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An,hiaJ F'Tcin:

UMA CAPITAL PARA A REPÚBLICA

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Copyright© 2000 hy AmC-rko 11rclrc

1.lll1' ,sublic,,,.,,o
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os dlrdtos l'l'Sl'rv,Hlos I\O Brasil 1wln Editora Rcvnn Lldn. Nl•nhum,..
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1'\ l' ' 1c,~pln >,.cn1gni f'1út, HClll o ou lor 1-:r.nç,l'\ o prcv
' 1o d· o Editorn. cw, ou VI n

Rcvis,Jo
Rogério Curri'.\o Jr.
Dnlvo Silveira

Capa
Scnse Design & Comunkoção

/ 111 prcssílo
(em p,1pel off-set 75g, após paginação eletrônka em tipo Palatino, e. 11 /13)
Divisão GrMica da Editora Revan

CIP-Brasil. Catalogação na Fonte


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

F933c Freire, Américo


Uma capital para a República: poder federal e forças políticas
locais no Rio de Janeiro na virada para o século XX / Américo Freire. -
Revan, 2000. 2ª edição, 2015.

260p.

Apêndice '
Inclui bibliografia

"Prêmio Carioca de Monografia (1 ° lugar) concedido pela Secretaria


Municipal de Cultura do Rio de Janeiro/1998"

ISBN 978 85 7106 546-8

Í. Brasil - História - 1889 -, 2. Brasil - Política e governo - 1889 -,


3. Rio de Janeiro (RJ) - Política e governo. L Título.

00-0539. CDD981.05

180400 200400 CDU 981 008869


--------------------
SUMÁRIO

Apresentação à segunda edição ................................................................ 7

Prefácio - Lincoln de Abreu Penna ............................................................... 11


Introdução ................................................................................................ 17
Capítulo 1. A invenção política das capitais: Washington, Buenos Aires
e Rio de Janeiro no Império.......................... r················································23
1. A capital federalista ..................... ,....................................................... 27

2.Aconquistadacapital.. ...........................................................................34

3. A capital monárquica ................................................................... 38

Capítulo 2. As bases políticas da capital republicana: a criação do Dis-


trito Federal. ............................................................................................ 51
1. Rio de Janeiro: capital aberta .............................................................. .55

2. O pacto fundador ................................................................................... 68

Capítulo 3. O enquadramento político da capital: as primeiras estratégias


intervencionistas ..................................................................................... 79
1. Florianismo e institucionalização política ..........................................84

2. Experiência radical e conflito político .................................................91

Capítulo 4. Campos Sales e o ensaio do "sistema americano" ............. 109


r
1. As novas regras .................................................................................... 112

2. A "política dos acontecimentos" ....................................................... 123


1 1, \

Capítulo 5. Rodrigues Alves e a ditadura Pereira Passos .................... 135


l.Anovacapital.. .............................. . . ./. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

2. Reordenação do campo Pº/ 7 .......................................................158

5
Capítulo 6. A República carioca ............................... .
J. O controle político-partidário................... ·························••173
2. A" força misteriosa do triângulo•..................... ·················••1711
1
3. Remanejamento e identidade política........... ··········• 91
e 1 - •·••·•·····•·•· 198
onc usao................................................................................... ···
Ob . d ········· -2119
ras cita ••·········································· •··
Anexos.................. ········ ······•·.213
··········································•.223

6
CAPÍTULO 4

Campos Sales e o ensaio do "sistema americano"

11:ts
5
1111

Como temos acompanhado neste texto, desde o início das discussões


obre a organização política da capital, algumas vozes, principalmente
~o Senado, já explicitavam sua apreensão no que diz respeito à possi-
bilidade de se constituir, na sede do governo federal, uma estrutura
política local com garantias municipais. Em um certo sentido, o texto
constitucional expressou este temor, sem, no entanto, definir compre-
cisão o desenho político-institucional da nova capital republicana. Nas
brechas da legislação, a bancada carioca da Câmara dos Deputados
elaborou um projeto de Lei Orgânica que estruturava, em bases auto-
II

nômicas", a organização municipal do Distrito Federal. A despeito das


mudanças promovidas pelo Senado, a lei afinal aprovada atendeu em
grande parte às reivindicações dos representantes cariocas.
Em 1894 o debate voltou à baila, e algumas alterações foram fei-
tas na Lei Orgânica, como, por exemplo, a introdução do sistema de
turnos e a fixação de algumas incompatibilidades nas eleições para o
Conselho Municipal. Foram mantidas, no entanto, as linhas-mestras
da Constituição municipal, que estabelecia freios bastante seguros aos
possíveis desmandos do Poderes Executivos municipal e federal. A le-
gislação assegurava ampla liberdade de ação ao Conselho Municipal
que, via de regra, entrava em confronto aberto com o prefeito. No espí-
rito da lei, o prefeito deveria agir como tal, isto é, como chefe do Poder
Executivo de uma administração autônoma, e não como delegado da
Presidência da República. Como sabemos, o prefeito tinha sua indi-
cação submetida à aprovação do Senado e, como os demais prefeitos,
possuía um mandato fixo reconhecido em lei, o que impedia a sua de-
missão ad nutum pelo presidente da República. Foi neste quadro legal
que, durante grande parte da gestão de Prudente de Morais, vicejou a
experiência política de coexistência entre o poder central e um poder
local forte na capital federal.
A derrota do radicalismo republicano, expressa no fracasso do
atentado presidencial, começaria a jogar tudo isso por terra. A partir
daí, iniciou-se um contínuo processo de alteração do desenho político-
-institucional da capital que se estenderia até 1904, quando seriam pra-
ticamente derrogados in totum os aspectos políticos da Lei Orgânica
de 1892.
Para os grupos que implementaram tais alterações, a bússola, mais
~a vez, seria a experiência norte-americana. Já na reforma empreen-
did_a no início da administração Campos Sales, em dezembro de 1898,
assinalava-se a triste experiência" resultante da Lei Orgânica de 1892.
II

111
Nas palavras de um dos condutores daquelas reformas, 0 senador
•ano Leopoldo Bulhões, estava a senha dos novos tempos: "Agu
g01 . ·f d . . ar-
demos O efeito do ensruo que vamos azer o sistema amencano." 197

1. As novas regras

As mudanças promovidas por Prudente de Morais no início da


sua gestão eram muito tímidas, por sinal, se comparadas às que fo-
ram implementadas em dezembro de 1898 pela nova administração.
Estas tomaram por base o projeto do senador baiano Severino Vieira,
que propôs um desenho político-institucional inteiramente novo para
a capital. Durante sua tramitação, o projeto de Severino Vieira seria
bastante alterado pelas duas casas do Congresso, mas, mesmo assim,
vale a pena examinarmos alguns de seus principais pontos.
Toda a argumentação de Severino Vieira girou em torno da tese
de que o Congresso Nacional, pela Constituição de 1891, possuía ple-
nos poderes no tocante à ordenação político-institucional da capital.
Como a Carta Constitucional em nenhum momento havia estabelecido
uma estrutura municipal para o Distrito Federal, este não se achava
coberto pelo princípio que assegurava a autonomia dos municípios.
O Distrito Federal, segundo a definição de Vieira, "é a porção do ter-
ritório em que se incorpora a soberania da Nação". A Lei Orgânica de
1892, porém, havia-se desviado desse rumo ao dar à capital, pelo me-
nos em parte, a autonomia reservada aos municípios. 198
Para o senador baiano, um dos principais males da organização
resultante da Lei Orgânica residia no fato de que a ação do prefeito
se encontrava "completamente peada pela ação municipal, que vive
quase sempre em conflito de atribuição" .199
Com base nesta argumentação, Vieira propôs a derrogação da Lei
Orgânica no que concerne aos aspectos de representação municipal da
capital. Em seu lugar, seria criada provisoriamente uma nova estrutu-
ra centrada na figura de um delegado direto do presidente da Repú-
blica: o prefeito do Distrito Federal. Este continuaria a ser nomeado
pelo chefe do Executivo federal, com a anuência do Senado Federal,
sendo mantido apenas enquanto bem servisse e correspondesse à confian-
ça do presidente da República. Ao prefeito caberia a "suprema adminis-
tração municipal, que ele exercerá por si e por funcionários (... ), os
quais conservarão seus empregos enquanto bem os servirem( ... )". Os

112
funcionários-chefes ou diretores de serviços deveri'am d
1 'd ser nomea os
diretamente pe o pres1 ente da República.200
Em seu artigo primeiro, o projeto determinava O fech t d
M ·· 1 , , . amen o o
Conselho uruc1pa apos o termino do mandato dos atuais m·te d t
. f' 1d d b n en es,
0 que se d ana no ma e ezem ro de 1898, e a consequente su -
, · 1· - .. . spensao
das proximas e e1çoes muruc1pa1s. Na proposição não havia nenh
- 1 , - d uma
mençao a qua quer org~~ e rep:esentação municipal. Todas as atribui-
ções do C_onse~o ~uruc1pal ~enam absorvidas pelo prefeito que, entre
outras cmsas, ~c_ana r~sponsavel pelo detalhamento do orçamento. A
peça orçamentana, apos ser apreciada pelo Ministério da Fazenda seria 1

colocada em execução por ato do presidente da República. ' 'I


O projeto se~ia nessa linha em todos os demais artigos. Em fun-
ção daquele novo mstrumento, toda a legislação referente ao Distrito 1

Federal poderia ser alterada pelo prefeito ou, em caso de "intervenção


corretiva", pelo presidente da República (art. 8º).201
Como já tivemos oportunidade de verificar ao longo deste texto, a
argumentação de Vieira não tinha nada de muito novo, à medida que
acompanhava algumas das teses já anteriormente defendidas, especial-
mente no Senado. O que havia realmente de diferente era a extensão
do seu projeto; até aquele momento, nenhuma outra proposição havia
chegado tão longe na definição da capital como sede do poder central. 'Í
1
1:
O país vivia ainda o rescaldo político do atentado de novembro
do ano anterior. Na pauta do Congresso, discutiam-se naquele mesmo
:'
momento temas delicados como a regulamentação do estado de sítio
e a lei de anistia aos envolvidos na conspiração que resultara na morte
do ministro da Guerra. De certa forma, a nova proposição expressava
a nova correlação de forças que se estabeleceu com a derrota da cons-
piração e a vitória de Campos Sales nas eleições presidenciais.
A apresentação do projeto Severino Vieira naquele momento es-
teve também relacionada à série de denúncias de corrupção que parte
da imprensa fazia aos contratos com empresas de serviços urbanos que
eram aprovados pelo Conselho Municipal.. Como alguns deles era_m
vetados pelo prefeito, a última palavra cabia aos senadores, que dis-
corriam sobre os problemas da administração autô~oma da~ grandes
cidades. Foi O que fez, por exemplo, o senador baiano Rm Barbosa
quando, da tribuna, afirmou:
"Em toda a parte, senhor Presidente, nós sabemo~ q~e_a experiência
se tem pronunciado até contra a utilidade do prmc1p10 da_ au_tono-
. mumc1pal
mia . . nas gran d es cap1·tais,
· naquelas onde a afluencia e a

113
. - os randes interesses, tendem naturalmente a converter a
ebul~ç~o d _g em medonhos sorvedouros
adm1rustraçao y k de corrupção
d e imora}i.
dades como O Tammany-hall
·
e Nova • or , e don de, por
f
outro lado'
'
a formaçao e _ d grandes potências locais,
, • d arma as de acuidades
f ex-
. , . s e apoiadas em exercitas e emprega os, o erece à ad-
traor dmana
.. tra ão-geral do Estado grandes embaraços e grandes perigos,
m( iru)ps . çb m senhor presidente, neste assunto sou da opinião dos
.. 01s e , . , . d M
· • os , que não .se embaraçam
amencan . com o pnnc1p10 o unicípio,
l "WJ.
para organizar lá o D1stnto Federa •
A despeito de tudo isso, a proposição não teve boa recepção no Con-
gresso. No Senado, enfrentou a oposição do representante
. _ d J . mineiro . Con-
çalves Chaves, presidente da import~te Co~s~ao e usti~a e ~gisl~ção,
que não concordou com a interpretaçao de Vierra quanto a refenda liber-
dade de ação do Congresso em relação à capital. Segundo Chaves, este era
0 modelo norte-americano, seguido pelo argentino, que não havia sido
adotado explicitamente pelo constituinte brasileiro. Pela nossa legislação,
"só compete ao Congresso decretar a organização municipal do Distrito
Federal", o que, em outras palavras, significa que não havia possibilidade
de se derrogar inteiramente o regime municipal na capital.w
Nos meses de outubro e novembro, o debate ganhou também as
folhas da capital. Quem deu o tom da discussão mais uma vez foi Rui
Barbosa que, apesar de desferir críticas contundentes à municipalida-
de da capital, não poupou o projeto do seu rival na política baiana. Em
editoriais no seu jornal Imprensa, Rui argumentou no sentido de que a
proposição feria o preceito constitucional que assegurava a existência
de uma organização municipal na capital. Em sua opinião, o projeto,
"longe de ser uma limitação, ou um conjunto de limitações, ao preceito
da autonomia municipal, é a abolição radical dela". No final do arti-
go, arrematava: "Reduz-se, pois, a lide ao saber se o projeto revoga a
Constituição, ou a Constituição mata o projeto." 204
A defesa do projeto coube ao diário Gazeta de Notícias, que adotou
como argumento a tese de que a legislação assegurava ampla liberda-
de ao poder central em sua sede. Afirmava ainda o jornal a existência
de~ apoio "convencido e consciente da maioria enorme da popu-
laçao desta capit~l, de todas as classes conservadoras, que ora contri-
~uem sem proveito, nem vantagem para as despesas locais, de todos,
finalmente quantos conhecem e lamentam a incapacidade da adminis-
tração_ municipal para proporcionar à população numerosa da àdade
os mais elementares benefícios que aquela tem por missão realizar"-~

114
Encaminhada à Comissão de Justiça e Legislação para aprecia-
-0 a proposição terminou por ser bastante modificada. Na Comissão,
ça,
enceu a tese d e que o proJe ' os textos 1
' to fena . do pais.
ega1s ' Um novo
~exto foi elaborado com o objetivo de melhor se adequar ao texto cons-
titucional. Em linhas gerais, o substitutivo da Comissão propôs um
perfil para o Distrito Federal em que o regime municipal se tornaria
apenas uma formalidade jurídica. Para tanto, eliminou todos os artigos
do projeto anterior que extinguiam com o Conselho Municipal, mas
ao mesmo tempo esvaziou, política e administrativamente, o órgão,
transferindo grande parte de suas atribuições para o prefeito. 206
Como já vimos, no projeto original a figura do prefeito sofreu
grandes alterações. De chefe do Poder Executivo de um município
especial, foi transformado em alto funcionário do Executivo federal,
com amplas atribuições administrativas e com poder para modificar
inclusive toda a legislação referente ao Distrito Federal. Seus atos não
seriam examinados nem pelo Legislativo municipal e muito menos
pelo Senado Federal, que responde apenas pela aprovação do nome
indicado pelo presidente da República. Sem maiores peias legais ou
institucionais, a ampla liberdade do prefeito era contida apenas pela
sua relação de estrita confiança com o presidente da República que, a
qualquer momento, poderia demiti-lo ou mesmo mudar algum meca-
nismo legal relativo à capital.
Esta proposição não foi acompanhada in totum pelo substitutivo
da Comissão. A manutenção do regime municipal na capital, mesmo
que bastante esmaecido, significava que continuaria a existir um órgão
de representação que estaria sob a tutela político-administrativa do Se-
nado. Com isso, a Câmara Alta manteria algum poder no controle da
capital, o que não ocorreria se fosse aprovada a proposição original.
Em outras palavras, pode-se dizer que nos termos do substitutivo, o
Senado se manteria ativo no campo político carioca.
Com isso, não fazia sentido a criação daquela figura jurídica de
prefeito que expressava apenas o prolongamento do poder do presi-
dente da República na capital. A balança do poder deveria ser modifi-
cada, mas alguma partilha deveria continuar a existir. No substitutivo,
mantinha-se o perfil de um prefeito com poderes limitados por outros
órgãos, só que com mais iniciativa e atribuições. Por outro lado, para
ref~rçar o papel da Presidência da República naquele desenho insti-
tuci~nal, foi mantida a proposição do projeto original que permitia ao
presidente demitir ad nutum o prefeito da capital. Ficou ainda assegu-

115
-
rado um amplo poder aos Executivos municipal e federal para alterar
a legislação municipal.
O papel de vilão ficou com o Conselho Municipal. Caberia exclu-
sivamente ao prefeito a iniciativa de despesas, bem como a criação de
empregos municipais, o que necessariamente reduziria o poder dos
intendentes na formação e fortalecimento de suas clientelas. Dentro
deste mesmo espírito, propunha-se ainda um artigo que extinguia a
estabilidade dos funcionários municipais, com exceção dos membros
do magistério público cobertos pelo direito à vitaliciedade. A medida,
se aprovada, daria ampla liberdade para o governo demitir e remane-
jar funcionários, o que certamente abalaria o poderio dos intendentes.
Seria ainda criada a figura de um subprefeito que deveria ser nomeado
em conjunto com o titular do cargo. A este corresponderia a presidên-
cia do Conselho Municipal, o que representava uma inédita ingerência
do Executivo no órgão representativo municipal.
Manteve-se o princípio da inelegibilidade para os intendentes que
estavam naquele momento por concluir os seus mandatos. Propôs-se
também uma mudança na sistemática da apreciação dos vetos do pre-
feito que, em alguns casos, eram anteriormente examinados pelo pró-
prio Conselho Municipal. Na proposição apresentada, qualquer veto,
não importava a natureza do ato, deveria ser apreciado pelo Senado,
que só poderia derrubá-lo em uma votação em que dois terço dos seus
membros presentes fossem contrários à medida. Como se percebe, nes-
te artigo também o Senado reduziria o seu poder de gestão na admi-
nistração municipal.
Finalmente, propôs-se ainda uma nova mudança no sistema elei-
toral, extinguindo o sistema de turnos (adotado em 1894) e estabele-
cendo que o Distrito Federal formaria apenas uma circunscrição eleito-
ral em que o eleitor deveria votar apenas em dois terço dos nomes que
compunham o Conselho (15 membros). A alteração tinha por objetivo
terminar com aquele experimento que não produzira maiores mudan-
ças nas eleições da capital e adotar o sistema eleitoral do terço, que já
estava presente nas eleições federais. A provisoriedade de todas essas
mudanças era expressa no artigo 16º do substitutivo, que determinava
que na próxima legislatura o governo apresentaria ao Congresso infor-
mações sobre as medidas que achasse convenientes para a reorganiza-
ção do Distrito Municipal.
Apresentado ao Senado na sessão de 28 de novembro, o substitu-
tivo da Comissão teve tramitação urgente naquela Casa. Fruto de um

116
acordo entre as forças leais ao governo, foi logo encaminhado à Câ-
mara dos Deputados sem maiores alterações. O texto sofreria críticas
mais contundentes apenas de dois senadores cariocas: Lopes Trovão e
Tomas Delfino. O primeiro denunciou a medida corno de inspiração
oficial e, em tom de biague, chegou a afirmar: "É urna pilhéria esse
Distrito Federal. " 207
Já Tornas Delfino, fiel ao seu estilo mais controlado, procurou
apenas levantar alguns problemas relativos ao projeto. Abordou ini-
cialmente o tema da possibilidade de o prefeito ser demissível a qual-
quer momento pelo presidente da República, o que, em sua opinião,
representava um ataque ao prestígio e à digrúdade da corporação. Se
o Senado, afirmava, "tem função executiva para nomear, corno é que
perde para demitir?" Logo depois, examinou o artigo que impedia a
reeleição dos intendentes. Considerou "urna injustiça clamorosa, que
em todas as assembleias do Brasil, em todas as assembleias estaduais,
na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, todos os mandatários
cujo mandato finda podem ser reeleitos, e que não possam sê-lo tão so-
mente os membros do Conselho Municipal da capital". 208 No entanto,
sem maior respaldo no Plenário, as teses de Delfino caíram no vazio.
O substitutivo foi enviado à Câmara dos Deputados num momen-
to em que o terna da reordenação política do Distrito Federal já estava
em pauta naquela Casa, em razão das proposições apresentadas nesse
sentido pelos deputados cariocas Augusto de Vasconcelos e Sá Freire,
ambos próceres das zonais rurais da capital. Vasconcelos e Freire su-
geriam em seu projeto o estabelecimento de regras mais bem definidas
na organização das eleições municipais com vistas a reduzir a fraude.
Propunham ainda a ampliação do número de intendentes de 15 para
27, o direito à reeleição, além de um papel mais ativo para o Conselho
Municipal na apreciação dos vetos do prefeito. Finalmente, sugeriam a
transferência, para a municipalidade, dos impostos de indústrias, pro-
fissões e transmissão de propriedade, que ainda continuavam sendo
absorvidos pela União. 209
Não é difícil verificar o quão distante estava o projeto Vasconce-
los/Freire da proposição aprovada pelo Senado. Com inteligência, os
deputados cariocas perceberam a necessidade de dar urna resposta ao
problema das fraudes e da imoralidade, que chamavam a atenção nos
meios políticos. Para tanto, sugeriam mudanças no viciado sistema de
alistamento eleitoral, além de fortalecer o papel dos pretores na apura-
ção e no julgamento de fraudes. Por outro lado, propunham consolidar

117
. .ci ai da capital, seja pela entrada de novos recursos fis-
0 ~egu~e murulf pt 1 cimento político do Conselho Municipal.
aIS seJa pe o or a e . -
e ' ' ltun
' ponto a divergência com a proposiçao senatorial
Nesse u . o ' d' - ., -
.
era mcontomave1.
, o que estava agora em iscussao Jª nao era mais
. - A C'
nstitucionalidade das proposiçoes. amara esta-
o probl ema da Co . . d
. t de uma decisão política. E, diferentemente o que ocorrera
va d1an e . . . - d maior · ld
quatro anos antes, quando a mstitwçao eu _ .. respa o aos gru-
pos políticos cariocas, naquele momento nao f01 isso o que ocorreu. A
Comissão de Justiça e Legislação acolheu, com pequenas alterações, 0
texto senatorial, e esta posição acabou por ser acompanhada pela gran-
de maioria dos parlamentares daquela Casa.
Na Câmara dos Deputados os debates sobre a reorganização po-
lítica do Distrito Federal tiveram um conteúdo político mais explícito
e bem distinto do tom grave e de corte eminentemente jurídico dos
pronunciamentos dos senadores. Isso não era novidade e certamen-
te estava ligado à sua natureza mais diversificada e, em geral, menos
comprometida com a orientação do governo federal, pelo menos até
aquele momento. O tema em discussão também propiciava uma rea-
ção mais incisiva por parte de alguns parlamentares, pois tratava-se,
afinal, de uma alteração política importante na capital do país que, até
aquele momento, era identificada pela maioria da Câmara dos Depu-
tados como uma unidade federativa semelhante aos demais estados.
A maior parte da bancada carioca reagiu negativamente ao texto
senatorial. Liderados pelo prócer do PRF local, o florianista moderado
Xav_i~r da Silve!ra, parlamentares de diferentes tendências políticas se
po~1C10naram firmemente contrários à reforma. Para o deputado Ti-
mot~o da C?sta, _e~•presidente do Clube Tiradentes e ex-jacobino, a
medi~a er~ u:iaceitavel, pois feria a autonomia municipal consagrada
na Lei Orgaruca. Em um pronunciamento duro e direto, brandiu como
um c?mbatente do regime republicano: "Sou um florianista radical,
um dmamiteiro'"
. · ·210 Augusto de Vasconcelos por seu turno, nao - via·
sentido naquela "tempestade contra o governo ' municipal". Defend'ia
o Conselho Municipal e a poss1'b'l'd 1 1 ade d e aquela Casa examinar
· os
vetos do prefeito ·211 Nª banca da, o uruco, . parlamentar a se pronunciar •
favoravelmente a . . •
tal f01. Hered'1a deuma S,
maior intervenção do governo federal na cap1•
· t
lid a, um antigo opositor do PRF local e importan e
erança prudentísta no Distrito Federal
As teses da maio · d b · ·d
pelo deputad 0 fl . na ª, ~ncada carioca foram corroboradas am a
ununense Enco Coelho que, na sessão do dia 19 de de-

118
zernbro de 1898, resolve~ se pronunciar e politizar a u _
Coelho, o que se pretendia era q estao. Segundo
"desmontar uma máquina eleitoral e montar tr
ou a, com os mesm
apare1hos es tr aga d os . (... ) A verdade porém , nh . os
d 'f , , e, se or Presidente
que a camp anh d
a e • i amação que se tem feito nao- so, aos eleitos
. do'
.
Conse1h, odd e lndten d encia,
. como
. também aos ele , • , .
g1ve1s para o prox1-
mo peno o, e emais ao eleitorado . municipal em 1 • .
· sua co etiv1dade,
me f az 1emb rar a campanha de difamação que sem PRF
por. ocasião do atentado de novembro, que ainda hºoi~eeduep ªº1oramos.(... )
Atirou-se ano passado ao PRF, nas vésperas da eleição à Pre ·d· ·
d a Repu'bl'ica, a pech a de assassinato, a fim de dispersar perse s1 enc1a
·
. 'd f '
exterrrunar este p~rti o, orte com a metade da representação nacio- gwr,
nal. Neste ano, atira-se ao mesmo PRF, forte neste distrito, a pecha
de desonestidade na pessoa coletiva do Conselho de Intendência
a fim de arruiná-lo no conceito público em vésperas de eleição, e
prefeito, ou melhor, o preposto do governo da União, levar a bom
êxito empreitada eleitoral do seu jeito". 212
De nada adiantaram, no entanto, as denúncias daquele florianista
de grande prestígio na Câmara dos Deputados. Como bem afirmou
o deputado paulista Moreira da Silva, o momento era "de transação
franca com as circunstâncias, de modo a deixar livre a ação do poder
público na organização da administração municipal" .213 Por bem per-
ceber isso, Xavier da Silveira, em nome da bancada carioca, resolveu
apoiar algumas emendas ao projeto senatorial que preservavam a ma-
nutenção de algum espaço político ao Conselho Municipal na ordena-
ção do novo Distrito Federal. Entre elas, a que extinguia a figura do
subprefeito e a que suprimia alguns artigos que davam total_Poder ao
prefeito e ao presidente da República para demitir funcionários e alte-
rar de cima a baixo a organização municipal da capital. . .
Para que aquela discussão chegasse a seu termo, o pro1eto modi-
fi cado pela Câmara terminou por ser aprova d o rapi·d amente pelo Se-
nado. Foi sancionado no dia 23 de dezembro pelo presidente Campos
Sales (Decreto 543). f que o con-
Em um breve balanço de tudo isso, pode-se ª m_nar t t do
J•un_t o_mstitucional
· · · • 1 · 1 - estava distante an
cnado pela nova egis aça 0 . Severino Vieira.
°
definido pela Lei Orgânica de 1892 como do proJeto - vetou 0
M · , • E ecutivo (que nao
ais uma vez os leo-isladores e o propno x sição
t ' 0 - urna certa compo
exto aprovado pelo Congresso) optaram por _ f 01• a nova rela-
política e pela provisoriedade. A principal alteraçao

119
ção estabelecida entre os Poderes Executivo e Legislativo rn ..
Aquele ganhou maior liberdade de atuação frente ao Co ~~1Pais.
mesmo tempo em que passou a exercer um maior . controle nse1.1
b 10, ao
· · · Esvazia
nanças e orçamento murucipais. · d o em grande parteso d re as f1-
. · 1 con tin
der O LePislativo murucipa ' uana • a d e lºb
i erar sobre oseupo-
sem, no entanto,

poder aumentar despesas e criar emprego OOrçallle
D nto
à intervençao da Camara os eputa os, que emendou pr . evict0
' - d D d s.
Senado, o pref eito
. nao- po d ena . d erru.ti.r a1eatonamente
. fun
O OJeto
. , .do
. .
municipais, o que de certa maneira garantia a manutenção no c1onanos.
municipal de cliente1as li gad as aos mten
. d entes. Em suma: e serviço 1h
teve preservad os os espaços Jª ., conqwsta. d os, mas foi barrado0 onse
0
poder de expansao _ sob re a maquina
, . murucipa .. . oseu
1
Mais uma vez, foram mudadas as regras das eleições ffiunici .
. vez consecu ti"va, expenmen
. t ava-se um novo sistema pais.
Pela terceira
toral, agora definido pelo sistema de lista incompleta. Em geral~
1 ._

si_stema era adotad~ pa~a assegur~ a representação_ das minorias pre-


;~!
~ista no texto consti~cional. Possivelmente, a medida tinha por obje-
tivo conter a expansao do PRF local para, dessa forma, abrir um certo
espaço para forças políticas mais próximas do governo que emergiram
com certa força na capital a partir da débâcle de novembro de 1897. Daí
também a manutenção do estatuto da inelegibilidade dos intendentes,
tão criticada pelo senador Tomas Delfina, líder-mor do PRF carioca.
Em certo sentido, a reforma política já daria resultados práticos em
janeiro do ano seguinte quando, nas eleições municipais, o PRF aca-
bou por ceder algumas cadeiras para uma força política leal a Campos
Sales: o Partido Republicano do Distrito Federal (PROF), chefiado pelo
ex-prefeito Barata Ribeiro.
Pela natureza do projeto Severino Vieira, tudo leva a crer que o
governo federal não tinha o menor interesse em entrar no varejo do
jogo político, disputando espaços com os grupos locais a cada nov?
momento eleitoral. Devido às barreiras congressuais, pelas razões aCJ-
ma mencionadas, o governo foi obrigado a recuar parcialmente em
seus objetivos originais, o que resultou na manutenção de uma es:-
tura partilhada de poder, ainda que marcada por um novo dese 0
institucional.
N . _ da re forma no Congressrno0,
o acompanhamento da tramitaçao
percebe-se nitidamente que um dos principais objetivos do go~: e à
era assegurar maior liberdade de ação no que se refere ao co~tro enos
administração da capital. Para isto, ele procurou preservar pe O m

120
dois pontos do projeto ori~al: o que permi_H~ a demissão do prefeito a
ualquer momento e o que fixava para a prox1ma Iegislatur
q d · · - • . a uma nova
reforma na a rrurustraçao muruc1pa1 do Distrito Federal. Em outras
alavras, o que , . se pretendeu naquele
f . momento foi testar uma nova
P
estrutura po11tica em que o pre eito era.ª cabeça da administração mu-
nicipal, ao me_smo temp~ em que se deixava aberta a possibilidade de
finalmente se introduzir m totum o modelo de capital norte-americano.
Tudo isso resultou em algo mais do que urna reforma de ocasião
criada apenas para a eleição de candidatos fiéis ao governo, ou mesmo
para substitujr a máquina política do PRF por outra, como denunciou
0 deputado Erico Coelho. O que estava sendo implementado a partir
daquele momento era uma incisiva neutralização política da capital, ex-
pressa especialmente no já referido esvaziamento do Conselho Mu-
nicipal e ainda no controle presidencial sobre o prefeito que, sem um
mandato definido, não reunia condições para liderar as forças polí-
ticas locais, uma vez que ficava muito exposto às injunções políticas
federais. Enfim, naquela estrutura de poder extremamente partilhada
e sem um claro centro político de gravidade, introduzia-se na capital
federal, pelo menos em parte, o que o senador Leopoldo Bulhões bem
denominou de "ensaio americano".
Este enredo, como vimos, contou com a importante colaboração
das duas Casas do Congresso. Novamente, coube ao Senado a iniciati-
va no sentido de dar uma nova forma político-administrativa à capital.
Tomando por princípio básico da reforma a necessidade de garantir
maior flexibilidade ao Executivo federal no controle da capital, a ins-
tituição cedeu em um ponto importante ao modificar a sistemática ?.e
apreciação dos vetos do prefeito. Vejamos melhor esse ponto especifi-
co da reforma. A medida estabeleceu que todos os vetos, de qu~lquer
natureza (constitucional ou meramente administrativa), passanam ª
s~r apreciados apenas pelo Senado, sem qualquer anu_ência do Legisla-
tivo municipal. Ao mesmo tempo, elevou-se para dois terço O quo:ur11
necessário para a aprovação dos vetos. Inegavelmente, a nova legisl~-
- garantia uma ampla margem de manobra ao prefei·t0 , q ue a partir
çao
de então teria uma enorme possibilidade de ver seus vetos ªfr_ovados.
p . t S verino V1e1ra, e ao
or outro lado ao não concordar com o proie O e _
m t . ' . . . s
an er o regime rnun1c1pal na capital, o ena O n
d ão abriu mao tam-
. . . - tu-
b'em d e continuar a exercer seu papel constituciona
· · 1de mstitu1çao 1
telar d a a d rrurustração
• . . . 1. C om o te mpo, no entanto, este pape
mun1c1pa t
se d • . t partes deste tex o.
re uz1na ainda mais, como veremos em ou ras

121
0 princípio acima referido também orientou os trabalhos da ,
ra dos Deputados. Naquela Casa, os deputados trataram de s _C~rna.
.
projeto senatorial apenas os artigos que d eixavarn
. a capital intupnilli
. r do
vulnerável à intervenção do Poder Executivo federal e/ ou eu-~~nte
a qualquer temp~- Dif:re~teme,~te do que_ o~orr_era em 189~~cipaJ,
era bem maior a influencia política das pnnc1pais lideranças q _ando
nos debates ficou patente tanto o 1so . 1amento d as forças que canoca t' _s,
giravam em tomo de Glicério, aí incluído o PRF local, como ; l/~t~o
acentuado da aceitação das teses que p:opugnavarn a possibilida~º
existência de um poder local forte e autonomo na capital federal e da
Para as principais forças políticas daquelas duas Casas O m ·
agora era de "franca compos1çao · - com as crrcunstancias"
· ' p0 mento
nas
' a1avras
igualmente francas de um deputado federal. O fracionamento d PRF
e o fracasso do radicalismo republicano resultaram em uma mu~
significativa no equihbrio do sistema político brasileiro. Em luga~:
um poder congressual, que se esfacelava em lutas de facções regi _
nais, ganharia força e iniciativa a ação de um outro polo aglutinado/a
Presidência da República. Dar liberdade à ação presidencial na sede do
governo era certamente reforçar essa tendência dominante e vitoriosa
nas eleições de março de 1898.
Quem melhor expressou essa tese foi o próprio Campos Sales que,
em seu manifesto eleitoral de outubro de 1897, ainda como candidato
defendeu a adoção, no país, de um regime verdadeiramente presiden~
cialista, em que o poder dos ministros deveria derivar não das forças
políticas, como no regime parlamentarista, mas da força imanente da
Presidência da República, por ele considerada a "suprema autorida-
de, em que reside constitucionalmente o critério que dirige, delibera e
aplica". 214 Dessa forma, a "noção de governo como corpo coletivo, cuja
ação resultasse da deliberação da maioria, era substituída pela de uma
ação singular nascida da própria e exclusiva inspiração do presidente,
livre de aceitar ou não, em relação aos negócios de cada pasta, o conse-
lho ou alvitre do ministro respectivo" .215 •

Com essas palavras, Sales ia além de uma mera defesa do p~esi?e~-


cialismo. Aproveitando-se do momento de crise, em que as pnnapais
forças políticas se digladiavam no Congresso, Sales definiu um norte
nao- apenas para a composição . d o seu rmrusteno,
. . , . mas também em sua_
relação com o Legislativo. Para ele no regime presidencialista, 0 Execut
. , . 1 t que es e,
tivo atua em uma esfera diversa da do Legislativo, de ta sor e
. . tf "216
no exercício das suas funções, "não governa, nem admirus ª ·

122

d
Desqualificada a pressão política do p 1
· ar amento
overno, Sal es d e terrrunou por onde se dari . em relação ao
g
•unto aos es ta os.d 211 D ,
a1 a sua defesa enf'ti d
ª a mterlocu - ,
çao política·
J • - a ca o fed r1 .
compromisso de nao alterar o artigo 6º da C ti . _ era s~o e seu
tervenção da União nas unidades federativas ºcns ~çao, relativo à in-
· omisso oqu 0 dº
dato prop unha era, segund o Renato Lessa um d ' can 1-
- lí . fi , 1
mo e o centrífugO
que as re1açoes po ticas cavam restritas aos estad 0 0 em
em uma desnacionalização da atividade política tr ~. . que resultava
II

. 'fi t · . _ . a 1c1onal e seus ri-


tuais espec1 cos, ais como e1e1çoes, vida partidária etc."218
A contraface desse modelo seria a definição de um d
· · tr · inf . po er central
como ente a d_nurus , ativo, . enso d e distante do 1·ogo polítiºco _partid,a-
rio. Sua fun çao precip_ua sena ebelar os problemas de natureza finan-
ceira. Tamanha era a unportância dada à tarefa, que Sales ao finaliz
. 1 fir , ar
seu m anifesto e 1,:Ito_ra , a mou _que ~uito_ terá feito pela República
11

o governo que nao fizer outra c01sa senao cmdar das suas finanças".219
Foram estas as principais diretrizes estabelecidas por Campos Sa-
les antes da posse. No governo, elas deveriam ser seguidas à risca, por
meio de um estilo duro e austero. Com propriedade, Sales afirmou
mais tarde em suas memórias que em nenhum momento fiz a política
II

dos acontecimentos, mas procurei subordinar os fatos à minha direção,


submetendo-os à influência das próprias convicções".220 Inegavelmen-
te, pode-se afirmar que estava em curso um projeto para a República.
Em relação à capital, porém, os caminhos da intervenção não foram
pouco tortuosos. É o que veremos a seguir.

2. A "política dos acontecimentos"


Aprovada a reforma política da capital, Campos Sales procurou
manter a iniciativa no sentido de exercer um maior contro~e sobreª
· Congresso fica paten-
sede do governo. Em suas mensagens anuais ao ' 'bli
- tema da segurança pu ca
te, por exemplo, a sua preocupaçao com O ulista Sam-
na capital federal. 221 Para tratar dessa q1;1~stão, : ~:f~;:te O Gover-
0

paio Ferraz, seu primo, ex-chefe de pohaa_da


no Provisório e ex-deputado federal pela oda e
O
l
Ri de Janeiro. Co-
no início da
. mbate aos capoeiras
nhecido na cidade pelo seu mtenso co ,, ou sua nova gestão
República,222 Ferraz, o "Cavanhaque de Aço 'ml~rcção indiscriminada
, - . nha contra a ap ica ..
ndo ohargao por uma m~en_sa campa ampliação dos poderes punitivos
o beas-corpus a cnmmosos e pe1a

123

a
da poua,, •a • Apesar dos protestos de setores liberais~' capitci~ -.... eact
dor Rw. Barbosa, a campanha teve consequencias e s Pelo
sena aça 0 . Alfr d . resu1t0
aprov -. , pelo Congresso, da Lei e o Pmto (de 24 de outubr 0 u na
1899) que, segundo Marc~s. Bretas, entre outras medidas, "atrib _o de
chefe e delegados de policia o poder de proc~ssar ex-officio di Uia a
contravenções, principalmente as referentes ao Jogo".22:i Versas0
Nomeado pelo presidente da República, o chefe de polí .
trito Federal era em geral um h ornem d os quadros da Justiça cia . , bdoh-l.J!S-
tabelecido na carreira . e com b oas con d"içoes - para alcançar p'Jat em. es-
altos na magistratura. Devena . tamb'em ter relações com n,;~, ososrn_• ais
Justiça, seu superior · d.ia t o. 224 C om b ase em um levant"~
· 1me O ··=ustro da

realizou Marcos Bretas d 1z . que "dos treze b a ehareis ,. que ex .......,,ento que
' 1889 e 1910, nove chegaram a mmistro
cargo entre . . do Supremo ercerain
T .b 0
nal Federal, sendo quatro nomeados durante o exercício da chefin u-
políaa.
· "m a de
Este perfil de magistrado se adequava à natureza de um
.
que, pela sua rmportanaa ~ - para a segurança d o poder central d cargo .
·
em tese ficar di stante d os emb a tes políti co-parti·d anos.
- · Isto não ' Sign.ifj.
evena
cou, no entanto, que o poder central, e mesmo as forças políticas lo .
abriram mão de se utilizar da polícia para atender aos seus inter cais,
políticos na capital. Em função da precariedade dos instrument~:s:
fiscalização
226
da Justiça Eleitoral, tão bem assinalada por Victor Nune:
Leal, não era incom~ .ª den~cia, nos j~m~is, de que delegados,
e mesmo227o chefe de pohc1a, exeraam pressao Junto aos eleitores nas
eleições.
Marcos Bretas nos mostra ainda que, pela precária instituàona-
lização do órgão, também os delegados eram substituídos quando se
processava a exoneração do chefe de polícia, o que inegavelmente abria
espaço para nomeações de natureza política. Sem acesso à indicação da
chefia de polícia, os grupos políticos locais buscavam influir na nome-
ação dos delegados das freguesias. Não é difícil imaginar o prestígio e
a força que significava, para um determinado político, a indicação de
um delegado para a sua freguesia. 228
Ao que tudo indica, a nomeação de Sampaio Ferraz foi mais uma
das escolhas pessoais de Campos Sales. Ele era um homem identifica·
do com o presidente e representava bem, naquele momento, a ordem
republicana. Muito provavelmente, o que interessava a Sales naquele
momento era menos o seu conhecimento técnico e mais a sua ener-
gia jacobina que, como vimos, terminou por obter resultados quase

124
que un. ediatos com a aprovação da , .Lei Alfredo
. . Pinto· Ao contrano
, • da
maioria dos outros chefes de polícia do D1stnto Federal, Ferraz utili-
zou O cargo como plataforma para a_sua re~leição para deputado fe-
deral em dezembro de 1899, c~m ap~10 presidencial. Em seu lugar, foi
indicado outro nome da confiança direta de Campos Sales e com um
perfil mais técnico:.º advog~~o Brasil Silvado, um estudioso dos siste-
mas policiais londrino e pansiense. 229
No que diz respeito à Prefeitura, Campos Sales optou pela indica-
ção de um políti~o exp~rie~te que _h~via c~m ele composto o Governo
Provisório: o procer mineiro Cesano Alvim. Alvim seria O primeiro
dos cinco prefeitos nomeados por Sales em sua administração. Esta
instabilidade se deveu, entre outras razões, aos enormes problemas de
natureza orçamentária vividos pela municipalidade carioca, que fo-
ram certamente agravados pela política financeira restritiva imposta
por Sales em seu governo.
Em razão da penúria dos cofres municipais, este foi o tema princi-
pal da primeira mensagem de Cesário Alvim ao Conselho Municipal.
Para ele, o problema era resultante dos gastos excessivos com pesso-
al, que decorriam do grande número de funcionários e da "conces-
são exagerada" de aposentadorias e benesses aos servidores munici-
pais, "cujas regalias têm sido aumentadas progressivamente a ponto
de tomarem-se vitalícias". Segundo Alvim, tudo aquilo não ocorrera
por acaso; era fruto "de uma obra exercida por aqueles que pensaram
em converter a municipalidade em instituto político (grifo nosso), como
uma feitoria de partidos pessoais".230
O recado de Alvim era direto: a responsabilidade da crise cabia
aos grupos políticos que até então haviam influído na Prefeitura e a
tinham levado à bancarrota. Este discurso se coadunava perfeitamente
tanto com a concepção presente nos meios políticos, de que o mal da
capital era a política, como com o novo figurino do prefeito estabeleci-
do pela nova legislação. Talvez, por isso, é que Alvim não tenha dado
ênfase, corno fizeram todos os seus antecessores, ao crônico problema
resultante da falta de melhor delimitação das rendas federais e muni-
cipais que, em geral, resultava em graves prejuízos à municipalidade.
Em razão de conflitos com o ministro da Justiça Epitácio Pessoa,
Alvim renunciou em janeiro de 1900.231 Em seu lugar'. foi nome~d~
º.advogado e político piauiense Antônio Coelho Rodngu~s, que im-
cialme~t~ continuaria a jogar nos ombros das gestões anten~res ares·
ponsab1hdade pela crise financeira que, segundo ele, decorria do fato

125
ois terço da receita municipal serviam apenas p
de que d . . d ara pa
.
fun c10na !ismo. Rodrigues assina1ou am a a necessidade d gar 0
fin . . . e novo
, ..:m s para equilibrar as anças muruc1pa1s.2J2 s ell).
presl..lil,o . _ fin . ,f .
Du .rante O ano, a s1tuaçao anceira so ez piorar, ape
R d . E sar das
did as de economia to~adas por o ngues. m setembro, ao a tne.
ta r ao Conselho Muniapal o orçamento para o ano seguinte Presen.
. tA . f
• s com todas as letras sua 1mpo enc1a rente à crise.
,oprefe·t
exp O . 0 seu dep1 .o
mento é significativo e chega a possuir um certo tom patético. V . 01-
. eiarnos.
"Enquanto os poderes locais esgotam a sua atividade 0 E
.
d e a uxili ares esco lhid ' Xecuti
Para cercear-se
. para rodear o prefeito
os por si e da su
. de subaltemos aa confianÇa;
vo
e O Legislativo
fiscais, ou mesmo a d versanos, , • m · d epend entes pela inamparentes bºli e
os poderes federais, excitados pelo desgoverno do municío . 1 dade,
descalabro de suas finanças, têm reduzido o prefeito a J;º e pelo
dependente e demissível ad nutum do governo federal e O C agente
Municipal a um par1amen to pos1. tiº vis . ta, impotente
. para faz onselho
b
1 ,
e quase somente para fazer o ma . Da1 a conservação de muit eroem
viços de natureza 1oca, 1 e como tais . c1ass ifiº cados na Lei Or os â ser-
.
ain d a v1gen,e, em po er a ruao, a mvasao constante dos podnica,
. • d d U . - . - g
·
federais , · 1 ·
nos negoaos ocais e, o que e, pior, .
com aplauso geraleres
quase geral, porque, em consciência, a sua administração tem ~tdu
melhor que a nossa. •m o

Seja qual for a razão que tenha levado Rodrigues a processar tal
análise, o fato é que ela nos mostra claramente a dolorosa transição
político-institucional por que passava a municipalidade. Após um pe-
ríodo em que a máquina da Prefeitura esteve praticamente à mercê de
forças políticas municipais, que procuraram, por meio da legislação,
privilegiar determinadas categorias do funcionalismo municipal como
forma de reservar clientelas, a partir de 1897 iniciou-se um processo
de retomada de posições pelo poder central em que se estabeleceu
uma estratégia de controle que objetivava esterilizar aquelas forças e
ao mesmo tempo reforçar a iniciativa do prefeito nomeado. O grande
problema era que o prefeito acabava também sendo arrastado naquele
jogo, uma vez que não possuía nem condições legais, nem apoio nos
meios políticos para promover mudanças em profundidade. Com isso,
pouco lhe restava a não ser reclamar e tentar administrar o déficit q~~,
segundo o mesmo Rodrigues, alcançou mais de 7.000 contos de reis
naquele ano de 1900. 234

126
Menos. de umad semana S ldepois da
. divulgaç-ao da mensagem R
drigues f01 exonera o por a es, que mdicou par , o-
ivil e político cearense João Felipe Pereira · Duªraºnctargo o engenheiro
e a sua curta
c
' (de setembro d ed1900
tão . a outubro de 1901)' Perei·ra so frena . tambémges-
constantes • liataques a imprensa
- denunciando
. a situa - .
çao msustentavel ,
do funciona smo, que nao 'd dpercebia. vencimentos havi·a d
cerca e onze
meses. Talvez pela grav1 a e da situação' Pereira teve mais · respa ld 0
olítico do que seu antecessor para
. _ d fun . , tomar medidas radicais d e re duçao
-
P
de gastos, como a d em1ssao e . cionarios e a suspensão na execução
de obras. Em. .alguns
. meses, Pereira conseguiria colocar ordem nas fi-
nanças municipais para vo1lar a pagar a contento os funcionários, além
de retomar algumas obras, entre elas o desmonte do Morro do Sena-
do.2.15 Esta recuperação em grande parte se relacionou à melhora das
finanças federais resultantes do duro programa de ajustamento pro-
movido pelo governo federal nos anos de 1899 e 1900.ll6
No segundo semestre de 1901, foi aprovada e lançada a candida-
tura oficial de Rodrigues Alves ao pleito presidencial do ano seguin-
te. Em tomo do eixo da sucessão, agrupavam-se (e reagrupavam-se)
as forças políticas. Era um momento decisivo em que se colocava em
questão a autoridade presidencial, que deveria ser capaz de conduzir o
processo sucessório. A dinâmica política ganhou fôlego e passou a in-
terferir com maior intensidade na condução daquele governo tão cioso
das questões financeiras e administrativas.
Foi nesse quadro que se processou uma nova alteração na Prefei-
tura. Em outubro, desgastado pelas críticas da imprensa e pelos emba-
tes com o Conselho Municipal, João Felipe Pereira deixou o cargo. Em
seu l1:1gar, foi nomeado um experimentado político do Distrito Federal:
o republicano histórico, jornalista, ex-intendente e ex-deputado federal
pelo PRF carioca, Xavier da Silveira. Muito provavelmente, a medida
teve relação com o apoio de Silveira e outros remanescentes do PRF à
237
candidatura presidencial de Rodrigues Alves.
Silveira ficou apenas um ano à frente da Prefeitura. Em sua curta
gestão, deixou de lado as acusações e lamentações e pôs em execução
um programa de governo centrado no combate aos problemas sanitá-
rios (que voltaram a se agravar naquele momento) e na implementação
de um programa de obras na cidade. Com essa agenda mais positiva,
38
obteve um maior reconhecimento por parte da imprensa.2-
A nomeação de um político como Silveira não significou, no en-
tanto, um retorno ao modelo anterior de administração, em que a Pre-

127
.... a era um instrumento do principal partido político da
feh.ir .
. capn
Corno veremos melhor, logo a segmr naque 1 e ano final da ad . . a1.
_ h . . . ,. muustr
- de Campos Sales nao avia mais um eixo pohtico local a-
çao d . nos rn 1
d es d o PRF dos tempos de Prudente
d
e Morais. Tomas Delfin X
o, avie
? ·
da Silveira e outros políticos e menor expressão eram memb r
una agremiação enfraqueci"d a pe1as d e fecçoes - em seus quadro ros de
- d l' .
redução do raio de açao os grupos po iticos 1ocais,
t . .
decorrentse pela
d
. . . ºd 1 es as
mudanças po~tic~-instituci~nais promo.:7i as pe reforma de _A
1898
maior dependenaa do prefeito em relaçao ao presidente da Repúbl·
, ~a
fundamento da mesma re f arma, tamb em representava um imp t '
. or an-
te freio nos conflitos que porventura pod enam ocorrer entre aquela
duas instâncias de poder. s
A nomeação de Silveira, porém, nos mostra também uma ce t
. ra
dificuldade que Sales teve em movrmentar-se naquele intricado i·o
,. . go
de forças que compunham o campo po1itico canoca. Em um primeiro
momento, Sales optou por uma estratégia de força em que procurou
jogar nos ombros dos grupos políticos locais, presentes no órgão de
representação municipal, a responsabilidade pela virtual falência da
municipalidade. Com a reforma de 1898, o governo chamou a si are-
solução do problema. Esta política de desgaste, no entanto, voltou-se
contra o próprio governo, uma vez que a crise persistiria ainda por um
bom tempo.
Sales também não teve um padrão muito claro na escolha dos
prefeitos da capital. 239 Após a saída de Cesário Alvim, um político de
grande prestígio e membro da poderosa bancada mineira, optou pela
nomeação de homens públicos com pouca expressão política nacional
que não se mostraram capazes, ou não tiveram condições de enfrentar
os graves problemas da municipalidade, de uma forma positiva para
o governo federal. Antônio Coelho Rodrigues e José Felipe Pereira fo-
ram alvos fáceis para a imprensa oposicionista.
Com a nomeação de Xavier da Silveira, Campos Sales co~oca-
va termo temporariamente àquela estratégia de pressão e conflito e
buscava cooptar parte dos grupos políticos locais. Afinal, chegara 0
momento do voto: estavam em curso as campanhas para o Conselho
Municipal da capital, com eleição marcada para o final de dezembt
daquele mesmo ano, e para a Presidência da República, em março 0
ano seguinte. d ·
.
N o pl~i~o . . , 0 01s
murucipal, esta nova postura esteve ª. P;~va. 5PRDF
grupos políticos organizados na capital, o PRF de Ghceno e 0

128
de Barata Ribeiro e Irineu Machado lança h
maioria dos votos. As den(mcias de , frauderambc. apas e d'1v1'd•iram a
. . . . d a capita. 1, o que fez com q co riram as páPi o-nas dos
Principais. 1oma1s
. F d I ue o tema da reo .
ção do D1stnto e era voltasse à pauta políti S rg:iru~a-
. · · ·
de jornais opos1c10rustas como o Correio da Ma - ca. egimdo denun cias
1
°
atuou no pleito cabalando votos para O PRF po; _1ª g~~~mo federal
to e do chefe de polícia Muniz Barreto.240 ' m1erme 10 do prefei-
Em meio à grita geral da imprensa os pretores co
. _ .' meçaram a apu-
rar os votos. Pe1a nova leg1slaçao elelloral1 a capital e d' 'd 'd
• • • • ra 1v1 1 a em
três distritos. No pnme1ro deles, os resultados colhidos assegur
. , . d d'd t , . d avam a
v1tona os c~ 1 a os proxm:ios. o governo federal. O problema esta-
va na apur~çao do se~d~ d1stx:110, em que a disputa foi mais acirrada
e eram maiores as denuncias de irregularidades e as chances de vitó ·
dos candidatos oposicionistas. Para resolver a questão, Sales prom:~
veu reuniões com lideranças locais que contaram com a presença de
T~mas Delfino, A ugus~o -~e Vasconcelos e ~u tros. Na mesa de negocia-
çao estavam duas possibilidades: uma partilha de cadeiras no segimdo
distrito ou a anulação do pleito, medida essa defendida com virulência
pelo Correio da Manhã. 241 Uma outra opção ainda era a sugerida, sem
rodeios, pelo diário carioca O Paiz: a diplomação, pelos pretores, de
toda a chapa do PRF em detrimento da oposição.242
Sem possibilidade de acordo, Campos Sales pressionou para que
parte dos pretores interrompesse a apuração dos votos, o que abriu
uma brecha legal para a anulação de todo o pleito. 243 Com a medida,
foram prorrogados os mandatos dos intendentes até a realização de
novas eleições. No ato da anulação, Sales fez coro com a imprensa na
defesa da tese de que era preciso reformular em profundidade a es-
trutura política do Distrito Federal e, mais uma vez, jogou nos ombros
dos grupos políticos locais a responsabilidade pelas irregularidades
nas eleições.
Como se percebe, Sales jogou em duas frentes. Ao mesmo tempo
em que procurou reforçar a posição político-partidária de seu~ alia-
dos preferenciais na capital, naquele caso o PRF, trabalhou ta~bem no
sentido de aproveitar o clima de inconformidade de ,fart~ _da Jmp;,ensa
para reiterar a necessidade de colocar um basta na politicagem que
continuava a grassar na capital federal. Entre contribuir para a cons-
tituição de um eixo político local forte e oficial na capital, com ampla
maioria no Conselho Municipal ou colocar-se novamente como uma
.
autoridade preocupada com a ordem ' e a mora lid a d e pu'blicas' Sales

1 l 129
_ . taneJ·ou. A anulação do pleito municipal servia p
11.lopes . d ara ref
=
sua 1.mag"•· n de admirustra or que seco . 1ocava acima d e tu do orçar a
N cle m omento segundo o Correio da Manhã, Sales ~L aquu
aqua , "-11egou • .
ve a uen tar a possibilidade de estabelecer uma Junta G
ovem r ln.c:lusi-
0

a 1va, a
V
exemplo do que ocorrera recen temente em_ Buenos Aires.
244
Esta postura ambígua de Sales, bem distante da do ad:rniaj
que manteve a fe~ro e ~ogo ,º s~u pro?r~a de estabilização f;tract~r
ra pode ser creditada a propna ambigUidade da capital él_nc:e1-
b;asileira que, como temos visto, se constituiu por meio d:epublic:ana
político, sucessivamente alterado, que compatibilizava p~;c:_orcto
O
soberania do poder central em sua sede com a manutenção d P10 da
me de garantias municipais. Pode também ser examinada so; ;:in
~egi.
da análise de Renato Lessa que, ao analisar o "Modelo Camp Ptism.a
distinguiu seus valores altrwstas , (representativos da admini os 8ale ~, "
da coisa pública) dos seus procedimentos egoístas (próprios d Slraçao
reza da política). Nesse sentido, o mesmo Sales que, por inte ª n~d~-
lí · d
da "po tica os estad os " , h avia
· d esnaciona
· 1·izado o conflito prm.e Üti 10
remetendo-o para o interior dos estados, naquele momento sue:~~~'
temporariamente às paixões da política para logo depois recompo _1u
com a sua estrategia, . d e reservar a capita . 1 como espaço virtuoso da rse ad-
ministração federal. 245
Este jogo ambíguo em relação à política local expressou-se tam-
bém em outras ocasiões. Voltemos um pouco no tempo e tratemos de
nos concentrar no exame de sua estratégia relativa ao processo de reco-
nhecimento das bancadas cariocas nas eleições federais de 1899.
Não há necessidade aqui de nos determos na estratégia global do
governo para aquele pleito. Como a historiografia sobejamente já de-
monstrou, as eleições federais de 1899 constituíram o ponto de partida
da "política dos estados". Por meio da mudança no regimento da Câ-
mara dos Deputados, Sales preparou o terreno com cuidado para que
o resultado daquele pleito significasse uma importante recomposiç~o
no sistema político brasileiro que, a partir daquele momento, deveria
ser orientado cada vez mais pelo pressuposto de que, nas palavras ?e
Faoro, "a legitimidade não provinha das formalidades eleitorais e sun
dos ordenadores dos votos, reunidos os seus poderes na pessoa do
govemador". 246 o
E na capital? Quem deteria este papel de ordenador do ; _oto.lo- 7

, · pres1'd ente d a Republica?


propno ' · O pre feito
· ?. O s par ti'dos pohticossou
. fi eis
cais , . ao governo? Ao que tudo indica,
. mais. uma v ez se proces

130
Ji7l.
um certo entendimento entre as forças locais e O poder central. Trate-
rnos de ver os termos deste acordo e suas novas bases.
Para os partidos cariocas, a situação política era delicada. Desde
97, PRF, principal eixo partidário carioca, perdera substância polí-
18 0
tica tanto pelas inúmeras defecções internas, como pelo quadro nacio-
nal de dissolução partidária, que chegou a levar de roldão, inclusive,
pRF nacional. Durante a administração de Campos Sales, parte dos
remanescentes
0
do PRF carioca se manteve unido em tomo da liderança
de Tomas Delfino, que imprimiu uma linha política, procurando conci-
liar apoio ao governo federal com a defesa da autonomia municipal.
O
O recuo do PRF abriu caminho para que certas lideranças políticas
cariocas que até aquele momento atuavam secundariamente tratassem
de ocupar de forma mais agressiva o espaço político. Foi o caso, por
exemplo, do deputado federal Heredia de Sá que, durante os anos de
1898 e 1899, tentou viabilizar a criação da seção do Partido Republica-
no (PR) na capital. Sem o bafejo oficial, aquela agremiação vinculada à
herança do prudentismo acabou por sucumbir.
Melhor sorte teve o ex-prefeito Barata Ribeiro que, desde o início
do governo de Campos Sales, se apresentou como uma alternativa po-
lítica mais viável na luta contra o predomínio do PRF. A prova disso
foi a boa performance do seu grupo nas eleições municipais de 1899,
quando conseguiu dividir com aquele partido as cadeiras do Conse-
lho. Por intermédio da ação de setores do governo federal, Ribeiro ob-
teve ao longo daquele ano a adesão de três importantes lideranças que
até então possuíam laços políticos com o PRF: os próceres rurais Au-
gusto de Vasconcelos e Sá Freire e o tribuno de algumas áreas urbanas
Irineu Machado. Dessa maneira, conseguiu quebrar a unidade política
das zonas rurais cariocas, chamadas pela imprensa de triângulo, que
representavam a principal base de sustentação do PRF na capital. Para
completar aquele quadro, Barata Ribeiro foi instado a concorrer a uma
cadeira no Senado para abrir frente contra o candidato do PRF, o de-
putado Xavier da Silveira. 247
Como nos relata Dunshee de Abranches em sua detalhada crôni-
ca sobre aquele pleito, todas aquelas démarches desenvolvidas na capi-
ta~ foram capitaneadas pelo ministro da Viação, Severino Vieira, com
intuito de enfraquecer tanto quanto possível o poder da chamada
oncentração na sede do governo e nos demais estados brasileiros. A
Cnaoncentraçã
. 0 era f armada pelos remanescentes do PRF nacional
. que,
cnse política de 1897, haviam ficado ao lado de Francisco Glicério.
131
-
um acerto de contas entre antigos glicerist
de
Tratava-se, Portanto, PRF carioca era am . d a iºd entiºfi ca d o com gt·as e
O
. t s Como o d . 1 ice-
prudenhs ·a · rno central trataram e estimu ar o aparecim
tOres do gove , . - en-
rismo, se . pudessem fazer frente a agremiaçao liderada po
to de alternahvas que r
D lfi o 248
Tomas e dn · quadro instável e profundamente modificado em
Diante aque1e d ,
. . d O oder central atuavam com esenvoltura no apoio
qu e muustros
. d P · dºf' il
didatos, tomou-se mmto i ic para os grupos lo-
a determina
.
os can lançamento de roam·testos pol'iticos . e a formação
cais promoverem 0 d. .
tas por candidatos para os tres istritos da capital
A

de chapas comp Os . . ·
. a campanha eleitoral terminou por se pautar rnmto mais
Com isso, _ ºd, · 249
ela atomização do que pela açao parti ana. .
p p das as eleições, começou a batalha do reconhecimento. Como
assa Sal . , h . fi
já nos referimos mais de um vez, Campos es Jª avi~ xado diretri-
zes claras para a constituição do novo Con~esso~ C~bia agora aos go-
vernadores dos estados tratar de exercer sua influencia. No fragmenta-
do campo político da capital, Sales interveio d~etarne~te ~a escolha de
Barata Ribeiro para o Senado em lugar de Xavier da Silveua. Segundo
alguns autores, a escolha deveu-se a motivos de natureza pessoal, uma
vez que Ribeiro era seu "médico, amigo e parente espiritual". 250
Exatamente por isso, a medida revestiu-se de forte conteúdo po-
lítico. Para as facções que disputavam a liderança no Congresso, a es-
colha de Ribeiro naqueles moldes, segundo Abranches, era uma prova
inequívoca de onipotência presidencial: Sales, mais uma vez, mostra-
va que não estava interessado em opções partidárias.251 Para o campo
político local, tratava-se também de uma nova sinalização explícita de
autoridade.
Quanto à composição da bancada carioca na Câmara dos Depu-
tados'. não há elementos seguros na documentação que comprovem
~a mtervenção direta de Campos Sales, com as mesmas caracterís-
ticas _d~ q~e realizou no resultado do pleito senatorial. Alguns jornais
oposic10ru stas, capitaneados pelo Cidade do Rio, acompanharam aquele
pr~cesso durante os meses de maio e junho de 1900 e denunciaram
ms1stentemente
_ as manob ras goverrustas.
• O problema era que na e·a-
mara. nao estava ape nas em Jogo · uma vaga, como no Senado. Eram d ez
d
1ca eiras
d que deveriam ser dº1str1ºb wdas , pela Comissão de Venficaçao, .. -
evan o em conta - .
quele momento, no nao apenas a palavra presidencial. Como vimos, na-
campo l'ti· . · ou
separadame t f P? 1 co carioca ah1avam em con1unto, .
n e, orças federais e locais com diferentes níveis de capital

132
olítico. Muito
, . provavelmente
, . o que se produziu foi resu 1ta d o d e um
P
acordo po1it1co prev10 entre, senão todas, pelo rneno . . .
ças pçilíticas envolvidas no pleito. s as principais for-
E o . que mostra. com nitidez . o resultado do processo d e
reconhecunento. · Obtiveram
fi · 1 ( cadeiras na Câmara tanto cand'd 1 atos
avulsos com ap010 o eia corno . o ex-chefe
. . . de polícia Sampa1·0 Ferraz, )
como representantes dos . dms pnnc1pa1s grupos políticos cari ocas,
liderados por Barata Rib e1ro e Tornas Delfino, que dividiram entre ·
// . gul // o SI
as áreas d o tnan o . grupo prudentista também acabou sendo
A

atendido por meio do reconhecimento de Heredia de Sá. Quem ficou


de fora foi a facção florianista mais radical em razão da exclusão do
deputado, e ex-presidente do Clube Tiradentes, Timóteo da Costa. Em
geral, constituiu-se urna bancada experiente (composta de ex-inten-
dentes e deputados) e de cunho governista, o que não fugiu muito das
características do quadro político pré-eleitoral, em que as principais
lideranças e grupos políticos já se haviam aproximado do governo.
Naquelas eleições, Barata Ribeiro credenciou-se como o principal in-
terlocutor político do poder central na capital em detrimento de Tomas
Delfina que, durante muitos anos, exerceu aquela função combinada à
chefia partidária.
Dois anos depois, a situação se inverteria: o PRF de Delfina era
escolhido por setores do poder central para fazer frente nas eleições
municipais à liderança de Barata Ribeiro que, da tribuna do Senado,
denunciava as manobras governistas e a intervenção do governo fede-
ral na política e nas finanças do Distrito Federal. Xavier da Silveira, o
mesmo que havia sido derrotado por Ribeiro, exercia naquele momen-
to a Prefeitura municipal.
Neste intricado jogo de inversões, de idas e vindas e de contradi-
ções, percebe-se pelo menos urna coisa bem clara: Campos Sales pode
ter ordenado o voto para a formação da bancada da capital nas eleições
federais, mas não ordenou o campo político carioca. Em geral, atuou em
relação à capital conforme as circunstâncias e fez nitidamente o que
mais tarde renegaria: a "política dos acontecimentos". Ao que tudo
indica, sua orientação política geral foi no sentido de abrir ao máximo
o campo político para melhor dirigi-lo.
Inegavelmente, a aposta era de alto risco, pois abria espaço para
urna luta encarniçada pelo poder, em que estiveram envolvidos mem-
bros do próprio ministério e diferentes forças federais e locais. Esta
verdadeira saturação de atores se dava sem urna clara mediação política.

133
1de mediador era realizado pelo Partid R
Nos estados, ess~ papde governador. Na capital, essa função ºp dep~.
b svIB~S o d "d . o en a
blicano so ª hada pelo delega o pres1 enc1al, ou seja
em tese ser desempen imos não teve condições de realizá-la a ' 0 Pre.
ste como v , l' . A . conten
fei to, mas e ' me instabilidade po 1tica. s principais líder ·
razão da enor b, , anças
to, em 'd , . cariocas tam em procuraram exerce-la e at,
arti anos f , 1 , e em
e grupos P ntos chegaram a aze- o, mas também acab
deter minados mame "d' . S
d ça·o errática da pres1 encia. em maiores a t
aram
d pela con u n epa.
traga os . a também por se desgastar a cada mudança na
ros, Sales ter~turª\ e a cada novo embate eleitoral. con.
dução da Prerei f .
Oresult ado d e tudo isso certamente
_ 01 o agravamento do confi•Ito
, . 5em um eixo de sustentaçao
oütico. . como. nos tempos de predorn·UUo .
P
do PRF, as forças políticas locais se esvaziaran:i, e o que restou foi nada
rnwto . a1em, do que uma disputa , . de algumas . dlideranças
, pela manuten-
ção da sua sobrevivência política por meio e metadas variados que
passaram quase sempre pela frau~e. . . . .
Foi nesse contexto que se realizou o pleito muruc1pal de Janeiro de
1902, que acabou por ser anulado por <:ampo_s Sale~ .. Com a medida,
Sales de certa maneira, retomava a onentaçao pohtica do início do
ª,
seu ;ovemo, quando_ in~tou Severino Vieira ~odificar radicalmente
a vida política do Distnto Federal. Em sua últim~ mensagem anual
ao Congresso, relatou em detalhes aqueles ac?ntecimentos relativos à
anulação e, mais uma vez, defendeu a necessidade de promover com
urgência a alteração do estatuto político da capital, com vistas a termi-
nar com a politicagem na sede do govemo. 252
Como se percebe, durante a gestão de Campos Sales o processo
de institucionalização política da capital federal sofreu profundas al-
terações. Nenhuma das principais instituições políticas do Distrito Fe-
deral foi poupada. Restava um Conselho Municipal enfraquecido, um
prefeito demissível a qualquer momento e partidos políticos em de-
composição. Naquele quadro, as proposições políticas que defendiam
a moralização das práticas políticas por intermédio do fim do regime
municipal na capital faziam muito sentido.

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