Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Bibliografia.
ISBN 85·308•0724•3
31 Edtção
2008
PREFÁCJQ 9
Daniel l.in 'í
27
Sobre-si 0 ..... ......................... .. . ............................... ...................... . 27
D01ní11io do c:or 0 ....... .. ... .. ... ... . .......... .. .............. .... ... .. .. .. . .... .. .. .. .. .......... ....... .. .. .. . 30
O tra11sexualisn10 ou o ora do se.,·o ..................................................................... 32
1'v/arcas corporais ........·········..................................········ ·········· ··· ····· ···················· 34
Bod buildin ....•••••..• •...... •.. ......•. .....••.• ... .•................. ....•..... ..•..... •.......• .. ............. 40
Bo<.I art ................................................................................................................ 44
O c·o,·po pa,-ceiro ......................... .................................. ~ ....... .. ................ ............ . 52
84
A i11 venç<io do e,,-, br1ao ....... ...... ..... .... ..... ......... ..... ......................... .. ... ......... ......... .
O exa,nedea tidão ara a vida .. .... ... ..•••....•.....••.•..••.•....... .....................•.... .. ..... 86
ºd . . · .r. . , , .
1re1 to ao 111;a1111c,a10 ........ .. ............ ... ..... ..... .. ..... ....................................... ...... . 96
I1t1possí ,,el decidir ........... .... ..... .. ............. ............... ......... ........... ...... .. ...... .. .. ..... ... . 97
BfBLJQGRAFJA • • ••• • ••••••••1•• • ••1 • • •:t ••••1t t ••• t •:11 11t • ttltfttlt11111t•••••••••••••••••e11111e11eeetttte1ette11 227
M ena e s aut s
.PREFÁCIO
Daniel Lin.s·
* Sociólogo, filósofo e psicanalista. A utor, entre ourros, de Aruonin I\Nautl: O arresfi.Q do corpo
sern 6rg0os. 31 ed. Rio de Janeiro: Relu,ne Dumará, 2002.
Adeus ao oorpo 9
10 Papirus Editora
Material con1 d1re1tos autorais
sexo sen1 corpo, exo f~tntasn1ático, torn.a- e o "'bom" sexo, o em-sexo,
o sexo reí ! Não é por acaso, come11ta Le Breton, que "para algu.ns
expoentes da cíbercultt1ra.americana~ a sexltalidade é algo superado. Ele
a co11sideran1 co1110 sujeira", 111ias111a, pt1trefação. À estética do belo a
qt1alqt1er preço, j u11ta-s.e o fu11damentalis1110 ela era virtual.
No momento e1n que. segundo o autor, "a biologia1 a info11nática. a
tecnociência iJUI}Õem a cí.bersexuatidade co1110 rnodelo" - u.m sexo se1n
corpo, u1n sexo contra o corpo -, faz-se necessário, pa1·a 11ão se deixar
habitar por um niilismo en1 ética. retornar à filosofia Revisite,,, obretudo,
alguns tilósofos do corpo, do de ejo e do prazer, oi logía qu.e anu11cia. urn
outro-epidérmico, um corpo para alé111 da consciên.cia e do biopoder
do1nad.ores de produçõe inconscientes de t1n1 saber sobre o corpo que
st1pera a ti.ranía d.e uma estética do corpo contra o próprio corp-o.
O que é arrebatador, escre,1e Nietz..sche, é o corpo: "( ...) não rios
fatigrunos de .nos 1naravill1ar corn a idéia de que o co,po l1u111a110 tornou-
se ' possível' ". 1 Deleuze, por sua ez, na sua rei,1,,eoção de .Es pinosa,
escreve; t'Espi11osa propõe ao ' filó ofo u111 novo 111odelo: o corpo( .. .):
'Não sabe.mos o que pode o corpo' ... (... ) falan1os de co11sciência e de
seus decretos , da vontacle e de seus efeitos, elos 111il meios de 1nover o
corpo, d.e dorninar o corpo e as paixões - mas nós sequer abe1nos de
que é capa.z u1n corpo. Porque r1ão o sabemos, taga.relamos. Como dirá
Nietzsche, espaI1tamo-no diante da consciência, n1as 'o que urpreen.de,
é acin1a d.e tu.do o cor.r o'".2
O corpo é u111a e pécie de escrita viva no qual as força im1)ri111.e1n
"víbrações-i. res 011.ância e cavan1 "can1inbo ". O entido 11eJe e
desdobra e nele se perde com.o 11u.n1 labi1into o.nde o próprio corpo traça
os carni n.h.os.
Adeus ao corpo 11
Material com d1rc1tos autorais
David Le Breton, a sua maneira, recusa a dicoto1nía Alma/Corpo
aprox.irnando-se de Espinosa: "Penso que o dualismo co n.temporâneo
não opõe o corpo ao espí1·ito ou à alma, mas o hornem a seu corpo". Para
Espinosa, a "Alrn.a e o Corpo estão, pois, simultaneamente presentes, e-
é necessário supor -- simultanea111ente ause11tes. Se a Aln1a é a idéia do
Corpo, não há mais idéia quando não l1á .mais corpo".3
Por outro lado, visto que há signos no pensamento - o pe11samento
emite signos -, o inconsciente en1erge como Lima espé.cie de semióti.ca
pré-verbal, o do.rní11io d.os signos qt1e t1·espassam o corpo, de urn certo
modo, uma linguagen1, ou uma escrita da carne 11a. qual a língua se funda
ao mesmo tempo er1'.l qu.e ela a oculta. Trata-se, pois, de reencontrar o
"sentido da. carne", "o texto pri1nitivo" do l101ne1n "natural", media.nte
uma solicitação sem1)re .n1ais exigente do inco·nsciente em detrimento da
Razão, a louca da casa. Ora, a Razão "11ão pode ensinar nada que seja
co11tra a. Natureza", diz Espi nosa .
.Acie11,s ao co ,po, obra densa, documentada, precisa - porém
acessível - é um grande t1:contecimento editorial no campo da antropologia
cor1ten1porãnea do corpo.
DaVid Le Breton, ao propor uma cartografia d.o corpo em suas
múltjplas d.i1nensões imerge o leitor plen.a1.11ente no universo qt1e
acreditávarnos in1perceptfvel: não precisa.r11os absolutamer1te co.nhecer a
'ficção científi~ nós a vivemos a cada dia, A corps perdi,, irrefletidamente.
3. B. Espinosa. Étlque. U, prop. l3, escólio. Oe11vres co,npletes, trad. .Roger Caillois, M. Frances
e R. Misnilii. Paris: Gallin1ard, 1954.
12 Papirus Editora
Material com d1rc1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
porâneo I retoma o processo e, por sua vez, condena o corpo anacrônico,
tão f)Ouco à aJtura dos avanços tecnológicos das últin,a décadas. O corpo
é c.1 pecado original, a rnácu la de ur11a humanidade cJa quaJ algun l a111enta111
que ela não ej a de imediato de proveniência tecnológica. O corpo é um
men1bro supranumerári o, . e,i a necessário uprin1i-lo (Le Breton 1990). A
re ligiosidade gnóstica escapa de suas mú ltiplas fonna doutrinai : hoje a
encono·arrio de u111a fonna laicizada, mas podero a, em certo elemento
da tecrtociência. Ela é até u 111 dado estrutural do extrerno contemporâr1eo
que faz do corpo u1n lugar a er eli111inado ou a er n1odificado de u1na ou
outra ,naneira.2
Adeus ao corpo 15
Material com d1rc1tos autorais
irredutibil idade do sentido e do vaJor, o fato de ser a carr1e do homem,
n1as a IJem1utaçãt) dos eler11entos e das funções que gara nte1n sua
organização. O corpo é declinado ern peças isoladas, é esrn igalhado.
Estrutura 111odular cujas peças poden1 ser substituídas, .1necani 1no que
sustenta a presença se1n lhe ser fundf1n1e11talmente necessário, o corpo é
hoje remanejado por rnorivos terapêuticos que. praticamente não levantam
objeções, 111.as tambétn por 1notivos de conveniência pessoal, às vezes
ainda para perseguir uma utopia téc11ica de pt1rificação do t1on1em, de
retificação de seu ser no n11.1ndo. O corpo e11carna a parte ru i1n, o rascunl10
a ser corrigido.
Para algu1nas con·entes da tec11ociência que estudar11os nesta obra.,
a espécie humana parece mact1lada de uma corporeidade que lem.bra
dema.i a hu mildade de sua condição. A reconstrt1ção do corpo humano,
e até sua eli minação, seu desaparecimento, é o empreendimento ao qual
se dedican:1 esses novos er1ge11l1eiros do biológico. Esse iinaginári()
tecnocientifico é um pensamento radical da suspeita; el e i11strui o processo
do corpo por 1neio da constatação da precariedade da carne, de ua falta
de durabilidade, de sua i111perfeição na apreensão sensorial elo n1undo,
da doença e da dor que o atingem. do envelhecin1ento inelutável da
funções e dos órgãos, da ausência de confiabilidade de seus desempe11hos
e da morte que sempre o ameaça. Esse discurso do descrédito censura o
corpo por sua falta de domínio sobre o r11undo e JJOr sua vulnerabilidade,
pela clisparidacle clara demais coi11 u 111.a vontacle de don1in.ação o ten1po
todo des111er1tida pela co11dição e,ninente,nente precária do hon1em. O
últin10 vol ta-se corn res entin1ento para 11rn corpo rnarcado pelo pecado
origi nal de não ser u111 objeto de f)Ltra criação tecnocíentífica. O corpo é
a doe11ça endên1.ica do espírito ou do sujeito. Muitos autores vêen1 t1oje
com júbilo chegar o 1nomento abe11çoado do te1npo 'pós-biológico"
(Moravec) 011 ''pós-evol11cionista" (Stelarc), "pós-orgânico·· etc., em
s11n1a, do ten1po do fim do corpo, este sendo un1 artefato passível de ser
danificado da .história hu1nana, que a genética, a robótica ou a informática
devem. consegt1ir refor1nar ou eJi.1ninar1 como veremos nesta obra
O corpo não é u1n local de domínio para o biólogo ou o engenheiro
que entendem muitas vezes tratá-lo co1no urn rascunho para levá-lo en.fim
à perfeição últi,na que só esperava a correção da ciê11cia.. Visão
•
moden1a
16 Papirus 'Editora
Material con1 direitos autorais
e laicizacla da enson1atose (a queda .no corpo das antigas tra.d ições
gnósticas), a carr1e do t101ne111 encarna sua parte 1nal.dita qu.e inúmeros
domí11io da tecnociência prerendem por sorte ren1.o-delar, "imaterializ~tr",
transforrnar em 1necani rr1os controláveis para livrar o !1on1e1n do
incômo(lo fardo no qual arnadt1recem a fragilidade e a .n1orte. Díé1nte
desse despeito de er constit11ído de c ai11e, o corpo é dissociado do t1ornern
que ele enca:ma e considerado co1no un1 em si. C<.)n agrado aos inúmeros
cortes pa1~a escapar de sua precariedade, de seus limites. para contro.lar
essa parcela inapreensível, atingir uma pureza técnica. Tentação d.en1íúrgica
de co1r igi-lo, de n1odifi cá-lo, por não se conseguir torn á-lo u111a rnáquina
realmente impecável. U,n a fa11tasia implícita. í11fo r1nulável em un1
co ntexto de pensamento leigo, é subjacente - a de abolir o corpo, elimitlá•
lo pura e sí1nples1nente, st1bstituindo-o por uma 1ná.qui r1a da mais alta
perfeição. Nesse imaginári o que tende .a redefi ·nir a.s con.dições de
existência, o corpo torna-se o meio cada vez menos neces ário pelo qual
as máquinas se desenvolvem e reproduzem. A luta contra o corpo revela
se1npre mais o 1n.óve! que a sustenta: o n1edo da .morte. Co1Tigi r o corpo,
torná-lo uma mec..w ica, associá-lo à idéia da máq uina ou acoplá-lo a ela
é tentar escapar d.esse prazo, a1Jagar "a insustentável leveza do ser"
(Kundera). O co11Jo, lugar da 111orte no ho111en1: não é o que escapa a
Desca.1tes ( 1970) co n10 u.111 lafJSO qua11cJo, er11 uas Meditações. a in1agen1
de u1T1 cadáver e i111põe a seu raciocínio para de ignar ua condição
corporal: "Con iderei-me prin1eira111er1te con10 tendo u111 rosto, rnão ,
braço . e roda essa máq uina compo ta de ossos e ele carne, tal co1110
aparece en1 um cadáver, a qual designei pe lo non1e de corpo" (p. 39).
I111agem tanto mais perturl,ad.ora quanto é aqui tnenos neces ári a.
Adeus ao corpo 17
Material con1 direitos autorais
curiosidade que r11als nada desaJ1n.a . Descle Vesálio, a representação
n1éclica do cor1)o r1ão é mais solidária de uma visão simultâJ1ea do homem .
A pt1blicação do De h.1,t,r,1cir1,i corpori fcLbrica er11 1543 é um mo111ento
sim.bólico dessa 1n utação epistetnológica que condt1z, por diversas etapas,
à medicina e à biologia contemporâneas.. Os anato111istas antes de
.Descartes e da filosofia 1necanicísta fundam wn duaLisrno que é central
11a modernidade e r1ão apenas na medicina) aquele que distingue, por um
lado, o l1oroem, por outro, seu corpo. Na maioria das vezes, a n1edicina
trata r.nenos o l1ome1n em sua singu1ari<iade que e tá sofre11do do ciue o
corpo doente . O probler11as que air1cla se colocavan1 corn relativa
di críção há alguns anos adqt1irern uma amplidão con iderá\1el corn a
enfatizaçã.o e o refinan1ento do~ n1eios técn.icos, a especialização dos
cu.idados, a falta de peso do corpo, o 1nito da saúde perfeita.(Sfez 1995)
e, sob.retucio, a inform.ação e a resistência cresce11tes do usuários.
Co1n os anato.tnista , o corpo huinano pas a por inúmera
inve, tigações, na colocação entre parê11teses do h.orne111 que ele encarna.
A formulação do cog i to por Descartes prolonga historica111ente a
dissociação implícita do ho.mem de seu corpo despoja.do c1e valor própiio.
Não repetiremos essas ru1áli es aq11i (Le Breton 1990; 1993). Lembrer11os,
co11tudo - un1a vez que set1 princípio continua e11do verdadeiro - , que
Descartes forn1ula.co111 clareza un1 tenno-chave ela filosofia n1eca11icista
do séctrlo XVIl: o n1odelo do corpo é a 1náquina, o corpo hu1na110 é u1na
mecânica cliscernJ, el das outras ape11a :pela síngu1ari dade de suas
1
18 Papirus Editora
Material com d1rc1tos autorais
representa nin resto, o que é tocado incliretamente por rriei o de u1na ação
que visá à organicidade. Um dicionário 1noderno de idéias feitas escreveri a
hoje no verbete corpo: ''u1na n1áquina .rnaravilh.osa". A forn1ulação;
poré1n, é ambígua, testemt111ha t1ma ainbivalê11.cia. Réplica à fa111a das
origens. que inúmeros proceciimentos se esforçam por corrjgir, a
as imilação mecânica do corpo humano que põe de lado a densiclade do
ho.mem traduz na 1nodernidade a única dignidade qu.e é possível conferir
ao corpo. Não se co1npara a máquina ao corpo, con1para-se o corpo lt
111áqui.11a. O 1necanicis1no dá paradoxalmente ao corpo seus dttvidosos
títulos de nobreza, sina] incontestável da proveniência dos valores para
a modernidade. Se não é subordinad.o ou acoplado à máquin.a, o corpo
nada é. A ad1niração dos biólogos ou dos cirurgiões diante do corpo
humano, cujos arcan.o s eJes tenta1n penetrar, ou a 1nais cândida cio profano,
pode ser tracluz:ida pela 1n.e 111a ex.cla1nação: "Que máqui11a maravill1osa".
A esse respeito. são inúmeros os títulos de obras ou de artigo que
recorrem à Jnetáfora rnecanicista.
Da ad1nir.ação di.an te da "1náquina mm·a,,.ilhosa", o discurso
científico ou técnico passa depressa à enfatização da fragil idade que 11
caracteriza. Para a 1náquina, mtiquina e meia. Para u 111 certo díscur o
médico o corpo não 1nerece i11teiramer1te tal designação. Ele et1veihece,
sua precariedade o expõe a lesões irreversíveis. Não terna permanência
da rnáqui11a, não é tão cor1fiável quanto ela, nen1 dispõe das co11díçõe ·
que pe1n1íte1n controlar o conjunto dos proces o qt1e 11ele oco11·em.. A
doença e a morte ão o preço pago pela relativa perfeição do corpo. O
prazer e a dor são os atributos da carne, implicarn o risco eia r11orte e da
sin1bólica social . A rnáquina é igual. fix.a, nada se11te porque escapa à
morte e ao simbólico. Para a tecnociência, a carne do homem presta-se
a estorvos, como se fosse necessário decair de un1a realidade tão pouco
gloriosa. A metáfora mecânica res oa con10 uma reparação para conferir
ao corpo u111a dignidade que não pode1ia ter caso pern1anecesse
sirnfJlesrnente um organisn10. Nostalgia ele uma condição l1u.mana que
não de,1eria 111ais 11ftc.1a ao corpo carnal, local da qued,l, da J)recariedade,
n1as que asce11dería finaln1ente a corpo glorio o totaln1ente criaclo pela
tecnociência. O coqJo, ve. tígio n1u lti1r1iler1ar ela origem 11ão-téc11íca do
Adeus ao corpo 19
Material con1 d1re1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
Em.primeiro lugar, examinarem.o o corpo vivido con10 acessó.rio
da f)e ·soa., artefato da presença, in1plicado em u.ma e11cenação de si que
alir11e11.ta un1a vontade ele se reapropriar d.e sua existência, de criar uma
identidacle provisória 1T1ais favorável. O corpo é então submetido a un1
design às ,,ezes radical. que nada deixa inculto (bod)1 bi,ildirzg, ,narca
corpora l, cirurgia. estética, tra.nsexualismo etc.). Colocado coo1>0
represer1tante (le si. cepo de identidade manejável, torna-se afirn1ação de
si, evidenciação de unia estética ela presença. Não é ma.is o caso de
contentar- e con1 o corpo que se tem, n1as de n1odificar ~uas base para
con1pl.etá-lo ou torná-lo conforn1e à idéia que dele e faz. Sert1 o
cor11plemento introduzicto pelo individuo e111 eu e. t.í lo de ida ou suas
ações deliberadas de rnetamorfoses físicas, o corpo eria urna fo1ma
dece,p cionance. 111 ufíciente para acolher S\las a. pírações . Nes a
difere11te repre entações. o corpo cleixa de responder à unidade
fenon1.enológica do ho.me1n, é un1 elen,en.to matetial ele sua J)resença,
mas não sua, ide11tidacle, pois ele só se reconh.ece aí nu.01. segl1ndo ten1po
apó efetuar um trab alho d.e sobre- ignificação c1ue o cond.uz à
reivindicação de si. Mudar1d.o o corpo, pretende-se mudar sua vida. :Es e
é o primeiro grat1de suspeita do corpo (Capítl1lo 1).
A ,nanipulação de si q11e implica as fetTa1nentas técnicas já er1contr<1
referências na vida cotidiana: por exernplo, o uso de psicotrópicos para regular
a tonalidade afetiva da relação com o n1u11do. A desco11fiat1ça do corpo. ou
,nelhor, a desco11fiança de si, condu.z ao recurso p icofarmacológico a
n1olécula qt1e preten amente procluz o esta(io 111o ral de ejado e111 e estar
nem ltm pouco doente. Torna111- e fJroduros j)ara clorn1ir. para acordar, para
ficar e1T1 for111a, {)ara ter energia, at1menrar a n1e111ória. up1in1ir a
an iedacle, o e tre • e etc., tanta próteses qu ímica para un1 corJ)O
percebido con10 fall10 pelas exigências do inundo conte111porâneo, para
permanecer flutuando e111 u1n isterna cada vez rnai.s ati vo e ex.igente
(Capíttilo 2).
22 Paplrus Editora
Material con1 d1re1tos autorais
outros af1r1nam o caráter disponí,,el e prov·isório de um corpo s11tiJmente
se1Jarado de si. 1nas colocado como o ca1ninho propício para fabricar
u111a presença à altttra da vontade d.e domínio dos atores. A instituição
do corpo ern laboratório público ou particular é u1n elos dados elernentares
de nossas sociedades conte111porãneas. A fa11ta ia de u1n corpo liberaclo
de seus ar1t1gos pesos naturais re ulta principalme11te no 1n ito da criança
perfeita, fabricada pela rned icina e carin1bada corn o de boa qualidade
n1orfol6gica e genéti ca. A ass isrênc1a méd ica à procriação i.11duz u1na
concepção da criança fora do corpo. fora da ex ualiclacle. Alguns biólogos
até onham en1 eliminar a n1ul her de toda a ges tação graça à incubadora
artificial. Nessa utopia, a existência pré-natal do indivíduo seri a apenas
u1n percl1rso n1édico en1 c1ue a m.ulher abso!utan1ente não é necessária.
Unia vez con.cebida, a crian.ça é . ulJ111etida a u1T1a séri.e de ex.t:lrnes que
analisam sua qu alid::1de genéti ca ou sua aparência física. Exame ten1ível
de e11trada na vida que perpetua a u peita de urn corpo do qual j á a.
perfeição resulta de un1 procedirnento técnico (Capítulo 3).
A med,icina cleixa de se preocupar son1ente corri cuidar,justificando-
se dos "sof1i1nent()s" po síveis; ela i11ter\1é1n para dominar a vida, controlar
os dad.os genéticos; eJa to111ou-se uma ir1stãncia nor1nat:iva, tm1 biopocler
(Foucat1lt), uma forma científica e cruel de enunciação do destin.o; sem,
no entanto. ser ca1:>az de cu idar dos n1ale er11 evid.ê ncia, ela enttn.1era as
en.fe1miclacles inelutáveis e a que talvez p<) sar11 atingir as pes oas a.os 40
ou 50 anos (coréia ele Huntington ele.). Parti cipa da triagem d.os e111bríões
ou dos fetos de acordo co111 un:i procedi1n.e nto de eleção baseado na busca
da "vida di gna de ser vivida". co,n o acordo do pai , elin1inando dessa
n1aneira os po1t ad()res virtuais das doenças que não ·e sabe curar. Un1a elas
fo r111,1s ele 1) revenção consiste ag()ra nn el i 1n inação radi ca l cio doente
potencial ante. 111esn10 que ele consiga existir e desen.volver ua doença.
1b rnru1do- e vaticinadora, a 111edici na e11tra na era do virtual, clecide o
destin.o de u1n a criança que ainda não existe e já opera no óvulo a seleção
c_i os que vale ou não a pena existirem (Capítu lo 4). Procedi111ento
socia1mente mais econômico do que o que consiste ern 1nudar a
1nenta1idades para torná-las aptas a aco!J1er a diferença. O virtual, figura
de desraq,ue da biologi a ou do espaço cibernético, por sua rel)ercussão
social, cultw:aJ, científica ou política. assinala u.m novo para.digma da relação
Adeus ao corpo 23
Material con, d1rc1tos autorais
do ho1nem o 1nundo. fntrodt1z rupturas sin1bólicas inéditas cujti
00111
natureza antropológica é colocada em questão em sua capacidade de
estabelecer ligação e dar sentido e gosto de viver na escala do indivíduo,
ma. rarnbét.n na da sociedade em set1 conjunto.
Fi11aln1ente, o corpo é suprant1111erári<), pr:i.ncipalme11te para certas
co11.·ente da cultura cibernética que s011han1 corr1seu de ·apareci111ento.
E' transforn1ado em artefato, e até 111e 1no ern "car11ell da quaJ convén1 e
livrar para ter. por fim, acesso a uma humanidade glotiosa. A navegação
na lnternet ou a realidade virtual proporciona aos í11ter11at.1tas o se11ti1nento
de estarem preso a u:1.n corpo estorvante e inútil ao qua1 é preciso
ali111entar. elo quaJ é preciso cuidar, ao qua1 é preci o 111.ru1cer etc., enqua11to
a vida deles seria tão feliz sem es e aborrecin1ento. A con1 unicação sem
rosto - sem carne - favorece as identidades rnúltiplf1s. a iragm.entação
do sujeito coinprometido e.m uni.a série de encontros vi11t1.ais para os
quais a ca(la vez ele e.n dossa t1m r1ome diferente, e até 1ne mo uma i.dade,
um sexo, uma profissã.o escolhidos de acordo com as circunstâncias. A
cultura ciber11ética é muitas vezes descrita por esses adeptos como um
.mu11do maravilhoso, aberto aos "n1l1tantes;, que inventam um novo
universo - esse paraíso necessariamente não tçm corpo (Capítulo 5).
24 Papirus Editora
Adeus ao corpo 25
Material com d1rc1tos autorais
b'iológica, da procriação até a morte, cria o sujeito modificando seu corpo,
interfere com eJe 11a pro:dução de si ou (10 sentimento de si. Artí.fício e
narureza cleixam de ser categorias oponíveis (claro qtle ja11.1ai fora1n,
mas jrunais fora1n tão próxin,a ), rnisruran1-se. Se as referências ct1l turai .
de e11tido se apagrun hoje em dia 11a profu ão, se as reli giões perderan1
sua fac uldade de agru1)ar os homens em torno ele crenças comu11s, muitos
cientistas aproveitam a oportunidade e erige1n-se sem saber em novos
sacerdote , fornecedores de certezas, ant1nc iadores de ainanhã que
louvam as n1uclanças espetaculares na genética o t1 no espaço cibe111ético.
A técnica e a ciê11ci,1, al iá. en1 profu11da crise, são colocadas por algun~
como provedora de alvação. Esse disct.1r o são di parate , proceden1
1nuitas ,,eze de u111 puro i.n1 aginário (mes1110 e aquele que os profere
está convencido d.e sua verdade), de uma utopia, 111as seu po11to comu1n.
como tentaremos dem(Jnstrai; é fazer do corpo rebotalho. Seria mudan.do
o corJ)O que o t10.r11e1n chegaria à alvação.
26 Papirus Editora
Material con1 d1re1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
deve e estender igual1nenre à ua apt1rência e não deixar a carne inculta.
"Ser o que e é torna- e un1 a perforn1a11ce efêmera, se111 futuro, uni
n1aneiri, 1no dese11cantado e 111 u111 in undo er11 n1aneiras" (Baudrillard
1997, ~1. 22). O corpo tornot1- e a prórese de u.n1 eu eter11a111ente err1
bu sca de un1a encar r1ação provi. ória para ga rantir un1 vestígio
ignificativo de i . Inún1er:as declinações de ' i pelo folhear diferencial
do co11)0, n:1ultipJicação d.e er1cenaçõe para . ot)re-si&
rnificar sua presença
no n1undo, tarefa in11)ossfvel que exige tornar a u·abalhar o corpo o ternpo
toclo en111111 percurso ern fim para aderir a i, a u111a identidade efêmera.
n1as essencial para si e para um momento do arnbie11te social .1 Para acJerir
com força à existência. m11ltiplican1-se os signos de sua existência de
maneira visí, 1e1sobre o corpo. Helena Velena, profu11damente ímJJlicada
no ce11ário i tali ano da sex.ualidade telemática e do jogo sobre as
iden tidades sexuai , escreve qtJe
(...) querer 1nodíticar- e, querer colo ar o próprio corpo en1 relação on1
ô próprio self. não é nem urna doença., nern algo de que se deva ter
vergonha. ~1as algo n se reivindicar abertan1ente à luz do dia corn orgulho.
Um hino à liberdade. Con10 no ensi na o 1r::i.n exualí 1t10 ou o ex.o
cibernético. (Velena 1995. p. 19 1)
Adeus ao corpo 29
Material con1 direitos autorais
OLl o fragn1e nto de corpo a ser rnodificado, e o re ultado apó efetuada a
operação. Transirltttação alquírnica do objeto errado. Na gan1a. das
interve.11çõe , o cliente escol he a que proporcionará ao eu ro to Ol1 ao
seu corpo a fonna qt1e lh.e con,,é1n . Seio cheios de ilicone, rnodificado
por próte es ou remodelados, vário ti pos de liftings do rosto, lábio
recor1stituídos ·por i njeções. lípoaspir,1ções ou retalhamento da barri ga
ou da coxas. cabelos repicados, i1nplru1tes subcutâ11eos para induzir as
proporções físicas desejadas etc. Mao.eira de reduzir o d.esvio ex peri111entado
entre si e si. Além do im1:>erativos de aparência e juventude que regem
11ossas sociedades, muitas vezes os que t1sam a cirtrrgia e tética sã.o
ind.ivíduos e1n crise (por di vórcio, clesernprego, e11ve·u1ecimento, 1norte
de um próximo, ruptt1ra com a fiuníl.ia etc.), qt1e encontra.m o.esse rect1rso
a possibilidacle de ro111per de w11a vez co111 a orie11ta.çã.o de sua ex.istência,
modificando os traço de seu rosto ou o aspecto de seu corpo. A vontade
está na preocupação d.e 1TlOdificar o olhar obre si e o olhar dos outros a
fin1 de sentir-. e exi tir ple11a1nente. Ao 1n.udar o corpo. o indivíduo
prete11de n1udar stia vida, n1odificar seu sentimento ele idenridacle. A
... estética não é a rnetamorfose ban.al de unia caracterL tica físíca
cirt1rgia
no rosto ou no corpo; ela opera, e 111 prin1eiro lugar, 110 imagináJ·io e
exerce uma incidê11ci.a na rel ação do i11divíduo com o n1unclo.
Dispen ando un1 corpo ru:1t1gt1 111al amado, a pes ·oa goza ai1tec:ipadamente
de un1 r1ovo nasei1nento, de tirn. novo esL:'1do civil (Le Bretor1 1992). A
cirurgia estética oferece u111 exemplo i1Itpressjo11ante da co.nsidera.ção
social d.o corpo como artefato da presença e vetor de tima ide11tidacle
osten.tada.
.Dorriín.io do corpo
30 Papirus Edítora
qual ele mesrno ostenté1 a in1agern qt1e preten.de dar aos outros. "'E por
seu corpo que você é julgado e classifi cado", dj z, en1 sun1a. o discurso
de nossas sociedade co ntemporã11eas. Nossa ociedades consagrrun o
corpo como e111blema de si. E' n1el hor co11struf-lo ·ob medida pzU'a den·ogar
ao sentin1e.nto ela 1nelhor aparência. Seu proprietário, olhos fiXt)S nele
1n es.mo, cuida para tor11á-lo seu representante rna is vantajoso. As
condições sociais e culturais dos indivfduos certamente matizam. essa
consideração, n1as es e é pelo n1enos o ambiente de nossas sociedades
corn relação ao cor1,o. Se e111 todas as ~ocieclade huma11as ti corpo é
u111a estrutura. i1nbólica (Le Breton. 1990: 1993), torna- e aqtti t1n1a escri.ta
altan1ente reivindicada, embasada por um imperativo de se tran forn1ar,
de e 1nodelar, de se colocar no n1undo. f.\ colocação ern signo per egui.da
por todas as ocíed ades de acordo co1n seus usos culturais aquí ~e torna
un1a encenação deliberada de i con-1 inún1era variações indi viduai e
ociai . que fazen1 do corJ)O um 111areri al a ser Iav ra<i o segu11do as
orientações cie un1 mo111ento.
En1 uma ociedade ele indivíduos, a coletividade de pertinência só
forr1ece ele n1ru1eira alu.síva os cnodelos ou o valores da ação. O fJróprio
ujeito é o n1estre-de-obra que decide a orientação de st1a existência. A
parti.r de então, o mundo é n1eno a herança inco11te tável da palavra dos
mais velho · ou dos tiso · tradicionais do que un1 co nj ur1to di ponível à
sua soberairia pessoal r11ediante o res peito de certas regras. O extremo
conten1porâneo define um. inundo em que a ·ignificação da existê11cia é
u1na decisã.o própria do indjvíd t10 e 11ão inais u1na e,1i.dê.ncia cultural. A
relação com o corpo depende menos da evidêr1cia da ide11tidade cor,sigo
n1esmo do que daquela ,,
de agora ei11 dia11te de tnn objeto a subJi11 har 11a
representação de i. E importante gerir seu próprio corpo co1no e geren1
ou tros patrin1ô11ios d.o quaJ o cor1Jo e difere11cia ca.da vez rner,os. O
corpo tor11ou-se um empreendimenro a ser ach11inistrado da n1elhor
Adeus ao col'J)o 31
Matcnal corn d1rc1tos autorais
r11a.neira possível no interesse do sujeito e ele seu senti.n1ent<) de estética.
O selo do clornír1io é o par ad igma da. relação com () próprio corpo no
contexto contemporâneo. Todo corpo contém a virtualidade de ir1úmeros
outros corpos que o i11d:ivíduo pode re,1elar torn.ando-se o arranjador de
sua aparência e de seus afetos. O d.esinvestim.e nto dos siste1na,;; sociais
de sentido conduz a un1a centralização maior sobre si. A retira.da. para o
corpo, para .a aparência, para os afetos é um meio de reduzir a incerteza
bt1sca11do limites simbólicos o .rnai.s perto possível de si. Só resta.o corpo
para o indivíduo acreditar e se ligar.
32 Papirus Edltora
Material con1 d1re1tos autorais
H. Velena exagera., coloc.a.ndo o transexualismo
O que diz.er dessa prostitui.a que se apresenta con10 tnulher nas prin1ei.ras
conversas e fala ern nome das 1nulheres. inforrna-nos rapidarnente que,
na realidade. estainos dianle de un1 transex.ual e que, urn ano depois.
reivindica sua ídentidad.e rnasculina e sua quaJidnde de trave li? O que
não o impede, a!i{tS, de viver o e encia l de ua vida social co1no unia
nlulher. (\Velzer-Lang e1ai. 1994)
Adeus ao corpo 33
Matonal con, d1ro1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
Faklr Musafar, Jú11 Ward ...). Jítn Wárd abre a pri1neira loja de piercin.g
e,.111975 em Los Angeles, onde co1nercializa.jóias específicas que obtêm
w·n i1ne11so sucesso. As lojas 11111ltiplica1n- e nos :Esta.dos Ur1í.dos e d.epois
na Grã-Bretanha e alcan.çan1 [.>Or fim o resto da. Europa. O .r11e . 1110 grupo
cri.a a revista PFIQ (Pierci11g Fc1.n.r lr1.ten1.a,tion.al Quarterly). O sucesso
das marcas corporais cre ce associa.do à idéia implícita de que o corpo é
u1n objeto rnaJeá.vel, urna forn1a provisória, sem.pre rer11anejável, da
presen.ça frac tal própria. Elas escapam dos lugares margi11ais do
sadom.asoquísmo. do fetichismo ou do pz1,rzk, absorvidas por aqui lo que
se convenciono11 chamar as "tribos urbanas" (pc,tn,k, h1:trcl rock, teclino,
grt.t'tzge, bikers, gays etc.), e propagam-se para o conjunto eia sociedade
por intermédio da alta-cost1.1ra, principabnente dos manequi ns de Gautier,
com uma predileção pelas gerações jovens que cresce1n no ambi ente
intelectual de urn corpo inaca.bado e i111perfeito, cuja. for1na o indivíduo
deve completar com seu próprio estilo. Os estúdios de tatuage1n e de
pierci1ig 1n uJtiplica,m-se e acenrua1n a deinanc1.a.
36 Papirus Edltora
Material con1 direitos autorais
n'lor11ento -en1 que e ru1·anca do cor11u1n, vi ve e tado de consciência
alterada que tenta rei>rod:uzir. 3
Aos 17 ru10, , jejua, p1i va- e de 0110 e arnrura-se com correntes
a.pertadas e pe adas a um n1uro, ali agitando-se durru1te hora.s. Atinge
uma espécie de êxté1se- o pé e os braços entorpecidos, à beira da.asfixia.
Consegue, contudo, livrar-se das correr1tes e desn1oro11a, não entindo
mais a n1enor ensação e111 certos 1nen1bros. E e n1on1e11to é, conti:1do,
uma i l uminação. Depois, faz inún1eras ex periências corporais e1n
situações extremas: recobre todo o seu co r])◊ com u.ma (>ir1tura, dourada
que impede a r" pi ração regument,u·; penclura cor11 anzóis no peito obj etos
pe ado ; u pende cargas e n1 et1s /Jí erc i11gs; sofre, co rn todo
conheci1ne11to de cat1 a. un1a OJJeração que lhe per111ite o alongamento
de eu pêt1i graça, a pe o que a ele fixa; aceita, des a 111a11eira, perder
sua faculdade ge11ésica e vive outra forn1as de ex ual1dade con) sua
co1nJJaJ1heira; enfi a espartill10 mui.to a1Jertados; deita- e nt1rr1a cama de
alfinete ·, d.e lâ111ina . U a urna e ·trl1rura de n1etal i11 pir,1da no di cípulos
hindu de Siva, cor1 tituida cl.e urna série de longa ponta5 de 111.etal que
penerrar11 en1 eu corpo e fo rn1aJ,1 tuna e pécie de leque em tor1,o dele.
Suspende-se en1 ganchos cra\,ado em eu JJeito ou er11 todo o seu corpo
etc. Sua 1Jele é recoberta de tatuagen e fJiercings. Ao lhe perguntare1n
obre o significado de sua co11duta, evoca o praz,e r que ente en1 certa
ações e os estados de êx tase que experin1e11ta co1n ela'. Fakir Mu afar é
u111 exe.n1plo i rnpres ionante cio " pri rnitivi n10 rnoderno", i to é, dessa
colager11 de práticas e de rituai fora de contexto, t1utuando em u1na
eterni(lade i11diferente, longe de eu sign ificado cultural original, n1uitas
vezes igr1or ado por aquele que o er11pregam rransformandO-() em
p•e 1;fv rn1ar,ces físicas. Mas essas experiência. 11em po r isso deixam de
reve tir fo rn1as de sa.grados í11 tir11os que tornarn s ua realização
particttlarmente iriten a.
3. ·•A negatividade cia dor (~ensaçiio fone e inesper:idn) só exis1e paro os não-prep-arndos. , e você
tiver lTeino sufi:ciente. conheci 1n 'nto e prática. pode supern•ln. trnnsfonná-lu ou convertê-ln
no que quiser... É o que ínço quando n1c penduro coo, ganchos na pele. As pl!:Ssoas dizern:
· isso deve doer demais' . Repondo:· ão. é extático. é belo' " (l?e!Sl!nrcli 1989. p. 13).
Tornnruos n encontrar esse fascínio pela dor ctn outi'US pniticas 1rn1ndos neste capíll1lo.
Adeus ao corpo 37
Material com d1rc1to5 autorais
Em inúrneras sociedades humanas as n1arcas corporais são
associa.das a ritos de passagem em díf erentes n1om.entos da existência ou
e11tão são vinculadas a s.ignificados preciso dentro da con1u.nidade. A
tatuagem ten1, dessa maneira, valor de identidade; expres a, 110 próp1io
f11nago da carne o pertencer do sujeito ao grupo, a. u1n sisten1a social:
1
4. Sobre Fakir tv1usafnr esobre os Moden, prfrnirives. remeteinos aos docwnentos de RdSean::li ( 1989).
38 Papitus Editora
Material con1 direitos autorais
de perfor,nances; os tecllO-J>agão ·; finalmente os que go latn de
pendurar-se com ganchos ubcutflneo e outras forn1as de n1ortificação
rituaJ ou de "j ogo corporal" . que pret.en an1ente produzern e ta<los
alterndos. ( l:998, p. 288)
Adeus ao corpo 39
Material com d1rc1to5 autorais
As marcas corporais implicam igual mente t11na vontade de atrair
o oll1ar, de fab ri car un1a estética da prese11ça, mesmo se o jogo
permanece possível de acordo con1 os locais de insc1ição, estejru11 elas
permanentemente sob o oll1ar do outtos ou somente daqueles cuja.
ct1mplicidade se busca Pern1anece1n sob a iniciativa do indivíduo e
encarnam, e11tão, 11m espaço de sacralidade na represe.otação de si. A
superfície cutân.ea irra.di a corn UI11,1 aura particular. Acrescenta
,,
11m
st1plen1ento de entido e de brincadeira. à vida pessoal. E n1uitas vezes
vivida co,no a reapropriação de um corpo e de um rnunclo qt1e escapam;
aí e inscreve fi sicamente seu vestígio de ser~toma~ e JJos~e de i rne.s mo,
inscreve-se um li n1ite (de enüdo e de fato), um signo que re titt1i ao
ujeito o se11tirnento ele ua soberania pessoal. A marca é un1 lin1 ite
simbólico cJesenl1ado sobre a pele, fixa urn batente ria bu ca de significa.do
e de identidade, é uma espécie de assinatura (]e si pela qual o índivícluo
e afirn1a e,n urna .icle11tidacle escolhida. De 111aneira significativa, a
tatu agerJl na prisã.o traduz t1ma resis têricia pes oal à eliminação da
iclentidade indt1zicla pelo encarceramento que er1trega o te n1po e o corpo
à i11vestigaçãc) pern1aJ1ente elos g11ardas. Para o dete11to, in1.boliza urn.a
di . idência inter11a, tiblinhando que a perc1a ele autonon1ia é prov isória,
que o corpt) pe11nanece sua posse prÓf)ria e i11alienável, a marca não lhe
pode ser subtraída (Saunclers 1989, p. 40). Na falta de exercer um controle
obre sua exis têJicia, o coq)o é um objeto ao alcance da 111ão obre o qual
a soberania pessoal q ua e não encoT1tra entra ve . O e tig1na simbolizava
a alienação ao outro na sociedade grega antig,t; hoje, ao contrário, a
marca corporal o tenta o j)e1.1encer a si. ~fracit1z a r1e.cessiciade ele completar
por iniciati\' ª pessoal um corpo por si mesmo i11suficiente para encarnar
a identidade pessoal.
'Body building
40 Papirus Editora
Material con, d1rc1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
corpo pacientemente fabricado, trabalhando sucessivan1ente feixes de
n1úsculos seguindo uma analítica meticulosa da carne.
O uso lancinante das máquinas cumpre sua função: aos poucos.
estas parecem penetrar o corpo e entrar em sua composição. sustentam o
/Joel )· /J11ilder na paisagem técni ca da sala de rnusculação. 5 Em urn a relação
com o espelho mediati zada pelas ferra1n entas de 1nodelage1n de si. o
Í'Jocl_r bttilcler é un1a fortaleza de músculo~ inúteis e rn sua função, pois
para ele não se trata de exercer urna ati viclade física en1 urn cante ,
iro de
obras ou trabalhar corno lenhador em uma tloresta canadense. E buscada
a força musc ul ar en1 si. em sua din1cnsão . irnbó lica de res1auração de
identi dade. O n1úsculo não tcrn incidência e1n un1a sociedade onde as
atividades que exigen1 fo rça lenden1 a de aparecer substituídas pelas
máqui nas. paradoxo (aparente) em um a sociedade que tende à cul tura
cibernética. na qual. como veremos, o corpo é ,n uitas vezes considerado
obsoleto. O bocl_v /Juilcler. o construtor de corpo. constrói se us li mites
fís icos. a cada dia os enfrenta en1 un1a ascese fís ica baseada e,n exercícios
repetitivos: em um mu ndo de ince rteza. constrói passo a passo un1
co111ai11i11g que lhe permite permanecer enhor de si. ou pelo rnenos se
produzir si nceramente a il usão de ser enfim ele mesmo.<> Assume seu
corpo como uma segunda pele, um sobrecorpo, uma carroceria protetora,
com a qual se sente fi nalmente protegido ern um uni verso do qual controla
todos os parâ1n etros. Aqui enco ntramos a dor co mo enfrentan1ento
si mbó lico no limite e ba tente provisório de um a identidade a ser
constru ída (Le Breton 1995). 7 A sala de 1nusc ulação é mui tas vezes
5. P. Schclde fala con1 ironia do ;11or 1\rnold Sch,,•ar1.ncgger. por rnuito 1en1po rnodclo :ibsoluto
do body hui/de,: ele··..: corno u pcçu de urna tecnologia p0<.lcrusu: \'OCé <) leva u ulgun1 lugar.
a1>ert:1 uni botão e ele con,cçu u runcionur... escreve ele. ··é o corpo final dócil. (> corpo
construído. realçado pelos esteróides. que integra urn espírito igual111en1c dócil: o cornpulodor
inteligente que executa os programas. 111:is poucas coisas alén1 disso.. (Schclde 1993. p. 203 ).
6. A esse respeito. ver as análises de 1. Dcry ( 1998).
7. Abordan10s dcn1orada111cn1c a relação íntin,a com a dor rnuscular nas atividades físicas e
cspor11vas que cxigc1n o máximo do corpo ( 199 1. 1995): nào voh:1rcmos a elas .iqui. ,nas
cncontr.unos cm muitas atividades soci:1is essa mcsrna passagcrn obrigatória pek, dor parJ fnbricar
o sentido. A culturJ sadon1asoquistu, que os p1111ks tiraran, de seus ntcliés na lnglatcrn1 dos anos
70 e que virou igualn1cntc moela. tanibém cstit se desenvolvendo scnsivcln1cn1c. Trata-se 1ambén1
nesse caso de produzir uma dor signilicanlc pura o ator cn1 uma rcl.iç-ào ritualizada con1 u111 outro.
Adeus ao corpo 43
'··-- s
cocnpara.da a UJna. câmara de tort.ura. Q11anto mais se sofre, maís os
músculos se dese11volvem e são valorizados. Ao mesrno tempo. a dor
coJ1verte-se e1n u1n gozo difuso que os /)ody bitilclers muitas vezes
comparan1 com. o ato sexual. A sensação vem a'Í substituir o se11tido; o
limite ir1duzido pelo corpo substitui aquele que a sociedade deixou ele
fornecer e que se de·ve elaborar ele rna:neira pessoal.
Body art
44 Papirus Editora
Matcnal corn d1rc1tos autorais
011de o mundo é questionado. A .i11ter1ção cleixa de ser a afir1nação do
belo para ser a provocação da carne, o virar do avesso o corpo, a ilnposição
do nojo ou do horror. O realce das 1natérias corporais (sa11gue uiina.
excrerr1ento. esperrn a etc.) esboça uma dramaturgia que não deixa os
espectadores ilesos e en1 que o arti ta paga con1 st1a [Jes oa, JJelo corpo,
sua recu a do li111ite i1T1postos à arte ou à \1ida cot.idiana. A vor1tade ele
atingir o ot1tro fisica1n.ente e tá muitas vezes JJre ente 110 exagero das
alter.1çõe ou da encenação. O e pectador . ente- e tocaclo participa por
procuração dos sof1i mencos do artista (ou daqui lo q11e o es11ectador deles
i11lagi na).
Para a bod)' a,~1, o corpo é ur11 n1ater1al de tir1ado às fantasia. , às
provoa:i.çõe , às i11tervenções concretas. Em un1 gesto aro.bivalente en1
qu.e o desprezo e r11i srt.1ra .intin1a111ente con1 o elogio. o corpo é
reivindicado co1110 fo nte de c1iação.
Adeus ao corpo 45
Material com d1rc1tos autorais
etc. r11od.ificaram radicalmente os desafios e o cor1texto da bod)' a1·1. Se o
corpo dos anos 60 en.ca:mava a verd.ade do sujeito. seu ser no mundo,
hoje ele não passa de um artifício sub1netido ao clesign. permanente ela
medicína ou da.i.11forn1.ática. Tornou- e aut(Snor110 co1n.relação ao ujeito,
ciborg uizado etc. Em outro ternpos st1po.r1e d2 identidade pe soaJ, seu
statu.s t1oje é m.uí ta~ veze. o de un1 acessório. Di ferenten1ente da pri n1eira
fase da body a ri , na época da Internet e das vjage ns espaciais. os arti tas
pó -111odemo ou pós-h1,11n.arios con .iderar11 insuportável po · uir o rnes1110
corpo que o ho,nem da ida.de da pedra. Pretend.e m alçar o corpo à altura
da recnologia de por1ta e t1b111etê-lo a un1a vontade de clon1í.ni o in tegral.
percebe11clo-o con10 urna série de peças de tacá,Ieis e hib1iclávei à
, .
maqt11na.
46 Papírus Editora
Material con1 direitos autorais
disponíveis atllaltnente. Oscílã entre desfiguri1ção e uma novâ figuração,
inscreve~ e na carne, pois no · a época con1eça a clar-lhe a possibilidade"
(Orlan 1997, p. 1).
A ci rurgia estética é u111a rnedicina de~ti nada a c lientes que não
estão doentes. 01.a que qt1eren1 n1L1dar . tia aparência e n1odificar, dessa
n1ar1eíra.. ua identidade, provocar ur11a revi.ravolta err1 sua relação con1 o
r11u ndo, não se da11do um te1npo para ·e transforn1ar, porén1 recorrendo a
u1na· operação i111bólica in1ecliara que 111odifica un1a característica do
corpo percebícia C<)n10 obstáculo à rnetaiT1orfose. Medicina pó -n1oderna
p<)r excelência - por ua preocupa.ç ão de retificação pttra do corpo - .
baseia-se en1 un1a fantasia de do mínio de si do cliente e na urgência do
resultaclo. Orlai1 des,1ia para seu u o pe soaJ, sem referência à enferrnida.de
ou ao ofrLme11to 1noraJ, u1na cit"t1rgia que e presta às st1a. fan.tasias - a.
tarefa não é au1nentar st1a sedução, nem lt1tar contra o e11vel.he.ci mento
ou corrigir uma irnagen1 desacreditada de si, 111as apenas experi1nentar
os possíveis corpora.is, assu.mir uma carn.e de segu n.cla mã.o, maleável e
deseja.d a como tal, à. maneira de uma roupa empres tada de um guarda-
roupa ir1finito. A cirurgia funciona aqui fora d.a legitimidade médica,
torna-se t11n 111eio de transforma.ção de si e de criação de ur11a obra de
arte que se .identifica à forn1a física do pró1Jrio ujeito. Após a anestesia
da dor graça a un1a peridural , o cirLu:gião e os rne,nbro de ua equipe,
todos vestiêlo por grande costureiro , corneçan1 a trabalhar, seguindo
u1na drarr1atr1rgia n1eticulo a. Urna cerirnônia ba11·oca rne ela a dar1ça à
palav-ra, a pintura à in1agen1 de vídeo ou à fotografia, o teatro, a arte~
plásticas. a carne e a faca. A pe1jorn1a1ice é sub titufda por si ter11as de
vídeo e é difuncJida si1nultanear11.ente err1 diferer1te galerias ou r11useu
en1 Pari , Toronto. Nova York etc. A cena da operação torna-se u.rri a
oficina, e a ir1terver1ção cirúrgica, o e petáculo, n1a ~ tar11bém parte ela
obra apre entada. Fotogratias, desenhos, pi11turas, rel icári o que contêm
sa11gue e gorclt11-a cio arti ra prolonga1n a r;e,:forrna11.ce e . eu regi tro en1
víde<).
Ela escolhe para si uma forma fi ica, faz con1 ç1ue recortem seu
corpo sob medida pela cirurgia, ou tnelhor, cinzela-o segt1ndo u1n catálogo
de citações corpora.is ligadas à hi rótia.cla aite (a Gioconda, Psique, Diar1a,
Vên us, Euro1, a etc.): ela escreve a si mesma física e alegre111ente como
Ad.e us ao corpo 4 7
Material con, d1rc1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
núrnero de ocidenr.ai.s, mesmo onde nã.o exi ste qualquer patologia. As
tecnologias .não se conte.ntam .mais com envolver a vida. cotidiana - elas
ins.inuam-se no â.1nago da intin1idacie {Jara aliviar o indivíduo de seu esforço
de aJl1ansar o fato de viver. E e te se entrega a elas quanto àquilo que deve
sentir do r11t1ndo qt1e o cerca. A progra.n1ação farmacológica de si estende
os poderes do h.01ne1n obre eu uni ver o con1u1n. Os psicotrópico se
oferecem como auxi liares técnicos de existêr1cia, rr1oc:lula.ndo o ângt1Jo de
abordagerr1 do cotirua.no, estabelecencio un1a fanta ia dedomi n.io de si di ~tnte
d.a turbtdência do n1undo. concorrendo para a ciborgt1ização elo indi v.íd110,
para a eli.n1in.ação de fronteira entre o q ue deiJende Cie 116s e.n1 t1m
componan1ento e o qt1e cabe a u111a técnicc1exterior.
O recurso aos .instru111e11tos cie ge tã.o ele si SllJ)Õe a cor1fiança en1
uma vontade pes ·oal 011ipote11te, apta a di rigir as condutas e o hu111or. O
paradoxo de a vontade é clara1nente ab<1icar a qualquer vontade,
er1tregand.o-se à onipotência in1agin{1ria ou real do produto constimjdo.
A.decisão do inclivíduo inrervén1 }tpenas no fio têntr.e qt1e orienta a escolha
da su bstâl1cía para prov·ocar o estado desejado. Quanto ao resto, o
indivíduo perm,:tnece .nos t1i lhos, segue liut1as de força decicli das
anteriormente. A afeti,Jidade é entregue à razão. ao mes1'110 te1npo
subordinad a ao .i.11divíduo e subordinand.o-o.
O p rozac é u111 antide1Jressivo, objeto de enorrne suce o do o t1t1·0
lado do Atlâl1tico. Pro·ved.or de uma quírrlica d.a felicidade, ferran1enta
qt1e n1ultiplíca a energia, depu rador da relação co111 o 111u11clo, sua ação
modifica a taxa de erotoni11a: relati arr1en te eficaz contra adepre são. é
ta.rnbé1r1 muito admirado pelos indivíduos perfeita111ente iritegrado e qt1e
se sentem. be,.n em tia pele. Desviado de seu clestino clítiico inicial,
solicitam-se então uas propriedades que estín1ul~u11 a psique. O l1ome11s
público carregados pela· asas elo s ticesso rei vi nclicam torná-lo
regularrnente para n1elhorar seu desen1penho. Ajuste técnico da relação
co,11 o n1undo no sentido cJe uma eficác i.a de ejada, 111ai cio que bu ca de
u1n 011tro 111oclo de vicia. e1n har111onia co.r1, as capaci dade pes oa'i ·, o
p icotrópico i nstaura- e corno próte. e do sentido. O leque de tratai11en tos
corn o prozac é a111plo: anorexia, a.ngústía, buli111ía, dore crô11ica ,
ciún1es, fobia, distúrbios da atenção. da alírnentação, depressão etc. Brn
u1n a pe rspectiva quase religiosa. os ade_pto do /Jroz,ac não temem
Adeus ao corpo 63
Material con, d1rc1tos autorais
acrescentar às curas obtidas a do autis1no e a da. esqt1izofrer1i.a. Ao
contrá1io dos ot1tros antidepressivos que provocam efeítos colaterai na.da
de. prezí,1 eis, o [Jroz.ac, bem dosado, te1n a fa1na ele não provocar muitos.3
Preci ão, can1po de ação vasto e att ência de efeitos colaterais, coclo os
in.gredientes estão reunidos, observa A . Ehrenberg. pant alin1entar o "n1ito
da droga pe1feita" (1995, p. 145). M . arden e creve en1 i ro11ia q ue. en1
n-o ·a ociedades contem.porã11eas, o estilo de vida conduz a. "unia
defici ência de p rozac'' . Nos EUA., o uso de sa droga é claran1ente
desvincu lado dos imperativos n1édicos e da resol ução quín1ica do
sofriment o m.entaJ. Torna~se Ltm produto de consumo con1um ,
como as
vitan1i_11;1s, urr,a engen}1aria qt1fmíca t1 dispo içã.o dou uário. .E con u1nido
pelo ind ivfduos que -q uerern a un1 ír un1 dornír1io de i cor11 a
preocupação de ainpliação da possibilidade pes oai , da ori111ização
dos recursos afetivos e i.ntelectuais. A icl.e11tidade cio.zela-se qu'i1nicamente
quando se recorre j udiciosa1nente aos produtos apropriados. E o [Jroz,clc
é uma ferrament1 de primeira da paJet::1 disponível para as 1nodi ficações
quí1n_ícas do compor tam ento. Arraiga o sujei to, expu.rgando os traços
que o i11comodam e si11l.ula11do os ciue ele deseja como un1 cosrnético
afetivo. Proporciona o don1írrio sobre si. por 111eio de u.rr1a alqt1i1nia icleaJ:
não sermos n1ais nós mes1nos. para sermos fi11al1nente nós n1e ·mos;
retiflcar1n.o-nos à. rna11eira de u1n esboço que, por fi m, ch.e ga a-o texto
final. A.utor de uma apologia do produto, P. Kramer escreve que seus
pacientes r1·a.tados de sa mitneira "sentem-se rn.elhor do que be1l'1" .4
64 Paplrus Edftora
Material con1 d1re1tos autorais
produtos para fortalecer a vontade, a11corar-se corn solidez em urna
reaJidade fltiruante, sempre provi ória, e pe11na.necer 11a corr1petição. Não
e tenta mais escapar de condições de 1;1ida j ulgadas conte távei · ou
insuf1cientes. Ao contrário, as pe soa nelas se arraigan1, a11ul ando, por
rneio de tranquilizantes, as dificuldade a elas vinculadas ou decuplicando
suas fo rça.s par,1, por u111 rem.po, inscrever- e da melhor forn1a en1 u1na
ociedade em qu.e a concorrência e torna lUaí rud.e e onde o faro ele
viver não cam.inha r11 ais con1 a prÓ'jJria pernas, de maneira que é preci o
ti tentá-lo com regu laridade com tutore far1nac•ol6gico . A ga1 11a de
estado. p ·ico16gicos suscitado pe.los psico11·ópico l1arn1oniza.se com a
identiciade de geo111etria vari.ável que co11vém para se n1anter em boa
po ição er11 nossas sociedades. En1 vez de o nosso hu1nor ser t1n1 efei to
da re sonância do inundo ern nó , queremo tornar o mt1nd.o u1na
con eqüêr1cia de nos a intençã.o. A alvação da vida coti.dia11a re ide en1
u1na fórrnu.la quín1ica qt1e libera de urna parte da incerteza e do n1edo. A.
a1n bivaJéncia do corpo é neutra.lizada. Para orientar um.a opção propicia,
n1ul cít)l.icrun- e o conselhos em revi. tas e pecia.lízadas ou não, em obras
de vulgarização, ond.e . e estabelecen1 co1nplacente111ente as receitas da
felicidade, do repou o e do desempenho. Uma grande quan tidade de
guéas prodigaliza conselho e alin1enta u1na at1to1nedicação real ou
inclireta pelo recur o à. prescrição do n1édjco d.e t}ttem e solicita o produto.
Não se trata 1nais apena . de uma 1nedicalização do ofr1n,1ento exi tencial,
1uas ta1nbér11 de ur11a fabricação psicofar nn acológica de si. rnoclelaçã.o
quín1ica dos cornportame11to e da afetividade que .ma11ife ·ta.m u111a
d.úvida fu 11d.amentaI corn relação ao corpo que convém n1anter à no a
111ercê por r11eio da 111olécula a1:>ropriada.
A sexualidade nã<) escapa da ascendêncja du vontade: dissocia-se
do de ejo graças a u1n e ·tír11ulo externo. O suce' o 1nur1dial do viagrcl
atesta essa preocupaçã.o de e capar do aca o do corpo e do ten1po para
tran formá-lo eln uina n1águina co11fiável que re ponde in1ecliatar11ente
à exigê11cias. O viag ra exerce un1 efeito n1ecã.n ico . obre a ereção; ele
não é un1 a.frodisíaco, .r1ão ester1d.e o gozo. Prótese química para restaurar
a auto-estirtla, dar uma ínlagem positiva ao outro ter1tando iludír, prolongar
infi nitame.nte ajt1ventude sext1al. Fantas ia de domínio do desejo. "Será
tã.o natural par.:t un1 ho1nem de 50 a 60 anos ter no bolso un1a de as
Adeus ao corpo 65
Material com d1rc1to5 autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
sexualidade e cte ur11a fisiologia que assusta. A 1na.rerrúdade rorna,..se então
um arcafs1no ainda parcíalinente corporal, mas q11e não tardará a tornar-
se integralmente urn fa to técnico da medicin.a. É claro que resta o
i.n,,estimento dos interes acio que pode1n rei 11troduzir e ntid o,
reapropriar- e da proc1·iação assistida pela n1edicil1a como uni. episódio
de sua história - a criru1ça pode ser an1ada como deve e o proceciimento
funcio11ar rapida.rnente se1n danos. A criança nascida em condições
"naturais" pode carecer de investíme11to, ser mal amada. Nenhun1a
transparê11cia moral exi te nes e as unto. Não e trata de colocar ern dúv.ida
o rect1rso à procriacÇão in. vitro1 legítima e.111 siruações co111provadas de
esterilidade, n1as c1e obser .ar a .insinuação dessa técr1íca para fora dessas
prescriçõe eia 1nedicina e de ver no qtle ela abala o dados fundamentais
de nos a sociedade : progenjtu ra., maternidade, fe111i11ilidade,
masculinidade ou relação con1 a cria11ça. Aplicacla a un1a 111aioria dos casais
qu.e poderiam dispensá-la, é .manifest~u11e11te o sir1toma de urna dú\1ida
fundatne11tal con1 relação ao C<.)rpo.
Adeus ao corpo 75
Matcnal corn d1rc1tos autorais
do corpo. Y. Knibielher bem qtie percebeu a suspeita que pesa sobre a
mtdl1er: "O idea.l dos ginecolog'.istas", escre\.1 e,
(...) só pode ser afastar essa mulher incôn1oda e chegar o n1ais cedo
possível à gestação iI1 vitro. Esse tipo de fecundação já é b.anaJ, logo se
conseguirá prolongar a vidn do etnbrião in vitro até a gestação completa.
ão é apenas ficção cienúfica: já existem equipes de pesquisadores
competindo para alcançar esse objetivo . A n1atemidade que, no século
XX, ainda constituía a especificidade do sexo fe1ni11ino. eu saber próprio,
sua dignidade, está se fragrnentando, se dispersando, caindo integralrnente
sob o controle da. ,nedicína e da sociedade. (Le t1oncle, 19/4/1985}
76 Papirus Editora
Material con1 d1re1tos autorais
passo para. a conquista de u111a liberdade legfti111a, em qL1e terá urna
capacidade de rrabalho e uma disponibilida{1e finalmente iguais às do
hon1em (pp. 226-227). 'º 1~al genero iclade co11funde. Jean Bernru·d está.
convencido de que a ''igualda.de" de co11dições entre o pai e a n1ãe graças
a es e "progre sos" to111ará as cria11ças "talvez mais felizes d<> que as
do séculos passados'' (u Monde 1 7/2/1982). Magia abe11çoacla que diz
bastante · obre a onipotência religit) a a sociada à ciência e à récnica e
sobre o desprezo das condições de existêrtcia deíxadas à iniciativa da
sext1a[1dade e do pai .
Essa reptiJsa explícita à matemídad.e (e à mulher?), es e ód.ío C{>nfes o
do co11Joque teva a controlar rne n10 gros eiran1ente os JJroce os naturai
levan1 a pe11 ar c.1ue urn dia, ele fato, a criança. na<;cerão de. a 111aneíra,
di ponívei~ ao ren1.aneja.r11ento. fí icos ou genéticos, à e colha cio sexo, à
l1~iage111 de sua qu.al iclade genética. Crianças en1 mãe, er11 pai, cultivacla
en1 u111a provera, incLtbadas J)Or n1áquinas ante de ser enrsegues co111
garantia e serviço pó -venda no doadore (le ga111etas. O hnbita11te do
Brave Ne1,v Vilorlcl de Huxley le111braJ11-~e com horror elo ter11po e.1n que os
homens eram \rívíparo . Ern n1uito aspectos, essa narrativa de 1932 é
t1rn.a prernoníção do avanço atttai da biotecnologia. Con1 todo rigor, a
ectogêne e é o con1plen-1ento neces ál~io de u111a 111eclici na de 11redição qLte
gara11te as im o don1ínio e111 fal11a obre o ciesenvolvin1ento ernbríonário;
ela é o resultado de unla conceJ)Ção rnédica da exi têr1cia ht1n1a11a ern c1ue
o sujeito como tal é 0111 hon1e,n virtttal, epifenômeno de carê1cterísticas
físicas ou genéticas que ciecicle111 s ua e xi tência ou sua morte ob a ég·ide
de t1111a vontade nom1ati va en1 apelação.
Para urn certo ima.ginário da medic.ina, o útero da rnt1lher d.e fato
coloca ein risco a sal.vação e a aúde do embrião. Ml111do arcaico, não-
civilizado. que escapa do controle regular do rnédico, con ti tt1i, [:>Or exeinplo
para o vulgarizador cie11tífico G. Leach ( L970), "o meio n1ai perigoso no
qttal [o ser t1t1111ano] é convidado a viv·er". O corpo da 111ulher é agora
prom0\1 ido a an1biente de alto risco para o de ·envolvi1nento do feto.
1O. A remi nista nn1cricnn:i S. Flrcstone ( 1970) tan1bém considera que por esse procedin1ento as
mulheres estarão liberadns das coerções d:1 reproduç.10.
Adeus ao corpo n
Material con, d1rc1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
13/1/1994). Alg u.mas 1nt1l}1eres acabilm não suportando mais que esses
em.briõe não emprega.d os permru1eçam congelados. 1-lá casai que se
separam e brigam por sua propríeda.de. O amor1toado de células humaniza~
se e provoca t1m dilema. de consciência. Destrttí-los ou abancloná-Jo .
provoca en,tão o sentiinento de tima e pé ·ie ele traição contra es as
"cri a11ças" ado.11ne.cida e que foram objeto de tanta aflição e tanto de ejo.
A irnpo tência de re olver e -e d,ilen1a enqui ta a qt1escão (Mattéi l 994).
E, quancl.o os ' ·prus ·;,(.,,,. fi1ca.m "ó...r-:r
. " n1orrem, e o em b11.\JÇ 11ao " , a 1tuaçao
. -
ror11a- e ainda ma.is confu a.
86 Papirus Editora
Material con1 d1re1tos autorais
Se a diferença morfológica ou funcíonal fosse i1.1sigr1ificante
sociaJmente, 11ão seria pesquisad,a, ar1nazenada, exposta a esse ponto à
ct1rio idade dos arnadore nos 111u eus a11atô111icos . .Algu111as ar1edotas
ini _tras da hi tória da a11atornia revela1n, aliá , os exce o qt1e es e
frene i de colecio11a.dore podi.a r>rovocar (L e B reton 1993) . A indi crição
cios pa ~antes aos olhares sen1pre a. se tado no in ólito corporal é a versão
{)Op ul ar de uma pai xão n16rbida ben1 co n1parli lh ada. O horr1en1 é
r11oral1nente reduzido aper1a ' ao estado de seu corpo percebido con10 ti m
ab oluto; é dedt1zido, de certa fortn a, pela 111.aneira cocno a1:>arece ao
o l110 ~ do o utro . Aanato1nia ten1 aqui valor de de tino . Fala-se, aliá ,
de "deficiente", con10 se fos e da nat ureza da pes oa." er t1n1 defic.iente"
rnaj do que "ter" un1a deficiê11cia. Apen as ua pre ença já ge ra urn
incôrnodo. u111a de order11 na sitt1ação da interações sociais mais cornuns.
O emaranhai11ento fluido da pala,1 ra e do corJ)O, eia di tâ.ncia e do contato
con, o outro ciepara com a opacidade real ou i1naginária do corpo e su cita
u1n questio11amei1to ai1gustiado obre o que cor1vém f azer ou não. E o
mal-estar é tanto n1 ais vivo c1t1anto o atributos fis icos do i ndivíduo
i1npedem a id.e11t i.ficação co111 ele:. O simbó lico trar1qtWiza.nte que preside
as interações não é n1aís u.sado. Mai ainda. o t1ornern que te1n un1a
deficiência visível le1n bra com forç~1a precariedac1e d.a co11dição ht1rna11a,
de perta a fantasia da fragn1e11tação do corpo que habita 111uitos pesadelos
(Le Breton 1990).
Adeus ao corpo 87
Material com d1rc1to5 autorais
O e.mbrião e o feto são o centro de ínún1eros procedimentos de
controle. As diversa form as do diagnóstico pré- nata.! (DPN) perrnitem
verificar seu " bom. estado" e submetê-los a um exarne atento de sua
legiti1nidacle para exi tir. O o:PN foi apl.icado pela primeira vez nos anos
70 para a íde11tificação da tris o,nia 2 1 ante de e e tender às molé tias
de crorno 01nos e outros di túrbio n1eta bólíco . A ecografia abriu en1
eguida ca:minho para a detecção de 1nás-forn1ações .n1orfológica . Ma.i
tarde, os progressos da biologia 111olect1lar ro1naram possível o diagnóstico
pré-natal. ela miopatia ele Duchenne 0 11 da rn ucoviscidose e outras
rnoléstias genética . O DPN 13 torna- e un1 exaJ11e roti neiro ao qual a
medicina e os pais ub1neten1 a c1i.ança que vai na cer a fir11 de verificar
sua cor1formiclade genética e ,norfo lógica. /.'\ s veze . em certos {Jaí es. a
arnnioce n.tese ou a ecobrrafia é utiliza.d a para estabelecer o d.iag.nóstico
do sexo e eli1ninar e:tn eguida os fetos norn-1ais de e xo indesejável. Se
é constatada urna enfern1iclade. o obj etivo terapêutico é acessório porque,
de qualq1.:1er T11a.neira, os di túrbio, er1contrados rarai11ente podem ser
tratados. A identi.fi cação de u1na doença genética, que hoje e ·capa a
qualquer trata111ento de cru·a, provoca u.n1aeve·ntual deci ão de interrupção
terapêutica da gravidez (ITG), a 1nedicina passando de un1 papel
terapê utico a urna obra de upressão do que a põe em xeque. À vezes
trata- e de uma . in1ples presunção, como, por e:,xen1plo, o duplo
crornossorno Y, aJ1on1alia banal, mas à qual o boato genético atribuitt o
r101l1e d.e '"crornossomo do cri1ne" fJOrque algt1ns pe qui adores de
Edin1tJt1rgo d.escobri rarn u.111 bo.111 número de indivídt10 portaclore d se
cro1110 . 01110 em um e Labelecin1ento e pecializado no tratarnento de
pacientes considerados perigoso. . O bo pitai americai10 e tabelece1-a111
in:1ectiata1nente exarnes siste1náticos enquanto a n1ídi~1 ali,nentava o
boate> . Algt1ns anos depois, um estuclo dinarnarquê ,nost:rava que um
par de crom.ossomos Y st1plen1entar induzia apen.as t1rn,1 leve deficiência
13. As diferente. formas de diagnóstico pré-natal são cm geral demoradas. Tern1í11ado o exame,
são nticessári,IS várias semanas para saber o resultado. Enquanto isso. a mul11er pernlnnece
nu expecta.tiva; seu ínveslin1enlO .il'ctivo, suspe11so. A criança está a.ti sem eswr; ti mãe às vez,es
asente, mas deve conler sua en1oção por ,necto de se upegar nelu e descobrir cm seguida que
é portadora potencial de alguma doen-ça grave ou 1rissõmic11.
88 Papirus Editora
Matcnal corn d1rc1tos autorais
rnental pouquíssimo incon1patível corn uma existêncja social normaJ.
Os t1c)111en marcados ge11etic{Lmente dessa fo11na não apresentavam
qualque.r agre si vidade ar1or1n al.
O diagnóstico pré-implantação (DPI) é un1 outro exa me realizável
no en1b1iões fec und ados in vitro; visa prevenir o nascin1ento de u111a
criança exposta a t1ma e11:fer1niclade grave. Realiza- e a partir ele algurr1a
célula. dos e111briões . É u 111a ver ão rnell,orada elo DPN na medida em
que per111ite de i111ediato a .eleção do embrião con iderado mai propício
à i1nplantação. enquar1to o DPN é feito depois de iniciada a gravidez. 14 O
DPJ oferece, portanto, um rneio confortável de fazer a tri age1n dos
en1bri õe e n1anter os candid.atos de acordo con1 certos crité,ios genéticos.
'·U,n tiefeito me11or que 11ão justificaria a i nterrU[JÇào de un1a grav idez" ,
di z J. Testart, ··poderia er levado er11 conta na rriagen1 d.os ern.br:iões,
porqt1e o nascirn.ento da criança não seria adiado por e se 1.n otivo" (1992,
p. 97). O DPI toma., porta11to, a lançar a fanrasia <lo "aperfe.i çoar11er1to da
es1Jécie" e do eugeni mo, abrindo t1ma brecha moral e1n escala coletiva,
reduzindo ainda 111ais a criança a objeto. O DPTserá 1nuito atraente para
os casais qt1e não queren1 correr nenhun1 ri co no contex to de ur11a
sociedade de garar1tía e segura11ça (fe taJt 1992. p. 2 12). 15 O peso da
fect111dação ín, vitro va,i parecer-lhes decerto u1n maJ inenor do que o
risco de u1na gravidez ignorando-se a " qual.iclade ge11étíca" da cria11ça.
O .. 1nétodos de seleção refinada do que se tor11a fí11ah.11e11te r11aterial
gertético tra11 form an1 às veze de maneira radical a. própria cria.nça en1
prótese clara111ence afírrnada qua.ndo, porexen1pl.o, o. pai a conceben, a
fim de urílizá -la para conseguir rt1edttl a 6. sea en1 proveito de um OL1tro
f1 lho cJo ca ai ati ngido por algurr1 a for111a de câncer, ccHn, é c laro , rnu i tos
prote··tos de an1or con1 rel ação nela. Os pais não hesi tam ern recorrer ao
14. ··Exis1e u 1en1açno de ativar o DPI. para fugir do DPN. de eleger o seleção precoce e indolor
untes dn supressllo tardin e dilnrei1Lnte" (Tes1art 1992. pp. 270-27 J ). A lei francesa votada e111
1 julho de 1994 enciuadra o DPI de rnaneira bas1ante rigorosa. Outras legislações si'lo ,naís
1 la.xíst.a.s.
15. Con1.inua a existir a questiío no plano genélíco dn efeito a longo prazo sobre a espécie de tal
1 seleção de indivfduo cott1 base em sua anomalia crotno õmica. Ninguém pode avaliar as
con eqUências em 1er1nos de saúde pública. As propriedndcs de um gene . ão 111úHiplas e estilo
longe de ser toda conhecidas.
Adeus ao corpo 89
Material con, d1rc1tos autorais
aborto se o istema itnunológico do embrião ()11dô feto não corresponde
à sua exigê11cia. Na hípótese de os pajs recor:rere1n. à procriação in vi1.ro
para e beneficiare111 do DPI, pode111, des ·e moclo, e colher o ernbrião
cornpatfvel co111 a pessoa qlJe JJrecisa do tra11spla11te (~fe tart 1992. pp.
l 2-183). Es a criança nasce, as im, apó . un1a triagen1 d.e ernbriõe, a
fim ele er genetícan1enre con1patíveI co1n um i11não ou coin uma ir111ã
que e. pera un1 trans plante de meclula. Na fertilização ir1 vitro, o DPl é
un1a garantia da criança que vai nascer, um inve timento ele te1n.po e de
di r1.heiro para adquirir a certeza de um bom.produto final, de uma criança
à lct cari.e de acordo com a vontade udos pais", validada pelas .normas de
aparência d.a ocieclade. Cor11 o DPI é possível 1natar no ovo. ante da
sua in,plantação. os embriões portaclores de doença genéticas, con10 a
miopa.tia, a hemofilia, a tTisso1nia etc. E de ó conservar os embriões
ílesos. A triagem do sexo tambén1 se ro,r na possível, permitindo de
imedi~1to wna escol.l:1a de aceitação ou elir11i1,ação dos embriões machos
em caso de doe11ças que só atingem esse sexo. As pe quisas paralelas
sobre o genoma h11n1ano fornecem a esse método de triagen1 uma terrível
eficácia no controle normati,,o e eugênico da condição ht1rnana. O
e1nbrião tornou-se t1r11 obje to vírtua.l st1jeito a procedin1.e11tos de
i1n11laç-ã.o. Antes 111esrno de exi tir co,no ujeito, já se efetua sobre ele
un1a projeçã.o i111aginária e a ele j::í. se insinua, se 111a ni fesla algt1ma
a1101nalia, qt1e o sofrin1ento que o espera apó o na. ci.mento prevalece
sobre o prazer que teria em viver, e decide~ e por ele que nes as condições
seu de _aparec.irnento é preferível a uma v11rongfi1l life.
Adi crirninação genética 16 do nasci.n1enco que condt12 à interrupção
terapêr1tica da gestação é tanto tnais perturbadora qllanto muit.'ls vezes
confunde genótipo e fenótipo. Ott seja,, virtual e real, rnen agern do gene
e funcio.namento dentro do org~u1i mo. estatística e realidade única. Stu·ge
uma nova meclíci11a, que nã.o trata tnais o doe11te, 111as urna categoria
hipotética. De fato, as doenças genéticas não tên1 a 111es1nas incidências,
J6. i-\ disc1i 1ninoç.lo genética já está mui10 prese.me nos EU A: compreende con,f.}anhias de seguros,
serviços médicos, agênt:ius de udoção, n orl1ninistn1ção pública, estnbelrximcr1tos escolares,
en1presas p-articuJa.rcs etc. (Rifkin 1998, p. 2 16 ss; Kevles 1995, p. 367 ss; Blanc 1986, p.
:M7 ss). En1 cenos estados an1e.ricanos, os ex::unes genéticos tomnrnm-se obrignt.órios (Kevles.
1995. p. 400).
90 Paplrus Editora
Material con1 d1re1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
prova te111ívei do e ·ar11 e de UfJtidão para a vida dos e111briões ou dos
feto . Con10 lemlJra J. Te tart.
A liberdade de escolher nos. o·· fi lhos poderia bern ser apenas a liberdade
de especíali ta . E. o que dizer ela liberdade de sas n1.esn1.as criaiiças
l ançadas na ex istência con1 base no índice de co11forn1Jdade? Proibidas
de decepcionar nisso quen1 as elegeu. nem por is..so estariam livres de
apre eri tar ín1perfeições variadas. (Tesu1r1 1992, p. 242) 17
17. ·'Moje··. escreve Duster ( 1992. p. 14). "n discussão pública pan..'C.e ocorrer entre cspecinlisutS
(geneticislas, rnédicos espe:cislis.t11s, pe quisadores etc.) de wn Indo. e, de 01.1t.ro, críticos que
fonun npresentados como 1olos, teimosos, iguaros. luditus prontos o en1em.1:r n cabeçn. 1u1areia
ou tentar bloquear a ntnquina.ria do progresso. Eu gostaria de ver uni outro nível de discussão
e111 que os cidadãos. n1ui10 rnnis he1n iníorn,ndos, se engajarilun nurn d.eb111e nnin1ado sobre
questões como o segredo e :1 divulgação. os 1ernpias Oll as dele<..-ções. a nu1rição ou O$ genes"'.
Adeus ao corpo 93
Material con, d1rc1tos autorais
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
You have either reached a page that is unavai lable for vi ewi ng or reached your vi ewi ng li mit for thi s
book.
O ge,1etícar11.e1ite correto
3. Pesquisadores que 1'l\1-:-1n1ente :-tO geneticistas. rr1as ru1les erologisu1s ( Dav.1 kins). cnton1ologistt1s
(\,Vilson). psicólogos (Hen-stein. Jensen. Eysenck. Mumiy. Rowe. )\il cdnick ... ) etc.
3• Ed.
ISBN 85-308-0724-3
PAPJRU ED ITORA