhadores: “os operários odeiam a guerra e detestam os governos militares… ao
tacão da bota preferimos a fundação dos tribunais de arbitramento que venham resolver no Brasil os
conflitos entre patrões e operários”.1 A pouca repercussão do tema, as vinculações da candidatura
levaram Rui a ignorá-lo. Pelo contrário, em sua plataforma, Hermes fez uma paternal referência ao
problema, na linha condizente com algumas medidas posteriores de seu governo:

Não nos assoberbam, ainda, felizmente, os grandes abalos produzidos pela luta entre o braço e o capital. O movimento
socialista, que tanto apavora as Nações do Velho Mundo, onde o progresso industrial e descobertas científicas vão eliminando o
concurso do operário e onde a escassez do solo lhe não fornece campo para o trabalho remunerado, não nos bate às portas e
seria planta exótica a estiolar-se à mingua de elementos vitais. Entretanto, o aumento sempre crescente da população,
especialmente nesta Capital, a deficiente compensação da atividade e a carestia dos gêneros de primeira necessidade têm
criado uma vida de privações e sofrimentos para os desfavorecidos da fortuna. Daí o problema operário de difícil solução, pela
multiplicidade de faces por que deve ser encarado. Colaboradora do bem geral, a classe dos proletários merece benévola
atenção do poder público, sem preterição dos interesses industriais e do capital que lhes proporciona trabalho.2

No contexto dos anos 1917-20, essa retórica se converteria em um ritual obrigatório, com contornos
programáticos mais precisos. O presidente eleito Rodrigues Alves, que em seu mandato anterior não
revelara nenhum pendor por considerar o movimento operário, a não ser pelo prisma da repressão,
defendeu em entrevista a necessidade de aperfeiçoar a legislação trabalhista e prometeu evitar as
excessivas concessões ao proletariado tanto quanto a intransigência contraproducente.3 Mas foi Rui
Barbosa — na eleição que se seguiu à morte de Rodrigues Alves — quem transformou a temática de uma
moderada reforma social, pela primeira vez, em um dos tópicos básicos de uma campanha.4 Antes mesmo
que a vitória de Epitácio Pessoa na Convenção Nacional de fevereiro de 1919 o levasse à condição de
outsider, definiu-se por uma revisão constitucional com um duplo propósito: dotar a União de maior poder
e alterar o princípio do laissez-faire nas relações de trabalho. Os representantes políticos do Rio Grande
do Sul, adversários de qualquer reforma tendente a limitar a autonomia dos estados, lançaram-se contra a
candidatura de Rui, e um deles — o deputado Soares dos Santos —, depois de defender a não intervenção
estatal na área trabalhista, apelou em favor de um nome que representasse “a indispensável convergência
de vontades republicanas na defesa da Constituição federal, de modo a impedir que seja vitorioso o surto
das doutrinas subversivas no nosso país”.
O programa de reformas proposto por Rui se encontra bem expresso em conferência pronunciada no
Rio de Janeiro, em março de 1919.5 Nela se declarava a favor de uma democracia social, opondo-se tanto
à exacerbação dos antagonismos de classe como ao reacionarismo expresso por vários parlamentares
gaúchos. Denunciava as manobras no Congresso para liquidar as propostas de uma legislação operária,
criticava as limitações da lei de acidentes de trabalho recentemente aprovada e a exclusão dos
trabalhadores rurais de seus benefícios. Propunha que se estabelecesse uma legislação fabril, prevendo
entre outros pontos a jornada de oito horas, a fixação de um limite para as horas extras, a igualdade
salarial independentemente do sexo no exercício das mesmas funções, a regulamentação do trabalho do
menor e do trabalho noturno, a proteção à parturiente, a proibição do serviço em domicílio.
A mudança de atitude de Rui entre 1909 e 1919 foi produto de dois fatores básicos: de um lado, a
natureza das forças políticas que apoiavam sua candidatura; de outro, a presença de um movimento
operário cujo dinamismo era muito superior ao de dez anos passados. Abandonado pelas máquinas
partidárias, contando apenas com algumas dissidências regionais, buscou atrair o voto dos centros
urbanos onde havia algum grau de consciência política e o processamento das eleições estava menos
sujeito ao clientelismo e à fraude. Sua retórica liberal-reformista, em cujos ingredientes os trabalhadores
figuravam como última barreira contra a nova escala de valores que o capitalismo estava introduzindo no
país, contra as investidas do capital estrangeiro,6 teve uma significativa ressonância nas camadas
intermediárias da população e talvez nos meios operários, não obstante a oposição dos anarquistas:7 Rui
recebeu quase 30% dos votos no país, venceu no Distrito Federal, obtendo um terço dos votos no estado
de São Paulo.
Se a inflexão ideológica é bastante perceptível no terreno político, os traços de uma alteração de
comportamento dos industriais, ao influxo da conjuntura, são tênues e raros. Diferença entre uma esfera
representativa dos “interesses gerais” da sociedade e outra, em que, no contato cotidiano classe a classe,
imperam normas coercitivas como instrumento eficaz de um padrão de acumulação correspondente à
primeira fase do capitalismo industrial. A combinação dessas normas com medidas protetoras varia de
acordo com a técnica pessoal de cada empresário no relacionamento com seu rebanho. Mas uma atitude
abertamente repressiva se abate sempre sobre os elementos rebeldes ou sobre o próprio rebanho quando
ele tende a fugir a essa qualificação através de ações coletivas autônomas. Os sindicatos constituem
instrumentos de alteração da ordem nas empresas, onde deve reinar como ato do príncipe o Regulamento
Interno; as greves — coerção inadmissível — são o fruto da atividade onipresente de agitadores.
À medida que a mobilização dos trabalhadores e os esforços organizatórios se ampliam nos anos 1917-
20, o enfoque conspirativo e o comportamento repressivo dos grandes industriais tendem a acentuar-se.
Dentre os muitos exemplos, lembro o de Pereira Ignácio, que ganhara fama como organizador de serviços
assistenciais aos empregados, na fábrica Votorantim. Quando em junho de 1919 surgiu uma greve em
suas empresas de São Paulo e São Bernardo, Pereira Ignácio respondeu com um lockout, decidindo reabri-
las somente após um expurgo de “maus elementos”. De fato, não foi difícil prender os “malfeitores e
desordeiros envolvidos no motim” porque Pereira Ignácio & Cia. mantinha estreitos laços com o chefe de
polícia, além de contar com agentes infiltrados na União e Trabalho de São Bernardo, “onde se
projetavam horríveis atentados, de caráter francamente anarquista”. Após insistir no fechamento da
associação e na prisão de seus diretores citados nominalmente, Pereira Ignácio enviou à polícia uma lista
de operários despedidos, marcando com uma cruz “os elementos mais desordeiros” e com um traço os
que manifestavam visíveis tendências de acompanhar os cabeças de todos os levantes.8
A exceção a esse estilo foi tão rara na grande indústria, a ponto de resumir-se em linhas gerais a
Matarazzo, dentro de limites estreitos, e à história pessoal de Jorge Street. Em um breve período de dois
anos, Street adotou uma postura bastante inusitada no contexto da burguesia industrial da época e
mesmo de anos posteriores. Encontrava-se na presidência do Centro Industrial do Brasil9 em fins de 1918
quando começou a estabelecer contatos com a tendência moderada da UOFT, dispondo-se a reconhecer o
sindicato e a admitir como legítimas as reivindicações corporativas dos trabalhadores. Em meio à
repressão que se seguiu à greve de novembro de 1918, Street reafirmou seu propósito de negociar, tão
logo o governo autorizasse, a reabertura da associação têxtil.10 A consistência de sua atitude provocou
uma ruptura entre os industriais do ramo que, em sua maioria, abandonaram o Centro Industrial,
fundando o Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão, em fevereiro de 1919. A diferença de
linha se revelou, como vimos, no curso da longa greve de junho de 1919, na qual a orientação repressiva
do CIFTA afinal prevaleceu. Street explicitou seu pensamento, em meio ao forte debate entre as duas
posições, deixando transparecer que sua atitude em relação ao sindicato resultava das novas condições
vigentes no mundo e das funções de controle que uma associação corporativa poderia exercer. Em um
longo artigo publicado em O País, reconhecia a inevitabilidade da organização sindical, a partir das
condições geradas pelo capitalismo moderno. Os antagonismos entre os trabalhadores e o patronato
haviam se agravado pela absoluta dependência dos primeiros com relação ao último, detentor de grande
parte, se não da totalidade, dos meios econômicos. Ao mesmo tempo, a tendência natural do capital
concorria para impor o máximo de trabalho com o mínimo de salário, só restando ao operário remediar a
desigualdade de forças através da reivindicação. Depois de demonstrar a ineficácia da ação individual,
dizia Street com uma rara franqueza:

A associação, nós bem o sabemos, dá ao operariado coesão e meios de pedir, e de exigir, se necessário for, resistindo por longo
tempo, pois a associação solidariza os operários da mesma indústria. Assim, nós, patrões, perdemos as vantagens de tratar “só
com os nossos operários”, isolados e fracos, e vamos ser obrigados a tratar com a associação, pelo menos tão forte como nós.
Assim, o contrato individual, com o nosso operário isolado, tem de ser substituído pelo contrato coletivo com essas associações.
É desagradável, eu concordo, mas é inevitável e, afinal, é justo.

Por certo, havia diferenças entre a evolução do sindicalismo na Europa e no Brasil. Mas seria
conveniente facilitar essa inevitável e talvez rápida evolução, queimando etapas, pois o Velho Mundo
passara pela fase de resistência e tivera de ceder. O estado deveria estabelecer os direitos e deveres tanto
das associações patronais como das operárias e criar tribunais de arbitragem. Concomitantemente, o
sindicato, a exemplo das trade-unions inglesas, poderia deixar de ser fator de perturbação da ordem para
se transformar em fonte de apaziguamento, facilitando a solução de problemas graves, oriundos da
evolução econômico-social. De acordo com esse modelo, Street defendia o reconhecimento da UOFT pelos
empresários, como exemplo de uma entidade a um tempo representativa e moderada, cujas funções de
controle não eram desprezíveis. Assim, no acordo realizado em setembro de 1918, a UOFT concordara em
fazer cessar a ingerência dos delegados de fábrica que havia se tornado intolerável, e era de fato um
ponto básico sobre o qual não havia transigência possível.11
É fácil observar que, descontada a retórica, Street oscilava entre o modelo do sindicalismo autônomo e
do corporativismo, acabando por ser atraído pelo último nos anos 1930. De qualquer forma, sua
percepção, a longo alcance, situava-se em plano diverso da consciência repressiva de seu tempo.

LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

A temática da necessidade de fixar as relações de trabalho através de uma legislação específica ganhou
impulso sob a influência direta das mobilizações operárias, tendo por cenário o Parlamento nacional.
Instituída a ordem republicana como um sistema oligárquico, baseado na lealdade coronelística e na
fraude, as classes populares urbanas foram relegadas à condição marginal, por variável que tenha sido
seu peso no Rio de Janeiro e em São Paulo. O reflexo dessa institucionalização no âmbito do Congresso é
claro: as referências ao problema operário, os arroubos de Vinhais, se tornam ecos do passado e o silêncio
predomina. A legislação trabalhista ficou confinada como tema às reivindicações do sindicalismo
moderado. Na esfera oficial, o desinteresse foi raramente rompido por pouquíssimas medidas e alguns
projetos de lei. Assim, um decreto legislativo de 1904 concedeu privilégio para o pagamento de dívidas
aos trabalhadores rurais, benefício posteriormente estendido aos trabalhadores urbanos.12 A indenização
por acidente constituiu o objeto de várias proposituras, desde a proposta pioneira de Medeiros e
Albuquerque em 1904 à apresentada em 1915 pelo senador Adolfo Gordo, sem nenhum resultado prático.
Em 1911, um projeto de lei dos deputados Figueiredo Rocha e Rogério Miranda, fixando a jornada de oito
horas, recebeu a pecha de “anárquico, subversivo e imoral”. No âmbito regional, o estado de São Paulo
introduziu algumas medidas nos anos 1910, anteriormente a 1917: em 1911, foram incluídos no
Regulamento do Serviço Sanitário do Estado (Decreto n. 2141, de 14 de novembro de 1911) dispositivos
sobre condições de higiene nas fábricas, proibindo-se também a atividade dos menores de dez anos e o
serviço noturno dos menores de dezoito; no mesmo ano, criou-se o Departamento Estadual do Trabalho
(Decreto n. 2071, de 5 de julho de 1911), encarregado do estudo, informação e publicação das condições
de trabalho no estado.
Sob o aspecto da organização, cabe uma referência ao projeto apresentado em junho de 1905 pelo
deputado baiano Joaquim Inácio Tosta, facultando a criação de sindicatos profissionais e sociedades
cooperativas, que se converteu em lei pelo Decreto Legislativo n. 1637, de 5 de janeiro de 1907, cuja
aplicação foi na prática muito restrita. O texto legal acolhia os princípios liberais em matéria associativa,
autorizando a livre constituição de sindicatos mediante registro, independentemente de autorização do
governo. Facultava o estabelecimento de “sindicatos centrais” e federações e outorgava o papel de
representante de classe às associações que se constituíssem com espírito de harmonia entre patrões e
operários.13 Apesar de consagrar a autonomia sindical, a Lei Tosta nada tinha a ver com o movimento
operário autônomo da época. O projeto se inspirava em um pedido de corporações católicas do Nordeste,
a cuja frente se encontrava a Federação Operária Cristã de Pernambuco, criada pelo industrial têxtil
Carlos Alberto de Menezes.14
Os projetos de legislação trabalhista, a defesa do direito de greve, a denúncia das leis repressivas e da
violação das liberdades públicas ligam-se, nos anos 1917-20, à pessoa dos deputados Maurício de Lacerda
e Nicanor Nascimento. Lacerda, proveniente de uma família tradicional de Vassouras, no interior
fluminense, foi a figura mais representativa dos raros democratas radicais de seu tempo. Bacharel em
direito, advogado em sua cidade de origem, tomou uma posição excepcional no restrito círculo de
intelectuais da época, ao apoiar em 1909 a candidatura Hermes,15 do qual se tornou oficial de gabinete.
Ao ingressar na Câmara em 1912, eleito por seu estado, já rompera com o marechal, pelo recuo deste em
relação às “salvações” realizadas em várias unidades da Federação, sobretudo por jovens oficiais.
Maurício não aderiu a nenhuma organização de esquerda, ao contrário de seus irmãos Paulo e Fernando,
que ingressaram no Partido Comunista na década de 1920. Manteve-se como um franco-atirador,
adversário do sistema oligárquico e de todos os governos até a Revolução de 1930. Defendeu, no curso
dos anos 1917-20, um sindicalismo autônomo e combativo, atacando os “pelegos” da área marítima e as
associações têxteis de inspiração patronal. Sem nunca ter chegado a identificar-se com os anarquistas,
colaborou com eles em seu momento de apogeu, em conferências sindicais, na Voz do Povo, provocando a
repulsa do grupo de ortodoxos representado por homens como Florentino de Carvalho.16 Excluído do
Partido Republicano fluminense por sua orientação em matéria social, não conseguiu retornar à Câmara
em 1921, quando foi vítima da “degola”. Só voltaria ao Congresso, após várias tentativas sem êxito, em
1930, pelo Distrito Federal. Seu estreito entendimento com os tenentes, a adesão à Aliança Liberal e à
Revolução de 1930 são conhecidas, mas há um ponto de sua carreira posterior a 1930 que deve ser
ressaltado. Enquanto muitos antigos intelectuais socializantes ou mesmo de tendências libertárias, como
Joaquim Pimenta, Evaristo de Moraes, Agripino Nazaré, se transformaram em funcionários do Ministério
do Trabalho ou colaboraram estreitamente com ele, Maurício de Lacerda rompeu com Vargas por divergir
da implantação de um sindicalismo corporativo e por repulsa à repressão generalizada.17
Nicanor Nascimento, bacharel em direito como Lacerda, entrou na Câmara dos Deputados em 1911,
preenchendo uma vaga. Eleito pelo Distrito Federal, definiu-se como representante do voto urbano não
conformista, associado às camadas intermediárias e populares. Seu radicalismo e sua coerência foram
entretanto relativos. Entre 1917-20, ao lado de Lacerda, destacou-se na defesa dos direitos operários;
passou gradativamente a uma posição de aberto ataque aos anarquistas, levando-o muitas vezes a
atitudes contraditórias. No curso da greve de novembro de 1918, por exemplo, não hesitou em votar a
favor de uma moção aprovada pelo voto unânime da Câmara dos Deputados, condenando os “atos
atentatórios à liberdade pública” praticados pelos libertários e aplaudindo sem reservas as medidas
repressivas tomadas pelo Poder Executivo.18 Aderiu formalmente ao socialismo democrático, após um
breve período de referências elogiosas à Revolução de Outubro. Colaborou na formação de um malogrado
Partido Socialista, ao lado de outros membros do grupo Clarté que ajudara a constituir. Foi também
“degolado” pela Câmara, em 1921, pelas mesmas razões de Lacerda, embora em ambos os casos não
expressamente invocadas. Nicanor Nascimento voltou ao Congresso em 1924, bastante modificado. Ao
contrário do antigo colega, preso por dois anos após o primeiro 5 de julho, combateu frontalmente o
tenentismo, abandonou o tema da legislação social, defendendo o ponto de vista de que era possível
evoluir dentro do sistema vigente, cuja ação beneficiara todas as classes.
Antes de 1917, Lacerda e Nascimento haviam demonstrado algum interesse pelos problemas do
trabalhador urbano e Nicanor adquirira certa fama nesse sentido. Em maio de 1917, quem sabe na
premonição dos conflitos que logo iriam surgir, Lacerda solicitou à Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara o preparo de um projeto de Código do Trabalho. As greves de São Paulo e da capital da República
contribuíram para que ele próprio tomasse a iniciativa, apresentando várias proposituras de uma
legislação social, semelhante em muitos pontos à promulgada pelo governo Vargas após 1930. Em
resumo, suas propostas se referiam às condições de trabalho, ao salário e à forma de dirimir controvérsias
entre operários e patrões. A jornada normal de trabalho era fixada em oito horas, com algumas exceções
específicas e com um dispositivo geral referente aos casos de força maior e aos serviços que não
pudessem ser interrompidos por motivo técnico, ou não admitissem a substituição de quem os tivesse
iniciado. Reduzia-se para seis horas o horário de trabalho da mulher, vedada a atividade noturna. A
parturiente teria direito a período de licença, antes e depois do parto, sendo obrigatório o
estabelecimento de creches nas fábricas onde trabalhassem mais de dez mulheres. Quanto aos menores,
Lacerda propunha a proibição do trabalho até os catorze anos, o limite de seis horas para a jornada dos
operários entre catorze e dezoito anos e a fixação de um salário do menor nunca inferior a dois terços do
salário mínimo do adulto, a ser também estabelecido. A proibição do trabalho do menor de catorze anos
corria o risco de ser burlada, pois um projeto de regulamento do contrato de aprendizagem não previa
nenhum limite de idade.
Concomitantemente, Lacerda apresentou um projeto de criação do Departamento Nacional do
Trabalho, que resultaria de uma reorganização da Diretoria do Serviço de Povoamento do Ministério da
Agricultura. O DNT teria extensos poderes para fiscalizar o cumprimento da legislação e aplicar multas aos
infratores, sendo parte desses poderes atribuída a operários indicados por um conselho de trabalhadores,
sujeitos os nomes à aprovação do DNT. Esse órgão seria ainda competente para dirimir conflitos de ordem
coletiva entre patrões e operários, independente de provocação das partes, inclusive nos casos de greve.19
Após longas discussões, o projeto de criação do DNT converteu-se em lei (Decreto n. 3550, de 16 de
outubro de 1918), que, na realidade, nunca foi cumprida.
Tanto Lacerda como Nascimento defenderam seguidamente, nos anos 1917-20, a existência de um
movimento operário autônomo. Em cada episódio concreto, sustentaram em regra a legitimidade das
greves políticas, diante da inexistência de uma legislação operária, e o direito à sindicalização dos
trabalhadores de todas as correntes. Lacerda, sobretudo, adotou por vezes o princípio da limitada
intervenção do Estado nos conflitos coletivos, apenas para restaurar em parte a desigualdade das forças
em confronto, através de medidas como a proibição do lockout ou o fornecimento de alimentos aos
grevistas.20 Apesar dessa atitude, não é sem propósito observar que um quadro ideológico diverso se
desenha subjacente às propostas legislativas do deputado fluminense, marcadas por um forte conteúdo
estatista, dificilmente conciliável com a autonomia sindical: o Estado surge aí como regulador e instância
última de decisão no âmbito do conflito social, que é encarado não como um elemento inerente ao próprio
organismo societário mas como um fator de anomalia.
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara tratou de restringir o alcance dos projetos de Lacerda
e, em outubro de 1917, apresentou um substitutivo às várias proposituras de legislação trabalhista,
conhecido como projeto de Código do Trabalho. Esboço de um ordenamento de todos os aspectos das
relações trabalhistas, o Código do Trabalho fixava em oito horas a jornada diária, autorizando, porém, sua
prorrogação “em casos de força maior, perigo ou acidente, ou quando a atividade não pudesse ser
interrompida sem prejuízo de ordem geral, ou irremediável para o patrão”. O trabalho dos menores era
autorizado a partir dos dez anos, com o limite de seis horas diárias, e a proibição do serviço noturno, até
os quinze anos de idade. A partir daí, o menor se equiparava ao adulto. Fixava-se o trabalho das mulheres
em oito horas, vedada a atividade noturna. No que diz respeito aos acidentes de trabalho, o projeto
adotava o princípio do risco profissional, estabelecendo o direito do operário à reparação do dano sofrido,
excetuados os acidentes intencionais e os que fossem causados por força maior, ou por delito imputável
quer à vítima, quer a um estranho.21 O substitutivo era muito vago em um ponto essencial — o
estabelecimento de sanções para os que não cumprissem a lei — e omisso no tocante à fiscalização das
empresas. A constituição de órgãos de conciliação e arbitragem para dirimir conflitos coletivos seria
apenas facultativa. Esse último ponto refletia a negativa do “liberalismo primitivo” em reconhecer a
especificidade das relações de trabalho e o propósito de manter o laissez-faire, inteiramente adequado aos
interesses dos industriais.
O projeto de Código do Trabalho ficou encalhado na Câmara Federal até julho de 1918, quando Nicanor
Nascimento resolveu ativá-lo, apesar das restrições que fazia ao texto. Durante alguns meses, tornou-se
um dos principais temas de debate no Congresso, alvo também da atenção das organizações operárias e
patronais. A UGT, através de seu secretário-geral Abílio Lobo, enviou um curioso documento à Câmara,
onde recordava que a extinta Federação Operária, nas vésperas da declaração de guerra à Alemanha,
propusera ao governo a colaboração dos trabalhadores na obra de organizar o país, desde que fossem
obedecidos dois princípios: não envolvimento no conflito mundial e medidas efetivas contra a carestia e de
garantias ao trabalhador. Como o governo seguira outro caminho, acabando até por fechar a Federação, a
UGT não podia emprestar apoio a um projeto que contava com o apoio dos dirigentes políticos de São
Paulo, “protetores de açambarcadores e principais responsáveis pela repressão”. Considerava, entretanto,
urgente que fosse aprovada uma lei social básica, com os instrumentos garantidores de sua eficácia.22
Por sua vez, o Centro Industrial do Brasil interveio como grupo de pressão, junto à Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara, a pretexto de prestar esclarecimentos. A essa altura (novembro de
1918), a Comissão já apresentara um novo substitutivo, conhecido como “projeto de lei operária e de
acidentes do trabalho”, que limitava ainda mais o alcance do projeto de Código. A jornada diária passava a
ser fixada em dez horas para ambos os sexos e para os menores acima de dezesseis anos. Os patrões
poderiam prolongar esse horário, pagando o excesso de tempo na forma do regulamento da empresa ou
mediante ajuste prévio. Desaparecia a referência aos tribunais de conciliação e arbitragem, enquanto os
princípios da indenização por acidentes eram inteiramente alterados, tornando-a quase impossível: ela só
se daria quando o acidente não se devesse a força maior, culpa ou dolo da própria vítima ou de
estranhos.23
Na discussão da matéria, os deputados se dividiram em torno de algumas posições básicas. Um
reduzido grupo, quase limitado a Nicanor e Maurício, pretendia a adoção de uma legislação trabalhista
que representava um efetivo progresso nas condições da época, integrando-a em um conjunto de
iniciativas cujo alcance ia além das relações de trabalho. Os dois deputados defendiam a revisão do
imposto de importação para impedir o que consideravam o protecionismo da indústria nacional, tendente
a acelerar a inflação; a regulamentação da atividade dos monopólios estrangeiros, com o mesmo objetivo;
uma tributação mais equitativa do que a existente, a qual assegurava enormes lucros a uns poucos e era
insuportável para a maioria; medidas reguladoras da entrada de imigrantes, dado o excesso de oferta que
resultava em desemprego e salários reduzidos.24
No outro extremo, encontravam-se os deputados que, com variável fundamento ideológico, adotavam
uma postura retrógrada, rejeitando a necessidade de qualquer legislação do trabalho moderadamente
inovadora ou mesmo simples consagradora das relações vigentes. Entre essas duas posições, ficavam os
defensores da adoção de algumas garantias ao trabalhador e os que apenas queriam ver fixada na lei a
prática existente. A recusa em bloco do problema social não provinha dos representantes de São Paulo,
mas de deputados de outras regiões, em especial do Rio Grande do Sul. Enquanto vários deputados
assumiam essa postura, combinando paternalismo e “liberalismo primitivo”, os gaúchos inspiravam-se em
uma versão particular do positivismo, em contraste com o Apostolado e as inclinações da corrente
manifestada nos fins do século XIX.25
O mineiro Augusto de Lima tipifica a primeira vertente, colorida pelos estereótipos tradicionais do
homem cordial e da inexistência de uma sociedade dividida em classes:

Senhores, não temos classes definidas. Onde acaba a classe operária no Brasil e onde começa a burguesia? Primeiro não temos
classe burguesa. O chefe do serviço é o mais graduado dos operários da fábrica. Parece que os nobres colegas se impressionam
muitíssimo com uns tantos patrões de tamancos e gestos grosseiros. Mas noto que em geral o brasileiro é naturalmente dócil e
cordato; acaba tendo pelo proletário sentimentos paternais, adianta-lhe salários independente de qualquer estipulação nas
enfermidades e alguns chegam a depositar dinheiro nas caixas econômicas, independente de qualquer determinação
contratual. Não há senão continuidade de uma classe para outra na nossa sociedade. Entre nós, a instituição do capital é um
ensaio apenas. Qual a classe dos capitalistas?26

O bloqueio da legislação social pelos deputados gaúchos tem, porém, maior interesse, por ela estar
vinculada à discussão de um tema central: as concessões feitas à classe operária através do acolhimento
de algumas reivindicações elementares serviria para atenuar ou acentuar o conflito de classes? Convém
lembrar que a atitude dos representantes do Rio Grande do Sul, contrária à intervenção do Estado no
terreno do relacionamento entre patrões e empregados, vinha já de anos anteriores. Em 1912, invocando
a liberdade contratual, o deputado e jurista Carlos Maximiliano dera parecer contrário ao projeto que
instituía a jornada de oito horas. No contexto de 1918, as atitudes esporádicas converteram-se em uma
cerrada posição de princípio, com base em certo tipo de leitura do comtismo: as restrições artificiosas à
liberdade individual deveriam ser condenadas e a incorporação dos operários à sociedade seria feita
através do sistema educativo, instrumento também eficaz no combate à exploração patronal. Borges de
Medeiros, na presidência do Rio Grande do Sul, atacou o projeto de Código de Trabalho, qualificando-o de
“aberração legislativa anticonstitucional”.
A discussão em torno da eficácia da legislação para conter a luta de classes foi travada entre deputados
gaúchos e o paulista Manoel Villaboim, futuro líder da bancada de São Paulo, nos anos que antecederam a
Revolução de 1930. Os representantes paulistas admitiam a necessidade de institucionalizar as relações
entre capital e trabalho, embora não houvesse um consenso quanto ao alcance das medidas. Prudente de
Moraes Filho redigira o chamado “projeto de lei operária”, combatido fortemente por Villaboim, como
simples consagração do statu quo. É bastante provável que este último se identificasse com o presidente
do estado — Altino Arantes —, o qual vinha recomendando à bancada a aprovação de um código
trabalhista moderadamente inovador.27 Villaboim vinculava sua atitude aos interesses gerais de
resguardar a força de trabalho, de um lado, e conter as agitações, de outro. Os gaúchos lembravam, no
tocante ao último aspecto, que o movimento operário brasileiro era frágil e não constituía uma ameaça,
sendo a legislação também uma arma inútil para combater as reivindicações sociais:

O sr. Carlos Penafiel — O Brasil, sem lei operária, tem um operariado a respirar melhor do que nos países que possuem essas
leis.
O sr. Manoel Villaboim — Mas temos seguidamente greves.
O sr. Carlos Penafiel — Determinadas pela guerra.
O sr. Villaboim — Não senhor; antes da guerra.
O sr. Penafiel — Quatro ou seis por ano, quando outros países se veem a braços com 500 a 700 em média por ano. Já fiz
notar que é na Alemanha, no país justamente onde a larga manu se legislou sobre o assunto, onde se verificam mais greves.
O sr. Villaboim — É porque as leis na Alemanha são ainda deficientes. Há necessidade de uma força de equilíbrio e esta só
se dá no Estado.28

Penafiel salientava que a adoção de medidas em benefício do trabalhador urbano poderia sacudir de
modo perigoso para a boa ordem social reinante a classe proletária rural, ignorante e analfabeta.
Distinguindo com clareza entre uma situação objetiva de exploração e a consciência dessa situação, dizia:

Não é a simples existência de condições opressivas, mas a percepção que delas possam ter os oprimidos o que poderá
constituir o motor íntimo das lutas de classes, agitação que presenciamos no decurso da história de todos os povos… apesar do
projeto n. 284A, de 1917, e do substitutivo de 1918 se referirem apenas à regulamentação do trabalho industrial, estamos com
ele imprudentemente a encorajar um plano de cruzada agitadora, a nos anteciparmos numa provocação que fará sentir ao
operariado agrícola o substratum de consciência daquele estado de coisas a que já aludi.29

A disputa arrefeceu quando Nicanor Nascimento, contrário às restrições contidas na “lei operária”,
apresentou um requerimento, aprovado pela Câmara em novembro de 1918, pretendendo que fosse
criada uma Comissão Especial de Legislação Social para reestudo de todas as leis propostas. O pedido era
infeliz e acabou por servir à maioria retrógrada. Apenas a lei sobre acidentes do trabalho, em torno da
qual havia um razoável consenso, veio a ser aprovada.30 No mais, a Comissão Especial realizaria longas e
inúteis reuniões, enquanto o movimento operário perdia o ímpeto: o projeto de Código do Trabalho,
nessas condições, não chegou sequer a ser votado.
MEDIDAS REPRESSIVAS

A violência do Estado como instrumento perpetuador das relações sociais de dominação na área
industrial, ao longo da Primeira República, é um dado conhecido. Parece inútil reproduzir genericamente
as referências aos atentados contra a liberdade sindical, contra o direito de expressão, que as raras
exceções apenas confirmam.31 A greve era concebida não como um produto das contradições entre forças
sociais, mas como manobra conspirativa, levada a cabo por indivíduos capazes de manobrar um agregado
destituído de vontade própria.
O Código Penal de 1890 sancionou esse quadro ideológico, ao definir como crime “seduzir ou aliciar
operários para deixarem os estabelecimentos em que forem empregados, sob promessa de recompensa ou
ameaça de algum mal” (art. 205); e ainda “causar ou provocar cessação de trabalho, para impor aos
operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário” (art. 206).32 A violência, assentada em
uma relação de forças bastante desigual e uma legislação repressiva esparsa, continha as intermitentes
mobilizações operárias. Sob o último aspecto, afora os dispositivos do Código Penal, as iniciativas se
voltaram de preferência para os trabalhadores estrangeiros sobre os quais pairava a ameaça das leis de
expulsão. Como resposta aos surtos grevistas de 1905-6, surgiu a lei prevendo a medida para os que
atentassem contra a tranquilidade pública ou a segurança nacional. O texto excluía de seu âmbito o
estrangeiro residente no Brasil por dois anos contínuos, ou por menos tempo se fosse casado com
brasileira ou viúvo com filho brasileiro. O procedimento impedia qualquer defesa: os governos estaduais
enviavam um pedido ao governo federal, acompanhado de um relatório policial que se baseava no
depoimento de testemunhas para provar as atividades nocivas do acusado e, por vezes, até mesmo sua
nacionalidade e tempo de permanência no país.33 Apesar disso, as restrições legais à expulsão eram
bastantes grandes e a bancada de São Paulo no Congresso lutou desde logo para removê-las. A
oportunidade surgiu em 1912 — ano que correspondeu a novas mobilizações operárias —, quando o
Parlamento aprovou o projeto do senador paulista Adolfo Gordo, estabelecendo o direito do Poder
Executivo de expulsar o estrangeiro, sem nenhuma das ressalvas anteriores, e a irrecorribilidade das
decisões (Decreto n. 2741, de 8 de janeiro de 1913). O Supremo Tribunal Federal decretou a
inconstitucionalidade da lei e as decisões judiciárias e portarias de expulsão voltaram a se referir ao texto
de 1907. Entretanto, seria ilusório pensar que essa lei relativamente benigna prevaleceu. Não só havia
uma considerável distância entre o país real e o país legal, como ainda a própria Corte Suprema se
encarregaria de dar à lei uma casuística interpretação, de acordo com as circunstâncias: assim, um
julgado de outubro de 1917, em torno do rumoroso caso dos trabalhadores expulsos após a greve de julho,
assentou que os anarquistas não podiam ser considerados residentes, pois constituíam um elemento
flutuante, que vagava pelo país para propagar seus ideais e seus métodos.34
As medidas repressivas tendem a multiplicar-se a partir de 1917. Apesar da continuidade de métodos,
duas fases são discerníveis na conjuntura. Entre 1917 e meados de 1919, o Estado aumenta o grau de
repressão, recorre a atos arbitrários, mas atua em resposta aos movimentos grevistas; de meados de 1919
em diante, o aparelho estatal toma a iniciativa e adota medidas sistemáticas para liquidar a vaga
reivindicatória. Essa prática se antecipa a uma nova legislação e acaba sendo referendada por duas leis
aprovadas em 1921.
Na primeira fase, a maior intensidade repressiva vincula-se à greve de julho de 1917, em São Paulo, e
às greves de julho daquele ano e novembro de 1918, na Capital Federal. Uma atitude até certo ponto
distinta se desenha nas duas mobilizações de 1917. Enquanto no Rio de Janeiro as medidas são tomadas
de imediato (fechamento da Federação Operária, do Centro Cosmopolita, proibição de manifestações de
rua após alguns choques), em São Paulo a repressão é mais lenta, porém mais sistemática, prenunciando
sob o último aspecto a fase posterior. Sem dúvida, há uma extensa intervenção do aparelho policial
durante a greve, mas apesar das várias restrições não existe uma ofensiva concentrada contra os
anarquistas e os nomes mais em evidência no movimento operário. Esta só ocorre na primeira semana de
setembro, tomando como pretexto o relatório de um agente da polícia, onde se denunciava a articulação
de uma greve geral em todo o Brasil, na qual estaria envolvido Maurício de Lacerda, encarregado de
levantar parte da polícia e do Exército no Rio de Janeiro para depor o governo paulista.35 O sindicato dos
ferroviários da SPR é invadido, a tipografia de A Plebe assaltada e Leuenroth preso, sob a acusação de ser
o autor intelectual do assalto ao Moinho Santista. Ao mesmo tempo, recorre-se ao expediente da
deportação de cerca de doze pessoas, sem atendimento aos requisitos legais.36 Elas realizam uma viagem
fantástica, semelhante — na imagem de Paulo Sérgio Pinheiro — às dos navios errantes da Idade Média,
onde eram encerrados doentes e loucos. Esses “exemplares contemporâneos da patologia social” são
embarcados em Santos, no navio Curvello, em setembro de 1917. Quando o navio passa pelo porto do Rio
de Janeiro, as autoridades impedem o contato dos presos com os advogados Evaristo de Moraes e Roberto
Feijó. Evaristo não conseguira obter o julgamento de um habeas corpus impetrado no STF porque o relator
do processo atendera a um pedido do chefe de polícia do Rio de Janeiro (Aurelino Leal), solicitando fosse
aliado o julgamento até que os deportados estivessem de novo em viagem.37 No Recife, Florentino de
Carvalho, José Nalipinsky e Francisco Aroca conseguem fugir, mas acabam por ser reembarcados em
outro navio errante — o Avaré. As duas embarcações atravessam as Antilhas, passam por Nova York e
partem de regresso ao Brasil, após meses de viagem. Nesse ínterim (novembro de 1917), o STF declara
ilegais as deportações pelo voto de Minerva e os presos começam a ser soltos gradativamente. Mas, em
março de 1918, alguns deles continuam detidos no Rio de Janeiro.
A segunda fase repressiva liga-se aos reflexos da conjuntura internacional nos círculos governantes e
ao ímpeto que toma o movimento operário. Vem acompanhada de uma maciça ofensiva ideológica contra o
anarquismo, associando-se a uma xenofobia manifesta. Essa ofensiva, cuja temática central consiste em
apresentar a luta de classes como um fenômeno importado, sem raízes objetivas na sociedade brasileira,
produto da ação de um punhado de agitadores estrangeiros, encontra uma base social de apoio nas
camadas médias urbanas da época.
A piedosa simpatia pelos “deserdados da fortuna”, pelos “humildes”, por aqueles que os maus fados
haviam irremediavelmente fixado no fundo dos estratos da sociedade começa a converter-se em
inquietude quando a desarticulada massa ameaça ultrapassar os limites e transformar-se em classe social.
Um indício claro da mudança é a atitude tomada pelos estudantes de direito de São Paulo, por ocasião da
greve de transportes de outubro de 1919, dispondo-se a substituir os trabalhadores em greve, em meio a
um clima de radicalização do comportamento dos anarquistas e crescentes medidas repressivas.
Recorrendo a uma inábil violência verbal, A Plebe conclama os estudantes — com ressalva dos de
medicina — a tomar o lugar das prostitutas, na eventualidade de uma greve da “categoria”. Isso fornece o
pretexto para um assalto ao jornal, realizado por milicianos à paisana e elementos estudantis.38
Concomitantemente, a identificação do movimento operário como fruto da ingerência de uma ideologia
exótica tinha condições de entroncar-se com o reforço dos laços de comunhão nacional, enfatizado por
organizações nacionalistas do tipo da Liga de Defesa Nacional, Ação Social Nacionalista, que proliferam
nos anos 1910. Apesar das diferenças entre muitos de seus membros e a oligarquia governante, essas
associações silenciaram acerca das medidas repressivas contra as mobilizações operárias ou as apoiaram
abertamente.39
Os anarquistas tentaram desfechar uma contraofensiva ideológica, procurando demonstrar que a
campanha contra os estrangeiros encerrava um conteúdo de classe: estrangeiros — proprietários de
jornais do Rio de Janeiro — dirigiam a campanha; estudantes “nacionalistas” saíam em defesa da Light;
honrados trabalhadores eram expulsos, enquanto os verdadeiros indesejáveis, homens como o abade
Kruse, Matarazzo, Gamba, Crespi, Francisco Schmidt gozavam de todas as regalias.40 O traço mais
significativo desses textos defensivos consiste no amálgama dos princípios libertários com alguns dos
estereótipos difundidos pela classe dominante. Sintoma da pressão a que os anarquistas estavam
submetidos, mas também da força de um quadro mental ao qual não eram imunes, como transparece em
um documento de setembro de 1919, publicado sob o título “Os anarquistas brasileiros ao povo”. Aí, a
defesa da dignidade dos trabalhadores, a reafirmação do internacionalismo revolucionário estão
entremeadas com uma inusitada referência aos interesses nacionais, onde perpassam também as notas do
ufanismo corrente: as potencialidades da flora brasileira, de suas cachoeiras tornam viável a construção
de um Brasil novo, livre do capitalismo cosmopolita, de algumas dezenas de sindicatos industriais e
financeiros em sua maioria estrangeiros, de algumas dúzias de fazendeiros e latifundiários que exploram
o país.41 Com propósitos moderadores, o escritor libertário Afonso Schmidt dirigia-se à Liga Nacionalista
e aos estudantes para que reconhecessem a existência da questão social no país e viessem participar de
seu debate. Contraponto de figuras como o deputado Carlos Penafiel no outro extremo do espectro
político, Schmidt culpava os intelectuais brasileiros por abandonarem o proletariado à influência de
outros meios onde a guerra social é uma questão de vida ou morte, fazendo com que ele, às vezes, como
medida de defesa, utilize processos que a índole brasileira não aceita e nossa história não justifica. Ao
mesmo tempo, só a implantação da comuna libertária, onde os pequenos interesses desmoronam
juntamente com a propriedade privada, poderia tirar sua geração do marasmo, dando-lhe a elevada
espiritualidade com que sonhou Bilac.42
No plano das medidas práticas, a ofensiva contra os anarquistas se delineou no Rio de Janeiro, a partir
de setembro de 1919, com a apreensão de jornais, a invasão das principais sedes de sindicatos
(construção civil, têxteis, metalúrgicos, sapateiros) e de muitas residências operárias. Após os choques de
rua que se seguiram a essas medidas, o chefe de polícia Geminiano da Franca foi chamado ao Ministério
da Justiça para discutir a forma de livrar dos agitadores a Capital Federal e seu povo. Enquanto a
repressão crescia, procurava-se acelerar o andamento dos projetos de lei em curso no Congresso e
esboçavam-se algumas iniciativas continentais de conjunto. As autoridades policiais brasileiras, em
contato com a polícia da Argentina, Uruguai e Paraguai, propunham o estabelecimento de um pacto pelo
qual as “pessoas indesejáveis” recusadas em um dos países signatários não poderiam ser acolhidas nos
demais. Consideravam-se indesejáveis os perturbadores da ordem pública que pregassem a eliminação de
autoridades ou de qualquer indivíduo, a extinção da propriedade e especialmente aqueles que tomam os
nomes de maximalistas, anarquistas etc.43
Nos meios operários, embora a situação fosse relativamente calma em São Paulo, havia a clara
consciência do alcance da ofensiva governamental. A Plebe aludia aos acontecimentos do Rio de Janeiro,
de Pernambuco, do Rio Grande do Sul, salientando tratar-se de uma ação repressiva de envergadura e não
de uma onda passageira. Um manifesto da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro dizia que “os
atos de vandalismo, as ameaças de expulsão, são o prelúdio de uma reação fortíssima, para aniquilar a
força das classes produtoras organizadas”.44 De fato, a ofensiva alcançaria São Paulo em meados de
outubro, no contexto da greve dos servidores públicos, de um complô anarquista, alimentando-se ainda da
explosão de uma bomba que um grupo vinha preparando em uma casa do Brás.
A seletiva expulsão de militantes operários cresceu nos anos 1919-20.45 Partiriam para sempre do país:
Gigi Damiani; Alexandre Zanella; Silvio Antonelli; Antonio Fernandes, secretário da Federação dos
Trabalhadores do Rio de Janeiro cuja deportação provocou uma greve parcial de solidariedade; Alberto de
Castro, antigo secretário da União Geral de Ferroviários de São Paulo; Joaquim de Moraes, ex-secretário
da UOFT carioca etc.46 A sorte dos exilados variou de acordo com os países de que eram provenientes. Os
italianos regressaram à Itália sem maiores problemas, mas nem todos os portugueses e espanhóis tiveram
a mesma sorte. Alberto de Castro foi enviado preso para Cabo Verde, junto com mais catorze dentre seus
companheiros; Manoel Perdigão, antes de regressar ao Brasil, ao ser reconhecida sua cidadania
brasileira, ficou vários meses detido em Vigo, onde se organizou uma greve por sua soltura; José Romero
passou também um período de prisão na Espanha, voltando mais tarde ao país. Ao contrário do que
sucedera em 1917, dessa vez os casos de regresso ao Brasil seriam raros. O mais célebre foi sem dúvida o
de Everardo Dias — preso e espancado em São Paulo antes de ser expulso —, cujo ato de expulsão acabou
sendo revogado, após uma intensa campanha na imprensa e no Congresso.47 Com relação aos
trabalhadores nacionais, utilizou-se frequentemente o expediente da prisão não comunicada às
autoridades judiciárias e a soltura dos presos, tempos depois, sem recursos, fora de seu estado. Dentre os
casos famosos de “desaparecimento”, encontram-se o de João da Costa Pimenta, detido em São Paulo, em
outubro de 1917, e solto no Rio Grande do Sul; o de Antônio Silva, líder da construção civil no Rio de
Janeiro, preso em outubro de 1920 e libertado em Mato Grosso, após a greve da categoria.48
Por vezes, a onda repressiva alcançou a massa de trabalhadores, como ocorreu durante a greve da
Leopoldina, quando segundo a imprensa libertária se efetuaram mais de mil prisões.49 A regra, porém, foi
a seletividade, atingindo-se os organizadores e o núcleo de ativistas, onde se destacava o grupo vulnerável
de anarquistas. Contra eles e os militantes estrangeiros em geral, iriam se voltar as atenções do
Congresso, no campo legislativo. Um projeto modificando a lei sobre a entrada de estrangeiros no país
fora apresentado por Afrânio de Melo Franco em 1917, sendo submetido a críticas, especialmente de
Maurício de Lacerda, na parte em que proibia a entrada de pessoas deformadas e de anarquistas. Lacerda
conseguiu prolongar a discussão da propositura por vários anos e excluir a proibição do ingresso de
anarquistas. Previu-se, porém, a expulsão do estrangeiro cuja conduta fosse considerada nociva à ordem
pública ou à segurança nacional, ressalvando-se a hipótese de residência ininterrupta no país por mais de
cinco anos. Cabia, entretanto, ao estrangeiro provar sua permanência em lugar certo do território
nacional durante aquele prazo; haver feito por termo, perante a autoridade policial ou municipal dos
lugares onde residira, a declaração da intenção de permanecer no país; ter exercido profissão lícita.50 Por
sua vez, foi aprovado um projeto do senador Adolfo Gordo, regulando a repressão do anarquismo.
Considerava-se crime a colocação ou explosão de bombas de dinamite ou semelhantes nas vias públicas e
nos edifícios; a provocação por escrito ou verbalmente da prática de crimes como dano, depredação,
incêndio, homicídio, com o fim de subverter a ordem social; fazer a apologia dos delitos praticados contra
a organização da sociedade.51 No mesmo ano de sua entrada em vigor, após servir de base à interdição de
vários sindicatos, a lei teve uma inesperada aplicação quando o presidente Epitácio Pessoa mandou fechar
o Clube Militar, com fundamento em um de seus dispositivos prevendo o fechamento, por tempo
determinado, de associações que incorressem em atos nocivos ao bem público.
Postas em confronto as medidas tendentes a assimilar a classe operária e as tendentes a excluí-la do
sistema vigente pela via da repressão, salta aos olhos que as últimas preponderam largamente. No campo
da sociedade civil, a atitude excepcional de um Jorge Street não se consolida e os grandes industriais
reforçam a técnica dos estreitos contatos com o aparelho repressivo, da organização das listas negras de
indesejáveis, cuja personificação mais expressiva se encontra em Pupo Nogueira, secretário do CIFTSP, nos
anos 1920.52 No âmbito do Estado, enquanto as tentativas de aprovar uma legislação social desembocam
em um quase total fracasso, as ações repressivas e leis da mesma natureza são a tônica dominante.
As razões desse comportamento no que diz respeito aos militantes anarquistas e aos organizadores de
um movimento operário autônomo são claras. Mas por que não se tentou integrar efetivamente a grande
massa à sociedade, pela via do atendimento de reivindicações corporativas? A resposta se encontra na
fraqueza do próprio movimento operário, de um lado, e na natureza do sistema de dominação, de outro.
Vale a pena ressaltar, sob esse aspecto, as diferenças do caso argentino e do brasileiro. O peso social da
classe operária, no primeiro caso, levou o Poder Executivo, controlado pelos conservadores, a apresentar
em 1904 um projeto de Código do Trabalho (projeto González) que reconhecia uma série de direitos
sociais e ao mesmo tempo estabelecia normas repressivas contra a atividade do sindicalismo autônomo. A
propositura, que teve em parte o apoio do Partido Socialista e sofreu fortes críticas da União Industrial
Argentina, acabou sendo rejeitada na Câmara pelos deputados conservadores. Ao longo dos anos algumas
leis foram sendo aprovadas, sobretudo em âmbito regional, até que a questão voltou ao primeiro plano no
contexto dos anos agitados do fim da década de 1910. Como se sabe, por essa época o sistema político se
alterara, a partir da reforma eleitoral Saenz Pena (1912) e os radicais haviam subido ao poder com
Hipólito Yrigoyen. Novamente o Poder Executivo buscou aprovar um Código do Trabalho, chocando-se
com a rejeição da Câmara, mas de qualquer forma uma legislação social esparsa, de alcance maior do que
a brasileira, veio a ser aprovada naqueles anos e no curso da década de 1920.53
As diferenças entre um e outro caso são de grau e não de natureza. Em ambos, as restrições à
concessão de uma cidadania social surgem como relevantes. Nem por isso entretanto as diferenças
deixam de ser significativas. A maior permeabilidade dos círculos governantes argentinos vincula-se à
presença do movimento operário, que, após o triunfo do radicalismo, se combina com a nova configuração
da aliança de classes. Os setores médios urbanos, as frações agrárias de oposição incorporadas ao poder
pela via do Partido Radical necessitam pelo menos da simpatia do proletariado das cidades. Essas
condições estão ausentes do Brasil. Não só o movimento operário é mais frágil como o sistema de
dominação prescinde dos trabalhadores, na medida em que a sólida oligarquia se assenta em um pacto de
alianças regionais de cúpula, cimentado pelo controle de uma clientela principalmente de base rural. A
socialização das camadas dominadas urbanas, onde predominam elementos estrangeiros, torna-se assim
difícil e parece desnecessária: os esforços mais consequentes pelo reconhecimento dos direitos operários
não partem do Poder Executivo, mas de um reduzido grupo liberal socializante, encarnado em Nicanor
Nascimento e Maurício de Lacerda. Afinal, se a tese da simples outorga da legislação trabalhista nos anos
1930 carece de base histórica, sua implementação gradual se deve mais à crise de hegemonia aberta
naqueles anos do que à retomada — embora não desprezível — das mobilizações operárias.
Epílogo

Os limites estruturais impostos ao movimento operário no período que consideramos são bastante
evidentes. Em sua fraqueza, em sua intermitência, estampam-se a escassa diferenciação social do país, o
peso muito secundário do proletariado na sociedade, as condições do mercado de trabalho, a natureza das
forças que compõem o Estado oligárquico etc. Tudo isso está presente na luta pela sindicalização, nos
movimentos coletivos cuja história é, de modo geral, a de um esforço circular e de uma sequência de
derrotas. A crítica recente à heteronomia sindical não nos deve, aliás, conduzir ao anacronismo,
ignorando-se o enorme peso que tem o Estado nas grandes linhas desta história. São claros os efeitos do
comportamento repressivo — cujo alcance não se mede apenas em termos quantitativos — diante de um
débil movimento operário de quadros escassos. Ao mesmo tempo, o desinteresse do Estado oligárquico
em realizar um esforço integrador pesa também brutalmente na extrema dificuldade de obter o
reconhecimento de direitos. A história do movimento operário nos anos 1890-1920 é uma sucessão de
derrotas não tanto pela ocorrência de uma sistemática negação a quaisquer concessões à cidadania social,
mas pelo fato de que tais concessões, conquistadas através dos movimentos coletivos, não encontram um
campo normativo de institucionalidade. Arrancadas no combate direto classe a classe, deixam de ser
reconhecidas por qualquer outra instância da sociedade e seguem o movediço destino desse combate.
Assim se explica em parte a longa sequência de direitos alcançados com grande esforço, para serem
negados logo em seguida, com um magro produto cumulativo.
Não obstante todos os limites, seria quase desnecessário lembrar que a contradição de classes nasce
imbricada com os primeiros momentos constitutivos do capitalismo industrial no país, tendo, pois,
também, uma raiz estrutural. Essa contradição alcança seu ponto mais agudo na conjuntura 1917-20.
Período em que a classe operária lança em jogo, com considerável ímpeto, não a transformação
revolucionária da sociedade, mas um momento relevante de seu destino, corporificado na luta pelo
reconhecimento da cidadania social. Implicitamente, embora não presente na consciência de uma
vanguarda pouco receptiva às questões nacionais, o conflito transcende os marcos de classe e aponta para
o problema da implantação de uma ordem democrática, diversa do modelo liberal-elitista.
A utilização do conceito de conjuntura para definir o momento histórico situado cronologicamente entre
1917-20 corresponde a três constatações básicas: 1o o fato de que se trata de um “ponto nodal das
contradições estruturais”, no qual as relações de classe, valores e expectativas sociais sofrem uma
alteração de grau; 2o a impossibilidade de apreender o sentido em que o ponto nodal é desatado, a partir
de uma simples transcrição da leitura de elementos estruturais; 3o o peso que o desfecho da conjuntura —
seu desate — tem nos parâmetros definidores das relações de classe, nos períodos posteriores.
Com maior força de qualquer outra conjuntura histórica mais recente, condições estruturais
dimensionam o leque de possibilidades aberto nos anos 1917-20. O procedimento empírico de tentar
recuperá-las uma a uma no nível da conjuntura não faz sentido, embora certos elementos — o caráter
repressivo do Estado, por exemplo — aí apareçam como fator desorganizador de primeiro plano. Outros
condicionamentos, porém, são constitutivos de toda a formação social e integram um grande sistema que
incide nessa qualidade sobre a conjuntura. Ainda assim, ao desfecho desta não são indiferentes as
questões da dinâmica interna do movimento operário, dizendo respeito a sua orientação e organização.
Ganha relevo em tal contexto o papel desempenhado pelo anarquismo. A negativa em reconhecer a
instância política como um nível específico da estrutura social conduz os anarquistas a ignorar a questão
do Estado e da combinação de duas formas de luta — a econômica e a política. A natureza da formação
econômico-social do país não chega a constituir para eles um problema, tudo se reduzindo, em última
análise, ao grupo de exploradores que tem no Estado um mero instrumento do exercício da autoridade, e
ao grupo dos explorados cuja resistência deve tomar a forma do que Julio Godio chamou de
“universalismo anticapitalista abstrato”. Assim se reconhece um campo único de luta — o das relações de
produção — a partir do qual se lança o combate frontal contra os patrões e o Estado.
Essas concepções gerais tiveram consequências bastante importantes, no sentido de potenciar alguns
dos principais entraves à organização das camadas dominadas. O bloqueio ideológico que conduzia ao não
reconhecimento de uma questão nacional, combinada com a questão da luta anticapitalista, teve claros
reflexos na definição das relações e alianças de classe. A ausência de uma estratégia fundada também no
problema agrário, no enfrentamento do polo de dominação externa, cortou as já difíceis condições de
enlace com as massas rurais e com parte das camadas médias urbanas, acentuando o isolamento de um
proletariado de origem estrangeira. Por sua vez, a recusa da política — essa arte própria dos exploradores
— acabou vindo ao encontro dos interesses da oligarquia, disposta a assimilar o imigrante como força de
trabalho, mas não a admitir seu ingresso no reino fechado das decisões. A incompreensão da natureza do
Estado no interior de uma formação social adaptou-se por sua vez, através de caminhos opostos, aos
objetivos da nascente burguesia industrial e do Estado oligárquico. O conflito de classes tendeu a reduzir-
se ao nível econômico, ao enfrentamento classe a classe, preservando-se a “pureza repressiva” do Estado
gendarme. Negar-se a exercer pressão sobre ele, nos longos combates pela cidadania social, negar-se a
forçar a adoção normativa de conquistas significava condenar embates e conquistas, mais cedo ou mais
tarde, a um doloroso fracasso.
Do ponto de vista organizatório, a óbvia consequência da recusa da instância política consistiu em não
formular o problema do partido como núcleo agregador de interesses. No plano sindical, as concepções
espontaneístas tiveram efeito particularmente desorganizador, nas condições de um país que oferecia
enormes dificuldades a qualquer tipo de organização.
A orientação da vanguarda anarquista teve assim um peso que não pode ser ignorado ao longo da
história do movimento operário do período e na conjuntura de 1917-20. Aí se atualizam as debilidades de
uma teoria, às quais se poderiam acrescentar as oscilações entre uma estratégia insurrecional utópica e a
mera identificação com as lutas espontâneas, os erros táticos dos quais o mais flagrante — nascido de
uma dificuldade de avaliar as relações de força — foi o de tentar organizar greves gerais contra a
repressão, em um momento já de refluxo.
Convém acentuar, porém, ainda uma vez, que não se trata de autonomizar o significado das
orientações, mas simplesmente de introduzi-las no campo das proposições estruturais ou psicossociais e
começar a medir seu alcance possível, seus efeitos. Parece quase inútil ressaltar que não era uma tarefa
simples atrair massas rurais desarticuladas, camadas médias em busca de uma cooptação para cima e não
de uma aliança para baixo ou exercer pressão sobre um Estado cuja base de sustentação prescindia
inteiramente do proletariado urbano. Nem constituía também uma possibilidade ao rápido alcance da mão
o problema da formação de um partido ou de um movimento sindical autônomo representativo. Mas o
rumo que cada uma dessas questões tomou ao longo do processo histórico — heteronomia sindical,
fragilidade partidária, hegemonia da classe média, cidadania social outorgada — dependeu também da
arte política das opções, no interior do “possível”, em que os anos 1917-20 representam um primeiro elo
perdido.
Pois é bem de um elo perdido que se trata, com profundas implicações nas relações de forças sociais no
curso da década de 1920. O movimento operário entra em uma longa depressão, impossível de ser medida
apenas quantitativamente pelo decréscimo do número de greves ou de sua amplitude. A contestação das
camadas dominadas reflui a um nível secundário, suas organizações tomam de novo o destino das
pequenas seitas, deixando de ser fonte de alarme para os círculos dirigentes. As contradições da
República oligárquica amadurecem a partir de setores mais conspícuos da sociedade — os quadros
médios do Exército, responsáveis pelo tenentismo e a pequena e média burguesia urbana, em particular.
O corte histórico aberto em torno dos anos 1920-1 não estabelece um fosso entre duas épocas, pois
repõe algumas continuidades em outro nível: não há ainda nenhuma resposta definitiva às questões
cruciais do movimento operário, do ponto de vista de sua dinâmica interna, nenhuma alteração
fundamental no comportamento do Estado, basicamente repressivo. Mas as respostas a essas questões
submetem-se a um novo contexto, onde repontam, de um lado, a depressão do movimento operário, a
crise do anarquismo, e, de outro, a presença da contestação militar, cuja influência alcança a rarefeita
liderança operária e o nascente Partido Comunista. De um ponto de vista mais amplo, o quadro político
que se define na década de 1920 e nos primeiros anos 1930 é pelo menos tão importante para explicar os
destinos do movimento operário — sobretudo sua autonomia/heteronomia — quanto fatores como a
mudança da composição da classe, resultante do ingresso de grandes levas de migrantes nacionais e o
surgimento de uma nova geração de filhos de estrangeiros.
Na memória social, estampa-se também o alcance de um corte que o tempo cronológico não poderia
medir. Em poucos anos, no decurso dos anos 1920, as grandes manifestações de rua, o efêmero
sindicalismo de massa dos têxteis, o comício de 1o de maio de 1919, ligado a um contexto internacional
revolucionário, transformam-se em símbolos, logo mitificados, de um passado distante que se busca sob
novas formas recuperar. Depois, urgências mais prementes acabam por apagar esses símbolos e sobre a
história da “velha classe operária” se estende a sombra de um longo eclipse.
Notas

INTRODUÇÃO

1. Eric J. Hobsbawm, “Labor History and Ideology”, Journal of Social History, v. 7, n. 4, 1974.
2. E. P. Thompson, The Making of the English Working Class. Londres: Pelican Books, 1970, p. 13.

PRIMEIRA PARTE: A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA: DETERMINAÇÕES ESTRUTURAIS

1. Pedro Pinchas Geiger, Evolução da rede urbana brasileira. Rio de Janeiro, 1963; José Ribeiro de Araújo Filho, Santos, o porto
do café. Rio de Janeiro, 1969.
2. Stanley Stein, The Brazilian Cotton Manufacture. Textile Enterprise in an Underdeveloped Area, 1850-1950. Massachusetts,
1957, p. 21.
3. Até 1889, o Município Neutro detinha 57% do capital industrial brasileiro, com exclusão do açúcar. Segundo os dados do
censo de 1920, 48% do capital declarado pelas indústrias cariocas naquele ano pertencia a empresas fundadas em 1890. Cf.
Wilson Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo (Campinas: Unicamp, 1975, v. II, p. 245. Tese de doutorado), que
mostra como a médio prazo a decadência cafeeira da região do vale do Paraíba e até certo ponto de Minas Gerais resultou em uma
relativa atrofia do crescimento industrial da capital da República, em contraste com São Paulo. De fato, o não surgimento de uma
economia cafeeira de tipo capitalista impediu que se constituísse uma das fontes básicas da acumulação industrial; ao mesmo
tempo, a crise da região fluminense redundaria em um encolhimento do mercado de consumo, agravado com a perda progressiva
do mercado paulista.
4. Stanley Stein, op. cit., pp. 22-3; Paul Singer, Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo, 1968.
5. Louis Couty, Biologie industrielle. Rio de Janeiro, 1883.
6. Ver Emília Viotti da Costa, Da senzala à colônia. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1966.
7. José Francisco de Camargo, Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo: USP,
1952, v. I, p. 171.
8. O processo de formação de um núcleo burguês industrial, a partir do setor cafeeiro, do comércio urbano e do setor
importador, com ponderável contribuição de estrangeiros, tornou-se bem mais conhecido nos últimos anos graças sobretudo ao
livro de Warren Dean, A industrialização de São Paulo (São Paulo: Difel, 1971), e a recente tese de Wilson Cano, embora não haja
consenso entre esses autores quanto ao grau de importância de cada um desses segmentos no processo de industrialização.
9. Calculado segundo os dados transcritos em Michael M. Hall, The Origins of Mass Immigration in Brazil, 1871-1914.
10. Paul Singer, op. cit., pp. 44-7.
11. Richard M. Morse, Brazil’s Urban Development: Colony and Empire. Yale Univerty, 1972, pp. 155-81 (mimeografado).
12. Warren Dean, op. cit., p. 19.
13. Pasquale Petrone, “A cidade de São Paulo no século xx”. Revista de História, v. 10, n. 21-2, pp. 127-70, jun. 1955. Disponível
em: <http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/36445>. Acesso em: 24 maio 2016.
14. Manuel de Sousa Pinto, Terra Moça. Impressões brasileiras. Porto, 1910, apud Ernani da Silva Bruno, História e tradições
da cidade de São Paulo. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954, v. III, pp. 944 e 947. Para a formação dos bairros paulistanos, ver
especialmente Caio Prado Júnior, “Contribuição para a geografia urbana da cidade de São Paulo” (in Evolução política do Brasil e
outros estudos. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1969), e Odilon Nogueira de Mattos, “São Paulo no século xx” (in Aroldo de Azevedo
(Org.), A cidade de São Paulo. Estudos de geografia urbana. São Paulo: Nacional, 1958).
15. Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1943. Rio de
Janeiro, 1973.
16. Michael M. Hall, op. cit.
17. Lúcio Kowarick, Capitalismo, dependência e marginalidade urbana na América Latina: uma contribuição teórica. Disponível
em: <http://www.cebrap.org.br/v2/files/upload/biblioteca_virtual/capitalismo_dependencia_e_marginalidade.pdf>. Acesso em: 24
maio 2016.
18. Anibal Quijano, Redefinición de la dependencia y proceso de marginalización en America Latina, apud Lúcio Kowarick, op.
cit.
19. A proporção no estado de São Paulo e na parte leste, abrangendo o Distrito Federal, entre população economicamente ativa
e ocupada em 1920, é idêntica ou quase idêntica à do país: 42,6% em São Paulo e 42,9% no leste. Cf. Annibal V. Villela e Wilson
Suzigan, op. cit., pp. 287-93. Os autores explicam a enorme queda da população ocupada entre 1872-1920, em parte pelo
decréscimo de empregados domésticos, o que de qualquer forma indica um acréscimo de população sobrante dada a não
substituição dessa faixa por outras ocupações.
20. Michael M. Hall, op. cit., e The Italians in São Paulo, 1880-1920. Tulane University, 1971 (mimeografado). Aí se encontram
vários exemplos de pronunciamentos de representantes dos círculos dirigentes de São Paulo, vinculando a ampla oferta de mão de
obra subsidiada ao objetivo de deprimir salários rurais.
21. Uma parte desse reservatório pode ter sido constituída por desempregados da indústria, pois a crise também atingiu as
atividades industriais. No prefácio de seu livro A indústria no estado de São Paulo em 1901, Antônio F. Bandeira Jr. refere-se “à
diminuição do trabalho em todas as fábricas, algumas das quais apenas funcionam dois dias por semana, havendo outras que, em
número não pequeno, cessaram de trabalhar”.
22. Wilson Cano, op. cit., p. 229.
23. Roger Bastide e Florestan Fernandes, Brancos e negros em São Paulo [1955]. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1959.
24. Douglas H. Graham e Sérgio Buarque de Hollanda Filho, Migration, Regional and Urban Growth and Development in Brazil:
a Selective Analysis of the Historical Record: 1872-1970. São Paulo, 1971 (mimeografado).
25. Conceitualmente, o exército industrial de reserva distingue-se da “mão de obra sobrante”: o primeiro se encontra em
“reserva”, isto é, com a possibilidade de ser incorporado ao processo produtivo tão logo seja necessário para o incremento do
sistema; a “mão de obra sobrante” está estruturalmente confinada a ocupações de produtividade mínima, o que não significa que
deixe de cumprir uma função no sistema, no chamado setor degradado de serviços. Cf. Anibal Quijano, “El proceso de
marginalización y el mundo de la marginalidad en America Latina”, in Anibal Quijano e Francisco C. Weffort, Populismo,
marginalización y dependencia. São José, Costa Rica: Universidad Centroamericana, 1973. Para a inserção da população negra de
São Paulo no “setor degradado” de serviços, ver os trabalhos clássicos de Bastide e Fernandes, especialmente deste autor A
integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus, 1965.
26. Douglas H. Graham e Sérgio Buarque de Hollanda Filho, op. cit., p. 106.
27. Refiro-me às linhas gerais de um processo sem levar em conta conjunturas muito excepcionais e a distinção entre operários
especializados e de baixa qualificação. Convém observar, porém, que as grandes empresas industriais são indústrias simples,
operando com largo emprego de mão de obra não especializada. Para exemplos de escassez de força de trabalho qualificada no Rio
de Janeiro na fase de instalação das primeiras unidades industriais, ver Stanley Stein, op. cit., p. 55.
28. Wilson Cano, op. cit., pp. 247 e 260.
29. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Diretoria-Geral de Estatística, Recenseamento de 1920. Rio de Janeiro,
1923.
30. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo, Boletim do Departamento Estadual de
Trabalho, São Paulo, ano I, n. 1 e 2, 1912; Azis Simão, Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus, 1966.
31. Recenseamento de 1920, Distrito Federal, v. II, 1a parte, p. CXXIV.
32. Fernando Henrique Cardoso, “Proletariado no Brasil: situação e comportamento social”, in Mudanças sociais na América
Latina. São Paulo: Difel, 1969, p. 204.
33. O Estado de S. Paulo, 24/26 ago. 1896.
34. Diário Popular, 12 mar. 1892, apud Richard M. Morse, Formação histórica de São Paulo: de comunidade à metrópole. São
Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
35. Correio Paulistano, 28 ago. 1896.
36. Depoimento de Benjamin Mota, em A Plebe, 31 maio 1919.
37. É o caso especialmente de Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920
(mimeografado), de quem transcrevo nesse aspecto os dados.
38. Ao contrário do que geralmente se supõe, a maioria dos imigrantes italianos que chegaram ao Brasil até princípios do
século XX provinha do norte da Itália, especialmente da região do Vêneto. Só posteriormente a imigração do sul passou a ser
significativa. Foerster calcula que, nos primeiros anos da grande imigração, 4/5 dos imigrantes partiram do norte. Os italianos do
sul — calabreses sobretudo — concentraram-se no Rio de Janeiro, onde no início do século XX talvez já excedessem o outro grupo.
Cf. Robert F. Foerster, The Italian Emigration of Our Times. Nova York: Arno Press, 1969, p. 289.
39. A curiosa presença de franceses é excepcional, restringindo-se aos primeiros anos do século XX. Ela se relaciona com o
núcleo de operários dessa nacionalidade existente na Companhia Vidraria Santa Marina. Detalhes de um movimento grevista de
operários franceses e de sua participação em atos públicos encontram-se em Avanti, 9/23 mar. 1901.

SEGUNDA PARTE: A CLASSE OPERÁRIA E SEU MOVIMENTO (1890-1917)

1. CORRENTES ORGANIZATÓRIAS E SEU CAMPO DE INCIDÊNCIA

1. Optei deliberadamente pelo uso da palavra “trabalhista” para indicar a existência do embrião de uma corrente que vários
anos mais tarde, em outras condições, teria forte influência no movimento operário brasileiro.
2. Sob o aspecto quantitativo, o grupo de servidores públicos, profissionais liberais e sacerdotes representava 4,6% da
população ocupada da cidade de São Paulo em 1893 e 8,6% da população ocupada do Rio de Janeiro em 1890. Cf. Relatório de
1894 e Censo de 1890. A capital da República tenderia a se converter cada vez mais na cidade dos serviços, não só os ligados às
profissões liberais e burocráticas como ainda ao chamado “setor degradado”. Segundo os dados do censo demográfico de 1920,
em 1919 apenas 38,4% da população economicamente ativa aí se vinculava à produção física, correspondendo 61,6% aos serviços
(15% aos serviços domésticos). Citado por Wilson Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo (Campinas, Unicamp,
1975, v. II, p. 249. Tese de doutorado). Deita assim raízes na estrutura de classes e não apenas no meio geográfico (a praia etc.) o
contraste entre São Paulo como “cidade do trabalho” e o Rio de Janeiro como “irresponsável cidade do ócio”.
3. Os dados biográficos das figuras de maior prestígio nos meios jacobinos são expressivos. Alexandre José Barbosa Lima
nasceu no Recife a 23 de março de 1862. Assentou praça no Exército em 1882, percorrendo a carreira militar desde alferes-aluno
até reformar-se como coronel graduado em 1912. Era bacharel em matemática e ciências físicas pelo curso de engenharia militar.
Nos anos 1889-90, residiu no Ceará, onde foi professor de geometria na Escola Militar. Eleito por esse Estado à Constituinte de
1890, em 1892 foi nomeado por Floriano governador de Pernambuco. Posteriormente elegeu-se deputado por Pernambuco, pelo
Rio Grande do Sul e, a partir de 1906, por várias vezes, pelo Distrito Federal. Desterrado para Fernando de Noronha após o
atentado de novembro de 1897 contra Prudente de Moraes, tomou parte ativa na chamada Revolta da Vacina, de 1904.
Irineu Machado, nascido no Distrito Federal a 15 de dezembro de 1872, bacharelou-se em direito no Recife, em 1892.
Advogado no Rio de Janeiro, foi por algum tempo funcionário da Central do Brasil, um de seus redutos eleitorais. Deputado pela
capital da República, florianista, esteve envolvido também no atentado contra Prudente de Moraes. Embora tenha ficado ao lado
de Rui Barbosa, em 1910, apoiou Nilo Peçanha em 1921, tendo sido intermediário na divulgação das “cartas falsas”. Bernardes
forçou sua “degola”, apesar de ter sido legitimamente eleito senador. Nos últimos anos da década de 1920, afastou-se dos núcleos
contestadores e sustentou a candidatura de Júlio Prestes.
Nilo Peçanha nasceu em Campos, a 2 de outubro de 1864. Bacharel em direito, antiescravista, republicano, elegeu-se deputado
e senador pelo estado do Rio de Janeiro. Florianista, vice-presidente da República na chapa de Afonso Pena, assumiu a presidência
nos últimos meses de mandato deste, favorecendo a eleição de Hermes da Fonseca. Foi candidato à presidência pela “Reação
Republicana” e sua morte, ocorrida em 1924, provocou grande consternação entre os tenentes.
Lauro Sodré nasceu em Belém a 17 de outubro de 1858. Assentou praça em 1886, chegando a general de brigada, posto em
que foi reformado em 1913. Engenheiro militar, doutor em matemática e ciências físicas, secretário de Benjamin Constant no
Ministério da Guerra e da Instrução Pública. Elegeu-se deputado à Constituinte pelo Pará. Nomeado pouco depois governador de
seu estado, opôs-se ao golpe “deodorista” de 1o de novembro de 1891. Senador pelo Pará, reelegeu-se pelo Distrito Federal em
1903. Em 1898 candidatou-se à presidência da República, opondo-se a Campos Sales. Ao lado de Barbosa Lima, foi figura central
na Revolta da Vacina. Positivista e grão-mestre da maçonaria brasileira. (Os dados menos conhecidos dessas referências
biográficas são de Dunshee de Abranches, Governos e congressos da República dos Estados Unidos do Brasil, 1889-1917. São
Paulo, 1918.)
4. O Jacobino de 13 de outubro de 1894 publica um protesto de trabalhadores da Alfândega por terem sido admitidos
portugueses no quadro de servidores, em detrimento dos nacionais. Lança também uma furiosa carga aos noruegueses: “A Notícia
de 8 do corrente diz que embarcaram em Lisboa, no vapor Orenoco, com destino ao Brasil, duzentos imigrantes portugueses,
homens, mulheres e crianças. Pois quê! Será exato? Teremos mais lixo em nosso país? Pois deixam a África pelo ingrato Brasil?
Renegados infames! No Brasil, a árvore das patacas os espera e quando estiverem já com o pandulho cheio escoiceiem à vontade,
pois é esse o característico da gente portuguesa. O nosso grande consolo é que a patriótica febre amarela aqui também os espera
sequiosa. E era uma vez a mindelada!”.
5. Cf. Maurício de Lacerda, Evolução legislativa do direito social brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1960, p. 71.
6. Os dados são essencialmente de Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920
(mimeografado), e de Anais da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, 1892, v. I e II.
7. Decreto n. 1162, 12 dez. 1890. Cf. Evaristo de Moraes, Apontamentos de direito operário. 2. ed. Rio de Janeiro, 1971, p. 59.
8. Anais da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, 1892, v. I e II.
9. O relato da carreira política de Vinhaes se baseia em Sheldon L. Maram, op. cit.; Edgard Carone, A República Velha.
Instituições e classes sociais. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970; J. F. Velho Sobrinho, Dicionário biobibliográfico
brasileiro. Rio de Janeiro: Pongetti, 1937, v. I. Vinhaes não se identificou explicitamente com nenhuma das correntes socialistas em
voga na Europa. Sua tentativa de constituição de um banco operário revela afinidades com as concepções proudhonianas.
10. Acusado de “petroleiro e nihilista”, Vinhaes afirmou em um discurso límpido de fevereiro de 1891 que a República esquecia
as reivindicações operárias e promovia homens de ideias retrógradas. “O povo está cansado de ser espezinhado. Tem o direito de
exigir neste regime que se diz democrático que a lei seja igual para todos, que não haja aqui uma justiça para o pobre, e outra
para o rico. E é exatamente porque não se lhe faz esta justiça que ele pergunta e com toda a razão se está ou não em um país
democrático que deve expandir o verdadeiro direito de igualdade”, Anais do Congresso Nacional (Constituinte). Rio de Janeiro,
1891, v. III.
11. Um embrionário partido socialista fundado em 1912 colocava como pontos principais de seu programa: promoção de
conferências socialistas e fundação de escolas; garantia de trabalho e indenizações por dispensas sem causas razoáveis;
regulamentação da legislação sobre conflitos entre patrões e operários; assistência oficial aos velhos e enfermos; regulamentação
do salário mínimo e do número máximo de horas de trabalho; imposto progressivo e direto sobre a renda; proibição do trabalho de
crianças; regime eleitoral novo; revogação da lei de expulsão de estrangeiros; abolição do regime de certificados ou cadernetas
dos operários; 36 horas de descanso semanal; responsabilidade dos patrões nos acidentes de trabalho. Cf. Edgard Carone, op. cit.,
p. 206.
12. Vicente Ferreira de Souza (1852-1908) era baiano e médico por seu estado de origem. Eleito para o Senado, foi vítima do
mecanismo da “degola” e não pôde tomar posse. Ensinou filosofia e latim no Colégio Pedro II, colaborou com Gustavo de Lacerda
na formação do Partido Socialista Coletivista e escreveu artigos sobre socialismo na imprensa da época. Cf. Sheldon L. Maram, op.
cit.; Cruz Costa, Contribuição à história das ideias no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
13. Cf. especialmente Auguste Comte, Le Prolétariat dans la société moderne. Textes choisis. Intr. de R. Paula Lopes. Paris: J.
Vrin, 1946.
14. Um exemplo expressivo é o do professor Edward Beesly e seu grupo, com uma longa atuação no movimento operário inglês.
Com base nas concepções positivistas, Beesly defendeu a participação dos sindicatos na luta política e o estabelecimento de
relações fraternais entre os trabalhadores ingleses e os da Europa continental. Participou da fundação da I Internacional, mas
recusou um convite para ser membro de seu Conselho Geral. Teve contatos frequentes com Marx, que, em sua correspondência,
descreveu-o como um “homem muito capaz e corajoso”. Cf. Royden Harrison, “Professor Beesly and the Working-Class
Movement”, in Asa Briggs e John Saville (Orgs.), Essays in Labour History. 2. ed. Londres: Macmillan, 1967.
15. Obviamente, a facilidade de penetração do positivismo nos meios indicados não explica de todo sua difusão no Brasil. Faço
apenas essa referência porque estou interessado nos grupos tocados pela doutrina mais propensos a algum tipo de consideração
dos problemas operários, e não em um estudo do positivismo. Lembro de passagem que a doutrina penetrou também no Rio
Grande do Sul, em um meio diverso do Rio de Janeiro. Um estudo específico da absorção/reelaboração do positivismo por uma
parte da oligarquia gaúcha ainda está por ser feito.
16. Ver Tocary Assis Bastos, O positivismo e a realidade brasileira. Belo Horizonte: Edições da Revista Brasileira de Estudos
Políticos, 1965.
17. Ivan Lins, História do positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964, p. 366; Cruz Costa, op. cit., p.
234.
18. Raimundo Teixeira Mendes, A política positiva e o regulamento das escolas do Exército. Rio de Janeiro, 1890.
19. Ivan Lins, op. cit.; Tocary Assis Bastos, op. cit.; e A Voz do Trabalhador, 15 jul. 1908. O aplauso do Apostolado à COB deve
ser entendido no contexto específico de 1908, quando a entidade realizou campanha contra a lei de sorteio militar em discussão no
Congresso e denunciou a ameaça de guerra com o agravamento dos atritos entre Brasil e Argentina. O pacifismo e a rejeição ao
serviço militar obrigatório eram princípios sustentados pela ortodoxia positivista.
20. Em um contexto diverso, observe-se que, em outros países da América Latina, setores militares buscaram uma aliança com
a classe operária com o objetivo de enfrentar os detentores do poder. Assim, no Chile, após o golpe militar de 1924, os oficiais
procuraram implementar uma revolução de “revitalização social”, tomando contato com o proletariado urbano e suas
organizações. Entre outras medidas, decretaram aumentos de salário e criaram o Ministério do Trabalho. Cf. Enzo Faletto,
Eduardo Ruiz e Hugo Zemelman, Génesis histórica del proceso político chileno. Santiago: Nacional, 1971, p. 68.
21. Weffort, em um contexto histórico diverso, analisou as diferenças do movimento sindical, a partir dos anos 1950, nos dois
setores da economia, mostrando como o movimento foi muito mais forte no setor público ou nos submetidos à regulação
econômica do Estado. As razões das diferenças apontadas acima baseiam-se em suas observações. No período em exame, se é
discutível afirmar que o sindicalismo era já mais forte no núcleo estatal, pode-se pelo menos constatar a maior viabilidade de
manobras. Ver Francisco C. Weffort, Sindicatos e política. São Paulo: USP, 1973, cap. III, p. 27. Tese (Livre-docência),
(mimeografado).
22. Nas edições de fins de 1906, a Gazeta Operária manifestava sua decepção para com a República, que não cumprira as
promessas de “redenção do proletariado”, ressalvando umas poucas figuras, como Medeiros e Albuquerque, Sampaio Ferraz,
Barbosa Lima. Solidarizava-se com uma greve de cocheiros em curso e abria fogo contra os anarquistas, apoiando a campanha de
ataques contra eles movida por Alcindo Guanabara. O I Congresso Operário de 1906, dominado pelos anarquistas, era também
criticado. É curioso observar a repulsa às resoluções “violentas e impraticáveis” contra os militares, insistindo em que os
congressistas só haviam apreendido o papel negativo das Forças Armadas na sua interferência nas lutas entre capital e trabalho.
Cf. Gazeta Operária, 23 dez. 1906.
23. Sheldon L. Maram, op. cit.; Edgard Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969.
24. No início dos anos 1920, a imagem de Hermes se tornou popular, ao ser utilizada como escudo do movimento tenentista.
Até mesmo nas impermeáveis hostes anarquistas há traços da infiltração dessa imagem. Em um artigo publicado em A Plebe,
assinado por certo “professor C. C.” (não é claro se as iniciais se referiam a uma figura real — Coelho Cintra — ou correspondiam
a um pseudônimo de Astrojildo Pereira), estabelecia-se um paralelo entre o governo Hermes e o de Epitácio Pessoa para ressaltar
as virtudes do primeiro. Dizia o “professor C. C.” que, não obstante fosse acusado de ignorante, o marechal usara os enormes
poderes de que dispunha não para perseguir o povo mas as oligarquias do Nordeste. Ao contrário de Epitácio, difamador de
Floriano, ministro de Campos Sales e responsável por violenta repressão, procurara sempre melhorar a sorte dos operários. O
jornal anarquista imediatamente tratou de retificar esses argumentos, depois de salientar que o artigo saíra por equívoco: Hermes
reprimira os marinheiros, o verdadeiro movimento operário e incentivara o florescimento de “amarelos” como Pinto Machado,
Mariano Garcia, Cruz e Silva. Cf. A Plebe, 16 jun./18 ago. 1921.
25. Uma lista completa das organizações participantes se encontra em “Congresso Operário de 1912”. Estudos Sociais, n. 17,
jun. 1963. Sob controle dos anarquistas, o Centro Cosmopolita desempenhou um papel relevante nas lutas dos trabalhadores nos
anos 1917-20, transformando-se na década de 1920 em um dos redutos sindicais do Partido Comunista. A fonte para o número de
seus membros em 1913 é: Rio de Janeiro. Departamento de Assistência Pública, Assistência pública e privada no Rio de Janeiro,
história e estatística. Rio de Janeiro, 1922.
26. Confederação Brasileira do Trabalho (Partido político), Conclusões do IV Congresso Operário Brasileiro. Rio de Janeiro,
1913.
27. O Amigo do Povo, 14 maio 1904.
28. Em junho de 1901, há a luta contra o aumento das tarifas dos serviços de bonde, resultando em mortos e feridos; o
monopólio da carne verde, associado aos preços elevados, é alvo de um verdadeiro levante em maio de 1902; em abril de 1909,
surgem extensas e violentas manifestações contra o serviço de bondes da Light etc. Cf. Edgard Carone, op. cit., pp. 185-6.
29. Os pronunciamentos de ambos revelam a clara intenção de associar o movimento à luta contra a oligarquia hegemônica.
Barbosa Lima discursa em meio à revolta, dizendo que “o povo já não devia suportar o pesado jugo do governo dos fazendeiros
que, após haver explorado os pobres escravos, presentemente explorava a República”. Lauro Sodré vincula também a decretação
da combatida vacina ao “governo de fazendeiros” e dá vivas à memória de Benjamin Constant e Floriano. Cf. Edgard Carone, A
República Velha. Evolução política. São Paulo: Difel, 1971, p. 205.
30. Ver a crítica do jornal socialista Avanti, feita pela imprensa libertária em 1907. Reconhecia-se a utilidade inicial do órgão
para acabar com a influência dos “patrioteiros italianos”. Porém, aos poucos ele se esquecera do socialismo, suprimira o relato
sobre as condições de vida nas fazendas, sem nada ter criado no meio operário. Para a conspícua A Terra Livre, o jornal dos
socialistas se tornava cada vez mais uma folha burguesa, com anúncios de qualquer espécie, “com notícias detalhadas dessas
casas de caftinagem que são o ‘Politeama’ e o ‘Moulin Rouge’”. Cf. A Terra Livre, 8 jan. 1907. Não obstante, anos depois, em 1914,
o Avanti abrigava em suas colunas avisos de reuniões anarquistas e esporadicamente artigos de militantes da corrente.
31. Cf. A Voz do Trabalhador, 22 nov. 1908; 22 jul. 1909. Um raro e breve exemplo de discussões com respeito mútuo a
diferentes posições se deu no Centro de Estudos Sociais do Rio de Janeiro (1914) e nas colunas de Na Barricada (1915), onde
colaboraram anarquistas, socialistas, figuras como Maurício de Lacerda e o defensor do cooperativismo Sarandi Raposo. No
Centro de Estudos Sociais brilhava a retórica de José Oiticica, do inspetor escolar e médico Fábio Luz. Em sua primeira fase, Na
Barricada era dirigida pelo engenheiro Orlando Correia Lopes e pelo contador João Gonçalves da Silva. Cf. John W. Dulles,
Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas Publications, 1973.
32. A Guerra Social, 14 ago. 1912. Ressalve-se apenas que “a maior intensidade” quando pensada em termos organizatórios era
discutível, variando em momentos conjunturais diversos.
33. O breve resumo se baseia em George Woodcock, Anarchism. Harmondsworth: Penquin Books, 1963; Julio Godio, El
movimiento obrero y la cuestión nacional. Argentina: inmigrantes asalariados y lucha de clases 1880-1910. Buenos Aires: Erasmo,
1972; Daniel Guérin, L’Anarchisme. Paris: Gallimard, 1965.
34. Apud Daniel Guérin, op. cit., p. 16.
35. Apud ibid., p. 67.
36. Apud George Woodcock, op. cit.
37. George Woodcock, op. cit. A confrontação entre Monatte e Malatesta, no Congresso Anarquista de Amsterdam (1907),
dividiu claramente as linhas do anarcossindicalismo e do comunismo anárquico. Monatte insistiu no papel do sindicato
revolucionário como meio e fim da ação revolucionária. Através dele, os operários realizariam a luta contra o capitalismo e
precipitariam sua liquidação pela greve geral. Malatesta considerou o sindicalismo apenas um instrumento e acusou os
anarcossindicalistas de buscar uma ilusória solidariedade econômica em vez de uma efetiva solidariedade moral, colocando os
interesses de uma única classe acima do verdadeiro ideal anarquista de revolução. Ver a respeito ibid., pp. 249-50.
38. Leôncio Martins Rodrigues, Trabalhadores, sindicatos e industrialização. São Paulo: Brasiliense, 1974, p. 59.
39. Sheldon L. Maram, op. cit., pp. 98 ss.
40. Aludindo aos países da Europa, Leôncio Martins Rodrigues (op. cit., p. 88) observa que as condições ideais para a expansão
do anarquismo parecem se criar quando se conjugam, no plano político, Estados burocráticos e autoritários e, no plano econômico,
a pequena oficina. Não obstante as óbvias diferenças entre os Estados burocráticos e autoritários europeus e o Estado oligárquico
latino-americano, é possível constatar em ambos os casos a mesma combinação de sistema político excludente e pequena empresa.
41. Julio Godio, op. cit., p. 113.
42. Robert F. Foerster, op. cit., p. 420.
43. É significativo observar como o restabelecimento da união de fato entre a Igreja e o Estado se deu no contexto da crise do
sistema oligárquico, nos anos 1920. De um lado, sob a inspiração do futuro cardeal Leme, uma Igreja mais confiante propunha-se a
“recatolizar o país de cima para baixo”; de outro, um Estado constantemente desafiado encontrava agora um aliado seguro na
“manutenção da ordem” e na “promoção do progresso”. Cf. Ralph Della Cava, “Igreja e Estado no Brasil do século XX: sete
monografias recentes sobre o catolicismo brasileiro”. Estudos Cebrap, n. 12, 1975.
44. A Liga Anticlerical de São Paulo surgiu em 1903, pretendendo agrupar pessoas de tendências diversas, adversárias da
Igreja de Roma, com o objetivo de lutar pela liberdade de consciência; contra os privilégios concedidos ao clero e congregações
religiosas; por uma educação laica; para “arrancar do confessionário as mulheres e os trabalhadores”. Como primeiro assinante de
seu manifesto de fundação figurava Pereira Barreto. Mais de dois anos antes, cerca de quinhentas ou seiscentas pessoas, após
terem assistido à representação de Eletra de Perez Galdoz, haviam percorrido as ruas de São Paulo, dando morras aos jesuítas e
quebrando vidros do Mosteiro de São Bento. Cf. A Lanterna, 6 jun. 1903 e 20 abr. 1901.
45. O Livre Pensador, 12 jun. 1904; John W. Dulles, op. cit., p. 8.
46. John W. Dulles, op. cit., p. 30; Gilberto Freyre, Ordem e progresso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959, v. III, p. 630. No
depoimento prestado a Gilberto Freyre, Astrojildo enumera uma série de acontecimentos que o levaram à negação da ordem
vigente e às leituras de Kropotkin, Faure, Malatesta, Hamon: a derrota de Rui Barbosa nas eleições de março de 1910; o
fuzilamento de Ferrer na Espanha; a revolta dos marinheiros, liderada por João Cândido.
47. Para a influência do evolucionismo como ideologia de progresso e darwinismo social entre “partidários urbanos da
modernização”, ver Richard Graham, Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil (1850-1914). São Paulo: Brasiliense, 1973,
pp. 241 ss.
48. Em uma polêmica com os socialistas, o gráfico anarquista Mota Assunção lança mão de um texto de Spencer (O indivíduo
contra o Estado): “A missão do liberalismo no passado foi traçar limites ao poder dos monarcas; a missão do liberalismo no futuro
será traçar limites ao poder dos parlamentos” (O Amigo do Povo, 16 ago. 1902). No mesmo jornal, há transcrição de artigos de
autores franceses com o fim de ressaltar o valor da obra de Spencer. Convém observar que as relações entre o evolucionismo e o
anarquismo não se limitam ao meio brasileiro. Pelo contrário, a “ajuda mútua” de Kropotkin se fundamenta no modelo
evolucionista, associado ao princípio de solidariedade da espécie.
49. La Battaglia, 28 jul. 1912.
50. A Terra Livre, 7 fev. 1906.
51. Ver as resoluções do Primeiro Congresso e, em especial, do Segundo Congresso Operário Brasileiro, em Relatório da
Confederação Operária Brasileira, contendo as resoluções do Segundo Congresso Operário Brasileiro, reunido no Rio de Janeiro,
nos dias 8 a 13 de setembro de 1913 e as resoluções do Primeiro Congresso Operário Brasileiro, reunido em abril de 1906. Rio de
Janeiro, 1914. A menção às resoluções dos dois encontros estará sempre baseada nessa fonte.
52. A Voz do Trabalhador, 1 jun. 1909 (apud Sheldon L. Maram).
53. Edgard Rodrigues, Nacionalismo e cultura social. Rio de Janeiro: Laemmert, 1972, p. 189.
54. A Plebe, 30 set. 1919.
55. A Terra Livre, 7 mar. 1906.
56. “O valor da ação operária”. A Voz do Trabalhador, 15 jan. 1913.
57. A Voz do Trabalhador, 20 jul./5 ago. 1914.
58. Já em 1906, a imprensa libertária — sem condenar o atentado — esclarecia que não se tratava de um princípio anarquista,
sendo mesmo considerado ineficaz por muitos. A Terra Livre, 15 ago.1906.
59. Ver as distinções entre anarquismo e as formas radicais de democracia em George Woodcock, op. cit., p. 30.
60. A Terra Livre, 9 dez. 1906. A rejeição às greves aparece, por exemplo, em um artigo assinado por Polinice, em La Battaglia,
de 1 abr. 1912. O caso da Argentina e de vários países europeus — diz o autor — mostra que a greve é uma arma inútil, pois as
conquistas obtidas através dela são rapidamente anuladas. No curso do ano agitado de 1919, a crítica se voltaria para a
experiência brasileira. Pelas mesmas razões de Polinice, Pedro Bastos insistia na inutilidade da greve, pregando o preparo da
revolução. Os trabalhadores deviam se organizar, “com uma carabina na mão e uma ideia no cérebro” (A Plebe, 9 ago. 1919).
61. O anarquismo perante a organização sindical. Rio de Janeiro, 1916. Redigido por Antonio Moutinho, José Elias da Silva e
Manuel Campos, o documento continha a assinatura de mais dezesseis militantes.
62. O direito à limitação da natalidade encontra acolhida na propaganda de folhetos vindos da Europa, do gênero da “Huelga
de Vientres”, surgida em maio de 1906. Por vezes, reponta um ingênuo propósito de legitimar o controle pelas necessidades da
luta social: a completa derrota dos têxteis na greve geral carioca de 1903, apesar do relativo êxito de outros setores, dá razão aos
neomaltusianos, pois os têxteis por serem numerosos são miseráveis e a miséria é antirrevolucionária. Cf. O Amigo do Povo, 13 set.
1903. No mesmo jornal, Elísio de Carvalho defende a distribuição de preventivos entre os pobres como forma de enfrentar a
miséria. A inspiração é francesa, vinculando-se aos artigos de Faure, ao movimento que publica a revista Régénération (23 jul.
1904).
63. O Amigo do Povo, 2 abr. 1904.
64. A Lanterna, 27 nov. 1909.
65. A Lanterna, 31 jan. 1914. Nesse ano, o total de alunos era de 150.
66. A Lanterna, 10 jan. 1914. Embora tenha me limitado à escola como instrumento educativo, convém lembrar que essa era
também uma das funções do sindicato. Para ficar em um só exemplo, uma série de conferências realizadas no Sindicato de Ofícios
Vários do Rio de Janeiro abrangia temas como “O método Taylor” (Astrojildo Pereira); “O trabalho na Antiguidade” (José Martins);
“A ciência alemã” (José Oiticica); “A utopia democrática” (Orlando Correia Lopes); “A arte e a revolução” (Max de Vasconcelos). Cf.
A Voz do Trabalhador, 7 abr. 1915.
67. A Lanterna, 11 jul. 1903. A filiação do jornal ao ideário da Revolução Francesa é tão direta que alguns números são datados
de duas formas: segundo o calendário revolucionário e segundo o gregoriano.
68. A Lanterna, 7 mar. 1901. Note-se a arbitrária combinação operada pelo texto entre “a investida da Igreja” e a destruição da
família, na linha dos argumentos conservadores — e em primeiro lugar da própria Igreja — articulados contra o amor livre, o
divórcio etc. Ao mesmo tempo, insiste-se em colocar a luta anticlerical sob o signo da modernidade.
69. A Lanterna, 22 jan./5 fev. 1910; 25 nov. 1911; 16 jan. 1915.
70. Ver especialmente A Lanterna, 29 out./12 nov./3 dez. 1910; 7 jan. 1911. Participaram também da campanha La Battaglia,
Avanti, Fanfulla, que não pouparam ataques ao simulacro de inquérito policial.
71. A Lanterna, 12 nov. 1910.
72. A Lanterna, 18 jun. 1910.
73. A Terra Livre, 1 jan. 1910. As normas alimentares integram o universo ascético do anarquismo, o que não significa que
sejam exclusivas dele. O combate ao alcoolismo — cujos efeitos devastadores entre as classes populares não podem ser esquecidos
— era preocupação também dos socialistas e de elementos não identificados com a reforma social.
74. A Terra Livre, 9 dez. 1907.
75. O Amigo do Povo, 6 set. 1902.
76. Edgard Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969, pp. 179 e 242.
77. Wilhelm Reich, La Psycologie de masse du fascisme. Paris: Payot, 1972.
78. A Terra Livre, 5 fev. 1907.
79. A Terra Livre, 23 fev. 1907.
80. Fanfulla, 2 maio 1907.
81. John W. Dulles, op. cit., pp. 8 e 31. É claro que essa breve referência à conduta dos dirigentes anarquistas diz respeito ao
padrão dominante. Para lembrar um caso excepcional, em 1900, Gigi Damiani e José Sarmento Marques foram presos e julgados
sob a acusação de terem deflorado uma menor. Pode ser, porém, que o processo encobrisse apenas uma perseguição política.
82. Uma expressão dessa necessidade é uma proposta apresentada ao Congresso Operário de 1912, pela qual o operário
adquirente de uma casa, que se revelasse bom esposo, bom pai, avesso ao jogo e à bebida, receberia ao pagar a última prestação o
título de propriedade, além de outro comprobatório de sua honestidade.
83. Exemplos de festivais libertários com a inclusão de baile familiar em A Terra Livre, 17 fev. 1906; 15 jun. 1907; 5 out. 1907;
9 jan. 1908. Ver a referência ao fracasso de uma festa de propaganda da Escola Moderna que excluiu deliberadamente a dança em
A Terra Livre, 17 fev. 1910. Em setembro de 1907, o jornal criticava uma reunião dos trabalhadores em veículos de São Paulo,
onde se desistira da parte das conferências e do teatro, tudo se reduzindo à dança, “elemento de corrupção, de imitação da
sociedade burguesa”.
84. A Terra Livre, 17 fev. 1910.
85. Eric J. Hobsbawm, Primitive Rebels. Manchester: Manchester University Press, 1963, p. 84.
86. O Protesto parece ter sido o primeiro jornal anarquista publicado com alguma continuidade (onze números) no Rio de
Janeiro. Foi seu principal responsável J. Mota Assunção, um jovem de 21 anos, então cobrador de bondes, mais tarde linotipista,
com uma trajetória pouco comum, passando do anarquismo ao socialismo, por volta de 1910. Cf. John W. Dulles, op. cit., p. 13;
Edgard Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil, op. cit., p. 64; Sheldon L. Maram, op. cit., p. 115.
87. Everardo Dias, História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Edaglit, 1962, p. 246; John W. Dulles, op. cit., p. 8.
88. John W. Dulles, op. cit., p. 8. Logo após seu regresso à Itália, Gigi escreveu um folheto dedicado ao jornalista Nereu Rangel
Pestana e a Evaristo de Moraes no qual denunciou as condições de trabalho vigentes no Brasil, os cavalieri e condes italianos que
esfomeavam trabalhadores e açambarcavam gêneros. Na linha dos artigos frequentemente publicados em La Battaglia,
aconselhava os camponeses italianos a não emigrar para o Brasil e a não acreditar nos relatos de jornalistas, a soldo da embaixada
brasileira, acerca das “delícias do Novo Mundo”. A capa reforçava o conteúdo verbal, trazendo um desenho do espancamento de
Everardo Dias, em um posto policial de bairro. Gigi Damiani, I paesi nei quali no si deve emigrare: la questione sociale nel Brasile.
Milão: Umanità Nova, 1920.
89. A Voz do Povo, 24 set. 1920; Edgard Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil, op. cit., p. 101. É curioso observar que,
em sua polêmica com os anarquistas na década de 1920, os comunistas procuraram por vezes apresentar-se como legítimos
herdeiros do legado revolucionário do anarquismo em contraposição aos “anarcoides que assumiram uma postura reacionária” —
proclamando-se “os únicos herdeiros e continuadores da obra gloriosa de Neno Vasco e Paulo Berthelot”. Cf. A Nação, 22 jun.
1927.
90. Cf. depoimento de Leuenroth em Dealbar, dez. 1968; e John W. Dulles, op. cit., p. 15.
91. O jornal teve duas fases: a primeira estendeu-se de 1o de julho de 1908 a dezembro de 1909, quando se publicaram 21
números, sob a responsabilidade de Manoel Moscoso como editor; José Romero, administrador; Mota Assunção e Carlos Dias; a
segunda iniciou-se a 1o de janeiro de 1913 e, ao que parece, foi até junho de 1915, com edições quinzenais oscilando entre 3 mil a
4 mil exemplares.
92. A Plebe, 9 jun. 1917.
93. Em junho de 1910, A Terra Livre calculava em mil o número de elementos anarquistas existentes no Rio de Janeiro,
dispersos em pequenos grupos e sem nenhum jornal.
94. No primeiro grupo, arrolei Leuenroth, Ristori, Neno Vasco, Astrojildo Pereira, Fábio Luz, José Oiticica, Adelino de Pinho,
Orlando Correia Lopes, João Gonçalves da Silva, o jornalista Álvaro Palmeira e um dos raros advogados libertários — Benjamin
Mota. A limitação regional ao Rio e São Paulo exclui alguns elementos importantes de outras áreas do país. É o caso de Otávio
Brandão, farmacêutico nascido em Alagoas, diretor do semanário Semana Social, com o gráfico carioca Antonio Bernardo Canelas.
O jornal foi apedrejado durante a Primeira Guerra Mundial, quando registrou a entrada do Brasil no conflito com uma grande
manchete “Abaixo a guerra imperialista”. Brandão seguiu para o Rio, tornando-se uma figura popular como orador retórico e ativo
militante. Ingressou posteriormente no PCB, onde exerceu papel de direção, sendo eleito intendente à Câmara Municipal do Rio de
Janeiro, em fins da década de 1920. Preso em 1931, deportado a seguir do Brasil, viveu vários anos em Moscou.
95. Gigi Damiani; o estucador Silvio Antoftelli, editor de Alba Rossa, deportado em 1919; o secretário do sindicato dos
pedreiros de São Paulo, Alessandro Zanella, também deportado naquele ano; e Minervino de Oliveira. Minervino iniciou a vida
como motorneiro de bondes no Rio de Janeiro e teve uma longa história como dirigente do Centro Operário Marmorista, desde os
primeiros anos da década de 1910. Aderiu ao PCB, foi vereador à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, secretário da Federação
Sindical Regional e candidato do Bloco Operário e Camponês às eleições presidenciais de março de 1930.
96. Antônio Bernardo Canelas nasceu em Niterói e, após ter contatos com Astrojildo Pereira, foi em 1913 para Maceió, onde
fundou o semanário A Semana Social. Depois do apedrejamento do jornal, seguiu para o Recife, onde em 1918 fundou a Tribuna do
Povo. O episódio de sua presença no IV Congresso da Internacional Comunista (1922) e posterior expulsão do PCB (dezembro de
1923) é conhecido. A partir daí, aproximou-se do tenentismo e esteve associado às tendências nacionalistas populares desse
movimento. João da Costa Pimenta foi uma das figuras centrais do movimento operário de toda uma época. Padeiro em Campos,
veio para o Rio de Janeiro em 1904, empregou-se como garçom e militou no Centro Cosmopolita. Tornou-se depois gráfico,
profissão que exerceu no Rio e em São Paulo. Após uma longa atividade como organizador sindical e da imprensa anarquista,
rompeu com o anarquismo, sendo um dos fundadores do PCB. Posteriormente, em fins da década de 1920, participou da chamada
“Cisão Barbosa” e aderiu, já nos anos 1930, ao Partido Socialista. Cf. John W. Dulles, op. cit., e A Nação, 14 fev. 1927.
A classificação de Florentino de Carvalho como gráfico é até certo ponto artificial. Primitivo Raimundo Soares (seu verdadeiro
nome) nasceu na Espanha em 1891 e chegou ao Brasil ainda menino. Soldado da Força Pública, doqueiro e a seguir gráfico em
Santos, foi expulso em 1917 regressando depois ao país. Um típico doutrinário, Florentino opôs-se à colaboração entre os
anarquistas e Maurício de Lacerda em 1920 e estabeleceu muitas restrições, anos mais tarde, ao apoio dos libertários à Aliança
Nacional Libertadora. No documento de sua expulsão, figura como tipógrafo. Cf. Edgard Rodrigues, ops. cits., e John W. Dulles, p.
519.
97. Os dados acerca do Centro Socialista de Santos se baseiam em Astrojildo Pereira, “Silvério Fontes, pioneiro do marxismo no
Brasil”. Estudos Sociais, n. 12, pp. 404 ss, abr. 1962.
98. “Como no mundo da biologia deixou-se de colocar o homem num reino distinto, fazendo dele um ser independente das
outras espécies animais, para torná-lo partícipe da grande vida universal, embora considerando-o de grau mais elevado; assim se
estabeleceu uma continuidade entre todos os grupos de seres viventes que se vão elevando, ou melhor, transformando, juntamente
com a transformação das condições de vida dos indivíduos que constituem o grupo social.” Antonio Piccarolo, O socialismo no
Brasil. 3. ed. São Paulo: Piratininga, 1932, p. 23. As citações são sempre dessa edição, que contém um prefácio onde o autor
atualiza alguns pontos de vista. A primeira edição é de 1908.
99. Antonio Piccarolo, op. cit., p. 48.
100. Avanti, 24 ago. 1901. O jornal calcula em 1500 o número total de trabalhadores do ramo.
101. Avanti, 12 out. 1901. O texto, com sua insistência na organização e sua crítica ao alcance das greves, insere-se também no
quadro das primeiras polêmicas com os anarquistas.
102. Os nomes se encontram em Everardo Dias, op. cit., p. 244.
103. O manifesto e o programa do Partido Socialista foram publicados em O Estado de S. Paulo, de 28 ago. 1902.
104. Hobart Spalding, La Clase trabajadora argentina (Documentos para su historia, 1890-1912). Buenos Aires: Galerna, 1970,
p. 266.
105. Avanti, 27 mar. 1915.
106. A Terra Livre, 10 dez. 1905; 7 out. 1906. A Voz do Trabalhador, 1 dez. 1914.
107. Ver um desenvolvimento dessa temática em Décio Azevedo Marques de Saes, O civilismo das camadas médias urbanas na
Primeira República brasileira, 1889-1930. Campinas: Unicamp, 1971.
108. Para uma análise do campo de possibilidades de ação do Partido Socialista argentino e de suas raízes ideológicas, ver o
livro já citado de Julio Godio.

2. O TRABALHADOR URBANO

1. Ver o exemplo de membros da Associação Gráfica do Rio de Janeiro, que realizam uma exposição de trabalhos realizados nas
horas de folga. Engravatados, bem compostos, aparecem em um quadro de homenagem simétrico na forma aos quadros das
formaturas acadêmicas. Cf. O Gráfico (Órgão da Associação Gráfica do Rio de Janeiro), 1 fev. 1918.
2. Maria Cecília Baeta Neves, “Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro: notas de pesquisa”. Revista de Administração
de Empresas, n. 13, abr./jun. 1973.
3. Tomando os três principais ramos em número de operários existentes no país em 1919, constata-se que os menores
representam 15,8% da força de trabalho no ramo têxtil; 10,4% na indústria de vestuário e toucador; 8,2% na alimentação. As
mulheres são maioria entre os têxteis (54,9%), correspondendo a 43% no ramo de vestuário e toucador e 24,8% na alimentação.
Cf. Censo de 1920, v. V, 2a parte. Salários.
4. Frederic Engels, La Situation des Classes Laborieuses en Angleterre. Paris: Alfred Costes, 1933. v. II, p. 17.
5. Recenseamento de 1920, v. V, 2a parte. Salários.
6. Karl Marx, El Capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. v. I, pp. 332 ss. Ver aí a relação existente entre o
prolongamento da jornada e o que Marx chama de desgaste material e moral das máquinas.
7. Azis Simão, Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus, 1966, p. 72.
8. Eric J. Hobsbawm, “Custom, Wages and Work-Load in Nineteenth Century Industry”, in A. Briggs e J. Saville (Orgs.), Essays
in Labour History. 2. ed. Londres: Macmillan, 1967, p. 124.
9. O Amigo do Povo, 13 set. 1903.
10. A Razão, 29 jul. 1917. A forma do discurso foi claramente reelaborada pelo jornalista. Mas não há motivos para acreditar
em uma distorção do conteúdo.
11. A Terra Livre, 2 jun./7 jul. 1907.
12. Warren Dean, A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difel, 1971, pp. 166 ss.
13. A Terra Livre, 16 maio 1906.
14. A Voz do Trabalhador, 30 out. 1909.
15. A Voz do Trabalhador, 15 jun. 1909.
16. Das memórias de Manoel Marques Bastos, apud Edgar Rodrigues, Nacionalismo e cultura social. Rio de Janeiro: Laemmert,
1972, pp. 127-8.
17. A descrição, de Rodolfo Felipe, apud ibid., p. 148.
18. O jornal sindical que anuncia a formação da Federação Operária refere-se à “desorganização lastimável” em que se
encontra o proletariado de São Paulo e do Brasil. O Chapeleiro, 3 dez. 1905.
19. Estudos Sociais, n. 18; A Guerra Social, 14 ago. 1912. Lembrar que as federações regionais e a COB reúnem, com raras
exceções, apenas sindicatos sob hegemonia anarquista. No Distrito Federal, em princípios de 1913, a COB abrangia o Centro dos
Operários Marmoristas, União dos Alfaiates, União Geral dos Pintores, Sindicato dos Sapateiros, Carpinteiros, Estucadores,
Funileiros e Bombeiros Hidráulicos, Pedreiros e Serventes, Marceneiros, Caldereiros de Ferro, Sindicato Operário de Ofícios
Vários, das Pedreiras, dos Trabalhadores em Fábrica de Tecidos, na Indústria Elétrica, em Ladrilhos e Mosaicos, e a Fênix Caxeiral
(caixeiros das lojas de comércio), todos integrantes da Federação Operária. Não faziam parte da COB a Sociedade Operária
Beneficente e Progressiva dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, a Associação dos Barbeiros e Cabeleireiros, Centro
Cosmopolita (empregados em hotéis e restaurantes), Federação das Artes Gráficas, Sociedade de Resistência dos Trabalhadores
em Trapiches e Café, União dos Operários Estivadores, Associação de Resistência dos Marinheiros e Remadores, União Geral dos
Foguistas, Grêmio dos Maquinistas da Marinha Civil, Sociedade de Assistência dos Trabalhadores em Carvão e Mineral, Centro
dos Empregados em Ferrovias, Associação de Resistência dos Cocheiros e Carroceiros, Liga dos Empregados em Padarias, Centro
dos Calafates, Círculo dos Operários da União. Cf. A Voz do Trabalhador, 1 fev. 1913.
20. A Guerra Social, 21 ago. 1912; Avanti, 28 nov. 1914.
21. A Plebe, 11/18 jun. 1921.
22. Segundo dados de Azis Simão, op. cit., p. 145, das 23 greves ocorridas no estado de São Paulo entre 1888-1900, sete se
verificaram nas ferrovias, sete nos transportes urbanos e duas nas docas.
23. A Plebe, 25 ago./30 set. 1917.
24. Azis Simão, op. cit., p. 148.
25. Apud Hobart Spalding, La Clase trabajadora argentina (Documentos para su historia, 1890-1912). Buenos Aires: Galerna,
1970. Nessa obra, estão transcritos o texto do convênio e a mensagem de Melchior Cardoso.
26. Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920, pp. 161 ss. (mimeografado).
27. A Plebe, 10 jul. 1919.
28. A Razão, 1 maio 1919. Fundada em outubro de 1904, a Associação dos Marinheiros e Remadores tinha em média cerca de
2300 sócios entre 1912 e 1916.
29. A Voz do Trabalhador, 1 fev. 1915.
30. Para um relato das greves pioneiras em Santos, no século XIX, acompanhadas em geral de atos de violência, ver as
descrições reunidas por Azis Simão, op. cit., pp. 104-5.
31. A Voz do Trabalhador, 20 jul./5 ago. 1914.
32. Dois pequenos exemplos: em um atrito provocado em uma fábrica têxtil de Sorocaba, por mudança de turno, as mulheres
protestam “enquanto os homens se portam como carneiros”; no curso da greve generalizada de maio de 1912 em São Paulo, há
várias referências à combatividade das mulheres nas grandes empresas, em especial a Mariângela. Cf. A Terra Livre, 22 jan. 1907;
Fanfulla, 23 maio 1912.
33. Memórias de Severino Gonçalves Antunha, apud Edgar Rodrigues, op. cit., v. II, p. 360.
34. A Guerra Social, 10 abr. 1912. Na capital, entretanto, a conquista não se manteve. Em meados de 1913, rara era a obra em
que a jornada normal de trabalho era de oito horas. Azis Simão, op. cit., p. 110.
35. Em 1919, 50% dos operários da construção civil recebiam salário médio diário de 6$000 ou mais. Superavam esse
percentual os operários adultos do sexo masculino nos ramos de mobiliário (75,5%), construção de aparelhos de transporte
(68,6%), vestuário e toucador (65,7%), metalurgia (62,6%), produção e transmissão de forças físicas (53,4%), indústrias relativas
às ciências, letras, artes; indústrias de luxo (50,4%). Recenseamento de 1920, v. V, 2a parte. Salários.
36. Boletim do Departamento Estadual de Trabalho, São Paulo, ano I, n. 3, 1912.
37. Sheldon L. Maram, op. cit., p. 50.
38. Em junho de 1917, A Plebe saúda a retomada das greves de canteiros e espera “que ela ponha fim à atitude corporativista
da entidade, alheia aos problemas gerais da emancipação da classe operária”. A Plebe, 16 jun. 1917.
39. A Plebe, 16 jun. 1917; A Voz do Povo, 25 fev. 1920.
40. Em fevereiro de 1906, por exemplo, um manifesto da Federação Operária de São Paulo lamentava que a Liga dos Pedreiros
reunisse apenas 25 trabalhadores. A categoria não escapou também aos efeitos da crise dos primeiros anos da Primeira Guerra
Mundial sobre o movimento operário e sobre as condições de vida das classes populares. Ver o exemplo de Azis Simão referente a
uma pedreira da capital, em 1914, onde vinte operários passaram a fazer o serviço de 36, mediante remuneração inferior e
jornada de trabalho mais longa. Azis Simão, op. cit., p. 100.
41. Dentre 331 estabelecimentos arrolados na indústria de edificação pelo Censo de 1920, 297 tinham menos de vinte operários
e apenas cinco empregavam cem ou mais trabalhadores. Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte. Indústria.
42. Sheldon L. Maram, op. cit., p. 49.

3. A DINÂMICA DO MOVIMENTO OPERÁRIO

1. Eric Hobsbawm, “Economic Flutuations and Some Social Movements since 1800”, in Labouring Men. Studies in the History
of Labour. Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1964. Ver também Roberto Cortés Conde e Ezequiel Gallo, La Formación de la
Argentina moderna. Buenos Aires: Paidós, 1967, p. 99.
2. Ver os indicadores da formação de capital na indústria, levantados por Villela e Suzigan:

CONSUMO ÍNDICE DE QUANTUM DAS


CONSUMO
APARENTE DE IMPORTAÇÕES DE BENS DE
APARENTE DE
LAMINADOS DE CAPITAL PARA A INDÚSTRIA
CIMENTO (1000 T)
AÇO (1000 T) (1939 = 100)

1901 37,3 34,9 56,8


1902 58,8 61,3 31,7
1903 63,8 61,0 38,0
1904 94,0 66,5 41,3
1905 129,6 73,6 62,3
1906 180,3 91,8 66,1
1907 179,3 147,6 93,0
1908 197,9 127,1 96,4
1909 201,8 108,4 102,9
1910 264,2 150,3 118,7
1911 268,7 171,0 153,6
1912 367,0 215,9 205,3
1913 465,3 251,2 152,3

FONTE: Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1943. Rio de
Janeiro, 1973, p. 437.

3. No fim de 1908, a imprensa operária refere-se à existência de uma crise, com milhares de desempregados na capital da
República, acompanhada da desorganização da grande massa. Cf. A Voz do Trabalhador, 29 nov. 1908.
4. A Terra Livre, 17 fev. 1906.
5. As principais fontes do relato são Fanfulla, A Plateia e sobretudo O Comércio de São Paulo. Na redação deste último,
encontrava-se Benjamin Motta, que se afastaria do jornal nos últimos dias da greve por divergir da linha dos proprietários.
6. Manifesto da Liga Operária de Jundiaí, em O Comércio de São Paulo, 19 maio 1906. Observe-se como o descanso semanal é
percebido como uma punição, na medida em que não é remunerado.
7. A funcionalidade das sociedades beneficentes sob controle patronal no sentido de impedir a organização autônoma dos
trabalhadores foi comum também nas ferrovias argentinas. Em fevereiro de 1904, ferroviários da Argentina dirigiram uma petição
ao ministro do Interior pleiteando entre outros pontos que não se obrigasse o pessoal das empresas a tomar parte em sociedades
de socorros mútuos, alheias aos operários. Cf. Hobart Spalding, La clase trabajadora argentina (Documentos para su historia,
1890-1912). Buenos Aires: Galerna, 1970, p. 593.
8. O Comércio de São Paulo, 24 maio 1906. Nos últimos dias da greve, no curso da paralisação geral decretada na capital pela
Federação Operária, grupos de trabalhadores dirigiram-se às oficinas da SPR na Lapa, tentando forçar seu fechamento. Seguiu-se
uma luta em vários pontos do bairro, ocorrida entre os próprios trabalhadores, segundo O Estado de S. Paulo. Entretanto, algumas
dezenas de operários da SPR escreveram a O Comércio de São Paulo, responsabilizando a polícia pelo conflito. Não negaram,
porém, a recusa em aderir à greve “por razões a serem melhor explicadas em momento oportuno”. Ver O Comércio de São Paulo,
de 30 maio 1906.
9. Por algum tempo, seguindo o exemplo da Mogiana, a empresa concederia as oito horas de trabalho. Cf. A Terra Livre, 22 jan.
1907.
10. Segundo Everardo Dias, 5 mil pessoas comparecem em Jundiaí a um comício em que falam, entre outros, Leuenroth e dois
destacados dirigentes da greve que se iniciaria duas semanas depois: Manuel Pisani e João Correia.
11. No Rio, alfaiates, chapeleiros, gráficos, operários da construção civil realizam várias reuniões e algumas manifestações de
rua, tentando organizar uma greve geral que não se concretiza. Cf. O Comércio de São Paulo, 23/26 maio 1907.
12. Na fundação da Liga Operária de Jundiaí (março de 1906), encontra-se presente Leuenroth e distribuem-se exemplares da
imprensa anarquista. Em outras reuniões, há referência aos “oradores oficiais” das Ligas, a figuras locais, aos socialistas que os
libertários criticam como “elementos estranhos ao movimento operário”. Cf. A Terra Livre, 24 mar./12 abr. 1906.
13. O Comércio de São Paulo, 20 maio 1906.
14. O Comércio de São Paulo, 19 maio 1906.
15. Ibid. 1906.
16. Fanfulla, 17 maio 1906.
17. Fanfulla, 17 maio 1906. Pouco depois dessas declarações, os conselhos administrativos das Ligas, que, de resto, nunca
deixaram de atuar, anunciavam não mais se responsabilizar por qualquer violência cometida pelos operários, por ter a polícia
violado as promessas de não usar a força contra os grevistas. Cf. O Comércio de São Paulo, 20 maio 1906.
18. O Comércio de S. Paulo, 17/18/22/23 maio 1906. Entre os assinantes do documento dirigido à Associação Comercial
encontra-se Júlio Stern, um fabricante de bebidas de Rio Claro que fechou as portas de sua fábrica para solidarizar-se com os
grevistas.
19. A referência à menor distância social me é sugerida pela indicação de Gallo e Conde, a propósito do movimento agrário de
arrendatários na Argentina (1912), conhecido como “Grito de Alcorta”. O movimento obteve apoio em setores do comércio,
especialmente da cidade de Rosário. Cf. Ezequiel Gallo e Roberto Cortés Conde, La República Conservadora. Buenos Aires: Paidós,
1972. (Coleção de História Argentina, 5, dir. Túlio Halperin Donghi).
20. O Comércio de São Paulo, 19 maio 1906.
21. Fanfulla; O Comércio de São Paulo, 27 maio 1906.
22. Para um relato detalhado, inclusive das gestões sem êxito do governo do estado, para que a faculdade fosse fechada, ver as
edições de O Comércio de São Paulo e Fanfulla dos últimos dias de maio de 1906.
23. O Fanfulla pretende obter a legalidade do movimento operário de São Paulo “que não é obra de quatro ou cinco pessoas,
mas de 4 ou 5 mil e está destinado a reunir toda a massa operária da cidade”. Contudo, considera absurdas as exigências dos
têxteis e concita-os a aceitar a jornada de onze horas de trabalho. Cf. Fanfulla, 21/25 maio 1907.
24. A Plateia, 15 maio 1907. Compareceram à reunião, indistintamente, industriais nacionais e estrangeiros: entre outros, José
Paulino Nogueira, Gabriel Dias da Silva, Crespi, Matarazzo.
25. A Plateia, 17 maio 1907.
26. A Plateia, 25 maio 1907.
27. Ver as assembleias com a presença de mais de mil pessoas. Operários da Lidgerwood chegam a comprar alguns tornos e
forjas na tentativa de montar uma oficina e ajudar os mais necessitados. Cf. Fanfulla, 3/16 jun. 1907.
28. Os jornais publicam listas das empresas que concedem as oito horas, mencionando com frequência um número de
empregados entre quatro e oito pessoas.
29. O alcance das concessões no ramo têxtil é bastante limitado: Crespi & Cia., por exemplo, mantém o horário de onze horas
de trabalho e dá 5% de aumento; a Sociedade Ítalo-Americana reduz o horário de onze horas para dez horas e meia, concordando
também com o aumento de 5%. Cf. A Plateia, 25 maio 1907; Fanfulla, 10 jun. 1907.
30. Avanti, 28 nov. 1914. Idêntico padrão pode ser observado na Argentina. Analisando as greves do período 1907-12, Gallo e
Conde assinalam que as paralisações foram mais numerosas em transportes e alimentação, com maiores resultados negativos, e
menos numerosas em têxteis (pequena indústria, no caso argentino) e metalúrgicos, porém com maior índice de êxito. Os autores
vinculam essa tendência a dois fatos: 1o distinta dimensão das indústrias, correspondendo a maior densidade de capital aos
serviços públicos e alimentação; 2o atitude mais paternalista dos pequenos empresários, em sua maior parte estrangeiros, que
mantinham suas antigas referências ideológicas mais ou menos socializantes. Cf. Ezequiel Gallo e Roberto Cortés Conde, La
República Conservadora, p. 223. Para um caso específico no Rio de Janeiro, ver o artigo de Maria Cecília Baeta Neves, “Greve dos
sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro: notas de pesquisa”. Revista de Administração de Empresas, n. 13, abr.-jun. 1973.
31. Segundo O Comércio de São Paulo de 7 de maio de 1912, as demolições indiscriminadas obrigavam o povo a procurar novas
casas de aluguel elevado; o Fanfulla de 17 de maio de 1912, critica o prefeito por sua preferência em construir mirantes na
avenida Paulista, em ajardinar o Anhangabaú. O tema das condições de habitação e do preço do aluguel ganha destaque. O
Fanfulla de 30 de junho de 1912, por exemplo, publica uma ampla reportagem sobre cortiços explorados por locadores ou
sublocadores italianos.
32. A Lanterna, 11 maio 1912.
33. A Mariângela e a Santana eram, em 1912, as duas maiores empresas têxteis de São Paulo. Os números, entretanto,
divergem. Enquanto os jornais se referem à Mariângela como a maior empresa, com 3 mil operários, seguida da Santana com
cerca de 2 mil, uma publicação oficial, com dados de 1911, menciona 1900 trabalhadores na primeira e cerca de 2700 na segunda.
Cf. Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, São Paulo, ano I, n. 1/2, 1912.
34. Fanfulla, 21 maio/25 jun. 1907.
35. Cerca de duzentos “krumiros” são recebidos à saída da empresa aos gritos de “puxa-sacos, mortos de fome”. A uma
assembleia realizada em um cinema da Mooca comparecem por volta de mil pessoas. Cf. Fanfulla, 29 maio 1912.
36. Um velho operário da Mariângela, em seu dialeto, resume o estado de espírito dos trabalhadores: “Signuri, ‘affitto’ e casa é
cresciuto. ‘O zucchero, da quattro cento reis 1’hanno purtato e diece testoni. Un se pò cchiú vivere. Vonno o nu’ vonno dà anche a
nuie quaccosa ‘e cchiù’?” (Senhores, o aluguel de casa aumentou. Subiram o açúcar de quatrocentos réis para dez tostões. Não se
pode mais viver. Vão ou não vão nos dar também alguma coisa a mais?) Cf. Fanfulla, 16 maio 1912.
37. A União dos Trabalhadores Gráficos, constituída em 1904, chegou a reunir 80% dos gráficos da capital de São Paulo. Em
fins de 1907, como fruto de divisões internas que resultaram na criação do Grêmio Tipográfico Paulistano e da repressão policial, o
sindicato entrou em uma prolongada crise da qual começava apenas a sair em 1912. Cf. A Voz do Trabalhador, 1 dez. 1914.
38. A Plateia, 19 maio 1912. Outras referências à desorganização do movimento, à inexistência de comissões, depois
desmentida, no Fanfulla, 17/19 maio 1912.
39. Fanfulla, 23 maio 1912.
40. Por exemplo, na greve de 1907, após a dissolução de um comício, os têxteis decidem suspender as reuniões públicas,
deixando às comissões das diversas empresas a incumbência de dirigir os grevistas. Cf. A Plateia, 17 maio 1907.

TERCEIRA PARTE: A CONJUNTURA (1917-1920)


4. AS GRANDES LINHAS

1. Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1943. Rio de
Janeiro, 1973.
2. Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, São Paulo, ano II, n. 8 e 9, 1914. Segundo os dados do Boletim, as maiores
reduções de salário ocorreram na construção civil, onde um frentista ganhava de 12$000 a 16$000 por dia, no segundo trimestre
de 1912, e de 7$000 a 10$000, no primeiro trimestre de 1914; um estucador passou de 12$000 para 8$000 a 10$000; um pintor
de 5$000 a 8$000 para 4$000 a 7$000; um pedreiro, de 4$500 a 7$000 para 4$000 a 6$000, no mesmo período. A contínua queda
de salários na construção civil em São Paulo vincula-se ao fato de que o ramo se encontra entre os mais atingidos pelas restrições
às importações. Em relação aos níveis de 1913, o número de construção na cidade de São Paulo sofre uma diminuição de cerca de
40%, caindo em 1915 para 20% do nível de 1913 e ainda mais entre 1916 e 1919. Wilson Cano, Raízes da concentração industrial
em São Paulo. Tese de doutorado. Campinas: Unicamp, 1975, v. II, p. 159.
3. A Voz do Trabalhador, 1 nov. 1913; Azis Simão, Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus, 1966, p. 66; Avanti, 29 ago./12 set.
1914.
4. Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920, p. 116. (mimeografado).
5. Exemplos mais expressivos: A Plebe, em São Paulo, que por um breve período tornou-se jornal diário em 1919; a Voz do Povo,
órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. A Voz do Povo surgiu a 5 de fevereiro de 1920, em fins do período de
ascenso do movimento operário, e durou pouco mais de um ano, sob a sucessiva direção de Carlos Dias, Afonso Schmidt, Álvaro
Palmeira, e a presença ativa de Astrojildo Pereira. Efêmero como todas as publicações operárias cariocas do período, o jornal se
destacava por sua grande vivacidade. As máquinas obsoletas estavam instaladas no andar térreo de um velho prédio da avenida
Central e a redação em duas salas do segundo andar. Apesar do barulho, os vizinhos não se mudavam porque eram na verdade
agentes policiais. Cf. Afonso Schmidt, Bom tempo. São Paulo: Brasiliense, 1958. Citado por John W. Dulles, Anarchists and
Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas Publications, 1973, pp. 123-4. Ver aí a curiosa controvérsia entre os
diretores do jornal e uma comissão de acionistas contrária à publicação de anúncios de locais de diversão onde havia jogo.
6. Uma das poucas exceções é representada pelo deputado paulista Martim Francisco, que se coloca ao lado dos portuários de
Santos, por ocasião da greve de agosto de 1912. Cf. Anais da Câmara dos Deputados (1912). Rio de Janeiro, 1913, v. III.
7. O jornal que mais se identificou com a defesa da democracia social e deu grande cobertura ao movimento operário foi O
Combate, então dirigido por Nereu Rangel Pestana. Em 1919, Nereu publicou uma série de artigos cheia de verve, denunciando as
vinculações entre a oligarquia paulista e os investidores alemães, assim como as condições de trabalho vigentes nas fábricas
paulistas, sob o pseudônimo de Ivan Subiroff — um misterioso “delegado da República dos Sovietes em São Paulo”. No Rio, A
Razão foi o órgão que mais se aproximou dessa posição, embora sustentasse uma postura francamente contrária aos anarquistas,
enquanto O Combate tinha uma linha de certa simpatia ou indulgência para com os libertários.
8. Moniz Bandeira, Clóvis Melo e A. T. Andrade, O ano vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967, p. 71.
9. O Combate é mutilado pela censura, a partir de novembro de 1917, aparecendo com espaços em branco ou com supressões
que obedecem a um estranho critério; em um título da coluna “movimento operário”, a palavra “operário” desaparece. O jornal se
queixa do maior rigor da censura em São Paulo, em comparação com o Rio de Janeiro. Uma edição da revista humorística O
Parafuso é apreendida, e sua publicação prossegue com muitas dificuldades. Cf. O Combate, 20 nov. 1917, 21 jan. 1918 e 27 maio
1918.
10. O Combate, 21 maio/7 jul./17 out. 1918. Em um momento de pausa entre o fim do estado de sítio e sua prorrogação, o jornal
se refere ao grande alcance da repressão sobre o movimento operário, que resultara no fechamento da maioria das organizações
sindicais. Cf. O Combate, 28 fev. 1918.
11. Embora não haja dúvida quanto ao maior número de movimentos no Rio de Janeiro em 1918, o registro de greves em São
Paulo é meramente indicativo e ao que parece bem abaixo da realidade (tabela 4.1). Quando a censura foi abolida, O Combate
referiu-se de modo genérico a muitas greves cujo noticiário fora proibido. Cf. O Combate, 19 dez. 1918.
12. Como exemplo expressivo, ver a greve em empresa têxtil contra a despedida de operários que faltaram ao serviço para ir ao
enterro de um colega. Cf. O Combate, 3 set. 1920.
13. Wilson Cano, op. cit., p. 160. Convém ressalvar que as pressões resultantes da ascensão dos preços internacionais não
equalizam tais preços e os preços internos. Cano (ibid., p. 153) dá o exemplo do açúcar, cujo preço de exportação apresenta alta de
310% entre 1914 e 1918, enquanto as cotações médias no mercado atacadista do Rio de Janeiro revelam alta de 160% para o
“cristal branco”, de 150% para o “cristal amarelo” e de 130% para o “mascavo”.
14. Um indicador dos preços de atacado dos principais gêneros alimentícios não apresenta dificuldades, mas o mesmo não se
dá com relação a certos itens, como aluguel, vestuário, consumo de serviços. O maior problema reside, porém, na ausência de
indicadores de salários, tanto gerais como por categoria profissional. No que diz respeito à composição do orçamento familiar, é
preciso considerar que os hábitos alimentares da população operária de São Paulo, composta em grande parte de imigrantes de
origem italiana e seus descendentes, oferece certas particularidades: o charque tem reduzida importância; pão de farinha de trigo,
macarrão são produtos básicos. Uma indicação interessante é a de Edgard Leurenroth e Hélio Negro (O que é o maximismo ou
bolchevismo, apud Everardo Dias, História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Edaglit, 1962, pp. 226 e 227), contendo um
cálculo detalhado das necessidades mínimas de uma família composta de marido, mulher e duas crianças, em 1917. A soma
alcança 207$650 mensais para um salário médio de 150$000.
15. Albert Fishlow, “Origens e consequências da substituição de importações no Brasil”. Estudos Econômicos, v. 2, n. 6, 1972.
16. Wilson Cano, op. cit., p. 158. No que diz respeito à expansão do emprego no ramo dos têxteis de algodão para um índice de
100, em 1910, há uma ascensão da seguinte ordem:
1910 — 100
1915 — 134
1916 — 158
1917 — 170
1920 — 201
17. Em todo o período, há apenas duas greves nitidamente políticas: a de 21 jul. 1919, contra a intervenção das forças aliadas
na União Soviética e na Hungria e contra as condições de paz impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, que teve algum
êxito em cidades do interior paulista e no Distrito Federal; a greve carioca contra as deportações, de 15 out. 1919 (tabelas 4.7 a
4.9 e Apêndice).
18. Uma abundante documentação do clima ideológico se encontra em Moniz Bandeira et al., op. cit. Há, por outro lado,
exemplos de pedidos de apoio à Liga das Nações e a organizações operárias de países europeus. Durante a greve de maio de 1919,
em São Paulo, o efêmero Conselho Geral dos operários, formado no curso do movimento, apelou à CGT francesa e deliberou enviar
um representante à Comissão do Trabalho da Liga, para solicitar garantias em favor dos trabalhadores brasileiros. Cf. A Plebe, 10
maio 1919; A Razão, 13 maio 1919.
19. Gilberto Amado, “A propaganda maximalista e sua superfluidade”, apud Moniz Bandeira et al., op. cit., p. 243.

5. POLÍTICA E SINDICATO

1. Dados acerca do Partido Comunista-libertário de 1919 encontram-se em abundância em Moniz Bandeira, Clóvis Melo e A. T.
Andrade, O ano vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, pp. 158 ss.
2. A Plebe, 17 maio 1919.
3. A UGT representava uma continuação da Federação Operária, dissolvida pelas autoridades em agosto de 1917. Ela própria
seria fechada em novembro de 1919, ressurgindo com o nome de Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, que, em março
de 1920, abrangia 25 sindicatos. Cf. Voz do Povo, 13 mar. 1920.
4. A Razão, 12 jan. 1919.
5. A Razão, 20/28 abr. 1918; 4 maio 1919.
6. A Razão, 22 mar. 1917.
7. Voz do Povo, 16/19 mar. 1920.
8. Voz do Povo, 30/31 mar. 1920. Dentre as associações presentes à reunião com o presidente Epitácio Pessoa, encontravam-se
o Centro União dos Calafates, a Associação dos Marinheiros e Remadores, a Associação dos Motoristas Marítimos, o Centro dos
Trabalhadores do Cais do Porto, o Centro União dos Pintores, a Associação dos Carpinteiros Navais. Algumas dessas associações
definiam-se, entretanto, como defensores de um sindicalismo corporativo, e não como meros apêndices do Estado. Não por acaso
algumas delas compareceram ao Terceiro Congresso Operário, realizado menos de um mês após a greve. Convém esclarecer que,
quando me refiro a um sindicalismo corporativo, aludo ao conteúdo e ao alcance das reivindicações, e não necessariamente à
forma de conceber a inserção do sindicato no sistema político.
9. Participaram do Terceiro Congresso Operário a Associação dos Carpinteiros Navais, a Sociedade dos Trabalhadores em
Trapiches e Café, a União dos Estivadores, a Associação dos Marinheiros e Remadores, a União dos Foguistas e a União Culinária
e Panificadora Marítima. Apenas a última, entretanto, onde se destacava a figura de João Argolo, era um reduto anarquista. Cf. Voz
do Povo, 24 abr. 1920.
10. “Carta aberta aos camaradas foguistas, estivadores e trabalhadores em trapiches e café”, em Voz do Povo, 3 nov. 1920.
10. A Razão, 30 jan. 1921; 11 fev. 1921. Aí se alude a ofício enviado pelo presidente do Centro Marítimo, ao chefe de polícia,
agradecendo-lhe os esforços desempenhados na defesa da entidade e na manutenção da ordem.
12. As edições de A Razão trazem amplos relatos de comícios em Vila Isabel, na Gávea, no Andaraí etc. Ver especialmente o
número de 19 de dezembro de 1917, onde se estabelece uma relação entre os esforços da Federação Operária e o considerável
desenvolvimento dos organismos sindicais naquele ano.
13. A Razão, 1 maio 1919.
14. Voz do Povo, 13 set. 1910. O comparecimento ao festival era considerado pela imprensa anarquista, por definição, como ato
de solidariedade, porque ele se destinava a obter fundos para criar escolas operárias. Observem-se os indícios de um menor rigor
ideológico na festa: toda a parte teatral, por exemplo, está desvinculada da doutrinação e nela se insinua um “ato de cabaré”, em
princípio conflitante com o código puritano.
15. Na década de 1920, uma controvérsia sobre a figura de Oliveira na União dos Trabalhadores Gráficos acabou produzindo
um sério conflito entre facções rivais, no qual se imiscuiu a polícia. Em consequência, dois operários morreram e o governo fechou
o sindicato. John W. Dulles, Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas Publications, 1973, pp. 346
ss.
16. Uma descrição detalhada do movimento se encontra nos números de A Razão de nov./dez. 1917.
17. A Razão, 2 set. 1918. A recusa a ensinar o ofício, apesar da pressão dos mestres nas fábricas, era vista como forma de
reduzir a abundante oferta de força de trabalho. A UOFT publicou uma nota sobre o problema em A Razão, 1 jan. 1919.
18. A Razão, 10 nov. 1918. Observar também, como indicador indireto, a grande comemoração do primeiro aniversário da UOFT,
reunindo 4 mil pessoas. A Razão, 5 ago. 1918.
19. O Combate, 18 maio 1919. Nicanor Nascimento fez na Câmara dos Deputados um excelente relato de sua atividade em São
Paulo, assim como das violências e arbitrariedades de todo tipo aí praticadas. Ver Documentos Parlamentares, Legislação Social.
Rio de Janeiro, 1920, v. II, pp. 691 ss.
20. A Razão, 2 set. 1919.
21. Voz do Povo, 30 jul. 1920. A alusão diz respeito às entidades que os patrões e a Igreja procuraram criar em resposta à
sindicalização operária autônoma. No Rio de Janeiro, destacou-se a Associação dos Operários da América Fabril, inspirada por um
gerente da companhia, que em 1920 reunia mais de 3400 sócios.
22. Declaração da diretoria da UOFT, em O Combate, 22 ago. 1919. É significativo observar que já nessa época despontava no
sindicalismo têxtil paulista uma forte tendência favorável a um “trade-unismo” militante. A direção da UOFT, sob a presidência de
um elemento jovem (Ângelo Viale), distanciava-se ideologicamente dos anarquistas mas não rompia suas pontes com eles,
combatendo ao mesmo tempo a tentativa da Igreja, com apoio patronal, de criação de centros operários católicos. A greve têxtil de
março de 1920 recebeu amplo apoio da corrente libertária.
23. A Plebe, 30 set. 1919.
24. A Plebe, 27 mar. 1920.
25. Um relato minucioso dos episódios da greve se encontra nas edições de O Combate de mar./abr. 1920.
26. A Plebe, 24 jul. 1920. Outras referências a pedidos para fazer horas extras, a dispensas para ir ao futebol, à “inconsciência
de elementos da classe” encontram-se nos números de ago./set. 1920.
27. Segundo O Combate, a Liga Operária da Construção Civil de São Paulo tinha em março de 1920 mais de 5 mil sócios. A
estimativa parece mais próxima da realidade do que a afirmação da Voz do Povo, segundo a qual, na mesma época, o sindicato da
categoria reuniria cerca de 30 mil trabalhadores.
28. Ver detalhes da mobilização popular pela reabertura da sede da construção civil em Voz do Povo, 19/20/24 jun. 1920.

6. DUAS MOBILIZAÇÕES

1. A descrição e a análise que se seguem reproduzem com modificações meu trabalho “Conflito social na República oligárquica:
a greve de 1917”. Estudos Cebrap n. 10, out./dez. 1974.
2. Há antecedentes desse gênero de desconto forçado que apela para o sentimento nacional. Já em 1901, os operários de uma
fábrica de chapéus se viam obrigados a contribuir para os funerais do rei Humberto. Avanti, 19 jan. 1901.
3. Os quatro irmãos Jafet, de origem sírio-libanesa, instalaram-se em São Paulo entre 1887 e 1893 e entraram na manufatura de
tecidos em 1906. Cf. Warren Dean, A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difel, 1971, p. 37. Em 1917, já haviam estabelecido
sólidos laços com a oligarquia de São Paulo, e um deles integrava o diretório do Partido Republicano Paulista no bairro do
Ipiranga.
4. O Estado de S. Paulo, 27 mar. 1966.
5. Para uma discussão do “espírito de Carnaval” como categoria afetiva, ver David Rock, “Lucha civil en la Argentina. La
Semana Tragica de enero de 1919”. Desarrollo Econômico, n. 42/44, jul. 1971/mar. 1972.
6. O Estado de S. Paulo, 13 jul. 1917.
7. A imprensa anarquista refere-se vagamente à recusa de tropas do Exército em seguir para São Paulo, a fim de auxiliar a
Força Pública (A Plebe, 8 set. 1917). Everardo Dias alude a vários casos de insubordinação tanto na milícia estadual como no
Exército.
8. A mediação da imprensa, cujo sentido tento apreender mais adiante, teria resultado episodicamente de um contato entre o
capitão da Força Pública, Miguel Costa, e Nereu Rangel Pestana, diretor de O Combate. Ao mesmo tempo que dava ordens para
reprimir a agitação, o capitão seria simpático às demandas dos trabalhadores, sugerindo a Rangel Pestana essa via de
entendimento. Cf. John W. Dulles, Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas Publications, 1973, p.
52. O anedótico revela uma linha de grande coerência no comportamento do futuro líder do movimento tenentista. Nos primeiros
anos da década de 1930, Miguel Costa empenhou-se em São Paulo no estabelecimento de uma aliança entre tenentistas e
organizações operárias, influindo diretamente na organização de alguns sindicatos, como o dos estivadores do porto de Santos.
9. Edgard Leuenroth figurava como secretário do Comitê. Os cinco demais membros eram Antonio Candeias Duarte, pequeno
comerciante, que sob o pseudônimo de Hélio Negro escreveria em 1919, com Leuenroth, a brochura O que é o maximismo ou
bolchevismo; Francisco Cianci, litógrafo; Rodolfo Felipe, serrador, futuro responsável de A Plebe; Luigi (Gigi) Damiani; Teodoro
Monicelli, diretor do jornal socialista Avanti. À exceção de Monicelli, esses nomes representavam a liderança anarquista
articulada, independentemente de sua condição social.
10. O padrão observado no movimento de 1907 não se repetiu. Em regra, as maiores empresas chegaram mais prontamente a
um acordo. Provavelmente, isso se deve ao fato de que elas começavam a obter lucros elevados e estavam em condições de
oferecer um aumento, em torno de 20%, que não chegava a reconstituir o salário real de 1913.
11. As indicações da imprensa, por volta de julho de 1917, são significativas. A Gazeta de 19 de maio refere-se ao aumento da
lata de banha de 2$500/2$800 para 3$000/3$200; à elevação do preço da saca de batata, em quinze dias, de 6$500/7$500 para
9$000/12$000. O Fanfulla de 19 de julho alude ao açambarcamento do arroz em casca no interior do estado, com o preço da saca
subindo, em dois meses, de 12$000 para 20$000.
12. Ver especialmente as reportagens diárias de A Gazeta a partir de 5 de maio de 1917.
13. Referindo-se ao horário de trabalho de treze horas diárias na fábrica Crespi, A Plebe de 16 de junho de 1917 afirma que na
Rússia se trabalha apenas seis horas.
14. Maram valoriza bastante esse aspecto, chamando a atenção para o tempo de permanência no país da massa e da liderança
operária de origem estrangeira. Segundo seus dados, cerca de 60% da imigração para São Paulo se deu antes de 1905 e
aproximadamente 80% dos italianos chegaram ao estado pelo menos treze anos antes de 1917. Utilizando-se sobretudo de fontes
operárias, Maram observa que, entre 29 dirigentes estrangeiros do movimento operário, cujos dados lhe foi possível levantar, 27
haviam chegado criança ao Brasil ou tinham mais de cinco anos de residência em 1917. Sua conclusão é que, por essa época, os
sonhos de mobilidade social e de regresso ao país de origem estavam desfeitos e muitos se inclinavam a organizar-se para
enfrentar as duras condições de vida.
15. Ao contrário do que sucedia com Matarazzo, a consciência da situação não era o forte de Crespi. Ver esta bela passagem de
Warren Dean, relativa à greve generalizada de outubro de 1919, quando Crespi propôs no Centro dos Industriais de Fiação e
Tecelagem de São Paulo que se respondesse à greve com o lockout patronal: “a ideia foi jubilosamente aceita por todos, exceto
pelo representante das IRMF (de Matarazzo), que declarou precisar consultar seu patrão. No dia seguinte apareceu o Conde, no
meio da deferência geral dos membros. Pereira Ignácio propôs que a assembleia se congratulasse com a presença do ‘Príncipe da
Indústria Paulista’. Matarazzo, contudo, não estava disposto a participar da euforia do momento. Levantou-se e sugeriu, sem
floreios de retórica, que simplesmente se convidassem os operários a voltar ao trabalho, pois a greve da Light já fora solucionada.
Os membros, sem exceção, inverteram a posição assumida no dia anterior e votaram pela moção de Matarazzo”. Warren Dean, op.
cit., p. 175.
16. O Fanfulla de 27 de junho de 1917 critica o lockout e apela a Crespi para que siga o exemplo de outros industriais que estão
fazendo concessões.
17. Ver, especialmente, Leôncio Martins Rodrigues: “A greve de 1917 não foi o resultado de um avanço do sindicalismo ou um
movimento organizado com mira a objetivos fixados de antemão, mas uma explosão repentina, fruto da convergência de vários
fatores, entre os quais a carestia, e, possivelmente, as repercussões da Revolução Russa. As próprias lideranças operárias, ainda
que procurassem aproveitar a greve, foram tomadas de surpresa, tanto quanto os empregadores e o governo, como indica a
formação apressada, e quase espontânea, do Comitê de Defesa Proletária”. Leôncio Martins Rodrigues, Conflito industrial e
sindicalismo no Brasil. São Paulo: Difel, 1966, p. 147.
18. O Combate de 10 julho de 1917, por exemplo, critica o fechamento pelas autoridades da Liga Operária da Mooca,
lembrando que ela estava procurando orientar a greve da Mariângela e outras empresas, com o objetivo de evitar explosões
individuais.
19. A Gazeta de 5 de maio de 1917 chama expressamente a atenção do governo para os riscos de uma explosão popular.
20. O primeiro número de A Plebe é de 9 de junho de 1917. A edição de 16 de junho alude ao êxito das ligas operárias,
especialmente a da Mooca, que em poucos dias teria recebido seiscentas adesões.
21. Fanfulla, 10 jun./8 jul. 1917. A Plebe, 9 jul. 1917. O Fanfulla de 9 de julho destaca os grandes progressos da Liga, que,
segundo o jornal, poderá ter importante papel na coordenação do movimento grevista.
22. Fanfulla, 21/ 22 maio 1917.
23. A Plebe, 21 jul. 1917.
24. A Plebe, 28 jul. 1917; 14 jun. 1919.
25. O Estado de S. Paulo, 13 jul. 1917; Warren Dean, op. cit., p. 178.
26. O Combate de 12 de julho de 1917 elogia o secretário da Justiça por seus métodos moderados, “que chegam a provocar
queixas”. A 10 de julho, antes do enterro do sapateiro Martinez, o delegado geral Tirso Martins conferencia com uma comissão de
grevistas e os patrões, “embora não fosse esta a missão da polícia”. Ao mesmo tempo, autoriza os trabalhadores a reunir-se no
prado de corridas da Mooca. Cf. O Estado de S. Paulo, 11 jul. 1917.
27. Ver a análise do significado do paternalismo de Street e uma bela descrição de sua “moderna aldeia”, em Warren Dean, op.
cit., p. 168.
28. O Estado de S. Paulo, 20 jul. 1917.
29. A função de representação dos jornalistas não era nova. Em uma greve têxtil na empresa do conde Álvares Penteado, as
negociações se fizeram entre o diretor da Tribuna Italiana, em nome do empresário, e do diretor do Avanti, em nome dos
trabalhadores. Avanti, 2 mar. 1901.
30. “Exaltações lamentáveis”. O Estado de S. Paulo, 10 jul. 1917.
31. “A Verdade”. O Estado de S. Paulo, 19 jul. 1917.
32. O Estado de S. Paulo, 20 jul. 1917.
33. O Combate, 14 jul. 1917.
34. A direção do sindicato têxtil se renovava de seis em seis meses. Por essa época, estavam à sua frente Manuel Castro
(presidente) e Joaquim Morais (secretário). Morais foi expulso do país em princípios de 1920.
35. O relato sucinto se baseia em Moniz Bandeira et al. (O ano vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1967), onde estão transcritos vários depoimentos prestados no inquérito policial.
36. Para uma descrição desses movimentos, ver Edgard Carone, A República Velha (Evolução política). São Paulo: Difel, 1971.
37. John W. Dulles, op. cit., p. 69.
38. Em meados de novembro, calculava-se que dos 914 292 habitantes do Rio de Janeiro, 401 950 tinham sido atingidos pela
epidemia, que produzira 14 459 mortes. Ibid., p. 71.
39. A Razão, 10 nov. 1918.
40. Ver especialmente o artigo “O joio e o trigo”, em A Razão, 19 nov. 1918. Nele se trata de distinguir entre as reivindicações
do operariado e o motim anarquista, possivelmente incentivado pelas maquinações de políticos descontentes.
41. Decreto n. 13295, de 22 nov. 1918.
42. A crítica atingiu um ponto sensível. Chapeleiros, marmoristas, o Centro Cosmopolita emitiram comunicados explicando que
não havia condições para desfechar uma greve de solidariedade. A Associação Gráfica, fiel a sua linha corporativa, lembrou não
estar filiada à UGT, lamentando ainda o desvirtuamento parcial das finalidades da greve, embora se declarasse ao lado das
reivindicações legítimas. A Razão, 24/25/28 nov. 1918.
43. A Razão, 27/29 nov./1 dez. 1918.

7. ASSIMILAÇÃO E REPRESSÃO
1. Rui Barbosa, Contra o militarismo: campanha eleitoral de 1909 a 1910. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos, s.d., pp. 11-2.
2. Correio da Manhã, 27 dez. 1909.
3. A Razão, 17 nov. 1918 (apud Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920
(mimeografado).).
4. O relato se baseia em Rui Barbosa, Campanha presidencial (1919). Bahia: R. dos Santos, 1919.
5. “A questão social e política do Brasil”, in ibid.
6. Ver o remate da conferência sobre a questão social e política: “No Brasil não há mais nada. Deixemos, pois, de escrúpulos e
levantemos o culto da Fortuna. Dinheiro! Felicidade! Audácia! Com uma tal aviltação política, o Brasil não é só um baldio
abandonado às experiências e avidezas dos aventureiros nacionais. É uma presa voluntária, oferecida às liberalidades e intrigas da
absorção estrangeira. Operários brasileiros, se renunciais à vossa terra, olhai, enquanto seja tempo, pela vossa pátria”.
7. A Plebe dedicou vários artigos no primeiro semestre de 1919 à candidatura Rui, apontando as contradições deste e
denunciando a demagogia de O Estado de S. Paulo, que o definia como candidato da classe operária. Ver em especial A Plebe, 22
fev. 1919.
8. Pereira Ignácio & Cia. Correspondência, jun. 1919.
9. O Centro Industrial do Brasil, fundado em 1904, reunia de fato apenas empresários do Distrito Federal e do estado do Rio.
Por volta de 1918, Street dirigia fábricas têxteis tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro.
10. A Razão, 22 fev. 1919.
11. O País, 12 jun. 1919. Transcrito em Documentos Parlamentares, Legislação Social. Rio de Janeiro, 1922. v. 3, pp. 873 ss. O
ponto de vista dos adversários de Street se encontra expresso em artigos publicados no Jornal do Comércio, durante o mês de
junho de 1919.
12. Decretos Legislativos n. 1150, de 5 jan. 1904, e n. 1607, de 29 dez. 1906.
13. A principal fonte de legislação social e dos projetos nesse sentido são os Documentos Parlamentares, Legislação social (Rio
de Janeiro, 1919-22. 3 v.). Sobre a Lei Tosta há um interessante comentário em José Albertino Rodrigues, Sindicato e
desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Difel, 1968, p. 50.
14. Legislação Social, v. 2, p. 383. Em sua defesa da propositura, Tosta ressaltava o contraste entre uma lei de paz e concórdia
como a sua, capaz de favorecer a criação de organismos de conciliação, e pactos do gênero que os estivadores do Rio de Janeiro e
Buenos Aires firmaram em 1904, dando origem à Associação de Resistência dos Marinheiros e Remadores, a qual procurara impor
despoticamente sua vontade aos proprietários de navios e armadores.
15. Na explicação do comportamento de Maurício de Lacerda, o meio cultural predomina sobre as origens sociais. É provável
que a figura florianista e em certa medida plebeia de Nilo Peçanha, um dos chefes do PR fluminense, tenha tido bastante
importância em sua formação. Lacerda escudou-se inutilmente em seu nome, quando foi excluído do partido em 1921.
16. Voz do Povo, 29 fev. 1920; A Plebe, 26 jun. 1920.
17. Os dados gerais das biografias de Maurício de Lacerda e Nicanor Nascimento e de sua atividade na Câmara foram extraídos
essencialmente de James Paul McConarty, The Defense of the Working Class in the Brazilian Chamber of Deputies, 1917-1920.
Tulane University, 1973 (mimeografado). Para as divergências entre Lacerda e o governo Vargas, ver Maurício de Lacerda,
Segunda República. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1931.
18. Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, sessão de 22 nov. 1918. Lacerda achava-se ausente na ocasião.
19. Legislação social, v. 2.
20. James P. McConarty, op. cit., onde aliás esse aspecto é enfatizado.
21. Legislação social, v. 1, pp. 120 ss.
22. A Razão, 13 jul. 1918.
23. Legislação social, v. 2, pp. 452 e 713 ss.
24. James P. McConarty, op. cit., pp. 24-5.
25. Nicanor Nascimento explorou longamente a discrepância entre o positivismo gaúcho e o Apostolado na sessão da Câmara
de 30 de julho de 1918. Legislação social, v. 1, pp. 316 ss.
26. Legislação social, v. 1, pp. 258 e 259. É óbvio que o estereótipo do “continuum” de classes na esfera industrial possuía uma
parcela de verdade e refletia um momento de transição em que as classes polares começavam apenas a se formar.
27. Anais da Câmara dos Deputados (1918), Rio de Janeiro, v. VI, p. 671, 1919.
28. Legislação social, v. 1, p. 602. O deputado gaúcho referia-se também ao exemplo uruguaio, sempre presente para os
políticos do Rio Grande do Sul, mostrando que a legislação instituída por Battle y Ordonez não impedira os grandes surtos
grevistas naquele país.
29. Legislação social, v. 1, pp. 490-1.
30. Lei n. 3724, de 15 jan. 1919. O diploma acolheu o princípio do risco profissional, mas estabeleceu muitos limites à
indenização, inclusive no tocante ao seu “quantum”.
31. Um caso excepcional bastante curioso, por estar ligado a uma mobilização de vulto, é o da greve dos sapateiros cariocas de
1906. A relativa neutralidade demonstrada pela polícia provoca expectativas favoráveis entre os operários e a queixa dos
industriais. Ver Maria Cecília Baeta Neves, “Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro: notas de pesquisa”. Revista de
Administração de Empresas, n. 13, abr./jun. 1973.
32. Uma campanha do Partido Operário do Distrito Federal logo resultou em modificações desses dispositivos (Decreto n. 1162,
de 12 de dezembro de 1890). A principal alteração consistiu em considerar crime a cessação do trabalho somente quando
houvesse ameaças ou violências. A partir daí, Evaristo de Moraes sustentou inutilmente que a greve pacífica passara a ser um
direito reconhecido no país. Cf. Evaristo de Moraes, Apontamentos de direito operário. 2. ed. Rio de Janeiro, 1971, p. 58.
33. Decreto n. 1641, de 7 de janeiro de 1907. Anteriormente, as expulsões — em regra sem conteúdo político — se faziam
através de atos específicos e por aplicação do Código Penal de 1890, dando margem a muitas controvérsias. Por breve tempo
(outubro a dezembro de 1892), vigeu no governo de Floriano Peixoto uma lei de expulsão, como instrumento repressivo das
revoltas do período. Uma boa análise da aplicação do Decreto de 1907 e seus antecedentes se encontra em Sheldon L. Maram, op.
cit., pp. 38 ss.
34. John W. Dulles, Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas Publications, 1973, p. 61.
35. O Combate, 26 set. 1917.
36. Entre os deportados, Antonio Nalipinski, sapateiro, residente no Brasil há 25 anos; José Fernandez, pedreiro, com cinco
anos de residência; Antonio Lopes, tecelão, residente no país há onze anos etc. Um bom relato da viagem do Curvello e do Avaré
foi feito por Florentino de Carvalho nos números de A Plebe de maio/junho de 1919, sob o título “A nossa expulsão. Apontamentos
para as famílias burguesas”. Ver também as edições de O Combate entre outubro de 1918 e março de 1919.
37. A Razão, 23 set. 1917.
38. A Plebe, 31 out. 1917; Everardo Dias, História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Edaglit, 1962, p. 91.
39. Edgard Carone, A República Velha. Instituições e classes sociais. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970, p. 167. Em
outubro de 1919, por exemplo, a Liga Nacionalista de São Paulo lançou um manifesto contrário à greve dos serviços públicos.
40. Spartacus, 20 set. 1919; A Plebe, 30 out. 1919.
41. Spartacus, 27 set. 1919. Entre os signatários, Astrojildo Pereira, Otávio Brandão, Minervino de Oliveira, Carlos Dias,
Antonio Bernardo Canelas, Luiz Peres, Domingos Passos.
42. Afonso Schmidt, “Palavras de um comunista brasileiro à Liga Nacionalista e à mocidade das escolas”. A Plebe, 13 dez. 1919.
43. John W. Dulles, op. cit., p. 109.
44.“A reação vem aí!”. A Plebe, 13 set. 1919; Spartacus, 20 set. 1919. Observar o uso da expressão “classes produtoras” mais
tarde apropriada e pervertida pela burguesia industrial.
45. Segundo os dados aproximativos oficiais, 66 pessoas foram expulsas em 1919 e 75 em 1920, número somente superado
entre 1907 e 1921 pelo primeiro destes anos, quando ocorreram 132 expulsões. Não se distinguem as razões (políticas ou não) das
medidas. Anuário Estatístico do Brasil, Ano V (1939-1940). Rio de Janeiro, 1941.
46. A Razão, 15 out. 1919; A Plebe, 7 fev. 1920; Voz do Povo, 20 fev. 1920.
47. A Razão, 15 out. 1919; A Plebe, 31 jan./7 fev. 1920; Voz do Povo, 20 fev./29 jul./14 nov. 1920. O caso de Everardo Dias foi
por ele narrado em Memórias de um exilado: episódios de uma deportação. São Paulo, 1920. Para sua defesa por Maurício de
Lacerda, ver Anais da Câmara dos Deputados (1919). Rio de Janeiro, 1920, v. X e XII.
48. A Plebe, 22 nov. 1919; Voz do Povo, 13/16 out. 1920.
49. A Plebe, 3 abr. 1920.
50. Decreto n. 4247, de 6 de janeiro de 1921. A prova do exercício de profissão lícita destinava-se sobretudo a reprimir a
prática do lenocínio, constante preocupação do governo federal.
51. Decreto n. 4269, de 17 de janeiro de 1921.
52. Para a ação de Pupo Nogueira, ver Warren Dean, A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difel, 1971, pp. 176 ss.
53. Regulamentação do trabalho em domicílio (1918); aposentadoria de empregados em serviços públicos (1920); reciprocidade
em matéria de indenização por acidentes com as leis da Espanha e da Itália (1918); regulamentação do trabalho do menor (1924);
jornada de oito horas diárias e semana de 48 horas (1929). Cf. Julio Godio, El Movimiento obrero y la cuestión nacional. Argentina:
inmigrantes asalariados y lucha de clases 1880-1910. Buenos Aires: Erasmo, 1972, pp. 193 ss.; e Darío Cantón et al., La
Democracia constitucional y su crisis. Buenos Aires: Paidós, 1972 (Coleção de História Argentina, 6, dir. por Túlio Halperin
Donghi).
Fontes citadas

JORNAIS

Imprensa diária
O Combate
O Comércio de São Paulo
Correio da Manhã
Correio Paulistano
Diário Popular
O Estado de S. Paulo
Fanfulla
A Gazeta
A Plateia
A Razão
Imprensa operária ou irregular
O Amigo do Povo
Avanti
La Battaglia
O Chapeleiro
Dealbar
Gazeta Operária
O Gráfico
A Guerra Social
O Jacobino
A Lanterna
O Livre Pensador
A Nação
A Plebe
Spartacus
A Terra Livre
Voz do Povo
Voz do Trabalhador

PUBLICAÇÕES OFICIAIS

BRASIL. Coleção das leis. Rio de Janeiro, 1890-1921.


________. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do Brasil. Ano V (1939-1940). Rio de Janeiro, 1941.
________. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Diretoria-Geral de Estatística. Recenseamento de 1920. Rio de Janeiro,
1922-9.
________. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Diretoria-Geral de Estatística. Recenseamento de 1890. Rio de Janeiro,
1895-1901.
________. Ministério da Fazenda. Diretoria de Estatística Comercial. Comércio Exterior do Brasil. Rio de Janeiro, 1921.
CONGRESSO NACIONAL. Anais da Assembleia Constituinte. Rio de Janeiro, 1891.
________. Anais da Câmara dos Deputados, 1891 a 1920.
________. Anais do Senado Federal, 1891 a 1920.
DOCUMENTOS PARLAMENTARES. Legislação social. Rio de Janeiro, 1919-22. 3 v.
RIO DE JANEIRO. Departamento de Assistência Pública. Assistência pública e privada no Rio de Janeiro, história e estatística. Rio de
Janeiro, 1922.
________. Diretoria-Geral de Polícia Administrativa, Arquivo e Estatística. Recenseamento do Rio de Janeiro (Distrito Federal),
realizado em 20 de setembro de 1906. Rio de Janeiro, 1907.
SÃO PAULO. Relatório apresentado ao cidadão dr. Cesário Mota Jr., Secretário dos Negócios do Interior do Estado de São Paulo, pelo
Diretor da Repartição da Estatística e Arquivo, dr. Antônio de Toledo Piza, em 31 de julho de 1894. Rio de Janeiro, 1894.
________. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo, 1912-
20.

LIVROS, ARTIGOS, FOLHETOS

ABRANCHES, Dunshee de. Governos e Congressos da República dos Estados Unidos do Brasil, 1889-1917. São Paulo; Rio de Janeiro:
M. Abranches, 1918.
ARAÚJO Filho, José Ribeiro de. Santos, o porto do café. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1969.
BANDEIRA Jr., Antonio F. A indústria no Estado de São Paulo em 1901. São Paulo, 1901.
BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967.
BARBOSA, Rui. Contra o militarismo: campanha eleitoral de 1909-1910. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos, s.d.
________. Campanha presidencial (1919). Bahia: R. dos Santos, 1919.
BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
BASTOS, Tocary Assis. O positivismo e a realidade brasileira. Belo Horizonte: Edições da Revista Brasileira de Estudos Políticos,
1965.
BRUNO, Ernani da Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954.
CAMARGO, José Francisco de. Crescimento da população no Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo: USP, 1952.
3 v.
CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Campinas: Unicamp, 1975. Tese (Doutorado).
CANTÓN, Darío et al. La Democracia constitucional y su crisis. Buenos Aires: Paidós, 1972. (Coleção de História Argentina, 6, dir.
por Túlio Halperin Donghi).
CARDIM, Mário. Ensaio de análise de fatores econômicos e financeiros do estado de São Paulo e do Brasil. São Paulo: Secretaria da
Agricultura, Indústria e Comércio, 1936.
CARDOSO, Fernando Henrique. “Proletariado no Brasil: situação e comportamento social”. In: ______. Mudanças sociais na América
Latina. São Paulo: Difel, 1969.
CARONE, Edgard. A República Velha. Instituições e classes sociais. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
________. A República Velha. Evolução política. São Paulo: Difel, 1971.
CENTRO INDUSTRIAL DO BRASIL. O Brasil: suas riquezas naturais, suas indústrias. Rio de Janeiro, 1907.
COMTE, Auguste. Le Prolétariat dans la société moderne. Textes choisis. Intr. de R. Paula Lopes. Paris: J. Vrin, 1946.
CONDE, Roberto Cortés; GALLO, Ezequiel. La Formación de la Argentina moderna. Buenos Aires: Paidós, 1967.
________. La República Conservadora. Buenos Aires: Paidós, 1972. (Coleção de História Argentina, 5, dir. Túlio Halperin Donghi).
CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DO TRABALHO. Conclusões do IV Congresso Operário Brasileiro. Rio de Janeiro, 1913.
“CONGRESSO Operário de 1912”. Estudos Sociais, n. 17, 1963.
COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1966.
COUTY, Louis. Biologie industrielle. Rio de Janeiro, 1883.
DAMIANI, Luigi (Gigi). I paesi nei quali no si deve emigrare: la questione sociale nel Brasile. Milão: Umanità Nova, 1920.
DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difel, 1971.
DELLA CAVA, Ralph. “Igreja e Estado no Brasil do século XX: sete monografias recentes sobre o catolicismo no Brasil”. Estudos
Cebrap, n. 12, 1975.
DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Edaglit, 1962.
________. Memórias de um exilado: episódios de uma deportação. São Paulo, 1920.
DULLES, John W. F. Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1935. Austin (Texas), 1963.
ENGELS, Frederic. La Situation des Classes Laborieuses en Angleterre. Paris: Alfred Costes, 1933.
FALETTO, Enzo; RUIZ, Eduardo; ZEMELMAN, Hugo. Génesis histórica del proceso politico chileno. Santiago: Nacional, 1971.
FAUSTO, Boris. “Conflito social na República oligárquica: a greve de 1917”. Estudos Cebrap, n. 10, 1974.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus, 1965.
FISHLOW, Albert. “Origens e consequências da substituição de importações no Brasil”. Estudos Econômicos, n. 6, 1972.
FOERSTER, Robert F. The Italian Emigration of Our Times. Nova York: Arno Press, 1969.
FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
GEIGER, Pedro Pinchas. Evolução da rede urbana brasileira. Rio de Janeiro, 1963.
GODIO, Julio. El movimiento obrero y la cuestión nacional. Argentina: inmigrantes asalariados y lucha de clases, 1880-1910. Buenos
Aires: Erasmo, 1972.
GUÉRIN, Daniel. L’Anarchisme. Paris: Gallimard, 1965.
GRAHAM, Douglas H.; HOLLANDA Filho, Sérgio Buarque. Migration, Regional and Urban Growth and Development in Brazil: a
Selective Analysis of the Historical Record: 1872-1970. São Paulo, 1971 (mimeografado).
GRAHAM, Richard. Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil (1850-1914). São Paulo: Brasiliense, 1973.
HALL, Michael M. The Origins of Mass Immigration in Brazil, 1871-1914 (mimeografado).
________. The Italians in São Paulo, 1880-1920. Tulane University. 1971 (mimeografado).
HARRISON, Royden. “Professor Beesly and the Working-Qass Movement”. In: BRIGGS, Asa; SAVILLE, John (Orgs.). Essays in Labour
History. 2. ed. Londres: Macmillan, 1967.
HOBSBAWM, Eric J. Primitive Rebels. Manchester: Manchester University Press, 1963.
________. “Custam, Wages and Work-Load in Nineteenth Century Industry”. In: BRIGGS, Asa; SAVILLE, John (Orgs.). Essays in Labour
History. 2. ed. Londres: Macmillan, 1967.
________. “Economic Flutuations and Some Social Movements since 1800”. In: ______. Labouring Men. Studies in the History of
Labour. Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1964.
________. “Labor History and Ideology”. Journal of Social History, n. 4, 1974.
KOWARICK, Lúcio. Capitalismo, dependência e marginalidade urbana na América Latina: uma contribuição teórica (mimeografado).
LACERDA, Maurício de. Evolução legislativa do direito docial brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1960.
LEUENROTH, Edgard; NEGRO, Hélio. O que é o maximismo ou bolchevismo. São Paulo, 1919.
LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964.
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. “Evolução dos preços e padrões de vida no Rio de Janeiro, 1820-1930. Resultados preliminares”.
Revista Brasileira de Economia, v. 25, n. 4, 1971.
MARAM, Sheldon Leslie. Anarchists, Immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920 (mimeografado). [Ed. bras.:
Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro, 1890-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.]
MARX, Karl. El Capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. v. I.
MATTOS, Odilon Nogueira de. “São Paulo no século XX”. In: AZEVEDO, Aroldo (Org.). A cidade de São Paulo. Estudos de geografia
urbana. São Paulo: Nacional, 1958.
MCCONARTY, James Paul. The Defense of the Working Class in the Brazilian Chamber of Deputies, 1917-1920. Tulane University,
1973 (mimeografado).
MENDES, Raymundo Teixeira. A política positiva e o regulamento das escolas do Exército. Rio de Janeiro, 1890.
MORAES, Evaristo de. Apontamentos de direito operário. 2. ed. Rio de Janeiro, 1971.
MORSE, Richard M. Brazil’s Urban Development: Colony and Empire. Yale Univerty, 1972 (mimeografado).
________. Formação histórica de São Paulo: de comunidade à metrópole. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
MOUTINHO, Antônio; SILVA, José Elias da; CAMPOS, Manoel. O anarquismo perante a organização sindical. Rio de Janeiro, 1916.
NEVES, Maria Cecília Baeta. “Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro: notas de pesquisa”. Revista de Administração de
Empresas, n. 13, 1973.
PEREIRA, Astrojildo. “Silvério Fontes, pioneiro do marxismo no Brasil”. Estudos Sociais, n. 12, 1962.
PETRONE, Pasquale. “São Paulo no século XX”. In: AZEVEDO, Aroldo (Org.). A cidade de São Paulo. Estudos de geografia urbana. São
Paulo: Nacional, 1958.
PICCAROLO, Antonio. O socialismo no Brasil. 3. ed. São Paulo: Piratininga, 1932.
PINTO, Manuel de Sousa. Terra Moça. Impressões Brasileiras. Porto, 1910.
PRADO Jr., Caio. “Contribuição para a geografia urbana da cidade de São Paulo”. In: ______. Evolução Política do Brasil e outros
estudos. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1969.
QUIJANO, Anibal. Redefinición de la dependencia y proceso de marginilización en América Latina (mimeografado).
________. “El proceso de marginalización y el mundo de la marginalidad en América Latina”. In: _______; WEFFORT, Francisco C.
Populismo, marginalización y dependencia. São José, Costa Rica: Universidad Centroamericana, 1973.
REICH, Wilhelm. La Psychologie de Masse du fascisme. Paris: Payot, 1972.
RELATÓRIO da Confederação Operária Brasileira, contendo as resoluções do Segundo Congresso Operário Brasileiro, reunido no Rio
de Janeiro, nos dias 8 a 13 de setembro de 1913 e as resoluções do Primeiro Congresso Operário Brasileiro, reunido em abril de
1906. Rio de Janeiro, 1914.
ROCK, David. “Lucha civil en la Argentina. La Semana Trágica de enero de 1919”. Desarrollo Econômico, n. 42/44, jul. 1971/mar.
1972.
RODRIGUES, Edgard. Nacionalismo e cultura social. Rio de Janeiro: Laemmert, 1972.
________. Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969.
RODRIGUES, José Albertino. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Difel, 1968.
RODRIGUES, Leôncio Martins. Conflito industrial e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Difel, 1966.
________. Trabalhadores, sindicatos e industrialização. São Paulo: Brasiliense, 1974.
SAES, Décio Azevedo Marques de. O civilismo das camadas médias urbanas na Primeira República brasileira, 1889-1930.
Campinas: Unicamp, 1971.
SCHMIDT, Afonso. Bom tempo. São Paulo: Brasiliense, 1958.
________. “Palavras de um comunista brasileiro à Liga Nacionalista e à mocidade das escolas”. A Plebe, São Paulo, 13 dez. 1919.
SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus, 1966.
SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo, 1968.
SPALDING, Hobart. La clase trabajadora argentina (Documentos para su historia, 1890-1912). Buenos Aires: Galerna, 1970.
STEIN, Stanley. The Brazilian Cotton Manufacture. Textile Enterprise in an Underdeveloped Area, 1850-1950. Massachusetts, 1957.
THOMPSON, E. P. The Making of the English Working Class. Londres: Pelican Books, 1970. [Ed. bras.: A formação da classe operária
[1987]. 3 v. Trad. Denise Bottmann. 4a ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.]
VELHO Sobrinho, J. F. Dicionário biobibliográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Pongetti, 1937.
VILLELA, Annibal Villanova; SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro,
1973.
WEFFORT, Francisco C. Sindicato e política. São Paulo: USP, 1973. Tese (Livre-docência), (mimeografado).
WOODCOCK, George. Anarchism. Harmondsworth: Penguin Books, 1963.
Apêndice

A relação das páginas seguintes enumera as greves do período 1917-21, no Rio de Janeiro e em São Paulo. A partir da
enumeração foram elaboradas as tabelas constantes do texto. Considerei importante transcrever os dados brutos porque eles
elucidam vários pontos que as tabelas deixam de esclarecer: é o caso da indicação dos movimentos mais significativos, assinalados
por um asterisco (*). De qualquer forma, a relação é também meramente indicativa. O número de greves foi maior do que o
arrolado não só porque se pode supor a não referência a pequenas mobilizações como ainda porque torna-se impossível computar
referências genéricas aludindo à existência de “greves em várias fábricas de móveis”, “greves em várias oficinas gráficas” etc.
Saltam também aos olhos as lacunas quanto ao número de participantes, duração e especialmente resultados. De qualquer modo,
preferi manter as raras indicações.
ARROLAMENTO DE GREVES
SAO PAULO — CAPITAL — 1917-8
ÂMBITO DURAÇÃO OU
(EMPRESA, OBJETIVO No REFERÊNCIA RESULTADO
RAMO ETC.) INICIAL

Crespi (seção) Aumento, contra descontos 400 07/05/1917


Lanifício
Aumento, higiene, menores, multas 500 07/05/1917
Ítalo-Paulista
Aumento, 8 horas, regulamentação do trabalho de mulheres e menores, liberdade 50 05/07 a
Greve Geral* parcial
sindical, medidas contra a carestia e falsificação de gêneros 000 25/07/1917
Tecidos
Contra demissões, contra regulamento 1000 05/09/1917 positivo
Ipiranga
Tecidos e
Bordados Contramestre — 05/09/1917 positivo
Lapa
Tecidos
Aumento 2600 16/10/1917
Mariângela
Crespi Cumprimento de acordo 2000 11/12/1917
Fábrica
Penteado Má qualidade matéria-prima — 06/07/1918
(seção)

ARROLAMENTO DE GREVES
SÃO PAULO — CAPITAL — 1919
DURAÇÃO OU
ÂMBITO (EMPRESA,
OBJETIVO No REFERÊNCIA RESULTADO
RAMO ETC.)
INICIAL

Cia. Nacional de 13/01 a


Contra multas por produção insuficiente. Solidariedade com demitidos 3400 negativo
Tecidos de Juta 15/01
Cristaleria 14/01 a
Atraso de salários, aumento, 8 horas, melhores condições gerais — negativo
Franco-Paulista 15/01
+ de 27/01 a
Padeiros (ramo) Descanso dominical positivo
5000 03/02
Cia. Ind. Têxteis Contra redução salarial 1200 — —
Louças Sta.
Contra redução salarial 800 10/02 —
Catarina
Mariângela
Contra redução de horas — 28/03 —
(seção)
Pinto Vilela Aumento, qualidade da matéria-prima, 8 horas, liberdade sindical, regulamentação — 21/04

(chapéus) Greve do trabalho de mulheres e menores, salário mínimo, contra carestia, congelamento 40 02/05 a
parcial
Geral* de aluguéis, falsificação de gêneros 000 24/5
Cristaleria 8 horas, pagamento em dia, aumento, abolição do trabalho de menores,
— 27/05
Colombo reconhecimento sindical, não despedida dos grevistas
Viúva Graig Cumprimento do acordo 300 29/05
Pentes Orion Cumprimento do acordo 02/06
Guayn & Co.
— —
(metalúrgica)
Vidreiros (ramo) 8 horas, contra descontos 01/06
Sapateiros
— —
(ramo)
06/06 a
Mariângela —
07/06
06/06 a
Tecidos Vitória — 600
07/06
Cia. Indústria
Solidariedade, reconhecimento sindical 13/06
Têxteis
01/07 a
Oficinas da SPR Cumprimento de acordo 2000 positivo
03/07
Cia. Nacional de 01/07 a
Má qualidade da matéria-prima, multas, trabalho infantil parcial
Tecidos de Juta 05/07
Casa da Boia 07/07 a
8 horas
(metalúrgicos) 08/07
Lobato & Cia.
Contra gerente 08/07 —
(gráfica)
Parafusos Sta.
Maus-tratos a menores —
Rosa
Cia. Nacional de
Tecidos de Juta — — —
(seção)
Martins Barros
Aumento, reconhecimento sindical 17/07
(metalúrgica)
Cofres
Nascimento — 17/07
(seção)
Correio
Paulistano — 17/07
(gráficos)
Casa Tolle
Contra trabalho por peça 01/08
(alimentação)
Casa Duprat Termina a
— positivo
(gráficos) 10/08
Princípios
Moinhos Gamba — — —
agosto
10/08 a
Gráfica (1) Contramestre — —
25/08
Armazéns IRFM Aumento — 10/08
Martins Barros Contra trabalho por peça — 17/08
Construção Civil 18/08 a
Aumento — positivo
(1) 20/08
Mappin Stores 18/08 a
Reconhecimento sindical — negativo
(marceneiros) 20/08
Cerâmica Sta.
Cumprimento de acordo, reconhecimento sindical, contra caixa beneficente 1000 20/08
Catarina
Nami & Cia.
Atraso salarial — 20/08
(cristaleria)
Paulista de 21/08 a
Reconhecimento sindical, contramestre — positivo
Aniagem 22/09
Cia. de Gás
23/08 a
(serviços de Aumento positivo
25/08
carga)
Alpargatas 23/08 a
Contramestre negativo
(seção) 25/08
Cristaleria Itália Contra demissões, reconhecimento sindical, contra diretores 26/08
01/09 a
Madeira (ramo) Reconhecimento sindical, 8 horas, indenização por acidentes parcial
18/09
Wilson & Cia. Aumento 02/09
Crespi (seção) Aumento 02/09
Tipografia Del
— 02/09
Guerra
Vidraria Sta. + de
Aumento 05/09
Marina 1000
Cia. Mecânica
Cumprimento de acordo — 09/09
(serraria)
Cia. Armour Reconhecimento sindical 1100 10/09
Armazéns da SPR Aumento 600 10/09
A Gazeta
— — —
(gráficos)
Fábrica Labor 11/09 a
Reconhecimento sindical — positivo
(tecidos) 15/09
Têxtil Barra
Solidariedade — 13/09
Funda
Canteiros da
Aumento — 13/09
Catedral
Molduras Aurora 8 horas, aumento, reconhecimento sindical — 17/09
Louças
Contra maus-tratos a crianças — 19/09
(1 empresa)
Limpeza Pública 8 horas, aumento, contra demissões de dirigentes sindicais, melhor tratamento, 22/09 a
— parcial
(ramo)* demissão de subchefe, indenização por acidentes 01/10
Casa Puzzi 25/09 a
Atraso no pagamento — positivo
(gráficos) 26/09
Casa Vanorden
Atraso no pagamento — 25/09 —
(gráficos)
Trigueiro Godoy
Aumento — 26/09
(calçados)
Cantareira
Aumento, contra multas, solidariedade com demitidos — 04/10
(ferroviários)
Malharia Leão — 04/10
Vassoureiros
8 horas, aumento 09/10 parcial
(ramo)
Greve 20 24/10 a
Aumento, 8 horas, abolição de multas, contra demissões, liberdade sindical negativo
Interprofissional* 000 27/10
Tipografia
Aumento 11/11
Ipiranga
Matarazzo 25/12 a
(Belenzinho) Solidariedade 07/01/1920 parcial
ARROLAMENTO DE GREVES
SAO PAULO — CAPITAL — 1920
ÂMBITO (EMPRESA,
OBJETIVO No DURAÇÃO OU REFERÊNCIA INICIAL RESULTADO
RAMO ETC.)

Cotonifício Gamba Solidariedade, contra chefia 500 06/01


Klabin (papel) Aumento, 8 horas 400 06/01
Calçados Morelli Aumento — 08/01
Cervone e Zaparolli (chapéus) Solidariedade — 14/01
Tecidos Lusitânia Aumento — 16/01
Casa Espíndola (gráficos) Aumento, má qualidade do material — 23/01
O Estado de São Paulo (gráficos) Aumento, descanso semanal — 27/01
João Sangiorgi (chapéus) Contramestre — 03/02
Maria Zélia (têxtil) — — —
Tecidos Paulistânia Solidariedade — 12/02 a 13/02
Tecidos Lusitânia Solidariedade — 12/02 a 13/02
Limpeza Pública (ramo) Aumento, horário, multas — 27/02
Construção Civil (ramo) Contra prisão de dirigentes sindicais — 07/03
Domingos Pinto (canteiros) — — —
Calçados Rocha Cumprimento de acordo — 21/03
Jacobb Grusmer (calçados) Aumento — 21/03
Têxteis (ramo)* Liberdade sindical, aumento — 15/03/1920 a 20/04/1920 negativo
Greve interprofissional Solidariedade c/ têxteis — 27/03/1920 a 05/04/1920
Metalúrgica Aliberti Reconhecimento sindical, solidariedade — 07/04 a 08/04 positivo
Martins Barros — — 07/04
Calçados Navajas Contramestre — 24/04 a 25/04 positivo
Cia. Nacional Tecidos Juta Solidariedade, contra Centro católico 3400 02/06
Calçado União — — 16/06
N. Barros & Cia. (chapéus) Aumento — 20/06
Ferragens Brasil (seção) Solidariedade — 20/06
Chapéus Tangi Solidariedade — 15/07
Calçados Bordalo (seção) Aumento — 18/08
Fábrica Vitória (têxtil) Solidariedade 600 02/09 a 20/09 negativo
Calçados Rocha Contramestre — 12/09
Tecidos Lusitânia Solidariedade com mestre demitido — 15/09 a 20/09 negativo
Rotisserie Sportsman
Solidariedade 40 30/09 a 01/010 parcial
(garçons)
Tipografia Siqueira Atraso salarial — 08/10
Metalúrgica Aliberti Contra o regulamento interno 1000 15/10
Calçados Rocha Contramestre, gerente, solidariedade 250 29/10
Tecidos D. Isabel Solidariedade — 16/11
Calçados Romão Espanha
Aumento — 27/12
(seção)
ARROLAMENTO DE GREVES
SÃO PAULO — INTERIOR — 1917-20
ÂMBITO (EMPRESA, DURAÇÃO OU
OBJETIVO No RESULTADO
RAMO ETC.) REFERÊNCIA INICIAL
Canteiros (Cotia, Ribeirão
Aumento — 10/05/1917
Pires)
2
Votorantim (têxtil) Atraso no pagamento, despedidas 11/05 a 12/05/1917
800
Greve Geral* (Idêntico ao da capital) — 16/07 a 25/07 parcial
Cia. Mecânica (S. Caetano) Solidariedade — 30/08/1917
Votorantim Contramestre 1200 18/01 a 04/02/1918 negativo
Ferrara & Longo (canteiros
Salário, lei municipal — —
Cotia)
Padeiros (ramo — Santos) Contra lei municipal — janeiro 1919 positivo
Ferrara & Longo Redução salarial — 08/01 a 13/01/1919
Canteiros (ramo — Ribeirão
Redução salarial — 08/01/1919
Pires)
Mac Hardy (Campinas) Aumento — 10/03/1919
Greve interprofissional* Idêntico ao da capital — 06/05 a 24/05/1919 parcial
Tecidos Lucinda (S.
Aumento salarial — 23/06 a 15/07/1919
Bernardo)
E. F. Sorocabana Aumento, 8 horas — 01/07 a 09/07/1919
Contra a intervenção dos aliados na Rússia e Hungria. Contra
Greve interprofissional — 21/07/1919
o Tratado de Versalhes
Frigorífico Armour (Osasco) Contramestre — 18/08 a 28/08/1919
Cia. Nacional de Estamparia Má qualidade da matéria-prima 500 28/08/1919
Northern Railroad — — 12/10/1919
City (bondes — Santos) Contra concorrência do Corpo de Bombeiros — 16/10 a 24/10/1919
Gráficos (ramo — Santos) Solidariedade — 20/10 a 22/10/1919
Aumento, 8 horas, pagamento/ hora, contra multas e
Greve interprofissional — 25/10 a 27/10 negativo
demissões
Canteiros (1 empresa —
Aumento 13/11/1919 parcial
Ribeirão Pires)
IRFM (S. Caetano) Aumento — 08/03/1920 parcial
Greve Interprofissional Solidariedade c/ têxteis da capital — 25/03/1920
E. F. Mogiana* 8 horas, aumento, reconhecimento sindical — 30/03 a 08/04/1920 negativo
Construção Civil (ramo —
— — 21/04/1920
Santos)
Chapéus Prada (Limeira) Contra demissão de dirigente sindical — 24/04/1920
Tecidos N. S. da Ponte
8 horas — 18/06 a 21/06/1920 parcial
(Sorocaba)
Canteiros (ramo — Ribeirão
— — 05/08 a 13/09/1920
Pires)
O Comércio de Santos
Solidariedade — 08/10/1920
(gráficos)
SPR (armazéns — Santos) Aumento salarial — 18/10/1920
Greve interprofissional (Jaú) Aumento salarial — 18/10/1920
Tecidos Lucinda (S.
8 horas, aumento — 05/12/1920
Bernardo)
28/11/1920 a
Docas de Santos* Aumento, reconhecimento sindical, contra demissões 6000 parcial
12/02/1921
ARROLAMENTO DE GREVES
RIO DE JANEIRO — 1917
ÂMBITO DURAÇÃO OU
(EMPRESA, OBJETIVO No REFERÊNCIA RESULTADO
RAMO ETC.) INICIAL

Fábrica de
06/01 a
Tecidos Solidariedade com despedidos 1600 negativo
13/01
Carioca
Marítimos 18/03 a
Contra a venda de navios, garantia de tripulação, aumento — positivo
(ramo) 19/03
Sul América
Contra redução salarial 21/03
(sapatos)
Corcovado
Contra redução salarial — —
(têxtil)
8 horas, fim da empreitada. Aumento de 40%. Salário mínimo. Fim do trabalho 18/07 a
Greve geral* 100000 parcial
extra. Pagamento semanal. Regulamento menores e mulheres. Legalidade sindical 07/08
Botafogo 13/08 a
Cumprimento de acordo parcial
(têxtil) 23/09
Progresso 13/08 a
Cumprimento de acordo 2700
(têxtil) 04/09
Sapateiros
Aumento, horário, higiene 19/08
(ramo)
Gráficos
Aumento e reconhecimento sindical 31/08
(ramo)*
Bordalo
Salários 07/10
(calçados)
Têxteis 24/10 a
Contra demissões e reconhecimento sindical negativo
(ramo) 20/12
25/10 a
Sapateiros Pagamento por lockout
06/11

ARROLAMENTO DE GREVES
RIO DE JANEIRO — 1918
ÂMBITO (EMPRESA, DURAÇÃO OU REFERÊNCIA
OBJETIVO No RESULTADO
RAMO ETC.) INICIAL

Jornal do Comércio (gráficos) Salários — 07/01


Aldeia Campista (têxteis) Demissão de mestre — 13/03
Moinho Inglês (têxtil) Contra despedidas — 15/03
10
Sapateiros (ramo)* 8 horas, contra violência nas empresas 09/04 a 28/04 parcial
000
Gráficos (1 empresa) Contra despedidas — 19/04
Cia. Transportes e Carruagens
Horários e salários — 20/04 a 22/04 positivo
(cocheiros)
Lloyd Nacional (carpinteiros) — — —
Wilson & Sons (carpinteiros) — —
Marceneiros (ramo) 8 horas, fim da empreitada — 17/06
Lage & Irmão (carvoeiros) — — 07/07 a 09/07 positivo
Lloyd Nacional (carvoeiros) — 200 07/07
Marmoristas (ramo) Aumento — 07/07 a 11/07 positivo
Fábrica Confiança (têxtil) Horário, aumento 3000 07/07 a 12/07 positivo
Trajano de Medeiros (metalúrgicos) Aumento 700 01/08
Lloyd Nacional (carvoeiros) Não cumprimento acordo — 01/08
Tecidos Santo Antônio Horário, aumento — 02/08
Leopoldina (pessoal da conserva) Aumento — 02/08
Casa Silva Rocha (marmoristas) Recusa em aceitar boicote de operário — 02/08
Cia. Cantareira e Viação Fluminense
Aumento — 3/08 a 10/08
(marítimos)*
Serrarias
Aumento — 02/09
(2 empresas)
Pinheiro
& Irmão — — 15/09
(const. civil)
Correio da Manhã (gráficos) Reconhecimento do sindicato — 17/09
Sapateiros (ramo) Contra demissões — 30/09
Têxteis (ramo) Cumprimento de acordo, demissões — 04/10
Calceteiros (Prefeitura) Aumento — 05/10
8 horas, aumento, reconhecimento sindical, fim
Greve interprofissional* — 19/11 a 08/12 parcial
da empreitada
ARROLAMENTO DE GREVES
RIO DE JANEIRO — 1919
ÂMBITO (EMPRESA, DURAÇÃO OU
OBJETIVO No RESULTADO
RAMO ETC.) REFERÊNCIA INICIAL

Construção Civil (ramo) 8 horas — 03/05


Moinho Inglês (têxtil) — — 04/05
Marítimos (marinheiros
8 horas, aumento, closed shop __ 07/05 a 29/05 parcial
e remadores)
Têxteis (ramo) Contramestres, ensino de aprendizes, maus-tratos a menores __ 22/05
Bebidas (ramo) Aumento, 8 horas — 22/05
Fumo (ramo) Aumento, 8 horas — 22/05 a 29/05 positivo
1 vidraria — — 22/05
Carpinteiros navais (2
— — 01/06
empresas)
8 horas, aumento, readmissão de demitidos reconhecimento sindical,
Têxteis (ramo)* 01/06 a 17/08 negativo
regulamento do trabalho de menores e mulheres
Casas Atlas (calçados) Horário — 03/06
Marmoristas (ramo) — — 26/06
Calçados (2 empresas) — — 27/06
Greve interprofissional Solidariedade internacional — 21/07
Gráficos (ramo) Aumento salarial — 29/07
Greve interprofissional Protesto contra deportações — 15/010

ARROLAMENTO DE GREVES
RIO DE JANEIRO — 1920
ÂMBITO (EMPRESA,
OBJETIVO No DURAÇÃO OU REFERÊNCIA INICIAL RESULTADO
RAMO ETC.)
Bangu (têxtil) Horário — 10/01 parcial
Leopoldina (ferroviários)* Aumento, legalidade sindical, contra demissões 8000 14/03 a 28/03 negativo
Greve interprofissional* Solidariedade à Leopoldina — 14/03 a 28/03
Portuários (ramo) Reconhecimento sindical Closed-shop — 08/07 a 11/07 parcial
Taifeiros (marítimos) — — 10/09
Sapateiros (ramo) Protesto por desaparecimento de líder sindical — 14/10
Marítimos (ramo)* Closed-shop, aumento — 11/11 negativo
RENATO PARADA

BORIS FAUSTO nasceu em São Paulo, em 1930. Foi professor titular do Departamento de
Ciência Política da Universidade de São Paulo e é membro da Academia Brasileira de
Ciências. É autor de estudos clássicos sobre história do Brasil.
Copyright © 2016 by Boris Fausto
1a edição Difel, 1976

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Capa
Claudia Espínola de Carvalho

Preparação
Maria Fernanda Alvares

Revisão
Carmen T. S. Costa
Jane Pessoa

ISBN 978-85-438-0735-5

Todos os direitos desta edição reservados à


EDITORA SCHWARCZ S.A.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 — São Paulo — SP
Telefone: (11) 3707-3500
Fax: (11) 3707->3501
www.companhiadasletras.com.br
www.blogdacompanhia.com.br
facebook.com/companhiadasletras
instagram.com/companhiadasletras
twitter.com/cialetras
O crime da Galeria de Cristal
Fausto, Boris
9788554513351
272 páginas

Compre agora e leia

A partir de uma extensa pesquisa, o historiador Boris Fausto transporta o leitor à São Paulo do início do
século XX e reconstitui três crimes que abalaram a sociedade da época. Um homem é assassinado num
quarto de um hotel do centro da cidade. Um cadáver é encontrado numa mala quando um passageiro do
navio tentava jogá-la ao mar. Um corpo de uma mulher é descoberto ao se içarem as bagagens de uma
embarcação.Neste livro, Boris Fausto reconstitui três crimes que abalaram a São Paulo do início do século
XX, transportando o leitor a uma cidade que fervilhava com a modernização e a chegada de imigrantes — e
se tornava palco de incidentes curiosos que alimentavam tanto as manchetes dos jornais quanto o
imaginário da população. A partir de pesquisas em documentos da época, o historiador compõe uma
narrativa envolvente, que se entrelaça a uma arguta reflexão sobre a repercussão dos episódios na
imprensa, os julgamentos morais e as questões de gênero."O crime da Galeria de Cristal não é descrição
histórica, nem jornalismo literário, tampouco romance de não ficção. É a exposição objetiva (ora
distanciada, ora irônica, sempre brilhante) de terríveis e inexplicáveis paixões, que preferimos esconder
numa mala." — Tony Bellotto

Compre agora e leia


Estação Carandiru
Varella, Drauzio
9788580864250
232 páginas

Compre agora e leia

O médico Drauzio Varella relata dez anos de atendimento voluntário na Casa de Detenção de São Paulo, o
maior presídio do Brasil, e mostra como um código penal não-escrito organizava o comportamento da
população carcerária. Em 1989, o médico Drauzio Varella iniciou na Detenção um trabalho voluntário de
prevenção à AIDS. Entre os mais de 7200 presos, conheceu pessoas como Mário Cachorro, Roberto Carlos,
Sem-Chance, seu Jeremias, Alfinete, Filósofo, Loreta e seu Luís. Não importava a pena a que tinham sido
condenados, todos seguiam um rígido código penal não escrito, criado pela própria população carcerária.
Contrariá-lo poderia equivaler à morte. O relato de Drauzio Varella neste livro tem as tonalidades da
experiência pessoal: não busca denunciar um sistema prisional antiquado e desumano; expressa uma
disposição para tratar com as pessoas caso a caso, mesmo em condições nada propícias à manifestação da
individualidade. Lançado em 1999 e transformado em filme em 2003, por Hector Babenco, Estação
Carandiru recebeu o Prêmio Jabuti 2000 de livro do ano e, desde então, já vendeu centenas de milhares de
exemplares.

Compre agora e leia


Mulherzinhas
Alcott, Louisa May
9788554516208
592 páginas

Compre agora e leia

Edição da Penguin-Companhia traz as aventuras das quatro irmãs March com prefácios de Patti Smith e
Elaine Showalter.Mulherzinhas é considerado um dos livros mais influentes de todos os tempos.
Ultrapassando a barreira das idades, esse romance é lido com a mesma paixão por adultos e jovens. A
história das irmãs March se tornou um clássico feminista que reflete sobre a tensão entre obrigação social e
liberdade pessoal e artística para as mulheres. Cada leitor terá sua irmã favorita: a independente Jo, a
delicada Beth, a bela Meg ou a artista Amy. Essas quatro mulheres e sua mãe, Marmee, enfrentam com
diligência e honra as privações da Guerra Civil americana, e se tornaram um sucesso instantâneo já em
1868."Muitos livros maravilhosos me fascinaram, mas, com Mulherzinhas, algo extraordinário aconteceu.
Eu me reconheci, como num espelho, naquela menina comprida e teimosa que disputava corridas, rasgava
as saias subindo nas árvores, falava gírias e denunciava as afetações sociais. Uma menina que podia ser
encontrada encostada num enorme carvalho com um livro, ou em sua escrivaninha no sótão, debruçada
sobre um manuscrito. Ela era Josephine March. [...] Uma menina americana do século XIX que teimava em
ser moderna. Uma menina que escrevia. Como incontáveis meninas antes de mim, vi como modelo uma
que não era como as outras, que possuía alma revolucionária, mas também noção de responsabilidade.
Sua dedicação à sua arte me deu meu primeiro vislumbre do processo do escritor e fui tomada pelo desejo
de abraçar essa vocação. Os passos em falso que ela dava, dos cômicos aos ousados, eram invejáveis, e
me concediam permissão para dar os meus." — Patti Smith

Compre agora e leia


Sejamos todos feministas
Adichie, Chimamanda Ngozi
9788543801728
24 páginas

Compre agora e leia

O que significa ser feminista no século XXI? Por que o feminismo é essencial para libertar homens e
mulheres? Eis as questões que estão no cerne de Sejamos todos feministas, ensaio da premiada autora de
Americanah e Meio sol amarelo. "A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É
importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de
homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos
começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos
de uma maneira diferente. "Chimamanda Ngozi Adichie ainda se lembra exatamente da primeira vez em
que a chamaram de feminista. Foi durante uma discussão com seu amigo de infância Okoloma. "Não era
um elogio. Percebi pelo tom da voz dele; era como se dissesse: 'Você apoia o terrorismo!'". Apesar do tom
de desaprovação de Okoloma, Adichie abraçou o termo e — em resposta àqueles que lhe diziam que
feministas são infelizes porque nunca se casaram, que são "anti-africanas", que odeiam homens e
maquiagem — começou a se intitular uma "feminista feliz e africana que não odeia homens, e que gosta de
usar batom e salto alto para si mesma, e não para os homens". Neste ensaio agudo, sagaz e revelador,
Adichie parte de sua experiência pessoal de mulher e nigeriana para pensar o que ainda precisa ser feito
de modo que as meninas não anulem mais sua personalidade para ser como esperam que sejam, e os
meninos se sintam livres para crescer sem ter que se enquadrar nos estereótipos de masculinidade.

Compre agora e leia


Sobre homens e montanhas
Krakauer, Jon
9788554516154
176 páginas

Compre agora e leia

Em doze artigos, Jon Krakauer tenta compreender por que homens e mulheres se aventuram por paredes
de rocha e gelo como se procurassem voluntariamente a morte.Você sabia que é possível escalar
cachoeiras? Sabia que o monte McKinley, no Alasca, o maior dos Estados Unidos, possui um dos ambientes
mais inóspitos do planeta e que mesmo assim cerca de trezentas pessoas o escalam a cada ano? Você
sabe qual é a segunda maior montanha do mundo? E sabe que ela é bem mais difícil de ser escalada do
que o Everest? Por que tantas pessoas arriscam a vida nas paredes de gelo e rocha?Nesta coletânea de
artigos e reportagens sobre aventuras vividas ao redor do mundo, do Himalaia ao Alasca, Jon Krakauer,
autor de No ar rarefeito e Na natureza selvagem, mostra homens e mulheres que enfrentam paredes de
gelo e rocha por todo o planeta, revela o que eles fazem, como sobrevivem e o que os motiva.

Compre agora e leia

Você também pode gostar